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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Ano xxxvii Maio 1996 408
"Sem intervencáo Humana..." (Dn 2,34)
"Razóes para Crer", porGiovanni
Martinetti S.J

"Jesús. Urna Biografía Revolucionaría",


por John Dominic Crossan
O Mantra na Espiritualidade Crista
"Os Cristáos diante do Divorcio",
por Michel Legrain

A Eleicáo do Papa por todos os Fiéis


"Fui urna Morta-Viva. Fui um Vivo-Morto"
Parapsicología e Religiáo
Roube com Seguranca
PERGUNTE E RESPONDEREMOS MAIO 1996
Publicacáo Mensal M°408

Diretor Responsável SUMARIO


Estévao Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
"Sem Intervencáo Humana..." (Dn 2,34).... 193
publicada neste periódico
Fé Consciente e Lúcida:
"RazSes para Crer", por Giovanni
Dtretor-Adminislrador: Martinettl S.J 194
D. Hildebrando P. Martins OSB
"Hipóteses e Conjeturas:
"Jesús. Urna Biografía Revolucionaria",
Administrado e Distribuicao: por John Dominic Crossan 200
Edicoes "Lumen Christi" Oriente e Ocidente:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501 O Mantra na Espiritualidade
Tel.: (021) 291-7122 Cristi 209
Fax (021) 263-S679 Ambiguo:
"Os CrisUos diante do Divorcio",
Enderezo para Correspondencia: por Michel Legrain 214
Ed. "Lumen Christi" Eleicao direta?:
Caixa Postal 2666 A Eleicao do Papa por
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Todos os Fiéis 223

Impressao e EncademscSo O Aborto e sua Tragedia:


"Fui urna Morta-Viva.
Fui um Vivo-Morto" 228

Conciliar:
Parapsicología e ReligiSo 233
"MARQUES SAfíAIVA"
Roube com Seguranca 239
GRÁFICOS E EDITORES Ltda.
Tels.: (021) 273-94981'273-9447 Livros em Estantes 240

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA


NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Buscar Sentido no Sofrimento (Peter Kreeft). - "Existe Saída? Urna Pastoral dos
Divorciados" (Bemhard HSring). - Presenca Católica no Brasil (D. Amaury Casta-
nho). - Os Bispos da Franca e o Preservativo. -A Discutida Eficacia dos Preserva
tivos. - Mamonas Assassinas e Vidente.

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA: R$ 25,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 2,50).

-O pagamento poderá ser á sua escolha:-

1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro, cruzado, ano
tando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO NA CONTA DO FAVORECIDO" e,
onde consta "Cód. da Ag. e o N* da CVC, anotar: 0229 -02011469-5.

2. Depósito no BANCO DO BRASIL, Ag. 0436-9 Rio C/C 0031-304-1 do Mosteiro de S. Bento do
Rio de Janeiro, enviando, a seguir, xerox da guia de depósito para nosso controle.

3. VALE POSTAL pagável na Ag. Central 52004 - Cep 20001-970 —Rio.


Sendo novo Assmante, é favor enviar carta com norne e endereco leglveis.
Sendo renovacSo, anotar no VP nome e endereco em que está recebendo a Revista.
"SEM INTERVENQÁO HUMANA..."
(Dn 2, 34)

O jovem Profeta Daniel foi, certo dia, chamado á corte do rei


Nabucodonosor, da Babilonia, a fim de Ihe interpretar um sonho, que
muito atormentava o monarca. Disse entáo Daniel:
"Este é o sonho... Tu, rei, contemplaste urna visao: urna estatua ma
jestosa, urna estatua gigantesca e de britho extraordinario; seu aspecto
era impressionante. Tinha a cabega de ouro fino, o peito e os bracos de
prata, o ventre e os músculos de brome, as pernas de ferro e os pés de
ferro misturado com barro. Em tua visáo urna pedra desprendeu-se sem
intervengo humana, chocou-se com os pés de ferro e barro da esta
tua e fé-la em pedagos. Pelo golpe fizeram-se em pedagos o ferro e o
barro, o brome, a prata e o ouro, triturados como palha de eirá no verSo,
que o vento arrebata e desaparece sem deixar rastro. E a pedra que
esmigalhou a estatua, cresceu até se tornar montanha enorme, que ocu-
pava toda a térra" (Dn 2, 29. 31-35).

Segundo Daniel, o sonho representava os grandes reinos que su-


cessivamente dominaram o povo de Israel desde o século VI a.C:
babilonios, medos, persas, macedónios, sinos (século II a.C); sao sim
bolizados por urna estatua constituida de metáis de valor decrescente:
ouro, prata, bronze, ferro, ferro misturado com argila. Repentinamente
todo esse dominio estrangeiro que pesa sobre Israel, desmorona, pois
urna pedra se desprendeu de urna montanha sem intervencáo huma
na e, abalando os pés da estatua, fé-la cair, de modo que os metáis,
seus componentes, desapareceram sem deixar rastro. A pedra, porém,
se toma montanha enorme, que ocupa toda a térra. A visáo é grandiosa
e, ao mesmo tempo, sobria; os contrastes falam por si mesmos.

Tal pedra é, conforme as Escrituras do Novo Testamento, o próprio


Cristo, portador do reino messiánico sobre a térra. "Disse Jesús: 'Nunca
lestes ñas Escrituras: A pedra que os construtores rejeitaram, tomou-se
a pedra angular. Pelo Senhor foi feito isto, e é maravilhoso aos nossos
olhos (S1118, 22s)'? "(Mt 21, 42). Chama-nos a atencáo, porém, o por
menor tal pedra se desprendeu da montanha sem intervencao huma
na (Dn 2, 34). A exegese dos antigos escritores da Igreja viu nesse trago
singular urna alusáo á matemidade virginal de María SS.; Cristo entrou
no mundo sem o concurso do varáo; María SS. o concebeu em seu seio
"sem intervencáo humana". Está claro qua o autor sagrado em Dn 2, 34
nao podia, por si, antever tal fato portentoso ocorrido na plenitude dos
tempos. Serviu-se, porém, de urna redacáo estranha, que bem pode ser
entendida á luz do Novo Testamento, pois, dizem os mestres, "o Novo
Testamento está latente no Antigo, e o Antigo está patente no Novo".
Lido assim no contexto das Escrituras, o versículo de Daniel alude a Ma
ría SS. - Ela, que também foi feita Máe de todos os homens (cf. Jo 19,25-
27), interceda por seus filhos peregrinos neste~mésfdei;rn.ajo, que Ihe é
especialmente dedicado! es r s? m ó r eV .
C E fv T R !'., • E.B.

193
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXVII - N° 408 - Maio de 1996

Fé Consciente e Lúcida:

"RAZÓES PARA CRER"


por Giovanni Martinetti S.J.

Em síntese: O livro de Martinetti compreende duas Partes: 1)


Deus existe? e 2) Deus fala conosco?. Procura primeiramente
apresentar ao leitor moderno as justificativas da fé; a seguir, examina
a mensagem crista e sua credibilidade. Cita algumas centenas de
autores, tanto ateus como crentes, que ajudam a explanar a
necessidade de ter fé e o valor singular da fé em Jesús Cristo e na
sua S. Igreja. Pode-se dizer que todos os principáis aspectos da
problemática religiosa de nossos dias sao abordados com muita
sabedoria: o mal e o sofrimento, os milagres.'os fenómenos mediúnicos
e a parapsicología, a possessáo diabólica, a Teología da Libertagáo,
a Nova Era, a reencarnagSo, o hinduísmo e o panteísmo... - A obra é
benemérita e, pela sua atualidade, deve suscitar a acolhida curiosa
da parte de todo católico que deseje ter uma fé mais sólida e disposta
a enfrentar as diversas correntes de pensamento dos nossos tempos.

Giovanni Martinetti é um estudioso jesuíta que, há mais de trinta


anos, reflete sobre a dinámica da fé e ora se senté competido a expor
aos contemporáneos as justificativas da fé,... e da fé em Jesús Cristo
tal como é proposta pela Igreja Católica1. Para tanto, o autor estudou
centenas de escritores das diversas áreas das ciencias naturais, da
filosofía, das religióes nao cristas e do Cristianismo; oferece assim ao
leitor um contato fecundo com o pensamento de muitos autores
distantes do público bfasileiro.

1 RAZÓES PARA CRER. por Giovanni Martinetti S. J.. TraducSo de Silvana Cobucci
Leite. - Ed. Loyola. Sao Paulo 1995. 140 x 205 mm. 414 pp.

194
"RAZÓESPARACRER"

A obra compreende duas Partes: 1) Deus existe? (pp. 15-168) e


2) Deus fala conosco? (pp. 169-408).

Na primeira Parte considera Martinetti a situacáo da sociedade


de hoje agnóstica ou atéia: sonhos e ilusóes se desfizeram,
principalmente após 1989, dando lugar as drogas, ao sexo livre e á
criminalidade; apesar dos seus reveses, o homem continua a procurar
por qué vive... Volta entáo a nocáo de Deus, que Martinetti deseja
venha purificada de qualquer contrafacáo, crendice, supersticáo,
concep9áo mágica...; é o que o autor chama "urna fé razoável" (p.
28s), urna fé que esteja á altura da inteligencia humana e que saiba
dar contas ao próprio sujeito e aos seus semelhantes daquilo que
professa. Fé nao é fideísmo, nao é heranca folclórica ou inconsciente
dos antepassados. Martinetti, porém, nota que a fé nao pode ser
meramente cerebrina; a intuicáo e os valores do coracáo devem
acompanhar a razio na sua procura da Verdade.

Na segunda Parte, o autor estuda a credibilidade dos Evangelhos,


verificando que, quanto mais progridem as pesquisas lingüísticas,
papirológicas, arqueológicas..., mais se tem certeza de que os
evangelistas nao inventaram, mas escreveram sob o impacto, direto
ou indireto, do que Jesús disse e fez. A seguir, o autor se detém sobre
"o Instituto autorizado por Cristo", isto é, a Igreja confiada a Pedro e
seus sucessores, realcando a presenca do Divino no humano nesse
Corpo Místico de Cristo que continua o misterio da Encarnacáo. Analisa
outrossim algumas questóes de maior relevo colocadas na Igreja
contemporánea: sociología e fé, democracia e ateísmo, Teología da
Libertacáo, a Mulher e a Fé, a parapsicologia e os fenómenos
mediúnicos, a possessáo diabólica, as aparicoes, a New Age ou Era
de Aquário...

Como se vé, a obra é muito rica de considerares, citacóes,


referencias á historia, merecendo a estima do leitor moderno, pois
muito a propósito vem preencher grave lacuna da nossa bibliografía;
como diz o autor, hoje propóe-se o edificio da doutrina católica, muito
belo sem dúvida (tenha-se em vista o Catecismo da Igreja Católica),
mas nao se mostram as portas de entrada ou nao se aplaina a via
para ingressar nesse edificio (há muita gente que sofre de preconceitos
ou carrega traumas...); por vezes abrem-se janelas de terceiro andar
- o que de nada serve para a maioria dos que estáo fora. Está faltando
precisamente urna sadia Apologética, que Giovanni Martinetti
apresenta em termos compreensíveis e de agradável leitura.

Á guisa de amostragem, transcreveremos, ñas páginas seguintes,


alguns tópicos dos mais salientes da obra.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

1. ASOCIEDADE CONTEMPORÁNEA

O autor descreve a s¡tua9áo italiana, que nao di fe re muito da de


outros países ocidentais:

"Nos mesmos dias em que noticiavam a falencia do comunismo,


os jomáis italianos traziam os resultados de urna pesquisa do ISTAT
sobre os crímes cometidos nos anos 80 na Italia.

De 1971 a 1987, os homicidios aumentaram 51,7%; as tentativas


de homicidio, 53,5%; os crímes contra o patrimonio, 87,7%; os furtos
comuns, 76%, e os furtos qualificados, 87,1%. A vertiginosa escalada
de roubos, extorsóes, seqüestros de pessoas alcanga os 908,4%
(quase mil por cento). O enorme crescimento dos crímes contra a
pessoa humana reflete o elevado valor atribuido aos bens mataríais.
Esse aumento pode sertambém encontrado ñas estatísticas referentes
a consumo de drogas, Aids, divorcios, abortos e números de suicidios.
De 1971 a 1987 as separagóes de casáis triplicaram.

Tanto a secularizado como o ateísmo moderno giram em torno


do grande equívoco da Liberdade: sem Deus, o homem sería
verdaderamente livre. - Sim, construindo para nos mesmos urna Moral
feita sob medida, somos livres para ser egoístas, violentos, injustos,
ávidos de prazeres e animalescos. Somos livres para nos autodestruir"
(p.19).

'"Hoje as pessoas vivem confortavelmente, mas nao tém alegría.


Ao final de urna longa fileira de contas de luz, gas, telefone,
conseguem ver apenas a conta da funeraria' (Bruce Marshall).

"Erich Fromm observa que a maioria segué hoje a 'religiáo


industrial', que 'reduz os seres humanos a servos da economía e da
engrenagem que construiram com as próprias maos', e a 'religiáo
cibernética', na qual os homens transformaran} as máquinas em
divindade"(p. 23).

2. A ORIGEM DO MUNDO E DO HOMEM

"Alfred Kastler, o Premio Nobel de Física de 1966, interrogado


sobre o fínalismo dos seres vivos, respondeu:
'Gostaria de contar urna parábola. Vamos supor que durante a
próxima viagem lunar seja explorada a face oculta da Lúa, isto é,
aquela que está do outro lado, que nao podemos ver... Suponhamos
que os astronautas tenham a surpresa de encontrar ali urna fábrica
automática que produza aluminio; há hoje na Térra fábricas totalmente
automáticas.

196
"RAZÓESPARACRER"

Eles veriam, de um lado, pás escavando o solo e recolhendo a


alumina e, do outro lado, barras de aluminio saindo. Encontrarían!
aparelhagens típicas da Física, processos de eletrólise, porque o
aluminio é produzido pela eletrólise de urna solucéo de alumina com
criolita. Em outras palavras, depois de examinar essa fábrica, os
astronautas constatarían! que estavam diante de fenómenos físicos
normáis, que as leis da causalidade poderíam explicar perfeitamente.
Deveriam talvez concluir que o acaso criou tal fábrica ou entSo que
seres inteligentes desceram á Lúa antes deles e a construiram?

As duas explicagoes sao possíveis. Mas eu pergunto: sería lógico


considerar que o acaso uniu as moléculas de maneiras a criar
semelhante fábrica automática? Ninguém aceitaría tal interpretagao.
Pois bem; num ser vivo encontramos um sistema infinitamente mais
complexo do que urna fábrica automática. Querer admitir que o acaso
criou tais seres parece-me absurdo.

Há em cada célula 53 milhóes de moléculas proteicas, 166 bilhóes


de lipídios, 2.900 bilhóes de 'pequeñas moléculas', dentre as quais
glicídios, 250 bilhóes de moléculas de agua e de ácidos nucleicos. -
Tais substancias nao estao amontoadas de qualquer maneira, mas
formam estruturas precisas, cada urna das quais tem fungues
determinadas. O hialoplasma contém RNA - mensageiros e RNA
solúveis, agúcares, aminoácidos, nucleotídios, compostos
intermediarios e sais inorgánicos. E urna especie de depósito de que
se abastecem os ribossomos que, mediante o RNA, fabricam os varios
tipos de substancias proteicas" (pp. 43s).

Sao palavras de Albert Einstein:

"Quem quer que esteja envolvido na pesquisa científica só pode


concluir que um Espirito se revela naquelas leis que chamamos leis
da natureza. Um Espirito infinitamente superior á inteligencia humana,
diante do qual o homem, com os seus modestos poderes, deve sentir
se humilde" (p. 50).

3. A TÉRRA, AMBIENTE SINGULAR PARA A VIDA

"Numerosas e complexas sSo as condigóes necessárias para a


vida na Térra:

a) A Tetra gira em torno do próprío eixo á velocidade, no equador,


de 1.600 km/h. Se girasse a 160 km/h, os días e as noites seriam dez
vezes mais longos, e o sol forte queimaría a vegetagáo, enquanto ñas
tongas noites qualquer coisa que conseguisse germinar, logo morrena
por causa do ge/o.

197
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

b) O sol, fonte da nossa vida, tem urna temperatura, na superficie,


de 5.500 graus, e a Térra está suficientemente distante dele para ser
aquecida o bastante e nao mais que isto. Se recebéssemos do sol
apenas a metade da atual irradiagao, morreriamos de frío; por outro
lado, se essa irradiagao fosse urna vez e meta maior do que a atual,
fatalmente morreríamos queimados.

c) A inclinagao do eixo terrestre, que é de 23 graus e meio em


relagao á vertical, dá origem as estagoes do ano; se nao houvesse tal
inclinagao, os vapores dos océanos se destocarían) para o Norte e
para o Sul acumulando continentes de ge/o.

d) Se a lúa estivesse, por exemplo, distante de nos 80 mil


quilómetros em vez de estarna distancia atual, as mares submergiriam
todos os continentes duas vezes ao dia e até as montanhas seriam
logo atingidas pela erosao.

e) Se o oxigénio da atmosfera estivesse armazenado ñas rochas,


a crosta terrestre sería apenas tres metros mais espessa, mas nenhumá
forma de vida sería possível.

f) Se todo o nidrido carbónico e todo o oxigénio estivessem livres


nos océanos, as aguas seriam apenas um metro mais altas mas a
vida vegetal nao poderia existir...

Todos esses números sao os únicos possiveis entre infinitos


outros, para que a vida, e portanto a inteligencia humana, tenham
podido surgir no universo. Um universo correspondente a dados
diferentes teria permanecido vazio e desabitado" (pp. 53s).

4.AIGREJA

"A busca de Deus levou Giovanni Papini a ver, além das miserias
humanas, também as grandezas sobre-humanas da Igreja:

'Assim que concluí a Historia de Cristo, vi-me impelido a pertencer


á sociedade fundada por Cristo. E, dentre as ¡numeras Igrejas que
dizem sersuas fiéis intérpretes, escolhi, neo sem contradigoes internas,
e com alguma repugnancia, hoje superada, a Católica, porque está
representa verdadeiramente o tronco principal da árvore plantada por
Cristo, mas também porque, a despeito da debilidade e da fraqueza
de tantos de seus filhos, ela é a que, a meu ver, ofereceu ao homem
as condigóes mais perfeitas para urna sublimagáo integral de todo o
seu ser, e porque só nela me pareceu que florescia com abundancia
e esplendor o tipo de herói que considero mais elevado: o Santo" (p.
334).

"Em vez de criticar quem desenha circuios irregulares, por que

198
"RAZÓES PARA CRER"

vocé nao experimenta desenhar um redondo? Foi o que fízeram os


Santos. E até os críticos mais venenosos conseguiram melhorar o
mundo e a si própríos. É isso o que Guitton quer dizer:

'Quando me inclino a criticar, descubro em mim aquefe defeito


descrito por Sao Paulo, que consiste em ver só o que nao vai bem...
Mas, quando olho para dentro de mim e reencontró o bom senso,
digo com meus botóes: Sem a Igreja... eu nao seria o que sou. As
censuras que posso fazer com razáo, nada sao diante dos beneficios,
nao pertencem á mesma ordem'" (p. 334).

5. MORAL SEXUAL

"Escreve Delumeau:

'Andando contra a corrente de uma civilizagSo que banaliza e


dissipa a sexualidade, a Igreja Católica abraga a causa de uma
'ecología espiritual'. E neste ponto une-se a um número nao
desprezível dejovens e adultos que desejam o acontecimento de uma
nova cultura, contraría áquela de hoje, que é marcada únicamente
pelo desejo de possuir e de usufruir.- Eles estao em busca de um modo
diferente de viver e aspiram a uma volta á saúde moral. Os cristSos
nSo devem, portanto, render-se á permissividade dominante... O que
o Papa quer que a humanidade perceba, é que o homem foi criado á
imagem de Deus. 'Nada de plenamente humano pode nascer apenas
da técnica. O amor pertence á ordem do misterio e deve ser encarado
com o infinito respeito devido á pessoa humana. Ao redor do
matrimonio e do amorjoga-se uma das batalhas mais decisivas de
nosso tempo. De seu éxito dependem o homem e a sociedade de
amanhá'" (p. 327).

6. CONCLUSÁO DO LIVRO

"A fé razoável é uma porta acessível a todos. Basta que o leitor


entre e experimente; uma amostra do produto pode ser mais
convincente do que todos os discursos do revendedor.

Pode-se verificar que uma pessoa que tem uma fé razoável, é


mais forte do que noventa e nove pessoas que tém apenas opinides.
E que, com a fé, Deus pode fazer com que nasgam flores frescas e
aveludadas dos espinheiros secos que somos nos.

A velhice comega no momento em que vocé percebe que nada de


maravilhoso o espera ao dobrar a esquina. Para algumas pessoas,
isto acontece muito cedo. Mas, para quem encontrou a fé razoável,
isso nunca acontece" (p. 408).

O livro merece ser lido e degustado por inteiro...

199
Hipóteses e conjeturas:

"JESÚS. UMA BIOGRAFÍA REVOLUCIONARIA"


por John Dominic Crossan

Em síntese: John Dominic Crossan vé Jesús únicamente do ponto


de vista sócio-económico-político, considerando-o um camponésjudeu
que se tornou agitador político, pregando o igualitarismo mais radical
entre os homens. Propagava as suas idéias praticando curas ou
interessando-se pelos doentes excluidos do convivio da sociedade, e
realizando a comensalidade ou refeigóes fraternas, alheias a
discriminagóes sociais. Terá fracassado, porém, como era de esperar.
Todavía os seus discípulos o foram endeusando durante os decenios
subseqüentes á sua morte, atribuindo-lhe feitos maravilhosos, inclusive
a ressurreigáo; assim deram origem á religiáo crista ou ao Cristianismo
religioso.

A tese de Crossan se baseia em urna serie de hipóteses e


conjeturas mal ou nada fundamentadas. Revela preconceitos nao
comprovados, que o autor quer propor como se fossem o resultado
de urna pesquisa atenta das fontes do Cristianismo.

O livro pode ser interessante pelos dados culturáis que apresenta,


inclusive pelas referencias a filosofía cínica dos antigos gregos.
Todavía é falho do ponto de vista estrítamente científico (sem recurso
á fé) por carecer de serias bases documentarías.

John Dominic Crossan publicou em 1991 o livro "O Jesús Histórico.


A Vida de um Camponés Judeu do Mediterráneo" (cf. PR 406, pp.
104-115). Retoma a temática da obra anterior, acrescentando-lhe o
resultado de debates e discussóes relativas ao assunto; a nova
tentativa de escrever sobre Jesús tem por titulo: "Jesús. Urna Biografía
Revolucionaria", publicado em traducáo brasileira pela Editora Imago1.
A seguir, proporemos urna sintese do pensamento de Crossan e um
juízo crítico sobre o mesmo. - Nao podemos deixar de notar de antemáo
que a tese de Crossan é redigida em linguagem um tanto pesada e
pouco fluente, o que pode dificultar o entendimento de suas páginas.

1 John Dominic Crossan. JESÚS. UMA BIOGRAFÍA REVOLUCIONARIA. Tradu-


gao de Julio Castañon Guimaráes Ed. Imago. Colegáo "Bereshit. 160 x 230
mm, 216 pp.

200
"JESÚS. UMA BIOGRAFÍA REVOLUCIONARIA"

LÁTESE DO AUTOR

1.1. Em Suma

John Dominio Crossan vé Jesús únicamente do ponto de vista


socio-económico, considerando-o um camponés judeu que se tornou
agitador político, pregando o igualitarismo mais radical entre os
homens. Para implantar a sua tese, terá recorrido ao tratamento dos
enfermos excluidos pela sociedade e á comensalidade ou refeicóes
em casas de familia alheias a toda discriminacáo social. Terá
fracassado, porém, como era de esperar. Todavía os seus discípulos
aos poucos o foram endeusando, atribuindo-lhe feitos portentosos,
inclusive a ressurreicáo. Assim deram origem á religiáo crista ou ao
Cristianismo religioso. Eis como a quarta capa do livro aprésenla a
imagem de Jesús segundo Crossan:

REVOLUCIONARIO SOCIAL, SÓCRATES JUDEU, AGITADOR


POLÍTICO - Este retrato perspicaz e surpreendente mostra Jesús
como um rebelde dentro da sociedade, alguém que pregava e
praticava urna mensagem radicalmente igualitaria.

Sao multas as descobertas revolucionarías de Crossan sobre a


vida de Jesús:

• As estórias do nascimento e da infancia de Jesús eram fábulas,


criadas para apontar a sua importancia e o fato de que ele
representava a continuidade e o cumprimento da profecía judaica.

• A ressurreicáo é um mito destinado a mostrar como a inspiragño,


os ensinamentos e o exemplo de Jesús perduraran) ñas vidas de seus
seguidores após a sua morte.

• Jesús era mais radical e ameagador do que qualquer líder


revolucionario do seu tempo ou depois, urna vez que defendía a
igualdade absoluta numa sociedade completamente segregada
segundo linhas de classe e sexo.

• As atividades de cura de Jesús neo eram tanto milagres de


transformagao física, mas declaragoes libertadoras de que os doentes
eram membros perfeítamente aceitáveis da sociedade, e nao parias
punidos por Deus por algum pecado".

Examinemos mais detidamente as etapas do pensamento de


Crossan.

1.2. O Desenrolar do Raciocinio

Crossan julga que Jesús era um camponés judeu animado por


idéias revolucionarias no plano sócio-económíco-político. Lutava, pois,

201
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

contra os poderosos de Israel e do Imperio Romano. A sociedade de


sua época linha duas classes apenas: urna superior, pouco numerosa,
e outra inferior, muito vasta; nao havia classe media, mas havia os
padrinhos e os apadrinhados ou afilhados, que dependiam dos
poderosos: "Os que nao tinham poder, podiam ser apadrinhados dos
padrinhos ácima deles e os padrinhos podiam mesmo ser apadrinhados
de outros ainda mais poderosos. Os intermediarios eram apadrinhados
daqueles ácima deles e padrinhos daqueles abaixo" (p. 108).

Ora Jesús rebelou-se contra essa ordem social e apregoou urna


sociedade igualitaria ou um igualitarismo radical. Para que
desaparecesse qualquer tipo de apadrinhamento ou de superioridade
na sociedade por ele idealizada, Jesús nao tinha sede fixa, mas era
um pregador ambulante; ele ia procurar as pessoas, as familias, as
casas, as aldeias, e nao esperava que o fossem procurar, como os
homens carentes procuravam os mais poderosos.

Em sua campanha Jesús servia-se de dois recursos: a


comensalidade e a atenclo aos doentes (que nao era propriamente
cura de doentes):

- comensalidade: Jesús comía com os deserdados da sorte,


compartilhando sua condicáo de pobres e até de mendigos;

- Jesús se aproximava dos enfermos, que eram rejeitados


pela sociedade; a Lei de Moisés mandava que os leprosos se
mantivessem á distancia dos demais homens (cf. Lv 13,45s); Jesús,
porém, os tocava e nao se importava com a Lei - o que só podía
irritar as autoridades judaicas.

Na verdade, Crossan distingue entre doenca e enfermidade. A


doenca seria um fenómeno de índole privada, a ser tratado entre o
paciente e o médico. Ao contrario, a enfermidade teria índole social;
ela excluía o enfermo do convivio dos demais homens; os leprosos
sofriam de doenca e de enfermidade, segundo estas premissas. Ora,
diz Crossan, Jesús nao podía curar doentes, mas tratava das
enfermidades, chamando os enfermos ao convivio da sociedade.
Apesar desta distincáo (ver pp. 94s), Crossan afirma que Jesús
praticava curas gratuitas e comensalidade:

"O Jesús histórico foi um cínico judeu campónos... Seu trabalho


era entre as casas e povoados da Baixa Galiléia. Sua estrategia,
implícitamente para ele e explícitamente para seus seguidores, era a
combinagáo de cura gratuita e alimentagáo em comum, um igualitarismo
religioso e económico que negava igualmente e ao mesmo tempo as
normalidades hierárquicas e de apadrinhamento da religiao judaica e
do poder romano. E, para que ele próprio nao fosse interpretado
simplesmente como o novo intermediario de um novo Deus, ele se
deslocava constantemente, nao se estabelecendo nem em Nazaré

202
"JESÚS. UMA BIOGRAFÍA REVOLUCIONARIA"

nem em Cafarnaum. Nao era intermediario nem ditador, mas, um tanto


paradoxalmente, o anunciador que nao deveria existir entre a
humanidade e a divindade ou entre a humanidade e ele próprio
Milagre e parábola, cura e alimentagáo estavam destinados a forgar
as pessoas ao contato físico e espiritual entre elas sem mediagáo.
Ele anunciava, em outras palavras, o Reino de Deus sem mediacáo
ou intermediagao" (p. 206).

Jesús, assim entendido, era um analfabeto, conjetura Crossan:

"Já que entre 95 e 97% do Estado judaico eram analfabetos na


época de Jesús, deve-se supor que Jesús também era analfabeto,
que ele conhecia, como a ampia maioria dos seus contemporáneos
de urna cultura oral, as narrativas fundacionais, estórias básicas, e
expectativas gerais de sua tradigao, mas nao lera os textos exat'os,
citagóes precisas ou argumentagóes intricadas de suas élites dé
escribas. Cenas, em outras palavras, como em Le 2, 41-52, em que a
sabedoria jovem de Jesús espanta seus cultos mestres no Templo em
Jerusalém, ou Le 4, 1-30, em que sua capacidade adulta para
encontrar e interpretar urna certa passagem de Isaías espanta seus
companheiros aldeóes na sinagoga em Mazaré, devem ser vistas
claramente pelo que sao: propaganda de Lucas, reformulando o
desafío e o carisma oráis de Jesús em termos de instrugao e exegese
de escriba" (pp. 41s).

Notemos o estilo conjetural e preconcebido destas afirmacóes


de Crossan.

Além disto, Jesús é equiparado aos filósofos cínicos, que sao


assim apresentados por Farrand Sayre, citado por Crossan as dd
127s: vv'

"Os cínicos buscavam a felicidade através da liberdade. A


concepgño de liberdade dos cínicos incluía se libertar dos desejos,
do medo, da raiva, do pesare de outras emogoes, do controle religioso
ou moral, da autorídade dos funcionarios públicos de todos os níveis,
da preocupagáo com a opiniao pública e, além disso, dos cuidados
com a propriedade, do confínamento a urna única localidade e da
preocupagáo de sustentar mulher e filhos. (...) Os cínicos
rídicularizavam os hábitos dos outros, mas se apegavam rígidamente
aos seus próprios costumes. Eles nao apareciam em lugar nenhum
sem o seu alforge, o seu cajado e o seu manto, que devia estar sempre
velho, sujo e esfarrapado, de modo que o ombro esquerdo sempre
fícasse descoberto. Andavam sempre descalgos e usavam o cábelo e
a barba compridos, em desalinho".

Jesús também recomendava aos discípulos que nao levassem


consigo alforge (Le 10,4; Me 6,8s). Por isso é assemelhado aos
filósofos cínicos!

203
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

Jesús tinha discípulos em número indiscriminado:

"'Aqueles prímeiros seguidores das aldeias de camponeses da


Baixa Galiléia que perguntavam como pagar seus exorcismos e curas
efe dava urna resposta simples... Voces sao curandeiros curados dissé
ele, entao levem o Reino para outros, pois nao sou seu dono e voces
nao sao seus intermediarios... Vistam-se como eu, como um mendigo
mas nao mendiguem. Fagam um milagre e pegam urna mesa Aqueles
que voces curarem devem aceitá-los em suas casas" (p. 203).

A designacáo "os Apostólos" ou "os doze" é tardía; lembra o


desejo de dar continuídade á religiáo do Antigo Testamento que se
dirigia ás doze tribos de Israel; cf. pp. 121 s.

Á luz destas premissas, Crossan considera os diversos episodios


da vida de Jesús como sao apresentados pelos Evangelhos: os que
nao se coadunam com os principios adotados por Crossan, sao
artificialmente interpretados em perspectiva sócio-etíonómico-política
(assím a expulsáo da Legiáo que infestava os porcos de Gerasa,
conforme Me 5,1-17; cf. pp. 102s) ou sao tidos como fiecáo e mito (o
martirio de Joáo Batista, o de Jesús, a Ressurreicáo do Senhor) ou
sao considerados acréscimos á figura e á biografía de Jesús devidos
ao endeusamento do Senhor e á fundacáo da religiáo crista.

Entre os episodios que Crossan tem como acréscimos de


inspiracáo religiosa, estáo os que se relacionam com o fim da vida
terrestre de Jesús, especialmente a ressurreicáo e as aparicóes do
Ressuscítado (pp. 170-199). Nada disto terá ocorrido; os relatos
respectivos teráo sido o fruto de muitos anos de especulacáo e mística
preconcebida.

O Epílogo do livro tem por título: "De Jesús a Cristo":

"O que nao poderia ter sido previsto e nao poderia ter sido
esperado, era que o fim nao fosse o fim. Aqueles que experimentaram
originalmente o poder divino através de sua visao e seu exemplo
continuaram a experimentar após sua morte. De fato, ainda mais,
porque agora este poder nao estava mais confinado pelo tempo ou
lugar. Um historiador judeu prudentemente neutro relatou, no final do
primeiro sáculo, que 'quando Pilatos, ao ouvir ele ser acusado por
homens do mais alto nivel entre nos, o condenara a ser crucificado,
aqueles que em primeiro lugar o amaram nao abandonaram seu afeto
por ele. (...) E a tribo dos cristáos, assim chamados por causa dele,
ate hoje nao desapareced. E um arrogante historiador romano relatou,
no inicio do segundo século, que 'Cristo, o fundador do nome (cristao),
sofrera a pena de morte no reinado de Tiberio, por sentenga do
procurador Póncio Pilatos, e a perniciosa superstigao foi detida por
algum tempo, mas para eclodir mais urna vez, nao apenas na Judéia,

204
"JESÚS. UM BIOGRAFÍA REVOLUCIONARIA" 13

a patria da doenga, mas na própria capital, onde todas as coisas


hom'veis ou vergonhosas do mundo se reúnem e entram em moda'.
Alguns dos seguidores de Jesús, que inicialmente fugiram do perigo
e horror da Crucificagáo, falayam por fim nao apenas de duradoura
afeigáo ou difundida superstigao, mas da ressurreigao. Tentavam
expressar o que queriam dizer talando, por exemplo, sobre a ida a
Emaús empreendida por dois seguidores de Jesús, um nomeado e
claramente homem, um nao nomeado e provavelmente mulher. O casal
deixava Jerusalém com desapontada e desalentada tristeza. Jesús
se juntou a eles no caminho e, desconhecido e nao reconhecido,
explicou como as Escrituras Hebraicas deviam té-Ios preparado para
o destino dele. Mais tarde, convidaram-no para sua refeigao, e
finalmente o reconheceram quando mais urna vez ele serviu a comida
a eles como anteriormente á beira do lago. E entSo, somente entao,
voltaram para Jerusalém com alegría. 0 simbolismo é obvio, como na
condensagao metafórica dos primeiros anos do pensamento e prática
cristaos em urna tarde parabólica. Emaús nunca aconteceu. Emaús
acontece sempre" (pp. 204s).

Pergunta-se agora:

2. QUE DIZER?

O livro de Crossan é interessante por citar elementos da cultura


antiga judaica e greco-romana que sao pouco conhecidos aos leilores
do Eyangelho; particularmente interessantes sao os textos relativos
aos filósofos cínicos, da pena de Cicero, Séneca, Pseudo-Diógenes,
Epicteto (pp. 127-134). A ambientacáo no mundo judaico e no greco-
romano é útil ao estudioso.

Todavía a tese mesma de Crossan é altamente artificial ou carente


de fundamento. E islo, a mais de um título:

2.1. Hipóteses e Hipóteses

O autor nao se furta a confessar que ele apresenta hipóteses de


ponta a ponta do livro:

p. 40: "Isto naturalmente é pura especulagáo; mas eu a


menciono para lembrar que Jesús como primogénito de María é algo
seguro somente em combinacáo com a concepcáo virginal de Jesús
tomada literal, factual e históricamente".

p. 41:"... deve-se supor que Jesús também era analfabeto".

p. 57: "Minha suspeita é a de que houvesse alguns desses


judeus vivos em Roma...".

p. 105: "Tenho urna sugestáo muito experimental para explicar


essa acusacáo especifica...".

205
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

p. 112: "Minha proposta é que a familia acreditava plenamente


no poder e na importancia... na missáo de Jesús, mas nao no modo
como ele a estava desempernando".

p. 121: "A questao é se tal instituicáo provém da época de Jesús


histórico ou se foi criada após sua morte entre certos grupos cristáos
primitivos. Aceito a segunda alternativa".

p. 122: "Suponho que a segunda pessoa (dentre os discípulos


de Emaús) é urna mulher".

p. 123: "Estou profundamente ciente de como essa


sugestao deve permanecer hipotética".

p. 124: "EmMc6,10eMc6,11 supóe-se que Marcos está falando


sobre a mesma localizacáo".

p. 133: "Nao temos meios de saber com certeza o que Jesús


conhecia sobre o cinismo ou se ele conhecia alguma coisa do cinismo".

p. 141: "Parece mais que os escribas procuraram no passado...


Nao pense, em outras palavras, que tenha de fato ocorrido exceto
como retrojecáo posterior simbólica". - Trata-se da entrada triunfal
de Jesús em Jerusalém, conforme Mt 21, 4s e Jo 12,15.

p. 141: "Nao posso acreditar... Só posso supon..".

p. 144: "Aquí está minha reconstrucao do que ocorreu. Nao


estou certo de que camponeses pobres da Galiléia fossem
regularmente as festas do Templo".

p. 145: "Se vocé acha... Se vocé pensa, como eu pensó,


que Jesús foi a Jerusalém apenas urna vez, vocé deve explicar por
que ele foi lá essa única vez".

p. 146: "Tiago deve tertido em Jerusalém amigos poderosos".

p. 146: "Tudo isto é terrivelmente hipotético, e estou bem


ciente disto".

p. 150: "Estou inclinado a duvidar muito fortemente da


veracidade do 'armados' de Josefo".

p. 151: "Considero que esta narrativa é absolutamente nao


histórica, urna cria cao muito provavelmente do próprio Marcos".

p. 199: "Nunca poderemos ter certeza se Marcos (evangelista)


era mulher ou homem".

206
"JESÚS. UMA BIOGRAFÍA REVOLUCIONARIA" 15

p. 208: "Suponho que sempre haverá Jesuses históricos


divergentes".

2.2. Preconceitos

O rol de textos em que Crossan confessa estar apresentando


hipóteses, bem demonstra que ele se baseia em preconceitos. É o
que transparece de urna leitura atenta da obra: cada abordagem do
Evangelho realizada por Crossan é marcada pela ¡ntencáo de ver em
Jesús "um camponés judeu cínico e iletrado" (p. 206). Para tentar
conseguir dar verossimilhanca a essa tese, o autor procura em fontes
de antropología intercultural e outras o apoio necessário, sem levar
em conta o fundo de Antigo Testamento e as premissas religiosas que
o Evangelho supóe; o autor nio pondera suficientemente as
expectativas de fe, fé no transcendente, que animavam o povo judeu
dos tempos de Cristo. Toda a obra de Cristo parece reduzir-se a urna
resposta humana horizontal dada por um camponés analfabeto a
camponeses preocupados com impostos e opressáo política. Tenha-
se em vista, de modo particular, o conceito de "Reino de Deus" que
Crossan atribui a Jesús:

"O Reino de Deus nao era, para Jesús, um monopolio


exclusivamente ligado á sua própria pessoa. Comegava no nivel do
corpo e aparecía como comunidade compartilhada de cura e
alimentagáo, isto é, de recursos espirituais e físicos disponíveis para
cada um e todos sem distíngáo, discriminagóes ou hierarquias. Entrava-
se no Reino como um modo de vida, e quem quer que pudesse vivé-lo
podía trazé-lo para os outros" (p. 126).

John Crossan esquece que o conceito de Reino de Deus tem


seus antecedentes no Antigo Testamento; veja-se a profecía do
Senhor Deus a Davi por intermedio do profeta Nata em 2Sm 7,11-16,
onde é prometido a Davi um descendente cujo trono será inabalável;
cf. SI 89; SI 132... Leve-se em conta o papel de Jerusalém, Cidade
Santa, sede da habitacáo do Senhor em seu Templo; cf. 2Sm 5,6-12;
Is 62,1-9. O conceito de Reino está ligado também ao de Alianca,
elemento que Crossan nao menciona, e que é de grande importancia
para se entender a obra de Jesús; cf. Jr 31,31-34; Ez 36, 25-29; 14,
12s; Is 55, 3; 59, 212; 61, 8... A nova Alianca é apresentada como
Alianca nupcial; ver o Cántico dos Cánticos além de Is 62, 4s; Ez 16,
1-63.

Outro ponto que Crossan omite e que é capital para entender


Jesús, sao os textos referentes ao Servo de Javé em Is 42, 1-7; 49, 1-
7; 50, 1-5; 52, 13-53,12; SI 22, 2-30. É chamado a tornar-se Luz dos
povos, reunindo as tribos de Israel dispersas a fim de, com elas e os
gentíos, formar o novo povo de Deus. O Reino de Deus assim

207
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

constituido há de ser um Reino de paz e just¡9a (cf. Is 2,2-4; 29,19;


Am 9,10), vivificado pela efusáo do Espirito Santo (cf. SI 72; Is 11,1s;
Jr 33,8).

Jesús Cristo veio cumprirtais profecías. Seus milagres eram sinais


da vinda do Reino; cf. Mt 11,4s; 8,17; 12,28; Le 11,20. Jesús mesmo
diz que foi enviado explicitamente para pregar a Boa-Nova do Reino
(cf. Le 4,43... 1,38); Ele inaugura o tempo das nupcias (cf. Me 2,19s;
Mt 8,11; 22,2-14; 25,31s), o tempo da messe (cf. Mt 9,37-39), o tempo
do paño novo em veste nova (cf. Me 2,22). Em Mt 13,1-52; Me 4,1-34
varias parábolas ilustram o que seja o Reino de Deus; Crossan apenas
se refere á do grao de mostarda (Me 4,30-32), interpretando-a no
sentido sociológico:

"A questáo nao é exatamente que a mostarda comece como urna


sementé proverbialmente pequeña e cresga até a forma de arbusto,
com um metro ou até mais de altura. É que ela tende a tomar conta
onde nSo é desejada, tende a escapar ao controle e a atrair pássaros
dentro de áreas cultivadas, onde nSo sao particularmente desejados.
É com teso, disse Jesús, que o reino se parecía. Como um arbusto
picante, com perigosas propiedades avassaladoras" (pp. 79s).

Ora Crossan se coloca fora de foco e se torna totalmente inepto


para entender adequadamente a mensagem de Jesús. Nao é
necessário insistir neste ponto, táo evidente que é.

2.3. A Proporcáo entre Jesús e o Cristianismo

Jesús, camponés analfabeto, pregador de igualitarismo mediante


comensalidade e curandeirismo, fracassado em sua morte de Cruz,
pode ter sido o ponto de partida de vinte séculos de Cristianismo? Se
Jesús foi simplesmente o que Crossan admite, nao pode ter dado
origem á historia do Cristianismo. Se nada fez que o credenciasse
como o Messias prometido pelos Profetas, nao se entende que o
tenham tomado como Messias. O salto de Jesús para Cristo (na
linguagem de Crossan) só se entende se a figura de Cristo (do
Messias, do Senhor, do Deus feito homem) estava implícita - e também
explicitada - na figura do Jesús histórico. O bom senso pede urna
"razáo suficiente" ou urna explicacáo adequada para o fenómeno
"Cristianismo"; por isto é irracional ou ilógico (e nao apenas contrario
á fé) reduzir Jesús á condicáo de camponés analfabeto e cínico.

O livro de Crossan se ressente de tendenciosidade, que Ihe tira


as credenciais, por muito que se possa gloriar de erudicáo.

208
Oriente e Ocidente:

O MANTRA NA ESPIRITUALIDADE CRISTA

Em sintese: Em nossos días certos autores de espiritualidade


católicos recomendam exercícios corporais e ritmos respiratorios para
favorecer e provocar a oragSo. Estas técnicas tém origem na
espintuaiidade hinduísta, que é pantefsta, identificando a Divindade
e o homem como se este fosse uma centelha divina apoucada pela
materia. Os exercícios corporais hinduístas tém em vista colocar o
orante em sintonía com a Divindade existente no mundo inteiro;
aperfeigoariam a uniao com Deus. Ora os autores católicos, embora
tencionem ficar no ámbito do Cristianismo, se exprimem de tal modo
que muitas vezes parecem identificarse com o pensamento hinduísta;
as posturas corporais e a respiragáo ritmada dariam ao crístSo ó
contato mais íntimo com Deus; colocá-lo-iam em contato com a Fonte
do seu ser, que está no mais íntimo do homem; fa-lo-iam sintonizar
com Deus como se este fosse uma fonte de energia no sentido da
Física moderna. - Daí as serías restrigóes que as táticas orientáis
mereceram da parte da Santa Sé e que conservan) seu pleno valor
diante de publicagóes recentes como "Orar com o Corpo" revista
carmelitana.

* * *

A revista carmelitana "ORAR" n° 9 (sem data) propóe uma serie


de técnicas corporais recomendadas para facilitar a oracáo ou a uniáo
da alma com Deus. Alias, o título do fascículo é "ORAR COM O COR
PO".

A propósito algumas reflexóes se impdem.

1. A ORACÁO CRISTA

A oracáo tem dois aspectos:

1) É a procura de Deus por parte da criatura, de modo que supóe a


mobilizacáo das faculdades humanas (intelecto, vontade, fantasía, me
moria...), como alias é praticada na meditacáo ¡naciana, na beruliana ,

209
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

etc. Desta maneira o corpo e a sensibilidade desenvolvem sua atividade


quando alguém quer rezar; somos todos psicossomáticos; nenhum ato
da nossa pessoa é meramente espiritual ou meramente corporal. Verifi-
ca-se que, quando a pessoa está cansada ou com dor de cabeca, pode
sentir mais dificuldade para concentrar-se e rezar.

2) Mas a oracáo é também, e principalmente, acáo da grapa de Deus


no orante. Diz Sao Paulo: "O Espirito socorre a nossa fraqueza. Pois nao
sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espirito intercede por
nos com gemidos inefáveis, e Aquele que perscruta os coracóes sabe
qual o desejo do Espirito, pois é segundo Deus que ele intercede em
favor dos santos" (Rm 8, 26s). A oracáo é um dom ou urna graca de
Deus.

Compreende-se entáo que os cristáos procurem condicóes física


mente sadias para rezar; mas a Tradicáo crista, em seu veio central ou
pela palavra de seus grandes mestres, jamáis apregoou exercícios respi
ratorios ou posturas físicas como recursos para rezar bem. Pode-se até
notar que nao poucos Santos procuraram posicóes incómodas para re
zar: ajoelhavam-se sobre pedrinhas ou sobre graos de milho, procura-
vam nao se encostar em suas cadeiras, usavam cilicios... Estas práticas
nada tinham (ou tém) de masoquista, mas derivavam-se da consciéncia
de que a mística é inseparável da ascese; a mortificacáo corporal acarre-
ta o efeito benéfico de amainar as paixóes e libertar a mente para que
mais fácilmente se possa entregar á meditacáo das realidades
transcendentais.

Verdade é que no Oriente cristáo existiu a córrante dos hesicastas


(= repousantes). O nome vem de hasychía, que em grego significa tran-
qüilidade. Tratava-se de monges que nos séculos XIII / XIV se sentavam
no chao, olhando fixamente o umbigo; por meio desta técnica de concen-
tracáo procuravam chegar a um éxtase ou á contemplacáo da luz divina
interior. A doutrina que acompanhava tal método era de tendencia
panteísta (no homem haveria urna centelha divina envolta na materia). O
hesicasmo encontrou grande difusáo, mas também ferrenhos adversari
os nos mosteiros de Constantinopla e no Monte Athos (República de
monges situada na Grecia); o seu principal defensor foi Gregorio Pálamas
(1296-1359). A córrante propagou-se até o Sul da Italia, provocando ar
duas disputas teológicas, que foram objeto de estudo de tres Concilios
do Oriente grego. O método foi perdendo sua voga, embora aínda hoje
encontré adeptos entre ascetas do Monte Athos.

Os hinduístas, especialmente os budistas, é que cultivam exercícios


corporais para pratícar a meditacáo. Nisto sao inspirados por sua menta-
lidade panteísta, que identifica entre si a Divindade e o homem; este
seria urna centelha da Divindade apoucada ou encarcerada pela maté-

210
O MANTRA NA ESPIRITUALIDADE CRISTA 19

ría. Os exercícics físicos tém entáo a funcáo de fazer que a centelha


divina (existente no intimo do homem) se emancipe das limitacóes da
materia e ent:e em sintonía com a Divindade existente fora do homem; as
posturas físicas, o ritmo respiratorio, a dieta alimenticia desempenham
assim papel importante, porque, segundo esta concepcáo, contribuem
para libertar o núcleo central do homem.

2. EXERCÍCIOS FÍSICOS NO CRISTIANISMO

Nos últimos anos alguns autores católicos tém procurado adaptar a


metodología hinduísta á prática crista da oracáo, recomendando exercí
cios físicos diversos para se conseguir chegar á mais profunda uniáo
com Deus. Quem lé as licdes desses autores, tem a impressáo de que
valorizam excessivamente tais exercícios como se fossem condicóes ou
quase condicóes para rezar bem. É possível, sim, que os exercícios cor-
porais proporcionem certo bem-estar físico, facilitando a respiracáo e o
metabolismo; todavía esse bem-estar ou essas condicóes higiénicas nao
sao oracáo, nem sao necessariamente a melhor preparacáo ou o melhor
concomitante da oracáo. Se a oracáo é a elevacáo da alma a Deus, sus
citada pela graca divina (definicáo clássica), ela ocorre segundo a es-
pontaneidade do Espirito Santo, aínda que o orante esteja na mais pro
funda fossa; talvez mesmo em ocasióes de aflicáo e angustia ela pror-
rompa mais forte e espontánea. Quem muito valoriza os exercícios cor-
porais para rezar, corre o risco de identificar oracáo e bem-estar higiéni
co, ou também o risco de identificar gestos corpóreos e valores éticos
espirituais, como se pode depreender do seguinte texto, extraído das pp.
26s do referido fascículo:

"a. A expiragao é urna fase de puriñcagáo, de desprendimento, de


despojamento. Expulso tudo o que em mim é obstáculo á vinda de urna
vida superior. Aceito morrerao que em mim impede a eclosao dessa vida,
conforme a palavra de Cristo: Quem perder a própria vida, a ganhará'.

b. Terminada a expiragao, chegar-se-á a urna pausa, com os pul-


moes vazios. Neta entro em contato com as nossas raizes. Tudo parece
moño. Nao se vé a vida, mas esta jse prepara no grao pronto para se
abrir. Recordó o misterio de Cristo sepultado durante tres dias. E tempo
de paciencia.

c. Chega-se a inspiragáo. Momento em que saboreio o estado de


'ser respirado'. Nao aspiro o ar como se receasse que ele me fosse faltar.
Desejo aspirá-lo. Confío na vida que renova seu ciclo. Transponho tudo
isso para essa nova forga, que ascende em mim, como a seiva pelo tron
co. Vida de Cristo, que tenta regenerar-me. Esta vida divina, como o ar
que neste momento os meus pulmóes inalam, dá-se a mim gratuitamen
te, instante após instante. A/So é fruto dos meus esforcos. Através déla
exercito a respiracáo enxeriada no sopro do Espirito. E o tempo - o da

211
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

inspiragáo - adequado para viver a confianga sem medo, sem


ensimesmamento.

d. Chega-se á apnéia, com os pulmóes cheios. Agora deixo que Cristo


penetre e se difunda por todo o meu ser, como o oxigénio purificador que
acabo de introduzir em mim".

Como se vé, as diversas fases da respiracáo vém a ser como que a


concretizacáo de atividades do orante. Muito mais grave é o que se se
gué logo após o trecho atrás transcrito:

"Pe/a respiragao entro em harmonía com o cosmo e suas vibragóes.


Com o ritmo de seu fíuxo e refluxo. O sopro que habita em mim, é o alentó
de Deus: 'Javé insuflou em seu nariz um alentó de vida e o homem se fez
um ser vívente' (Gn 2,7). Nestes momentos conscientizar-me de que pos-
suo esse sopro é vincular-me ao Criador. Esse sopro é seu Espirito que
me une com o Pai e o Filho a toda a criagao" (p. 27).

Estes dizeres sugerem nítidamente o panteísmo: o ar que alguém


respira vem a ser a vida divina, o alentó de Deus, alentó de Deus que é
identificado com o Espirito Santo; esse ar-Espíríto une o orante á Dívin-
dade e as criaturas todas. O homem vive nao por um principio vital cría-
do, mas pelo sopro de Deus, que é o Espirito Santo. Nisto há um abuso
da linguagem figurada de Gn 2,7; o texto bíblico concebe Deus metafóri
camente como um oleiro, que sopra na face do seu boneco de argila;
esse soprar tem o caráter metafórico da imagem aplicada;'significa a in-
fusáo do principio vital do homem, que nao é o Espirito Santo.

A idéia de que o ar que respiramos, nos póe em contato com o cos


mo e suas vibracóes, é desenvolvida no artigo da revista em foco dedica
do ao mantra (pp. 34-36).

3. OS MANTRAS

O vocábulo indiano mantra significa urna palavra ou urna fórmula


"impregnada de um poder particular capaz de unificar energías habitual-
mente dispersas e contrapostas".

Sua eficacia parece estar radicada em dois fatores: "a vibracáo que
penetra as carnadas mais profundas e sutis da consciéncia, e seu signi
ficado..." (p. 34).

Essa palavra-mantra é repetida com freqüéncia "de modo a mergu-


Ihar fácilmente o orante ñas profundidades do seu psiquismo" (p. 34).

O mantra nos proporciona "urna certa experiencia sensível - em ni


vel de fé, nao sensorial - da Presenca de Deus no centro do nosso ser"
(p. 36).

212
O MANTRA NA ESP1RITUALIDADE CRISTA 2±

A explanacáo relativa ao mantra dá a impressáo de que a vibrado


do ar decorrente da repeticáo da "palavra sagrada" tem um efeito físico:
ela "póe o orante em sintonía com Deus" (p. 34), como se Deus fosse
urna emissora de ondas e energías, que capto desde que utilize a vibra-
cáo certa ou adequada para atingi-lo. O mantra tem eficacia física capaz
de apreender a Deus como se Deus fosse urna realidade do nosso mun
do físico, quantitativo, mensurável. Isto equivale a professar o panteísmo.

O panteísmo também parece insinuado pelas expressdes "mergu-


Ihar ñas profundidades do nosso psiquismo, proporcionar urna experien
cia sensível - ... nao sensorial - da Presenca de Deus no centro do
nosso ser". Dir-se-ia que está subjacente a idéia de que o homem é urna
centelha de Deus envolvida pela corporeidade. A fé crista admite, sim,
que Deus habita nos coracóes puros, mas está longe de professar que
Deus pode ser experimentado mediante vibracáo do ar. Além disto, suge-
re a pergunta: nao há contradicáo, nos textos transcritos atrás, quando
se diz que fazemos urna certa experiencia sensível, nao sensorial , da
Presenca de Deus no centro do nosso ser? Qual é a diferenca, neste
contexto, entre sensível e sensorial?

Em suma, o fascículo "ORAR COM O CORPO" pode em alguns tópi


cos oferecer sugestóes úteis para a vida de oracáo, recomendando a
concretizacáo corpórea de nossos afetos. Todavía varios de seus artigos
sao inspirados porconcepcóes ambiguas, ou seja, concepcóes panteístas
revestidas de roupagem crista. Nao há duvida, os articulistas fazem ques-
táo de ressalvar que a oracáo é graca de Deus, é fruto da acáo do Espi
rito Santo:

"A uniao com Deus, suprema meta da oragáo crista (e de toda ora-
gao) é puro dom de Deus. Pura graga do seu amor" (p. 7).

"Eis os grandes riscos das técnicas corporais: embasar a


num conjunto de exercícios que freqüentemente terminarao desenvol-
vendo as técnicas e esvaziando o conteúdo. E o outro risco: renunciar á
originalidade da oragáo crista, para dar-lhe plena alma e característica
ioga, hindú ou budista" (p. 6).

Apesardestas advertencias colocadas ñas primeiras páginas do fas


cículo, os articulistas nao parecem guardar os principios cristáos enunci
ados: dáo tal importancia aos gestos que insinuam que os gestos é que
levam á uniáo com Deus... e com Deus concebido cbmo Energía cósmi
ca, dimensional, panteísta...

A propósito já foi publicado em PR 392/1995, pp.-2-15 um comenta


rio do livro de John Main: "O Momento de Cristo. A Trilha da Meditacáo".
Tal artigo transcreve observacóes e normas da Santa Sé restritivas em
relacáo ás táticas de oracáo orientáis.

213
Ambiguo:

"OS CRISTÁOS DIANTE DO DIVORCIO"


por Michel Legrain

Em síntese: O livro de Michel Legrain é ambiguo. Afirma a


indissolubilidade do casamento religioso como sendo doutrína atual
da Igreja, que poderia ser revista. A Igreja usaría de perdao e
misericordia se concedesse aos católicos divorciados novas nupcias,
que nao seriam propriamente sacramento, mas seriam consideradas
como casamento honesto e nao como concubinato. Desta maneira
relativiza-se o conceito de sacramento do matrimonio, pois, mesmo
sem o sacramento, poderia haver casamentos reconhecidos como
legítimos por parte da igreja. O livro, de certo modo, estimula a
desobediencia e a insubordinagao á Igreja e, conseqüentemente, aos
escritos do Novo Testamento, que sao categóricos na recusa de
segundas nupcias após separagSo de um casal legítimamente casado
na Igreja.

Michel Legrain, Professor do Instituí Catholique de París,


apresenta neste Hvro "Os Cristáos diante do Divorcio"' as respostas
que ele dé ao jornalista Hervé Boulic a respeito do casamento na
Igreja Católica; tenciona dar explicacóes acessíveis ao grande público,
"sem ocultar suas conviccóes de católico praticante nem suas dúvidas"
(p. 6). - A seguir, exporemos o conteúdo do livro e Ihe faremos alguns
comentarios.

1. O CONTEÚDO DO LIVRO
O autor reconhece a doutrina da indissolubilidade do matrimonio
professada pela Igreja na base dos textos do Novo Testamento, mas
julga-a reforma ve I, nao no sentido de que se possa anular um
casamento válido, mas no sentido de que se possa admitir nova uniáo
que, "sem ter o mesmo caráter sacramental da primeira, merecería,
apesarde tudo, ser considerada como casamento honesto e nao como
concubinato" (pp. 52s; cf. pp. 40s. 49s). O autor expóe mais
amplamente o seu ponto de vista no seguinte texto:

"Pessoalmente acho que só o reconhecimento pela Igreja Católica


da honestidade humana e crista de alguns novos casamentos permitiría
urna saída do impasse atual. Um segundo casamento que, sem dúvida,

1 "OS CRISTAOS DIANTE DO DIVORCIO", por Michel Legrain. Colegáo "Vida a Dois".
Ed. Santuario, Aparecida (SP), 135 x 205 mm. 81 pp.

214
"OS CRISTÁOS DIANTE DO DIVORCIO" 23

deixe claro o fracasso de um primeiro casamento sacramental. Um


segundo casamento, que evidentemente nao pode receber a missáo
que está unida ao sacramento do casamento, missSo que supóe um
amor único ao longo de toda a vida terrestre do casal. Mas um segundo
casamento que nao seja jurídicamente considerado concubinato e que,
portanto, como verdadeiro casamento abra as portas para a recepgaó
dos sacramentos da Penitencia e da Eucaristía" (p. 41).

Para fundamentar a sua tese, o autor recorre á historia da Igreja


e afirma que até o século X foi permitida nova uniáo sacramental na
Igreja após o eventual fracasso da primeira uniáo:

"Desde o comego do século III da nossa era encontramos duas


grandes tendencias ñas Igrejas: urna corrente mais severa, que se
opoe rígidamente a qualquer tentativa de novo casamento; urna
corrente mais indulgente, mais tolerante, que aceita um novo
casamento em certos casos particulares, especialmente para as vitimas
de um adulterio do cónjuge.

Na Igreja do Ocidente as duas práticas coexistiram até o século


X. Mas abusos, exageros e amblgüidades levaram Roma a impor, aos
poucos, na Igreja latina urna disciplina única: de agora em diante, já
nao se autoriza um novo casamento enquanto viver o outro cónjuge,
quaisquerque sejam os motivos da separacáo, desde que o casamento
tenha sido celebrado entre duas pessoas batizadas e seguido de
relagóes sexuais" (p. 21).

Veremos sob o título 2.2. deste artigo o que pensar a respeito


desta alegacáo.

Em geral, Legrain aduz razóes subjetivas, pessoais, ou mesmo


sentimentais para fundamentar a sua tese:

"No atual contexto cultural do Ocidente, dá-se mais importancia


aos frutos pessoais. A tónica posta nos direitos e ñas liberdades
individuáis deixa em segundo plano as realidades institucionais, que
se querem fazer dobrar quando se tornam obstáculos para a
realizagao das pessoas. Talvez seja urna maneira, as vezes excessiva,
de lembrar que o sábado foi feito para o homem e nao o contrarío,

Aqueles que, em nome dos direitos pessoais, militam em favor da


possibilidade do divorcio e de um novo casamento, nao sao todos
depravados, nem se esquecem das obrigagóes contraídas. Levantam
muitas vezes importantes questoes, tais como: Qual a vantagem de
manter presa a um primeiro casamento urna pessoa cuja vida conjugal
e familiar fracassou irremediavelmente? É mais moral fechar os olhos
para aventuras extraconjugais, contanto que se salvem as aparéncias,
a fachada social e eclesiástica? Podemos nao levar em conta a solidáo
afetiva do parceiro menos hipócrita ou menos 'vivo'?" (pp. 62s).

215
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

Pergunta-se agora:

2. QUE DIZER?

Proponemos, antes do mais, a doutrina do Novo Testamento


referente ao matrimóni >; depois examinaremos a Trad¡9áo crista a
respeito; por último, consideraremos alguns traeos particulares do livro
de Legrain.

2.1. A Doutrina do Novo Testamento

Sao quatro os textos do Novo Testamento que tratam do matrimonio


e da sua indissolubilidade:

Me 10,11s: 'Todo aquele que repudiar sua mulher e esposar


outra, comete adulterio contra a primeira; e, se essa repudiar o seu
marido e esposar outro, comete adulterio".

Le 16,18: Todo aquele que repudiar a sua mulher e esposar


outra, comete adulterio, e quem esposar urna repudiada por seu marido
comete adulterio".

1Cor 7,1 Os: "Quanto aqueles que estSo casados, ordeno nao
eu, mas o Senhor a mulher nao se separe do marido; se, porém, se
separar, nao se case de novo, ou reconcilíese com o marido; e o
marido nao repudie a esposa".

Mt 5,31 s: "Eu vos digo: todo aquele que repudia sua mulher, a
n§o ser por motivo de pornéia, faz que ela adultere, e aquele que se
casa com a repudiada, comete adulterio". O mesmo ocorre em Mt
19,9.

Como se vé, em Me, Le e 1Cor a recusa de segundas nupcias é


peremptória; nao se admite excecáo nem mesmo em favor da parte
repudiada, que pode ser vítima inocente; as razóes pessoais,
subjetivas e sentimentais nao vém ao caso. Trata-se de impossibilidade
objetiva, derivada da ordem dos valores, independente de culpa ou
nao culpa dos contraentes. Com outras palavras: essa
indissolubilidade nao está ligada ao comportamento de esposo e
esposa, comportamento para o qual se poderia pleitear misericordia
e perdáo. O matrimonio, por sua índole mesma, é indissolúvel; quem
o contrai, deve sabé-lo de antemáo; Jesús mesmo diz: "O que Deus
uniu, o homem nao o deve separar" (Mt 19,6).

Acontece, porém, que no texto de Mt 5,32s e Mt 19,9 Jesús parece


admitir urna excecáo, a saber... no caso em que haja pornéia. Como
entender esta palavra?

- Notemos que os textos de Me, Le e 1Cor sao peremptórios e,

216
"OS CRISTÁOS OÍANTE DO DIVORCIO" 25

além disto, sao anteriores aos de Mateus (Mateus grego que hoje
temos, deve datar de 80 aproximadamente, o que é posterior a Me, Le
e 1Cor); disto se segué que é pouco provável que os tres tenham
eliminado urna cláusula restritiva de Jesús; é mais verossímil que o
tradutor do Evangelho de Mateus aramaico para o grego tenha
acrescentado a cláusula..! Ele o terá feito em vista de urna
problemática oriunda em comunidades de maioria judeo-cristá (como
eram as comunidades as quais se destinava o Evangelho segundo
Mateus).

Qual terá sido essa problemática?

- Deve-se depreender do sentido da palavra grega pornéia:

1) Há quem a traduza por fornicacáo ou adulterio; em


conseqüéncia estaría dissolvido o casamento desde que urna das duas
partes incorresse em adulterio. É assim que pensam e ensinam as
comunidades cristas ortodoxas orientáis e as protestantes. Todavía
observa-se que fornicacáo ou adulterio suporía, em grego, moichéia
e nao pornéia.

2) Mais acertado é dizer que pornéia corresponde ao aramaico


zenut, que tinha o sentido de prostituicao ou uniao ilegítima. Os
rabinos chamavam zenut todo tipo de uniáo incestuosa devida a um
grau de parentesco tornado ilícito pela Leí de Moisés. Com efeito; o
capítulo 18 do Levítico enumera, entre outros, os seguintes
impedimentos matrimoniáis:

"Nao descobrirás a nudez da mulherdo teu irmáo, pois é a própria


nudez de teu irmSo" (Lv 18,16).

"Nao descobrirás a nudez de urna mulher e de sua fílha, n§o


tomarás a fílha do seu fílho, nem a fílha de sua fílha, para Ihes descobrir
a nudez. Elas sao a tua própria carne; isto sería um incesto" (Lv 18,17).

Unióes desse tipo e outras enumeradas em Lv 18 podiam ser


legalmente contraídas entre pagaos anteriormente á sua conversáo
ao Cristianismo. Urna vez feitos cristáos, tais fiéis de origem grega
deviam suscitar dificuldades aos judeo-cristáos legalistas de suas
comunidades cristas. Daí a cláusula de Mt 5,32s e 19,9, que permitía
dissolver tais unióes que a Leí de Moisés considerava ilegítimas. Essa
cláusula terá correspondido a urna decisáo de comunidades
compostas, em maioria, por judeo-cristáos, a fim de preservar a boa
paz entre eles e os cristáos provenientes do paganismo. Deve tertido
vigencia geográfica e cronológicamente limitada (enquanto houvesse
tais judeo-cristáos legalistas na Igreja); assemelha-se ás cláusulas
de Tiago adotadas em caráter provisorio pelo Concilio de Jerusalém
em49;cf. At 15, 23-29.

Esta explicacáo de Mt 5, 32s e 19,9, como se vé, nao afeta o

217
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

caráter ¡ndissolúvel do matrimonio tal como proposto por Jesús em


Me, Le e 1Cor.
Vejamos agora como procedeu a Tradicáo crista frente a tal
questáo.

2.2. A Tradicáo Crista

Na Tradicáo Crista, desde os primeiros séculos ressoam vozes


favoráyeis á indissolubilidade do matrimonio religioso validamente
contraído. Verdade é que houve também quem propusesse a
dissolucáo do sacramento; todavía tais vozes nao correspondem ao
fio central do pensamento católico nem ao magisterio oficial da Igreja.
É o que passamos a examinar.
O Pastor de Hermas (Mandamento 4, cap. 1,6), em meados do
século II, permite ao marido abandonar a esposa adúltera, mas declara
esse homem adúltero, caso esposar outra mulher.

Tertuliano (t 220 aproximadamente) defendía a indissolubilidade,


contrapondo assim a legislacáo crista á romana, que aceitava o
divorcio. É esta a conclusáo do estudo feito por I. Delazer, De
indissolubilitate matrimonii iuxta Tertullianum, em Antonianum
7 (1932) pp. 441-464.

Clemente de Alexandria (f 200 aproximadamente) considerava


adúltero quem contrai novas nupcias enquanto viva a primeira esposa
(Stromateis 2,23; PG 8,1095).

Orígenes (t 250) refere que alguns presbíteros permitiam á


esposa separada unir-se em novas nupcias. Mas acrescenta que tal
praxe é contraria á S. Escritura e á norma do Génesis restaurada por
Jesús (Comentario sobre Mateus PG 13, 1246).

Nos séculos IVA/ houve escritores da Igreja que admitiam o divorcio


em favor da parte inocente no caso de adulterio; assim S. Hilario de
Poitiers (PL 9,940), Cromado de Aquiléia (PL20,251), o Ambrosiastro
(PL 17, 217), Astério de Amaséia (PG 40, 227), S. Basilio de Cesaréia
(Mansi III 1191), S. Epifánio de Salamina (PG 41. 1026). Todavía na
mesma época manifestavam-se contra a dissolucáo do casamento
Concilios regionais e Papas; assim o Concilio de Elvira (Espanha), no
comeco do século IV, canon 9; o Concilio de Arles (Gália), canon 10;
o Papa S. Sirício (Mansi III 657), os Papas Inocencio I, S. Leáo Magno
(PL54, 1136).

S. Jerónimo (t 420) foi outrossim contrarío ao divorcio; S. Agostinho


(f430), após hesitar em seus primeiros escritos, assumiu a mesma posicáo
avessa (De adulterinis coniugiis PL 40, 413).

Também no Oriente, onde mais tarde prevaleceu a sentenca pro-


divórcio, houve nesses primeiros séculos defensores da

218
"OS CRISTÁOS PIANTE DO DIVORCIO" 27

indissolubilidade; assim Víctor de Antioquia, S. Joáo Crisóstomo, bispo


de Constantinopla.

Do século V ao século VIII, os Concilios regionais (que nao


representam o magisterio oficial da Igreja) apresentam duas
tendencias: urna antidivorcista, e outra, mais branda, procurando
acompanhar as leis civis dos romanos e dos bárbaros. Observam,
porém, os estudiosos que, quando os Concilios regionais eram
integrados únicamente por eclesiásticos, sempre foram contrarios ao
divorcio. Assim pode-se registrar que os Concilios de Compiégne
(Franca) em 757 e o de Vermerie em 756 na Franca foram abertos á
prática divorcista abonada pelas leis civis de povos nao cristáos; nao
há dúvida, em Compiégne os cánones divorcistas foram aprovados
por um legado da Santa Sé (o qual, porém, nao envolveu a autoridade
do magisterio da Igreja Universal). A Igreja, como tal, nao se identifica
com os feitos de Bispos e teólogos menos sabios. Ao lado de urna
grande maioria pode sempre haver vozes dissidentes.

A Idade Media conheceu os chamados "Livros Penitenciáis" ou


livros que tabelavam os pecados e as respectivas penitencias para
facilitar a acáo pastoral dos confessores. Ora nesses Livros
encontram-se as duas posicóes: tanto a que afirma a indissolubilidade
como a contraria... Tais códigos nao sao testemunhas indefectíveis
da doutrina da Igreja; sabe-se mesmo que alguns Concilios regionais
os impugnavam como sendo heterodoxos; o Concilio de Paris em 829
(cánones 32 e 34) pediu aos Bispos que fossem ao encalco de tais
Livros e os queimassem.

A partir do século IX foram cessando as hesitacñes por parte de


vozes nao oficiáis e torna-se mais e mais comum a sentenca pro
indissolubilidade. A reforma da disciplina eclesiástica promovida pelo
Papa S. Gregorio Vil na segunda metade do século XI corroborou a
posicáo oficial da Igreja, que no século XII veio a ser doutrina geral de
Bispos e teólogos.

Pode-se perceber a mente da Igreja no tocante ao assunto


enumerando os casos em que os Papas se opuseram aos reis e nobres
do seu tempo recusando-lhes o divorcio. Eis os principáis fatos:

O Papa Adriano I (772-795) e o Patriarca de Constantinopla se


insurgiram contra o divorcio do Imperador Constantino VI de Bizáncio,
que quería separar-se da Imperatriz María Armena, para unir-se em
novas nupcias a Teodora, dama da corte.

Nicolau I censurou o reí Lotário III, que quería repudiar Tietberga


para unir-se a Valdrada.

Inocencio II (f 1143) contestou o comportamento do conde Raúl

219
28 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

de Vermandois, que repudiara a esposa legítima para unir-se á


cunhada do reí Luís Vil da Franca.

Inocencio III (f 1216) foi inflexível frente a Filipe Augusto, rei da


Franca, que tencionava abandonar a sua esposa Ildeburga para
casar-se com Inés de Meránia.

Também Clemente IV (t 1268) entrou em confuto com Tiago, rei


de Aragáo, que pleiteava o divorcio de sua esposa Teresa, sob a
alegacáo de que esta se tornara leprosa.

Nicolau III, Martinho IV, Honorio IV e Nicolau IV, de 1277 a 1292,


se opuseram corajosamente a Ladislau, rei da Hungría, que repudiara
sua esposa Elisabete, filha de Carlos de Anjou.

Notorio é o caso de Clemente Vil (f 1534), que recusou a Henrique


VIII da Inglaterra o divorcio para poder unir-se a Ana de Boleyn,
repudiando Catarina de Aragáo. A recusa firme do Papa deu ensejo
ao cisma religioso da Inglaterra ou ao Anglicanismo.

Muito digno de nota é também o destemor de Pió Vil frente a


Napoleáo Bonaparte, Imperador da Franca. Este casara-se com
Josefina Beauharnais em uniáo meramente civil no ano de 1796,
usufruindo da faculdade introduzida pelo Código de Napoleáo em favor
de casamentos meramente civis (novidade inédita naquela época!).
Antes de o coroar Imperador, como era costume naquele tempo, o
Papa fez questáo de que Napoleáo legalizasse seu matrimonio no
foro eclesiástico. Na véspera da coroacáo em París, Pió Vil, a 1°/12/
1804, impos, como condicáo para realizar a cerimónia, o casamento
religioso de Napoleáo; para facilitar a execucáo do ato, delegou ao
Cardeal Fesch, tio do Imperador, as faculdades necessárias para
celebrar tal casamento. Após resistir, Napoleáo consentiu em dar o
passo. A fim de evitar a publicidade e o eventual escándalo, o
casamento foi celebrado sem testemunhas, apenas perante o Cardeal
Fesch, a quem Pió Vil confiara toda a jurisdicáo necessária ao caso.
Urna vez realizado o casamento religioso em tais condicóes, a Curia
Diocesana de Paris pós-se a impugnar a validade do ato, alegando
clandestinidade ilícita. Pió Vil, porém, se manteve firme, declarando
que havia atribuido ao Cardeal Fesch todos os poderes para dispensar
exigencias do Oireito Canónico no caso, desde que isto fosse
oportuno... Infelizmente, porém, Napoleáo violou seu compromisso
matrimonial, casando-se de novo, no foro civil, com María Luisa (o
Estado já reconhecia matrimonios meramente civis).

Entre outros casos famosos, seja citado aínda o do "divorcio


Marconi", muito comentado em virtude da celebrídade do nome. Na
verdade, Guglielmo Marconi (1874-1937) casou-se na Inglaterra com
Beatriz O'Braen, que era anglicana, em 16 de marco de 1905; o
matrimonio foi contraído perante ministro angiicano. A nubente entáo

220
"OS CRISTAOS PIANTE DO DIVORCIO" 29

excluía a possibilidade de ter prole. Quanto ao nubente, batizado na


Igreja Católica, freqüentava e praticava o Anglicanismo; também ele
excluía a possibilidade de prole. Posteriormente Guglielmo Marconi
resolveu separar-se de Beatriz e, desejando-se casar de novo, desta
vez no Catolicismo, pediu á Santa Sé que invalidasse tal casamento.
O processo foi instaurado e terminou com a declaracio de que tal
casamento fora nulo porque contraído com exclusáo da prole. Nao
houve anulacio de casamento ou divorcio, mas simplesmente a
verificacáo de que o presumido casamento nao existia, pois fora
contraído com um impedimento que o invalidava.

A Igreja nao anula casamentos sacramentáis validamente


contraídos e consumados pela uniáo carnal; ela nao o pode por
fidelidade a Cristo. Mas a Igreja pode averiguar se um casamento tido
como válido foi realmente contraído com validade ou dentro das normas
que regem um casamento sacramental; desde que se descubra a
existencia de um impedimento dirimente no momento em que o
matrimonio foi celebrado, a Igreja reconhece e declara que nao houve
casamento, mesmo após decenios de vida conjugal presumidamente
válida.

Os fatos atrás elencados evidenciam o pensamento da Igreja,


que se tem mostrado corajosa para manter fidelidade ao Evangelho.
- Em nossos días apontam-se casos em que a autoridade eclesiástica
parece abrir excecóes em favor de altas personalidades; tais casos
sao geralmente mal conhecidos e relatados, suscitando injustas
suspeitas contra a Igreja. Quem os examina atentamente, verifica que
em nada derrogam á linha tradicional da Igreja. O exemplo mais
recente é o do enlace de Emerson Fittipaldi, considerado em PR 404/
1996, pp. 39-44.

2.3. Traeos peculiares do livro de Legrain

Como se pode observar, Michel Legrain é tendencioso ao


explanar a temática da indissolubilidade. Interessa-íhe provar que a
Igreja poderia hoje aceitar nova uniáo religiosa de pessoas que já
receberam validamente o sacramento do matrimonio. Em vista disto,
apela para razóes sentimentais, para a misericordia e o perdió que a
Igreja deveria dar.

O Senhor Deus, por meio da Igreja e do sacramento da


Reconciliacáo, perdoa qualquer pecado, por mais grave que seja,
desde que o pecador arrependido pega perdió. O arrependimento,
porém, implica o propósito de romper com o pecado. Ora, se pessoas
nao legítimamente casadas reconhecem suas fainas, mas nao estáo
dispostas a mudar de vida, nao tém condicóes de receber a absolvicáo
sacramental.

Para o fiel católico, nao há outro tipo de casamento válido além


do sacramental; se Jesús quis instituir o sacramento do matrimonio

221
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

(ver Me 10. 2-12 e paralelos), este se torna obligatorio para o fiel


católico; o vínculo natural nao é suficiente; além disto, é de notar que
o casamento civil é instituicáo decorrente da Revolucáo Francesa
(1789); o casamento sempre foi considerado um contrato santo e
sagrado, nao meramente profano ou leigo. Por isto nao se entende
que, para um católico, possa haver urna uniáo conjugal nao
sacramental e, apesar de tudo, aceitável. Esta hipótese relativiza ou
esvazia o conceito de sacramento, pois atribuí á uniáo nao sacramental
a legitimidade que toca á uniáo sacramental.

A Santa Sé tem-se pronunciado sobre a iliceidade da Comunháo


Eucarística de pessoas casadas legítimamente na Igreja, divorciadas
e casadas de novo; cf. PR 394/1995, p. 109-116. Quem vive em
condicóes pecaminosas, nao se deve aproximar da Comunháo
Eucarística sob pena de cometer sacrilegio. Todavía Legrain parece
querer estimular a desobediencia citando percentuais elevados de
católicos praticantes e nao praticantes favoráveis á Comunháo
Eucarística de divorciados recasados; cf. pp. S8s. A propósito deve-
se lembrar que as verdades da fé e as normas da Moral nao se
definem por vota cao ou plebiscito.

Ao afirmar tal norma, a Igreja procura ser fiel a Cristo, mas nao é
insensível ao drama ou ao sofrimento de pessoas divorciadas e
eventualmente recasadas. Ela preconiza atencáo especial a tais fiéis
para que nao se julguem abandonados por Deus, ou excluidos do
convivio da comunidade eclesial; assistam á S. Missa todos os
domingos, participem dos atos de culto e das obras sociais da
paróquia, eduquem os filhos na fé, rezem em familia, pois Deus sempre
pode dar aos casos difíceis a solucáo que aos homens é impossível
Ver Joáo Paulo II, Familiaris Consortio n° 84.

Notemos ainda as seguintes afirmacóes de Legrain, que suscitam


perguntas:

"O realismo para a Igreja, ontem como hoje, nao é recusar


qualquer perspectiva de divorcio para os casáis infelizes, mas de se
opor aos divorcios facéis" (p. 9). - Somente opor-se aos "divorcios
facéis"?

"É bom notar que um católico que se casa pode obter do Bispo
urna dispensa da celebracáo religiosa, se, por exemplo, a cerimónia
for constranger o cónjuge náo-batizado, um batizado nao-católico ou
ainda seus parentes e sua familia" (p. 63, nota 2). - Notemos que o
católico, nos casos apontados, pode pedir dispensa da chamada "forma
do casamento", ou seja, do ritual respectivo, mas deve submeter-se
as normas do Direito Canónico quanto á ¡ndissolubilidade e aos
impedimentos. A forma ou o ritual pode ser dispensado, pois o
matrimonio é um sacramento cujos ministros sao os nubentes; importa
que travem conscientemente o contrato matrimonial perante duas
testemunhas para que o casamento seja válido.

222
Eleicáo direta?

A ELEIQÁO DO PAPA POR TODOS OS FIÉIS?

Em síntese: A eleigáo do Papa nao se faz por sufragio de todos


os fiéis católicos, porque é propriamente a eleigáo do Bispo de Roma.
Somente por ser Bispo de Roma e sucessor de Sao Pedro é que o
Papa exerce jurisdigáo sobre a Igreja inteira. Donde se segué que os
eleitores do Papa sao os clérigos de Roma, também chamados
Cardeais; cada Cardeal, mesmo que resida no estrangeiro, é titular
de urna igreja em Roma.

A eleigáo se faz em conclave, ou seja, segundo normas rígidas


destinadas a impedir qualquer interferencia estranha no processo
eleitoral. A historia registra varios casos em que, estando a Igreja
unida ao Estado, este interveio em questdes de regime interno da
Igreja e de eleigáo do Papa - o que muito prejudicou a vida
eclesiástica. De resto, seria muito difícil impedir tais interferencias no
caso de sufragio universal por parte dos fiéis do mundo inteiro.

Em suma, a Igreja nao é urna república, á qual se devam aplicar


as normas que regem instituigóes meramente humanas, mas é um
sacramento (como diz a Teología).

Há quem preconize a eleicáo do Papa por todos os fiéis católicos


numa atitude democrática. Em nossos dias a tendencia democratizante
vai-se impondo, de modo que atinge também os bastidores da Igreja.
Ora, para explicar por que a eleigáo do Papa nao é democrática no
sentido apregoado, nada melhor do que o aprofundamento da questáo
em foco.

1. O PAPA, BISPO DE ROMA

O Papa é, em primeira instancia, o Bispo de Roma; por ser o


Bispo de Roma é o sucessor de Sao Pedro e goza das atribuicóes de
Primaz que o Senhor conferiu a Pedro (cf. Mt 16,17-19; Le 22,31s; Jo

223
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

21,15-17). Essa observacáo é decisiva no caso em foco, pois evidencia


que a eleicáo de um Papa é a eleicáo do Bispo de Roma.

A escolha dos Bispos seguía, nos primeiros séculos da Igreja,


tramitacdes diversas; podia haver aclamacáo por parte do povo cristáo,
como se deu no caso de Ambrosio. Este era, desde 370, Governador
da Liguria e da Emilia, com residencia em Miláo. O Bispo da cidade,
Auxéncio, faleceu em 374; os fiéis estavam divididos entre o partido
ortodoxo e o partido ariano (herético) ñas vésperas da escolha do
novo prelado. Ambrosio, como autoridade civil, compareceu á sessáo
popular a fim de preservar a boa ordem dos acontecimentos; era
simples catecúmeno, aínda em demanda do seu Batismo, quando uma
voz anónima na assembléia exclamou: "Ambrosio Bispo!". Logo se fez
unanimidade em torno do seu nome, e o prefeito de disciplina se viu
obrigado a aceitar a nomeacáo. Foi batizado e, oito dias após o
Batismo, ordenado Bispo (provavelmente aos 7/12/374). Aprofundou-
se na doutrina da fé sob a direcáo de Simpliciano, seu futuro sucessor.
E tornou-se um grande Pastor, cheio de zelo e energía, como também
um grande Doutor da Igreja.

O caso de Ambrosio, porém, foi excecáo. A eleicáo dos Bispos


por assembléias populares estava sujeita a transtornos e desvios;
por isto a experiencia foi ditando normas precisas a respeito. Em
nossos dias, os Bispos sao nomeados pelo Bispo de Roma, Primaz e
Papa, após consultas varias ou, em alguns casos, sao eleitos pelo
Cabido (ou pelos cónegos) da igreja catedral, devendo, porém, o eleito
estar sujeito a confirmacáo dada pelo Papa.

Ora a praxe de eleger o Bispo por parte do Cabido ou, melhor, do


clero diocesano, está vigente até hoje em Roma. Os eleitores do Papa
sao os Cardeais, que vém a ser os titulares de igrejas de Roma.

Com efeito, a palavra Cardinalis vem de cardo, gonzo ou


dobradica, peca importante na engrenagem. Como dito, todo Cardeal
é titular de uma igreja de Roma, igreja que pode ser uma diaconia
(entregue a um diácono), uma paróquia propriamente dita (entregue
a um presbítero) ou uma diocese suburbicária (dependente e vizinha)
de Roma (entregue a um Bispo). Aos clérigos da diocese de Roma ou
aos Cardeais é que compete eleger o Bispo de Roma; verdade é que,
para guardar a índole católica da Igreja, os Cardeais hoje pertencem
a varias nacionalidades e, em grande parte, residem fora de Roma;

224
A ELEigÁO DO PAPA POR TODOS OS FIÉIS 33

contudo sao clérigos de Roma ou conselheiros e eleitores do Papa.


Foi o Papa Nicolau II quem no ano de 1059 reservou aos Cardeais a
eleicáo do Papa.

Eis por que nao se convoca todo o povo católico para eleger o
Bispo da diocese de Roma, que vem a ser o Papa. Pode-se imaginar
outrossim que a eleicáo por parte de 900.000.000 de fiéis católicos
espalhados pelo mundo inteiro seria altamente problemática, para nao
dizer: utópica e inviável, além de indesejável, pois acarretaria riscos
diversos de irregularidades.

O procedimento para a eleicáo do Papa é feito com as máximas


cautelas precisamente para evitar interferencias ilegítimas. Daí realizar
se em conclave.

2. CONCLAVE: QUE É?

Conclave vem de con-clavis, o que lembra o trancamento a


chave. É o nome dado á reuniáo dos Cardeais que se dispóem a
eleger o Papa em regime de clausura ou internato rigoroso.

Tal regime teve sua origem na Idade Media, quando as eleicóes


dos Papas estavam sujeitas á interferencia de familias da nobreza
romana ou de monarcas; a intervencáo desses elementos estranhos
prolongava o período de vacancia da Sé de Roma, com prejuízo para
a Igreja inteira. Em vista disto, já em 1216, quando se tratava de
escolher o sucessor do Papa Inocencio III, os cidadáos de Perúsia
coagiram os Cardeais a se internar e ¡solar de intrusóes indevidas.
Do mesmo modo procederam os cidadáos de Roma em 1241, após a
morte de Gregorio IX; forcaram os Cardeais a se encerrar num edificio
situado no Palatino. Mais significativo aínda foi o ocorrido após a morte
de Clemente IV (20/11/1268): os dezoito Cardeais reunidos em Viterbo
nao conseguiam o necessário acordó entre si; o re i da Franca, Filipe
II, pressionava os eleitores, de modo que S. Boaventura, Ministro Geral
dos Franciscanos, presente em Viterbo, dezoito meses após a morte
do Papa recomendou aos cidadáos daquela cidade que encerrassem
os Cardeais na residencia papal, de modo que, subtraídos a toda
influencia estranha, mais fácilmente chegassem a termo. Apesar disto,
nao se chegava á eleicáo do novo Pontífice; em conseqüéncia, o
Prefeito da cidade, Alberto de Montebuono, e o chefe dos milicianos,
Raniero Gatti, resolveram só enviar aos Cardeais pao e agua.

225
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

Finalmente, após dois anos e meio de vacancia da sede apostólica,


foi atingida a cota de dois tercos dos votos, que elegeram o
arquidiácono de Liége, Teobaldo Visconti, que tomou o nome de
Gregorio X; a razáo das dificuldades estava na ingerencia de Carlos I
de Anjou, rei de Ñapóles e da Sicilia, senador romano e Vigário Imperial;
era vassalo e "protetor" da Sé Pontificia, mais interessado na política
francesa do que no bem da S. Igreja.

O Papa Gregorio X, pouco depois de assumir o governo da Igreja,


tratou de tomar providencias para que o caso nao se repetisse: durante
o Concilio de Liáo II (1274) promulgou a Constituicáo Ubi Periculum,
que efetivava as medidas tomadas pelos cidadáos de Viterbo. Eis o
que prescrevia:

Dez dias após o falecimento do Papa, os Cardeais eleitores


deveriam reunir-se na residencia papal, ficando numa única sala sem
paredes nem divisorias, levando vida comum, com acesso a urna saleta
reservada. Estes dois recintos deveriam ser trancados a chave de
modo que ninguém pudesse entrar ou sair sem ser observado; se o
fizesse, devería fazé-lo publicamente e com a autorizacáo do colegiado;
nem mensagens nem cartas poderiam ser expedidas ou recebidas.
Os alimentos seriam introduzidos por urna janela com roda, á
semelhanca do que se dá nos conventos de clausura (carmelitas, por
exemplo); seriam examinados para se ver se entre eles nao havia
algum bilhete. Se após tres dias, nao houvesse eleito algum, nos cinco
dias subseqüentes a racáo alimentar seria reduzida a um só prato no
almoco e um só no jantar; após esses cinco dias, se nada tivesse
ocorrido, os eleitores só receberiam pao, vinho e agua.

O conclave seguinte, do qual saiu eleito Inocencio V (21/01/1276)


durou um só dia. Todavía a legislacáo de Gregorio X nao podia ser
sustentada, dado o seu extremo rigor. Foi abolida por Joáo XXI em 30/
09/1276. Em conseqüéncia, a eleicáo de Nícolau III (25/11/1277) levou
sete meses e oito dias; a de Martinho IV, dez meses e dezenove dias
(22/02/1281); a de Nicoiau IV, dez meses e doze dias (22/02/1288). A
eleicáo do sucessor deste Papa levou dois anos e tres meses; foi
entáo escolhido por unanimidade um eremita, Pedro Morrone, que
tomou o nome de Celestino V e estava ácima de quaiquer faccáo (a
dos Orsini, a dos Colonna, a do rei Carlos II de Anjou).

Celestino V, consciente do que ocorrera, restaurou as leis de

226
A ELEigÁO DO PAPA POR TODOS OS FIÉIS 35

Gregorio X, de modo que o seu sucessor, Bonifacio VIII, foi escolhido


em conclave que durou um dia só. Bonifacio VIII confirmou a legislacáo
vigente, que passou a ser referencia I para as eleicdes seguintes.
Algumas alteracóes foram efetuadas sempre no sentido de inviabilizar
interferencias estranhas. Estas eram mais compreensíveis do que em
nossos dias, pois na Idade Media o Estado estava unido á Igreja em
todos os países europeus; os assuntos da Igreja eram assuntos do
Estado (da Franca, da Germánia, de Nápoles-SicíNa...).'

Apesar das precaucóes tomadas, registrou-se urna interferencia


indevida aínda em 1903. Com efeito; após a morte do grande Pontífice
LeáoXIII, os eleitores estavam dispostos a escolhero Cardeal Marianno
Rampolla, Secretario do falecido Papa, que continuaría o sabio
governo pastoral e diplomático de Leáo XIII. Todavía na manhá de 2/
08/1903, quando os Cardeais iam proceder ao escrutinio regular, o
Imperador da Austria, Francisco José, mandou dizer que vetava e
excluia o Cardeal Rampolla. Isto parece ter influido, de algum modo,
no curso da eleicáo, mas a Providencia Divina fez que deste acidente
saísse um grande bem: foi elevado á sede de Pedro o Cardeal
Giuseppe Sarto, de Veneza, que tomou o nome de Pió X e, após zeloso
pastoreio, faleceu em 1914, deixando fama de santidade; foi
canonizado em 1954 como o Papa do retorno á Comunháo freqüente.

As eleicóes subseqüentes, em conclaves regulares e rigorosos,


tém decorrido em clima de tranqüilídade e liberdade. Muitos Estados
já nao tém vinculo com a Igreja Católica; separam política e religiáo,
de modo que nao tentam interferir nos assuntos intra-eclesiásticos.

É de notar, por último, que a S. Igreja nao é urna república, nem


é urna sociedade igual ás demais; por isto a ela nao se podem aplicar
as normas vigentes em instituicóes meramenet humanas. A Igreja é
um sacramento (cf. Const. Lumen Gentium n.1°), isto é, urna realidade
divino-humana, em que Cristo age através de cañáis humanos; é o
Senhor quem fala, santifica e governa mediante instrumentos
escolhidos para serem sua máo estendida. A consciéncia desta
verdade suscita nos fiéis católicos o respeito e o amor á S. Igreja; se
os homens a marcam com a fragilidade humana, essas falhas nao
esgotam nem definem a realidade da Igreja, pois estio englobadas
dentro do plano da Encarnacáo de Deus, que pelo opróbrio da Cruz
salvou o mundo.

'Aos 23/o2/96 foi publicada a Constituicáo Universi Dominici Gregls, que define
ainda mais precisamente os trámites para a eleigao do Papa.

227
O Aborto e sua Tragedia:

•FUI UMA MORTA-VIVA1


"FUI UM VIVO-MORTO"

Em sintese: Vai, a seguir, comentado o triste significado do aborto


para a enanca que, inocente, é condenada a morrer no seio materno.
A ocasiao para se pórem relevo este aspecto da questao é a entrevista
concedida a VEJA de 13/12/95, pp. 7-10, por Joana Leal Lima, que
foi vítima de estupro, engravidou e conseguiu que Ihe extraissem a
enanca. Um jomalista, Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz, faz as vezes da
enanca que comenta as declaragóes de sua mae, feliz por haver
abortado.

* * *

A revista VEJA, em sua edicáo de 13/12/1995, pp. 7-10, publicou


a entrevista concedida por Joana Leal Lima, mulner de 41 anos de
idade e 5a. serie completa. Foi estuprada, engravidou e, após quase
tres meses, conseguiu que Ihe extraissem a crianca no Hospital do
Jabaquara em Sao Paulo.

A seguir, transcreveremos de VEJA, o relato dos fatos. E


acrescentar-lhe-emos a resposta que aos mesmos quis dar o Pe. Luiz
Carlos Lodi da Cruz, da diocese de Anápolis (GO), fazendo as vezes
da crianca eliminada do seio materno. Na verdade, quando se trata
de aborto, nao se deveria considerar apenas o grave incómodo da
gestante, mas também o atroz sofrimento da crian5a, cujos direitos
sao violados como se fosse urna coisa (coisa má) e nao o que ela
realmente é: urna pessoa humana.

1. O PAÑO DE FUNDO: "FUI UMA MORTA-VIVA"

"Por banal, a noticia saiu sem destaque no Diario do Grande ABC,


de Sao Paulo, no dia 28 de outubro de 1992. Tinha apenas dois
parágrafos e comecava assim: A ajudante geral J.L.L., 38 anos, foi

228
"FUI UMA MORTA-VIVA" "FUI UM VIVO-MORTO" 37^

estuprada na manhá de anteontem, no Parque Alianca, em Ribeiráo


Pires, quando se dirigía para o trabalho. Ela foi abordada por um
homem branco e magro, aparentando 20 anos. Antes de estuprá-la,
o desconhecido roubou-lhe Cr$ 90 mil em dinheiro e Cr$ 162 mil em
vales-transporte... Menos de tres meses depois, Joana Leal Lima, a
J.L.L. da nota do jornal, bateu na porta do Hospital Municipal Dr. Arthur
Ribeiro de Saboya, no bairro paulistano do Jabaquara. Tinha a face
do horror de estar carregando aquela coisa no ventre. Separada do
marido havia quinze anos e dedicada exclusivamente ao casal de filhos
(que na época tinham 20 e 15 anos de idade), estava grávida do
estuprador. Segundo estudo realizado nos Estados Unidos com 2.190
vítimas de violencia sexual, as probabilidades de gravidez nao chegam
a 1%. Joana foi urna délas. Morri duas vezes, relembra. Na manhá da
quarta-feira passada, vestiu roupa de cerimónia - blusa estampada
de preto e bege, saia preta, sapato social de camurca - e retomou ao
hospital com a alma em paz e urna surpresa na bolsa. Havia mandado
confeccionar quinze medalhas douradas (5,50 reais cada urna, fora a
correntinha) com o nome de cada um dos médicos, enfermeiras,
psicóiogas e assistentes sociais que a atenderam dois anos e onze
meses atrás. A inscricáo dispensava discursos: Honra ao Mérito. Aos
meus anjos de branco da equipe Aborto Legal, a homenagem de Joana
Lima. Os homenageados, atónitos - todos profissionais diplomados e
calejados em desgracas -, apertavam a medalha na palma da máo e
procuravam se recompon O grupo está emocionado com o seu gesto,
Joana. Vocé nos tirou de nossa ratina, fez renascer urna parte bonita
do nosso trabalho - somos nos que agradecemos a vocé, disse um. A
gente chega ao ponto de ser homenageada por cumprir nossa
obrigacáo! Nem deveríamos merecer isso, observou outro".

2. "FUI UM VIVO-MORTO"

Escreve Luiz Carlos Lodi da Cruz:

"A revista Veja na edicáo de 13/12/95 apresentou no artigo Fui


urna morta-viva a angustia de urna mulher, Joana, que após sofrer
um estupro, decidiu fazer aborto.

Desejaria agora dar urna resposta proporcional ao agravo sofrído


pela crianca na referida publicacáo.

Como ela, indefesa e agora já morta, nao pode exercer o legítimo


'direito de resposta', proponho-me fazer as vezes do nascituro,
entrevistando-o e imaginando que respostas ele daría as minhas
indagacóes. O nome ficticio do entrevistado (que nem sequer pode
ser batizado) será Nonato, que significa 'nao nascido'.

229
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

JORNALISTA: "Nonato, vocé foi gerado de um estupro, que urna


senhora casada sofreu de um ladráo desconhecido. Vocé era ou nao
era um ser humano?"

NONATO: "Desde que fui concebido, recebi de meu pai e minha


máe 46 cromossomas, nos quais estava gravado todo o meu código
genético, desde a cor dos meus olhos até minhas impressóes digitais.
Recebi também de Deus naquele momento urna alma espiritual e
¡mortal. Desde a fecundacáo, eu já era gente. Quando me mataram,
já estava com quase todos os órgáos formados".

JORNALISTA: "Sua máe Joana percebeu logo sua presenca no


seu útero?"

NONATO: "Nao. Demorou quase tres meses para suspeitar que


eu estava lá, por causa do atraso da menstruacáo".

JORNALISTA: "E depois que ela descobriu que trazia vocé dentro
de si? Ela saltou de alegría?"

NONATO: "Nao. O odio pela agressáo física de meu pai foi


transferido para mim. Ela nunca quis-me chamar filho: Isto aquí nao
vai nascer. Isto nao é um filho."

JORNALISTA: "O que vocé passou a representar para ela?"

NONATO: "Urna violencia a ser eliminada, urna sujeira a ser tirada.


Dizia ela de mim: essa coisa está violentando o meu corpo, está-me
matando".

JORNALISTA: "Qual foi a reacáo de sua máe quando encontrou


pessoas dispostas a assassiná-lo?"

NONATO: "Experimentou um grande alivio e alegría. Chamou-os


anjos de branco, por terem compreendido sua angustia e estarem
dispostos a ajudá-la!".

JORNALISTA: "E ninguém pensou em vocé, Nonato?"

NONATO: "Nao. A violencia sofrida por mamáe devia entáo recair


sobre mim, apesar de eu ser absolutamente inocente".

230
"FUI UMA MORTA-VIVA" "FUI UM VIVO-MORTO" 39

JORNALISTA: "Foi dolorosa a sua morte?"

NONATO: "Dolorosíssima. Nao apenas pela desintegracáo do meu


corpo, aspirado em pedacinhos, mas pelo sentimento de rejeicáo de
toda a humanidade. Para todos, eu nunca passei de urna coisa a ser
jogada fora".

JORNALISTA: "Se vocé houvesse nascido, poderia fazer algo por


sua máe?"

NONATO: "Poderia dar-lhe tudo que dá um bom filho á máe: desde


gratidáo e amor até o amparo em sua velhice. Quem sabe se eu nao
conseguiría superar, em reconhecimento porela, todos os meus irmáos
legítimos?"

JORNALISTA: "Sua máe nega qualquer arrependimento pelo seu


aborto. Vocé acha que ela nao sofreu daño pela sua morte?"

NONATO: "Certamente que sim, por mais que ela queira negar.
Sua consciéncia deve estar agora mais oprimida do que nunca. A
angustia de sofrer violencia transformou-se agora em angustia por
ter causado violencia. E isto vai acompanhá-la por toda a vida."

JORNALISTA: "Após a sua morte, vocé teve direito a um velorio e


a um enterro?"

NONATO: "Nao. Fui jogado numa lata de lixo do hospital. Nao


recebi lamentos nem flores. Mas mamáe entregou um ramalhete aos
que me mataram, como forma de agradecimento".

JORNALISTA: "Se vocé estivesse entre nos e pudesse falar, que


diría aos deputados que querem legalizar o aborto em caso de
estupro?"

NONATO: "Se eles ouvissem minha historia, certamente


pensariam diferente. Ñas campanhas pelo aborto fala-se muito da
mulher e esquece-se o único inocente no caso: a chanca. E é ela
quem vai ter que pagar com a morte pela afligáo de sua máe".

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

231
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 408/1996

3. OBSERVAQÁO FINAL

No caso de estupro, entende-se que a gestante sinta espe


cialmente o incómodo de trazer no seio um filho indesejado. Isto, porém,
nao justifica a condenapáo do inocente á morte. O que a Moral Católica
pede á mulher, em tais circunstancias, é que leve a gestacáo a termo
e entregue a enanca recém-nascida a quem se queira interessar por
ela: um casal disposto a adotá-la ou urna instituicáo beneficente, como
é no Rio de Janeiro o Educandário Romáo de Mattos Duarte, Rúa
Paulo VI 60 (Flamengo), CEP 22230-080; FONE (021) 225-6194.

Assim evitar-se-á o assassínio da crianca, que realmente é atroz,


e traumatiza profundamente a própria máe, pois a mulher traz em si o
senso da maternidade e repudia espontáneamente matar o filho.

Alias, é oportuno lembrar os meios aplicados para provocar o


aborto; 1) injecáo de sal no líquido amniótico, que faz a crianca
contorcer-se de dores; 2) penetracáo, na placenta, de instrumento
perfurante, do qual o bebé tenta defender-se como um pequeño
lutador; 3) suecáo com aspirador, que reduz a crianca a pedacos.
Estes sao recolhidos em lixeira ou aproveitados (por causa da sua
juventude celular) para implantacio em organismos de adultos
enfermos ou para a fabricacáo de cosméticos.

"Por que nunca sao mencionados os meios usados para abortar?


... Qualquer argumento em favor do aborto provocado é construido
no terreno emocional e baseado no egoísmo e desamor táo freqüentes
em todos nos. No século da razáo e da ciencia o aborto provocado
deveria ser urna questao fechada, nao mais sujeita a discussoes"
(Professora Dra. María Helena Fraga, em Cartas des Leitores no
JB de 28/12/95, p.8).

Com María em Oragáo, por Jean Lafranee. Ed. Loyola. Sao Paulo 1994.
140 x 210 mm. 295 pp.

Neo sabemos como rezar, diz Seo Paulo em Rm 8. 26s. Sem dúvida, o
Espirito Santo vem em socorro da nossa fraqueza, mas neo dispensa os recur
sos humanos que ajudem a rezar. Dal a necessidade de livros que alimentem a
vida de oragáo. Jean Lafrance se especializou em tal tipo de bibliografía. Neste
seu livro ele considera as passagens do Evangelho em que María aparece como
Mestra de oragáo. É sólido e profundo.

232
Conciliar

PARAPSICOLOGÍA E RELIGIÁO

Em síntese: A parapsicología é a ciencia que estada o com-


portamento para-normal (ao lado do normal, nao anormal) da psyché
ou da alma humana. Explica muitos fenómenos raros, que outrora eram
atribuidos a espíritos do além; desta maneira vem a ser benéfica para o
saber humano em geral e para a fé em particular. Todavía a parapsicología
nao deve negar a possibilidade de genuínas intervengóes do Senhor
Deus, da SS. Virgem e de outros Santos ou até mesmo do demonio
(sempre subordinado a Deus) neste mundo. Também nño deve negar o
caráter sagrado ou inspirado da Biblia, entendendo-se inspiragao por
iluminagáo da mente do autor sagrado para que, usando as nogóes de
sua cultura oriental e arcaica, escreva urna mensagem religiosa fiel ao
pensamento do Senhor Deus, que é o autor principal da Escritura.

Sao ministrados Cursos de Parapsicología no Brasil que deixam o


público perplexo, pois o parapsicólogo entra em assuntos de fé católica
e propóe explicares parapsicológicas que redundam em negacáo do
Transcendental. Em conseqüéncia sucessivas interrogacóes sao dirigidas
a PR no sentido de rever os pontos nevrálgicos e esclarecer as dúvidas
deixadas por quem ministra tais Cursos. E o que faremos ñas páginas
subseqüentes.

1. QUE É PARAPSICOLOGÍA?

A parapsicología é urna ciencia nova... Ciencia, porque procede por


meio de investigacdes e experiencias que permitem formular leis baseadas
em estatísticas.

Essa ciencia estuda a psyché ou a alma humana em seu


comportamento para (em grego, ao lado) ou em seu comportamento
mais ampio do que o normal. O paranormal nao é anormal (contrarío ao
normal), mas é o normal mais extenso.

Com outras palavras: a psyché (alma) humana tem o seu


consciente (nocóes e potencialidades que ela conhece e utiliza
atualmente) e o seu Inconsciente (nocóes e potencialidades que ela
' possui, mas nao utiliza, deixando-as guardadas no seu arquivo ou no
fundo do psiquismo humano). Habitualmente lidamos apenas com um
oitavo dos conhecimentos e potencialidades que possuímos: sabemos
quem somos, e procedemos de acordó com esta conviccáo, fazendo uso

233

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