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A MORTE DO AUTOR Roland Barthes [ert publicedo em:0 Rumor d Lisgu2. Séo Paulo: Martins Fontes, 2008] Na sua novela Sarrasine, Balzac, falando de um castrado disfarcado de mulher, escreve esta frase: «Era a mulher, com os seus medos subitos, 08 seus Caprichos sem razéo, as suas perturbacées instintivas, as suas audacias sem causa, as sua'bravatas ¢ a sua deliciosa delicadeza de sentimentos. - Quem fala assim? Sera o herdi da novela, interessado em ignorar 0 castrado que se esconde sob a mulher? Sera o individuo Balzac, provido pela sua experi8ncia pessoal de uma filosofia da mulher? Sera o autor Balzac, professando idéias «literarias» sobre a feminilidade? Sera a sabedoria universal? A psicologia romantica? Seré para sempre impossivel sabé-lo, pela boa razdo de que a escrita é destruicao de toda a voz, de toda a origem. A escrita é esse neutro, esse compésito, esse obliquo para onde foge 0 nosso sujeito, o preto-e-branco aonde vem perder-se toda a identidade, a comegar precisamente pela do corpo que escreve ‘Sem divida que foi sempre assim: desd= o momento em que um fato & contado, para fins intransitivos, e nao para agir diretamente sobre 0 real, quer dizer, finalmente fora de qualquer func4o que ndo seja 0 préprio exercicio do simbolo, produz-se este desfasamento, a voz perde a sua origem, o autor entra na sua prépria morte, a escrita comeca. Todavia, 0 sentimento deste fendmeno tem sido varidvel, nas sociedades etnograficas, no ha nunca uma pessoa encarregada da narrativa, mas um mediador, chamane ou recitador, de que podemos em rigor admirar a prestacdo» (quer dizer, 0 dominio do cédigo narrative), mas nunca o «génio». O autor é uma personagem modema, produzida sem divida pela nossa sociedade, na medida em que, ao terminar a idade Média, com 0 empirismo inglés, 0 racionalismo francés e a 18 pessoal da Reforma, ela descobriu o prestigio pessoal do individuo, ou como se diz mais nobremente, da «pessoa humana». E pois légico que, em matéria de literatura, tenha sido o positivismo, resumo ¢ desfecho da ideologia capitalista, a conceder a maior importancia 4 «pessoa» do autor. O autor reina ainda nos manuais de histéria lterdria, nas biografias de escritores, nas entrevistas das revistas, € na prépria consciéncia dos literatos, preocupados em juntar, gragas ao seu didrio intimo, a sua pessoa e a sua obra, a imagem da literatura que 2 podemos encontrar na cultura corrente é tiranicamente centrada no autor, nna sua pessoa, na sua histéria, nos seus gostos, nas suas paixSes; a critica consiste ainda, a maior parte das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire 4 0 falhango do homem Baudelaire, que a de Van Gogh é a sua loucura, a de Tchaikowski 0 seu vicio: a explicagéo da obra é sempre procurada do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficedo, fosse sempre afinal a voz de uma sé e mesma pessoa, o aufor, que nos entregasse a sua «confidenciay, Apesar de o império do Autor ser ainda muito poderoso (a nova critica néo fez muitas vezes sendo consolidé-lo), & evidente que certos escritores j4 hd muito tempo que tentaram abalé-lo. Em Franga, Mallarmé, ‘sem duivida o primeito, viu e previu em toda a sua amplitude a necessidade de pdr a propria. linguagem no lugar daquele. que até entdo se supunha ser © seu proprietério; para ele, como para nds, € a linguagem que fala, nao é 0 autor; escrever é, através de uma impessoalidade prévia - impossivel de alguma vez ser confundida com a objetividade castradora do romancista realista -, atingir aquele ponto em que sé a linguagem atua, «performan,, no «eus: toda a poética de Mallarmé consiste em suprimir .0 autor em proveito da escrita (0 que &, como veremos, restituir o seu lugar ao leitor). Valéry, muito envolvido numa psicologia do Eu, edulcorou muito a teoria mallarmeana, mas, reportando-se por gosto do classicismo as ligdes. da retérica, no’ cessou de pér em duvida @ em irrisdo o Autor, acentuou a natureza linguistica e como que «arriscaday da sua atividade, ¢ rewindicou sempre, a0 longo dos. seus livres em prosa, em favor da condicdo. essencialmente verbal da literatura, perante a qual qualquer recurso a interioridade do escritor Ihe parecia pura supersticao. O proprio Proust, a despeito do cardter aparentemente psicolégico daquilo a que chamam as suas anélises, atribuiu-se visivelmente a tarefa_ de confundir inexoravelmente, por uma subtilizagdo extrema, a relacdo entre o escritor € ‘as suas personagens: ao fazer do narrador, ndo aquele que viu ou sentiu, nem sequer aquele que escreve, mas aquele que vai escrever (o jovem do romance - mas, afinal, que idade tem ele, quem é ele? quer escrever, mas no pode, e 0 romance termina quando finalmente a escrita se torna possivel), Proust deu 4 escrita moderna a sua epopéia: por uma inversdo radical, em lugar de pér a sua vida no seu romance, como se diz freqdentemente, fez da sua prépria vida uma obra, da qual o seu livro foi como que o modelo, de modo que nos fosse bem evidente que néo é Charlus que emita Montesquiou, mas que Montesquiou, na sua realidade anedética, histérica, ndo ¢ sendo um fragmento secundério, derivado, de Charlus. © Surrealismo enfim, para ficarmos por esta pré-histéria da a modernidade, no podia atribuir a linguagem um lugar soberano, na medida em que a linguagem é sistema, uma subversdo direta dos cédigos alias iluséria, porque. um cédigo nao se pode destruir, apenas podemos «joga- lo» -; mas, ao recomendar sem cessar a iluséo brusca dos sentidos esperados (era 0 famoso «safando» surrealista), a0 confiar a mao a. preocupacdo de escrever tio depressa quanto possivel o que a prépria cabega ignora (era a esctita automética), ao aceitar o principio e a experigncia de uma escrita a varios, 0 Surrealismo contribuiu para dessacralizar a imagem do Autor. Enfim, de fora da prépria literatura (a bem dizer, estas distingdes tomam-se obsoletas), a linguistica acaba de fornecer, 4 destruigao do Autor um instrumento analitico precioso, ao mostrar’ que a enunciagdo ¢ inteiramente um proceso vazio que funciona na perfeicéo sem precisar de ser preenchido pela pessoa dos’ ‘interlocutores’ linguisticamente," 0 autor nunca & nada mais para além daquele que escreve, tal como eu nao sendo aquele que diz eu: a linguagem conhace um «sujeiton, ndo uma «pessoar, 2. esse sujeito, vazio fora da propria enunciagdo que o define, basta para fazer «suportary a linguagem, quer dizer, para a esgotar. © afastamento do Autor (com Brecht, poderiamos falar aqui de um verdadeiro «distanciamenta»,’ diminuindo 0 Autor como uma figurinha 14 a0 fundo da cena literdria) no é apenas um fato histérico ou um ato de escrita’ ele transforma de ponta a ponta o texto modemo (ou 0 que é a mesma coisa - 0 texto é a partir de agora feito ¢ lido de tal sorte que nele, a todos 0s seus niveis, 0 autor s2 ausenta). O tempo, em primeiro lugar, ja no & 0 mesmo. O Autor, quando se acredita nele. é sempre concebido como 0 passado do seu préptio livro: 0 livro e 0 autor colocam-se a si préprios numa mesma linha, distribuida como um antes um depois: supde- '8e que o Autor alimenta o'livro, quer dizer que existe antes dele, pensa, softe, vive com ele; tem com ele a mesma relacdo de antecedéncia que um pai mantém com o seu filho, Exatamente ao contrario, 0 scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; ndo esta de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, ndo é de modo algum © sujeito de que o seu livro seria 0 predicado; nao existe outro tempo para lém do da enunciacdo, e. toda 0 texto é escrito etemamente aqui e agora. E que (ou segue-se que) escrever jé nao pode designar uma operagao de registro, de verificagao, de «pinturas (como diziam os Clasicos), mas sim aquilo a que os linguistas, na, seqdéncia da filosofia oxfordiana, chamam um performative, forma verbal rara (exclusivamente dada na primeira pessoa e no presente), na qual a enunciacdo nao tem outro conteudo (outro enunciada) para além do ato pelo qual é proferida: algo como o Eu declaro

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