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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questSes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
Pág.

EM MELBOURNE O MUNDO ORA 49

A perene interrogacáo:

HOMEM, QUEM ÉS TU ? 51

Quesláo sutil, de fácil solucáo:

AFINAL, QUAL O DÍA DO SENHOR : SÁBADO OU DOMINGO?.... 63

Mullo se fala:

CURSILHOS DE CRISTANDADE : SUBVERSAO ? 74

Urna das últimas conquistas da medicina:


TRANSPLANTE DE OVARIO 87

LIVROS EM RESENHA 92

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Antigo Testamento : verdade ou lendas ? «Falta um dia


na historia da humanidades. Que é magia ? Que é Re-
lígiao ? «Sobre as '¡grejas brasileiras'».

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 30,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 4,00
Volumcs encadernados de 1958 e 1959 (proco unitario) CrS 35,00
índice Gcral de 1957 a 19G4 Cr$ 10,00
Índice de qualquer ano CrS 3-.00

EDITORA LAUDES S. A.
REDACAO DE PR ADMINISTRACAO
Caixa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-9981 e 268-2796
H. « < . - l..

CK>T U

EM MELBOURNE

Estamos vivcndo a era dos enconlros ou corlamos inter-


nacionals. Homens das mais diversas partes do globo conver-
gem para um só ponto, a fim de estudarem juntos ou con Ave-
rem entre si, conscientes de que devenios ser cada vez mais
urna grande familia sobre a térra.

Ora no piano católico dá-se algo .de paralelo nesle mes de


fevareiro : a cidade de Melbourne (Australia) torna-se cenário
do 40" Congresso Eucaristico Internacional nos dias 18-25/11/73.
Esperam-se naquele distante ponto do globo bispos, sacerdotes
e leigos de lodos os continentes, atraídos por urna visáo de fé
altamente significativa.

E ojuais soriam as características dessa visáo de fe ?


1) A finalidade de um Congresso Eucaristico ó, antes do
maiij. tornar particularmente concreta e viva a roalidf.de da
I;;reja: esta consta de povos diversificados pelas suas culturas,
nías reunidos minia só grande familia pelo amor de Deus. O
sinal — i\ ¡io mosmo lempo, o vcículo comunicador — dess.i
unidad? no amor é a Eucaristía. Sim; na Eucaristía Cristo
se oferece ao Pai nao a sos, mas com toda a sua Isrcja, com
todos os homens. Pode-se entáo dizsr que a Igreja vive da
Eucaristía, porque vive de Cristo, que a Ela se comunica por
excelencia mediante a Eucaristía. Tal comunháo de vida entre
o Senhor e os seus fiéis ocorre todos os dias e em toda parte,
mas ola ó tornada mais sensível e evidente por ocasiáo desses
certantos qu? sao os Congressos Eucarísticos. — Ora a rrande
asscmbléia de Melbourne foi certamente concebida como do-
íronslracüo o reavivamento da unidade da Igreja cimentada
pslo {'.mor. A Australia foi escolhida como teatro desse encon
tró justamento para significar que a Igreja é universal, é tanto
do Vellin Mtndo como do Mundo mais jovem (o penúltimo Con-
grcsso Eucaristico Internacional deu-se em Bombaím, 1964, e
o último em Bogotá, 1968).
2) Durante um Congresso Eucarístico realizam-sc. além
de celebracóes litúrgicas e atos de culto diversos, passóes de
estudo com palestras e comunicacóes aue ¿leFionvolvom o terrn
dominante da Semana. — O tema oficial do Congi e?so Euca
ristico Internacional de Melbourne será a p?.!r.vrn de Cristo :

— 49 —
uns aos outros como eu vos ameb (cf. Jo 13,34).
Este tema-programa foi indicado pelo próprio S. Padre Paulo VI,
que assim deseja possa o grande certame contribuir, de modo
especial, para renovar e fortalecer o amor fraterno entre todos
os homens. Viver a Eucaristía é viver o amor,... nao a sim
ples filantropía ou o humanitarismo, mas o amor paradoxal de
Cristo, que se entregou indistintamente por todos os homens.
quando estes se tinham afastado do Amor pelo pecado.

3) O Congresso Eucaristico de Melbourne será também


uma reafirmacáo da fé católica na real presenca de Cristo na
Eucaristía. Nesta fase da historia em que novas teorías surgem,
por vezes imaturamente, no seio do povo de Deus, a adoraqáo
de Cristo Eucaristico tem sido questionada, com prejuizo para
a fé católica. Ora, a fim de evitar graves males espirifcuais, a
Igreja reafirtma o culto da S. Eucaristía sob todas as formas,
das quais a principal é, sem dúvida, a celebragáo da Missa; a
adoragáo ao SSmo. é uma decorréncia legítima e tradicional
do sacrificio da Missa.

4) Todo Congresso Eucarístico tem anexa a si a idéia


de peregrinacáo. Peregrinar em demanda de um santuario é
movimento espontáneo do homem religioso ; os hindus o pra-
ticavam já antes de Cristo — e ainda o pratícam —. dirigin-
do-se aos múltiplos templos sagrados esparsos pela India. Os
judeus anteriormente a Cristo iam a Jerusalém por ocasiáo da
Páscoa ou de outras solenidades do ano, ainda que habitassem
no estrangeiro. Os mugulmanos peregrinam a Meca. Os cristáos
desde os primeiros sáculos procuram fervorosamente os lugares
santos apontados pela fé : a Palestina, Roma, algum santuario
ou mosteiro... Nao se creía, por isto, que Deus nao esteja
presente em toda parte, mas a S. Escritura parece ensinar que
Deus quis marcar seus encontros com os homens em lugares
especialmente santificados pela sua presenca viva. Somos sen-
siveis. de modo que é de maneira visível, social e comunitaria
que Deus quer atrair os homens a si. — Daí a confluencia dos
fiéis para a Australia, que se torna assim o grande centro de
oracáo do universo nestes dias de fevereiro.

A um fiel católico no Brasil resta agora unir sua prece á


dos congressistas e pedir ao Senhor queira fazer frutificar am-
píamente a assembléia de Melbourne: torne mais conhecido e
amado o indizível Amor de Deus. e resulte em sentimentos de
fraternidade mais sincera para todos os povos ! Esta segunda
meta, ao menos, nao poderá deixar de interessar vivamente
também o irmáo nao católico.

E. B.

— 50 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIV — NM58 — Fevereiro de 1973

A perene Interrogacáo:

homem, quem és tu?


Em síntese: A estima da pessoa humana é fruto tipleo da RevelacSo
bíblica (em particular,... da mensagem do Novo Testamento).

Antes de Cristo, o homem era freqQentemente tldo como parte do


cía ou da tribo; além do que, a escravatura era Justificada por grandes
filósofos.

O Cristianismo despertoü a conscléncla de que o homem é Imagem


e semelhanca de Deus, mediador entre as criaturas Inferiores e o Criador.
Esta funcSo natural do homem fol elevada a nova dlgnldade mediante a
encarnacSo do Filho de Deus; Cristo padecente e ressuscltado é o Pal
de nova humanldade. Consciente disto, a Igreja defende hoje a dlgnldade
humana frente a Invectivas que a vlllpendlam direta ou Indlretamente: o
aborto, o genocidio, a eutanasia, a tortura, a exploracSo de trabajadores
emigrantes... A Igreja se Interessa também pela promocáo Integral do homem
(corpo e espirito), defende a llberdade religiosa, ou saja, o dlreito que cada
pessoa tem de optar llvremente diante do problema religioso, problema
que se ImpSe por si á consclencla de todo homem (a liberdade religiosa
nio Impede o apostolado e a missSo, que tém por fim Informar todo homem
a respeito do Evangelho, a fim de que opte mais conscientemente...). Por
último, assinale-se o apelo á corresponsabilldade dentro da Igreja como
expressáo típica da conscléncia crista de que ninguém é meramente passivo
e receptivo no povo de Deus.

Comentario: Em nossos dias, a pessoa humana — sua


formacáo, seus direitos e deveres, seu relacionamento com a
sociedade, sua abertura para os valores transcendentais, etc. —
é objeto de interesse crescente por parte de estudiosos e pen
sadores : as ciencias ditas «humanas» se multiplican! e desen-
volvem para atender aos anseios dos nossos contemporáneos.
— Quem observa o fato, talvez nao tenha consciéncia de que
ó um fato cristáo em sua raíz; foi, sim, a Revelacáo bíblica

— 51 —
■i PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

que despertou a atengáo dos homens para o significado e o


valor da pessoa humana. Aqueles, que hoje dedicam a esta o
seu interesse, estáo sendo, em última análiss, beneficiadas pelo
Cristianismo.

«Parece que o conccito de pessoa nao se onconira om parf'


alguma fora do setor da Revelacáo (judeo-cristá)» (A. Guggen-
berger, art. «Bersonne» em «Encyclopédie de la Foi», sob a
direeáo de H. Fríes, t. III, Paris 1966, p. 425). Foram, sim,
os pensadores cristáos dos seis primeiros sáculos que elabora-
ram o conceito de pessoa nao tanto para propiciar ao homem
urna melhor compreensáo de si mesmo, mas para esclarecer a
noe.áo de Deus Uno e Trino e a realidade da Encarnagáo.
— Hoje em dia mesmo em escolas filosóficas que renegam a
origem crista da noc.áo de pessoa, a filosofía da psssoa se nutre
do respectivo fundo cristáo ; tenha-se em vista, alias, a bela
passagem da Constituigáo «Gaudium et Spes» do Concilio do
Vaticano n (n* 22).

Um breve percurso do histórico do conceito do pessoa


humana ilustrará quanto acaba do ser dito. Distinguiremos
cinco etapas em nosso roteiro.

1. No antigüiderde pré-crista

Os antigos nao tinham nocáo clara do que significa pro-


priamente a pessoa humana, de sorte que fácilmente a ,de-
preciavam.

Eis tres expressóes do descaso para com a pessoa humana


na antigüidade :

1.1. Mentalidade do ció

A palavra se deriva do irlandés clann, descendente. O dá


é um conjunto de individuos consanguíneos que se expressam
por um nome genérico, urna marca ou um brasáo ou tambóm
urna tatuagem. — Segundo a mentalidade do dá, a tribo ou a
horda vem a ser o sujeito de qualquer sancáo (premio ou
castigo). O individuo só tem o valor que lhe dá o dá ou o grupo
a que ele pertence. Ainda em nossos dias sa fala de «grega
rismo» e «carneirada», para significar falta de personalidade

— 52 —
HOMEM. QUEM ÉS TU?

ou de auto-afirmacáo, em conssqüéncia da qual o individuo faz


mais ou menos cegamente o que o respectivo conjunto faz.

Tem-se nítida expressáo deste modo ,de pensar até mesmo


no povo de Israel. Lé-se, .por exemplo, no Decálogo o primeiro
mandamento da Lei de Deus formulado segundo tal menta
lidad»? :

"Eu sou teu Deus, um Deus zeloso, que vinga a ¡niqüidade dos pais
nos filhos, nos netos e nos blsnetos, daqueles que me odeiam ; mas uso
de misericordia até a milésima geracSo com aqueles que me amam e
guardam os meus mandamentos" (éx 20,5s).

Como se compreende, estes dizeres se adaptavam as cate


gorías rudes do povo de Israel : a Lei recorría á linguagem
que Israel era capaz de entender. Sáculos depois, o Senhor
Deus. por meio do profeta Ezequfel, corrigia em seu povo a
mentalidade do clá : os israelitas, punidos no exilio, se eximiam
da devida penitencia, sob o pretexto de que os pais é que haviam
comido uvas verdes e eles, inocentes, tinham os dentes embo
tados. O profeta replicava :

"A pessoa que peca, é que deve perecer. Nem o filho responderá
pelas faltas do pal, nem o pal pelas do fllho. É ao justo que se atribuirá
juslica, e a malicia ao implo" (Ez 18,20).

A mesma mentalidade do clá transparece ainda no Evan-


gelho. quando os Apostólos, ao avistarem um cegó de nascenca,
pernuntam ao Senhor : «Ouem pecou, este ou seus pais, oara
que nascesse cago?» (Jo 9.2). Jesús, com sua resposta. dissi-
pou a concepcáo dos discípulos. Era primitiva demais, por nao
levar em conta as responsabilidades pessoais.

1.2. Totemismo

A oalavra tótem vem de totam, ndodem, ototeman. Era o


nome da tribo dos indios algonquins Odjibvva, dos Estados
Unidos da América : significava «ele é ido meu clá». Passou a
designar o animal ou o vegetal sagrado tido como ancestral
ou protetor de urna coletividade ou de um individuo.

A mentalidade totémica afirma que determinada familia


ou tribo participa dos predicados de um tótem (animal ou
planta) que está na origem da linhagem respectiva. Disto se
segué naturalmente que o individuo só vale em funcáo do
todo ; nao se psnsa em valorizar a pessoa humana como tal.

— 53 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 158/1973

1.3. Escravahira

Os regimes de escravidáo nao reconheciam aos escravos


os mesrnos direitos que aos demais cidadáos, chegando mesmo
a tratá-los como coisas (res, em latim). Grandes pensadores
da antigüidade pré-cristá exprimiram tranquilamente o menos-
prezo total pelo escravo. Xenofonte (t 354 a.C), por exemplo,
exortava a tratar os escravos com bondade, temperando pan
cadas e nutricáo a fim de se obter maior rendimento no tra-
balho (Econ. IV); Aristóteles (t 322 a.C.) julgava que, por
natureza, o escravo é incapaz de felicidade, como é incapaz
de livre arbitrio (cf. Polit. m3;IV13;V2;Vn8). O tra-
balho manual ou brazal era reservado aos escravos e, por isto,
era dito servil, em oposigáo as profissóes liberáis (estudo, artes,
administragáo pública...), que competiam aos cidadáos livres.

A este fundo de cena histórico sobreveio

2. A novidode crista (séc. I—III)

Nao há dúvida, a mensagem crista provocou extraordi


naria reviravolta na historia dos conceitos. Com a pregacáo
do Evangclho, o significado da pessoa humana comecou a cmcr-
gir com tragos pujantes na mente ,dos povos cristianizados.

Quais seriam as expressóes típicas do Cristianismo a res-


peito do homem ?

1) Gen 1, 26-28

Já na primeira página da Biblia se cncontra esbogado o


conceito judeo-cristáo concernente ao homem.

Ao relacionar as criaturas com o Criador, o autor sa


grado a,presenta o homem na posicáo singular de imagcni v.
.semelhanga de Deus. A narra^áo bíblica de Gen l,l-2,4a faz
as criaturas deste mundo convergir para o homem : a este
compete encabecá-las e levá-las para o Criador; multiplique-se,
domine a térra e, com o seu trabalho, faca que cada criatura
sirva ao homem e, mediante o homem, sirva ao Criador. Desta
forma, o homem aparece como mediador ou sacerdote entre
o mundo visivel e Deus.

54
HOMEM, QUEM ÉS TU?

2} SI 8 e Hebr 2

O Salmo 8 faz eco ao Génesis, exaltando a posigáo do


homem neste mundo:

"Quando contemplo o firmamento, obra de vossas máos,


A lúa e as estrelas que lá flxastes.
Que ó o homem, digo-me entSo, para pensardes nele?...
Entretanto de gloria e honra o coroastes ;
Destes-lhe poder sobre as obras de vossas máos,
Vos Ihe submetestes todo o universo:
Rebanhos e gado e até os animáis bravios,
Pássaros do céu e peixes do mar,
Tudo o que se move ñas aguas do océano".

(SI 8, 4-9)

Esta pega literaria, escrita sáculos antes de Cristo, rea


parece no Novo Testamento: o autor da carta aos Hebreus
afirma que as palavras do salmo 8 e, por conseguinte, o papel
do homem, se realizaram plenamente no Cristo Jesús. Este é
realmente filho do homem,1 mas, ao mesmo tempo, Filho .de
Deus ; na qualidade de Messias ou Salvador, Ele recapitula
todas as criaturas, inclusive o género humano, e as leva ao
Criador. Em Cristo, portante, a dignidade do homem é elevada
ácima de si mesma ; os homens se tornam filhos no Filho de
Dcus e Irmño Primogénito que é Jesús Cristo.

3) Gal 3,27s

Aos cristáos da Galácia, divididos entre si, diz o Apostólo:


«Todos vos que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de
Cristo; já nao há judeu nem grego, escravo nem livre, homem
nem mulher, pois todos vos sois um em Cristo».

O Cristianismo, portante, extingue as barreiras raciais,


sociais e profissionais entre os homens, para dar a todos a
mesma dignidade : membros de Cristo, portadores da vida
divina.

Pergunta-se agora : quais os fundamentos naturais para


que o homem possa ser reconhecido senhor das demais criatu
ras visíveis ?

1 "Filho do homem" ó expressSo semita, que quer dizer "Homem"


enfáticamente.
S <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

— Abertura para o infinito. Por seu conhecimento e sua


vontade, o homem ultrapassa a si mesmo; nao foi feito para
repousar em si neffn em alguma criatura, mas no Criador.
É o que explica seja o homem sempre inquieto e sequioso na
térra; ele pode ser comparado á agulha magnética que se agita
estranhamente, porque é polarizada pelo Norte invisível e so
repousa quando finalmente se volta para este. A abertura para
o Infinito deixa ao homem a

— Libcrdade de escolha entre as criaturas. Nenhuma é


tal que esgote as capacidades do homem. Quando opta por de
terminado bem criado, o homem apenas opta por aquele que
mais lhe parece aproximar-se do Infinito; sabe, porém, que
os bens visíveis sao todos limitados.

— Decisáo livre, rcspDnsabilidade e criatividade sao outras


prerrogativas do homem entre as criaturas visíveis. Roger Ga-
raudy, apesar de marxista, afirmava que o homem aprendeu
de Jesús Cristo que ele, homem, «foi criado Criador».

— Consciéncia moral. Em seu íntimo o homem ouve urna


voz misteriosa que ele nao suscita e que difícilmente ele con-
segue sufocar. É a voz do Criador que lhe diz constantemente:
«Pratica o bem, evita o mal», incitando-o assim a procurar
sempre em que consistem o bem e o mal concretamente. O
Concilio do Vaticano II realgou especialmente o valor da cons
ciéncia, designando-a como «núcleo secretíssimo e santuario
do homem, onde está a sos com Deus, e onde ressoa a voz de
Deus» (Const. «Gaudium 3t Spes» n» 16). Em outra passagem,
observa o texto do Concilio :

"Por sua vida interior, o homem excede a totalidade das coisas. Ele
penetra nessa intimidade profunda quando volta ao seu coracSo, onde Deus
o espera, Deus que perscruta os coracdes, e onde o homem ante os olhos
de Deus decide a sua próprla sorte" (Const. "Gaudium et Spes" n? 14).

As conseqüéncias práticas da mensagem antropológica do


Cristianismo haveriam de se fazer sentir aos poucos. O Evan-
gelho suscitou nova estima da mulher, dos fílhos, da familia,
do trabalho, dos valores moráis (honradez, veracidade, gene-
rosidade, fraternidade, etc.). Expressáo típica da «revolucáo»
assim instaurada é, entre outros, o fato de que o Papa Calisto I
(217-222) era um escravo liberto !

— 56 —
HOMEM, QUEM ÉS TU ?

3. A kfade Media

A civilizagáo medieval herda os valores greco-romanos,


mas é bercada pelo Evangelho ; foram os missionários cristáos
que transmitiram aos povos bárbaros invasores da Europa a
té e a cultura. Os medievais procuraram construir a «Cidade
de Deus», preconizada por S. Agostinho (f 430); apesar disto,
há historiadores que os censuran por haver desrespeitado a
pessoa humana. Tais fainas dos homens da Idade Media háo
de ser entendidas dentro do seu contexto histórico próprio, e
nao á luz dos criterios do século XX;; o género humano (in
clusive o povo de Deus) é comparável a urna crianga que se
abre paulatinamente para o seu ideal, de tal modo que ela só
o vive devidamente em idade adulta. As fainas que essa enanca
comete, nao podem ser julgadas com a severidade que se aplica
a um adulto. A Idade Media foi um periodo de amadurecimento
da humanidade e do povo de Deus. Entre as deficiencias dos
medievais no tocante á pessoa humana, apontam-se :

— a instituicáo dos servos da gleba. Ora, por mais iníqua


que nos possa parecer, esta era urna forma de defesa do pe
queño camponés:; ameagado pelas hordas bárbaras, o campo-
nés se sentía protegido sob a tutela dos condes e duques, que
Ihe davam térra e defesa — o que o obrigava naturalmente a
ficar fixo em sua gleba ;

— a InquM^ao. Os medievais tinham profunda consciéncia


do valor dos bens espirituais, entre os quais estava a reta fé.
Falsificar a fé pela heresia parecia-lhes ainda mais grave do
que falsificar a moeda, pois com a mosda se sustenta a vida
física do homem, ao passo que com a reta fé se sustenta a
vida espiritual. Ora os falsificadores de moedas na Idade Media
eram punidos pela morte; como nao o s9riam também os fal
sificadores da fé ou os herejes ? Tal era o modo de pensar dos
medievais, em conseqüéncia do qual se origiíiou a Inquisigáo.
Vcrdade é que cometeram abusos em nome dssta; sejam sin
ceramente reconhecidas as fainas dos homens. Lembremo-nos,
porém, de que a Inquisicáo em si devia parecer algo de justi
ficado e correto aos medievais, pois naquela mesma época vi-
veram grandes santos e doutores como S. Francisco de Assis,
S. Domingos, S. Boaventura, S. Alberto Magno, S. Tomás de
Aquino..., que em consciéncia tranquila acompanharam os
fatos sem ver motivos de protestar contra a Inquisicáo como
tal. — De resto, cada época da historia apresenta seus para-
doxos e contrastes: como a Idade Media os tsve aos nossos

— 57 —
W «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

olhos, o século XX deverá parecer paradoxal e digno de criticas


aos homens do século XXI, pois, em nossa época, os avangos
da medicina e as viagens á Lúa sao praticadas simultáneamente
com a lavagem de cránio, as torturas, a sufocagáo da liber-
dade, a deturpacáo das informagóes, etc.

4. A época moderna

A I-dade Moderna comega com o século XVI e as grandes


revolucóes no sstor da ciencia: novos continentes foram des-
cobertos; Newton, Galileu, Kepler, Laplaos fomentaram o
desenvolvimento da física, ,da matemática, da cosmología...
Os horizontes do homem ss dilataram, apresentando-lhe tarefas
novas e cada vez mais agigantadas.

Em 1789, a Revolugáo Francesa deu um golpe de grandes


conseqüéncias, pondo fim aos regimes de Cristandade, ou seja,
aos regimes em que o Estado se dizia cristáo e se comprometía
a aplicar os principios do Evangelho as realidades civis e na-
cionais.

Sobreveio o século XIX com a revolucáo industrial. A des-


coberta do vapor possibil itou o emprego da máquina para ex
plorar o solo e o subsolo (minas) assim como para fabricar
novos e novos utensilios para o bem-estar da sociedade. Foi
entáo que o homem comegou a explorar o homem, reduzindo
o trabalhador a categoría de proletario "•, enviando mulheres
e crianzas para as fábricas, onde trabalhavam doze horas
por dia...

Foi assim que surgiu a chamada qucstao social, a qual


tomou dimensóes crescentes. As correntes socialistas e Karl
Marx procuraram acudir-lhe dentro da montalidade laicista e
atéia que se implantara na Europa desde 1789. A Igreja viu-sc
interpelada pela nova situagáo social; foi obrigada a repensar
o Evangelho frente ás exigencias da época : a dignidade do
homem que a Igreja sempre apontara e apregoara ao mundo,
devia ser recomendada e defendida de novas maneiras. Em con-
seqüéncia, apareceram os documentos papáis que foram expli-
citando a doutrina social da Igreja desde Leáo XIII (encíclica
«Rerum Novarum», 1891) até Paulo VI (ene. «Populorum Pro-
gressio», 1967, e Carta «Octogésima Adveniens», 1971); estes

* Proletario é, conforme a antiga nomenclatura romana, o cidadSo ao


qual só se reconhece o direito de ter prole.

— 58 —
HOMEM. QUEM ÉS TU? 11

documentos vém acompanhando com notável realismo e carinho


a evolucáo da sociedade e as interrogagóes que o progresso da
técnica lhe propóe, como se verá mais claramente sob o título
abaixo.

5. No sáculo XX

1. A pessoa humana está hoje no centro de interesses da


filosofía e das ciencias humanas em geral (psicología experi
mental, psicología das profundidades, psicanálise, parapsicolo
gía, psicopedagogia, sociología, etnología...). Emanuel Mou-
nier (1932/33) deu inicio a córrante personalista; esta exalta
a pessoa humana nao somente em si, mas também ñas suas
relagóes comunitarias; afirma que a pessoa só encontra sua
perfeicáo na comunidade e pela comunidade. Assim o persona
lismo de Mounier também é comnnitarismo (nao, porém, cole-
tivismo, pois este significa massificagáo, redugáo do individuo
a número dentro de um conjunto).

Como expressáo do apreco que a pessoa humana vai mere-


cendo por parte dos pensadores contemporáneos, a ONU pro-
mulgou em 1949 a «Declaragáo Universal dos Dircitos do
Homem».

2. Dentro da Igreja, a aprofundada consideracáo do que


seja a pessoa humana, tem provocado urna serie de afirmacóes
e atitudes da Igreja que sao típicas expressóes do pensamento
católico frente as interrogagóes que o Cristianismo e a humani-
dade atualmente enfrentam :

a) Corrcsponsabilidadc. O cristáo ó responsável.. . De


modo especial, ele é responsável pela sorte do povo de Deus,
a que ele pertence : os anseios e os problemas da Igreja inte-
ressam a cada fiel católico. Onde urna lacuna se abre na Igreja,
o cristáo nao cruza os bracos perplexo, mas assume decidida
mente a sua parte de colaboragáo para que o bem conrum e
a face humana da Igreja nao sofram maior daño.

Verdade é que as responsabilidades sao diversas e incon-


fundíveis entre si: as do Papa nao sao as dos presbíteros, e
estas nao sao as dos leigos; todavia ninguém deixa de ter sua
missáo a oumprir e suas contas a prestar.

— 59 —
12 ■sPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 158/1973

b) Promocao do homem. A estima da pessoa humana se


traduz praticamente, entre outras maneiras, pela procura do
desenvolvimento respectivo. A Igreja, porém, concebe a pro
mocáo do homem em sentido um tanto .diverso do marxista.
Ela sabe que, além ús aspiracóes a pao, casa e trabalho, todo
homem traz em si a marca do Infinito; é preciso, pois, dar ao
homem, além dos elementos materiais, de qu© viva, as razóes
por que e para que viva, ou seja, os pontos cardeais em funcáo
dos quais ele norteie a sua existencia e o seu trabalho. É o
que se chama «a promogáo do homem todo» ou «o humanismo
integral» (humanismo que considera o homem nao sonriente
como materia, mas também como espirito).

Segundo a concepgáo crista, ainda que o homem pouco


ou nada tenha, ele se valoriza pelo fato de ser : .. .ser porta
dor da dignidade humana (nobraza de caráter, sinceridade,
Icaldade, magnanimidada, senso de fraternidade...) e — mais
ainda — ser portador da filiacáo divina ou da vocagáo crista.
É S. Paulo quem diz na sua qualidade de auténtico cristáo:
«Somos tidos como indigentes, mas enriquecemos a muitos;...
como sem posses, nos que tudo possuímos» (2 Cor 6,10). Em
urna palavra : é mais importante sor do qus ter, embora, para
ser plenamente, se suponha o ter.

c) Rtóspeito á vida humana. Á Igreja toca hoje, de modo


especial, defender a vida humana ameacada ou vilipendiada
pelas práticas do aborto, da anticoncepcáo, do genocidio, da
eutanasia... O cristáo sabe que o homem nao vale apenas
pelo qui3 ele produz ou pala colaboracáo que possa prestar á
sociedade; o valor da vida humana é, antes do mais, aferido
por seu relacionamento com o Criador, que tem um designio
mconfundível sobre cada urna de suas criaturas. Em particular,
a crianca no seio materno nao é, a rigor, menos pessoa humana
do que os adultas, pois nela já existem latentes os constitutivos
da pessoa, exigindo respeito ao seu direito de viver.

.d) Os injusti?ados sem voz. A justica social, há decenios,


tinha em mira principalmente as relacóes entre patráo e ope
rario ou entre capital e trabalho. Hoje ela se estende a urna
serie de situacóes iníquas, que nao tem quem as denuncie :
tenham-se em vista os prisioneiros políticos, os torturados, os
operarios que emigram para trabalhar em fábricas ou minas
no estrangeiro, as criangas desprotegidas; os meios de comu-
nicacáo que transmitem informacóes deturpadas para atender
a interesses comerciáis; a sociedade de consumo, que «achata»

— 60 —
HOMEM, QUEM ÉS TU ? 13

o homem ou torna o homeni unidimensional, fazendo-o comer,


vestir-se e divertir-se como sugerem os anuncios da publici-
dade; a pornografía, que é materia extremamente explorada
porque vendável, embora destrua a dignidade dos seus clientes...
t

O terceiro Sínodo dos Bispos em Roma (outubro 1971)


apontou essas novas formas de injustiga social, que o cristáo
nao pode deixar passar despercebidas. Cf. «A justica no mundo»,
ed. Paulinas 1971, pp. 13-15.

e) A liberdaide religiosa. Eis mais urna expressáo nova


do aprego que a Igreja tem pela pessoa humana : seja reco-
nhecido a esta o direito día tomar livre posicáo diante do pro
blema de Deus. problema este que todo homem em consciéncia
tem a obrigagáo de encarar (a Igraja nao ensina o indiferen
tismo religioso). A nenhuma pessoa — física ou moral — é
lícito impor determinada atitude religiosa. Esta afirmagáo. po-
rém. nao impede o cristáo de evangelizar e catequizar; todo
cristáo é apostólo e missionário, visando com o seu apostolado
a fornecer a seus irmáos todos os elementos necessários para
que eles facam urna opeáo mais consciente diante de Cristo e
do Evangelho.

Tais sao os principáis setores em que a Igreja hoje se


apresenta como mensageira da dignidade humana, dignidade
que a sociedade contemporánea reconhece teóricamente, mas
nem sempre respeita na vida prática.

6. Conclusóo

Víamos que foi a Revelacáo de Dcus que descobriu o


homem ao homem: a Biblia, já em sua primeira página, coloca
o ser humano no ápice de todo o mundo visível. Para o homem
convergem as criaturas inferiores, que por ele sao levadas ao
Criador. No Novo Ttestamento, o próprio homem é recapitulado
por Cristo — verdadeiro homem e verdadeiro Deus —, e assim
elevado a nova dignidade : coerdeiro de Cristo e herdeiro do
Pai (cf. Rom 8,17).

Todavia esse otimismo cristáo nao ignora a cruz ,de Cristo.


A nova humanidade nao pode deixar de passar pela via dolo-
rosa do Cristo para chegar á ressurreicáo. Muitas vezes expe
rimentamos esta verdade: é somente contemplando o Cristo pe-

— 61 —
14 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

decente c crucificado para ser ressuscitado, que temos forga


e alentó para levar adiante a nossa condicáo 'humana sobre a
ierra.

Em sintese, diz Sao Paulo :

"Cristo morreu por todos, a fim de que os que vivem já


nao vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e
ressuscitou... Todo aquele que está em Cristo, é urna nova
criatura. Passou o que era velho ; eis que tudo se fez novo"
(2 Cor 5,15-17).

Nao há auténtico humanismo sem plena configuragáo a


Cristo, que se tornou o Principio de nova humanidade através
do sofrimento e da morte.

A bibliografía sobre o assunto é vastíssima. Por isto renunciamos a


enumerá-la. Todavía desejamos citar, á guisa de subsidio ¡mediato para
o teitor:

Rollo May, "O homem á procura de si mesmo". Petrópolis 1972.

J. L. Segundo, "A concepeáo crista do homem". Petrópolis 1970.

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SEUS AMIGOS.

GRATOS,

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— 62 —
QuestSo sutil, de fácil sohicáo:

afinal, qual o dia do senhor:


sábado ou domingo?

Em sinlesa: A Leí de Moisés, entre os seus mais antigos preceltos,


lem o da observancia do sétimo dia ou sábado. Este seria dedicado ao
repouso e ao culto do Senhor.

Frente á rigorosa casuística dos fariseus, que haviam sobrecarregado


a observancia do sábado, Jesús mostrou mais de urna vez ser o Senhor
do sábado; este foi felto para o homem, e nño o homem para o sábado.
Os discípulos de Cristo a principio observavam o sábado; cf. Mt 28,1 ;
Me 15,42; 16,1. Depols da ressurrelcfio de Cristo, poróm, foram tomando
consciencla de que o dia do Senhor é o día em que Jesús, ressuscltando
dos mortos, venceu a morte e reformou o género humano, apresentando-
-nos a nova criatura. Em conseqüéncla, os Apostólos celebravam o culto
eucaristlco no día segulnte ao sábado, día da ressurrelcfio de Cristo, día
que passou a ser chamado kyriaké tontera, dia Imperial; cf. At 20, 7;
1 Cor 16,2; Apc 1,10. Esta flcou sendo o dia do Senhor para os crlstaos,
equivalente ao sábado dos judeus; verdade é que até o século IV houva
cnstSos judaizantes, que insistlam em observar o sábado dos judeus.

Guardando o domingo em vez do sábado, os cristaos continuam


a observar o sétimo dia da semana ; apenas deslocaram de um dia a
contagem dos días da semana. O domingo poderla também ser dito sábado
na medida em que a palavra sábado recobre os conceitos de sétimo e
repouso. NSo há, pois, na observancia dos cristaos violáceo alguma da
Lei de Deus, mas, ao contrario, plena fidelidade ao tercelro precelto do
Decálogo que, formulado por Moisés dentro das circunstancias do Antigo
Testamento, foi ilustrado de novo modo por Jesús Cristo.

Ouanto á pretensa influencia de Constantino e da mentalidade paga


na observancia do domingo, é fácilmente desmentida. Os textos citados
no corpo desta artigo ajudaráo o leltor a dissipar os mal-entendidos a
respeito.

Comentario : É conhecida a divergencia existente ontre


certas denominagóes evangélicas e o catolicismo no tocante a
observancia do dia do Senhor : enquanto os católicos celebram
o domingo (dia em que se comemora a ressurreicáo de Cristo).
conscientes de que cstáo observando a Lei <te Deus, certas co-

— 63 —
1G PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

munidades protestantes oriundas no sáculo passado (adventis


tas, batistas do 7? dia e outros) preferem observar o dia que
em portugués chamamos sábado (mas que em alemáo seria
dito «Samstag», em inglés «Saturday», em francés «samedi»);
julgam tais denominagóes protestantes estar assim cumprindo
mais fielmente a Lci do Scnhor.

Vejamos, pois, o que numa apreciacáo serena e objetiva


se pode dizer sobre o assunto.

1. Origem do sábado

1. A palavra hebraica shabbath provém do verbo shabat,


que significa cessar de, repousar. Shabbath seria, pois, descanso
ou pausa. Deve-se também relacionar o vocábulo shabbath com
sheba, sete (em hebraico). Na verdade, o shabb&th ou sábado
na Biblia era um repouso periódico rigorosamente observado
de sete em sete días. Donde se vé que o conceito de sábado
envolve tanto a idéia de repouso como a de sétimo día.

Etimológicamente, a palavra shabbath tem sido relacionada


também com o termo acádico shabattu ou (melhor) shapattu,
mencionado em certos rituais da Babilonia. Shapattu era o
159 dia do mes, dedicado á expiacáo ; tal dia era considerado
como de mau agouro ; por conseguinte, seria improprio para
a realizagáo de qualquer atividade humana. Note-se que tal
associacáo etimológica é incerta; além do que, nao há seme-
Ihanga nem afinidade entre a profilaxia contra os maus espi-
ritos que levava a nao trabalhar no shapattu', e o repouso
bíblico do sábado. Ainda que se faga a aproximagáo lingüística
do sábado bíblico e do shapattu babilónico, é necessário reco-
nhecer que o ¿hapattu entre os hebreus foi de tal modo trans
formado que se tornou urna instituigáo própria c tipica da
religiáo de Israel. Na Biblia, o sábado se prende ao ritmo sa
grado da semana ; esta 9S encerra com um dia de repouso,
de regozijo e de culto ao Senhor (cf. Os 2,13; 2 Rs 4,23; Is 1,13).

A prescricáo do repouso do sábado c das mais antigás na


legislagáo de Moisés (cf. Éx 20,8; 23,12; 34,21).

2. Pergunta-se: quais os motivos da observancia do sá


bado em Israel ?

— As primeiras formulacóes da Lei de Moisés apelavam


para motivos humanitarios: o trabalho seria proibido para se

— 64 —
SÁBADO OU DOMINGO ? 17

proporcionar aos homens (principalmente aos escravos) e aos


animáis um salutar repouso; cf. Éx 23,12. Esta mesma moti-
vagáo ocorre em Dt 5,12-14.

Durante o exilio na Babilonia (587-538 a. C.), quando os


judeus se viram scm templo o sem culto ritual, a observancia
do sábado, juntamente com a circuncisáo, ficou sendo o sínal
pelo qual Israel se distinguía dos outros povos (cf. Ez 20,12.20;
Éx 31,13-17); o sábado veio a ser considerado um dia santo,
que seria profanado pelo trabalho (cf. Ez 22,8).

Finalmente, o sábado tomou seu pleno sentido quando no


séc. V a. C. a chamada «legislagáo sacerdotal» mostrou que
a santidad© do sábado era devida á béngáo de Deus. Com efeito,
para valorizar mais o sábado e incutir a sua observancia, os
sacerdotes de Israel conceberam o próprio Deus a «repousai*»
no sábado depois de haver criado o mundo em seis dias ; cf.
Gen l,l-2,4a ; Éx 30,8-11 ; 31,17. >

3. Em que consistía a observancia do sábado ?

Antes do exilio babilónico (587-538 a. C), o sábado apa


rece na Biblia como um dia alegre e festivo (cf. Os 2,13 ;
Is 1,13); cessavam entáo compras, vendas e trabalho no campo
(cf. Am 8,5; Éx 34,11). O número de homens que montavam
guarda no palacio do reí, era diminuido de metade (cf. 2 Rs
11, 5-9). Era entáo proibido acender fogo (cf. Éx 35,3), reco-
lher lenha (cf. Núm 15, 32) e preparar alimentos (cf. Éx 16,23).
Os fiéis iam ao santuario (cf. Is l,12s) ou esperavam a visita
do «homem de Deus» (profeta); cf. 2 Rs 4, 23. Para santificar
o sábado, fazia-se urna convocacáo santa (cf. Lev 23,3), ofere-
ciam-se sacrificios (cf. Núm 28,9s), renovavam-se os páes da
proposicáo (cf. Lev 24,8; 1 Crón 9,32).

Depois do exilio, Neemias procedeu com energía para asse-


gurar a plena observancia do sábado (cf. Ne 13,15-22). As
viagens violariam o repouso do sábado (cf. Is 58,13), como
também o transporte de cargas o infringiría (cf. Jer 17,19-27).

'Sabe-se que a narracáo da criacáo do mundo em seis dias de 24


horas, como se acha em Gen 1,1-2,4a, nSo pretende desc rever científica
mente a maneira como se originaran) as criaturas e o homem, mas apenas
mostrar que o trabalho do homem é urna continuadlo da obra criadora de
Deus e que o repouso do sábado, sendo uma ImitacSo do "repouso" de
Deus, tem algo de sagrado e inviolável.

— 65 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOSv 158/1973

Na época dos Macabeus (167-164 a. C), a fidelidade dos


judeus piedosos (assideus) ao sábado era tal que muitos se
deixaram trucidar sem resistencia para nao ter que lutar em
sábado (cf. 1 Mac 2,37s; 2 Mac 6,lls; 15,ls); o sacerdote Ma
tatías resolvcu entáo que seria lícito defender-se no .sábado
contra ataque inimigo (cf. 1 Mac 2,40s); nao se perseguiriu,
porém, o adversario que fugisse (cf. 2 Mac 8, 25s).

Na época de Cristo, os fariseus haviam elaborado rigorosa


casuística a respeito do sábado, tornando-o por vezes um peso
insuportável. Contavam 39 especies de trabalho proibidas no
sábado ; assim colher espigas (cf. Mt 12,2), carregar algum
fardo (cf. Jo 5,10)... Um médico só poderia atender a um
doente em perigo de morte — o que explica a oposicáo a Jesús
quando este curava no sábado (cf. Mt 12,9-13; Me 3,1-5- Le
6,6-10; 13,10-17; 14,1-6; Jo 5,1-16; 9,14-16). As refeicóes eram
preparadas na véspera do sábado (cf. Ex 16,5.22-30). Os essé-
nios chegavam a proibir a defecacáo no sábado.

Vejamos agora como se comportaram Jesús e os Apos


tólos frente á observancia do sábado.

2. No Novo Testamento, o día do Senhor

1. Durante a sua vida mortal, Jesús, que viera subme-


ter-se á Leí, quis circuncidar-se e acompanhar a sua gente na
observancia do sábado. Nesse dia ele freqüentava a sinagoga,
aproveitando a ocasiáo para anunciar a Boa-Nova (cf. Le 4,16).
Repreendia, porém, os fariseus por seu rigorismo, que podia
chegar a hipocrisia; colocava a caridade ácima da observancia
material do sábado (cf. Mt 12,10-14 ; Le 13,10-17 ; 14,1-6 ;
Jo 5,8-18). Lembrava o principio : «O sábado foi feito para o
homem, e nao o homem para o .sábado» (Me 2, 27); o sábado
seria, pois, um meio para o homem atingir mais seguramente
o grande fim de sua vida, a uniáo com Deus; nao seria um
fim em si. Conseqüentemente, Jesús, como Filho do Homem,
atribuiu a si mesmo o poder de modificar ou suspender a
guarda do .sábado (cf. Me 2,28). Por causa disto, os doutores
da Lei o incriminaran! (cf. Jo 5,9), mas Jesús podia respon-
der-lhes que nao fazia senáo imitar o Pai, que, tendo entrado
no seu repouso após haver criado o mundo, continua a governar
a esta e aos homens (cf. Jo 5,17). — Foi, por certo, esta atitude
de Jesús que inspirou aos antigos cristáos uma certa liberdade
em relagáo ao sábado, fazendo-os compreender o espirito e a
mentalidade da observancia do sábado.

— 66 —
SÁBADO OU DOMINGO ? 19

2. Os discípulos de Jesús, a principio, continuaram a


observar o sábado. É o que se depreende das suas atitudes por
ocasiáo do sepultamento de Jesús; cf. Mt 28,1; Me 15, 42; 16,1;
Jo 19, 42. Mesmo depois da Ascensáo do Senhor, continuavam
a freqüentar as reunióes de culto dos judeus aos sábados para
anunciar ai o Evangelho (cf. At 13,14; 16,13; 17,2; 18,4). De
mancira geral, alias, os primeiros cristáos observavam os cos-
tumes religiosos dos judeus (cf. At 2,1.46; 3,1; 10,9); somente
aos poucos tomaram plena consciéncia das conseqüéncias prá-
ticas decorrentes da superagáo da Antiga Lei pela Nova Lei
ou pelo Evangelho.

Pode-se crer que Sao Paulo, arauto da aboligáo das obser


vancias judaicas, nao tenha imposto a celebragáo do sábado
aos cristáos convertidos do paganismo; isto poderia parecer
ao Apostólo «volta á servidáo dos elementos fracos e pobres»
(cf. Gal 4,9s). Sao Paulo chegava mesmo a acautelar os fiéis
contra a infiltracáo de idéias judaizantes; tenham-92 em vista
as seguintes palavras :

"Se alguém está em Cristo, é urna nova criatura. Passou


o que era velho ; eis que tudo se fez novo" (2 Cor 5,17).
"Que ninguém vos critique por questóes de alimentos ou
bebida ou de testas, novas lúas e sábados. Tudo isto nao é
mais do que a sombra do que devia vir. A realidade é o Cristo"
(Col 2,16s).

Em breve, porém, o primeiro dia da semana judaica (día


posterior ao sábado), dia em que Cristo ressuscitou, tornou-se
o dia de culto dos cristáos ou o dia do Senhor. Em Tróade, por
exemplo, os cristáos, pouco depois de Páscoa de 57/58, se reu-
niram no primeiro dia da semana, conforme At 20,7, a fim de
partir o pao ou celebrar a S. Eucaristía. Em 1 Cor 16,2, Sao
Paulo recomenda aos fiéis contribuam semanalmente, no pri
meiro dia da semana, com alguma dádiva em favor da comu-
nidade de Jerusalém — o que supóe urna assembléia religiosa
realizada naquele dia. Assim foram transferidas para esse dia
práticas que os judeus rcalizavam aos sábdos, como a esmola
e o louvor de Deus. É muito provável que as comunidades fun
dadas por Sao Paulo tenham praticado a observancia do pri
meiro dia da semana (dia da ressurreigáo de Cristo). Esse
dia, dedicado á glorificacáo do Senhor ressuscitaido, tomou ade-
quadamente o nome de kyriaké heméra, dia do Senhor (ou,
propriamente, día imperial), como se depreende de Apc 1,10 :
«Fui arrebatado em espirito no dia do Senhor» (cf. Didaqué

— 67 —
20 PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 15S/1973

14,1). Há mesmo estudiosos que afirmam que a celebrado do


domingo teva origem na própria igreja-máe de Jerusalém, e
nao somente ñas comunidades paulinas, pois os Apostólos es-
tavam reunidos no 50' dia (Pentecostés), que era domingo,
dia em que receberam o Espirito Santo (cf. At 2,2). Este quis
comunicar-se nao em sábado, como Cristo nao quis ressuscitar
no sábado, mas no dia seguinte ao sábado.

Nessa perspectiva crista, o antigo sábado dos judeus pas-


sou a sar urna figura, como, alias, muitas outras instituicóes
do Antigo Testamento. Pelo repouso do sábado as israeiitas
comemoravam o «repouso» (figurado) de Deus após haver
criado o mundo e o homem (como sugere em linguagem antro-
pomórfica a Lei de Moisés). Ora, com a ressurreicáo de Cristo,
a primeira criagáo tornou-se prenuncio e figura da segunda
criacáo ou da nova criacáo do género humano qua se deu quando
Cristo venceu a morte e apareceu como novo Adáo. Era justo,
portante, ou mesmo necessário, que os cristáos passassem a
observar, como .dia do Senhor ou como sétimo dia e dia de
repouso (sábado), o dia da ressurreigáo de Cristo.

Alias, note-se bem : os cristáos nao fizeram senáo deslocar


de um dia a contagem dos dias da ssmana; em vez de comecar
na chamada «primeira feira» (em portugués, aínda usamos a
nomenclatura dos judeus) 1, comecam na segunda feira e no
sétimo dia da serie assim iniciada descansam de seus trabalhos
para louvar a Deus ; esse sétimo dia, dito domingo, poda tam-
bém ser dito sábado (na medida em que shabbath está rela
cionado com sétimo e repouso). A lei de Deus, expressa pelo
Decálogo, continua a ser cumprida com toda a fidelidade; nao
se passa um sétimo dia na historia dos cristáos, sem que seja
consagrado ao Senhor, como manda a Escritura. Esta nao indica
a partir de que dia se deve fazer a contagem dos dias da se
mana, mas insinúa ciaraments no Novo Testamento que o termo
final da semana há de ser o dia da ressurreigáo de Cristo.

3. Podem-se ainda observar ñas Escrituras do Novo Tes


tamento alguns dados úteis ao estudp do assunto:

A expressáo kyriaké ou senhoríal, impenal, em Apc 1,10,


refere-se ao Senhor Jesús. Denota a intengáo, nos primeiros

1 Feira vem do vocábulo latino feria e significa dia útil. As outras


línguas modernas designam os dias da semana a partir dos nomes dos
astros que, segundo a mitología, regem cada um : dia da Lúa, dia de Marte,
dia de Mercurio, dia de Júpiter, dia de Venus, dia de Saturno.

— 68 —
SÁBADO OU DOMINGO ? 21

cristáos, de celebrar o domingo como dia semana] do Senhor;


no domingo o Cristo é honrado como soberano Mestre do uni
verso, juiz dos vivos e dos mortos (cf. Apc 1,5-7.10); a teología
e a espiritualidade do domingo estáo contidas germinalmente
na expressáo «dia sanhorial» (kyríaké heméra).

A carta aos Hebreus acentúa a índole figurativa do .sábado.


Afirma que o repouso do sétimo dia era apenas urna imagem
do verdadeiro repouso : aquele em que fruiremos plenamente
da presenca de Deus. Os fiéis da Nova Alianca sao chamados
a participar da Micidade do próprio Deus e a descansar de suas
obras, «como Deus descansou das suas (cf. Hebr 4,3-11 ;
Apc 14,13). Esta perspectiva levou os fiéis a conceber o do
mingo como participacáo antecipada desse santo e eterno re
pouso de Deus, mediante a comunháo com Cristo ressuscitado.

Vejamos agora os testemunhos da Tradicáo crista referen


tes ao dia do Senhor.

3. A TrodigSo crista

1. Desde o século II há depoimentos nao bíblicos que


atestam a celebracáo do domingo entre os cristáos.

Um dos mais dignos de nota é o trecho da carta que Plínio,


governador da Bitínia (Asia Menor), dirigiu ao Imperador
Trajano no inicio do séc. n. Referindo-se ás perseguicóss aos
cristáos, dizia :

"Eles (os cristlos) afirmavam que toda a sua culpa e todo o seu erro
conslstiam em se reunir habltualmente em dia fixo, antes da aurora, para
cantar em coros alternados hinos a Cristo como Deus. Comprometlam-so
por juramento nio para cometer algum crlme, mas para n§o cometer furto,
latrocinio, adulterio, nem faltar á palavra de juramento, nem negar um depó
sito conslgando. Eles reconheclam também que costumavam retirar-se e,
depois, encontrar-se de novo para tomarem juntos urna refelcao, urna refei-
cáo comum e inofensiva" (X, 96 [97] ,7).

Tais celebragóes — a das primeiras horas do dia e a da


tarde — devem ter ocorrido no domingo ; a primeira era a
S. Eucaristía, celebrada no momento em que Cristo ressuscitou
dos mortos; a segunda era o ágape ou urna refeicáo em que
a comunidade crista tomava consciéncia do amor fraterno que
a devia unir.

S. Inácio de Antioquia, logo nos primeiros anos do séc. II,


assim escrevia aos Magnesios :

— 69 —
22 PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 158/1973

"Aqueles que viviam na anliga ordem de coisas, chegaram á nova


esperanza, nao observando mais o sábado, mas vivando segundo o dia do
Senhor, dia em que nossa vida se levantou mediante Cristo e a sua morte"
(Aos Magnesios 9,1).

Em meados do séc. II, encontra-se o famoso testemunho


do S. Justino, escrito i»ntre 153 o 155 :

"No dia dilo do sol, todos aqueles dos nossos que habitam as cidades
ou os campos, se reunem num mesmo lugar. Lcem-se as memorias dos
apostólos e os escritos dos profetas... Quando a oragfio está terminada,
é trazido pfio com vinho e agua...

Nos nos reunimos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia, aquele
em que Deus transformou as trevas e a materia para criar o mundo, e tam-
bém porque Jesús Cristo nosso Salvador ressuscitou dos mortos nesse
dia mesmo. Pois na véspera do dia de Saturno Ele foi crucificado, e no dia
seguinte ao de Saturno, que ó o dia do sol, Ele apareceu aos seus apostólos
e discípulos, e Ihes ensinou essas coisas mesmas que nos vos expusemos
e recomendamos" (I Apol. 67, 3, 7).

Neste texto, S. Justino atesta a celebragáo da Eucaristía


no domingo. Chama este dia «dia do sol», pois, dirigindo-se a
pagaos, ele adota a linguagem destes; no «Diálogo com Trifáo»,
dirigido a judeus, chama o domingo «o primeiro dia da semana»,
a fím de ser compreendido palos israelitas. Note-se, alias, que
Justino parece fazer questáo de lernbrar que a designacáo «dia
do sol» ó de origem alheia, nao crista : «no dia .dito do sob.
O escritor cristáo, porém, justifica tal designacáo recorrendo
a motivos bíblicos : o dia do sol foi o dia da criacáo do mundo,
o da separacáo da luz e das trevas (cf. Gen 1); é principalmente
o dia da ressurrcicáo de Cristo, que recriou o género humano
e apareceu cohio sol .de justica. É a afinidade entre o sol visivel
e o Cristo, sol da eternidad?, que explica que a expressáo paga
«dia do sol» tenha sido tolerada pela Igreja e se tcnha conser
vado na linguagem comum (Suiulay, SoQuitag, Zonda

Vé-se, pois, que a celebracáo do domingo entre os cristáos


está Ionge de ser urna concessáo aos festejos pagaos do dia do
sol; nada tem de pagáo, mas é nítidamente inspirada por mo
tivos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento.

O fato de que o Imperador Constantino em 321 tenha pre-


ceituado certo repouso «no venerável dia do sol», nao quer
dizer quo ele tenha introduzido a observancia do dia do Senhor
entre os cristáos; esta, como vimos, data da época dos apos
tólos ; foi apenas patrocinada por Constantino, .desde que este
se tomou cristáo.

— 70 —
SÁBADO OV IXJMINCJO 7

2. Nos primeaos séculos da era crista, ao lado da cor-


rente gcial üo povo de Deus que observara o domingo, aínda
houve cnstáos que observassem o sábado judaico, imouidos de
mentalidade judaizante, ou ssja, de respeito pelas instituigóus
figurativas que Cristo havia ab-rogado. Tenham-se em vista,
jjw vxuniplo, ¡is «Constituigoes Apostólicas», obra do séc. III,
que proibem aos fiéis fagam os escravos trabalhar aos sábados
e domingos. No Ocidenle, a observancia do sábado extinguiu-se
muito mais rápidamente do que no Oriente. S. Cirilo de Je-
rusalém (t 38ti) teve que reprimir a observancia ao sábado
propugnada pelos judaizantes. Aínda em 603 S. Gregorio Magno
admoestava os habitantes de Roma que observavam o sábado,
nao trabalhando nesse ,dia.

3. Alias, deve-se notar algo de curioso : nos primeiros


séculos também os devotos pagaos celebravam o sábado dos
judeus — o que se explica pelo fato de que os israelitas sem-
pre chamaram a atencáo dos cidadáos pagaos com que viviam
e nao raro exerceram influencia sobre estes. Fláviu José, no
séc. I d.C, observava :

"A multidáo (dos pagaos) já há muito é movida por grande zelo para
com as nossas práticas piedosas; nao há unía só cidade entre os grego3
nem um só povo entre os bárbaros, em que nao esteja propagado o nosso
costume do repousar semanalmente,... em que os jejuns, o uso de lám
padas, e militas das nossas leis relativas aos alimentos nfio sejam observa
das. .. Assim como Deus se tornou notorio ao mundo inteiro, assi'm também
a Lei de Moisés viajou por entre todos os homens. Que cada um examine
a sua patria c a sua familia, e nao pora em dúvida as minhas palavras"
("Contra Appionem" II 39).

Tais dizeres de Flávio José tém algo de enfático e exage


rado, mas nao sao propriamente falsos. Em Éfeso, refens Flávio
José, as autoridades governamentais do séc. I puniam os pa
gaos que observassem o sábado. Conforme Suetónio, em Rodes,
Diógsnes o Gramático observava o sábado judaico («Tiberius»
XXXII). Perto de Elaiussa, na Cilícia (Asia Menor), havia urna
eomunidade de «sabatistas», que adoravam o Deus sabatista ;
tais devotos eram provavelmente pagaos judaizantes que obser
vavam o .sábado.

Aínda no séc. ni muitos pagaos guardavam o sábado, como


atesta Tertuliano na sua apología «Ad Nationes» I, 13.

Estes dados fazem-nos ver q>ue, se entre os cristáos havia


quem se prendesse ao sábado dos judeus, este fato deve ser

— 71 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

visto dentro do contexto geral do intercambio de idéias e cos-


tumes vigente no Imperio Romano no inicio da era crista.

4. Todavía desde os primeiros tempos da Tradicáo crista


nao faltaram vozes que censurassem claramente a recaída de
cristiios ñas observancias judaicas.

Em 381, por exemplo, o Concilio regional de Laodicéia


condenou a observancia do sábado.

Para mostrar que se haviam realmente afastado da obser


vancia do sábado, muitos cristáos jejuavam neste dia; é o que
atestam nos sáculos III, IV e V Vitorino de Pettau («De fa
brica mundi»), S. Jerónimo (epist. 71,6) e o Papa Inocencio I
(epist. 25,4). O costume se espalhara pela Siria, a Espanha,
a África e em Roma. A apresentagáo do sábado como dia de
austeridade tinha justamente a finalidade de desfazer a ima-
gem que os judeus dele faziam. Assim ,dizia a «Didascalia» no
séc. III: «Jejuai no sábado, porque é o dia da sepultura de
Nosso Ssnhor, dia em que convém jejuar...» (trad. Ñau,
p. 1755).

4. Conclusáo

Vé-se que as dúvidas em torno ,da observancia do domingo


decorrem apenas de falso entsndimento da palavra de Deus ;
podem dissipar-se desde que se tenha consciéncia dos seguintes
pontos:

1) A leí de Deus, por Moisés, manda que se observe o


sétimo dia da semana, dedicando-o ao repouso e ao culto sa
grado. Ora isto ocorre exatamente entre os cristáos, e especial
mente entre os católicos, que celebram o domingo. Na verdadis,
de sete em sete días, os fiéis católicos celebram o dia do Senhor.
Se quisésssmos usar o vocabulario hebraico, .poderiamos cha
mar esse dia sábado, visto que a palavra shabbath lembra
rcflmiso e sete. Os católicos sao, pois, estritamente fiéis ao ter-
ceiro mandamento do Decálogo. O fato de chamar esse ¡dia
domingo é bíblico (cf. Apc 1,10 : kyriaké heméra, dia scnhorial,
o que em latim soa: dominica dies; donde domingo ou dominga).

2) O nome «dia do sol» (Sunday, Sonntag) é de origem


paga; prevaleceu em varias línguas modernas. A Igreja tole-
rou-o porque Cristo é considerado «Sol de Justica». Nao se

— 72 —
SÁBADO OU DOMINGO ? 25

julgue, porém, que o nome «dia do sol» signifique origem paga


da observancia do domingo. Esta tem suas raízes no Novo Tes
tamento, como se dirá abaixo.

3) É claro que Cristo e os Apostólos antes de Páscoa


observavam o sábado, pois s» conformavam as observancias
judaicas. Depois de Páscoa, aos poucos foi prevalecendo nos
cristáos a consciéncia de que o dia do Senhor haveria de ser,
por excelencia, o dia ¡da nova criagáo ou o dia da ressurnsicáo
de Cristo; a nova Alianca ultrapassa a antiga Lei, que toma
cm muitos casos a fungáo de figura das realidades definitivas
trazidas por Cristo. É por isto que já ñas comunidades cristas
do Novo Testamento há indicios de celebragáo do domingo.
Cf. 1 Cor 16,ls ; At 20,7-16.

4) Se houve cristáos que até o séc. IV continuaram a


observar o sábado, isto se deve ao espirito judaizante que so-
breviveu na antiga Igreja. De resto, também muitos pagaos
imitayam os judeus na observancia do sábado, dada a extraor
dinaria influencia que os israelitas exerceram sobre os povos
do Imperio Romano. Todavía a corrente judaizante na Igreja
foi sempre denunciada como espuria e acabou por extinguir-se.

Bibliografía:

Van den Born, "Dicionárlo Enciclopédico da Biblia". Petrópolis 1971,


verbetes "sábado" e "domingo".

Léon Xavier-Dufour, "Vocabulaire de théologie biblique". París 1970,


verbete "sabbat". TradugSo brasiieira na editora Vozes, em 1972.

Viller-Baumgartner, "Dictionnaire de Spirituallté" Ill/ll, v. "Dimanche".

John L. Mckenzie, "Dictionnary of trie Bible", London 1968, v.


"Sabbath".

Botte, Cassien, Dubarle, "Le dimanche". Colecao "Lex orandi" n? 39.


París 1965.

Cabrol-Leclercq, "Dictionnaire d'Archéologie Chrétienne et de Liturgie"


IV, 1. París 1920, v. "Dimanehe"; XV.1, v. "Sabbat".

— 73 --
Multo se fala:

cursilhos de cristandade: subversáo?

En» slnlese: O Movimento de Cursilhos de Cristandade leve origem


na ilha de Majorca (Espanha) em 1949 por iniciativa de um grupo de jovens
que visavam a recristianizar o seu ambiente. Espalhou-se pelo mundo in-
telro, dando extraordinarios frutos esplrituals, inclusive no Brasil.

Os Cursilhos nem sempre tém sido bem entendidos. Verdade é que


o entusiasmo de alguns dos seus dirigentes nao se manifesta sempre de
maneira oportuna — o que tem sido corrigido pelos responsáveis do Movi
mento, a fim de que possa continuar a derramar beneficios.

O Cursilho nao se pode confundir com lavagem de cránio. Esta signi


fica coacSo desonesta sobre determinada pessoa para que adote Idéias
athelas. Ora os dirigentes do Cursilho recebem InstrucOes para que respei-
tem ao máximo a llberdade dos cursllhlstas; devem abster-se de provocar
Impactos artificiáis ou violentos. Isto nao quer dizer que o desenrolar de um
Cursilho deva prescindir de alegría, entusiasmo e vibraefio. Com efeito;
para comunicar a verdade, nSo basta falar á inteligencia, mas é necessário
desfazer tembém os possiveis bloquelos afetivos que impecam o coragfio
de se mover em direcSo á verdade. Oal o clima de fraternidade e vivencia
amiga que caracteriza o decurso de um Cursltho.

O movimento de Cursilhos é apolítico e apartidarlo. Longe de pro


vocar subversáo contra a ordem pública, visa a mover o crlstSo á recris-
tlanizacfio do mundo segundo os mais genuínos principios do Evangelho e
nao do marxismo ou socialismo materialista. É táo vá a acusecSo de que
os Cursilhos sao movimento politico que os adversarlos simultáneamente os
classlficam como "movimento de direita" e "movimento de esquerda". Na
verdade, nem urna nem outra coisa.

É, pois, para desejar que se dissipem as suspeitas em torno dos Cur


silhos e que estes possam atingir a multos homens e mulheres de todas as
classes sociais, mediante os quals "a Cristandade será vertebrada".

Comentario: Últimamente tém sido colocados em foco, na


imprensa e nos comentarios do público em geral, os chamados
«Cursilhos de Cristandade». Há quem se diga extremamente be
neficiado por tal instituicáo, havendo-se reencontrado com Deusr
consigo e com os seus ou com a vida em geral através de um
Cursilho (muito grande, alias, é o número dos que assim falam).
Mas há também os que (muitas vezes, sem ter feito Cursilho)

— 74 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 27

suspeitam sejam os Cursilhos instrumento de subversáo da


ordem social ou de deturpagáo da mensagem crista. Diante das
objegóes feitas aos Cursilhos, muitas pessoas ficam perplexas,
sem saber o que julgar. Em vista desta situacio, vamos abaixo
explanar o tema, encarando diretamente algumas das principáis
dificuldades que se movam contra os Cursilhos. — O assunto,
alias, já foi em parte abordado em PR 131/1970, pp. 480-488.

1. Cursifhos : que sao ?

Como é obvio, a palavra Gnrsilho vem do espanhol e signi


fica «cursinho». Cnreilho vem a ser um curso breve e inten
sivo que, mediante palestras e vivencia, pretende despertar os
participantes para as grandes e fundamentáis verdades da men
sagem crista. Está claro que no breve espaco de tres dias (ge-
raímente de quinta-feira á noite ao domingo la noita) nao é
possivel ministrar completa formagáo doutrinária; nem o Cur
silho o pretende. Ele visa apenas a comunicar a grande noticia
de que Jesús Cristo nos salvou e pede de nossa parte corversáo
de vida e atitudes coerentes; os pormenores dessa mensagem
háo de ser expostos no chamado pós-cursilho ou em reunióes
posteriores ao Cursilho. O triduo do Cursilho ¡decorre num
ambiente de dinámica de grupo, em que a alegría é nota forte:
a equipe de dirigentes de cada Cursilho compóe-se de fiéis leigos
e alguns (de tres a seis) sacerdotes. O teor das palestras, cha
madas rolhos1, nao é académico ou universitario, mas é de
mensagem-vivéncia: o rolhista procura transmitir a doutrina
juntamente com o testemunho ¡de sua própria vida ; é o que
dá a cada Cursilho suas características peculiares. Por isto se
tem dito com razáo que é impossível descrever um Cursilho,
como é impossível descrever o sabor da manga ou da laranja
a quem nao tenha provado essas frutas; só mesmo a experien
cia ensina o que seja o gosto da manga ou o decurso de um
Cursilho.

Os Cursilhos tiveram inicio em 1948 na ilha espanhola de


Majorca por iniciativa de um grupo de jovens que tencionavam
recristianizar o seu ambiente. Depois de aprovado pelo bispo
local e pela Santa Sé, o Movimento passou para a península
ibérica, para o resto da Europa e o norte da África. No conti
nente americano comecou no Canadá; desceu para os Estados

1 Nome proveniente do espanhol rollo. Eram assim designadas as pro


clamares (escritas em rolos de papel) que os reís da Espanha faziam ao
seu povo a respeito da vida da nacSo.

— 75 —
28 PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

Unidos, o México, a América Central, a costa ocidental da


América do Sul, a Argentina e o Brasil; em nosso país teve
bergo em Campiñas, donde se expandiu por todo o territorio
nacional.

Após esta breve apresentagáo do que seja o Movimento


de Cursilhos, percorreremos as principáis objeqóes que contra
ele se faz2m — o que nos dará ocasiáo de explanar um pouco
mais o conteúdo dessa instituigáo. Deve-se notar que os do
cumentos que norteiam os Cursilhos, datados a partir de 1948,
tém sofrido certa evolugáo e adaptagáo. Existem, dentro de
urna unidade essencial, certas diferengas entre os documentos
dos Cursilhas anteriores ao Concilio do Vaticano II (1962-1965)
e os documentos posteriores a este, entre documentos oriundos
da Espanha ou ,da América Espanhola e documentos redigidos
no Brasil: mesmo em nosso país, há certa evolucáo na prática
dos Cursilhos, de modo que só pode dizer algo sobre os Cursilhos
no Brasil quem leve em conta as publicaqóes mais recentes fei-
tas em nossa patria sobre o ass-unto.

2. As objegóes

Recensearemos seis dificuidades que em publicacóes escritas


ou comentarios oráis vém a ser movidas contra os Cursilhos.

2.1. Fé e vivencia

1. Os Cursilhos acentuam fortemente o aspecto totalizante


que caracteriza a fé católica. Esta, além de implicar adesáo da
inteligencia á verdade revelada por Deus, significa também
resposta da vontade e ,da vida do homem a Baus ; é toda a
personalidade que a fé interpela e solicita. Com outras pala-
vras : a fé implica um compromisso nao apenas intelectual,
mas também de vida.

Ora há quem julgua que este conceito de fé nao é plena


mente ortodoxo ou consentáneo com a doutrina da Igreja: esta,
no Concilio do Vaticano I, em 1870, apresentou a fé como vir-
tude sobrenatural que opera na ordem do conhecimento. fa-
zendo-nos aderir á verdade por Deus revelada (cf. sessáo 3,
cap. 3) ; em outros termos: o Concilio do Vaticano I incutiu
o aspecto intelectual da fé; esta é verdade e luz para a inteli
gencia. Em conseqüéncia, perguntam alguns estudiosos : será
que os Cursilhos, em seus rolhos, salvaguardam devidamente

— 76 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 29

este conceito de fé ? Nao correm o risco de fazer da fé um sen-


timento cegó, urna vaga adesáo a Deus, urna experiencia sen
timental, desvinculada da luz da verdade ?

— Podemos tranquilamente responder que nos Cursilhos


se apregoa o elemento intelectual e iluminador que caracteriza
a fé, como se depreende das seguintes passagens do esquema
do rolho de fé proposto pelo Secretariado Nacional de Cursilhos
do Brasil :
"A fé consiste em aderir, aceitar, acreditar nele (em Deus), que nao
pode enganar-se nem pode engañar" ("Para um Cursilho Renovado. Manual
auxiliar do Dirigente na Guanabara". Rio 1972, p. 95).

".. .descobrir a visSo de Deus sobre a nossa real'tdade" (ib. 96).

Todavia, levando em conta a complementagáo (alias, muito


bíblica) que o Concilio do Vaticano II deu a esta doutrina, os
Cursilhos insistem em que a fé nao se reduz a um ato da inte
ligencia, mas mobiliza todo o ser humano, pedindo-lhe urna
resposta concreta, vivida : «A fé é a aositagáo da mensagem
de Cristo, que compromete toda a minha vida» (ib. 95).

Este texto nao pretende senáo fazer eco aos dizeres do


Concilio do Vaticano II:
"Pela fé o homem livremente se entrega todo a Deus, prestando ao
Deus revelador um obsequio pleno do intelecto e da vontade" (Const. "Dei
Verbum" n9 5).

A Igreja, enquanto conserva a mensagem ,de Cristo incó


lume através dos séculos, profere-a de maneira a acentuar este
ou aquele aspecto mais necessário aos homens de cada época.
Por isto é que o Concilio do Vaticano I, em 1870, tendo em
vista as correntes fideístas e racionalistas do século passado,
muito se interessou por explicitar o aspecto intelectual da fé,
ao passo que o Concilio do Vaticano II (1962-1965), realizado
em época de rcnovagáo bíblica, preferiu recorrer mais direta-
mente á concepcáo bíblica de fé.

2.2. Querígma c cotequese

A dificuldade que acabamos de abordar, se enuncia tam-


bém do seguinte modo : os Cursilhos insistem no chamado
querigma, e nao na catoquese. Dai o risco de nao comunicarem
de maneira completa a mensagem da fé.

— Para elucidar a questáo, importa primeiramente per-


guntar : Que é querigma ? Que é catequese ?

— 77 —
30 -nPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

Qtterigma (vocábulo derivado do grego kérygma) é o


anuncio da Boa-Nova ou do Evangelho que se faz em termos
sumarios a quem nao o conheos; é a proclamagáo jubilosa e
entusiástica do essencial ou fundamental da fé, a fim de favo
recer a conversáo dos ouvintes. O livro dos Atos dos Apostólos
apresenta grande número de discursos «querigmáticos» de S.
Pedro e S. Paulo; cf. At 2,14-36; 3,12-26; 4, 8-12; 5, 29-32; 10,
34-43; 13, 16-41; 17,22-32 (trata-se sempre de apresentacóes
sintéticas da Boa-Nova crista).

O querigma neosssita de ser continuado e aprofundado


pela catequese. Esta é a explanacáo minuciosa e sistemática
das verdades que o querigma sucintamente proclama; tem ín
dole mais escolar o didática.

Pois bem. O Cursilho, em seu triduo de rolhos, nao pre


tende fornecer urna catequese (isto nao seria possivel .em táo
pouco tempo, nem adequado aos respectivos ouvintes), mas
apenas urna proclamaeáo querigmática. Sem distorcáo e de
maneira concisa, os rolhos dáo a conhecer Jesús Cristo e o dom
da vida crista; quem aceite tal mensagem, deverá receber no
pós-cursilho a catequese ou o aprofundamento doutrinário
correspondente. Dai a importancia do pós-cursilho, que tem
sido objeto de atengáo e planejamento intensos por parte dos
responsáveis pelo Movimento.

Esta metodología dos Cursilhos é de todo legítima, para


nao dizermos : .. .necessária. Com efeito, o primeiro contato
com a monsagem de Cristo (estabelecido no triduo do Cursilho)
há de proporcionar o ensejo do conversáo ao ouvinte; somente
depois desta se poderá pensar em aprofundamento doutrinário.
Apsnas se no querigma ou no triduo cursilhista se negligsn-
ciasse a proclamaeáo da verdade, para se dar énfase única
mente ao entusiasmo e ao testemunho do cxemplo, se poderia
impugnar a metodología dos Cursilhos.

2.3. Emotividade e lavagem de cerebro

Quem tem urna Boa-Nova a comunicar, transmite-a natu


ralmente com grande ánimo o profunda alegría ; em caso con-
trário, os ouvintes .difícilmente acreditariam que tal Nova seja
realmente urna Boa Nova. Por isto, os rolhos do Cursilho sao
proferidos em tom vibrante ; a proclamagáo do dom de Deus
6 feita com grande calor humano. Ora a manifestacáo da ver
dade e dos feitos do Cristo entre os homens nao pode deixar de

— 78 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 31

tocar profundamente a quem a ouve ; o ser humano é natural


mente aberto ao transcendental; para muitos que pela primeira
vez na vida tomem contato direto com o Cristo vivo entre os
homens, tal experiencia nao pode deixar de ser sadiamente
impressionante ou emocionante. A S. Escritura mesma está
cheia das exclamacóes dos homens que exprimem seu estado
de surpresa e maravilha após ter entrado em contato im
previsto com os sinais de Deus; cf. Gen 28,16-22 (Jaco em Be
tel); Jz 13,20-23 (Manué e sua esposa); Is 6,1-5 (Isaías).

Donde se vé que a emocáo ocorrente em nao poucos cur-


silhistas é explicável pela índole mesma do encontró do homem
com Deus. Toda criatura humana, como dissemos, é sensível
e pode exprimir sadiamente a sua sensibilidade quando colo
cada em prasenga do Deus Santo e Sabio. — Últimamente nos
Cursiíhos tem-se tomado especial cuidado para evitar toda
provocagáo artificial de emocóes — o que nao quer dfcrer que
se devam abolir o entusiasmo e a alegria característicos de
um bom Cursilho; pretender evitar entusiasmo e vibragáo em
presenca dos feitos de Deus seria artificial e traidor, pois equi-
valeria a um falso puritanismo ou intelectualismo. As lágrimas
da alegria ou do arrependimento podem ser algo de extrema
mente sadio; aos dirigentes de cada Cursilho compete ajudar
seus irmáos a fazer que tal arrepsndimento e tal alegria nao
se tomem mero «fogo de palhaa, mas venham a corresponder
a profunda mudanca de vida no pós-oursilho.

Desenvolvendo um pouco estas observacóes, que sao de


grande importancia, notaremos o seguinte :

A psicología demonstra que o homem nao é apenas inteli


gencia. A razáo ou inteligencia de um individuo pertence á
personalidade inteira desse individuo, e nao funciona indepen-
dentemente desta. Ora na personalidade encontram-se sensibi
lidade, afetos, capacidade emotiva, ou seja, o setor do eora$£o,
que é de enorme valor. Nao se pode conceber urna pessoa hu
mana que seja meramente intelectual ou que reaja á verdade
mediante a inteligencia apenas; no ser humano, a alegria e a
dor, o prazer e o desprazer, o entusiasmo e o abatimento de-
sempenham papal ponderoso frente á verdade. Barreiras emo
cionáis podem bloquear a mais briíhantc inteligencia. Assim
um estudante bem preparado e culto pode emudecer 12 fracas-
sar diante de urna banca examinadora, desde que esteja emo-
cionalmente tenso. Um rapaz que, por motivos emocionáis, jul-
gue que seu pai ó um tirano, levará conduta de medo ou revolta

— 79 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

para com o genitor, ainda que se lhe diga que, na verdade, sau
pai nada tem de carrasco.

Se no setor emocional de alguém há barreiras, a palavra


mais lúcida e verídica pode esbarrar e resvalar nessa persona-
lidade sem conseguir penetrar; tornam-se entáo mais ou menos
esteréis os arrazoados e as demonstracóes lógicas. Dizia muito
bem Pascal que «o coragáo tem suas razóes que a razáo
ignora».

Frente á verdade religiosa em particular, toca ao coracáo


papel relevante. A mensagem religiosa jamáis é puramente
especulativa. Ela interpela toda a personalidade do ouvinte,
pedindo-lhe urna resposta prática ou existencial; religiáo é
sempre vida, comportamiento. Por isto é que de modo especial
a verdade religiosa pode encontrar obstáculos por parte da
afetividade ou do coragáo do homem.

O coracáo sufocado pslo prazer e a auto-suficiencia tor-


na-se insensível á Palavra de Deus. Estando o coragáo endu
recido, envolvido em mil atrativos transitorios, o anuncio da
salvagáo desliza por ele sem o penetrar, por mais lógico que
seja o conteúdo dessa mensagem. Entáo nao há entendimento,
e nao se verifica a conversáo para Deus. Nessas circunstancias,
a Palavra do Senhor, para ser eficiente, precisa de um instru
mental que consiga abrir o coragáo para a mensagem; tal
instrumental sao sinais, exemplos de experiencia alheia, pala-
vras carregadas de afeto ou de autoridade, calor humano, por
vezes eomocóes dolorosas, etc.

É o que tiveram presente os organizadores dos Cursiíhos.

Tal adaptagáo as leis da psicoiogia humana é algo de ne-


cessário e recomendável; nao deve ser confundida com lavagem
de cránio; esta é odiosa, pois equivale a urna tática premeditada
para coagir os homens, desrespeitar-lhes a liberdade e desper-
sonalizá-los. Diz explicitamente o «Guia do(a) Coordenador (a)»
publicado polo Secretariado Nacional de Cursiíhos em 1971:

"Todo choque ou Impacto premeditado e preparado deve ser evitado


(no Cursilho).

é suficiente o método pedagógico e a fé de urna equipe entusiasmada


por um ideal, que acredita em Deus e nos homens, que reza porque tem
fé, espe ranea e se sacrifica com amor" (p. 3).

Ou ainda, interpelando diretamente o Reitor do Cursilho :

— 80 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 33

"Respeite a liberdade do homem, como Deus a respeita. N9o forcé,


nao pressione. Oriente, ajude, encamlnhe. Vá na frente, se necessárlo;
airaste pelo exemplo, mas nfio empurre pela torca, seja ela física ou psico
lógica. Se a coacSo estlvessé nos planos e no método de Deus, nos seriamos
totalmente dlspensávels" (Ib. p. 2).

Quanto aos palavróes e aos chistes pesados ou pornográfi


cos, inegavelmente tém ocorrido em Cursilhos. Jamáis deveriam
ter tido entrada nesses ambientes. Existem atualmente explí
citas normas dos responsáveis pelo Movimento para que ne-
nhum tipo de expressáo de baixo caláo seja aceito em Cur
silhos.

2.4. Nivelamento e comoradagem

Nao falta quem diga que os Cursilhos ensinam um abusivo


nivelamento de pessoas, de modo a se destruir a hierarquia
instituida por Cristo na Igreja; a camaradagem entre padres
e leigos em Cursilho seria deletéria e nociva.

— Na verdade, os Cursilhos nao pretendem, em absoluto,


confundir responsabilidades e missóss na Igreja. Tem aconte
cido mesmo que muitos padres tenham saido de Cursilho mais
padres, mais conscientes de sua identidade e missáo. Todavia,
inspirándolas na espiritualidade do Concilio do Vaticano II, os
Cursilhos proporcionan! ao padre um vivo ensejo de se sentir
memoro do povo de Deus como todos os fiéis, e incutem nos
leigos a consciéncia de sua corresponsabilidade na Igreja. Pa
dres e leigos em Cursilho tém-se encontrado mais de urna vez
no exercício de oficios humildes e domésticos; isto em nada
derroga ao valor da missáo sacerdotal.

Dizendo isto, porém, nao pretendemos negar atitudes de


masiado livres ou espontáneas por parte de certos sacerdotes
e leigos em Cursilho. Estas atitudes sao lamentáveis, mas nao
se verificam somente em ambiente cursilhista. Reconhega-se a
boa intencáo do padre que deseja ser o irmáo servidor de
todos os homens, mas mam sempre encontra as expressóes ade-
quadas deste seu desejo. Reconhega-se outrossim a boa inten-
gáo do leigo que sabe que é Igreja, mas nao é sempre feliz
ñas suas atitudes.

Quanto as designagóes «Chefáo, Amigáo», atribuidas a


Cristo, podem ter algo de chocante. Certamente nao se enten-
deriam nos labios de qualquer cristáo. Pode-se admitir, porém,
que muitos daqueles que, recém-convertidos, as proferem, sejam

— 81 —
34 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 158/1973

animados pela intengáo de exprimir adesáo e fidelidade incon-


dicionais a Cristo. O uso dessas expressoes, caso oeorra na
vida de um cristáo recém-convertido, há de ser provisorio. O
mesmo se diga de certo linguajar em gíria («bater papo com
Cristo, papo que nao exija cuca»...): na mente de quem usa
tais expressoes, pode haver naturalidade candida. Todavía c
para desejar que a linguagem de um cristáo referente a Cristo
jamáis seja banal ou vulgar; quem intenciona desenvolver a
sua vida de oracáo, faga esforco para usar expressoes que nao
lembrem situagóes ou ambientes dúbios (tais seriam as expres
soes da gíria).

2.5. Política e subversáo

Outra acusagáo — sem dúvida, relevante feita aos Cur-


sühos consiste em atribuir-lhes intengóes políticas e subversi
vas em relacáo á ordem pública.

Tal acusagáo é táo arbitraria e subjetiva que os Cursilhos


tém sido simultáneamente encarados como movimento de direita
e movimento de esquerda. A este propósito observa muito tem
o Dr. Luiz Leite Netto, presidente do Secretariado Nacional
de Cursilhos :

"Muitas vezes simultáneamente nos acusam de sentios de direita e de


esquerda. Isto mostra apenas que o erro é de visSo de quem nos acusa,
pois estio colocados muito á esquerda ou multo á direlta e nos enxergam
de um lado ou de outro, quando estamos realmente centrados na doutrlna
e no magisterio oficial e atual da Igreja" (Carta á Comissao EDiscoDal de
Pastoral. 18/X/72).

Na verdade, a mensagem dos Cursilhos é apolítica e náo-


-partidária. Sem dúvida, ela pretende despertar o cursilhista
para a acáo (estudo, piedade e agáo constituem o tripe da vida
crista, segundo se ensina no triduo do Cursilho); essa agáo
terá urna repercussáo social, visando a renovar o mundo. Ora
tal programa se enquadra estritamente dentro dos principios
do Evangelho e independentemente de qualquer ideotogia po
lítica. Se alguns membros ou grupos do Movimento de Cursilhos
dáo ao scu programa da acáo urna tonalidade ideológica, nao
o fazem em virtude de normas recebidas em Cursilhos, mas,
sim, por efeito de sua formagáo doutrinária própria.

Os rolhos de Cursilhos tém insistido no valor das comuni


dades cristas ; nao viva o cristáo de maneíra isolada c indivi
dualista, mas procure incorporar-se a um grupo que o ajudarú
a perseverar na fé e no amor fraterno. Esta diretriz corres-

— 82 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 35

ponde fielmente ao pensamento da Igreja, que nos últimos tem-


pos tem apelado para a formacáo do que se chama «comuni
dades eclesiais de base»; nestas procura-se viver a espirituali-
dade do Corpo Místico de Cristo, e nao o totalitarismo mar-
xista.

2.6. Movimento de élite

Tem-se dito que os Cursilhos atingem apenas as pessoas


abastadas ou ditas «de classe A» na sociedade, tornando-se
conseqüentemente um movimento de burguesia que se quer
projetar e ostentar.

— Reconheceremos a fraqueza humana que pode conta


minar as mais nobres iniciativas e, por isto, também o Movi
mento de Cursilhos de Cristandade. Em tudo que é criagáo dos
homens, há sempre trigo e joio.

Note-se, contudo, que o Secretariado Nacional de Cursilhos


se tem empenhado por evitar e dissipar os possíveis desvíos e
abusos que facam dos cursilhistas uma casta «superior». Os
Cursilhos nao pretendem constituir uma associacüo religiosa;
quem fez Cursilho, nao se dedique ao cursilhismo, mas, sim, ao
Cristianismo, empenhando-se na acáo pastoral da Igreja; nao
.se agrupe em «panelinhas» fechadas, mas una-se a todos os
irmáos no mesmo povo de Deus.

Acontece, porém, que os Cursilhos foram concebidos para


«vertebrar a Cristandade», ou seja, para colocar pessoas-vér-
tebras. líderes, nos lugares devidos, a fim de se construir uma
auténtica sociedade crista. Ora é certo que nem todos possuem
■os predicados da lideranca e da estruturacáo da sociedade;
por isto há solegáo do pessoas para fazer Cursilho. Tal selecto,
porém, nao significa discriminacáo ide classes sociais, pois em
qualquer classe da sociedade (A, B ou C) há líderes ; é a
estes (ricos ou pobres, doutores ou nao) que os Cursilhos se
destinam em primeiro lugar, pois tais elementos poderáo com
especial fecundidade irradiar os beneficios colhidos durante o
triduo do Cursilho.

Vé-se, pois, como sao infundadas as objecóos geralmenta


levantadas contra o Movimento de Cursilhos. Os preconoaitos
partem, muitas vezes, de quem nao fez Cursilho ou de quem
se predispós de antemáo a nao viver objetivamente os seus
tres dias de Cursilho.

— 83 —
36 *PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1973

O Movimento tem produzido frutos de altíssimo valor,


tanto no plano cristáo e eclesial como no plano meramente
humano e social: pessoas a beira do abismo moral tém-se re
cuperado maravilhosamente por efeito do Cursilho. Daí o in-
teresse de todo cristáo em que se apoie o Movimento e se con-
servem intatas as lirrhas características e estruturais do triduo
cursilhista: a seqüéncia de rolhos e atos de um Cursilho é táo
bem planejada que quem retocar um só ponto do conjunto se
arriscará a comprometer o bom éxito do todo.

Por último, apraz-nos citar alguns pronunciamentos de


Paulo VI e das autoridades da Igreja a respeito de Cursilhos.

3. Paulo VI e Bispos do Brasil


frente aos Cursilhos

1. O Santo Padre Paulo VI, em mais de urna ocasiáo,


tem ¡demonstrado a sua grande estima pelos Cursilhos de Cris-
tandade.

Assim aos 28 de maio de 1966, dirigindo-se a 5.000 cursi-


lhistas reunidos em Roma para celebrar o seu 1' Encontró
Mundial, dizia S. Santidade :

"Cursilhos de Cristandade: eis urna expressáo robustecida pela expe


riencia, justificada pelos frutos, que hoja transita pelos caminhos do mundo
com o dlreito de cidadanla.

Permití que vos exprima o júbilo transbordante que neste momento


inunda o nosso espirito ante o coro Imenso de vossa fé intrépida em
Cristo, de vossa fidelidade á Igreja, de vossa fervorosa adesáo a esta Cáte
dra de Pedro e ao ministerio da hlerarquia episcopal.

Cursilhistas de Cristandade! Cristo, a Igreja, o Papa contam convosco!"

Já aos 14 de dezembro de 1963, em Carta Apostólica, havia


escrito S. Santidade:

"Frutos coplosfssimos foram colhldos por esta escota de Cristianismo


que chamáis Cursilhos de Cristandade: tem sido santamente renovada a
vida doméstica em conformldade com os preceltos da lei divina ; tem-se
promovido a vida paroqulal pelo impulso de nova torca; vém sendo fiel
mente resolvióos os problemas públicos e privados ; por dever de cons-
ciéncia, os bispos e outros pastores se enchem de alegría".

No dia 23 ¡de novembro de 1969, falando a 700 cursilhistas


do mundo inteiro reunidos na Praca de Sao Pedro para celebrar

— 84 —
CURSILHOS DE CRISTANDADE 37

o encerramento do 1» Cursilho de Roma, renovou-lhes Paulo VI


o seu apreso de Supremo Pastor.

Em maio de 1970 enviou urna rádio-mensagem aos 45 mil


cursilhistas reunidos na cidade do México em Ultréya (assem-
bléia) Mundial. Essa mesma benévola palavra foi reiterada
através do Cardeal J. Villot, Secretario de Estado, por ocasiáo
do Encontró Latino-Americano realizado em Sao Paulo (Maio
de 1972), e aínda por ocasiáo do 3' Encontró Mundial celebrado
em Palma de Majorca (Espanha) em outubro de 1972.

2. No Brasil, a Comissáo Episcopal de Pastoral em no-


vembro de 1972 escreveu urna carta ao Dr. Luiz Leite Netto,
presidente do Secretariado Nacional de Cursilhos, carta da qual
vai extraído aqui o seguinte trecho :

"A ComissSo Episcopal de Pastoral desoja reafirmar o alto conceito


em que a CNBB tem o Movimento de Cursilhos, conceito este expresso pelo
reconhecimento oficial na Assembléia de Brasflia em 1970. Desde aquela
data, o Movimento tem crescido multo através do Brasil e tem procurado
atualizar-se intimamente no aspecto doutrlnal, espiritual e pastoral.

Assim concorrerá o Movimento dos Cursllhos com multos outros Movi-


mentos para que o laicato da Igreja no Brasil assuma sempre mais vigoro
samente a sua mlssao na Igreja e sobretudo o seu papel especifico no
mundo. Justamente quanto a este último aspecto, queríamos expressar
nossa confianca a respeito da orlentacáo segura do Movimento, que se dis
tancia tanto da Inercia e da acomodacüo como de atitudes radicalizadas..."

3. O Sr. Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales, arcebispo


do Rio de Janeiro, deu, por sua vez, pleno apoio ao Movimento
de Cursilhos na alocucáo «A Voz do Pastor» proferida aos
8/XII/1972 :

"Os Cursllhos tém provocado benéfica e profunda modlflcacáo moral


nos individuos e nos grupos humanos. Hoje, nesta arquidiocese, com outros
movimentos leigos, o Cursilho se constituí um dos sustentáculos do trabalho
pastoral. O Cardeal assume Inteira responsabilidade por suas atividades"
("Jornal do Brasil", 9/XII/72, p. 6).

Mercccm destaque outrossim alguns tópicos extraídos da


imprensa.

O «Jornal do Brasil», aos 13/XÜ/72, 1« cad., p. 3, publicou


a seguinte noticia :

"Bispos do Oeste apoiam Movimento dos Cursilhos. — Os blspos do


Regional Cenlro-Oeste da CNBB, reunidos em Anápolis (Golas) para sua
assembléia ordinaria, escreveram ao presidente do Secretariado Nacional

— 85 —
38 ^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

dos Cursilhos, Sr. Luis Lelte, apolando o movtmento que, recentemente,


sofreu restricSes por parte de urna carta pastoral do bispo de Campos,
Dom Antonio de Castra Mayer.

O documento adverte contra qualquer tipo de casta, grupo privile


giado ou pequeña sella que sala dos Cursilhos de Cristandade, mas nlo
esconde que fot através deles que mullos leigos encontraran! o 'sentido da
sua vida crista e tomaran) consciéncla das suas responsabilidades batlsmals'.

Difundidos em quase todas as dioceses e prelazias do Estado de


Goiás, os Cursllhos, diz o documento, merecen) 'urna palavra de apoto,
estímulo e orientagáo' pelos (rulos que estáo produzindo. Depois de citar
a definicáo dada por Paulo VI, como 'escola de santidade', e de lembrar
a poslcáo de destaque em que a Igreja recolocou os leigos depois do
Concilio, os bispos signatarios sublinham que 'é urna alegría para nos e
urna esperanca' poder contar, entre outros, com os Cursilhos, que ajudam
na formacáo e orientacáo dos crlstaos através de métodos atraentes e
ellcazes...

'O ideal é que cada um que participe de um Cursilho de Cristandade


sala alegre, nao por se ter tornado um cursilhlsta, mas por ter tomado cons-
ciéncia de sua vocacao crista' — (rlsam os misslvlstas.

Também as atividades apostólicas de um cursilhista devem orlentar-se


'para urna presenca cristámente exemplar e constrictiva no meio da familia,
do Irabalho, dos diverlimenlos e das relacSes sociais...'

'Por (im, Icinbramos que só havera urna acio apostólica auténtica,


quando se ama Jesús Cristo e se procura viver na sua intimidade. Sem
vida interior, seria e permanente, nao se pode ser um Instrumento adequado
ñas máos de Deus para a dilatacáo e o incremento do seu Reino', arre
matan) os bispos.

Treze prelados assinam a carta..."

O «O Sao Paulo» de 9/XII/72 notición :

"Arcebispo presente prestigia encerramento do 195? Cursilho de Cris


tandade — Domingo último, quando D. Paulo Evaristo Arns entrava no Saláo
onde se encerrarla o 195? Cursilho de Cristandade para Homens... no
Tatuapé, centenas de católicos do conhecido e attvo Movtmento de Leigos
tevantaram-se mostrando sincera e ruidosamente sua satisfacao pela pre
senca do Pastor da Arautdlocese. Depois dos comovenles testemunhos dos
50 novos cursillistas —■ agora, somente na cidade de Sao Paulo eles sio
mais de 15 mil entre homens e mulheres — o Arcebispo tomou a palavra
para reiterar a aprovacao do Episcopado Brasileiro e da Igreja aos Cursilhos,
no qual repousam grandes esperarlas de um futuro rnelhor."

Estes dados evidenciam bem quanto os Cursilhos estáo


correspondendo á mente ,da Igreja contemporánea — o que os
torna merecedores do aplauso de todos os que sinceramente
amam o Reino de Cristo e o bem de seus irmáos. Dsve-se notar
que muitos daqueles que fazem reservas aos Cursilhos, só as
fazean porque nunca viveram um Cursilho, mas apenas leram
ou ouviram falar a respeito.

— 86 —
Urna das últimas conquistas da medicina

transplante de ovario

Em síntese: O transplante de ovario parece estar sendo realizado


com éxito, segundo noticias dos jomáis. A operagáo, porém, delxa interro-
gagSes abertas aos estudiosos. Vamos abordá-las:

1) Os folículos nascem com a crlanga e trazem as características da


respectiva personalidade. Por isto, quando se transplanta o ovario, trans-
plantam-se notas próprias da doadora (ovario de mulher da raga negra
em mulher de raga branca conserva as características de sua raga).

2) Em conseqüéncia, vé-se que o transplante de ovario, em parte,


pode ser assemelhado a um transplante de órg&o (o que nSo é condenável,
contanto que nao se tire a vida do doador para se Ihe extrair o órgSo a
ser transplantado). Em parte, porém, pode-se dlzer que tem algo de comum
com a insemlnacáo artificial (á qual se associa a figura da máe de aluguel
ou incubadora); de fato, o ovarlo ovula no organismo da mulher receptora
por influencia da vltalidade desta, mas com as características recebldas no
organismo da doadora; os óvulos traráo as notas tipleas da mulher doadora,
nSo as da receptora; esta entSo se tornará fácilmente mera Incubadora. Ora
reduzir as fungoes maternals á incubagao é derrogar á dignidade indevas-
sável das mesmas. A sementé vital da mulher é sempre a expressSo do
amor e da generosidade dessa mulher; a sementé alheia portanto exprime
a generosidade e o amor de outra mulher.

3) O casamento entre o filho da mulher que deu o ovario transplan


tado e o da mulher que recebeu tal ovario, tem algo do casamento entre
semi-irmáos. Embora moralmente nao seja condenado, é rejeitado pelo
Direito, pois se opóe ao bem comum da sociedade.

Comentario: O jornal médico «Pulso», em sua edigáo de


20 de novembro de 1972, transmite a seguinte noticia :

"OVARIOS TRANSPLANTADOS NA ARGENTINA ESTÁO BEM

Buenos Aires (do bureau argentino do PULSO) — O transplante de


ovarios realizado aqui há nove meses em mulher estéril pelo dr. Raúl Blanco
e sua equipe de qúinze médicos, no Hospital Torcuato de Alvear, já pode
ser dado como de total sucesso, pois a receptora, segundo comunicacáo
científica recém-anunciada pelos cirurglóes, está ovulando normalmente e
pode ser máe quando quíser.

Ao PULSO argenlino o dr. Raúl Blanco, que de 12 a 16 do corrente


(novembro) está no Brasil (SSo Paulo) para o I Congresso Brasil-Israel de

— 87 —
40 'PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 158/1973

ferlilidade e esterilldade, diz que em 1968 comecou a etapa experimental


do transplante de ovarlos em cadelas. Encontrou a técnica adequada após
tentativas em dez animáis, nove dos quais com ótimo resultado. Em mulher,
a oportunidade surgiu quando operava urna cam fibroma e que devia se
submeter a hlsterectomla."

Esta noticia, um tanto sensacional como ó, suscita de imo-


diato tres interrogacñes interessantes :

1) O ovario transplantado fará parte integrante .da re


ceptora ou nao ?

2) É licito, do ponto de vista moral, fazer-se um trans


plante -de ovario, sobretudo com vistas á reprodugáo ?

3) Em caso positivo, será moralmente lícito o casamento


do(a) filho(a) da mulher que recsbeu o transplante de ovario
com o (a) filho(a) da mulher que deu esse ovario ?

A estas perguntas vamos dedicar as páginas que seguem,


distinguindo o aspecto filosófico e o aspecto moral da temática.
— Sabemos que o assunto é sutil e ainda um tanto sujeito a
conjeturas e divagacóes da fantasía ; como quer que seja, o
estudo de tal problemática nos dará ocasiáo de refletir sobre
certos principios básicos da filosofía e da moral cristas.

1. Transplante de ovárro : filosofía

1. A filosofía escolástica, também dita «filosofía perene»,


ensina que o homem consta de corpo material e alma espiritual.
Corpo e alma se comportam entre si como materia e forma (no
sentido aristotélico); o que quer dizer: é a alma espiritual que
dá as características específicas á materia a que ela está unida.
Verdade é que materia e forma se condicionam mutuamente,
exercendo causalidad* reciproca entre si ; tal alma é por Deus
criada em vista de tal materia preparada pelos genitores da
futura crianga. Como quer que seja, é á alma (forma, no sen
tido aristotélico) que compete dar as notas essenciais á materia
que ela anima.

2. Acrscente-se agora um dado da biologia. Esta ensina


que no organismo feminino existem dois ovarios com folículos '
em tres estadas de evolucáo :

10 folículo (de Graaf) é urna pequeña bolsa que envolve o óvulo


antes que este esteja maduro e seja libertado para receber o esperma
tozoide.
TRANSPLANTE DE OVARIO 41

— os folículos primordiais, em número de 200.000 ou


300.000 (na especie humana); nascem com a crianca ;

— os folículos em via de crescimento ; desde os quatro


ou cinco anos de idade da crianga, os folículos tendem a se
desenvolver e alcancar o seu amadureeimento. Segundo alguns
autores, apenas 30.000 ou 40.000 folículos chcgam a amadu-
recer. Outros afirmam que somente algumas escassas centenas,
se tanto, amadurecerao c seráo libertados :

— o óvulo maduro. A partir dos 12/13 anos, a menina


entra na sua puberdade, ficando sujeita aos ciclos menstruais.
Desde o principio do ciclo menstrual, comega o processo de ma-
turagáo de um óvulo, processo que dura cerca de 14 dias.
Quando o óvulo está maduro, o folículo que o contém rebenta,
deixando-o livre, mas ainda rodeado de algumas células ; esta
libertagáo é chamada ovulacáo, ponto central .do ciclo feminino
de reproducáo.

3. De quanto dissemos, segue-9? que em todo organismo


feminino desde a infancia os ovarios sao marcados pelas carac
terísticas da alma e da personalidade da respectiva portadora;
nao sao ovarios neutros ou indiferentes a urna personalidade,
mas sao os ovarios ,da menina A ou de B ou de C, destinados
a transmitir por heranca as notas características da personali
dade da doadora.

4. Digamas agora que um ovario é extraído de um orga


nismo e implantado noutro. Caso este outro assimile o ovario
proveníante de fora (o que, segundo as noticias mais recentes,
tem acontecido), o ovario assimilado guarda as características
da passoa doadora ; funcionará, ou seja, ovulará por influencia
da alma do organismo receptor, mas manifestará as notas típi
cas do sujeíto de origem e, por conseguinte, da personalidad;
a que tal ovario pertancia. Assim o ovario extraído de urna
mulher preta e implantado numa mulhsr de raga branca ovu
lará de modo a transmitir as características da raga preta.
Pode-se dizer que o óvulo do ovario implantado leva consigo
a potencialidade genética da mulher doadora. Esta afirmagáo
é baseada no fato de que os ovarios e os folículos ovulinos
comegam a existir e se formar ou desenvolver desde a infancia
da mulher doadora no organismo desta, sob a agáo da alma ou
do principio vital dessa pessoa doadora. Quando, pois, o ovario
c transplantado, nao pode deixar de ser transplantado com as
notas típicas do organismo e da personalidade de sua origem.

— 89 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

Colocados estes principios, passamos a encarar a morali-


dade da nova operagáo.

2. Transplante de ovario : e a consciéncia moral ?

Do ponto de vista da consciéncia moral, duas perguntas se


propóem no caso :

2.1. Transplante de ovario para reprodujo©

Em tese, os transplantes de órgáos (rim, coragáo, córnea


do olho...) sao licites, desde que nao se tire a vida do doador
para se lhe extrair o órgáo a ser transplantado. Sabe-se, alias,
que esta cláusula (nao matar nem precipitar a morte do doa
dor) ccmstitui um dos pontos mais nevrálgicos da operagáo de
transplantes considerada do ponto de vista ético: o médico há
de saber avaliar com exatidáo o momento da morte real do
paciente, distinguindo-a da morte aparente e dos diversos graus
de coma — o que é extremamente difícil; cf. PR 137/1971, pp.
193-203. Numerosos estudos, em conseqüéncia, tém sido feitos
sobre os síntomas de morte real de um paciente.

Quanto ao transplante de ovario em vista da reproducáo,


assume modalidade ética própria. O ovario, com efeito, nao é
simplesmente, como o coragáo ou um rim, um órgáo de funcóes
quase mecánicas, substituivel até por urna bomba ou um «ci-
borg» (o transplante de coragáo, ñas devidas circunstancias, é
lícito). O ovario, que produz óvulos, está intimamente associa-
do as características pessoais ida mulher a que pertence; os fo
lículos, que nascem com a crianga, trazem as notas típicas des-
ta e tendem a transmití-las. Além disto, o ovario existe em
fungáo da maternidad©; esta é própria e representativa da pes-
soa humana feminina; supóe ideal e generosidade conscientes. A
maternidade nao pode ser despsrsonalizada, nem há de ser re-
iduzida a mera incubagáo de ovos.

Estes dados levam-nos a perguntar: será que o transplante


de ovario nao afetará oartos valores humanos que nao é lícito
devassar? A reprodugáo que se obteria mediante ovario trans
plantado, nao deveria ser tida como urna modalidade da cha
mada inseminagáo artificial? A fecundagáo que assim se obte
ria, nao utilizaría o semen da mulher em que se teria feito o
transplante, mas o semen de outra mulher (a doadora); a mu
lher reo3ptora nao se tornaría entáo máe incubadora ou máe

— 90 —
TRANSPLANTE DE OVARIO 43

de aluguel? — Nao há dúvida, a mulher que recebe o ovario,


fá-Io funcionar com a sua vitalidade própria; caso este ovule
no organismo da receptora, ovula porque participa do metabo
lismo deste organismo; mas fica sendo sempre a expressáo de
outra personalidade ou de um outro En.

Ora a fecundagáo artificial nao se concilia com a moral


crista. Obssrve-se também o seguinte: reduzir a fungáo mater
na ao comportamento da máe incubadora é indigno da consci-
éncia moral bem formada e, por conseguinte, contraria os
principios da moral crista; cf. PR 153/1972, pp. 428-432.

Em síntese, vemos que o transplante de ovario se apre


senta como uma opsragáo de duplo sentido: em parte, equipa-
ra-se a um transplante de órgáo (o que por si nao pode ser con
denado) ; em parte, porém, assemelha-se a fecundagáo artificial
com tudo o que esta tenha de estranho (inclusive o papel da
máe incubadora). Verdade é que o aspecto de fecundacáo arti
ficial, no caso, é um tanto atenuado; nao se transplanta a se
menté apenas, mas o ovario (o órgáo produtor de sementes
vitáis) de uma mulher para outra; o ovario ovula dentro do
organismo da mulher que fará a gestagáo do feto. Como quer
que seja, esta mulher estará carregando e desenvolvendo a se
menté vital de outra mulher — o que talvez nos obrigue a di-
zer:... estará servindo de incubadora.

Estas reflexóes nao pretendem ser mais do que encaminha-


mento de solucáo para uma problemática que ainda é prematu
ra e um tanto irreal. Os progressos das pesquisas médicas po-
deráo ajudar-nos a equacionar melhor a questáo e a procurar-
-Ihe uma solucáo mais concreta e precisa.

2.2. Casamento de filhos do mesmo ovario

Pergunta-se agora: será moralmente lícito o casamento


do (a) filho(a) da mulher que recebeu o ovario de outra com
o (a) filho(a) daquela que deu o ovario?

— Dadas as premissas até aquí ponderadas, deve-se dizer


que essas duas pessoas até certo ponto sao filhos da mesma
máe; sao semi-irmáos entre si. Ora o casamento dentro da mes
ma linhagem é desaconselhado por dois motivos:

— acumula males ou taras hereditarias da mesma familia;

— 91 —
44 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

— contraria a uniáo dos membros de diversas familias en


tre si, entravando assim a constituigáo de urna sociedade devi-
damente estruturada. O casamento dentro da miasma familia
favorece a mentalidade do clá particularista e prejudica o bem
i!a humanidade.

Eis por que o Direito eclesiástico e o Direito civil rejeitam


i1, matrimonio entre irmáos e semi-irmáos. Note-se, porém. qu*
do ponto de vista estritámente moral nao haveria obstáculo ao
casamento entre irmáos. Caso, numa hipótese fantasista, so-
brevivesse um dia na térra apenas um casal de irmáos, estas
duas pessoas poderiam copular entre si, a fim de garantir a
continuidade da historia. A consciéncia moral nao rejeitaria
isto.

Eis.o que se podia sumariamente ponderar á guisa de co


mentario da sensacional noticia de «PULSO» sobre transplante
de ovario.

Estéváo Bettencourt O. S. 15.

livros em resenha
Quem ó Deus?, por JeanClaude Barreau. Traducüo de Almir
IVibeiro Guimaráes. — Editora Vozes, Pctrópolis 1972, 135 x 210 mm,
91 pp.

Urna das causas do atcismo contemporáneo sao os falsos ou


imperíeitos conceitos de Deus apregoados ao mundo por pessoas que
se dizem crentes. Consciente disto, Jean-Claude Barreau se propós
explanar a auténtica nocáo de Deus tal como a Revelacáo bíblica (que
é a Revelacáo íeita pelo próprio Deus) o esboga. O autor declara
muito sabiamente no inicio do seu livro: «Nos, os crentes, desconhe-
cemos o desejo do absoluto c a euriosidade de Deus quo atormenta
os homens aos qunis nao cusamos mais falar... ContrnrUimonto ao
que so poKsa pensar nos ambientes crisluos, nao sao os escándalos
ou as deficiencias moráis dos cristüos que desencorajam as pessoas.
Os pagaos nao condenam tanto os cristaos pelo fato de nao serem
perfeitos; eles os criticam inconsciontemeníifi por nada terem a
dizer» (p. 12).

Após esta introduc&o, o autor examina os falsos conceitos de


Deus hoje em dia disseminados: o Deus da magia, o Deus «rival
do homem», o «Deus mau ou vingativo», o «Deus-Utilidade», o «Deus
puritano»... Eliminadas estas concepc5es, Barreau mostra que Deus
se quis revelar por Jesús Cristo. Ele se revclou, sim, como o Amor;
esse Amor, porém, nao suprime a liberdado do homem. mas a
solicita. O autor ctesenvolve brilhantemente estas idéias, délas tirando
conclusóes válidas a respeito do pecado, do inferno, do soírimento
no mundo atual, da vida espiritual, da moral crista... Considera

— 92 —
também o misterio da SS. Trindade. pondo em foco o seu aspecto
de «comunháo' no amor». Uma súmula de pontos capitais da doutrina
crista é assim exposta.

Numa palavra, o livro é realmente interessante e profundo;


ilustra muito a propósito as suas afirmacóes com tópicos da literatura
antiga e da contemporánea. Os problemas da fé, do ateísmo, da
fiiosofia moderna sao ai focalizados num nivel que nao é nem popular
nem de erudicao demasiado técnica. — Todavía uma observacáo
rcstritiva se impóe: no seu aíá de propor a genuína concepcáo de
Deus, Barreau cede por vezes a criticas excessivas á piedade católica
antiga e á própria Igreja; é um tanto agressivo a grandes persona
lidades católicas; a designado «cristianismo repaganizado» á p. 15 é
infeliz, bem como os exemplos anexos. Alias, o autor mesmo foi
vitima desses exageros de crítica, pois, após muito entusiasmo e
fervor no seu apostolado, acabou por se separar da Igreja (cf. PR
147/1972 pp. 132-142). Quem ler o livro de Barreau sabendo entender
o seu delicado capitulo 2, lucrará imensamente com tal leitura, pois
realmente abre horizontes novos e ricos em perspectivas auténtica
mente cristas.
Evolucao do Catolicismo no Brasil, por Joáo Alfredo Montenegro.
— Ed. Vozes, Petrópolis 1972, 140 x 210 mm, 188 pp.

Este livro é produto de grande e minuciosa pesquisa em torno


da historia da Igreja de fins da Idade Media e dos séculos posteriores
no Brasil. O autor comega expando a situacáo do Catolicismo no
término do periodo medieval para constituir o fundo de cena pres-
suposto pela historia da Igreja em nosso país, nos tempos da colonia
portuguesa, no Imperio (quando se deu a chamada «Questao Reli
giosa») e na República. O autor concluí com observacOes sucintas
a respeito do Catolicismo no Brasil após o Concilio do Vaticano II.

Era necessária uma tal obra na literatura brasileira. Todavía


note-se que nao é fácil escrever historia; os fatos analisados geral-
mente inspiram ao estudioso uma apreciacáo filosófica. Ora o erudito
Prof. Montenegro, de principio a fim do seu livro, tende a realcar
quase exclusivamente os traeos sombríos da historia da Igreja: em
numerosas descricoes de situacáo que apresenta, só vé moralismo,
legalismo ambicáo, sobrenaturalismo... (palavras freqüentes no
decorrer do livro). Na resistencia de D. Vital ao governo imperial
julga haver «concepcáo maniqueísta, projecáo racionalista» (p. 100).
A luta entre a Igreja e o Imperio é tida como fenómeno social de
contrasto (pi>. 105s). O Santo Oficio de Roma teria por funcáo
precipua «fortalecer a unidadu política através da unidade religiosa*
tp. 41). Estranha é a distingáo entre «Igreja instituigáo» e «igreja
povo de Deus» (p. 182); na verdade, o povo de Deus nao existe sem
a sua estrutura visivel, instituida por Cristo.

O autor é simpático á renovacáo da vida católica induzida pelo


Concilio do Vaticano II; mas isto, objetivamente falando, é muito
pouco. Desejar-se-ia através do livro inteiro a mengao dos grandes
vultos humanos e dos feitos heroicos que marcaram positivamente
a historia da Igreja no Brasil: a catequese dos indios/, a obra dos
jesuítas, a educagáo e a civilizagáo trazidas pelas Ordens Religiosas
ao Brasil; isto tudo representou abnegacáo e heroísmo; deveria ster<
julgado nao com criterios do séc. XX, mas segundo os parámetros
dos séc. XVI-XVIII. A «Questáo Religiosa» significou um brado de
independencia da Igreja frente á leí do padroado, que só permitía
íossem executadas no Brasil as Bulas papáis que recebessem o bene
plácito de S. Majestade Imperial; dignas de louvor, pois, e
beneméritas sao as figuras de D. Freí Vital, bispo de Olinda, e D.
Antonio Macedo da Costa, bispo do Para.

Em suma, tem-se a impressáo de que o autor é um sociólogo,


jurista e historiador de erudigáo, que, no campo religioso, carece de
premissas necessárias para enfocar devidamente os temas atinentes
á historia da Igreja. A leitura do livro é instrutiva, mas comunica
impressñes unilatcrais ou negativas concernentes ao Catolicismo no
Brasil — o que é injusto e nao scmpre fiel á verdadc.
E.B.

-<"< §;E NHOR,

QUANDO EU TIVER _ $
QUE HAJA ALGUÉM A QUÉM TENHA QUE ALIMENTAR!

QUANDO TIVER SEDE, - ; _


QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUÉ DAR DE BEBER I

QUANDO TIVER FRIÓ,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE VESTIR !

QUANDO ESTIVER TRISTE,


QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE CONSOLAR I

QUANDO ESTIVER PESADA A MINHA CRUZ,


QUE TENHA QUE AUXILIAR OUTRO A LEVAR A DELE I

QUANDO ESTIVER POBRE,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE DAR ESMOLA!

QUANDO NAO TIVER TEMPO,


QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE ENTREGAR PARTE DO MEU!

QUANDO FOR HUMILHADO,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE LOUVAR I

QUANDO FOR FERIDO,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE CURAR I

QUANDO ESTIVER DESANIMADO,


QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE LEVANTAR I

QUANDO TIVER NECESSIDADE DE ALGUÉM QUE SE PREOCUPE COMIGO,


QUE TENHA EU QUE ME PREOCUPAR COM OS DEMAIS I

QUANDO EU MORRER,
QUE O MUNDO FIQUE MELHOR POR TER EU EXISTIDO !

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