Quem me dera ser onda
By Manuel Rui
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Zeca e Ruca, os filhos de Diogo, se empolgam com a ideia de uma nova "linha alimentar" na casa e começam a cuidar do porco, a quem dão o nome de "Carnaval da Vitória" (época planejada para o sacrifício do pobrezinho). A duras penas as crianças conseguem esconder o animal do restante dos vizinhos e do insistente administrador, o que acaba gerando um punhado de histórias que fazem enorme sucesso entre os amigos de colégio. Zeca e Ruca passam a tratar "Carnaval" não apenas como um animal de engorda, mas como de estimação, criando laços fortes de amizade entre os três.
Mas Pai Diogo não esqueceu da "feijoada carnavalesca" e, para ele, o porco é apenas um porco. Dessa maneira, os meninos terão de fazer o máximo que puderem para impedir que seu mais novo amigo vá parar na mesa de jantar.
Manuel Rui não conta apenas, com este livro, a história de uma amizade entre duas crianças e um porco. Na verdade, ao ambientar a situação da família Diogo em Angola, ele faz críticas aos revolucionários acomodados, à situação da distribuição de comida, do ensino, e à ineficiência dos oficiais de justiça e dos políticos do país.
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Quem me dera ser onda - Manuel Rui
Manuel Rui
QUEM ME DERA SER ONDA
Novela
Com prefácio de
Rita Chaves
logotipo GryphusRio de Janeiro
SUMÁRIO
Prefácio
Quem me dera ser onda
Glossário
PREFÁCIO
ornamentoPassados tantos anos após a sua primeira edição, Quem me dera ser onda , por várias razões, permanece um livro surpreendente. A história que nos conta é tão simples quanto insólita: um homem leva um porco para o apartamento em que vive com sua família, com a finalidade de engordá-lo para consumir-lhe a carne e assim variar a dieta limitada pelas dificuldades daqueles tempos. A relação de afeto que surge entre seus filhos e o porco vai trazer algumas reviravoltas ao seu plano e, na disputa que se arma sobre o destino do animal, encena-se, na verdade, uma contenda de valores. De um lado, o empenho pela solução dos próprios problemas; do outro a solidariedade de um afeto desinteressado. Acompanhando o olhar tão agudo do narrador, vamos conhecendo, no cotidiano das pessoas que habitam o prédio onde o porco vai viver, a dinâmica de uma gente que precisa reinventar seu mundo, procurando criativamente formas de responder às demandas do dia a dia.
A história se passa em Luanda, apenas alguns anos após a independência de Angola. Eram tempos conturbados, quando o país enfrentava uma sucessão de conflitos que se estendiam desde 1961. A real ameaça que a guerra significava, com a África do Sul dominada pelo apartheid ali ao lado, convidava ao rigor na defesa das conquistas e inibia a manifestação de críticas. Para o Ocidente, sempre refratário em compreender códigos diferentes daqueles que aprova, o suposto silêncio seria reforçado pela opção pelo socialismo que o governo independente havia feito. Todavia, mantendo o compromisso com a utopia que havia mobilizado tantos anos e tantas formas de luta, a literatura angolana mais uma vez viria oferecer um espaço de questionamento e colocaria em cena certas perturbações à festa da libertação, sem, é preciso dizer, colocar em cheque sua legitimidade.
O curioso é que o exercício crítico não vem de um dissidente. Quadro importante do Movimento Popular de Libertação de Angola, o partido no poder desde novembro de 1975, Manuel Rui foi também o compositor do hino do país e já havia registrado sua adesão em livros anteriores. É desse lugar, com uma linguagem viva e sedutora, que ele nos permite entrar no cotidiano agitado das pessoas simples que habitam o prédio onde o porco vai viver. Apoiando-se na força do humor, seu narrador escapa ao moralismo esquemático e consegue desvelar as contradições que a grande transformação histórica trazia, apontando vários problemas e acusando os oportunismos que os excessos burocráticos criam. Mas faz-nos ver sempre a força de uma gente que na ordem do dia tem o dever de desenrascar-se
, para usar uma expressão daquele contexto. A vitalidade das soluções encontradas e a graça de uma expressão linguística que brinca com os slogans contrapõem-se à rigidez do discurso oficial e conferem um ritmo divertido e contundente à narrativa.
Ao atribuir às crianças um papel especial – o de lutar por valores ditados pela generosidade –, o narrador parece nos dizer que o reino da utopia não é para agora, mas pode estar a caminho. A literatura que havia participado da construção do sonho, com as denúncias das iniquidades do colonialismo, agora empresta seu olho crítico para mostrar o que precisa ser mudado no novo mundo que se constrói. Nesse movimento, se somos colocados diante de algumas inviabilidades práticas da revolução, também desenham-se diante de nós a capacidade de resistência dos angolanos e a força com que iam equilibrando sua esperança de liberdade e paz. É essa a fabulosa energia que salta das páginas da instigante novela para nos fazer rir e para nos avisar que o desejo de ser onda deve permanecer em pauta, mesmo e/ou sobretudo em tempos de desalento.
Rita Chaves
Professora de literaturas africanas de língua