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SARDINHA, M. (2007) Literacia em Leitura e Construção do Conhecimento. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
Falo, ouço, escrevo, voltome ao mundo, busco a união através das coisas
do mundo. Esta busca é mediada por um determinado tipo de linguagem
– sem ela inexistiria a possibilidade de expandir as minhas experiências e
de participar da transformação da cultura.
(Silva 1979: 65)
O acto de ler interpretado numa verdadeira interacção entre o texto e o sujeito
leitor, permite que todo o ser humano seja mais interventivo, reflexivo e crítico, se
auto‐conheça, se realize e possa ampliar o seu projecto cultural de vida.
Porém, para se tornar um leitor competente, qualquer sujeito terá de saber
interagir com o texto, extraindo os significados deste, construindo assim, o seu
próprio metatexto.
Veja‐se como Manguel (1998) nos transmite esta interacção que, na nossa
opinião será sempre imperfeita, entre o texto e o sujeito leitor:
Seja qual for a forma como os leitores fazem seu livro, o resultado é que
esse livro e o leitor se tornam um só. O mundo que o livro é devora o leitor
que é uma letra no texto do mundo; assim se cria uma metáfora circular
[…]. Nós somos aquilo que lemos. […] o texto e o leitor entrelaçamse […] é
por isso que […] nenhuma leitura pode ser definitiva.
(Manguel, 1998: 182)
Ao leitor cabe abordar o texto com as suas próprias estruturas cognitivas e
afectivas. Ao receber o texto, pode construí‐lo de várias maneiras e fazer diversas
interpretações, refere Giasson (2000). Todavia, as leituras, para além de sempre
imperfeitas, também não são infinitas. Há, logicamente, limites impostos pelo
senso comum e, ainda, convenções gramaticais a respeitar.
A ênfase atribuída ao leitor é hoje, sem dúvida, reconhecida como essencial à
compreensão de um texto. Sem este, o texto permanecerá para sempre um
conjunto de marcas silenciosas (Manguel, 1998).
Eco (1993) corrobora esta ideia pois também ele considera indispensável a
presença do leitor, factor único para a existência do texto, quer ao nível da
mensagem recebida, quer ao nível da (re)construção do mesmo:
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SARDINHA, M. (2007) Literacia em Leitura e Construção do Conhecimento. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
O autor assinala o papel das estruturas cognitivas das quais fazem parte os
conhecimentos sobre a língua tais como:
Conhecimentos fonológicos – distinção dos fonemas de uma língua;
Conhecimentos sintácticos – ordem das palavras na frase;
Conhecimentos semânticos – sentido das palavras e sua relação;
Conhecimentos pragmáticos – utilização da linguagem adequada à situação.
Estes conhecimentos organizam‐se, por sua vez, em esquemas – conhecimentos
sobre o mundo que todo o sujeito traz consigo e que permitem relacionar o texto
com os conhecimentos anteriores.
Também nos trabalhos de Adams e Pruce (1982), a ênfase atribuída aos
esquemas mentais do leitor assume uma importância decisiva. Os autores
consideram‐
‐nos fundamentais para que o texto tenha significação, referindo que sem estes não
poderão observar‐se novas aquisições:
A compreensão é a utilização de conhecimentos anteriores para criar um
novo conhecimento. Sem conhecimentos anteriores, um objecto complexo,
como um texto, não é apenas difícil de interpretar; para falar com rigor,
ele não tem significação
(Adams e Pruce, 1982: 23)
Nesta perspectiva os trabalhos de Rumelhart (1975) apontam o processo de
recuperação e modificação destes, durante o processo de leitura. Quanto mais
vastos forem os conhecimentos, maior será a possibilidade de sucesso do sujeito
leitor.
Quanto às estruturas afectivas estas são responsáveis pela atitude daquele face
ao texto. Daí dependem o interesse e o grau de cumplicidade nesta interacção
refere Giasson (2000). A autora faz referência a alguns elementos considerados
mais interventivos ao nível das estruturas afectivas, como a capacidade de arriscar,
ou até o medo de não conseguir atingir o sucesso desejado.
A leitura, os contextos e a construção do conhecimento
O contexto engloba todas as condições nas quais se encontra o leitor ao interagir
com o texto. Todavia, para Lopes (1984), do contexto fazem parte todas as
condições externas que condicionam a produção e a recepção deste. A autora ao
enfatizar as condições pragmáticas que regulam a adequação do texto ao contexto,
refere que este último engloba:
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Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
Nesta perspectiva, salienta‐se a importância atribuída aos actos de comunicação
como forma de interacção social, cuja situação concreta é moldada por factores
psicológicos e sociológicos.
Três tipos de contextos são referidos por Giasson (2000): o psicológico, o social
e o físico. O contexto psicológico remete para as condições contextuais de cada
leitor, ou seja, o interesse pela leitura, a motivação e a intenção de leitura. Quanto
ao contexto social diz respeito às manifestações de situações de leitura num
determinado espaço. No respeitante ao contexto físico, devem ter‐se em conta as
condições materiais em que o processo de leitura se desenvolve, tais como a
qualidade de reprodução dos textos utilizados, a temperatura do ambiente e a
intensidade do ruído.
Manguel (1998) assinala a importância dos contextos físicos e psicológicos, e na
sua opinião estes influenciam‐se mutuamente:
Sabia que nem todos os livros eram próprios para ler na cama. As
histórias policiais e os contos fantásticos eram os mais conducentes a um
sono repousado.
(Manguel, 1998: 61)
[…] certos livros não requerem apenas um contraste entre o seu conteúdo
e o ambiente que o rodeia; parecem também exigir posições específicas
para serem lidos, postura do corpo do leitor que por seu turno requerem
lugares de leitura apropriados a essas posturas […]. Há livros que leio em
sofás e outros que leio à secretária; há livros que leio no metro, em
eléctricos e outros carros […]. Os livros lidos numa biblioteca pública
nunca têm o mesmo travo dos livros lidos nos sofás ou na cozinha.
(Manguel, 1998: 161).
Ler muito, saber criar contextos de leitura e ou saber usufruir daquilo que estes
nos podem oferecer/enriquecer é uma forma de desenvolvimento de nós mesmos,
da nossa identidade, sempre inacabada, logo em permanente construção e
concomitantemente do desenvolvimento da própria inteligência de todo o ser
humano.
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Sternberg (1985), autor da teoria triárquica, refere‐se à forma como se organiza
a inteligência, à comunhão do indivíduo com o meio, enfatizando o papel das
experiências:
A teoria triárquica é uma teoria do indivíduo e das relações com o seu
mundo interior e o seu mundo exterior. Considero as experiências como
mediadoras desses dois mundos.
(Sternberg, 1985: 317)
Por meio da teoria (triárquica), o autor assume que a formação da inteligência
tem lugar entre os dois mundos, interior e exterior, o que remete para a
capacidade de um sujeito como ser único e individual. O privilégio atribuído aos
contextos nesta adaptação ao meio assume uma importância considerável na
óptica do autor mencionado:
Vejo a inteligência como a actividade mental do indivíduo, dirigida para
uma dada finalidade e procurando a adaptação, a selecção ou a
transformação do meio (mundo real) importante para a sua própria vida.
(Sternberg, 1985: 45)
O indivíduo vai criando adaptações sucessivas ao ambiente que o rodeia e, em
simultâneo, vai desenvolvendo a sua actividade mental, sempre de acordo com o
contexto em que vive, segundo os seus próprios objectivos.
Nesta perspectiva, a subteoria experencial é a responsável pelo modo como se
realizam as tarefas ao nível do processamento da informação.
No referente à leitura, onde aquelas tendem a assumir um carácter de
automatização, podemos afirmar que existe uma relação de causa/efeito entre o
desenvolvimento da compreensão do mundo que nos rodeia, a capacidade leitora e
a construção do conhecimento.
Perkins (1986) defende que toda a aprendizagem se faz num continuum. O autor
diz‐nos que a inteligência dos sujeitos (alunos) só pode ser melhorada, se forem
privilegiadas as estruturas do pensamento. Neste sentido alerta para uma
pedagogia centrada numa perspectiva construtivista:
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Podemos levar o aluno a pensar estrategicamente sobre o seu próprio
comportamento para que ele tente inventar as estruturas de pensamento
necessárias.
(Perkins, 1986: 8)
A teoria de Gardner (1987) remete o conceito de inteligência para competências
individuais autónomas – múltiplas inteligências. O autor distingue sete
competências na inteligência: motora, musical, lógico‐matemática, linguística,
espacial, interpessoal e intrapessoal.
Falar da construção do conhecimento através da leitura implica, ainda, uma
alusão, embora breve, tanto à metacognição como à memória, pois ambas
apresentam uma relação de causa efeito neste percurso.
Bjorklund et al. (1990) dizem‐nos que as mudanças que se vão operando ao
nível do conteúdo do conhecimento estão directamente relacionados com a
utilização de estratégias de memória. Esta perspectiva é analisada nos trabalhos de
Erickson e Simon (1984) que remetem para o conceito de memória activa. Para
que esta se desenvolva ao nível da metacognição, deve privilegiar‐se o
questionamento sistemático dentro da sala de aula. Tal procedimento que,
segundo os autores, deverá sempre ter em conta os textos, visa dirigir a atenção
dos sujeitos para os aspectos relevantes da semântica do processo cognitivo.
Só sendo leitores competentes poderemos ser livres nas nossas escolhas e,
consequentemente, exercer democraticamente a nossa cidadania.
Continuando a dar resposta às questões de partida, acreditamos que não tendo
a leitura como projecto de vida, não pode haver conhecimento; que a maior parte
do conhecimento tem raíz na leitura; que os vários tipos de conhecimento que a
leitura proporciona se relacionam entre si; que a leitura transporta consigo uma
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carga emocional tão forte, que sem ela a vida não pode ser sentida e compreendida,
visto ler implicar sempre compreensão.
Para Heidegger(1962 ) o homem ascende ao ser ou seja vive em plenitude
quando compreende:
Saber buscar um sentido mais profundo para e na leitura, é, sem sombra de
dúvida, procurar potencialidades de existência para o ser humano.
BIBLIOGRAFIA
Adams e Pruce (1982) Background Knowledge and Reading Comprehension. In J.
Langer e M. Smith‐Burke(eds) reader meets author! Bridging the gap.
Newark, Delaware International Reading Association p. 2, 26
Bjorklund e Schneider (1990) The Role of Knowledge in Development of Strategies
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Erlbaum.
Eco. U. (1993) Interpretação Sobre interpretação. Lisboa Ed. Presença
Gardner (1987)The Mind .New Science: The History of the Cognitive Revolution:N.
Y. Basic Books
Giasson (2000) A Compreensão na leitura (2ª edição) Edição Asa
Heidegger, M (1962) Being and Time . Translated by John Macquarrie and Edward
Robinson. New York: Harper e Row.
Lopes (1984) Linguística textual. Biblos Fac. de Letras. Vol.L‐X, Coimbra.90‐102
Manguel(1998)Una História de Lectura Editorial Presença
Perkins (1986) Thinking Frames.Educational Leadership N .Y Freeman p.43
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SARDINHA, M. (2007) Literacia em Leitura e Construção do Conhecimento. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
Rumelhart (1975) Notes in Schema for Stories. In D. Bobrow e M. Collins (Eds)
Representative and Understanding: Studies in Cognitive Science. N. York.
Academic Press
Silva, E. (1979)Os (dez) Caminhos da Escola. Traumatismos Educacionais. S.
Paulo.Ed.Cortez e Morais.
Sterneberg (1985)Beyond IQ. Cambridge University Press
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