Narcisismo

Sempre dissera que no amaria ningum, exceto a si mesma. Incrdula, sua me lhe advertia em ser necessrio doar-se a outro, pois o ser humano provido de emoo, mas a moa no lhe dava ouvidos. As sobrancelhas arqueadas, os olhos em meditao e a boca avermelhada naquela pele macia faziam enlouquecer. Tanto que enlouquecera a ela prpria por nutrir o ego. Voltando da universidade, em um dia qualquer, embarcara no nibus, como sempre fizera. Ao entrar, os olhos da moa foram atrados na direo do novo cobrador. Um rapaz de cabelo castanho e olhos argutos. Olhos que no a fitaram como esperado. Os passageiros se sentiam incomodados sempre que a avistavam e aquele rapaz nem havia se movido. Ferida por dentro, no descansaria at descobrir os horrios do nibus em que o tal cobrador estava. Seu sangue pulsava mais forte nas mos, pelo frio e pela raiva. Sua maior denncia era a expresso, afinal nunca lhe haviam desdenhado desse modo. Arrancou informaes de antigos pretendentes com discrio. Nome, sobrenome, data de nascimento e endereo, bastaram para saci-la e partir para a conquista. Inmeras vezes os dois se encontravam, dentro e fora do nibus. Na presena um do outro, viase que o cobrador achava-a bonita, pois nascia nele um leve sorriso, enquanto que ela tremia descontroladamente. O queixo e as pernas estavam sob o efeito do ato involuntrio e como domin-los se, quela altura, j haviam sucumbido aos seus prprios estmulos? O medo de uma conversa no planejada amedrontava-a, mas eram s fantasias; o rapaz no vinha em sua direo. Motivada pela angstia e impacincia, inquiriu a um amigo em comum do cobrador que o informasse do seu interesse e que pedia pelo nmero do celular. O encontro fora marcado. Sem demora, ele se aproximou. Aps um longo tempo de conversa ela percebera que sequer havia sido estampado o sorriso torto que tanto ela o vira lanar no nibus. Chegou a casa e se isolou no quarto, estava decepcionada e triunfante. Ela estava apaixonada! A lembrana do toque dos lbios perturbava-a: falava sozinha, murmurava frases ininteligveis. Um "eu te amo" talvez. Preocupada, sua me inquietara-se no cmodo ao lado, sabia que aquele quarto seria o primeiro confidente, mas as paredes insistiam em deixar escapar alguns assovios e risinhos. De sbito, jogando-se aos braos da curiosidade, abrir-se-ia a porta onde estava sua filha. Desistiu logo de dar aviso de sua presena, pois l estava a moa, to linda, a contemplar-se no espelho. Nada havia mudado.