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PROGRAMAÇÃO EM LINHA RETA

Eu, que tantas vezes utilizei este espaço para criticar os veículos da mídia, bem como
critiquei a vários programas de televisão, notadamente os programas exibidos pela Rede
Globo de Televisão, tive que, no último dia 07/05/2002, engolir seco, rever meu
posicionamento e aplaudir.
O capítulo da novela O Clone, exibido naquele dia 07/05, foi exemplar. Foi um dos
maiores exemplos de cultura e de cidadania que já pude observar na programação recente da
televisão aberta brasileira. Ao lado de programas já notoriamente consagrados no território da
construção da percepção critica da realidade, como o programa de entrevistas Provocações e o
programa de critica direta sobre a mídia Observatório da Imprensa, ambos os programas
levados ao ar regularmente pela Rede de Televisão Pública Cultura, o citado capítulo
conseguiu prestar um excepcional serviço de utilidade pública. Expondo o mundo das drogas
sob o ponto de vista do viciado, do usuário da droga, a autora da novela e a direção daquela
emissora demonstraram, através de uma abordagem bastante realista, que é possível se fazer
entretenimento sem se abandonar as causas sociais e sem tratar os telespectadores,
diariamente, como idiotas, oferecendo, quase sempre, enredos de digestão intelectual fácil e
com o tradicional final feliz Hollywodiano.
Ao lado dessa questão das drogas, a novela O Clone reuniu, no texto de um mesmo
capítulo, o universo da cultura popular, protagonizados pelas personagens Lucas e Jade, que
vivem uma trama direcionada a um público que normalmente prefere os finais felizes, os
encontros e desencontros amorosos e os enredos de consumo fácil — é a estética do
entretenimento -, e o universo da cultura em dita, que melhor aceita aos fatos mais complexos
e ininteligíveis da mente humana. Na boca da personagem Lobato, que vive os dilemas de um
ex-viciado e empresário que se submete a um processo de análise psíquica, nós tivemos o
deleite de ver habilmente recitado, hábito há muito tempo abandonado pêlos nossos poetas e
estudantes, o Poema em Linha Reta, do ilustre literato português, Fernando Pessoa. Nesse
poema o poeta nos fala das entranhas mazelas da existência: "Quem me dera ouvir de alguém
a voz humana/ Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia/Que contasse, não uma
violência, mas uma cobardia!". E é da exploração dessas entranhas da existência que
sobrevive o entretenimento de consumo fácil, perpetuando a ignorância.
Quando da noite final do programa Casa dos Artistas l, na qual se conheceria o
vencedor do programa exibido pelo SBT, aconteceu uma conexão direta e ao vivo, unindo os
apresentadores Silvio Santos, no SBT, e o apresentador de um programa esportivo da Rede de
Televisão Record, Milton Neves. Cada um dos apresentadores, em seus respectivos canais de
Televisão, com seus respectivos programas, concorrendo entre si pêlos índices do Íbope,
apareceram numa mesma tela e num mesmo horário. Tudo normal. O interessante é o fato de
que, se é possível fazer um link simultâneo dessa magnitude para explorar a venda das nossas
entranhas em cadeia nacional, porque não pensar se, num caso cuja relevância nacional é
evidente, como é o combate às drogas, as emissoras de televisão não poderiam se unir para
apresentar, para todo o país, um capítulo de novela dessa importância. Seria expor demais as
estranhas da sociedade. Será que suportaríamos uma programação em linha reta? De qualquer
maneira as feridas da organização social foram tocadas pêlos grandes dedos da comunicação
de massa/Jamais seremos a mesma comunidade de alheios. Saímos da caverna do
obscurantismo e vimos à luz, nascemos novamente e, agora, desejamos manter a luz acesa.

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