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ISSN: 0873-2019

ESTUDOS
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INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE


E ADMINISTRAÇÃO

200 1
ESTATUTO EDITORIAL
1. CARÁCTER DA REVISTA

1.1. A Revista Estudos do I.S.C.A.A. será publicada anualmente, prevendo-se a sua


distribuição para o mês de Outubro.

1.2. OBJECTIVOS

1.2.1. Reforçar a identidade do I.S.C.A.A. no espaço técnico, científico e cultural


das Escolas de Ensino Superior.
1.2.2. Criar um espaço de reflexão interdisciplinar de acordo com as exigências de
uma abordagem científica da complexa realidade empresarial e seus
enquadramentos.
1.2.3. Dinamizar a análise crítica de experiências concretas no interior das empresas
com base na observação, em estudos empíricos e em dados estatísticos.
1.2.4. Acompanhar, na medida do possível, os resultados da pesquisa e da reflexão
científica no interior da Escola - e, quanto possível, no país e no estrangeiro -
nos domínios relevantes para a actualização dos profissionais diplomados e
formados no I.S.C.A.A.
1.2.5. Promover a criação de um Centro do Património Contabilístico Português que
permita enraizar as soluções criativas para os desafios actuais na tradição
técnico-científica e cultural dos estudiosos portugueses da Contabilidade e
conexas Ciências empresariais.

2. COLABORADORES

2.1. A Revista Estudos está aberta a todos os estudiosos e profissionais dispostos a


reflectir sobre quaisquer questões e experiências que reforcem os valores
humanos, aprofundem conhecimentos e promovam a eficácia no desempenho
das múltiplas tarefas exigidas ao profissional saído do I.S.C.A.A., sem
discriminação de paradigmas teóricos ou de correntes de pensamento.
Revista Estudos do LS.C.A.A II Série • N°6/7 •
2000/2001
Revista de Publicação Anual

Direcção: Joaquim José da Cunha

Coordenação: José Fernandes de Sousa


Virgínia Maria Granate Costa e Sousa

Conselho Consultivo: Professores Coordenadores das Áreas


Científicas do I.S.C.A.A.

Edição e Propriedade: Instituto Superior de Contabilidade e


Administração de Aveiro

Apoio Administrativo e Assinaturas: Biblioteca do I.S.C.A.A.


R. Associação Humanitária dos Bombeiros Velhos de Aveiro
Apartado 58 - 3811-953 AVEIRO
Tel: 234 380110 Fax: 234 380111; 324 380112
Email : estudos.iscaa @ isca.ua.pt

Preço: € 10,00*, acrescido de portes de correio.


*Desconto para professores, estudantes, reformados do I.S.C.A.A., nas
aquisições ao balcão.

ISSN: 0873-2019

Depósito legal n°: 922 54/1995


Capa: Design/execução: Francisco Espindola/Minerva
Trat. de texto: apoio técnico de Maria Lisete Marques
Impressão: Tipografia Minerva Central, Lda./2002
SUMÁRIO

PÁGS

APRESENTAÇÃO 5
JOSÉ FERNANDES DE SOUSA

ALOCUÇÕES 9

ARTIGOS 39

INTENSIDADE FUNCIONAL EFICAZ E CONTINUIDADE


DOS EMPREENDIMENTOS 41
ANTÓNIO LOPES DE SÁ

B A L A N C E D SCORECARD - SISTEMA D E INFORMAÇÃO


VS SISTEMA DE GESTÃO 55
CARLA CARVALHO E GRAÇA AZEVEDO

VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS -


-ÚLTIMOS DESENVOLVIMENTOS 79
CECÍLIA M.R.DO CARMO E AUGUSTA SANTOS FERREIRA

PROJECTO PROFISSIONAL - U M REFORÇO DE C O M P E -


TÊNCIAS 107
ELEUTÉRIO MACHADO, H. INÁCIO, J. FORTES EJ. SOUSA

A INFLUÊNCIA DO CONTEÚDO INFORMATIVO


NA POLÍTICA DE DIVIDENDOS 129
ELISABETE VIEIRA
ANÁLISE DA EFICIÊNCIA PRODUTIVA: CONTRIBUTO
PARA U M A REVISÃO DE LITERATURA 149
FRANCISCO NUNO ROCHA GONÇALVES

O R E G I M E D E A C E S S O À ADVOCACIA À L U Z DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA m
GONÇALO AVELÃES NUNES

O R E L A T O FINANCEIRO POR SEGMENTOS. PERSPECTIVA


HISTÓRICA E A C T U A L 205
JOAQUIM A. NEIVA DOS SANTOS E PAULO JORGE DA NAIA

O I.S.C.A.A. D E A V E I R O : AS VICISSITUDES DE U M A
ESCOLA D E CONTABILIDADE 243
JOSÉ FERNANDES DE SOUSA

STRUCTURE, PROBLEMS AND PERSPECTIVES OF THE


ATHENS S T O C K EXCHANGE (ASE) 285
PANTELIS F. KYRMIZOGLOU

R E L A T O FINANCEIRO: O N O V O PARADIGMA DAS


TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO 297
PA ULO ALVES E PA ULA DA SILVA

O L U C R O E A TRIBUTAÇÃO 323
ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA

P O N T O CRÍTICO DAS V E N D A S EM EMPRESA M U L T I -


PRODUTO. PROPOSTA DE FORMALIZAÇÃO 355
Rui MAGALHÃES GOMES MOTA
APRESENTAÇÃO

A nova edição de "Estudos do I.S.C.A.A." - um número duplo,


de cujo atraso nos penitenciamos face aos colaboradores e leitores -
surge sob o signo da festa: o Instituto Superior de Contabilidade e
Administração de Aveiro celebra o seu trigésimo aniversário e presta
homenagem a um dos seus cabouqueiros, que aparece ligado - com a
elevada responsabilidade de presidente do Conselho Directivo - aos
momentos mais significativos e polémicos do trajecto da Escola de
Contabilidade e Administração de Aveiro.
A estrutura deste número, sem rupturas com as edições
precedentes, integra os documentos produzidos no âmbito da festa de
homenagem, nomeadamente as alocuções, que dão uma feição
especial a esta publicação.
A diversidade temática exibida na abordagem dos textos
científicos, apesar de continuar a reflectir o carácter aberto da revista,
patente na colaboração de estudiosos distantes mas atentos às
virtualidades da nossa publicação, deixa claro que prevalecem os
trabalhos desenvolvidos no espaço de pesquisa deixado livre pelas
absorventes tarefas pedagógicas do corpo docente da Escola.
Queremos continuar a fazer mais e melhor - e não somos,
certamente, os únicos intérpretes desta vontade -, sempre guiados pelo
espírito que anima os lances primordiais.

PEL'A COORDENAÇÃO DA REVISTA

J.F.S.
HOMENAGEM
DO

f^Q-Vâ:
T-.-SA—v^.
ALOCUÇÕES
PALAVRAS PROFERIDAS
pelo
P R O F . D O U T O R JÚLIO PEDROSA
Reitor da Universidade de Aveiro

Gostava naturalmente de começar por saudar o Prof. Cunha e a


sua esposa. Sei que o Prof. Cunha está na sala, embora não esteja aqui
junto de mim, portanto sei que ele me está a ouvir. Desejo ainda,
naturalmente, saudar todos os presentes, sem fazer nenhuma
referência individual para não correr o risco de esquecer alguém.
Farei apenas a excepção de deixar uma nota de saudação e de
reconhecimento aos organizadores deste evento, a todos quantos
estiveram envolvidos na sua preparação e que nos permitiram
reunirmo-nos hoje.
Creio que esta ocasião e o facto de aqui estarmos significam o
reconhecimento dos promotores e dos que a eles se associaram, ao
Prof. Cunha por tudo o que nos proporcionou ao longo dos anos.
Gostaria de dizer, como Reitor da Universidade, como colega e como
amigo, que esta é uma homenagem justa, é uma homenagem oportuna
e é uma homenagem a que nos associamos todos com gosto.
Meu caro Prof. Cunha, nestes poucos minutos, porque nestas
ocasiões as palavras devem ser poucas, eu gostaria apenas de fazer
três referências.
Uma, relativa ao Prof. Cunha e à sua associação à Escola
Superior, que é o Instituto Superior de Contabilidade e Administração
de Aveiro. A segunda, dirigida ao Prof. José Cunha como Professor do
Ensino Superior, ou como Professor, em termos gerais. E a terceira,
para considerar o Prof. Joaquim Cunha como pessoa.
Começo pela primeira. O Prof. Joaquim Cunha deixa,
certamente com muitos outros companheiros, o seu nome ligado à
criação desta Escola de Ensino Superior que é o I.S.C.A. e deixa-a de
uma forma que faz sentido nós caracterizarmos lembrando as várias
fases do seu percurso. Tendo começado como Escola do Ensino

11
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

Médio, passou por uma fase de Escola do Ensino Superior integrada


na Universidade de Aveiro, deixou de ser Escola de Ensino
Universitário integrada na U.A., passando a Escola de Ensino Superior
Politécnica não integrada e passou a ser, recentemente, uma Escola de
Ensino Superior Politécnico, integrada como Unidade Orgânica da
Universidade de Aveiro.
É importante termos presente este percurso porque, embora isto
tenha acontecido ao longo de três dezenas de anos, a Escola manteve
um rumo e chegou aos dias de hoje como uma escola prestigiada. Os
seus estudantes gostam dela e reconhecem-se no seu projecto. Os seus
professores apreciam-na e nela se reconhecem e aqueles que
empregam os seus graduados dão valor ao seu trabalho. E isto só
acontece com Escolas, ou com outras Instituições, quando por trás
delas há um projecto e há quem assuma a responsabilidade de
conduzir esse projecto. O Prof. Cunha fez nascer este projecto, esteve
a ele associado até agora e deu um contributo decisivo para que ele se
mantivesse ao longo dos anos como uma aposta no futuro.
Isto é muito importante em Portugal, onde faltam Instituições
fortes e sólidas e instituições com projecto, sobretudo no mundo do
ensino superior.
Disse que a segunda referência teria a ver com o Prof. Cunha
como Professor e faço-a porque o conheço suficientemente para
reconhecer que ele sempre defendeu os valores da independência, da
lealdade, do espírito crítico, da defesa dos princípios e da abertura a
inovações. E faço esta referência porque foram estas qualidades que
evidenciou nos tempos em que nós convivemos mais de perto, a tentar
ver se era possível, ou não, transformar a ideia que o Ministro de
Educação Marçal Grilo nos propôs: no sentido de que o I.S.C.A. se
viesse a integrar na Universidade de Aveiro, como Unidade Orgânica.
A maneira como se estruturou o caderno de encargos que temos
à nossa frente demonstra que por trás dele esteve alguém que sabe o
que deve ser um professor independente, livre, defensor daquilo que é
um projecto de escola e o acarinha no seu dia-a-dia profissional. Foi
também exemplar a forma como o Prof. Joaquim Cunha enquadrou a
relação dos Serviços de Acção Social da Universidade de Aveiro com

12
Alocuções

o I.S.C.A.A. defendendo desassombradamente essa cooperação,


perante quem punha dúvidas, até sobre o seu significado. É que para
ele não houve nenhuma hesitação, em todos os projectos conjuntos
que foi preciso defender, quer no Reitorado do Prof. Renato Araújo,
quer depois comigo na reitoria da U.A. A forma como se mobilizaram
os recursos, como se decidiram os projectos mostra sempre aquilo
que eu entendo que deve estar na matriz de quem é um profissional da
educação, um Professor.
A terceira referência, tem a ver com a pessoa. As instituições, as
coisas simples e complexas do dia-a-dia das nossas vidas, sabemo-lo
todos, são aquilo que as pessoas forem. Não tenhamos ilusões sobre
isso! Podemos ter excelentes modelos, excelentes fórmulas, ouvir falar
de enormes sucessos aqui, ou onde quer que seja, mas se realmente as
pessoas não aparecem com aquilo que elas devem dar às instituições,
aos projectos, aos grupos em que estão inseridas, nada acontece.
Isto é sobretudo válido para as Instituição Educativas e de
Formação e creio que cada vez vai ser mais assim. Por isso eu quis
deixar esta nota final, para me referir ao Prof. Cunha como pessoa, ao
sentido de responsabilidade que ele sempre pôs nas parcerias, a forma
como sempre lidou com os problemas da sua Escola, dos estudantes,
dos professores, dos interlocutores da esfera da administração ou
outros. Este sentido de responsabilidade, de lealdade, de rigor, de
exigência é uma matriz que deve ser exemplo das relações a cultivar
nas nossas instituições educativas e de formação.
O Prof. Cunha deu-me o privilégio de ter comigo, pessoalmente
e como Reitor da Universidade, aquela matriz no nosso
relacionamento. Uma matriz fundada em relações que são leais, que
são francas, que são abertas, que são rigorosas, que são exigentes. E
por isso, a minha homenagem nesta sessão, é tão só e apenas, o meu
agradecimento ao Prof. Cunha por me ter permitido estas três
referências nesta sessão e dizer-lhe sinceramente que isto é apenas um
episódio num dia de uma vida que vai continuar desta forma, consigo
entre nós, aqui a trabalhar ou onde quer que esteja.
Prof. Cunha, muito obrigado e muitas felicidades.

13
PALAVRAS PROFERIDAS
pela
3 a
PROF. DR. M A R I A A R M A N D A TEIXEIRA SIMÕES D I A S
Docente do I.S.C.A.

Exm.° Sr. Reitor; Entidades presentes; Srs. Convidados;


Comunicação Social; Meus Amigos; Meu caro Joaquim Cunha
Quando a comissão organizadora desta festa de homenagem me
convidou para falar neste momento, confesso que tive alguma hesitação,
por considerar que falar do meu amigo Joaquim Cunha não seria, como
não é, tarefa fácil.
Porque fácil, nunca é falar de amigos. Não quero correr o risco de,
em nome dessa amizade, empolar o elogio, o que não ficaria bem, ou
falar de menos, o que seria pior.
A nossa amizade vem de longa data. Acabámos o mesmo curso em
Coimbra, já no distante ano de 62. Desse tempo, o Cunha gosta, de me
recordar, por vezes, com um sorriso "safado", de orelha a orelha, que me
"deu nas unhas", em época de praxe, o que me convém dizer que não
me lembro.
Cursos acabados, rumos diferentes e só aceitei o honroso convite
da comissão, por reconhecer, atendendo à minha antiguidade na escola,
que estaria melhor posicionada para contar um pouco da história do
nosso Instituto e o meu reencontro com o Joaquim Cunha.
Permitam-me que neste momento, recorde o saudoso Dr. Orlando
de Oliveira, que, com todo o seu entusiasmo pelas questões do ensino,
acolhe, de braços abertos, a proposta do Sr. António de Almeida,
proprietário do Colégio de Oliveira de Azeméis, para fundar em Aveiro
um estabelecimento de ensino médio. E é assim, com o suporte do
Dr. Orlando, que nasce em 1965 o Instituto Médio de Comércio de
Aveiro, destinado a ministrar, principalmente, o curso de Contabilidade.
É uma escola pequena, onde alunos, funcionários e docentes
constituem quase uma família. Não foi nada fácil o arranque. As
múltiplas dificuldades com que a escola se debatia, fazem esmorecer o

15
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

entusiasmo do Sr. Almeida e perante a hipótese de encerramento é, uma


vez mais, o Dr. Orlando de Oliveira que sensibiliza a Câmara de Aveiro,
da presidência do Dr. Artur Moreira, a assumir as responsabilidades do
Instituto, o que acontece de 1968 a 1971.
As dificuldades anteriores mantém-se, principalmente o incómodo,
para os nossos alunos, de terem de se deslocar ao, então, Instituto
Comercial do Porto, para anualmente serem avaliados, nos exames
finais.
Não se pense, no entanto, que essas dificuldades estavam ligadas à
qualidade do ensino, muito pelo contrário. Estivemos sempre à altura
das nossas responsabilidades. Como directora, nessa época, sinto muito
orgulho pelo trabalho desenvolvido, naquelas circunstâncias.
Em 1971, e ao que não foi estranha a influência política do
Governador Civil, Dr. Vale Guimarães, o Instituto Comercial do Porto é
autorizado a organizar, na nossa cidade, uma Secção daquele Instituto, o
que foi concretizado com a integração da escola particular no ensino
oficial.
Como responsável desta Secção, vem para Aveiro um subdirector
do Instituto Comercial do Porto, chamado Joaquim Cunha.
Começando a desenvolver um grande trabalho, com muita
persistência, objectividade e diplomacia, mesmo sem esquecer a sua
ligação ao Instituto do Porto, vai conseguindo ultrapassar os problemas
que a escola sustentava, até conseguir a independência pedagógica, o
que deu, inclusivamente, uma outra confiança aos próprios alunos.
E é fruto da sua serenidade e da confiança que ele transmitia, que a
Secção de Aveiro viveu os anos difíceis depois de Abril de 1974, sem
quaisquer contestações, o que não aconteceu em muitas escolas do País.
O seu sonho de dar a Aveiro uma escola independente é realizado
em Junho de 75, ao ver criado o Instituto Comercial de Aveiro, com a
reconversão da Secção, passando a depender da Direcção Geral do
Ensino Superior.
É a partir daqui que o meu amigo Joaquim Cunha assume que será
um homem de Aveiro, aliás já o era, pois não terá sido por acaso que ele

16
Alocuções

escolheu para nascer, o dia da nossa Santa Joana Princesa, o dia


12 de Maio.
E é já como homem de Aveiro que ele vai sonhando, erguendo
projectos e objectivos, sem tectos que limitem os seus horizontes.
No desenvolvimento desses projectos, o nosso amigo vai-se
multiplicando: ele é o professor, o arquitecto e o gestor, sempre com o
pensamento na acreditação da nossa escola.
Era preciso e era urgente ir mais além e então lá estava o Joaquim
Cunha, ora rebocando um carro de aparentes utopias, ora carregando um
mundo de sonhos. Afinal, sonhos e utopias que sempre soube
transformar em realidades.
E devo referir, muito especialmente, o desenvolvimento que ele
imprimiu ao ensino da Contabilidade em Portugal, e à construção das
novas instalações para a Escola. Lá encontrámos, num lado o pedagogo,
no outro o arquitecto.
Tudo isto conseguido com a sua persistência, a sua teimosia.
Porque há que confessá-lo "o nosso amigo Joaquim Cunha foi
sempre um homem muito teimoso, democraticamente teimoso".
Referia o Dr. Cunha, numa recente entrevista e ao falar do nosso
Reitor, Prof. Dr. Júlio Pedrosa, ser ele um homem calmo, sereno, que de
vez em quando se irrita e leva sempre a água ao seu moinho. Quando
li esta entrevista, não pude deixar de sorrir e pensar, que nesse momento,
o Cunha devia ter um espelho à sua frente.
Foi certamente a sua "saudável " teimosia que o ajudou, e de que
maneira, a criar a realidade do I.S.C.A.A. de que hoje, todos nós,
aveirenses, por nascimento ou opção, tanto nos orgulhamos.
Dentro da Escola, a convivência com o Dr. Cunha nunca foi
difícil. Ele é uma pessoa frontal, diz o que entende dizer, o que por
vezes nos leva a alguns amuos, felizmente passageiros, pois de imediato
surge o Cunha "diplomata" que, com a maior das facilidades consegue
ultrapassar a situação.
Mas, não menos relevante, é a face profundamente humana da sua
personalidade. Por isso, é que, dentro da nossa escola, sempre
encontrámos, nele, a pessoa disposta a ouvir os problemas de cada um,

17
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

fossem alunos, funcionários ou professores e a participar nas suas


resoluções, sempre que possível.
O Dr. Joaquim Cunha dirigiu a Escola durante 29 anos
consecutivos. E, pelo menos nos últimos 25, a sua permanência e acção
sempre foram determinadas e regidas por regras democráticas. E este,
seguramente, o melhor reconhecimento, pela sua pessoa e pelo seu
desempenho.
Não posso, nem quero, neste momento, nesta homenagem,
esquecer uma palavra amiga à Clarisse, porque certamente não lhe foi
fácil, nestes anos todos, ver o seu marido, quase diariamente ausentar-se
para Aveiro, mesmo justificado por tão meritório trabalho. A Clarisse
tem também a sua quota parte de colaboração, que eu entendo,
sinceramente, destacar.
E, para terminar, meu amigo, eu queria, particularmente,
agradecer-lhe o carinho com que acolheu a semente, que, de alguma
maneira, o foi, a pequena escola, que com o coração eu gosto de dizer
"minha"; o amor com que a fez germinar; a paixão com que criou as
condições para que frutificasse, até chegar à grande Escola que hoje
temos, que é o nosso I.S.C.A.
Por tudo isto e pela sua amizade, o meu muito obrigada.

18
PALAVRAS PROFERIDAS
pela
3 a
PROF. DR. E L D A M A R I A DA COSTA E M E L O GUIMARÃES
Presidente do Conselho Directivo do I.S.C.A.

Minhas Senhoras
Meus Senhores

O Dr. Joaquim Cunha abandonou, por aposentação, o Conselho


Directivo do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de
Aveiro e um novo Conselho Directivo substituiu-o no cargo.
Na primeira reunião ordinária, o novo Conselho Directivo não
poderia ter deixado de decidir prestar uma justa homenagem ao Dr.
Joaquim Cunha e, logo nessa reunião, foi nomeada uma comissão que,
de Julho até ao momento, preparou o evento no qual hoje todos
participamos e presenciamos.
Nesta circunstância solicitou-se à Dr.a Maria Armanda Dias
que, em nome de toda a comunidade escolar e em seu próprio nome,
proferisse umas palavras que reflectissem o reconhecimento e o apreço
pelo trabalho desempenhado pelo Dr. Joaquim Cunha para tornar o
I.S.C.A.A. a Escola que hoje todos conhecemos. O objectivo foi
plenamente conseguido, tendo ainda encontrado espaço para realçar as
características particulares do homenageado que o tornam singular.
Em nome do Sr. Presidente do Conselho Científico, Prof. Dr.
Domingos Cravo, irá proceder-se à leitura de uma moção aprovada por
unanimidade e aclamação em sessão extraordinária, inserida na acta
do Conselho Científico de 10 de Outubro de 2000, a qual reflecte o
reconhecimento e agradecimento da Escola - de todos os funcionários
docentes e não docentes, que trabalham ou trabalharam no Instituto -
para com a personalidade do Dr. Joaquim Cunha.

19
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

MOÇÃO

"Considerando que o senhor Dr. Joaquim José da Cunha


acompanhou a criação e o desenvolvimento do Instituto Superior de
Contabilidade e Administração de Aveiro, tendo liderado a sua
expansão e afirmação na comunidade académica e no mundo
empresarial, e ajudado a torná-lo numa instituição reconhecida e
prestigiada a nível nacional;
Considerando que esta Escola e a implantação e
desenvolvimento do ensino superior politécnico no país lhe devem
muito, quer pelo seu desempenho como docente, quer pelas ímpares
qualidades de liderança e coordenação que pôs ao serviço do
I.S.C.A.A. e de diversos órgãos e estruturas do ensino superior
politécnico, quer ainda pelo exemplo de cidadania e respeito pelo seu
semelhante de que sempre deu mostras enquanto docente e dirigente;
É vontade do Conselho Científico que por tudo isto, o Senhor
Dr. Joaquim José da Cunha mereça público louvor e agradecimento do
Instituto superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, e a
justa homenagem de todos quantos tiveram o privilégio de o conhecer,
como Homem, como Docente e como Dirigente".

20
PALAVRAS PROFERIDAS
pelo
D R . ANTÓNIO D E ALMEIDA COSTA

Tive o privilégio de conviver com o Dr. Joaquim Cunha durante


cerca de uma dezena de anos, em que presidi ao Conselho
Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
Para além da natural afinidade, decorrente de uma idêntica
formação académica, sempre encontrei na pessoa do Dr. Joaquim
Cunha algumas preocupações coincidentes com as que orientaram a
minha actividade no exercício das funções referidas: um constante
equilíbrio, na tentativa de afirmação de uma modalidade de ensino que
iniciava o seu percurso em Portugal, com recusa de pequenas
guerrilhas perfeitamente inúteis; uma permanente preocupação
pedagógica, visando uma solidez educativa que tornasse o ensino
politécnico aliciante na sua matriz formativa; uma atitude sempre
democrática na abordagem dos muitos e variados problemas que se
nos colocaram, traduzida num respeito muito grande pelas posições
dos outros, sem que isso pudesse significar qualquer abdicação das
próprias ideias.
Nesta última referência, encontrei no Dr. Joaquim Cunha uma
das facetas mais interessantes da sua personalidade, expressa na sua
condições de cidadão preocupado com o rumo do seu próprio país, o
que o levou, inclusive, à assunção de funções de natureza política
numa organização partidária.
E, coincidindo até nisto, ainda que em organizações partidárias
diferentes, tive oportunidade de apreciar o profundo sentimento
democrático do Dr. Joaquim Cunha, uma vez que essa circunstância
não impediu - diria mesmo que até favoreceu - o desenvolvimento de
uma grande amizade pessoal que sempre mantivemos.
Nesse sentido, foi para mim muito gratificante ter a
oportunidade de contar, agora, com a generosa colaboração do Dr.

21
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Joaquim Cunha no Conselho de Avaliação do Ensino Politécnico


Público, a que presido.
Será, naturalmente, o prosseguimento da actividade anterior,
tentando estimular a qualidade no "ensino politécnico", situando-o nos
patamares de prestígio institucional que sempre lhe quisemos oferecer.
Para o Dr. Joaquim Cunha, esta será uma oportunidade mais
para acompanhar, ainda que à distância, o grande amor da sua vida,
em termos profissionais, que foi e é o I.S.C.A. de Aveiro.
Sendo, inegavelmente, o grande projecto que empreendeu, ser-
lhe-á muito agradável verificar que o I.S.C.A. atingiu, no panorama
nacional do ensino da Contabilidade e Administração, um prestígio
institucional muito elevado que, certamente, os diferentes processos de
avaliação virão confirmar.
Será como quer acompanhar o sucesso de um projecto que
lançou e ao qual ofereceu as asas que lhe permitem, a partir de agora,
voar com outros timoneiros...
Não queria terminar, sem uma nota pessoal relacionada com a
dimensão familiar do Dr. Joaquim Cunha que o levou, em muitos
momentos, a possibilitar-nos um convívio extremamente simpático
com a sua esposa - que me permite saudar também designadamente
durante as visitas de trabalho que fizemos a Aveiro, sempre acolhidos
com a generosidade e a arte de bem receber que lhe é própria.
Meu Caro Joaquim Cunha, muito tempo passou, alguma coisa
fizemos, iremos continuar... com o mesmo entusiasmo de sempre!

22
PALAVRAS PROFERIDAS
pelo
D R . J O A Q U I M SILVA

Senhor Prof. Joaquim Cunha


Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quando A A.P.P.C. - Associação Portuguesa de Peritos


Contabilistas recebeu o amável convite da Comissão Organizadora
deste evento que aqui e agora nos congrega, foi-me entregue a
incumbência de proferir algumas palavras a ele alusivas, o que, devo
confessar, faço com imensa satisfação.
A este acto de homenagem ao Senhor Prof. Joaquim Cunha, por
motivo do início de um novo ciclo da sua vida pessoal e profissional,
não podia a A.P.P.C. deixar de estar presente para lhe testemunhar o
alto apreço em que tem as suas qualidades humanas, docentes e,
particularmente, de líder de uma escola que desde há muito se vem
afirmando no panorama do ensino da Contabilidade em Portugal.
De facto, fazendo uma retrospectiva do percurso que conheço da vida
profissional do Senhor Prof. Joaquim Cunha, desde a docência no
antigo Instituto Comercial do Porto (hoje I.S.C.A.P.) até à oportuna e
feliz vinda para a cidade de Aveiro, sempre pautou a sua vida por um
enorme entusiasmo em tudo a quanto meteu ombros, de que é
flagrante exemplo a projecção que conseguiu para o Instituto Superior
de Contabilidade e Administração, onde desenvolveu notável
actividade em prol do seu engrandecimento. E não se pense que foram
fáceis os êxitos alcançados. Bem pelo contrário. Resultaram, isso sim,
de um empenho perseverante, de uma boa escolha dos colaboradores e
de uma visão correcta e futurista dos interesses dos alunos, a par de
uma notável capacidade de relacionamento com quem tinha que
decidir, procurando sempre propugnar por uma escola moderna, que
dotasse os alunos das ferramentas para a vida activa e em constante

23
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

actualização, numa incessante busca de um nível de ensino cada vez


mais próximo daqueles países que levam o facho nesta área.
Por isso, o Senhor Prof. Joaquim Cunha é um exemplo de pioneirismo
nos métodos de ensino que estabeleceu, sendo, apesar disso,
permanente a insatisfação que patenteava, numa postura proactiva que
o levava a querer inovar sempre mais e mais.
Sou também amigo de familiares do Prof. Joaquim Cunha, e, por
isso, sinto-me à vontade para salientar igualmente a faceta da sua vida
familiar, irrepreensível, recheada de grande afecto e concórdia, com
princípios que, hoje, infelizmente, muitos abandonam ou põem em
causa.
Permitam-me, agora, que fale das relações que se foram sedimentando
entre o I.S.C.A. e a A.P.P.C, que aqui represento.
Começo por dizer que o Senhor Prof. Joaquim Cunha nunca regateou
esforços para conseguir uma consonância entre os objectivos da escola
e os da A.P.P.C. E isto porque para a escola a A.P.P.C, como
entidade de classe dos peritos contabilistas, poderia dar contributos
para a melhoria incessante do ensino da Contabilidade em Portugal.
Seria naturalmente uma colaboração proveitosa para ambas as
entidades.
E foi assim que, por um lado, o Prof. Joaquim Cunha aderiu a várias
das nossas iniciativas - aliás não podemos deixar de registar com
orgulho que tem sido uma presença habitual nas comemorações dos
nossos aniversários - e por outro, a A.P.P.C. também deu sempre a
sua adesão aos convites que nos dirigiu.
De passagem relembro que a realização do 25° Aniversário da
A.P.P.C. se vai realizar em Aveiro, no próximo dia 25, precisamente
porque há cerca de dois anos o Senhor Prof. Joaquim Cunha nos
lançou o repto nesse sentido, pelo que temos muita satisfação em
salientar tal facto, que atesta as boas relações que atrás referi.
A experiência de vida do Senhor Prof. Joaquim Cunha é muito grande,
facto que nos leva a ter esperança de que a A.P.P.C. continue a receber
os seus conselhos, sempre muito valiosos. Não me esqueço que num
dos jantares-convívio apontava o futuro a trilhar pela A.P.P.C. em

24
Alocuções

várias vertentes, uma das quais era a da sua internacionalização.


Tinha inteira razão! E é isso, felizmente, que está a acontecer.
Também não posso olvidar o convite que nos fez para integrar o
Conselho Consultivo, que aceitámos com muito gosto, e a forma como
procurava sempre recolher os contributos de todos aqueles que o
poderiam fazer, independentemente das ideias determinadas que
possuía para a evolução indispensável da escola e para o que entendia
dever ser o exercício da profissão de perito contabilista.
E não esqueço também com que entusiasmo um dia me serviu de
cicerone para apresentar os últimos métodos adoptados no Instituto
para levar os alunos a aplicarem os conhecimentos adquiridos, através
de uma simulação com perfeita aderência à realidade, de forma a
favorecer e facilitar a entrada no mercado do trabalho dos seus alunos,
dotando-os com as ferramentas indispensáveis para vencerem.
Posso afirmar que fui um arauto desses métodos, apresentando-os
como um exemplo extremamente válido, projectando a imagem do
I.S.C.A. e realçando as qualidades de dinamismo do seu Presidente do
Conselho Directivo.
Naturalmente que para a projecção da escola, o Senhor Prof. Joaquim
Cunha, soube também escolher colaboradores de excelente nível que
em muito a dignificaram e - assim o espero - o continuem a fazer,
pois com isso saem beneficiados os alunos e o País. Muitos desses
professores são nossos amigos também, o que registo com natural
agrado.
Não é por acaso que o I.S.C.A., agora com outra designação, desde
que foi integrado na Universidade de Aveiro, desfruta de inexcedível
credibilidade, como corolário de todo um esforço persistente de
melhoria permanente do ensino que ministra, mas também dos meios
instrumentais e das instalações, factores que igualmente conduzem
inevitavelmente para bons resultados, tanto por parte dos alunos como
dos docentes.
Vou terminar estas singelas palavras, não sem antes dizer ao Senhor
Prof. Joaquim Cunha que no historial da A.P.P.C. o Senhor é, por tudo

25
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

quanto acabei de referir, um grande amigo, muito respeitado e


prestimoso.
No seu novo ciclo de vida, eu próprio e a A.P.P.C. desejamos-lhe
muitas felicidades

26
PALAVRAS PROFERIDAS
pelo
PATRICK BATISTA GOMES*

Presidente da Associação de Estudantes do I.S.C.A.A.

Queria desejar boas tardes a todos.

Venho aqui em representação da Associação de Estudantes do


I.S.C.A.A. e de todos os alunos que passaram pelo Instituto e que são
no fundo o resultado do trabalho do nosso homenageado de hoje, o Dr.
Joaquim José da Cunha.
A minha missão não é fácil porque tenho que falar em nome de
mesmo muita gente - contas por alto serão cerca de uns dez mil.
O Dr. Cunha é para nós o símbolo da escola onde estudámos -
no fundo o I.S.C.A.A. é o produto do trabalho deste homem que ao
longo da curta convivência mais directa que tive com ele (cerca de três
anos), me deu a entender que o seu esforço pessoal se destinou àquela
instituição, e consequentemente, aos alunos que por lá passaram.
Sempre mostrou uma grande abertura para os problemas que tocavam
à classe discente da escola, muito em especial, quero evidenciar o forte
apoio que deu à Associação de Estudantes.
Sempre teve, como foi já aqui falado, a sensibilidade para nos
momentos mais oportunos, fazer-nos entender quando é que
estávamos certos e/ou quando é que estávamos errados - e, por muitas
vezes, apesar de estarmos certos, convencia-nos do contrário.
Recordo-me, das situações em que o conflito espreitava, e a solução
teria que surgir nas famosas reuniões no gabinete do Dr. Cunha, ao
sabor do fumo do seu também famoso cachimbo. No final das

* Bacharel em contabilidade e administração; Presidente da Direcção da Associação


de Estudantes do I.S.C.A.A.(1998-2000); Membro da Assembleia de Representantes
do I.S.C.A.A. (1997-1999)

27
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

mesmas, muitas vezes, comentávamos, eu os meus colegas, algo que


sempre admirei neste homem, a sua capacidade diplomática.
Este homem é acima de tudo um lutador - não sei se deve aos
anos de serviço militar que cumpriu - nos três anos em que eu estive
na Associação de Estudantes como Presidente sempre notei que o Dr.
Cunha nunca parava: sempre que alcançava um objectivo já tinha mais
alguns em mente - uma pessoa de grande visão que teve e tem a
capacidade de definir o rumo que a escola deveria seguir, que não
abandonou sem deixar esse caminho preparado.
Não poderei excluir uma curiosidade de âmbito pessoal que há
momentos atrás me recordei - não obstante o facto de nunca ter
frequentado as disciplinas leccionadas pelo Dr. Cunha, sempre o tratei
por "Professor" nas conversas que travávamos. De facto, apreendi
muito ao longo dos tempos que lidei com ele, razão pela qual a minha
mente porventura induz este tratamento - terá sido de facto uma mais
valia trabalhar a par com o Dr. Cunha.
Facilmente nos apercebemos que é uma pessoa activa que
demonstra vontade de trabalhar, pelo que eu não consigo imaginá-lo
em casa com um cobertor em cima das pernas a ver televisão. De
facto, não consigo imaginá-lo assim, pois a sua capacidade para
desenvolver trabalho ainda não terminou e ainda bem - tudo me leva a
crer que a sua missão não está concluída, nem no I.S.C.A.A., nem no
ensino.
A Associação de Estudantes entendeu que o Dr. Cunha merecia
que lhe fosse atribuído o título de sócio honorário: trata-se de um
título nunca atribuído na história da Associação de Estudantes do
I.S.C.A.A. e que pelo nosso entender, deveria ser utilizado num caso
de merecida excepção - é óbvio que deverá ser o Dr. Cunha o primeiro
a recebê-la. Querendo aproveitar esta ocasião, muito embora o
protocolo exija que a forma de instituição desse título seja efectuado
em Assembleia Geral de Alunos, considerou-se também por bem, face
à presente homenagem, que fosse neste local o anúncio da atribuição
deste título simbolizado por este gabão, próprio do traje dos alunos do
I.S.C.A.A.

28
Alocuções

É assim que eu termino esta minha intervenção, chamando aqui


junto de mim o Dr. Joaquim Cunha, e deixando votos no sentido de
que ao longo dos tempos que se seguem continuemos a ver o Dr.
Cunha pelos corredores do Instituto.
Muito obrigado.

29
PALAVRAS PROFERIDAS
pelo
PROF. DR. JOAQUIM JOSÉ DA CUNHA

Meus caros Amigos

Platão fez a apologia de Sócrates e, hoje, vocês estão aqui a


fazer a minha apologia. Agradeço a vossa presença e a generosidade
do vosso julgamento. Só que, de tanta generosidade eu até posso ser
levado a acreditar que fui um grande professor, quando, na realidade
fui um professor como os demais e, disso, tenho plena consciência.
Eu vou começar pelo fim, porque no improviso não quero
esquecer os alunos. Há pouco, este facto aconteceu e não devia ter
acontecido. Peço desculpa pelo acontecido.
Agradeço aos actuais e aos ex-alunos a gentileza da vossa
presença nesta festa de despedida da minha actividade docente.
Aos actuais alunos exorto-os a que façam da vossa escola uma
comunidade de professores e de alunos onde o corpo dos funcionários
seja uma peça fundamental para que essa comunidade de professores e
alunos possa vingar e ser grande.
Fiquei muito sensibilizado com esta grande participação de ex-
alunos e graduados pela Escola. Agradeço a vossa presença
desinteressada. Se me for permitido um conselho, quero dizer-vos que
o vosso diploma não atesta que saibais tudo para o exercício da vossa
profissão. Atesta, sim, que Escola e diplomado, nada sabem de certo e
que, por isso, estais aptos a continuar os vossos estudos sozinhos e a
regressar à Escola para tomar contacto com os novos saberes que a
Escola, entretanto, desenvolveu.

31
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

Meu caro Amigo, Doutor Júlio Pedrosa, Reitor da


Universidade de Aveiro.

À frente vou referir o trabalho comum que, ao longo destes


anos, tivemos em estreita cooperação e amizade sem precedentes e
sem mácula. E mais. Soubemos entender os desígnios e os desafios
que se nos colocavam e, a partir deste entendimento, conseguimos que
as duas instituições, agora uma, saíssem incólumes do processo, cada
uma mais engrandecida para fazer face à necessidade de diversificar a
oferta de formação.

Maria Armanda,

O antigo Instituto de Comércio foi a razão de estarmos hoje


aqui. Estudamos na mesma Universidade. Fomos colegas de turma,
Mas foi o Instituto do Comércio de Aveiro que juntou o nosso
caminho profissional. As suas palavras de amizade dão razão ao tema
da minha lição de hoje. É que, já nessa altura, entendia que, para as
instituições se desenvolverem não era preciso provocar desemprego.
Foi precisamente à custa do nicho de docentes do ser antigo Instituto
de Comércio que fizemos a Escola de hoje. Sei que diz bem e escreve
com elegância. Agradeço as palavras amigas que me emocionaram
pela alegria de as ouvir. Eu sou rotário, e tenho aqui companheiros
rotários do meu clube. O actual presidente, companheiro Afonso
Amaral, também tem alguma coisa a ver com esta Escola. Há anos, na
Administração Pública, criou-se uma burocracia bloqueadora da
aquisição de computadores. O meu companheiro Afonso Amaral,
nessa altura, ofereceu à Escola 4 computadores. Muito obrigado pela
vossa presença.
O meu querido Amigo Prof. Dr. António de Almeida Costa foi
muito generoso para comigo. Prometo não desmerecer a sua amizade.
A A.P.P.C. (Associação Portuguesa dos Peritos Contabilistas) é uma
organização que agrega a classe dos peritos contabilistas e integra o
Conselho Consultivo desta escola. Ao longo de mais de 25 anos muito
temos trabalhado para dignificar a profissão de Contabilista. Agradeço

32
Alocuções

a vossa presença. Gostaria que não fosse uma despedida. A


Contabilidade, em Portugal, e no mundo, ainda tem um grande
caminho a percorrer.
Ao Joaquim Azevedo, que tive o privilégio de cumprimentar de
manhã, peço que a C.T.O.C. promova uma acreditação justa e
adequada dos profissionais de contabilidade. Há um longo caminho a
percorrer. As escolas de contabilidade poderão ajudar na formação
daqueles profissionais de contabilidade que não dispõem de
habilitações académicas mas que estão dentro do sistema.
Até ao ano 2020, por imperativo demográfico, as Escolas verão
diminuída a procura na formação inicial. É altura de, aproveitando
instalações como pessoal, lançar cursos de formação recorrente que,
em conjunto com a prática de trabalho, permitam créditos para
prosseguir a formação formal.
No I.S.C.A. Aveiro, possivelmente dentro de dois ou três anos
lançaremos este sistema de formação, que incluirá, também, a forma
de formação à distância.
Todos os tempos de acreditação da contabilidade em Portugal
foram tempos muito complicados. Quero dizer-vos que, a primeira
atribuição de grau de licenciado em contabilidade, foi feita, de forma
muito ardilosa. As nossas Escolas concediam um diploma de estudos
especializados, os célebres D.E.S.E. Nestes estudos, integramos um
trabalho de fim de curso que tinha de ser orientado e discutido e que,
em Aveiro, constituíram autênticas teses de mestrado. É que, em
Aveiro, tínhamos uma equipa de professores universitários de que não
posso esquecer o contributo que deram para o prestígio dos cursos de
especialização ministrados na Escola. Professores como Rogério
Ferreira, aqui presente, Cimourdain de Oliveira, Manuel Porto,
Amílcar Gonçalves e o saudoso Prof. Fernandes Pena fizeram destes
C.E.S.E.'s as licenciaturas de hoje. Durante muitos anos, os trabalhos
de fim de curso, foram arguidos por professores universitários, daí a
exigência da qualidade, a que nos habituamos na Escola.
A todos e, no encanto desta festa de despedida, deixo o meu
muito obrigado. O vosso trabalho e as vossas orientações muito
contribuíram para a exigência que porfiadamente tentamos introduzir

33
Revista Estudos do LS.C.A.A.

nos cursos ministrados. E, curioso, os estudantes vão atrás dessa


exigência.
Hoje estou a ser alvo de uma homenagem. É o fruto de quem é
velho. O que foi feito deve-se à generosidade de todos. Deve-se às
sucessivas equipas que passaram pelo Conselho Directivo, ao civismo
e à cooperação dos estudantes. Não referir a dedicação dos
funcionários seria falta imperdoável. Para estes não havia horas, havia
a Escola e o trabalho. Até nisso fizemos Escola. Até chegarmos a estas
instalações, que têm apenas doze anos, vivemos, outros dezassete anos
em vários andares espalhados pela cidade. Os ex-estudantes recordam-
se disso. Até havia uma coisa engraçada, porque quando queríamos
falar com um professor dizia-se... está no edifício A, está no edifício
B, está no edifício C e, de certo, não estava em nenhum.
Hoje, as actuais instalações são frequentadas por mais de mil e
quinhentos alunos e, no entretanto, continuam tão limpas como quase
há doze anos. Isto não é acção de uma só pessoa. É acção de todos,
com ênfase nos alunos que, por serem mais, seriam os que mais
podiam sujar e são aqueles que ajudam a ter a Escola limpa. São os
nossos estudantes que, ciclicamente, em cada ano, fazem a integração
dos caloiros. E este ciclo repete-se, em cada ano por forma que cada
estudante que chega tem um tutor para o acompanhar. Gostaria que
este tutor; doravante também acompanhasse o estudante nos estudos,
rumo a níveis de aproveitamento de excelência que um dia havemos
de alcançar.

Meus Amigos

Quero dizer-vos que nesta Escola fui muito feliz e que não fiz
nada com sacrifício. Fiz de cada dia um dia novo. Contudo há um
tempo para tudo. O meu tempo no Conselho Directivo chegou ao fim.
A Escola para progredir precisa de uma ruptura e não de continuidade.
Eu já não tenho tempo para provocar esta ruptura. A Escola precisa de
atrair novos públicos e de desenvolver programas de investigação.
Deixo este trabalho ciclópico aos mais novos. O meu tempo passou e,
falar do passado, nunca me entusiasmou. Nunca foi o passado que me
fez andar. O passado é coisa para fazer a história das instituições.

34
Alocuções

Cometi muitos erros; e sabem uma coisa? Não tenho nostalgia dos
erros cometidos. É que, nunca tive medo de cometer erros porque
sempre estive disposto a corrigi-los e corrigi-os com a ajuda de todos.
Nas vossas vidas não tenham medo de cometer erros, desde que,
estejam disponíveis para os corrigir porque, só assim, faz sentido
dizer-se que errar é humano. Se não houver predisposição para
corrigir os erros, então, meus caros amigos, há que não os cometer.
Como disse, é o futuro que me faz andar.
Como viram, as instalações onde hoje estiveram estão
entaipadas, significa que ali há obras. Em Maio próximo será
inaugurado um edifício destinado ao Projecto Profissional. Como
prova de que levamos muito a sério a disciplina do projecto
profissional, digo-vos que os valores envolvidos neste edifício
ultrapassam mais de duzentos mil contos. E, continuando o projecto
para o centro de casos e de investigação em áreas socio-económicas,
fiscais e empresariais, há que dotar o "campus" com um terceiro e
último edifício, onde teremos de investir qualquer coisa que se
aproxima de um milhão de contos, razão pela qual, meu caro Doutor
Júlio Pedrosa, já não será o I.S.C.A. a arcar sozinho com tamanho
encargo. A Universidade vai ter de sensibilizar a tutela para a
necessidade desta estrutura física rumo à Escola de excelência que
projectamos para o ano de 2003.
Também naquele edifício os estudantes, vão, finalmente, passar
a ter espaços lúdicos de qualidade, o centro de convívio, o bar, a sala
de leitura e a sala de jogos. Portanto, os nossos estudantes, que neste
momento, já têm residências de qualidade, vão passar a ter espaços
lúdicos de qualidade.

Meus caros estudantes

Maio é já amanhã.

35
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Meu caro Reitor Júlio Pedrosa

Recusei algumas ofertas de trabalho na nova situação de


aposentado. E recusei porquê? Recusei porque acredito que um dia,
poderei dar algum contributo à minha Universidade, quer seja no
combate ao insucesso escolar, quer seja na formação de profissionais
não habilitados com a formação académica correspondente à sua
actividade profissional, quer seja no lançamento de pós-graduações
adequadas às ciências empresariais, quer seja no esforço de
rendibilizar a capacidade tecnológica instalada. Hoje, esta Escola tem
capacidade de rede e de meios informáticos bastantes e poderosos. E
vai ter mais porque, com a integração na Universidade e a ligação ao
seu centro de cálculo, passará a dispor de meios informáticos
poderosíssimos, de maneira que, nós, muito bem podemos vir a ser
uma escola piloto.
Eu quero dizer-vos que a Universidade de Aveiro passou, desde
o início deste ano, a diversificar a sua oferta de formação. Oferece
formação universitária e formação politécnica. Esta Universidade,
hoje, está organizada em unidades orgânicas universitárias e unidades
orgânicas politécnicas. Significa que vamos aproveitar todas as
sinergias para que o desenvolvimento do todo seja profundamente
eficaz.
Em Aveiro, a Universidade fez estudos muito bem elaborados
no que respeita ao grau de atracção de estudantes. Eu quero dizer-vos
que até 2020 haverá um acentuado decréscimo de procura de
estudantes no Ensino Superior, porque, Portugal está a perder
população jovem no nível etário 18-25 anos. Portanto, temos de estar
preparados para o decréscimo da população escolar, quer no sistema
universitário quer no sistema politécnico. Em Aveiro, não faria
sentido que Universidade e Politécnico ficassem separados. A
Universidade ficaria com nove mil estudantes, o Politécnico com três,
quatro mil. Que sentido faria ter estruturas duplicadas, dois reitores,
serviços sociais distintos? Uma burrice. O que fizemos? Universidade
e Politécnico começaram a namorar..., um namoro pela positiva. Um

36
Alocuções

namoro que garantiu a identidade a cada instituição e que acabou em


casamento.
Hoje, a comunidade do Ensino superior, em Aveiro, ultrapassa
os doze mil estudantes. É que não fazia qualquer sentido estarmos
aqui tão perto e, tão longe. Não faria sentido estarmos apenas
separados por uma estrada e termos estruturas desportivas separadas,
estruturas sociais separadas e cantinas separadas. E as competências?
Até neste aspecto haveria uma incalculável perda de recursos. A
opção de, em Aveiro, a Universidade diversificar formação superior
inicial é uma óptima solução. A solução de Aveiro abriu caminho para
que as instituições do ensino politécnico, também elas, possam ter
unidades universitárias. É evidente que isto pressupõe exigências,
quais sejam as das competências, dos doutoramentos, não em áreas
soltas mas em todas as áreas do saber afectas à unidade orgânica. Este
é um problema que o C.R.U.P., o C.C.I.S.P. e a Tutela terão que
resolver. Seria bom que não se andasse de costas viradas porque isso
levaria que cada um ficasse mais distante. Portanto, eu recomendo ao
C.C.I.S.P. e ao C.R.U.P. que, a este respeito, possam vir a entender-se.
E, mais uma vez, à semelhança do que se passa com a Universidade
do Algarve, reitero o pedido de que a Universidade de Aveiro passe a
integrar o C.C.S.I.S.P.
Ao contrário da Ciência, em Política, não pode haver verdades
solitárias. Em Política, uma ideia só é verdadeira pelo número de
cabeças que acreditam nela. E, sobre esta integração, não houve votos
contrários. Significa isto que todos acreditamos nela. Contudo, esta
integração terá de viver do acordo ou será efémera sem ele. Ficou
suspenso um ponto: é que numa universidade com unidades
politécnicas integradas, um docente oriundo das unidades orgânicas
politécnicas, nunca pode ser reitor da universidade.
Esta questão, sendo de cidadania, tem que ser resolvida.
Perguntarão se tal questão fez, ou não, parte das conversas de
integração.
Fez. Aliás bastará consultar as actas do Senado da Universidade
para se saber que o princípio foi defendido. Embora o princípio não
fosse de pouca valia, tínhamos consciência de que não se deveria

37
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

travar o processo de integração, havendo a promessa de se ouvir o


Conselho de Reitores para se propor a necessária alteração legal.
Caberá agora, à minha sucessora, Prof.a Dr.a Elda Guimarães não
deixar morrer o princípio de que um docente oriundo do politécnico,
professor coordenador com agregação, também possa ser reitor da
universidade.

Meus caros Amigos

A todos agradeço a presença nesta festa que o Conselho


Directivo do I.S.CA.Aveiro me preparou.
Termino como comecei. Tenho consciência que a não mereço.
Quem esteve comigo este tempo todo, os professores, ao funcionários
e os estudantes é que são merecedores desta homenagem. Sendo eu
parte da roda, o cuidado que tive, foi nunca ter partido nenhum dente
dessa roda. Espero que esta festa não seja o fim da minha cooperação
à Escola que ajudei a criar.
Muito obrigado.

38
ARTIGOS
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

INTENSIDADE FUNCIONAL EFICAZ


E CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS

ANTÓNIO LOPES DE SÁ
lopessa.bhz@terra.com,br
PRESIDENTE DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
CONTÁBEIS, REITOR DO CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES
DE CONTABILIDADE DO CONSELHO REGIONAL DE
CONTABILIDADE DE MINAS GERAIS, PRESIDENTE DO
INSTITUTO DE PESQUISAS AUGUSTO TOMELINDO CENTRO
UNIVERSITÁRIO DA U.N.A.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

FATOS FUTUROS DA RIQUEZA


CONHECIMENTO SOBRE A CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS
FATORES BÁSICOS DA CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS
CONCEITOS DE INTENSIDADE FUNCIONAL PATRIMONIAL EFICAZ
FUTURO DA EFICÁCIA E PRESENTE DA INTENSIDADE FUNCIONAL
POTENCIALIDADE E INTENSIDADE
BIBLIOGRAFIA

42
Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

"Existem seres que se tornam inesquecíveis


pela luminosidade de suas ações, pelo que
constróem na intensidade de suas presenças,
antecipando o futuro; é a um destes que
dedico este trabalho - ou seja, ao amigo Prof.
Joaquim José da Cunha".

♦:♦

A informação contábil nasceu para guardar memória dos fatos


passados, mas, hoje, mais que nunca, ela avança ousadamente em
direção ao futuro, na busca de antecipar-se a decisões e visando a
resguardar riscos eminentes. S ó na matéria genuinamente cientifica
pode-se realmente encontrar segurança para determinar os fatores
que geram opiniões racionais e a doutrina contábil
neopatrimonialista acha-se deveras preocupada com a pesquisa e a
implantação de metodologias que reduzam as margens de
insegurança. O estudo aprofundado da intensidade funcional eficaz
da riqueza parece ser o campo que melhor oferece bases para
modelos prospectivos e o que merece a maior atenção dos estudiosos
para análises da continuidade dos empreendimentos. O importante é
construir uma metodologia que possa no estudo da continuidade
reduzir os riscos de opiniões que possam produzir conclusões
defeituosas.

43
Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

FATOS FUTUROS DA RIQUEZA

A velocidade com a qual a tecnologia eletrônica introduziu


mudanças na informação contábil facilitou não só o manuseio de
dados atuais, mas, também, avanços no sentido de uma Contabilidade
Prospectiva de melhor qualidade.
A previsão sempre preocupou a dirigentes e os contadores foram
sempre os encarregados de faze-las; sobre isto podemos encontrar
provas nas civilizações mais antigas, como a egípcia, embora os
recursos pertinentes à matéria fossem parcos naquela época.
O emérito e saudoso professor da Universidade de Florença,
Federigo Melis, em sua monumental obra sobre a História da
Contabilidade, apresenta-nos um exemplo de registros de previsões
gravados há mais de 3.000 anos, no tempo de Ramsés III e que ainda
se encontram inscritas nas paredes do templo mortuário de Madinat-
-Habu.
Trata-se da prospeção de rendas feitas sobre a produção agrícola
de grãos para a fabricação de pães e de cerveja.
A antiguidade do interesse sobre o futuro da riqueza parece ter
sido algo perene nas civilizações, mas só alcançou importância
doutrinária de relevo quando a Contabilidade passou de sua fase
empírica para aquela científica.
Assim é que obra de Francesco Villa, de 1840, evidenciando tal
realidade, ampliou valorosamente a importância relativa a esta
matéria, o mesmo ocorrendo com os trabalhos de Fábio Besta,
Cerboni e Rossi, no início do século XX.
Obras editadas em diversos países dedicaram-se especificamente
ao assunto mas foi a partir da década de 40 do século XIX que aquelas
se intensificaram igualmente em várias partes do mundo.
Em nossos dias algumas tecnologias apresentadas como recentes
têm surgido sobre a questão, embora a elas como "novas" só
possamos atribuir as formas de apresentação e alguns poucos detalhes
condizentes com os maiores recursos dos quais hoje dispomos.
Se compararmos os denominados "métodos dos cenários" (tão
bem apresentado, com competência, pela Dra. Fernanda Cristina

45
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

Alberto, em brilhante artigo no J.T.C.E. de Lisboa) com os escritos


doutrinários de Masi, Ceccherelli e Onida, para citar apenas alguns
poucos exemplos, veremos que na essência nada ou pouquíssimo foi
tangido.
Não é possível, todavia, deixar desapercebida a influência que
tais estudos causaram no pretérito, mas, no presente, podemos afirmar
que a questão merece sensível ampliação em matéria doutrinária.
A doutrina neopatrimonialista apresenta razões de rara qualidade
para a observação dos fatos futuros ligados à continuidade dos
empreendimentos e aos estudos analíticos da "intensidade funcional
eficaz"; a eficácia é a base da nova metodologia dessa nova corrente
científica doutrinária e que defende a prosperidade como meta da
aplicação dos estudos contábeis.

CONHECIMENTO SOBRE A CONTINUIDADE DOS EMPREEN-


DIMENTOS

A rapidez com que se realizam hoje os investimentos e aquela


com a qual os capitais se deslocam já não mais permitem a omissão
quanto a previsões que tenham um maior grau de aproximação com
aquela da realização dos fatos futuros.
Tal exigência, hoje feita a auditores em seus pareceres (como
ocorre na Comunidade Europeia), requer dos profissionais
conhecimentos que não se limitam a simples aspectos empíricos e
práticos, mas, sim, exigem um embasamento em competente formação
doutrinária sobre o assunto.
Conhecer sobre a possibilidade de uma empresa continuar a
existir e em que condição esta existirá é uma exigência que se impõe
aos profissionais.
Os recursos teóricos são racionais enunciados que se derivam
das observações práticas, mas, com a vantagem de serem de aplicação
geral.
É a observação dos fenómenos em cada empresa, em cada
instituição que ajuda a analisar como as coisas acontecem, mas, o
científico exige mais que isto, ou seja, só admite aceitar o universal

46
Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

como verdade, ou seja, o que ocorre em todos os lugares e em todos os


tempos sempre da mesma forma.
Cada empresa tem a sua própria vida e as suas características
pertinentes, mas, nenhuma delas escapa às leis universais que regem o
comportamento da riqueza.
A indagação analítica sobre a sobrevivência dos
empreendimentos exige o científico, o estabelecimento de relações
entre fatos sob a luz de metodologia específica.
Toda a ciência baseia-se no estabelecimento de relações e todas
elas ensejam previsões, pois, estas são condições essenciais para
caracterizar o conhecimento científico.

FATORES BÁSICOS DA CONTINUIDADE DOS EMPREENDI-


MENTOS

Existem acontecimentos básicos a serem considerados para que


se possa conhecer a realidade sobre a continuidade dos
empreendimentos e estes parecem ser os alusivos aos fatores:
"intensidade funcional" e "necessidade operacional".
Ou ainda, a relação "intensidade de utilização da riqueza" e
"eficácia a ser conseguida", parecem ser os aspectos primordiais de
uma observação.
Cientificamente, pois, no campo da Contabilidade, necessário se
faz desenvolver uma série de raciocínios que permitam uma opinião
em face dos dados que se possam colher nas empresas e instituições.
A sobrevivência depende da vitalidade operacional e dos
recursos que se vertem na satisfação das necessidades diante das
pressões que os entornes da riqueza possam sobre esta exercer (esta a
óptica do neopatrimonialismo).
Partindo-se desta consideração fundamental é possível concluir
sobre alguns aspectos relevantes que devem guiar a cognição sobre a
situação patrimonial futura, ensejando emissão de opiniões
competentes.

47
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

Não pode haver continuidade se a eficácia não se operar e tudo


também indica que esta dependa da intensidade funcional com a qual
se realizam as utilizações dos meios patrimoniais.
Requerida é, pois, uma intensidade funcional eficaz para que se
possa conseguir a continuidade conveniente a um empreendimento.
Portanto, a meta das prospeções deve ser a que se fundamenta
nesta realidade de relatividades e correlações.
Como o conceito de continuidade é global em relação à célula
social (seja empresa, seja instituição) o enfoque de tal fenómeno
requer abrangência.

CONCEITO DE INTENSIDADE FUNCIONAL PATRIMONIAL


EFICAZ

O conceito de função é usado em muitos ramos do


conhecimento humano e em cada um tem a sua conotação específica
(na Química molecular, por exemplo, significa um comportamento
determinado em uma classe de substâncias agrupadas, nas
matemáticas significa o correspondente entre dois ou mais conjuntos
etc. etc.).
Em tese, contabilmente, para a doutrina neopatrimonialista, tudo
o que movimenta o patrimônio é relativo a uma função desempenhada
por um componente da riqueza ou por agentes dos entornes desta.
Básica, mas, não exclusivamente, a função é a utilidade exercida
visando a suprir a necessidade de um empreendimento definido.
Medir, pois, o que representa uma função em seu desempenho é
basicamente buscar avaliar o que ela representa em face da finalidade
que a produziu.
Como o patrimônio é um prodigioso conjunto, só por abstração
ou excepção se pode admitir a existência de uma função isolada.
A intensidade funcional eficaz é, portanto, uma relação
percentual entre a multiplicidade do exercício dos meios patrimoniais
e as das satisfações das necessidades por aqueles a serem providas.

48
Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

Ou ainda, quanto mais o exercício da riqueza se aproximar do


que é necessário conseguir e tanto mais intensa será a função
patrimonial.
Um meio patrimonial ou um conjunto deles pode, em exercício,
em função, ser intenso, mas, é necessário que ocorram condições
similares de intensidade em outros para que a continuidade, como um
todo, possa ser conseguida.
Assim, por exemplo, um estoque de mercadorias, terá tanto mais
intensidade funcional em relação ao resultado quanto maior
velocidade tiver e quanto melhor for a margem lucrativa que se
derivar de tal movimento.
O quantitativo do movimento e o qualitativo da margem são
determinantes para colimar a eficácia.
Se a tendência das vendas é crescente e se isto se opera cada vez
mais em relação ao aumento do giro dos produtos, pode-se dizer que
mais intensa se torna a participação dos bens de venda na eficácia e
tanto mais probabilidade existirá de sobrevivência.
A continuidade da atividade empresarial, todavia, repito, não
depende só das vendas, mas, de todo um complexo de eficácias em
outros sistemas de funções; portanto, o exemplificado denunciará uma
intensidade funcional relativa e parcial, mas, não a global.
Se, todavia, a empresa, ainda no caso citado, em vez de
conservar o equilíbrio de seus investimentos, desviar recursos para
imobilizações muito altas, com absorção excessiva do capital de giro,
poderá haver compromisso do equilíbrio e o sistema da estabilidade
deixará de ser eficaz.
Como a estabilidade é um sistema básico, fundamental,
responsável pelas funções de equilíbrio, a ineficácia neste agregado é
forte indício de não continuidade ou pelo menos de ameaça a esta.
A intensidade funcional, pois, em um só sistema patrimonial de
funções ou mesmo em alguns poucos, por si só, não representa uma
condição positiva de sobrevivência.
Não deixará, no caso do exemplo, de haver uma intensidade
funcional relativa, mas, a intensidade para que seja um conceito
abrangente, global, repito, é preciso que represente uma

49
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

multiplicidade de atos que envolvam a todos os sistemas básicos de


funções patrimoniais.

FUTURO DA EFICÁCIA E PRESENTE DA INTENSIDADE


FUNCIONAL

A prospeção da eficácia é a evidência de uma necessidade futura


que se tem a satisfazer.
As previsões em geral se fundamentam em hipóteses racionais
de acontecimentos; hipóteses porque são conjecturas e racionais
porque se fundamentam em elementos decorrentes de razões
sustentáveis em estudos e experiências.
O futuro da eficácia, todavia, não só justifica, mas, também faz
exigível a medida da intensidade funcional.
Pode-se, portanto, admitir, como teorema o enunciado seguinte:

Quanto mais se potencializar uma eficácia admitida como


finalidade e mais deve proporcionalmente a intensidade
funcional dela avizinhar-se para que ocorram condições
favoráveis para a continuidade dos empreendimentos.

É possível, pois, estabelecer-se um grau de intensidade


funcional a partir de uma potencialização fixada para a eficácia.
Isto porque é a proporcionalidade da distância entre a função de
um meio patrimonial e a eficácia a que indica o grau a ser
considerado.
A intensidade é, pois, a parcela de contribuição que uma função
realiza em face da satisfação da necessidade.
Quanto maior for a distância da necessidade (calculada por
previsão em relação ao tempo de efetivação desta) e mais intensidade
será requerida da multiplicação das funções.
Outro enunciado parece sustentar outro teorema em face desses
eventos:

50
Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

O fluxo do fenómeno contábil deve ser tão mais intenso quanto


mais o for o da necessidade patrimonial projetada.

Isto porque a intensidade funcional (If) se mede pela


proximidade que a função contábil (f) tem, em suas multiplicações,
em relação à consecução da eficácia (Ea).
Como a mensuração exige a expressão quantitativa de valor
(Qn) disto resulta:

]f = (OaU .Qnfy)D
(Ea)n

Como a intensidade é um fenómeno presente, mas em curso ou


fluindo para o futuro e como a eficácia do futuro é uma posição
projetada em forma de estática, quanto mais o fluxo tiver velocidade e
quanto mais intenso for e tanto mais se avizinhará do objetivo traçado
como de eficácia.
É a transformação patrimonial eficaz veloz que tem condições
de produzir a intensidade funcional de maior proporcionalidade
Esta a forma de observar e raciocinar nos estudos da análise da
continuidade de vida das empresas e instituições e que parece ser a
que conduz a menores riscos de falhas em opiniões.

POTENCIALIDADE E INTENSIDADE

O presente de uma empresa pode denunciar potencialidades


aceleradoras de intensidades.
Tais elementos são de ordem imaterial, não estão
ostensivamente evidenciados nas demonstrações contábeis, mas
representam uma força agente competente para se materializar em
riqueza.
São exemplos as empresas prestadoras de serviços que possuem
programas de informática, as que realizam pesquisas e já possuem
conquistas aptas a ganharem mercado, merecendo até cotações
especiais em índices em bolsas de valores.

51
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Neste caso, a intensidade pode ser de tal ordem, que quando


materializada a intangibilidade, a vizinhança de objetivos futuros pode
ocorrer com proximidades não previstas, ou seja, muito antes dos
prazos tomados como finalidades.
Portanto pode-se formular a proposição lógica seguinte:

Quando os fatores de aceleração da intensidade funcional são


competentes para produzirem uma participação eficaz mais que
proporcional a da estabelecida para a consecução do objetivo
orçado, o grau de vizinhança se potencializa e pode precipitar a
consecução da eficácia prospectada a ponto de antecipar a colimação
dos objetivos futuros antes dos prazos estabelecidos.

Isto significa que a continuidade pode ser alcançada por


potencialidades que não são as evidenciadas em informações
tradicionais contabilmente expressas segundo normas e convenções.
O curso, pois, da intensidade pode alterar-se se também se
alteram os fatores que promovem os elementos agentes da riqueza
patrimonial porque a vizinhança dos objetivos pode ter o subsídio de
elementos cujas ações só se manifestam "a posteriori" e que não se
manifestaram em evidências em momentos pretéritos.
O desenvolvimento doutrinário da matéria relativa a intensidade
funcional ainda não se operou dentro dos limites desejáveis, mas,
representa um grande e importante assunto na produção de
proposições lógicas que visem a construção de comportamento da
riqueza.

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53
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIaSérie, 6/7 (2000/2001)

BALANCED SCORECARD -
-SISTEMA DE INFORMAÇÃO VS SISTEMA DE GESTÃO

CARLA MANUELA TEIXEIRA DE CARVALHO


carla,carvalho@isca.ua,pt
GRAÇA MARIA DO CARMO AZEVEDO
graça. azevedo@isca.ua,pt
ASSISTENTES DO I.S.C.A.A.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO
II. BALANCED SCORECARD (QUADRO DE COMANDO INTEGRAL)
1. ORIGEM DO BSC
2. CARACTERIZAÇÃO DO BSC
3. VANTAGENS DO BSC
4. O BSC COMO SISTEMA DE INFORMAÇÃO
5. O BSC COMO SISTEMA DE GESTÃO
6. A VINCULAÇÃO DO BSC COM A ESTRATÉGIA
III. CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA

56
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

I. INTRODUÇÃO

Actualmente as empresas necessitam de informação relevante,


histórica e previsional, para tomar decisões que permitam obter
vantagens competitivas.
Para as empresas da era da informação, os activos de natureza
intangível passaram a ser factores críticos de sucesso, nomeadamente,
o nível de qualidade de produtos e serviços, motivação e competência
dos empregados, a capacidade de resposta e eficiência dos processos
internos, a satisfação e lealdade dos clientes, não sendo estes activos
valorizados na Contabilidade Financeira.
A avaliação da rentabilidade dos activos tangíveis e da actuação
passada da gestão são insuficientes.
A necessidade de criar um sistema de medição integral das
variáveis estratégicas da empresa, mantendo o equilíbrio entre os
indicadores de curto e longo-prazo, financeiros e não financeiros,
internos e externos, levou ao aparecimento do Balanced Scorecard
(BSC).
O BSC evolui de uma síntese de indicadores de gestão
melhorado, para converter-se num sistema de gestão estratégica. Os
indicadores do BSC constituem uma série de relações de causa-efeito,
que considerados colectivamente, descrevem a estratégia da
organização.

57
Revista Estudos do Í.S .C.A.A.

II. B A L A N C E D S C O R E C A R D ( Q U A D R O D E C O M A N D O
INTEGRAL)

1. ORIGEM DO BSC

■ Do "Tableaux de Bord " dos anos 50


Os gestores das empresas sempre desejaram possuir um sistema
de indicadores que lhes permitisse ter uma visão resumida do que de
significativo ocorre na empresa, avaliar o seu desempenho e evolução,
por forma a tomar as decisões necessárias.
O Tableaux de Bord, conforme refere Marti (1999, p.49),
constituíam um quadro "enciclopédico", onde se incluía um elevado
número de indicadores (de variáveis) de tudo o que pudesse ser
importante para a empresa. A principal prioridade implícita era que a
variável fosse medida de forma objectiva. Ou seja, o que importava
era compreender todo o funcionamento da empresa (perspectiva
interna) desde as matérias­primas, produtos, pessoas e instalações, de
forma a rentabilizá­los o mais possível.
Em França, as empresas utilizaram e desenvolveram, durante
mais de duas décadas, o Tableaux de Bord, que consistia num quadro
de comando de indicadores chave de êxito da empresa. "O tableaux de
bord fora desenhado para ajudar os empregados a «pilotar» a
organização, graças à identificação de factores chave de êxito,
especialmente aqueles que podem medir-se como variáveis físicas (M.
Lebas) .
Nesta época, já os norte­americanos se preocupavam mais com
indicadores­resumo concretos, admitindo que deveriam ser poucos, já
que um número elevado poderia provocar saturação de informação
pelos gestores e até perda de tempo na sua leitura, que era exaustiva e
conduzia a tomadas de decisão fora de tempo.

'Citado por Kaplan (1997, p.43).

58
Balanced Scorecard ­ Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

■ Ao Balanced Scorecard de Kaplan e Norton


Em 1990, o Nolan Norton Institute, patrocinou um estudo sobre
"A medição dos resultados das empresas do futuro", envolvendo
diversas empresas, com a duração de um ano. Este estudo foi
motivado pelo facto de se considerar que os indicadores utilizados
para medir a actuação das empresas estavam a ficar obsoletos e
dependiam quase exclusivamente de informações da Contabilidade
Financeira.
Representantes de 10 grandes empresas, reuniram­se
bimestralmente, para desenharem um novo modelo de medida da
actuação da gestão. Depois de diversas experiências realizadas em
empresas, desenvolveram o BSC, considerado como um sistema de
medição equilibrado e aquele que melhor respondia às suas
necessidades.
As descobertas do grupo de estudo foram publicadas pela
primeira vez sob o título, "O Quadro de Comando Integral", na
revista "Harvard Business Review" (Janeiro/Fevereiro de 1992).
Durante os estudos que se seguiram deste modelo, definiram­se
indicadores baseados no êxito estratégico. Este novo avanço, levou os
autores a publicar novo artigo "Como pôr a funcionar o BS C", em
1993.
Várias experiências demonstraram que o BSC era utilizado pelas
empresas não só para clarificar e comunicar a estratégia, sendo
também visto como um verdadeiro sistema de gestão estratégica. Este
facto leva os autores, em 1996, a escrever um novo artigo "A
utilização do BSC como um sistema de gestão estratégica".
O BSC evolui de uma síntese de indicadores de gestão
melhorado, para converter­se num sistema de gestão estratégica. Os
indicadores do BSC constituem uma série de relações de causa­efeito,
que considerados colectivamente, descrevem e orientam a estratégia
da organização.
Apesar de ser um tema relativamente recente, são já vários os
autores que se debruçaram sobre o estudo do BSC.
Para López (1998, p.37), o BSC "representa um modelo de
medida da actuação da empresa que equilibra os aspectos financeiros

59
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

e não financeiros na gestão e planificação estratégica da


organização. É um quadro de comando coerente e multidimensional
que supera as medidas tradicionais da contabilidade".
"O BSC é como um sistema de informação para a direcção
constituindo-se, já de facto, na ferramenta por excelência de apoio ao
processo de tomada de decisão de gestão" (Vinegla, 2000, p.216).
Para Kaplan e Norton (1997), "o BSC proporciona aos
executivos um amplo sistema que traduz a visão e a estratégia de uma
empresa, através de um conjunto de indicadores de actuação"..."O
BSC mais que um sistema de medição, é um sistema de gestão que
pode canalizar as energias, habilidades e conhecimentos específicos
de todos os colaboradores, para a consecução dos objectivos
estratégicos de longo prazo ".
De facto, o BSC é composto por um conjunto de objectivos,
indicadores, metas e iniciativas, em quatro perspectivas, que
devidamente interrelacionadas, por relações de causa-efeito,
conseguem comunicar a própria estratégia da empresa, indicando não
só os fins a atingir mas também os indutores de actuação desses
objectivos.
Veja-se que o próprio termo Balanced Scorecard, reflecte o
equilíbrio entre os objectivos de curto e longo prazo, entre indicadores
financeiros e não financeiros (clientes, processos internos), entre
indicadores externos (dirigidos aos accionistas e clientes) e
indicadores internos (dos processos críticos para o negócio: a
inovação, aprendizagem e crescimento), as metas a atingir
(indicadores de resultados - de acontecimentos passados) e os
indutores desses resultados (indicadores causa - de actuação futura).

2. CARACTERIZAÇÃO DO BSC

Podemos caracterizar o BSC da seguinte forma:


- Transforma a missão e a estratégia em objectivos e
indicadores organizados em 4 perspectivas diferentes. Os
objectivos e indicadores do BSC derivam da visão e estratégia da
organização e contemplam a actuação da organização em quatro

60
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

perspectivas equilibradas: financeira, dos clientes, dos processos


internos e da aprendizagem e crescimento;

- Proporciona uma estrutura e uma linguagem para


comunicar a missão e a estratégia. O BSC proporciona uma
estrutura para transformar uma estratégia em termos operativos. Os
gestores de uma empresa conseguem agora medir a forma como as
suas unidades de negócio criam valor para os seus clientes, presentes e
futuros, a forma como devem potenciar as capacidades internas e os
investimentos no pessoal, para melhorar a sua actuação futura. Ou
seja, concentra-se em factores que criam valor a longo prazo.

- Utiliza os indicadores para informar os empregados sobre


as causas do êxito presente e futuro. Ao articular os resultados que a
organização deseja com os indutores desses resultados, os gestores
esperam canalizar as energias, as capacidades e o conhecimento de
todo o pessoal da organização para a consecução dos objectivos de
longo prazo.

- Dá ênfase à persecução dos objectivos financeiros, mas


também inclui os indutores de acção para alcançar esses
objectivos. As empresas podem seguir o caminho dos resultados
financeiros, ao mesmo tempo que observam os progressos na
formação de pessoas e a aquisição dos bens intangíveis (inovação,
formação, motivação) essencial para um crescimento sustentado de
longo prazo. Ou seja, os resultados financeiros são a consequência ou
reflexo dos investimentos nas restantes perspectivas.

- O BSC complementa os indicadores financeiros da


actuação passada com os indutores da actuação futura.
A análise exclusiva dos indicadores financeiros não permite
definir uma visão estratégica da empresa e logo o desempenho a longo
prazo, mas sim uma visão curta, do presente.

61
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

3. VANTAGENS DO BSC

Para Marti (1999, p.20) as vantagens do modelo de Kaplan e


Norton, sobre os anteriores quadros de comando e os tableaux de bord
franceses são:
- os anteriores incluíam de forma exaustiva variáveis
económico-financeiras, enquanto este inclui outro tipo de
variáveis, relacionadas com a situação competitiva,
capacidade de inovação;
- os indicadores utilizados e as variáveis a analisar são mais
globais, são para a empresa no seu conjunto, avaliando quer o
meio interno quer o meio externo. Por exemplo, procuram
conhecer a satisfação dos clientes (e não os detalhes sobre as
existências), a capacidade de inovação (e não detalhes de
utilização da máquina).

López (1998, p.39-40) aponta ainda outras vantagens:


- para além das medidas financeiras fornecidas pela
contabilidade, utiliza outra informação financeira, do tipo
quantitativo e qualitativo ;
- equilíbrio e adequada ponderação entre as medidas
financeiras e não financeiras. Ao actuar sobre as não
financeiras, pode-se corrigir a tempo a performance da
empresa e melhorar os resultados evidenciados nas medidas
financeiras;
- interrelaciona todas as perspectivas: cada uma condiciona e
ao mesmo tempo depende das restantes. Pretende-se a
satisfação do cliente, como meio para melhorar os resultados,
através de empregados motivados e tecnologias adequadas à
empresa. Estas duas últimas, constituem a infra-estrutura
necessária para a satisfação e fidelização dos clientes e

2
A consideração exclusiva dos aspectos quantitativos, impediria por exemplo, de
analisar a longo prazo, o impacto que teria no pessoal de um departamento a decisão
de cancelar um projecto no qual tinham estado a trabalhar à vários meses.

62
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

consequentemente a melhoria da competitividade e aumento


da rentabilidade final.

As vantagens defendidas por Kaplan e Norton, serão objecto de


estudo no decorrer deste trabalho, nomeadamente quando se refere
que o BSC é um sistema integrado de gestão, que reflecte a estratégia
da empresa, estando os objectivos e indicadores interligados por
relações de causa-efeito.

4. O BSC COMO SISTEMA DE INFORMAÇÃO

O BSC foi desenvolvido com vista a comunicar os objectivos


das empresas, dada a sua necessidade de informação relevante para a
tomada de decisões que permitam obter vantagens competitivas.
Como instrumento de trabalho, a Contabilidade de Direcção
Estratégica baseia-se num sistema de informação integral e
equilibrado que incorpora informações internas e externas à
organização. Esta informação pode ser de natureza financeira e não
financeira, qualitativa e quantitativa, que através de um processo de
análise e interpretação procura a informação relevante para cada
unidade estratégica de forma a obter vantagens competitivas.
Kaplan e Norton, recomendam que as organizações devem
procurar articular os seus principais objectivos em 4 perspectivas e
posteriormente traduzi-las em indicadores específicos. Cabe a cada
organização definir os indicadores críticos, contudo, haverá sempre
uma mutabilidade dos mesmos ao longo do tempo, pois o dinamismo
da estratégia assim obriga.
Por forma a minimizar o excesso de informação, cada
perspectiva deve ser resumida num número limitado de indicadores,
os autores sugerem 3 a 5.
Devido à especificidade de cada organização, os objectivos e
medidas de performance nunca poderão ser generalizadas. Cada
organização definirá os seus objectivos e adoptará as medidas que
melhor clarifiquem e exprimam a estratégia em cada perspectiva.

63
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

1 - Perspectiva Financeira
Os indicadores financeiros integrados no BSC representam os
objectivos de longo prazo. São a tradução numérica dos resultados
económicos de longo prazo, consequência das acções de gestão nas
restantes perspectivas. Permitem-nos identificar se as estratégias
definidas pela empresa estão ou não a ser implementadas e se estão a
contribuir para o seu crescimento e rentabilidade.
Os objectivos e respectivos indicadores variam, de empresa para
empresa, de acordo com a estratégia adoptada, que se encontra
normalmente relacionada com a evolução da empresa e dos próprios
produtos. Assim numa fase de crescimento, um dos objectivos será o
aumento do volume de vendas, enquanto que numa fase de maturidade
o objectivo será a rentabilidade económica (quer das vendas, quer do
capital investido). Na fase de declínio um dos objectivos poderá ser o
cash-flow gerado pela actividade.
Indicadores normalmente utilizados nesta perspectiva:
rentabilidade do investimento, EVA (Economic Value Added),
Resultados Líquidos.

Deveriam eliminar-se os indicadores financeiros?


Existem autores que criticam a utilização dos indicadores
financeiros para avaliar a performance da empresa, uma vez que já se
utilizam os indicadores não financeiros. Para aqueles autores, num
mercado de grande competitividade, os gestores devem centrar-se na
melhoria da satisfação do cliente, qualidade e motivação dos
empregados. Assim, à medida que as empresas vão melhorando
operacionalmente, os indicadores financeiros reflectirão essa
evolução, ou seja, constituem uma consequência lógica dos
indicadores operacionais de curto-prazo.
Porém, nem todas as empresas são capazes de transformar os
investimentos na qualidade e satisfação de clientes em resultados
financeiros, num mínimo aceitável ou pelo menos a curto prazo. Ou
seja, nem sempre existe uma correlação estreita e com impacto
imediato entre indicadores operacionais e financeiros.

64
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

Kaplan e Norton (1997) defendem que, os indicadores


financeiros terão um papel muito importante na hora de recordar os
gestores que a melhoria da qualidade, dos tempos de resposta e
desenvolvimento de novos produtos, são meios para atingir um fim e
não um fim em si mesmo.

2 - Perspectiva do Cliente
Os gestores devem identificar os segmentos de clientes e de
mercados em que lhes interessará actuar, bem como as medidas de
actuação da empresa perante esses segmentos.
Nesta perspectiva, deve atender-se a um conjunto de critérios de
exigência definidos pelos clientes (principalmente aqueles que são
mais importantes para a empresa) e que podem constituir factores de
sucesso, tais como: prazos de entrega curtos, produtos e serviços
inovadores, novos produtos que satisfaçam novas necessidades. Para
satisfazer os clientes deve-se não só reduzir custos mas também
melhorar a qualidade e prazos de entrega.
A perspectiva do cliente permite aos gestores articular a sua
estratégia com os interesses do cliente, proporcionando rendimentos
financeiros futuros reflectidos nos indicadores financeiros.
As medidas de avaliação podem agrupar-se em três classes de
atributos:
- características do produto ou serviço (funcionalidade,
qualidade e preço);
- relação com o cliente (prazo);
- imagem e reputação.

3 - Perspectiva do Processo Interno


Nesta perspectiva identificam-se os processos internos críticos
para a estratégia, a fim de os melhorar, diminuir os desperdícios,
reduzir custos para satisfazer os clientes e aumentar a rentabilidade da
empresa3.
A cadeia de valor da empresa está formada por processos que
são a fonte de vantagens competitivas concentrando maior impacto na
3
López(1998,p.37).

65
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

satisfação do cliente e no alcance dos objectivos financeiros. Kaplan e


Norton identificam 3 processos internos principais:
1) Processo de Inovação: identifica-se primeiro as necessidades
dos clientes, depois identificam-se novos mercados e
potenciais clientes, desenvolvendo por fim novos produtos
para satisfação daquelas necessidades. Indicadores:
percentagem de novos produtos, tempo de desenvolvimento
de novas linhas de produtos.
2) Processo Operacional: inicia-se com a chegada da
encomenda do cliente e termina com a entrega do produto ou
serviço. O objectivo deste processo é fornecer eficientemente,
de forma consistente e atempada, os produtos e serviços
existentes a clientes. Indicadores: tempo do ciclo, nível de
qualidade, valor dos custos.
3) Processo Pós-Venda: compreende os serviços de apoio ao
cliente (garantia, actividades de reparação, tratamento de
defeitos) contribuindo para a total satisfação das necessidades
dos clientes. Indicador: tempo de resposta.
Para além de melhorar e criar processos internos para produtos
existentes, as empresas devem inovar, ou seja, criar novos produtos e
serviços que satisfaçam as necessidades emergentes dos actuais e
futuros clientes e consequentemente inovar em todos os processos.
Kaplan e Norton (1997) defendem mesmo que os processos de
inovação, que designam de onda larga, da criação do valor são um
indutor importante da actuação financeira futura, mais que o ciclo de
curto prazo, designado de onda curta.

4
Kaplan e Norton utilizam este termo para se referirem à criação de valor de curto
prazo, que consiste na recepção do pedido do cliente já existente, que solicita um
produto ou serviço já existente, e termina com a sua entrega ao cliente. Não há
inovação e os resultados são de curto prazo.

66
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

4 - Perspectiva de Aprendizagem e Crescimento


Proporcionam a infra-estrutura necessária para que as restantes
três perspectivas alcancem os seus objectivos, permitindo o
crescimento a médio prazo.
A perspectiva do cliente e do processo interno constituem os
factores mais críticos para o êxito futuro. No entanto, é pouco
provável que consigam atingir os seus objectivos, utilizando as
mesmas tecnologias e capacidades actuais. Será então necessário
formar os meios humanos e investir em tecnologias e informação.
A aprendizagem e crescimento de uma organização centra-se em
três elementos principais:
- Recursos Humanos - as medidas utilizadas podem ser de
resultados genéricos: normalmente são a satisfação dos
colaboradores, sua retenção e produtividade. Poderá também
integrar medidas mais específicas que permitam avaliar os
conhecimentos concretos de cada um. Indicadores utilizados:
percentagem anual de saída de empregados, número de
empregados com formação, motivação.
- Sistemas de informação: a eficiência num mercado
competitivo depende da excelência da informação sobre
clientes e processos internos. A informação em tempo real é
importante a todos os níveis. As capacidades destes sistemas
podem medir-se através da disponibilidade em tempo real da
informação fiável, sobre clientes e processos internos, e sua
adequação à empresa;
- Motivação, empowerment e coordenação: examinam a
coerência dos incentivos aos empregados com os factores de
êxito geral da organização e sua evolução ou progresso. Os
indutores individuais e organizacionais devem estar
coordenados. Um indicador será a percentagem de
trabalhadores que possuem objectivos profissionais em
consonância com o BSC e a percentagem de colaboradores
que atingiram esses objectivos.

67
Revista Estudos do I.S .C.A.A.

■ Quatro perspectivas são suficientes ?


Kaplan e Norton (1997) defendem que sim. As 4 perspectivas do
BSC têm demonstrado ser válidas, prova disso são as diversas
experiências bem sucedidas numa grande variedade de empresas e
sectores. No entanto as 4 perspectivas do BSC são consideradas
apenas como um modelo, não são obrigatórias e únicas. Segundo
Kaplan (1998)5 não existem teoremas matemáticos que suportem a
tese de que as 4 perspectivas são necessárias e suficientes. Existem
empresas que pela sua especificidade, do sector ou da própria
estratégia, necessitam de mais perspectivas.

5. O BS C COMO SISTEMA DE GESTÃO

O BSC é mais que um sistema de medição operativo.


O BSC traduz a missão e a estratégia de uma organização num
amplo conjunto de indicadores de actuação integrados, que
proporcionam a estrutura necessária para um sistema de gestão e
medição.
O BSC deve canalizar as energias e conhecimentos de todos os
colaboradores da organização para a persecução dos objectivos
estratégicos a longo prazo e assim cumprir a missão da empresa.
Segundo Kaplan e Norton (1997, p.23) existem empresas que
estão a utilizar o BSC para concretizarem processos de gestão
decisivos (Figura 1):

5
Citado por Madeira (20C0, p.52).

68
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

Figura 1 - 0 BSC como um Sistema de Gestão

Clarificar e traduzir a
missão e a estratégia £\
| < /

Comunicação Balanced Formação e feedback



Scorecard estratégico

ta
1
Planificação e definição de
objectivos Cr/ S)
Fonte: Traduzido e adaptado de Kaplan, R., Norton, D. (1997, p.24)

1. Clarificar e traduzir a missão e a estratégia - o processo


do BSC começa quando a equipa da alta direcção procura traduzir a
missão da sua organização em objectivos estratégicos específicos e
indicadores que reflictam a estratégia (indicadores de actuação e de
resultados).
Para fixar os objectivos financeiros, a equipa tem de definir
muito bem se dão prioridade, por exemplo, ao crescimento do
mercado ou a gerar cash-flows. Na perspectiva do cliente, deve estar
explícito em que segmentos de clientes e de mercados se pretende
actuar. Depois de identificados os objectivos financeiros e de clientes,
a organização identifica os objectivos e indicadores para o seu
processo interno. Esta identificação representa uma das inovações e

69
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

vantagens do BSC : destaca os processos que são mais decisivos e


importantes para alcançar uma boa performance perante os clientes e
accionistas. A vinculação final com os objectivos de aprendizagem e
crescimento revelam a razão principal para realizar investimentos na
formação dos empregados, em tecnologias e sistemas de informação.
O consenso total sobre os objectivos estratégicos, é no entanto,
difícil de alcançar por diversos motivos: história e cultura da própria
organização e interesses específicos de cada indivíduo. No entanto, se
se transmitir adequadamente os objectivos e os indutores de acção
para os alcançar, bem como as medidas de avaliação, de compensação
e incentivo, por áreas compartimentadas (departamentos, secções), as
pessoas vão-se sentir integradas na missão da empresa, e os objectivos
da empresa convertem-se em objectivos individuais, fomentando desta
forma o consenso e o trabalho em equipa.

2. Comunicação - os objectivos e indicadores estratégicos do


BSC são comunicados a toda a organização, por diversos meios:
boletins internos, vídeos, etc. Esta comunicação serve para informar
todos os empregados, sobre quais os objectivos fundamentais a
alcançar para que a estratégia da organização tenha sucesso.
Algumas organizações decompõem os indicadores estratégicos,
de alto nível da organização, em indicadores concretos de nível
operativo, estabelecendo-se objectivos locais que apoiem a estratégia
global da organização. Cada departamento irá determinar os seus
indicadores e construir o seu próprio BSC das sub-áreas, respeitando a
missão geral da empresa, conseguindo-se o compromisso dos
executivos operativos com a estratégia da organização.
Por último, de referir que o sistema de incentivos e recompensas
deve ser comunicado e definido em função dos indicadores e
objectivos a atingir.

Os sistemas tradicionais de medição da actuação, incluindo os que utilizam


indicadores não financeiros, centram-se normalmente na diminuição dos custos,
aumento da qualidade e prazos de entrega.

70
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

3. Planificação e definição de objectivos: Devem-se


estabelecer objectivos e orçamentos para os indicadores do BSC, de 3
a 5 anos.
Os objectivos devem representar uma descontinuidade da
actuação da empresa. A partir do momento em que uma empresa
estabelece os objectivos para o longo prazo, para as medidas
estratégicas, também deve estabelecer objectivos, para cada indicador,
para o curto prazo (trimestre, semestre, ano). Estes objectivos de curto
prazo, proporcionam a análise da evolução ou progressão em tempo
real da trajectória da estratégia. O processo de planificação e definição
dos objectivos permite à organização:
- quantificar os resultados a longo prazo que deseja alcançar;
- identificar os mecanismos e proporcionar os recursos
necessários para alcançar esses resultados;
- estabelecer metas a curto prazo para indicadores
financeiros e não financeiros.

4. Formação e feedback estratégico: Kaplan e Norton (1997)


consideram que este processo é o mais inovador e mais importante de
todo o processo de gestão do BSC. Através do feedback recebido, os
gestores podem vigiar e ajustar as acções da sua estratégia e, se
necessário, fazer alterações fundamentais na própria estratégia.
Fazem-se revisões do passado e aprende-se a actuar para o futuro.
Discute-se não só como se conseguiram os resultados passados, mas
também se as suas expectativas para o futuro seguem no bom
caminho. O BSC não mede apenas a mudança dos indicadores,
também favorece a mudança.
Para se determinar qual o plano e acção a tomar mais adequado
em cada situação específica, é necessário informação relevante,
captada na maioria das vezes de fora da empresa. E, o êxito dessa
decisão, depende da correcta medição da actuação empresarial, que
revele se a estratégia adoptada produz os resultados previstos, se
permite adaptação ao meio, se há outras oportunidades a aproveitar

71
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

e/ou implementar medidas correctivas na estratégia ou mudar mesmo


de estratégia.
O processo de feedback estratégico alimenta o seguinte processo
de gestão: os objectivos das diversas perspectivas são revistos,
alterados e melhorados de acordo com a visão mais actual dos
resultados estratégicos, assim como os indutores da actuação para os
períodos seguintes.
Gostaríamos ainda de referir que o BSC pode ser utilizado não
só por empresas privadas mas também por entidades públicas,
governamentais e entidades sem fins lucrativos. A estrutura deste
modelo aplica-se perfeitamente a entidades sem fins lucrativos. Nestas
entidades é a missão, e não os objectivos financeiros ou dos
accionistas, que conduz a estratégia da organização .

6. A VINCULAÇÃO DO BSC COM A ESTRATÉGIA

Kaplan e Norton (1997, p.43) defendem que os melhores BSC


são algo mais que uma colecção de indicadores críticos ou factores
chave de sucesso. Um BSC devidamente construído deve incorporar
um conjunto de relações de causa-efeito, entre variáveis-chave,
expressas em indicadores. O feedback recebido ajuda a descrever a
trajectória da estratégia.

Relações de causa-efeito:
Kaplan e Norton (1997, p.44) definem a estratégia como sendo
"um conjunto de hipóteses sobre a causa e o efeito. O sistema de
medição deve estabelecer de forma explícita as relações (hipóteses)
entre os objectivos (e medidas) nas diversas perspectivas, afim de que
possam ser geridas e validadas. A cadeia de causa-efeito deve estar
presente nas quatro perspectivas, sem excepção. "

7
López(1998).
8
O BSC já foi utilizado, por exemplo, na gestão de uma cidade: Cidade de Charlotte
(Kaplan, 1997).

72
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

Um quadro de comando devidamente elaborado deve contar a


estratégia da organização. Deve identificar e explicar muito bem a
sequência das hipóteses e suas relações de causa-efeito, entre os
indicadores dos resultados e os indutores da actuação desses
resultados (causa).
Cada indicador deve ser uma unidade da cadeia de relações de
causa-efeito e comunicar o significado da estratégia da organização,
para que ao ser transmitida, todas as pessoas envolvidas se sintam
responsabilizadas e percebam os reflexos que, uma atitude menos
correcta ou desobediência a uma das hipóteses, pode colocar em causa
toda a estratégia face às relações existentes.

Indutores da actuação:
Um adequado BSC deve incluir um conjunto de indicadores de
resultados e indutores de actuação10 da estratégia da empresa.
Se incluirmos apenas medidas de resultados, não se demonstra
como os iremos atingir, por outro lado, se só incluirmos indutores,
sem medidas de resultados, não sabemos se atingimos os resultados ou
os objectivos pretendidos.
Com base num exemplo de Kaplan e Norton (1997), vamos
exemplificar de que forma estão presentes as relações de causa-efeito
e os indutores da actuação.

Exemplo: Uma empresa definiu como objectivo aumentar o resultado


financeiro e seleccionou como medida (de resultados) para a
perspectiva financeira, a rentabilidade dos capitais investidos.
Um indicador desta medida pode ser as vendas repetidas aos
clientes, que se alcançará com a conquista da lealdade do cliente.
Assim a lealdade (indutor) inclui-se na perspectiva do cliente pois
prevê-se que influencie positivamente os resultados.

São indicadores efeito pois verificam se os esforços aplicados conduziram ou não


aos resultados desejados.
São indicadores causa pois identificam o que todos os participantes da organização
devem fazer para criar valor no futuro e alcançar os objectivos estabelecidos
(analisados pelos indicadores efeito).

73
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Como conseguir fidelidade dos clientes? Numa análise interna


da empresa, pode-se concluir que os clientes dão importância aos
prazos de entrega dos pedidos (assim os prazos de entrega também se
incorporam na perspectiva do cliente). Espera-se que, encurtando os
prazos de entrega aos clientes, se obtenha uma maior fidelidade e
consequentemente o aumento da rentabilidade (relação causa-efeito).

Que processos internos permitem a entrega pontual aos


clientes? Pode ser através da diminuição dos ciclos temporais do
processo interno e aumento da qualidade dos produtos. Estes
enquadram-se na perspectiva dos processos internos.

Como conseguir reduzir os ciclos e aumentar a qualidade?


Com a formação e conhecimentos dos empregados. Este objectivo iria
para a perspectiva da aprendizagem e formação.
Podemos visualizar esta cadeia de relações de causa-efeito
através do seguinte gráfico {Figura 2):

IA
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

F igura 2 - Relações de Causa-Efeito

Financeira Rentabilidade dos


Capitais Investidos

A
Clientes Fidelidade dos Indicador de Resultados:
Clientes (indutor) Vendas repetidas a clientes
A
Entrega pontual de
Indicador de Resultados:
encomendas
(indutor) Prazo de entrega

+
Processos Indicador de Resultados:
Internos Devoluções
Qualidade do Ciclo temporal do Tempo do Ciclo
Processo (indutor) processo (indutor)

àk A
Aprendizagem e 1
Crescimento Formação dos
Empregados (indutor)

Fonte: Traduzido e adaptado de Kaplan, R., Norton, D. (1997, p:45)

75
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Em síntese, o BSC deve traduzir a estratégia num conjunto de


medidas que definam tanto os objectivos a atingir, como os indutores
para os alcançar.

III. CONCLUSÃO
As empresas de hoje reconhecem o impacto que as medidas de
performance têm na sua gestão, no entanto muitas delas raramente
pensam nestas medidas como parte das suas estratégias. Continuam a
utilizar os mesmos indicadores de curto prazo, tais como, o
crescimento das vendas, margem operacional, retorno do
investimento. Não têm em conta o novo contexto organizacional e não
questionam a validade das suas velhas metodologias para o
cumprimento das suas iniciativas.
As medidas de desempenho devem ser uma parte integrante dos
processos, pois fornecem aos gestores uma estrutura compreensiva
que se traduz nos objectivos estratégicos da empresa dentro de um
conjunto coerente de indicadores. Muito mais que uma fórmula
matemática, aquelas medidas fazem parte do sistema de informação de
gestão e podem motivar melhorias nos processos, produtos, serviços
ao cliente e desenvolvimento do mercado, entre outros.
É neste contexto que surge o BSC, constituindo um novo
instrumento de gestão para passar da estratégia à acção. Complementa
os indicadores financeiros (dos antigos tableaux de bord) com três
novas dimensões (clientes, processos e aprendizagem) para a
avaliação de desempenho.
As medidas de desempenho não são receitas que se podem
aplicar da mesma maneira nas diversas empresas, nem em forma de
papel químico. Existem diferentes condições de mercado, estratégias
de produtos, ambientes competitivos. Cada caso requer diferentes
tipos de indicadores.
Também o BSC não deve ser copiado. Os melhores scorecards
resultam da definição de medidas de avaliação orientadas para uma
estratégia específica, definida para uma organização num determinado
ambiente competitivo, que servem segmentos de mercado específicos

76
Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

e que apresentam um conjunto de competências próprias. Não existem


remédios mágicos e nenhuma solução é perfeita, caso contrário não
existia evolução.
Como refere Marti (1999, p.21), quando tratamos de problemas
de organizações humanas, a solução de qualquer uma passa por
questões humanas que dependem das circunstâncias concretas e
excedem os limites de métodos e técnicas. Assim numa organização
com excelente motivação, boa liderança, em que os objectivos das
pessoas se identificam com os das empresas, qualquer técnica pode
funcionar correctamente. No entanto, se tal não acontecer, qualquer
técnica por melhor que seja não terá sucesso: as pessoas
encarregar-se-ão para que não funcione.

BIBLIOGRAFIA

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78
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS


- Ú L T I M O S DESENVOLVIMENTOS

CECÍLIA MARGARITA RENDEIRO DO CARMO


cecilia.carmo@isca.ua.pt
A S S I S T E N T E D O I.S.C.A. A.
AUGUSTA DA CONCEIÇÃO SANTOS FERREIRA
augusta, ferreira @ i sca.ua.pt
EQUIP, A P R O F . A D J U N T A D O I.S.C A. A.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1. ABORDAGEM AOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS
1.1. N O Ç Ã O E CLASSIFICAÇÃO
1.1.1. ACTIVOS FINANCEIROS
1.1.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO
1.2. VALORIMETRIA DE A C O R D O COM O IASC - BREVE RESENHA
1.2.1. O POSICIONAMENTO DA NIC 25
1.2.2.0 POSICIONAMENTO DA NIC 39
1.2.3. O POSICIONAMENTO DA NIC 40
2. VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS
2.1. ACTIVOS FINANCEIROS
2.1.1. MENSURAÇÃO INICIAL
2.1.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE
2.1.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O JUSTO VALOR DOS ACTIVOS
FINANCEIROS
2.1.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR
2.1.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO AMORTIZADO
2.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO
2.2.1. MENSURAÇÃO INICIAL
2.2.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE
2.2.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O JUSTO VALOR DAS PROPRIEDADES DE
INVESTIMENTO
2.2.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR
2.2.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO
CONCLUSÕES
BIBLIOGRAFIA

80
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

INTRODUÇÃO

A crescente dinamização dos mercados de capitais tem


proporcionado às empresas uma fonte de investimento e de
financiamento poderosa que, a ser devidamente considerada na
estratégia da empresa, pode vir a proporcionar a obtenção de claras
vantagens competitivas. Como tal, os investimentos financeiros têm
vindo a assumir um papel cada vez mais relevante na gestão
estratégica das empresas.
As razões que levam as empresas a deter investimentos
financeiros podem estar relacionadas: com a avaliação do seu
desempenho (quando uma boa parte das operações da mesma estão
relacionadas com a actividade financeira); com a aplicação de fundos
excedentários e com a tentativa de consolidar uma relação comercial
ou mesmo de estabelecer uma vantagem comercial.
Neste contexto, têm vindo a ser desenvolvidos esforços tanto ao
nível internacional no sentido de harmonização de conceitos e de
procedimentos contabilísticos que permitam às empresas relatar da
melhor forma possível as operações e os resultados relacionados com
tais investimentos financeiros, como ao nível nacional no sentido de
normalizar e de, na medida do possível, acatar o que ao nível
internacional tem vindo a ser desenvolvido.
As preocupações ao nível internacional no tratamento
contabilístico dos investimentos financeiros poderão ser encontradas
nos trabalhos que há muito têm vindo a ser desenvolvidos pelo
"International Accounting Standards Committee"1 (IASC) nos quais
iremos centrar a nossa análise. A razão de ser desta opção prende-se,
por um lado, com o facto de ser o organismo normalizador de maior
aceitação ao nível internacional, senão vejamos os esforços que têm
vindo a ser desenvolvidos com a IOSCO e com a União Europeia
(UE) e, por outro lado, com o facto das normas emanadas pelo IASC

Conjuntamente com outros organismos como o "Canadian Institute of Chartered


Accountants" (CICA) e o "International Organization of Securities Commission"
(IOSCO).

81
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

terem recolhido o consenso da "Comissão de Normalização


Contabilística" (CNC).
A extensão do tema não permite, num trabalho desta índole,
abordar, com a devida conveniência, todos os aspectos relacionados
com investimentos financeiros. Assim, delimitamos a sua análise a
uma perspectiva essencialmente normalizadora aplicada apenas aos
activos financeiros primários e às propriedades de investimento.
As preocupações do IASC, em matéria de investimentos
financeiros, estendem-se à sua mensuração e reconhecimento.
Tratando-se de normalização recente na qual se verifica uma
tendência clara para a adopção do modelo do justo valor,
consideramos ser importante tecer algumas considerações sobre a
aplicação de tal modelo aos investimentos financeiros, nomeadamente
no que respeita à sua aplicação e razoabilidade em mercados ainda
pouco líquidos.
Após justificar a pertinência do tema, procedemos, no capítulo
1, a uma abordagem genérica aos investimentos financeiros onde
apresentamos a sua noção e classificação e expomos, de uma forma
breve, a evolução, em termos normativos, dos critérios de valorimetria
preconizados pelo IASC.
No capítulo 2, desenvolvemos a valorimetria dos activos
financeiros e das propriedades de investimento.
Terminamos a exposição com um conjunto de reflexões.

l. ABORDAGEM AOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS

Presentemente podemos encontrar orientação acerca do


tratamento contabilístico dos investimentos financeiros nas seguintes
normas internacionais de contabilidade (NIC) do IASC:
• 22 - "Concentração de Actividades Empresariais", emitida
em 1983, última revisão em 1998;
• 25 - "Contabilização dos Investimentos Financeiros",
emitida em 1986, reformatada em 1994;

82
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• 27 - "Demonstrações Financeiras Consolidadas e


Contabilização dos Investimentos em Subsidiárias", emitida em
1989, reformatada em 1994;
• 28 - "Contabilização dos Investimentos em Associadas",
emitida em 1989, última revisão em 1998;
• 31 - "Relato Financeiro de Interesses em Empreendimentos
Conjuntos", emitida em 1990, última revisão em 1998;
• 32 - "Instrumentos Financeiros: Divulgação e
Apresentação", emitida em 1995, última revisão em 1998;
• 38 - "Activos Intangíveis", emitida em 1998;
• 39 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e
Mensuração", emitida em 1998;
• 40 - "Propriedades de Investimento", emitida em 2000.
A introdução à NIC 39 é elucidativa quanto ao tempo, ao rigor e
à extensão que o IASC deu ao tratamento dos investimentos
financeiros, neste caso, com especial relevo para os instrumentos
financeiros.
Ao nível nacional tem-se assistido a um esforço de aproximação
às NIC, mantendo a conformidade com as directivas da Comunidade
Económica Europeia (CEE), consubstanciado nas directrizes
contabilísticas (DC). No que concerne à contabilização dos
investimentos financeiros podemos encontrar orientação nas seguintes
fontes de normalização nacional:
• Plano Oficial de Contabilidade (POC);
• DC 1 - "Tratamento Contabilístico de Concentrações de
Actividades Empresariais" de 1992;
• DC 9 - "Contabilização nas Contas Individuais da Detentora,
de Partes de Capital em Filiais e Associadas" de 1993;
• DC 17 - "Tratamento Contabilístico dos Contratos de
Futuros" de 1997;
• DC 24 - "Empreendimentos Conjuntos" de 1998.
Tal como prevê a DC 18 - "Objectivos das Demonstrações
Financeiras e Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites", para os
aspectos não previstos naquela normalização dever-se-á recorrer às
NIC, o que previsivelmente poderá acontecer relativamente aos

83
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

investimentos em intangíveis, em instrumentos financeiros e em


investimentos em imóveis tratados, respectivamente, nas NIC 38, 39 e
40.
1.1. NOÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Por investimento financeiro entende-se todo e qualquer


investimento da empresa que não esteja relacionado com a sua
actividade de exploração e que tenha por finalidade o aumento da
riqueza por via da distribuição; a valorização do capital ou ainda
outros benefícios, nomeadamente nas relações comerciais2. É um
conceito que toma claramente em consideração o destino das
aplicações independentemente da sua natureza.
Da análise da normalização anteriormente enunciada
consideramos que os investimentos financeiros se poderão classificar
em:
• activos financeiros;
• propriedades de investimento;
• investimentos em intangíveis;
• outros, nomeadamente, obras de arte.

1.1.1. ACTIVOS FINANCEIROS

A NIC 32 - "Instrumentos Financeiros: Divulgação e


Apresentação" (§ 5) define instrumentos financeiros como "qualquer
contrato que dê origem quer a um activo financeiro de uma empresa
quer a um passivo financeiro ou a um instrumento de capital próprio
de uma outra empresa" .
A mesma norma define:
• activo financeiro como "qualquer activo que seja: dinheiro;
um direito contratual de receber dinheiro ou outro activo
financeiro de uma outra empresa; um direito contratual de trocar
instrumentos financeiros com uma outra empresa em condições

Este entendimento está claramente expresso na NIC 25.


3
A mesma definição é dada pela DC 17.

84
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

que sejam potencialmente favoráveis; um instrumento de capital


próprio de uma outra empresa";
• passivo financeiro como "qualquer passivo que seja uma
obrigação contratual: de entregar dinheiro ou outro activo
financeiro a uma outra empresa; ou, de trocar instrumentos
financeiros com uma empresa em condições que sejam
potencialmente desfavoráveis";
• instrumento de capital próprio como "qualquer contrato que
evidencie um interesse residual nos activos de uma empresa
após dedução de todos os seus passivos".
Refere também que, para efeitos de apresentação, qualquer
destes instrumentos financeiros deve ser classificado de acordo com o
princípio da substância sobre a forma, ou seja, atendendo à substância
económica e não somente à sua forma jurídica. A este respeito
clarifica ainda que os instrumentos financeiros compostos deverão ser
apresentados subdivididos de acordo com a sua substância económica.
No âmbito desta norma (§ 1) não estão contemplados:
• os instrumentos financeiros que tenham o tratamento
contabilístico preconizado noutra NIC;
• obrigações de empregadores relacionadas com planos de
distribuição de acções e de compra de acções para os
empregados; e
• obrigações relacionadas com contrato de seguros.
A NIC 39 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e
Mensuração" adopta as definições anteriormente dadas de acordo com
a NIC 32. No entanto, por ser de âmbito mais alargado, apresenta,
entre outras, a definição de derivado .

4
"é um instrumento financeiro: a) cujo valor se altera em resposta à alteração
numa especificada taxa de juro, preço do título, preço de mercadoria, taxa de
câmbio, índice de preços ou de taxas, uma notação de crédito ou índice de crédito,
ou variável similar (algumas vezes chamado o "subjacente"); b) que não exige
investimento líquido inicial ou pequeno investimento líquido inicial relativo a outros
tipos de contratos que tenham uma resposta similar a alterações nas condições de
mercado; e c) que seja liquidado numa data futura".

85
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Para efeitos de mensuração dos activos financeiros, a NIC 39 (§


10) exige que os mesmos sejam enquadrados numa de quatro
categorias:
• detidos para negociação, quando "liquidado ou incorrido
principalmente com a finalidade de gerar um lucro a partir de
flutuações de curto prazo no preço ou na margem do
negociador";
• detidos até à maturidade, quando se tratem de "activos
financeiros com pagamentos fixados ou determináveis e
maturidade fixada que uma empresa tem intenção positiva e a
capacidade de deter até à maturidade";
• empréstimos concedidos e contas a receber originadas pela
empresa, quando "são criados pela empresa ao fornecer
dinheiro, bens ou serviços a um devedor, que não sejam
originados com a intenção de ser imediatamente ou no curto
prazo vendidos, que devam ser classificados como detidos para
negociação";
• disponíveis para venda, quando "não sejam (a) empréstimos
concedidos e contas a receber originadas pela empresa, (b)
investimentos detidos até à maturidade, ou (c) activos
financeiros detidos para negociação".
Quanto ao âmbito, a norma (§ 1) especifica que deve ser
aplicada por todas as empresas a todos os instrumentos financeiros,
excepto:
• os que tiverem tratamento contabilístico preconizado noutra
NIC;
• direitos e obrigações relacionadas com contrato de seguros
desde que não estejam relacionados com derivados incorporados
em contratos de seguros;
• instrumentos de capital próprio emitidos pela empresa que
relata que sejam considerados como capital próprio dos
accionistas dessa empresa (porém aos detentores de tais
instrumentos exige-se que se lhes aplique esta norma);

86
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• contratos de retribuição contingente numa concentração de


actividades empresariais;
• contratos que exijam um pagamento baseado em variáveis
climáticas, geológicas ou outras variáveis físicas, excepto a
outros tipos de derivados que estejam embutidos em tais
contratos.
Tratando a NIC 39 do reconhecimento e mensurarão dos
instrumentos financeiros e dado o seu âmbito de aplicação ser
alargado por força da definição de instrumento financeiro, facilmente
se compreende o forte impacte que tal norma irá ter em termos de
valorimetria tanto no reconhecimento inicial como na mensuração
subsequente dos investimentos em activos financeiros. Impacte este
que, forçosamente, se irá reflectir na qualidade da informação
financeira.

1.1.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO

A NIC 40 - "Propriedades de Investimento" prescreve o


tratamento contabilístico a dar às propriedades de investimento, bem
como os respectivos requisitos de divulgação.
De acordo com esta norma (§ 4 e 5), as propriedades de
investimento consistem em terrenos ou edifícios, parte de um edifício,
ou ambos, detidos pelo proprietário ou por um locatário segundo uma
locação financeira , com a finalidade de obtenção de rendas ou de
valorização do capital ou ambos. Por isso, geram fluxos de caixa
altamente independentes dos outros activos detidos por uma empresa6,

5
A NIC 40 trata da mensuração nas demonstrações financeiras de um locatário de
propriedades de investimento detidas sob uma locação financeira e da mensuração
nas demonstrações financeiras de um locador de propriedades de investimento
locadas sob uma locação operacional.
No entanto, nem sempre o objectivo com que é detida a propriedade é
pacificamente determinável, sendo necessário um julgamento adequado de acordo
com as definições e requisitos da norma, sendo de divulgar os critérios seguidos na
classificação da propriedade. Um exemplo é o caso de propriedades que incluem
uma parte detida com carácter de investimento financeiro e uma outra para uso nas
actividades operacionais e administrativas. Neste caso, a norma prevê que se as

87
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

o que constitui a característica que distingue propriedades de


investimento de outros activos destinados a serem:
• usados na produção ou fornecimento de bens e serviços ou
usados para fins administrativos; ou
• vendidos no curso ordinário dos negócios.
• No § 1 a NIC 40 refere expressamente o seu âmbito de
aplicação excluindo dele:
• os activos objecto de tratamento contabilístico segundo outra
NIC;
• assuntos cobertos pela NIC 17 - "Locações";
• propriedades que estão a ser construídas ou desenvolvidas
para usos futuros como propriedades de investimento, às quais
se aplica a NIC 16 - "Activos Fixos Tangíveis" até que estejam
concluídas, momento em que passam a constituir uma
propriedade de investimento e se tornam objecto da NIC 40.
Porém, a NIC 40 aplica-se a propriedades de investimento
existentes como tal e que estejam a ser redesenvolvidas para uso
futuro continuado nessa condição;
• florestas e recursos naturais regenerativos semelhantes; e
• direitos minerais, pesquisa e desenvolvimento de minerais,
petróleo, gás natural e recursos naturais não regenerativos
semelhantes.

1.2. VALORIMETRIA DE ACORDO COM O IASC - BREVE


RESENHA

A valorimetria dos investimentos financeiros que consistam em


activos financeiros e propriedades de investimento é, actualmente,
regulada, respectivamente, nas NIC 39 e 40, normas relativamente

partes puderem ser vendidas ou locadas separadamente sob uma locação financeira,
a empresa contabiliza as mesmas separadamente como propriedade de investimento
e como activo fixo tangível. Caso contrário, apenas se trata de uma propriedade de
investimento se a parte detida para uso nas actividades operacionais e
administrativas não for significativa.

88
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

recentes e que vieram esvaziar de conteúdo a NIC 25 -


"Contabilização dos Investimentos Financeiros". Por tal facto, e pelo
tratamento da valorimetria vir a merecer um desenvolvimento mais
detalhado no seguimento deste trabalho, entendemos pertinente
salientar aqui apenas os aspectos que constituem, em termos de
filosofia, um posicionamento claramente distinto ao anteriormente
preconizado na NIC 25.

1.2.1.0 POSICIONAMENTO DA NIC 25

A NIC 25 preconizava a valorização inicial dos investimentos


financeiros ao custo, permitindo que na valorização subsequente
fossem introduzidas algumas correcções a esse custo estabelecendo as
condições em que a sua revisão era possível. Esta lógica de correcção
assentava, no essencial, no princípio da prudência.
Para efeitos de mensuração subsequente, a NIC 25 previa
também uma classificação para os investimentos financeiros
(correntes e de longo prazo) que poderia coincidir com o critério de
apresentação desses mesmos activos no balanço.
No que diz respeito a investimentos classificados como
correntes, a valorização subsequente permitida era a do valor de
mercado ou o mais baixo do custo ou do valor de mercado.
Relativamente a investimentos classificados como de longo
prazo, a valorização subsequente permitida era o custo, a quantia
reavaliada ou, no caso de títulos de capital negociáveis, o mais baixo
do custo ou do mercado com base numa carteira agregada.
Quanto aos investimentos em propriedades, a norma permitia
que fossem tratados como investimentos financeiros de longo prazo
ou como activos fixos tangíveis de acordo com a NIC 16. Daqui
resultava uma variedade de critérios para a contabilização deste tipo
de investimentos financeiros, concretamente:
• custo depreciado, segundo o tratamento de referência da NIC
16;
• revalorização com depreciação, segundo o tratamento
alternativo da NIC 16;

89
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

• custo menos imparidade, segundo a NIC 25; ou


• quantias reavaliadas, segundo NIC 25.
Posteriormente, a NIC 36 - "Imparidade de Activos" introduz as
condições em que pode ser reconhecida uma perda por imparidade
relativamente aos investimentos financeiros.

1.2.2.0 POSICIONAMENTO DA NIC 39

A NIC 39 veio alterar substancialmente o preconizado pela NIC


25, não só como decorre do exposto quanto à classificação dos
investimentos financeiros7, como também relativamente à sua
valorimetria.
A mudança em termos de valorimetria decorre do
posicionamento da norma assentar na utilização mais generalizada do
justo valor como princípio geral de mensuração dos investimentos
financeiros.
O justo valor é definido como "a quantia pela qual um activo
pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes
conhecedoras, dispostas a isso, numa transacção em que não exista
relacionamento entre elas" (sem considerar custos com uma possível
transacção futura).
Esta mudança de posicionamento justifica-se, em grande
medida, pela necessidade de informação mais consistente e relevante
para os utilizadores das demonstrações financeiras.
A NIC 39 altera a prática assente na NIC 25 ao exigir a
utilização do justo valor para:
• todos os títulos de dívida, de capital próprio e outros activos
financeiros detidos para negociação (como vimos no ponto
anterior, a NIC 25 permitia tratamentos alternativos, entre os
quais o justo valor, sendo a prática mista);

7
Note-se que quer a classificação da NIC 25 quer a classificação da NIC 39 tem por
finalidade preconizar a valorimetria de activos com determinadas características, não
se tratando de uma classificação para fins de apresentação (este aspecto é objecto da
NIC 1 - "Apresentação das Demonstrações Financeiras").

90
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• todos os títulos de dívida, de capital próprio e outros activos


financeiros que não sejam detidos para negociação;
investimentos financeiros com maturidade fixada que a empresa
não designe como tal e empréstimos comprados e contas a
receber não designados como detidos até à maturidade (como
vimos no ponto anterior, a NIC 25 permitia tratamentos
alternativos entre os quais o justo valor, mas a prática resultou,
essencialmente, na contabilização ao custo).
As classes de activos financeiros que permanecem
contabilizados ao custo são:
• empréstimos concedidos e outras contas a receber
originadas pela empresa e não detidos para negociação;
• investimentos com maturidade fixada e que a empresa está
em condições de manter até à maturidade; e
• instrumentos de capital próprio não cotados cujo justo valor
não possa ser estimado com fiabilidade.
Apesar de se privilegiar o justo valor para a maioria das classes
de instrumentos financeiros, a norma ainda assim se caracteriza por
uma certa precaução, como iremos ver no capítulo seguinte de uma
forma mais desenvolvida. Esta precaução passa pela definição da
forma como deve ser encontrado o justo valor para cada uma das
classes de instrumentos financeiros, pela opção pelo custo quando não
é possível apurar com fiabilidade o justo valor e pela inclusão de
resultados não realizados nos capitais próprios.
Em nosso entender, o grau de precaução considerado na norma é
perfeitamente plausível uma vez que se assim não fosse deixaria uma
porta aberta para uma maior manipulação dos resultados. Ainda assim,
numa fase inicial (em que o preparador das demonstrações financeiras
se tem que adaptar à nova realidade; em que, apesar dos esforços
incluídos na própria norma, não estão claramente definidos os
modelos de cálculo do justo valor mais adequados a cada um dos
instrumentos financeiros, nem as alternativas possíveis para o seu
cálculo) as demonstrações financeiras poderão apresentar algumas

91
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

distorções e só a prática dirá se tais são preferíveis àquelas


introduzidas pelos princípios do custo histórico e da prudência.

1.2.3.0 POSICIONAMENTO DA NIC 40

A NIC 40 vem revogar a NIC 25 no que respeita à


contabilização das propriedades de investimento. A norma permite
que as empresas, na valorização subsequente ao reconhecimento
inicial, escolham entre:
• a mensuração das propriedades de investimento ao justo
valor, com as alterações no justo valor a serem reconhecidas na
demonstração dos resultados; ou
• a mensuração das propriedades de investimento de acordo
com o tratamento de referência da NIC 16, ou seja, pelo custo
depreciado menos quaisquer perdas por imparidade acumuladas,
devendo o justo valor das mesmas ser divulgado.
O modelo do justo valor proposto não coincide com o critério de
revalorização já permitido para certos tipos de activos não financeiros.
De facto, enquanto este critério contempla o reconhecimento dos
excedentes de revalorização nos capitais próprios, o modelo do justo
valor prevê o reconhecimento de todas as alterações no justo valor na
demonstração dos resultados.
Trata-se do primeiro passo na introdução do modelo do justo
valor pelo IASC na valorização de activos não financeiros e, embora
tenha sido bem acolhido por uns, as reservas quer conceptuais, quer
práticas existem. Alguns crêem que certos mercados de propriedades
de investimento ainda não estão suficientemente amadurecidos para
que o modelo funcione satisfatoriamente. Outros julgam ser
impossível criar uma definição rigorosa de propriedade de
investimento tornando o modelo impraticável por agora.

2. VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS

Uma vez que a valorimetria dos investimentos financeiros está


intimamente relacionada com o tipo e características de cada

92
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

investimento financeiro, trataremos separadamente os activos


financeiros e as propriedades de investimento.

2.1. ACTIVOS FINANCEIROS

2.1.1. MENSURAÇÃO INICIAL

No reconhecimento inicial os activos financeiros devem ser


mensurados pelo seu custo, que é o justo valor da retribuição dada,
incluindo os custos de transacção.
O justo valor da retribuição dada é, geralmente, determinável
com base no preço da transacção ou noutros preços de mercado.
Quando esses preços não forem determináveis com fiabilidade, o justo
valor da retribuição será a soma de todos os pagamentos futuros
(descontados, se o efeito da taxa for materialmente relevante).

2.1.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE

Como já foi referido, para fins de mensuração subsequente ao


reconhecimento inicial a NIC 39 prevê a classificação dos activos
financeiros em quatro categorias: activos detidos para negociação;
investimentos detidos até à maturidade; empréstimos concedidos e
contas a receber originadas pela empresa e não detidas para
negociação; e activos financeiros disponíveis para venda.
O justo valor é considerado como o critério de mensuração mais
apropriado para os activos financeiros, com as seguintes excepções às
quais se aplicará o custo amortizado (§ 69 e 84):
• empréstimos concedidos e contas a receber originados pela
empresa e não detidos para negociação;
• instrumentos detidos até à maturidade; e
• qualquer activo financeiro que não tenha um preço cotado
num mercado activo e para o qual não existam outros métodos
de estimar fiavelmente o seu justo valor.
O custo amortizado é a quantia pela qual o activo financeiro foi
mensurado no momento do reconhecimento inicial, menos os

93
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

reembolsos de capital, mais ou menos a amortização de qualquer


diferença entre a quantia inicial e a quantia na maturidade, e menos
qualquer redução por imparidade ou incobrabilidade (§ 10).
Todos os activos financeiros, independentemente do critério
adoptado, estão sujeitos a um teste de imparidade à data do balanço
que exige, antes de mais, a avaliação de evidência que permita
concluir se o activo se encontra em imparidade. Um activo está em
imparidade se a sua quantia assentada for superior à sua quantia
recuperável estimada.

2.1.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE o JUSTO VALOR DOS ACTIVOS


FINANCEIROS

A definição de justo valor (que apresentamos no ponto 1.2.2)


pressupõe a continuidade da empresa, ou seja, que esta não tem a
intenção ou necessidade de liquidar, reduzir de forma materialmente
relevante o âmbito das suas operações ou empreender uma transacção
em condições adversas. Daqui resulta que o justo valor não será a
quantia que uma empresa receberia ou pagaria numa transacção
forçada ou involuntária ou numa liquidação ou venda por qualquer
preço.
A evidência acerca da possibilidade de estimar com fiabilidade o
justo valor de um instrumento financeiro é dada, nomeadamente, pela
existência de (§ 96):
• uma cotação de preço para esse instrumento, publicado num
mercado activo de títulos;
• uma notação, para o caso de um instrumento de dívida,
efectuada por uma agência de notação independente e cujos
fluxos de caixa possam ser razoavelmente estimados; ou
• um modelo de valorização, para esse instrumento financeiro,
apropriado e relativamente ao qual os inputs de dados possam
ser mensurados fiavelmente porque provêm de mercados
activos.
O justo valor de um instrumento financeiro é fiavelmente
mensurável se:

94
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• a variabilidade no intervalo de estimativas razoáveis do justo


valor não for significativa para esse instrumento; ou
• as probabilidades de várias estimativas dentro do intervalo
possam ser razoavelmente avaliadas e usadas para estimar o
justo valor.
De uma forma geral, considera-se que a empresa estará em
condições de fazer uma estimativa suficientemente fiável do justo
valor do instrumento financeiro. No entanto, ocasionalmente poderá
acontecer que a variabilidade da série de estimativas do justo valor é
tão grande e as probabilidades dos vários desfechos tão difíceis de
avaliar que a utilidade de uma única estimativa do justo valor é
negada.
Relativamente aos activos financeiros classificados como
disponíveis para venda ou detidos para negociação existe a presunção
de que geralmente o justo valor pode ser determinado de forma fiável.
No entanto, aquela presunção pode ser refutada nos casos de
investimentos em instrumentos de capital próprio para os quais não
exista um preço cotado num mercado activo, nem outro método de
estimar o justo valor de forma fiável (§ 70).

2.1.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR

A adopção do justo valor levanta o problema do reconhecimento


de ganhos e perdas não realizados, daí a apresentação de dois
tratamentos para as alterações do justo valor que revelam,
essencialmente, a necessidade de alguma prudência na utilização de
tal medida.
Os ganhos e perdas provenientes da remensuração para o justo
valor de activos financeiros (que não sejam parte de um
relacionamento de cobertura) poderão ser:
• incluídos no resultado do período em que surgem, se se
tratar de um activo financeiro detido para negociação ou de um
activo financeiro disponível para venda; ou
• reconhecidos directamente no capital próprio através da
demonstração de alterações no capital próprio, no caso dos

95
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

activos financeiros disponíveis para venda. Os ganhos e perdas


acumulados no capital próprio serão incluídos nos resultados
quando se considerem realizados, ou seja, quando o activo é
alienado ou se encontre em imparidade.
No caso dos activos disponíveis para venda, a empresa deve
adoptar uma daquelas políticas contabilísticas de forma consistente (§
104) e qualquer alteração de política contabilística só deve ser
efectuada se resultar numa apresentação mais apropriada da realidade
económica nas demonstrações financeiras. A NIC 39 (§ 105) defende
que passar do reconhecimento nos resultados líquidos dos ganhos e
perdas de remensuração para o reconhecimento dos mesmos na
demonstração de alterações nos capitais próprios, provavelmente não
resultará numa apresentação mais apropriada.
A mensuração ao justo valor pode deixar de ser apropriada,
nomeadamente, quando ocorra uma alteração da intenção ou da
capacidade da empresa na detenção do activo (e, consequentemente,
na sua classificação para efeitos de mensuração), ou nas raras
circunstâncias em que uma medida fiável do justo valor deixa de estar
disponível.
Quando tal acontece, a empresa deve passar a mensurar tais
activos pelo custo ou custo amortizado, sendo o justo valor nessa data
o novo custo ou custo amortizado. Qualquer ganho ou perda que tenha
sido anteriormente reconhecido no capital próprio deverá ser (§ 92):
• amortizado durante a vida útil remanescente do
investimento, quando o activo financeiro seja detido até à
maturidade e esta esteja fixada8; ou
• deixado no capital próprio até que o activo seja alienado,
momento em que será incluído nos resultados do período,
quando se trate de um activo financeiro sem maturidade fixada.

Qualquer diferença entre o novo custo amortizado e a quantia à maturidade deve


ser amortizado durante a vida útil remanescente do activo financeiro como um
ajustamento do rendimento, similarmente à amortização do prémio ou desconto.

96
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

2.1.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO AMORTIZADO

Os activos financeiros que, de acordo com a NIC 39 e


expressamente referidos no ponto 2.1.2., sejam excluídos da
mensuração ao justo valor e cuja maturidade esteja fixada deverão ser
mensurados ao custo amortizado usando o método da taxa de juro
efectiva9. Quando tais activos não tenham maturidade fixada deverão
ser mensurados ao custo (§ 73).
A mensuração ao custo não isenta a empresa do esforço de
determinar o justo valor dos instrumentos financeiros em causa, uma
vez que a NIC 32 (§ 77) exige que a empresa divulgue "para cada
classe de activo financeiro e de passivo financeiro, quer reconhecidos
ou não reconhecidos, informação acerca do justo valor". E quando
"não seja praticável, adentro de restrições de tempestividade ou
custo, determinar o justo valor de um activo financeiro ou de um
passivo financeiro com suficiente fiabilidade, esse facto deve ser
divulgado juntamente com informação acerca das características
principais do instrumento financeiro subjacente que seja pertinente ao
seu justo valor."
Em virtude de uma alteração da intenção ou da capacidade da
empresa, pode deixar de ser apropriado mensurar um investimento
detido até à maturidade ao custo amortizado, pelo que a empresa
deverá ajustar o mesmo para o justo valor e a diferença daí resultante
deve ser tratada de acordo com o previsto para a nova categoria de
activos. O mesmo acontece quando uma medida fiável do justo valor
fica disponível para um activo financeiro relativamente ao qual tal
medida não existia (§ 90 e 91).

O método da taxa de juro efectiva consiste em controlar a amortização do activo


financeiro usando a taxa que desconta exactamente a corrente esperada de
pagamentos futuros de dinheiro, até à maturidade ou até à próxima data de
reapreçamento com base no mercado, para a quantia líquida assentada (§ 10).

97
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

2.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO

2.2.1. MENSURAÇÃO INICIAL

As propriedades de investimento deverão ser inicialmente


mensuradas pelo custo de produção ou de aquisição (§ 17).
Entende-se por custo de aquisição o preço de compra da
propriedade adicionado de qualquer dispêndio atribuível e de
quaisquer custos de transacção (§ 18).
O custo de produção aplica-se quando as propriedades de
investimento são construídas ou desenvolvidas pela própria empresa e
é o custo no momento em que a construção ou desenvolvimento tenha
terminado (§ 19). Tal custo obtém-se pela aplicação da NIC 16 -
"Activos Fixos Tangíveis" que é, aliás, a norma que orienta o
tratamento contabilístico destes activos até ao momento em que se
encontrem concluídos.
Uma vez terminada a construção, a propriedade torna-se numa
propriedade de investimento mensurada ao custo de produção e passa
a ser objecto do tratamento contabilístico da NIC 40, o que implica
que, caso venha a ser utilizado o justo valor, a empresa ajuste de
seguida o custo para o justo valor reconhecendo nos resultados do
período as diferenças daí resultantes (§ 51 e) e 59).
Pode suceder ainda que o reconhecimento de uma propriedade
de investimento surja na sequência da alteração no uso dado a uma
propriedade classificada como activo fixo tangível ou como
existências. Neste caso, a quantia a considerar para efeitos de
mensuração inicial depende do critério de valorimetria que a empresa
venha a adoptar, ou seja:
• se for adoptado o custo, a propriedade de investimento é
mensurada pela quantia pela qual o activo já se encontrava
contabilizado, não originando qualquer resultado;
• se for adoptado o justo valor, a propriedade de investimento
deve ser já mensurada pelo justo valor nesse momento. Assim,

10
A título de exemplo, as remunerações de profissionais por serviços legais e os
impostos de transferência de propriedade.

98
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

os activos fixos tangíveis têm que ser remensurados de acordo


com a NIC 16 antes da sua transferência para propriedades de
investimento. A transferência de existências é tratada como uma
alienação, sendo os ganhos ou perdas derivados das diferenças
entre o valor contabilístico do activo e o seu justo valor
reconhecidos nos resultados desse período (§ 51, 55 e 57).

2.2.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE

Após o reconhecimento inicial a empresa adoptará um de dois


modelos de mensuração - o justo valor ou o custo - que deverá aplicar
a todas as propriedades de investimento.
Tal como prevê a NIC 8 - "Resultados do Período, Erros
Fundamentais e Alterações de Políticas Contabilísticas", será possível
uma alteração posterior da política contabilística adoptada desde que a
mesma conduza a uma apresentação mais apropriada da informação
financeira. No entanto, a NIC 40 (§ 25) adianta que é "altamente
improvável que uma alteração do modelo justo valor para o modelo
do custo resulte numa apresentação mais apropriada " o que revela a
preferência pelo justo valor e a tendência de evolução no sentido do
abandono do custo.
Esta tendência é reforçada ainda pela exigência de divulgação
do justo valor das propriedades de investimento quando tenha sido
adoptado o modelo do custo. Por outras palavras, a empresa terá
sempre que efectuar o esforço de determinação do justo valor das suas
propriedades para fins de mensuração (caso use o modelo do justo
valor) ou para fins de divulgação (se optar pelo modelo do custo), o
que revela a intenção do IASC em prosseguir com a utilização do
justo valor em activos não financeiros.

2.2.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE o JUSTO VALOR DAS


PROPRD2DADES DE INVESTIMENTO

No caso das propriedades de investimento, a NIC 40 considera


que o justo valor é, geralmente, o seu valor de mercado, ou seja, o
preço mais provável razoavelmente obtível à data do balanço, num

99
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

mercado activo de propriedades semelhantes (situadas no mesmo


local, com as mesma condições e sujeitas a locações e outros contratos
idênticos). Quaisquer diferenças de natureza, local, condição ou nos
contratos relacionados com a propriedade deverão ser considerados (§
29, 30 e 39).
A data a que se refere o justo valor (a data do balanço) é
indissociável do valor obtido pois o justo valor deve reflectir o estado
do mercado nesse momento e não noutro (§ 31 e 32).
A definição de justo valor pressupõe a troca simultânea e a
conclusão do contrato sem qualquer variação de preço, entre entidades
conhecedoras e dispostas a isso numa transacção em que nenhum
relacionamento existisse entre elas (§ 32), ou seja, pressupõe que as
partes intervenientes no contrato estejam informadas11, dispostas a
proceder à transacção12 e que sejam completamente independentes e
sem relacionamento particular ou especial entre si que torne os preços
não característicos do mercado (§ 38)13.
Quando não estejam disponíveis preços correntes num mercado
activo de propriedades semelhantes, a empresa considera informação
proveniente de fontes como (§ 40):
• preços correntes num mercado activo de propriedades de
natureza, condição ou localização diferente, ou sujeitas a
contratos diferentes, ajustados para reflectir essas diferenças;

As partes consideram-se informadas se conhecem a natureza e as características


da propriedade de investimento, os seus usos reais e potenciais e o estado do
mercado à data do balanço (§ 34).
12
Um comprador "disposto" deve estar motivado mas não compelido a comprar,
pelo que não comprará por um preço superior ao que o mercado exija (§ 35). Um
vendedor "disposto" não está ansioso nem forçado a vender, logo não venderá a um
preço abaixo do que é considerado razoável pelo mercado (§ 36 e 37).
Nesta linha, pode-se acrescentar que o justo valor não será um preço inflacionado
ou deflacionado por condições ou circunstâncias especiais tais como financiamento
atípico, acordos de venda e relocação, considerações especiais ou concessões de
alguém associado com a venda (§ 29).

100
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• preços recentes em mercados menos activos, ajustados para


reflectir quaisquer alterações nas condições económicas desde a
data das últimas transacções efectuadas a esses preços; e
• projecções de fluxos de caixa futuros:
• determinados com base em estimativas fiáveis associadas a
qualquer locação ou contrato existente e, se possível,
considerando também evidência externa tal como rendas
correntes de mercado de propriedades semelhantes no mesmo
local e condição; e
• descontados usando taxas que reflictam avaliações correntes
de mercado acerca da incerteza na quantia e tempestividade dos
fluxos de caixa.
Nas situações em que as fontes enumeradas anteriormente
conduzam a conclusões diferentes quanto ao justo valor de uma
propriedade de investimento, a empresa deve considerar as razões
dessas diferenças a fim de chegar à estimativa mais fiável do justo
valor dentro de uma escala estreita de estimativas razoáveis (§ 41).
O justo valor difere do valor de uso (definido na NIC 36 -
"Imparidade de Activos") pois enquanto o primeiro reflecte as
estimativas, o conhecimento e outros factores relevantes para os
participantes no mercado, o segundo reflecte o conhecimento, as
estimativas e factores que possam ser específicos da empresa e não
aplicáveis às empresas em geral. Assim, o justo valor das propriedades
de investimento não reflectirá (§ 43):
• qualquer valor adicional derivado da criação de uma carteira
de propriedades em diferentes localizações;
• sinergias entre propriedades de investimento e outros
activos;
• direitos ou restrições legais que sejam específicas ao
possuidor actual; e
• benefícios de impostos ou encargos fiscais específicos ao
possuidor actual.

101
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

2.2.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR

Após o reconhecimento inicial, se a empresa optar pelo modelo


do justo valor deve ajustar as quantias escrituradas das propriedades
de investimento para o justo valor, reconhecendo os ganhos e perdas
daí resultantes nos resultados líquidos do período em que surjam (§ 27
e28).
Em regra, a empresa deverá ser capaz de determinar o justo
valor das suas propriedades de investimento de forma fiável e
continuada. No entanto, se para uma determinada propriedade tal não
acontecer deverá adoptar o modelo do custo, assumindo o valor
residual zero para essa propriedade e manter o justo valor para as
restantes (§ 47 e 48).
Uma vez adoptado o modelo do justo valor como critério de
mensuração subsequente das propriedades de investimento, a empresa
deverá man tê-lo até que a propriedade seja alienada ou deixe de
revestir as características de propriedade de investimento, mesmo que
transacções de mercado comparáveis se tornem menos frequentes ou
os preços de mercado se tornem menos rapidamente disponíveis (§
49).
Nas transferências de propriedades de investimento mensuradas
ao justo valor para activos fixos tangíveis ou para existências, em
virtude da alteração do seu uso, o custo para efeitos de mensuração
inicial de acordo com a NIC 16 - "Activos Fixos Tangíveis" ou a NIC
2 - "Inventários" será o justo valor à data da alteração do uso.

2.2.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO

A mensuração das propriedades de investimento pelo custo


consiste no tratamento de referência da NIC 16, ou seja, no custo
depreciado menos quaisquer perdas por imparidade acumuladas. Se a

A evidência de que a empresa não conseguirá determinar numa base fiável e


continuada o justo valor é obtida quando, e apenas quando, são infrequentes as
transacções de mercado comparáveis e estimativas alternativas de justo valor não
estejam disponíveis.

102
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

empresa optar por este modelo deve aplicá-lo a todas as propriedades


de investimento e, para todas elas, divulgar o justo valor (§ 50 e 26).
Quando o modelo do custo seja aplicado a uma propriedade de
investimento em virtude de não ser possível determinar para a mesma
o justo valor, fiavelmente, numa base continuada, dever-se-á divulgar
uma descrição da propriedade, uma justificação acerca da
impossibilidade de se determinar o seu justo valor e, se possível, uma
escala de valores estimados e prováveis para o justo valor das
propriedades (§ 69 e)).
A quantia pela qual deverão ser mensuradas inicialmente as
propriedades de investimento que, em resultado da alteração do seu
uso, sejam transferidas para activos fixos tangíveis ou para
existências, passando a ser tratadas contabilisticamente no âmbito da
NIC 16 ou da NIC 2, será a quantia pela qual a propriedade se
encontrava contabilizada à data da alteração do uso.

CONCLUSÕES

A valorimetria dos investimentos financeiros preconizada pelo


IASC sofreu, recentemente, uma alteração profunda no sentido da
adopção do justo valor para quase todas as categorias de investimentos
financeiros. As NIC 39 e 40 são a prova do esforço desenvolvido
nesse sentido e vêm praticamente esvaziar de conteúdo a NIC 25 que,
actualmente, só tem aplicação residual aos investimentos financeiros
não contemplados por outra norma, como sejam, os investimentos em
obras de arte.
A evolução no sentido da avaliação ao justo valor enquadra-se
num contexto de procura de informação relevante e comparável. Nesta
linha, considera-se que o justo valor traduz melhor o valor económico
dos activos financeiros do que o custo histórico ou qualquer outra
medida que resulte da aplicação de critérios de valorimetria
alternativos como seja, por exemplo, o mais baixo do custo ou do
mercado e, nesse sentido, é mais relevante e mais consistente.

103
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Resolvidas as questões da relevância e da consistência levanta-


se agora o problema da fiabilidade que, como sabemos, pressupõe,
nomeadamente, neutralidade, verificabilidade, plenitude e prudência.
Em nosso entender a prudência não é totalmente incompatível
com a avaliação ao justo valor. Se o fim último do princípio da
prudência é defender a empresa da distribuição de resultados não
realizados e da consequente descapitalização, esse fim pode ser
alcançado se o reconhecimento dos resultados que derivam da
avaliação ao justo valor forem tratados, por exemplo, como é proposto
na NIC 39, na demonstração das alterações nos capitais próprios.
A este propósito, a NIC 40 afasta-se claramente da NIC 39 ao
preconizar o reconhecimento de tais resultados directamente nos
resultados do exercício. E aqui é pertinente questionar se este critério
aplicado a activos cujo justo valor pode variar significativamente não
introduzirá volatilidade nos resultados? Não abrirá mais uma porta
para que seja possível manobrar os resultados procedendo
inclusivamente à sua distribuição?
Neste contexto, será o justo valor obtido de acordo com alguns
procedimentos propostos pelas normas analisadas realmente fiável?
Resultará daí uma maior utilidade da informação financeira?
Talvez porque a resposta a estas questões não seja fácil, e
porque não existe ainda informação histórica que permita avaliar a
bondade de tais opções, a IOSCO ainda não aceitou a NIC 40. A
União Europeia, na proposta de revisão das IV e VII Directivas da
CEE, introduz também a possibilidade de adopção do justo valor na
valorimetria dos instrumentos financeiros mas, apenas com respeito a
determinadas categorias de activos e passivos financeiros para as
quais não seja questionável a realização dos resultados obtidos pela
avaliação ao justo valor, ou seja, para aqueles detidos com a intenção
de especulação.
Por último, ainda outra reflexão: a avaliação ao justo valor,
quando não exista um preço de mercado para o investimento
financeiro, exige a intervenção de avaliadores independentes e
experientes, bem como a aplicação de métodos de avaliação. Será fácil
encontrar avaliadores experientes? E quais os métodos de avaliação a

104
Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

adoptar? Na falta de indicação clara dos métodos de avaliação a


adoptar haverá sempre que questionar a relevância e a fiabilidade da
avaliação ao justo valor.

BIBLIOGRAFIA

ALCARRIA JAIME, José; El SFAS 115 y la Contabilidad de las Inversiones en Valores


Négociables; Revista Espanola de Financiación y Contabilidad; Jul.-Set.; 1996; pp.
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IASC; IAS 38 - Intangible Assets; IASC; 1998; Londres; (tradução portuguesa da
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Revista Estudos do l.S.C.A.A.

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106
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

PROJECTO PROFISSIONAL -
- UM REFORÇO DE COMPETÊNCIAS

ELEUTÉRIO MACHADO, HELENA INÁCIO,


eleuterio.machado@isca.ua.pt helena.inacio@isca.ua.pt
JOÃO FORTES E JOÃO SOUSA
naia.fortes @ isca.ua.pt ioao.sousa@isca.ua.pt
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
DO PROJECTO PROFISSIONAL
(DOCENTES DO I.S.C.A.A.)

Palestra integrada na Sessão de Apresentação do PROJECTO PROFISSIONAL


2001, no Auditório Joaquim José da Cunha, no I.S.C.A. de Aveiro, em 13 de
Dezembro de 2000, preparada pelos docentes da Comissão de Coordenação do
Projecto Profissional Eleutério Machado, Helena Inácio, João Naia Fortes e João
Sousa.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO
II. UM PROJECTO ORIENTADO PARA O REFORÇO DE COMPETÊNCIAS
2.1. ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO
2.2. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO
2.3. CONTRIBUTOS PARA A FORMULAÇÃO DE UM MODELO
2.3.1. Os PILARES DO MODELO
2.3.2. Os PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FUNCIONAMENTO
2.3.3. A ADAPTABILIDADE DO MODELO
III. BREVE BALANÇO DE TRÊS ANOS DE EXPERIMENTAÇÃO
IV. CONCLUSÃO

108
Projecto Profissional - um reforço de competências

"A Comissão de Coordenação do Projecto


Profissional presta homenagem ao Dr. Joaquim José da
Cunha pelo inegável empenhamento com que, desde a
primeira hora, apadrinhou e apoiou a ideia do
PROJECTO PROFISSIONAL e pela visão que
demonstrou ao providenciar todos os meios materiais e
humanos que permitiram colocar no terreno esta
iniciativa."

109
Projecto Profissional - um reforço de competências

I. INTRODUÇÃO

São frequentes as críticas quer ao sistema de ensino superior em


geral, sobretudo pelo seu imobilismo e desfasamento em relação ao
mundo empresarial, quer aos professores porque não ensinam o que
deviam, quer aos estudantes que não se empenham o suficiente.
Por isso as escolas não podem alhear-se dos debates cada vez
mais frequentes em torno da falta de qualidade do ensino superior, em
particular sobre as qualificações e competências que deve
proporcionar e sobre o elevado insucesso escolar, cujas culpas não
poderão recair só sobre os estudantes.
E não podem também ficar indiferentes ao elevado número de
jovens licenciados que, após concluírem os seus cursos, continuam no
desemprego ou não se ajustam profissionalmente, parecendo por vezes
existir um divórcio completo entre o ensino e a sociedade, com uma
proliferação de cursos inadequados e incapazes de fornecer as
qualificações e as competências necessárias para a inserção no
mercado do trabalho.
Numa intervenção durante o Seminário realizado em Novembro
último no Porto sob o tema "Ensino superior e competitividade",
Belmiro de Azevedo proferiu algumas críticas contundentes para o
sistema de ensino superior, atingindo-o exactamente nesta área das
relações ensino/sociedade:
"Falta nas universidades uma capacidade efectiva de
interagir com o mundo empresarial. "
"O sistema de ensino reage ainda muito lentamente aos
estímulos do mercado. Muita coisa que se ensina nas
universidades serve apenas às nomenclaturas instaladas e ao
corporativismo do professorado. Não à sociedade civil. "

Retirando a carga mais radical destas declarações, há que


reconhecer, pelo menos, que elas traduzirão algum sentimento de
desencanto por parte da "sociedade civil" (leia-se empresa e
empregadores) em relação às competências do "produto" (leia-se

111
Revista Estudos do l.S.C.A.A,

diplomados) que lhe é fornecido pelas universidades e outras escolas


de ensino superior.
Como dizia também o Professor Luís Soares, Presidente do
Instituto Politécnico do Porto, numa intervenção no seminário atrás
referido:
"Sem prejuízo da aquisição de conhecimentos
fundamentais necessários ao desenvolvimento de futuras
aprendizagens, a formação no ensino politécnico deve manter
como linha orientadora distintiva o saber fazer, aliado ao
saber aprender e às competências pessoais e sociais que
permitam uma inserção rápida e eficaz no mercado. "

É sabido que existe uma concorrência crescente entre as diversas


instituições de ensino, quer público quer privado, procurando cada
uma delas atrair o maior número possível de alunos, de um universo
cada vez mais exíguo e com tendência para continuar a diminuir nos
próximos anos.
A qualidade do ensino politécnico, em especial, deve continuar a
orientar-se no sentido do saber fazer, sem, contudo, deixar de ter nas
suas preocupações uma boa formação cientifica de base, que facilite
continuar a aprender e que confira competências para enfrentar com
êxito a mudança e inserção rápida dos seus alunos no mercado de
trabalho.
Mas para isso torna-se necessário investir sem demora na
inovação e na diversificação, quer nos conteúdos curriculares, quer
nos novos modelos e soluções metodológicas que permitam aproximar
a escola do saber fazer e das competências exigidas pela sociedade.
Foi neste sentido e com estes objectivos que o ISCA de Aveiro,
entre muitas outras apostas na qualificação dos seus diplomados,
enveredou há três anos por esta via de experimentação de uma nova
solução de ensino, que a seguir procuramos descrever.

112
Projecto Profissional - um reforço de competências

II. U M PROJECTO ORIENTADO PARA O R E F O R Ç O DE


COMPETÊNCIAS
2.1. ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO

Toda a formação deverá incluir nos seus objectivos a criação ou


o desenvolvimento de determinadas competências, sejam de carácter
puramente científico ou técnico, sejam de carácter pessoal ou social.
No plano do ensino superior é crucial ter em conta a questão das
competências, qualificações ou capacidades dos alunos no momento
em que entram no mundo do trabalho, munidos de um diploma de
bacharel ou licenciado.
São essas competências que irão determinar o processo, quase
sempre traumático, da transição da "carreira escolar" para a "carreira
profissional". Quanto mais as competências adquiridas ou
desenvolvidas, sobretudo na parte final da carreira escolar, a que
corresponde o ensino superior, estiverem próximas das expectativas e
das necessidades efectivas das empresas e dos empregadores, mais
facilitada estará a inserção do diplomado, melhor a imagem pública da
escola que o formou e maior a satisfação do empregador.
O ensino da Contabilidade, a que o I.S.C.A. de Aveiro se dedica
há mais de 30 anos, não é questão que escape a esta problemática.
Muito pelo contrário.
Na realidade as especiais características da profissão
contabilística, em particular quando exercida em ambiente de PME's,
como é o nosso panorama dominante, requerem dos diplomados um
perfil de largo espectro em termos de competências, as mais variadas.
Basta pensar que os nossos diplomados em Contabilidade, além
das funções específicas, são quase sempre chamados a executar ou
apoiar a gestão, os serviços administrativos, os departamentos de
pessoal, os departamentos comerciais e até a resolver um vasto
conjunto de questões fiscais, jurídicas, de logística, etc.
Definir as competências adequadas para estes diplomados e
encontrar as soluções mais eficazes para as integrar nos planos
curriculares, são preocupações que há muito faziam parte das
preocupações estratégicas do ISCA de Aveiro. E o facto de estar há

113
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

muito alertado para esta realidade, pensamos poder atribuir-se a três


conjuntos de razões:
- por um lado, a larga tradição de ligação ao mundo empresarial
através dos alunos trabalhadores e dos ex-alunos, regressados
para os CESE ou Licenciaturas;
- as ligações profissionais e empresariais de muitos dos seus
docentes;
- uma equipa jovem, virada para a inovação e ainda não
instalada numa carreira estabilizada.

Por isso a questão das competências foi identificada bastante


cedo, tornando-se evidente que era necessário avançar para a busca de
soluções.
Para tanto havia que definir dois ou três objectivos simples e de
concretização assegurada, no contexto do ensino em sala e no âmbito
curricular dos vários cursos de Contabilidade ministrados.
E havia ainda que buscar processos de avaliação capazes de
responder com eficácia num enquadramento de ensino/aprendizagem
de cariz não estruturado, integrador, interactivo e profissionalizante.
Os objectivos globais iniciais da experiência podem considerar-
se definidos dentro de três grandes linhas pedagógicas, que pareciam
corresponder à questão de fundo, o reforço das competências dos
diplomados no momento de abandonar a escola:
- Complementar e integrar os conhecimentos curriculares
anteriores
- Proporcionar a aplicação de conhecimentos numa perspectiva
profissional
- Aproximar os futuros diplomados ao contexto empresarial e
dos negócios

Com o desenrolar da experiência acabaram por se mostrar


importantes outros objectivos, direccionados uns para a vertente
profissionalizante e outros para as áreas das competências pessoais,
ainda que aparentemente fora do contexto da área contabilística, mas
fundamentais para a integração laboral, como por exemplo:

114
Projecto Profissional - um reforço de competências

- Capacidade de trabalhar em grupo interactivo


- Adaptação ao trabalho em ambiente de pressão
- Reacção eficaz às mudanças na envolvente
- Capacidade de expressão escrita e oral

O dinamismo interno da experiência tem ultrapassado de algum


modo as perspectivas iniciais e o grande objectivo global do reforço
das competências profissionais e outras tem vindo a resultar sobretudo
por força desta relação interactiva entre objectivos e processo de
avaliação.
Daí que nos pareça relevante pôr em destaque desde já este
aspecto da experiência adquirida no processo, pois estamos
convencidos que, sem uma atenção muito grande a este aspecto, os
resultados não teriam sido os mesmos.

2.2. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

Neste ponto pode pôr-se a questão das metodologias adequadas


para enveredar por novas vertentes pedagógicas, para mais ainda
pouco conhecidas e experimentadas.
Logo à partida tornou-se óbvio que as metodologias
pedagógicas tradicionais deixariam de constituir o elemento
dominante, para passarem a ser complementares e instrumentais, em
função dos objectivos e do processo de avaliação, que são os vectores
determinantes do processo.
Para além de que certos conceitos tradicionais de
posicionamento e de relação professor/aluno são logo à partida
subvertidos pela dinâmica interna definida para o processo. O que não
deixa de constituir uma dificuldade adicional.
Tudo isto tem conduzido à necessidade de pensar também em
actuar com urgência ao nível da formação de docentes a envolver de
futuro no desenvolvimento desta experiência pedagógica ou de outras
do mesmo tipo. E uma das formas mais eficazes seria pô-los em
contacto com outras experiências e modelos que pudessem dar

115
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

contributos para a consolidação e aperfeiçoamento do trabalho já


realizado.
Neste caso isso veio a acontecer graças ao aproveitamento de
sinergias decorrentes do processo de integração na Universidade de
Aveiro. Assim, foi possível aos docentes que vinham conduzindo esta
experiência tomar contacto, ainda que indirecto, com dois modelos
que se podem considerar muito próximos e que a seguir se descrevem
de forma sintética.
Vejamos então em síntese como se caracterizam e funcionam os
dois modelos abordados durante os dois Work Shops realizados pela
UA

O modelo de ensino orientado a projectos (project based


model ou Aalborg model)

O primeiro contacto com este modelo teve lugar durante um


Work Shop realizado na Universidade de Aveiro em Maio de 2000,
orientado pela professoras Anette Kolmos e Lise Kofoed da
Universidade de Aalborg, na Dinamarca.
Tratou-se de uma experiência marcante, pela possibilidade de
conhecer novas metodologias próximas da que vinham
experimentando há mais de dois anos sem qualquer suporte teórico ou
de experiências alheias similares.
Vejamos em síntese como parece caracterizar-se genericamente:
- Desenvolve-se sempre em equipa ou grupo, podendo a
dimensão deste variar muito consoante os objectivos e o
patamar curricular;
- Baseia-se numa estrutura formativa que se desenrola
integralmente em torno de projectos, sendo todas as restantes
componentes curriculares organizadas em função e na
dependência muito directa dos projectos e da sua
implementação; no entanto é admissível que a componente
"projecto" tenha um menor peso específico no início dos
cursos, sendo dominante na parte final;

116
Projecto Profissional - um reforço de competências

- Privilegia largamente a auto-aprendizagem, individual e de


grupo, em relação ao ensino de tipo magistral, muito embora
não deixe de estar sempre presente a figura do "supervisor" ou
"tutor" do grupo;
- Fomenta a aprendizagem pela via da resolução de problemas,
sendo que estes deverão surgir sobretudo na formulação ou na
implementação do projecto;
- Naturalmente, é um ensino de caracter interdisciplinar porque
os projectos devem envolver sempre matérias de diferentes
áreas disciplinares; o maior ou menor grau de
interdisciplinaridade depende bastante do tipo e complexidade
dos projectos;
- Visa uma gradual e progressiva especialização ao longo do
curso, resultante de idêntica tendência dos projectos.

Quem conhece em profundidade este modelo poderá achar esta


caracterização demasiado simplista e talvez pouco rigorosa.
Mas efectivamente ainda não tivemos oportunidade de ver o
modelo em funcionamento efectivo e por isso a aproximação que dele
temos é ainda muito teórica e, possivelmente, algo imprecisa.
No entanto deste contacto ficaram-nos a nós, que vínhamos de
uma experiência vivida, algumas primeiras impressões importantes, de
que destacamos:
Io- Se a experiência do Projecto Profissional do ISCA fosse
considerada extensiva, por exemplo, a 4 ou 5 dos 6 semestres
que constituem o Bacharelato em Contabilidade, com as
necessárias alaterações curriculares, em vez de se desenvolver
apenas no 6o semestre (e para mais acumulando com uma
carga de mais 5 disciplinas autónomas) estaríamos muito
próximos do "modelo de Aalborg";
o
2 - Pelas descrições do funcionamento efectivo pareceu
transparecer alguma dificuldade de implementação do modelo
nas áreas das ciências sociais e humanísticas, talvez devido ao
tipo de projectos que seria necessário desenvolver;

117
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

3 o - Não pareceu ter muita força neste modelo a integração de


conhecimentos como objectivo fundamental, apesar de estar
sempre presente a interdisciplinaridade;
4o - Também não aparece evidente o grau de possível
interactividade entre os grupos de trabalho, que poderia
contribuir para maior dinamização do modelo;
5o - Finalmente, não se percebe se o modelo poderá desenvolver
algumas competências não técnicas ou científicas importantes
para a integração profissional e laboral.

O modelo baseado em problemas (problem based model)

Num outro Work Shop realizado em Junho/Julho de 2000 na


Universidade de Aveiro sob a orientação do Professor Jonh Cowan, da
Escócia, ligado a várias universidades da Europa, foi possível tomar
conhecimento de outras perspectivas metodológicas para objectivos de
certo modo similares aos visados pelo modelo anterior.
O modelo pode considerar-se, em termos simplistas, baseado na
formulação de problemas e na busca de ferramentas e conhecimentos
para a sua resolução entre matérias leccionadas em períodos
curriculares anteriores ou não; o professor desempenha mais um papel
de tutor do que de mestre e as actividades pedagógicas desenrolam-se
essencialmente em trabalho de grupo.
Poderia parecer à primeira vista tratar-se apenas de um modelo
misto, situado entre o conceito de "projecto" e de "caso estruturado".
Mas o que nos atraiu mais no modelo, tal como foi exposto pelo
Professor John Cowan, não foram tanto os aspectos formais, mas
foram sobretudo os dois aspectos apresentados como fundamentais e
diferenciadores na implementação desta metodologia:
- A definição dos objectivos
- A interacção entre a avaliação e os objectivos
Embora numa primeira aproximação nos tenha parecido de certo
modo frágil a ligação possível deste modelo com o Projecto
Profissional, neste momento consideramos que os ensinamentos

118
Projecto Profissional ­ um reforço de competências

obtidos neste contacto representaram uma forte mais valia para a


formulação do modelo que a seguir se procura descrever.

2.3. CONTRIBUTOS PARA A FORMULAÇÃO DE UM MODELO

Como vimos atrás, os atributos e competências para um bom


desempenho da profissão não se limitam ao nível de conhecimentos
adquiridos, que, podendo ser excelentes, se mostram insuficientes se
o aluno não tiver outro tipo de argumentos como, por exemplo, a
capacidade de expressão oral, a capacidade de decisão e a capacidade
de trabalho em equipa.
Temos vindo a trabalhar no sentido de encaixar na disciplina de
Projecto Profissional o reforço destes atributos e competências da
forma mais adequada possível e como o principal objectivo a atingir.
A este exercício pedagógico, à adaptação das metodologias
utilizadas e à introdução de processos de avaliação muito
diversificados já quase nos atrevemos, neste momento, a chamar
esboço de modelo, o qual assentaria em dois pilares fundamentais:
o simulação empresarial
o interactividade
e em três princípios básicos de funcionamento:
•S A avaliação por objectivos;
S O ensino acompanhado;
•S A interdisciplinaridade.

2.3.1. Os PILARES DO MODELO

Para que o objectivo global possa ser atingido é necessário que


se crie um ambiente onde os alunos desempenhem as funções e tarefas
que irão desenvolver quando ingressarem no mundo do trabalho. Os
pilares que consubstanciam o modelo e os traços vitais do seu
funcionamento são a:
■ Simulação empresarial, criando um mundo de negócios virtual
que tenha as mesmas exigências legais, comerciais e
administrativas do mercado real;

119
Revista Estudos do l.S .C.A.A.

■ Interactividade, num mercado que, sendo interactuante, faz


com que o objectivo seja atingido de forma não estruturada.

A S imulação empresarial, é obtida através da criação de um


mercado virtual, que se pretende próximo da realidade, e que cria uma
maior ou menor interactividade consoante o número de empresas
envolvidas.
O segundo pilar de suporte do modelo é a interactividade que
se assume como característica inovadora aliada à simulação
empresarial e que se apresenta altamente motivadora para alunos e
docentes.
A interactividade ao tornar o processo não estruturado, provoca
situações que não ocorrem de acordo com um guião pré­determinado,
permitindo que os alunos negoceiem entre si, aproximando­os da
realidade e conferindo alguma dose de competitividade, que
adequadamente administrada e eticamente controlada, só contribui
para a motivação de todos.

2.3.2. Os PRINCÍPIOS BÁS ICOS DE FUNCIONAMENTO

O funcionamento do modelo, por forma à persecução do


objectivo global, leva à definição clara e objectiva de um conjunto de
princípios básicos, indispensáveis à sua afirmação:

■ A Avaliação por objectivos: onde são definidos um conjunto


de objectivos a atingir que servem de base a todo o sistema de
avaliação
■ O Ensino acompanhado, onde são nomeados docentes que
funcionam como tutores, competindo contudo ao aluno a
direcção do seu próprio trabalho
■ A Interdisciplinaridade, onde várias são as disciplinas e áreas
do curso que são aplicadas de forma integrada, simulando a
realidade da vida profissional
Apesar de simples na formulação, a tarefa de definição clara dos
objectivos, é extremamente complexa. Num modelo desta natureza em
que se pretende simular a realidade, devemos tentar aproximar os

120
Projecto Profissional ­ um reforço de competências

objectivos das expectativas dos empregadores, quando colocam um


diplomado a desempenhar determinada função.
Assim, atendendo ao objectivo global do modelo e todas as
considerações anteriormente expressas, podemos apontar os seguintes
objectivos a avaliar:
■ Objectivo 1 ­ Aplicação integrada dos conhecimentos
adquiridos nas restantes disciplinas do curso. Neste item, deve
avaliar­se o conteúdo do trabalho efectuado pelos alunos
atendendo a toda a interdisciplinaridade associada ao mesmo;
■ Objectivo 2 ­ Elaboração de relatórios; permitindo avaliar a
capacidade de expor, escrita e oralmente, de inovar, e de
organizar.
■ Objectivo 3 ­ Trabalho em equipa; pretendendo­se avaliar a
capacidade dos alunos repartirem tarefas e encontrarem
soluções comuns.
■ Objectivo 4 ­ Trabalho sob pressão; avaliando­se a capacidade
dos alunos conseguirem cumprir atempadamente e com
qualidade, todas as tarefas a que estão obrigados; avaliando­se
a capacidade que os alunos têm de, apesar da pressão de
tempo, se adaptarem a novas situações, e de conseguirem
ultrapassar os diferentes tipos de dificuldades que vão
surgindo.
■ Objectivo 5 ­ Vivência ética na profissão; pretende­se avaliar o
comportamento dos alunos no mercado em termos de relações
comerciais, mas também o seu adequado comportamento ético
em termos contabilísticos e fiscais.
■ Objectivo 6 ­ Capacidade de exposição oral; pretendendo­se
avaliar a capacidade que os alunos têm de defender oralmente
as soluções pelas quais optaram no desenrolar normal do
projecto profissional.

Dada a diversidade dos objectivos de avaliação identificados, foi


desenvolvido um processo complexo, em que o sistema de avaliação é
misto, com diferentes componentes de carácter pontual e um vasto

121
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

conjunto de factores de carácter contínuo, tendo estes componentes da


avaliação um peso importantíssimo no modelo.
Outro dos princípios de funcionamento do modelo relaciona-se
com a Metodologia de Ensino, entendendo-se esta, não pelo ensino
tout cour, mas pela capacidade evidenciada de apoiar a aprendizagem.
No ensino tradicional de tipo magistral o professor tem o papel de
transmitir um conjunto de conteúdos programáticos, que à posteriori
os alunos em geral só estudam para responder adequadamente às
questões colocadas no processo de avaliação.
No modelo de ensino em simulação interactiva os papeis
invertem-se, pois à medida que o mercado se vai desenvolvendo as
situações vão-se colocando aos alunos e são eles que procuram as
informações que precisam em bibliografia adequada e em legislação
diversa, ou recorrendo aos seus professores orientadores.
Finalmente, a Interdisciplinaridade, princípio que deveria estar
subjacente a qualquer tipo de ensino, e que o exercício de uma
qualquer profissão considera fundamental, pois o inter-relacionamento
dos conhecimentos é vital para o seu exercício pleno.
Num percurso escolar tradicional, por muitos esforços que se
façam, os alunos acabam em geral por ver, incorrectamente, cada uma
das matérias leccionadas como um conhecimento delimitado e
estanque.

2.3.3. A ADAPTABILIDADE DO MODELO

Temos consciência de que este modelo está ainda a dar os seus


primeiros passos, podendo e devendo ser melhorado e consolidado.
Por enquanto, a experiência desenvolvida no ISCA de Aveiro
concentra-se na sua utilização para matérias essencialmente ligadas às
áreas de contabilidade, fiscalidade, gestão e direito comercial, no
entanto parece relativamente simples alargar o âmbito de actuação
para outros campos, nomeadamente a auditoria, gestão, a
administração de empresas, a administração pública e autárquica, etc.
Igualmente nos parece simples utilizá-lo, com pequenas
adaptações, a processos de formação complementar e extra-curricular
de grande aplicação imediata na nossa área, tais como:

122
Projecto Profissional ­ um reforço de competências

S em cursos de reciclagem e actualização para antigos


diplomados;
S em processos inovadores de leccionação de novos
tratamentos contabilísticos e fiscais em áreas específicas da
contabilidade.
S em cursos de formação de curta duração (três a seis meses)
de técnicos em contabilidade.

III.BREVE BALANÇO DE TRÊS ANOS DE EXPERIMENTAÇÃO

♦ salto no escuro (1997/1998)

Uma das lacunas detectadas aquando da vigência do antigo


plano curricular, prendia­se com a falta de confiança evidenciada
pelos nossos bacharéis quando, após terminarem o seu plano de
estudos, enfrentavam o mercado do trabalho. Essa evidência, foi
contemplada na nova estrutura curricular, com a integração de uma
disciplina de Projecto Profissional, a ser leccionada em regime
presencial no 2o Semestre do 3o ano, disciplina essa detentora de
características próprias e objectivos ousados, e que visava
primordialmente uma plena integração de conhecimentos dos
estudantes em fim de ciclo de estudos.
A inserção dessa disciplina no plano curricular de estudos
assentava em ideias ousadas nas intenções mas débeis na
sistematização, por não terem sido suficientemente trabalhadas, por
imponderáveis vários, no semestre que antecedeu o inicio do primeiro
Projecto Profissional realizado no ano lectivo de 1997/1998.
Perante um cenário em que tudo era novo para professores e
alunos, foi a análise fria dos problemas e a procura cuidada das
soluções, substituída, por uma labuta diária e constante, de interacção
diária professor/aluno, extremamente desgastante mas
extraordinariamente motivadora. Se os professores que embarcaram
nesta missão, se assumiram como zelosos defensores da ideia que
encarnava o Projecto Profissional, tiveram os alunos um papel de
extrema importância, pois a sua postura critica e actuante veio

123
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

permitir a ultrapassagem de alguns erros de juventude e a melhoria de


um projecto que era de todos.
Foi um salto no escuro, que nos permitiu levantar
exaustivamente os erros de um projecto lançado em tão curto espaço
de tempo, mas uma escuridão que no fim do semestre, nos permitiu
vislumbar o sol radioso que iria iluminar o futuro.

♦ A grande aposta na interactividade (1998/1999)

O trabalho entretanto desenvolvido, conduziu inicialmente a


todo um processo de regulamentação, com a elaboração
pormenorizada de normativos, seja o Regulamento Especifico de
funcionamento do Projecto Profissional, onde eram estabelecidas
regras de comportamento dos grupos, regras de comportamento no
mercado, regras de avaliação, métodos e prazos de avaliação; bem
como regulamentos de funcionamento parcelar das diversas centrais
de apoio, nomeadamente as Centrais Pública, de Fornecimentos e
Serviços e a Central Financeira. De uma realização que navegava à
vista, passou­se para um projecto estruturado, regulamentado e
ambicioso, onde as diversas situações e eventos já estavam previstos e
planificados.
Procurou­se o não aparecimento de uma parafernália de
actividades, que a irreverência e o sentido critico dos alunos
proporciona, e onde até chegou a aparecer um pedido de constituição
de uma agência funerária.
Constatado o facto, restringiu­se a liberdade de escolha do ramo
de actividade económica, e desenvolveram­se esforços para a
implementação de um mercado próprio, preparado previamente, e que
tinha o sector da construção civil como núcleo central, à volta do qual
gravitavam empresas de comércio e serviços dos mais diversos ramos.
Regulamentado o funcionamento, criado o mercado, e preparada
toda a documentação impulsionadora do trabalho dos diversos grupos,
foi preocupação seguinte a disponibilização dos meios logísticos e
informáticos que permitissem a montagem de um projecto com este
fôlego.

124
Projecto Profissional ­ um reforço de competências

Novamente a experiência adquirida foi boa conselheira, e


conhecedores dos problemas sentidos com o software disponibilizado
no ano lectivo anterior, foi decidido encetar contactos com software
houses da região, no sentido da escolha de programas que
satisfizessem plenamente os utilizadores. Essa preocupação foi
atingida, os programas instaladas em tempo oportuno, bem como
foram contratados para monitorarem logística e operacionalmente os
alunos envolvidos no projecto, quatro encarregados de trabalho,
alunos do I o ano do 2o ciclo de estudos, que foram peças fulcrais no
normal desenvolvimento de todo o processo, nomeadamente no
processo formativo prévio dos alunos no software adquirido.
Várias foram as inovações mas o traço marcante do Projecto
profissional no ano lectivo de 1998/1999, para alem do cariz
marcadamente organizado que esta acção demonstrou, prendeu­se
coma grande conquista que foi conseguida: a interactividade entre
todos os grupos participantes.
Fruto dos equipamentos informáticos instalados e dos programas
disponíveis, foi possível criar, fruto de uma preparação prévia de
fichas de trabalho distribuídas a cada grupo, uma completa
interactividade entre setenta e sete empresas que participavam no
Projecto Profissional. Elas negociaram entre si de uma maneira
simulada, mas que se assemelhava perfeitamente à realidade:
compraram, venderam, pagaram, receberam, endividaram­se,
assumiram compromissos, cumpriram prazos, discutiram, e o mais
importante de tudo, embrenharam­se numa tarefa que os deixou
cansados de prazer, por fazerem aquilo que, se inseridos no mundo
profissional, lhes provocaria de certeza, canseiras, insónias e
tremendas dores de cabeça.

♦ A aposta na avaliação e no software (1999/2000)

Foi decidido apostar seriamente num processo de avaliação


continua, que se assumiu como a característica mais importante e
traço marcante do Projecto Profissional 1999/2000.
Se em projectos anteriores o processo de avaliação compreendia
quatro momentos distintos, um Pré­Projecto, um Relatório Intermédio,

125
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

um Relatório Final e uma Apresentação Oral, limitando-se a esses


momentos a obrigação dos docentes de proceder à respectiva
avaliação, a análise critica realizada, detectou ser da maior
importância para o incremento da qualidade da acção a
implementação de um processo de avaliação continua, que
pedagogicamente era manifestamente motivador para os docentes e
extremamente benéfico para os alunos, se bem que extremamente
desgastante para ambas as partes.
Os benefícios foram extremamente positivos, e de um processo
de avaliação em quatro momentos, passou-se a um processo de
avaliação constante, com a realização de auditorias programadas e
surpresa, controles pontuais e avaliação em sala, que colocaram os
alunos sobre pressão, não deram descanso aos professores, mas
permitiram mais justiça no processo sempre controverso da avaliação.
Outro dos pontos fracos detectados, prendeu-se com alguma
demora na resposta dada às necessidades dos grupos envolvidos, nas
suas relações com a Central de Fornecimentos e Serviços e a Central
Financeira. No anterior projecto as relações documentais
Centrais/Grupos eram desenvolvidas de uma forma arcaica, não sendo
a emissão da documentação um sinal de celeridade, pese a boa
vontade dos professores envolvidos na gestão das citadas Centrais.
Assim, foi decidido pelos responsáveis envidar esforços junto de
uma software house no sentido de desenvolverem programas
informáticos que dessem resposta rápida ás solicitações dos alunos.
Foram então desenvolvidos dois programas, baptizados de
Telebanking e Televendas, que integraram os meios informáticos
disponibilizados. Genericamente, o Telebanking permitia que cada
grupo tivesse no computador que lhe estava destinado uma Caixa
Multibanco onde poderia efectuar todas as operações bancárias
necessárias; e o Televendas, onde cada grupo fazia as suas compras à
respectiva Central, emitindo imediatamente a respectiva factura.
Concluindo poder-se-á dizer em relação a todo este processo
jovem de quatro anos, citando Fernando Pessoa, vulto incontornável
da poesia portuguesa e patrono dos contabilistas:

126
Projecto Profissional - um reforço de competências

"Deus quer, o homem sonha e a obra nasce"

IV. CONCLUSÃO

Com este trabalho procurámos contribuir para a divulgação de


uma experiência que o I.S.C.A. de Aveiro iniciou há três anos, que
tem merecido juízos favoráveis de vários sectores e que algumas
outras escolas já manifestaram interesse em conhecer melhor.
Não somos especialistas em modelos de ensino e por isso
limitámo-nos a descrever em palavras simples o que foi esta nossa
vivência na fase crucial da implementação do PROJECTO
PROFISSIONAL.
Com isso pretendemos apenas dar o nosso contributo para o
debate, que nos parece urgente, em torno do eventual desfasamento
entre o ensino superior e o mundo empresarial.
E se nos forem permitidas conclusões, mesmo nesta fase
incipiente da nossa experiência, tiraríamos as seguintes:
- Ia - É possível atingir um reforço substancial das competências
profissionais e pessoais mesmo no contexto curricular de
muitos cursos, indo de encontro às expectativas da sociedade
civil;
- 2a - Mas para isso é indispensável um grande esforço de
inovação;
- 3a - E talvez romper com algumas práticas pedagógicos.

127
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

A INFLUÊNCIA DO CONTEÚDO INFORMATIVO


NA POLÍTICA DE DIVIDENDOS

ELISABETE FÁTIMA SIMÕES VIEIRA


elisabete.vieira@isca.ua.pt
EQUIP, A PROF. ADJUNTA DO I.S.C.A.A.
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

RESUMO

Dada a sua relevância no mundo das finanças empresariais, a


política de dividendos foi uma das primeiras áreas de investigação a
ser levada a cabo por académicos, tanto numa perspectiva teórica
como empírica, com o intuito de obter algumas conclusões acerca da
influência dos dividendos no valor das empresas.
Contudo, esta está longe de ser uma matéria pacífica no contexto
das finanças empresariais, não existindo ainda uma teoria
consensualmente aceite, que torne possível a determinação do nível
óptimo de distribuição dos resultados, podendo apenas serem
indicados factores que contribuem, favorável ou desfavoravelmente,
para a distribuição de dividendos. Um dos argumentos que oferece
alguma resposta à decisão dos dividendos a distribuir está associado
ao carácter de sinalização destes, já que a informação contida nos
dividendos modificará as expectativas dos investidores quanto ao
valor das acções das empresas. Neste artigo, procedemos à análise de
um dos vários factores que influenciam a determinação da política de
dividendos: o conteúdo informativo dos dividendos, bem como das
principais conclusões de estudos recentemente levados a cabo, com o
intuito de clarificar qual a influência do conteúdo informativo na
política de dividendos, bem como no valor das empresas.

130
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

l. INTRODUÇÃO

A política de dividendos diz respeito ao conjunto de decisões


financeiras relacionadas com a remuneração dos investidores de
capital próprio das empresas, podendo esta estar dividida em dois
componentes: ganhos de capital e dividendos. A política de dividendos
define assim a proporção dos resultados que irão ser distribuídos aos
accionistas e aquela que ficará retida na empresa como
autofinanciamento, para reinvestimento.
Dada a sua importância no mundo das finanças empresariais,
esta foi uma das primeiras áreas de investigação a ser levada a cabo
por académicos, tanto através de modelos teóricos, como de aplicações
empíricas. Contudo, as investigações empíricas realizadas nos últimos
anos não são conclusivas, dado que algumas são claramente
contraditórias, não existindo ainda uma teoria que seja
consensualmente aceite neste domínio das finanças empresariais.
Existem vários modelos que explicam a relação existente entre a
política de dividendos e o valor de mercado das empresas, conduzindo
assim a factores que contribuem para uma política de dividendos alta
ou baixa. Um dos argumentos que contribui favoravelmente para a
distribuição de resultados aos investidores de capital próprio das
empresas é o denominado conteúdo informativo dos dividendos, que
está associado ao facto da política de dividendos transmitir informação
relevante para o mercado, funcionando como um mecanismo de
sinalização para o exterior da empresa, sobre a capacidade desta gerar
fluxos de caixa futuros.
Neste contexto, propomo-nos analisar o conteúdo informativo
dos dividendos, fazendo uma abordagem a vários estudos realizados
com o intuito de verificar o efeito deste factor na política de
dividendos, averiguando em que sentido caminham as conclusões
destes estudos.
O presente trabalho encontra-se estruturado do seguinte modo:
na secção 2 apresentamos uma breve revisão bibliográfica sobre os
trabalhos já efectuados acerca da política de dividendos,
nomeadamente analisando a posição defendida por Miller e

131
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Modigliani (1961), que conduz à irrelevância da política de


dividendos. Posteriormente, na secção 3, passamos a analisar os vários
trabalhos levados a cabo com o intuito de analisarem o conteúdo
informativo dos dividendos. Finalmente, na secção 4, procuramos
sintetizar as principais conclusões resultantes deste trabalho.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Lintner (1956) foi dos primeiros autores a desenvolver um


modelo que procura explicar o valor dos dividendos pagos em função
dos lucros e dos dividendos anteriores das empresas. Após o seu
estudo empírico, o autor chegou às seguintes conclusões: (1) as
empresas têm objectivos a longo prazo para o rácio de distribuição de
dividendos; (2) os gestores dão mais importância às alterações dos
dividendos do que aos níveis absolutos; (3) as alterações dos
dividendos seguem a lógica do longo prazo dos lucros sustentáveis e
(4) os gestores mostram relutância em proceder a alterações dos
dividendos que possam ser reversíveis.
De acordo com Brealey e Myers (1998), cuja opinião é
consistente com a de Lintner, o modo como os dividendos são
determinados pode resumir-se a quatro factores1: (1) cada empresa tem
um objectivo de longo prazo para o rácio de distribuição de
dividendos; (2) os gestores dão maior importância às variações dos
dividendos do que aos seus níveis absolutos; (3) as alterações dos
dividendos procuram acompanhar as modificações dos lucros que
sejam sustentáveis a longo prazo, de modo a que os dividendos não
tenham oscilações temporárias e (4) os gestores mostram relutância
em proceder a alterações dos dividendos que possam ter de ser
revertidos, preocupando-se igualmente com a possibilidade de terem
de cancelar um aumento de dividendos.
A teoria da irrelevância dos dividendos refere que a política de
dividendos não afecta o valor da empresa ou o seu custo de capital. Os

Esta questão é abordada de uma forma genérica, não atendendo aos vários factores
de influência da política de dividendos de uma forma isolada.

132
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

proponentes desta teoria são Miller e Modigliani (MM). O trabalho de


MM (1961), baseado num contexto de mercado perfeito, prova que os
investidores são indiferentes aos dividendos, reflectindo a não
existência de uma política de dividendos óptima, porque esta não
afecta o valor da empresa. Esta opinião é partilhada por Rao (1987, pp.
490) que afirma "In the simplified world of perfect markets it can be
argued that dividends will have no impact on stock prices. "
Tendo como base os pressupostos de um mercado de capitais
perfeito, e de acordo com os autores referidos, a política de dividendos
é irrelevante. Mas existem determinadas variáveis presentes no
mercado real, como sejam os impostos, a assimetria de informação e
os custos de transacção, entre outros, que podem alterar esta situação,
afectando, favorável ou desfavoravelmente, a política de dividendos.
De facto, quando se introduz a questão dos impostos, a teoria sugere
que seria melhor para os accionistas a não distribuição de dividendos,
pela desvantagem fiscal destes face aos ganhos de capital.
Vários autores analisaram a relação existente entre as
rendibilidades esperadas antes de imposto e as taxas de dividendo,
chegando, contudo, a resultados contraditórios. Enquanto Black e
Scholes (1974) e Miller e Scholes (1982) não observaram qualquer
relação entre ambos os factores, Brennan (1970) e Litzenberger e
Ramaswamy (1979, 1982) obtiveram nos seus estudos uma associação
positiva entre estes. Por exemplo, os estudos de Litzenberger e
Ramaswamy (1979, 1982) verificaram que quanto mais elevado o
dividend yield, mais elevada era a taxa de rendibilidade exigida pelos
investidores para os compensar da desvantagem fiscal do pagamento
de dividendos.
Testes empíricos realizados por Pettit (1977) e Lewellen,
Stanley, Lease e Schlarbaum (1978) mostram evidência de que as
taxas de dividendo das carteiras dos investidores estão relacionadas
com as suas taxas de imposto. Os investidores com taxas marginais de
imposto mais elevadas, tendem a seleccionar acções que distribuem
dividendos baixos, preferindo ganhos de capital a dividendos porque
pagam menos impostos, excepto os accionistas que preferem liquidez

133
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

ou os investidores isentos de impostos. Os investidores com taxas


baixas ou nulas, tendem a seleccionar acções que distribuem elevados
montantes de dividendos. Com o crédito de imposto, as empresas que
investem em capitais de outras preferem dividendos, pois a sua taxa de
imposto sobre os dividendos fica mais baixa que a dos ganhos de
capital.
Buckley, Ross, Westerfield e Jaffe (1998) argumentam que um
gestor deve evitar os dividendos somente se o uso alternativo desse
recurso for menos oneroso, ao contrário de alguns autores que
afirmam que o imposto sobre os particulares significa que as empresas
não deveriam distribuir dividendos.
Resumindo, o efeito fiscal é o argumento mais forte a favor do
pagamento de dividendos baixos. Contudo, um artigo de Miller e
Scholes (1978) mostra que mesmo com taxas de imposto sobre
dividendos superiores a taxas sobre os ganhos de capital, muitos
investidores individuais não necessitam de pagar mais do que a taxa
de ganhos de capital sobre os dividendos. Isto implica que os
investidores serão indiferentes entre pagamentos na forma de
dividendos ou ganhos de capital. Assim, o valor da empresa pode não
estar relacionado com a sua política de dividendos, mesmo num
mundo com impostos.
A política de dividendos pode ainda associar-se a fenómenos
como o efeito clientela, que, como veremos, está de algum modo
associado aos impostos. Como alguns grupos de investidores preferem
elevados dividendos, e outros baixos dividendos, o efeito clientela
suporta a ideia de que a política de dividendos responde às
necessidades dos accionistas. Isto reduz o impacte da política de
dividendos no preço de mercado das empresas.
O efeito clientela foi originalmente sugerido por MM (1961)
tendo estes defendido que cada empresa tenderá a atrair para si a sua
própria "clientela", que consiste nos investidores que preferem o seu
rácio particular de pagamento de dividendos. Este efeito é uma
possível explicação para a relutância por parte da gestão em alterar os
rácios de dividendos porque esta alteração pode causar aos accionistas

134
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

a ocorrência de custos de transacção indesejáveis.


Elton e Gruber (1970), através de um trabalho empírico,
concluíram que as evidências do seu modelo sugerem que MM
estavam certos quando colocaram a hipótese do efeito de clientela.
Adicionalmente, também Pettit (1977) e Harris, Roenfeldt e Cooley
(1983) encontraram nos seus estudos evidência de que existe efeito de
clientela. Contudo, Lewellen, Stanley, Lease e Schlarbaum (1978), que
utilizaram no seu estudo a mesma amostra que foi utilizada no estudo
de Pettit, chegaram à conclusão que os resultados apenas sugeriam um
fraco efeito de clientela, conclusões estas consistentes com as de
Koski e Sruggs (1998), que apenas encontraram pouca evidência do
efeito de clientela.
Dois factores adicionais que são frequentemente mencionados
para favorecimento de uma distribuição elevada de dividendos são a
preferência dos investidores por rendimento corrente e a resolução de
incertezas. Muitos autores que defendem elevados rácios de
distribuição de dividendos, baseiam-se em argumentos como o facto
dos dividendos serem dinheiro seguro, enquanto as mais-valias são
potenciais.
Os investidores acreditam que os dividendos são menos
arriscados do que os ganhos de capital e, numa visão tradicional,
preferem dividendos elevados a dividendos baixos. Este facto resume-
se à falácia de "um pássaro na mão", conhecida no mundo das
finanças empresariais como "bird-in-the-hand fallacy". Por causa da
relação entre risco e rendibilidade, quem prefere dividendos aceita
uma rendibilidade mais baixa do que quem prefere ganhos de capital.
Os dividendos são correntes, enquanto os ganhos de capital são
futuros e potenciais, envolvendo risco.
Graham, Dodd e Cottle (1962) argumentam que as empresas
geralmente devem apresentar um payout de dividendos elevado,
baseando-se no facto do valor actual dos dividendos mais próximos
ser superior ao dos dividendos mais afastados e também no facto do
preço de venda das acções de uma empresa semelhante a outra mas
que distribua mais dividendos ser superior àquela que não os distribui.

135
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Gordon (1961) argumentou que as empresas com uma política


de dividendos elevada favorecem os accionistas porque lhes resolvem,
ou pelo menos, diminuem a incerteza. Adicionalmente, Lintner (1962)
e Gordon (1963) argumentam que os investidores preferem receber
dividendos correntes a ganhos futuros de capital, dado que os
dividendos são mais valorizados que os ganhos de capital, por serem
menos arriscados. Também o teste de Long (1978) permitiu chegar à
conclusão de que os accionistas desejam dividendos, concluindo que
"claims to cash dividends have, if anything, commanded a slight
premium in the market to claim to equal amounts (before taxes) of
capital gains".
Resumindo o que foi entretanto analisado, poderemos dizer que
o efeito fiscal é o argumento mais forte a favor do pagamento de
dividendos baixos, enquanto a preferência por rendimentos correntes é
o que mais contribui para a defesa de dividendos elevados. Contudo,
os testes empíricos não conseguiram ainda determinar qual destes
efeitos predomina sobre o outro.
Outro dos factores que contribui para a distribuição de
resultados, que passamos a analisar na secção seguinte, é o conteúdo
informativo dos dividendos, baseado na ideia de que os dividendos
revelam as expectativas dos gestores das empresas sobre a evolução
futura da empresa.

3. CONTEÚDO INFORMATIVO DOS DIVIDENDOS

O pagamento de dividendos e a variação do seu montante


representam sinais importantes de que os gestores das empresas
enviam informações para o mercado, sendo este fenómeno conhecido
por conteúdo informativo dos dividendos. Quando consideramos que a
informação não está livremente disponível e é onerosa, a forma mais
barata de a obter é através da política de dividendos: uma ferramenta
importante que pode ser usada para beneficiar os accionistas. As
alterações dos dividendos podem afectar o preço das acções se os
investidores acreditarem que essas alterações convergem informação

136
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

útil. De facto, o preço da acção eleva-se frequentemente em resposta a


um anúncio de aumento de dividendos, e tende a diminuir quando os
dividendos decrescem.
As alterações nos dividendos serão sinais importantes para os
investidores, reflectindo a mudança de expectativas dos gestores
quanto aos resultados futuros. Geralmente, as empresas gerem os seus
dividendos de maneira a que as suas alterações sejam consistentes com
as perspectivas de resultados futuros, pelo que um aumento de
dividendos é o sinal dado pela gestão ao mercado de que se espera um
bom desempenho da empresa, sinalizando o desempenho corrente e
futuro da empresa aos investidores, o que implica um aumento no
preço das acções. Segundo Ross, Westerfield e Jordan (1998), este
aumento deve-se não ao acréscimo propriamente dito dos dividendos,
mas sim às expectativas de maiores dividendos futuros.
Os dividendos estáveis e previsíveis implicam mais certeza do
que os dividendos variáveis, nomeadamente pelo efeito do conteúdo
informativo dos dividendos e porque muitos investidores recorrem aos
dividendos para consumo corrente. De facto, Lintner (1956) encontrou
evidência da preferência por parte das empresas em manterem os seus
dividendos estáveis. Igualmente, os investidores preferem dividendos
estáveis e pagam um prémio por isso, conclusão obtida por Home e
Wachowicz (1998) no seu recente estudo.
Fama e Babiak (1968) investigam vários modelos para tentarem
explicar o comportamento dos dividendos. Usaram uma amostra de
201 empresas, com dados que cobrem um período de 17 anos.
Encontraram evidência de que as empresas aumentam os dividendos
somente quando têm alguma certeza da possibilidade de os manter
permanentemente, até ao próximo acréscimo.
Watts (1973) encontrou um efeito positivo entre o anúncio de
acréscimo de dividendos e o preço das acções, mas concluiu que o
conteúdo informativo não tem significado económico porque não
permite a obtenção de rendibilidades anormais depois de considerados
os custos de transacção, no caso dos investidores terem acesso
monopolístico à informação.

137
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Por outro lado, Pettit (1972) encontrou um suporte claro para a


proposição de que o mercado utiliza os anúncios dos dividendos como
informação para lançar os valores dos títulos, concluindo que muita
informação é transmitida pelo anúncio de alterações dos dividendos.
Contudo, os seus resultados foram criticados por vários autores por
este ter recorrido às alterações dos dividendos observadas, em vez de
recorrerem às alterações não esperadas dos dividendos. Kwan (1981)
aperfeiçoou o trabalho de Pettit (1972) construindo carteiras baseadas
em alterações inesperadas de dividendos, encontrando evidência
estatisticamente significativa de rendibilidades anormais quando as
empresas anunciavam alterações de dividendos não esperadas.
Brickley (1983) estudou o efeito do anúncio dos dividendos
extraordinários. Os seus resultados suportam a conclusão de que o
mercado reage positivamente ao conteúdo da informação dos
dividendos especiais, mas que os dividendos regulares proporcionam
um maior efeito informativo dos dividendos.
Ross (1977) argumenta que um aumento no rácio de dividendo é
uma mensagem inequívoca porque: (1) não pode ser levada a cabo por
empresas que não antecipem ganhos mais elevados e (2) a gestão tem
um incentivo para "contar a verdade". Segundo o artigo de
Bhattacharya (1979), as empresas com maior qualidade assinalam
informação para o mercado, pagando um montante mais elevado de
dividendos, defendendo o autor a ideia de que os dividendos podem
actuar como um indício sobre a qualidade das empresas, reflectindo
assim a ideia de conteúdo informativo dos dividendos.
Vários estudos foram levados a cabo com o intuito de verificar
se de facto o anúncio de alterações dos dividendos afecta o valor das
acções. Aharony e S wary (1980) encontraram suporte para a hipótese
de que alterações nos dividendos trimestrais providenciam informação
útil que afecta a valorização dos títulos. Encontraram evidência de que
as variações dos dividendos fornecem informação relevante para o
mercado. Os resultados empíricos de Kane, Lee e Marcus (1984)
confirmam os testes anteriores que encontraram evidência de que o
anúncio dos dividendos tem um efeito significativo no preço das

138
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

acções.
Woolridge (1983) analisou o efeito dos anúncios dos dividendos
em obrigações e acções não convertíveis. Os seus resultados suportam
a evidência da hipótese do conteúdo informativo dos dividendos.
Handjiinicolaou e Kalay (1984) descobriram que, para uma amostra de
255 obrigações não convertíveis, os preços não eram afectados por
aumentos inesperados de dividendos, mas reagiam negativamente às
reduções de dividendos. Os autores interpretaram este comportamento
de preços como consistentes com a hipótese de conteúdo informativo
dos dividendos. O trabalho de Lang e Litzenberger (1989) indicia a
existência de uma maior efeito de conteúdo informativo no caso de
variações negativas de dividendos do que variações positivas.
Asquith e Mullins (1983) e Richardson, Sefcik e Thompson
(1986) estudaram o efeito do anúncio do primeiro dividendo na
riqueza dos accionistas. Ambos os estudos encontraram forte
evidência do efeito dos anúncios dos dividendos nas rendibilidades
dos títulos. Asquith e Mullins (1983) concluíram que o anúncio de
dividendos, não só revela expectativas quanto à evolução futura das
empresas, como também são uma forma de incentivar a gestão a ser
mais eficiente, evitando sinalizações negativas, associadas a
diminuições nos dividendos e eventuais necessidades de emissão de
novas acções, argumento igualmente utilizado por Jensen (1986).
Adicionalmente, Richardson, Sefcik e Thompson encontraram
evidência estatisticamente significativa do aumento do volume de
transacções durante a semana do anúncio, que está relacionado com o
efeito do conteúdo informativo dos dividendos e ainda encontraram
suporte, se bem que fraco, do efeito de clientela.
Babin (1997) construiu uma matriz com o crescimento dos
dividendos de 30 empresas, ao longo de 10 anos, ordenando
posteriormente as acções de acordo com a amplitude do crescimento
entretanto observada. A análise dos dados sugere uma forte associação
entre o crescimento dos dividendos e o desempenho das acções
respectivas no mercado. As empresas com dividendos irregulares estão
associadas a desempenhos menores, enquanto aquelas que tiveram

139
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

dividendos estáveis ou com um crescimento regular, estavam


associadas a melhores desempenhos. Das 30 empresas em análise,
somente quatro reduziram os seus dividendos no período respeitante à
amostra. Deixar de ter capacidade para aumentar os dividendos é um
sinal de alerta, funcionando como um aviso para o mercado, o que se
pode associar ao conteúdo informativo dos dividendos.
Amihud e Murgia (1997) sugerem o efeito do conteúdo
informativo dos dividendos para explicar a distribuição de dividendos
por parte das empresas, tendo por base o seu estudo, realizado no
mercado alemão.
Brook, Charlton e Hendershott (1998) concluíram que os
investidores parecem interpretar as alterações na política de
dividendos das empresas como sinais acerca das rendibilidades futuras
esperadas pelos seus gestores. De facto, ao elaborarem um teste
empírico, encontraram evidência de que a política de dividendos é
utilizada como um meio de sinalizar para o mercado aumentos de
fluxos de caixa futuros. Concluíram igualmente que as empresas
tendem apenas a comunicar boas notícias, o que é consistente com os
resultados obtidos por DeAngelo, De Angelo e Skinner (1996) que
encontraram evidência de que os gestores não assinalam inversões no
crescimento dos resultados de longo prazo.
Howe e Shen (1998) examinaram até que ponto é que o início da
distribuição de dividendos está associado a resultados não esperados
subsequentes. Encontraram evidência clara que os dividendos não
esperados são mais favoráveis para as empresas que estão a começar a
distribuir dividendos do que para uma amostra de empresas que não
escolheu distribuir dividendos. Utilizaram a metodologia aplicada por
DeAngelo, De Angelo e Skinner (1996). Contrariamente aos
resultados destes autores, que não encontraram diferenças entre
empresas que diminuem os dividendos e aquelas que não os
diminuem, a sua análise providencia evidência de que os dividendos
assinalam perspectivas futuras relativamente favoráveis, concluindo
que os dividendos assinalam diferenças no desempenho das empresas,
contrariamente aos autores anteriormente citados. Os resultados

140
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

sugerem igualmente que os gestores não iniciam a distribuição de


dividendos até terem a certeza de que os conseguem sustentar no
futuro, através dos resultados. Estes resultados suportam a ideia de que
os dividendos têm um caracter de sinalização.
Lara, Esteban e Pérez (1999) analisaram o efeito do conteúdo
informativo dos dividendos no mercado de capitais espanhol, um dos
factores associados à explicação da política de dividendos. De facto, a
política de dividendos pode ser um veículo de transmissão de
informação para o mercado, onde existem assimetrias de informação.
A informação transmitida para o exterior pode alterar as expectativas
dos investidores no que diz respeito ao valor das acções das empresas,
desde que essa informação seja vista como significativa. Para o efeito,
Lara, Esteban e Pérez (1999) analisaram a reacção dos preços das
acções referentes a 50 empresas cotadas na Bolsa de Madrid, para o
período compreendido entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Dezembro
de 1997, após o anúncio da distribuição de dividendos. Os resultados
encontrados permitem confirmar a relevância da política de
dividendos, dado que se verificou a existência de rendibilidades
anormais estatisticamente significativas para o período em análise,
tanto para o sector bancário (analisado separadamente), como para as
outras empresas. Os resultados encontrados sugerem que o anúncio
dos dividendos fornece informação relevante para o mercado, ou seja,
de que existe conteúdo informativo nos dividendos.
Fernandez e Larran (1999) elaboraram um trabalho empírico
com o objectivo de analisar o contributo das informações transmitidas
pela política de dividendos na valorização das empresas, por parte dos
investidores, baseando-se no modelo de Felthman e Ohlson (1995). O
estudo recaiu sobre as empresas não financeiras cotadas na Bolsa de
Londres, no período compreendido entre 1991 e 1996. Os resultados
empíricos obtidos permitem fundamentar a relevância da política de
dividendos para o mercado. Os autores chegaram, entre outras, às
seguintes conclusões: (1) os dividendos são relevantes na valorização
das acções, ao contrário do que afirma a teoria da irrelevância dos
dividendos, sustentada por MM (1961); (2) os sinais transmitidos

141
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

pelos dividendos são mais significativos no caso de aumento de


dividendos do que na diminuição destes, ao contrário dos resultados
obtidos por outros autores, como Lang e Litzenberger (1989) e (3) a
política de dividendos é sensível à dimensão das empresas. Quanto
menor a dimensão das empresas, mais expectativas de ganhos futuros
são transmitidas para o exterior quando se anuncia a distribuição de
resultados, por cada unidade monetária distribuída. Resumidamente,
concluíram que o rácio de pagamento de dividendos reforça a
sinalização transmitida pelos dividendos, consistente com a hipótese
do conteúdo informativo dos dividendos, já confirmado por vários
autores.
Silva (1999) elaborou um estudo com o intuito de analisar a
política de dividendos das empresas com títulos admitidos à cotação
no Mercado de Cotações Oficiais (MCO) da Bolsa de Valores de
Lisboa (BVL), para o período compreendido entre 1990 e 1994.
Constatou que os factores mais significativos para a política de
dividendos são a estabilidade destes e a satisfação dos accionistas.
Encontrou igualmente evidência do efeito de clientela fiscal e dos
efeitos de sinalização. De facto, embora tenha chegado à conclusão
que os gestores determinam a política de dividendos numa base
residual, estes preocupam-se com a sinalização transmitida com os
dividendos, bem como com a estabilidade dos dividendos.
Assim, a evidência que suporta o efeito do conteúdo informativo
dos dividendos continua a verificar-se. As alterações nos dividendos
fornecem informação ao mercado sobre os fluxos de caixa futuros.
Segundo opinião de Copeland e Weston (1992), uma das importantes
implicações do argumento do conteúdo informativo dos dividendos é
que este sugere a possibilidade de uma política de dividendos óptima.
Os benefícios retirados da comunicação da distribuição de dividendos
devem ser confrontados com as desvantagens fiscais da distribuição de
dividendos, no sentido de encontrar um rácio de distribuição de
dividendos óptimo.

142
A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

4. CONCLUSÃO
Inicialmente, MM desenvolveram um modelo que conclui que a
política de dividendos é irrelevante. Contudo, as hipóteses subjacentes
ao modelo tornam-no dificilmente aplicável, já que as suas condições
são limitativas, como seja a existência de um mercado de capitais
perfeitos e a não existência de impostos, um dos factores mais
apontados como limitativo no modelo de MM por vários autores.
De entre os factores que influenciam a política de dividendos,
como sejam os impostos, a relação existente entre os dividendos e a
política de financiamento e investimento, e o efeito clientela,
analisamos neste artigo contribuições de vários autores que visam
esclarecer qual o efeito do conteúdo informativo dos dividendos nas
empresas.
Em termos gerais, os resultados dos trabalhos empíricos
analisados sugerem que o anúncio de dividendos fornece informação
relevante para o mercado, o que nos permite concluir que os
dividendos incorporam conteúdo informativo. De facto, encontramos
suporte em vários estudos para a hipótese de que o anúncio de
alteração nos dividendos afecta o valor das acções das empresas,
encontrando assim evidência para o conteúdo informativo dos
dividendos, confirmado por vários autores, nomeadamente por Pettit
(1972), Ross (1977), Asquith e Mullins (1983), Lang e Litzenberger
(1989) e Lara, Esteban e Pérez (1999). Contudo, enquanto uns autores
encontraram evidência de um maior efeito de conteúdo informativo no
caso de variações negativas dos dividendos, como seja Lang e
Litzenberger (1989), outros chegaram à conclusão contrária. De facto,
Fernandez e Larran (1999)encontraram evidência de que os sinais
transmitidos pelos dividendos são mais significativos no caso de
aumento de dividendos. Alguns estudos encontraram igualmente
evidência de que as empresas tendem a comunicar apenas as boas
notícias, não assinalando inversões no crescimento dos resultados de
longo prazo, como sejam os trabalhos levados a cabo por DeAngelo,
DeAngelo e Skinner (1996) e Brook, Charlton e Hendershott (1998).
Podemos concluir que as empresas utilizam o anúncio de

143
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

dividendos como um suporte da informação a ser transmitida para o


exterior, já que os dividendos, através do conteúdo informativo,
alteram o valor da empresa. Assim, este factor incentiva a distribuição
de resultados, ou seja, contribui favoravelmente para a distribuição
destes.
Copeland e Weston (1992) deixam transparecer a possibilidade
da existência de uma política óptima de dividendos. Mas, se o
fenómeno do conteúdo informativo conduz a uma política de
distribuição de dividendos elevados, outros factores existem, como o
caso dos impostos, que contribuem em sentido inverso. Assim, apesar
da intensa investigação sobre a política de dividendos, os testes
empíricos continuam a não ser conclusivos, continuando este tema a
ser um puzzle no mundo das finanças empresariais, palavras que Black
(1976) referiu no seu estudo, e que julgamos continuarem válidas nos
dias de hoje.
Uma possível via para trabalhos futuros, seria elaborar testes
empíricos em diferentes mercados, analisando em que sentido
caminham os seus resultados, bem como explorar a relação existente
entre a política de dividendos e questões afins, nomeadamente
analisando a relação existente entre a política de dividendos e a teoria
da agência, questão que tem vindo a ser explorada recentemente.

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147
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIaSérie, 6/7 (2000/2001)

ANÁLISE DA EFICIÊNCIA PRODUTIVA:


CONTRIBUTO PARA UMA REVISÃO DE LITERATURA

FRANCISCO NUNO ROCHA GONÇALVES


francisco. goncalves @ isca.ua.pt
A SSISTENTE DOI.S.Ç.A.A.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO
II. EFICIÊNCIA PRODUTIVA E METODOLOGIA NÃO-PARAMÉTRICA:
REVISÃO DE LITERATURA
1. EFICIÊNCIA PRODUTIVA
2. A METODOLOGIA NÃO-PARAMÉTRICA
3. VARIÁVEIS AMBIENTAIS
III. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

150
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

I. INTRODUÇÃO

O presente artigo1 tem por objectivo fundamental apresentar


uma metodologia de análise da eficiência produtiva de unidades
económicas de produção, bem como alguns conceitos relacionados.
Tipicamente, na literatura, estas unidades são quaisquer organizações
com uma actividade susceptível de ser analisada numa óptica
económica2. Por exemplo, são sucursais de um banco, lojas de uma
cadeia de retalho, unidades de saúde ou escolas. Existem ainda
aplicações empíricas em que as unidades são sujeitos individuais, que
são analisados enquanto observações independentes (ex.: Chilingerian,
1995).
Uma metodologia relativamente mais divulgada compreende os
métodos econométricos. De facto, os elementos de uma determinada
amostra podem ser comparados entre si e assim avaliados, por recurso
à estatística. Contudo, normalmente, a estrutura de produção de cada
unidade é desconhecida (ex.: não são conhecidas as suas verdadeiras
curvas de custo) e este é o argumento fundamental para a adopção de
um método não-paramétrico para gerar os índices de eficiência de
cada unidade. O método Data Envelopment Analysis (DEA) é um
método não-paramétrico que permite gerar índices de eficiência, não
impondo uma forma funcional paramétrica para a tecnologia de
produção.

1
Este artigo foi elaborado a partir de um trabalho mais vasto, materializado nas
provas de Mestrado (Mestrado em Economia, ramo de Economia Industrial e da
Empresa) do seu autor, decorridas em Maio de 2000, na Faculdade de Economia do
Porto.
2
Independentemente da natureza do bem ou serviço aí produzido, procura
comparar-se o desempenho de unidades funcionalmente autónomas de gestão de
detrminados recursos, com vista à produção desse bem ou serviço. As unidades
deverão ter uma independência razoável, em matéria de capacidade de decisão sobre
níveis de produção e afectação de recursos. Consequentemente, há inúmeras
possibilidades para os objectos de estudo, do ponto de vista do seu desempenho
económico.

151
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

II. EFICIÊNCIA PRODUTIVA E METODOLOGIA NÃO


PARAMÉTRICA: REVISÃO DE LITERATURA

De seguida, apresenta-se o conceito de eficiência produtiva e a


respectiva decomposição em eficiência técnica pura, eficiência de
congestão, eficiência de escala e eficiência alocativa. Descreve-se
também uma metodologia não-paramétrica, o Data Envelopment
Analysis. A secção final deste capítulo releva o papel das forças
ambientais.

1. EFICIÊNCIA PRODUTIVA

Os trabalhos pioneiros sobre a medição da eficiência produtiva


devem-se a Koopmans (1951) e a Debreu (1951), tendo a abordagem
destes autores sido posteriormente aprofundada por Farrell (1957).
Um contributo fundamental de Koopmans (1951), referido em Fãre,
Grosskopf and Lovell (1994, p. 7), foi a proposta de uma definição de
eficiência, actualmente designada de eficiência técnica, segundo a
qual "um vector de outputs {inputs) é tecnicamente eficiente se e só se
o aumento de um output (a diminuição de um input) for possível
apenas com a diminuição de um outro output (o aumento de outro
input)". Este conceito de eficiência permite distinguir, para uma dada
tecnologia de produção, entre combinações de outputs ou inputs
eficientes e não eficientes.
Contudo, a definição de Koopmans não permite determinar o
grau de eficiência de um vector de outputs ou inputs ou identificar o
conjunto de vectores eficientes que sirva como conjunto de referência
de um vector ineficiente. Farrell (1957, p. 255), quando explora o
trabalho de Koopmans, refere que a definição de eficiência técnica de
Koopmans deve ser interpretada como uma medida relativa, ou seja, a
eficiência técnica de um vector de outputs ou inputs deve ser
determinada relativamente a um conjunto de referência.
Debreu (1951) desenvolveu uma medida concreta de eficiência
técnica. O "coeficiente de utilização de recursos" proposto por Debreu
(1951) permite identificar os vectores de inputs tecnicamente

152
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

eficientes e medir o grau de eficiência técnica desses vectores. O


coeficiente de utilização de recursos é calculado como 1 (um) menos a
redução equiproporcional máxima de todos os inputs, mantendo-se
constante a quantidade inicial do(s) output(s) (Lovell, 1993, p. 10). Se
o coeficiente for igual a um, então o vector dos inputs é tecnicamente
eficiente, dado que não é possível diminuir os inputs, sem diminuir a
quantidade de pelo menos um output. Um coeficiente inferior à
unidade indica ineficiência técnica.
A medida de eficiência técnica de Debreu (1951) é radial. Uma
medida de eficiência técnica radial implica que a procura do maior
(menor) vector de outputs (inputs) possível (isto é, eficiente) está
restringida por uma regra de equiproporcionalidade. Um vector de
inputs ou outputs tecnicamente eficiente de acordo com a medida de
Debreu, não é necessariamente tecnicamente eficiente de acordo com
a definição de Koopmans (1951). Contudo, um vector de inputs ou
outputs que seja tecnicamente eficiente de acordo com a definição de
Koopmans (1951) é considerado tecnicamente eficiente pela medida
de Debreu (1951). A localização de um vector de inputs ou outputs na
fronteira de produção é condição suficiente para que esse vector seja
considerado tecnicamente eficiente utilizando a medida de Debreu
(1951), todavia não é condição suficiente de acordo com a definição
de Koopmans (1951). Neste caso, dado um vector de inputs ou outputs
localizado na fronteira de produção, pode ainda ser possível reduzir
(aumentar) a quantidade de pelo menos um input (output).
A medida radial de eficiência técnica apresenta algumas
vantagens. Por um lado, é uma medida independente das unidades de
medida dos inputs ou dos outputs. Por outro lado, possibilita uma
interpretação simples das variações dos inputs ou dos outputs.
Na sequência dos trabalhos de Debreu e Koopmans, Farrell
(1957) desenvolveu o conceito de eficiência alocativa, que reflecte a
capacidade de uma unidade de produção para seleccionar
correctamente o vector de inputs tecnicamente eficiente, dados os
preços dos inputs. Partindo do pressuposto de que uma unidade de
produção tem como objectivo a minimização do custo, Farrell (1957)
define a medida de eficiência produtiva (ou global) como o produto da

153
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

medida de eficiência técnica e da medida de eficiência alocativa.


A figura 2.1 ilustra as medidas de eficiência técnica e alocativa
de Farrell (1957). Pressupondo rendimentos constantes à escala, a
isoquanta s representa a isoquanta unitária, e os eixos representam as
quantidades necessárias de xj e X2 para produzir uma unidade de
output.

Figura 2.1. Medidas de Eficiência de Farrell

Fonte: Adaptado de Farrell (1957)

Seja P o vector das quantidades de inputs (xj^) utilizado por


uma unidade de produção para produzir uma unidade de output. Por
definição, qualquer combinação de factores na isoquanta3 s é
considerado tecnicamente eficiente. Sendo a medida de eficiência
técnica radial, a combinação de factores P é comparada com a
combinação Q, que resulta da intersecção da isoquanta s com a linha
recta que parte da origem e passa pelo ponto P. Então, a medida de
eficiência técnica é dada pelo rácio por OQIOP < 1.
Seja o preço relativo dos factores dado pela inclinação da recta
a. Se o nível de produção desejado é uma unidade de output, a
combinação Q' representa o vector de factores óptimo. Q e Q' são
combinações tecnicamente eficientes, contudo, dados os preços
relativos dos factores, Q não é alocativamente eficiente. Dado que o

De momento, não se discute se a isoquanta é conhecida, ou como foi obtida. Esta é


uma discussão importante, mas que será introduzida apenas na próxima secção.

154
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

custo da combinação R é igual ao custo da combinação Q', a medida


de eficiência alocativa do vector P é dada pelo rácio OR/OQ < 1. Por
fim, a medida de eficiência global (ou produtiva) da combinação P é
dada pelo rácio OR/OP.
Como referimos, a medida de eficiência produtiva é igual ao
produto da medida de eficiência técnica e da medida de eficiência
alocativa:

OR OQ OR
= —^X (2.1)
OP OP OQ

Farrell (1957) pressupõe na sua análise que a unidade de


produção tem como objectivo a minimização do custo e assume uma
tecnologia de produção com rendimentos constantes à escala.
Pressupondo a minimização do custo, Fare, Grosskopf and Lovell
(1985, 1994) apresentam medidas de eficiência produtiva para
tecnologias de produção menos restritivas, em que se assume
diferentes hipóteses quanto aos rendimentos à escala e quanto à
monotonicidade. Existem outras hipóteses comportamentais que
podem ser consideradas na análise da eficiência produtiva. Fáre,
Grosskopf and Lovell (1985, 1994) também desenvolvem medidas de
eficiência produtiva no contexto da maximização da receita e do lucro.
Pressupondo a maximização da receita (lucro), a medida de eficiência
produtiva e as respectivas componentes são definidas no espaço dos
outputs (outputs-inputs). As propriedades das várias medidas de
eficiência produtiva e respectivas componentes são desenvolvidas e
demonstradas formalmente em Fáre, Grosskopf and Lovell (1985,
1994).
Fáre, Grosskopf and Lovell (1983) desenvolveram uma
decomposição da medida de eficiência técnica. A principal motivação
para esta decomposição reside na identificação das fontes mais
importantes da ineficiência técnica observada e ainda na quantificação
das diferenças de desempenho entre observações (Fáre, Grosskopf and
Lovell, 1983). Esta decomposição é também apresentada em Fáre,
Grosskopf and Lovell (1985, 1994). Nestes trabalhos, Fáre, Grosskopf

155
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

and Lovell (1985, 1994) incluem quer as medidas radiais, quer as


medidas não-radiais4.
Dada a decomposição da eficiência técnica, a medida de
eficiência produtiva é igual ao produto de quatro medidas de
eficiência (Fare, Grosskopf and Lovell (1983, 1985, 1994)). Estas
medidas possuem "significado económico e são mutuamente
exclusivas e exaustivas" (Fãre, Grosskopf and Lovell, 1985, p. 188).
Pressupondo que a unidade de produção tem como objectivo a
minimização do custo, a medida de eficiência produtiva é dada por:

EP(x,y,w) = ETP(x,y) x EC(x,y) x ES(x,y) x EA(x,y,w) (2.2)

em que:
EP(x,y) = medida de eficiência produtiva;
ETP(x,y) = medida de eficiência técnica pura;
EC(x,y) - medida de eficiência de congestão;
ES(x,y) = medida de eficiência de escala;
EA(x,y) = medida de eficiência alocativa;
x = vector dos inputs;
y = vector dos outputs;
w = vector dos preços dos inputs.

A análise de cada uma destas medidas de eficiência é feita por


recurso à figura 2.2.

4
Neste artigo, optou-se apenas pela recensão e utilização das medidas radiais. Deste
modo, os desenvolvimentos, que se seguem, referem-se a medidas radiais de
eficiência.

156
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

Figura 2.2. Medida Radial de Eficiência dos Inputs

My) / L»(y)

Fonte: adaptado de Fare, Grosskopf and Lovell (1985, p. 189)

Sejam V a combinação de inputs utilizada por uma unidade de


produção para produzir y e PP a isocusto cuja inclinação representa os
preços relativos dos inputs. A curva LLP(y) representa a fronteira do
conjunto de necessidades de factores, pressupondo-se rendimentos
constantes à escala e monotonicidade forte. Esta fronteira representa o
conjunto eficiente de longo prazo.
A medida de eficiência técnica, como já referimos, é obtida
através da máxima contracção radial das quantidades utilizadas de
todos os inputs, de modo a que ainda seja possível produzir a mesma
quantidade de output. Dada a fronteira LLP(y), a combinação S
IP
e L (y) é uma combinação tecnicamente eficiente e está localizada
sobre o raio OV. A medida de eficiência técnica da combinação V é
dada pelo rácio OS/OV.
Dado o preço relativo dos factores, Wé uma combinação técnica
e alocativamente eficiente. Sendo o custo da combinação T igual ao
custo da combinação W, a medida de eficiência alocativa do vector V
é dada pelo rácio OT/OS. Este rácio relaciona o custo mínimo de
produção de y (aferido em W ou 7) com o custo de um vector

157
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

tecnicamente eficiente (combinação S).


De acordo com a definição de eficiência produtiva (global) de
Farrell (1957), a combinação Wé a combinação globalmente eficiente.
A localização em W implica quer a redução equiproporcional das
quantidades de ambos os inputs para se atingir um ponto tecnicamente
eficiente, quer a alteração das proporções das quantidades destes
inputs para se atingir um ponto alocativamente eficiente. A medida de
eficiência global da combinação V é dada pelo rácio OT/OV.
A ineficiência de escala ocorre sempre que a unidade de
produção não está a operar na escala de operações consistente com o
equilíbrio concorrencial de longo prazo, ou seja, num ponto
consistente com rendimentos constantes à escala (Fare, Grosskopf and
Lovell, 1985, p. 190). A medida de eficiência de escala de uma
combinação de inputs é calculada através do rácio da medida de
eficiência técnica dessa combinação, avaliada em relação a um
conjunto eficiente que pressupõe rendimentos constantes à escala, e a
medida de eficiência técnica obtida em relação a um conjunto
eficiente que pressupõe rendimentos variáveis à escala. A curva L(y)
representa a fronteira do conjunto de necessidades de factores,
pressupondo rendimentos variáveis à escala e monotonicidade forte.
Dados L(y) e LLP(y), a medida de eficiência de escala da combinação
de inputs V é dada por OS/OR.
A medida de eficiência técnica pura de uma combinação de
inputs é uma medida de eficiência técnica avaliada em relação a um
conjunto eficiente que não impõe a propriedade da monotonicidade
forte, Lw(y). No caso da combinação de inputs V, a medida de
eficiência técnica pura é dada pelo rácio OQ/OV.
O conceito de eficiência de congestão, ou eficiência estrutural,
foi introduzido por Fáre and Svensson (1980). Este conceito é
consistente com a noção de que a congestão de inputs ocorre sempre
que o aumento de algum(ns) input(s) implica uma diminuição do
output ou quando o decréscimo de um ou vários inputs implica um
aumento do output (Fáre, Grosskopf and Lovell, 1985).
A ineficiência estrutural ou de congestão resulta da produção
numa região não económica em que o produto marginal é negativo

158
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

(Fáre, Grosskopf and Lovell, 1985). A medida de eficiência estrutural


da combinação V é dada pelo rácio OR/OQ. Esta medida é obtida pelo
rácio da medida de eficiência técnica de V calculada relativamente a
L(y) (conjunto eficiente com monotonicidade forte) e a medida de
eficiência técnica desta combinação avaliada relativamente a Lw(y)
(conjunto eficiente pressupondo a não monotonicidade forte).
A tabela 2.1 apresenta a decomposição da medida de eficiência
produtiva obtida com base nos dados da figura 2.2.

Tabela 2.1. Decomposição da Medida de Eficiência Produtiva

Medidas de Eficiência Rácios


Produtiva (ou Global) OT/OV
Alocativa OT/OS
Técnica OS/OV
Escala OS/OR
Congestão OR/OQ
Técnica Pura OQ/OV

Existem vários trabalhos empíricos na área dos cuidados de


saúde, que apresentam a decomposição da medida de eficiência
produtiva, ou global. Exemplos desses trabalhos são Banker, Conrad
and Strauss (1986), Byrnes and Valdmanis (1995), Ferrier and
Valdmanis (1996) e Mobley and Magnussen (1998).

2. A METODOLOGIA NÃO-PARAMÉTRICA

Na literatura existem duas abordagens à análise da eficiência


que foram sendo desenvolvidas e aplicadas em paralelo ao longo do
tempo: a abordagem paramétrica e a abordagem não-paramétrica. A
principal diferença entre estas duas abordagens reside na especificação
ou não especificação de uma forma funcional paramétrica para a
tecnologia de produção.
Dado que este artigo apresenta a metodologia não-paramétrica,
procurar-se-á nesta secção apresentar a essência desta abordagem e

159
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

referir as contribuições mais relevantes que foram feitas ao longo do


tempo.
A abordagem não­paramétrica é frequentemente designada por
Data Envelopment Analysis (DEA), visto que gera a fronteira de
produção como uma curva envelope das observações. A fronteira de
produção é constituída por combinações lineares das observações
extremas, resultando uma fronteira formada por segmentos de recta
lineares. A figura 2.3 ilustra como é gerada a curva envelope das
observações para uma amostra hipotética.

Figura 2.3. Curva Envelope Gerada por DEA

/*—* *
o, r * *
3
O /♦ ♦
/ ♦
T 1 1 1 1

Input

A fronteira de produção não­paramétrica é utilizada como a


tecnologia de referência para medir a eficiência produtiva de um dado
vector de outputs ou inputs. A eficiência de um vector de inputs
{outputs) é medida pela distância deste vector relativamente à
fronteira de produção não­paramétrica, sendo esta distância dada pela
redução (expansão) radial máxima possível do vector. Este
procedimento é consistente com as medidas de eficiência de Debreu
(1951) e Farrell (1957) (Fare, Grosskopf and Lovell, 1985, 1994).
O método não­paramétrico foi inicialmente utilizado por Farrell
(1957) e Farrell and Fieldhouse (1962), que construíram uma
tecnologia de produção não­paramétrica pressupondo hipóteses muito
restritivas quanto aos rendimentos à escala. Afriat (1972) demonstrou
como se podia gerar uma fronteira de produção não­paramétrica

160
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

eliminando a restrição de rendimentos constantes à escala.


Chames, Cooper and Rhodes (1978) generalizaram a medida de
eficiência técnica de Farrell no contexto de múltiplos inputs e outputs,
utilizando a abordagem DEA. A fronteira não-paramétrica em
Chames, Cooper and Rhodes (1978) pressupunha rendimentos
constantes à escala. Banker, Chames and Cooper (1984) geram
medidas de eficiência técnica e de escala no contexto de vários inputs
e outputs, identificando se os rendimentos à escala são crescentes,
decrescentes ou constantes. Pressupondo diferentes hipóteses quanto
aos rendimentos à escala e quanto à monotonicidade da tecnologia de
produção, Fare, Grosskopf and Lovell (1985, 1994) geram várias
fronteiras de produção não-paramétricas no contexto de múltiplos
inputs e outputs.
A figura 2.3 ilustra simplificadamente três tecnologias de
produção com diferentes rendimentos à escala. Esta ilustração
contempla apenas um output e um input.

Figura 2.3. Tipos de Rendimentos à Escala

Output

Input

O segmento de recta (a) representa uma tecnologia com


rendimentos constantes à escala, em que é constante a relação
input/output. A tecnologia de produção com rendimentos crescentes à
escala é dada pela curva (c), visto que o aumento de quantidade de
input implica um acréscimo mais que proporcional da quantidade do
output. Por fim, se o acréscimo de input produzisse um aumento
menos que proporcional de output, estaríamos na presença de

161
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

rendimentos decrescentes à escala, como na curva (b).


Pressupondo um output e um input, consideramos a figura 2.5,
em que cada ponto A, B, C, e D representa uma observação diferente.

Figura 2.5. Rendimentos à Escala no Método DEA

Fonte: Adaptado de Fare, Grosskopf and Lovell (1985)

Uma medida simples de eficiência é o rácio do output por


unidade de input. Dado que em B este rácio é máximo, a curva
envolvente das observações é [OB]. O ponto A não está nesta fronteira
e o grau de (in)eficiência técnica é dado por XAIIxA (<1). Nesta análise,
pressupõem-se rendimentos constantes à escala.
As medidas de eficiência, apresentadas na secção anterior,
podem ser geradas pressupondo que a tecnologia de produção exibe
rendimentos não crescentes à escala ou rendimentos variáveis à escala.
Assumindo rendimentos não crescentes à escala (rendimentos
variáveis à escala), a curva envelope das observações seria [OBC]
([xAABC]).
Em relação à observação D, o índice de ineficiência técnica é
igual a XDI/XD, pressupondo rendimentos não crescentes ou
rendimentos constantes à escala. No caso de rendimentos variáveis à
escala, o índice de ineficiência técnica é igual a X^/XD-
Chames et ai. (1982, 1983) desenvolvem um tipo de modelos de
DEA, designados de modelos multiplicativos, que implicam uma

162
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

alteração na geometria habitual das curvas envelope. Estes modelos


geram curvas envelope constituídas por segmentos de recta não
lineares, do tipo log-lin ou Cobb-Douglas.
Os modelos aditivos de DEA, propostos por Chames et ai.
(1985), geram fronteiras do tipo linear e permitem considerar
múltiplos inputs e outputs, bem como rendimentos à escala variáveis.
Os modelos DEA foram, adicionalmente, aperfeiçoados após o
reconhecimento da presença de variáveis de input ou output não
discricionárias (fora do controlo da unidade de produção). Banker and
Morey (1986a) apresentam uma aplicação empírica que contempla
variáveis de input não discricionárias.
A introdução de variáveis dummy ou discretas nos modelos
DEA é sugerida e apresentada em Banker and Morey (1986b).
Chames et ai. (1995, p. 53) sugerem um modelo DEA com múltiplas
variáveis não contínuas.
Chames et ai. (1995, p. 55) referem algumas técnicas para
incorporar informação prévia na análise. Nos modelos DEA não
existem restrições para o peso relativo de cada input e output, para
além da restrição de não-negatividade. A imposição de algumas
restrições evitará que a solução proponha quantidades de input ou
output excessivamente baixas ou elevadas, tomando a solução pouco
verosímil.
Lovell (1993) refere a introdução de propriedades estatísticas no
DEA como um objecto de investigação importante, embora reconheça
que não existe experiência empírica suficiente para avaliar a confiança
dos modelos existentes. A generalidade dos modelos e aplicações de
DEA são determinísticos, impossibilitando a inferência estatística.
Esta é a maior crítica à metodologia não-paramétrica e o
desenvolvimento do DEA estocástico pode vir a permitir ultrapassá-la.
Fare, Grosskopf and Lovell (1985, p. 193) referem algumas
vantagens e desvantagens às características da abordagem não-
paramétrica à análise da eficiência produtiva. Em primeiro lugar, é
uma abordagem flexível que permite o cálculo de medidas de
eficiência na perspectiva quer dos inputs, quer dos outputs. Em
segundo lugar, os índices de eficiência calculados por este método são

163
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

o limite superior do grau de eficiência de uma dada observação, dado


que são derivados por referência à curva envelope do conjunto de
todos os dados da amostra. Por fim, qualquer desvio em relação à
curva envelope é interpretado como sendo ineficiência. Porém, a
ineficiência pode ser apenas parte da verdadeira explicação, devido ao
papel de factores exógenos, a diferenças de qualidade ou a outros
factores não contemplados na análise (Fare, Grosskopf and Lovell,
1985).
Em suma, as desvantagens do método DEA determinístico são a
impossibilidade de exercer inferência estatística sobre as estimativas e
ainda o facto de a fronteira envelope ser calculada a partir de um
subconjunto de observações extremas, sendo por isso, muito sensível a
erros de medida e à presença de outliers. Porém, a utilização de
fronteiras paramétricas estocásticas também é sensível a outliers.

3. VARIÁVEIS AMBIENTAIS

As unidades de produção, independentemente da sua natureza,


são influenciadas pelo ambiente em que se inserem. As contingências
ambientais podem englobar um conjunto vasto de factores como, por
exemplo, a estrutura da propriedade (pública ou privada), a
localização geográfica, o poder dos sindicatos e condicionamentos
legais específicos. Note-se que estes factores estão, em geral, fora do
controlo da gestão das unidades de produção e podem explicar
diferenças no grau de eficiência das unidades de produção.
Coelli, Rao and Battese (1997, p. 166) apresentam quatro
técnicas que podem ser utilizadas para explicar as diferenças
observadas nos índices de eficiência, calculados para cada observação
de uma amostra.
Na primeira técnica, selecciona-se uma variável que distingue as
observações de uma amostra (e.g., localização geográfica). Tendo em
conta esta variável, hierarquizam-se as observações e geram-se índices
de eficiência para cada observação, em que o seu conjunto de
referência é composto apenas pelas observações com a mesma
localização geográfica ou por observações com localizações mais

164
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

desfavorecidas. Por exemplo, na análise da eficiência produtiva de


unidades comerciais localizadas numa área suburbana vs. no centro da
cidade, não seria correcto gerar índices de eficiência para as unidades
suburbanas, considerando no seu conjunto de referência as unidades
localizadas no centro da cidade. Em termos de desvantagens, esta
técnica não permite que se considere mais do que uma variável de
cada vez, e obriga a que se defina a priori o sentido de influência
desta variável no grau de eficiência.
A segunda técnica aplica-se a casos em que o factor ambiental
não permite a ordenação das observações (e.g., tutela pública ou
privada). Nestas condições, divide-se a amostra inicial em várias sub
amostras, de acordo com a variável ambiental, e geram-se índices de
eficiência para cada observação de cada sub amostra. De seguida,
comparam-se os índices de eficiência das várias sub amostras. Esta
técnica não permite que se considere mais do que uma variável
ambiental.
Na terceira técnica, as variáveis ambientais são consideradas
como inputs ou outputs da unidade de produção e, consequentemente,
são incluídas no cálculo dos índices de eficiência. Coelli, Rao and
Battese (1997) referem que, apesar deste método ser preferível aos
anteriores, continua a ser necessário conhecer a priori o sentido de
influência destas variáveis sobre o grau de eficiência, o que nem
sempre é possível.
A quarta técnica consiste numa abordagem bi-etápica. Na
primeira etapa da análise, são gerados os índices de eficiência para
cada observação da amostra. Na segunda etapa, os índices de
eficiência são relacionados com as variáveis ambientais seleccionadas,
através de um modelo econométrico de variável dependente limitada
(e.g., Tobit ou Probit). As vantagens do método bi-etápico são a
simplicidade na estimação econométrica (Lovell, 1993, p. 53), a par
da não imposição de um sentido de influência das variáveis ambientais
sobre o grau de eficiência (Coelli, Rao and Battese, 1997, p. 168).
Existem vários estudos empíricos que utilizaram a abordagem
bi-etápica e o método DEA na análise da eficiência produtiva das
instituições hospitalares (e.g., Kooreman, 1994; Ferrier and

165
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Valdmanis, 1996; Burgess and Wilson, 1998).

III. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES

Neste artigo apresentou-se um método de análise da eficiência


produtiva. Os resultados empíricos, resultantes da aplicação das
metodologias descritas, indicam a proporção de unidades económicas
que é eficiente, de acordo com cada conceito de eficiência.
Apresentou-se o conceito de eficiência produtiva (ou económica
ou custo, se na perspectiva da minimização do custo5). A ineficiência
global resulta da existência de ineficiência técnica e ineficiência
alocativa. Assim, obtêm-se resultados (por virtude das decomposições
possíveis) para os índices de eficiência alocativa e para os índices de
eficiência técnica. Os meios concretos para melhorar a eficiência das
observações podem ser vários e a sua escolha deverá ser feita através
de um estudo individualizado de cada caso. É ainda possível
investigar as fontes de ineficiência alocativa das unidades observadas.
O índice de eficiência de escala para além de permitir
hierarquizar as unidades económicas, possibilita a identificação do
tipo de rendimentos à escala presentes em cada unidade.
Apesar de não ser um procedimento consensual é possível
relacionar cada um dos índices de eficiência com várias variáveis
explicativas, caracterizadoras do ambiente de inserção das unidades
produtivas.
As limitações dos estudos que empregam estes métodos são
várias e resultam, essencialmente, da indisponibilidade de alguns
dados relevantes, da qualidade dos dados disponíveis e das
desvantagens inerentes ao método DEA.
O método DEA gera a fronteira de produção como uma curva
envolvente das observações da amostra, sem especificar uma forma
funcional paramétrica para a tecnologia de produção. O
desconhecimento da tecnologia de produção de cada unidade e da sua

E possível trabalhar na perspectiva da produção ou do custo. Basta atender à


dualidade entre estas duas funções.

166
Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

estrutura (e.g., rendimentos à escala) é a razão fundamental da


adopção de um método não-paramétrico para gerar os índices de
eficiência. Contudo, a metodologia DEA apresenta alguns problemas.
Dado que o DEA é um método não estocástico, não é possível
conduzir testes de hipóteses sobre a significância estatística dos
índices de eficiência e todos os desvios relativamente à fronteira de
produção são considerados como ineficiência. Assim, a investigação
tem avançado no sentido do desenvolvimento do método DEA
estocástico.
Tendo em conta que a fronteira de produção é gerada como uma
curva envolvente das observações da amostra, este método é sensível
à presença de outliers.
Apesar das limitações apontadas, conclui-se que a utilização do
DEA na análise da eficiência de unidades produtivas, proporciona
informações valiosas para a melhoria das respectivas actividades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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169
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

O REGIME DE ACESSO À ADVOCACIA À LUZ DA


CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

GONÇALO NUNO CA. AVELÃS NUNES


avelas.nunes@isca.ua.pt
MESTRE EM DIREITO
DOCENTE UNIVERSITÁRIO
ADVOGADO
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
1. NOTA PRÉVIA
2. DELIMITAÇÃO DO TEMA
3. INTRODUÇÃO. A ORDEM DOS ADVOGADOS (OA) COMO
ASSOCIAÇÃO PÚBLICA
4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA REGRA
DA OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NA O A - ART. .53°
DOEOA
5. A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 156, N° 1 A) D O E O A :
A "CLÁUSULA DA IDONEIDADE MORAL"
6. A CONSTITUCIONALIDADE DOS REQUISITOS PARA A
INSCRIÇÃO COMO ADVOGADO PREVISTO NO ART. 170° DO
EOA E NORMATIVOS ANEXOS - O ESTÁGIO DE
ADVOCACIA
7. CONCLUSÃO
PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

172
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

APRESENTAÇÃO:

Publico o texto nos exactos termos em que o terminei e


entreguei em 12.04.99, no contexto da disciplina de Direito
Administrativo do Curso de Mestrado de Direito Público da FDUC
1998/2000, daí que as referências bibliográficas e o projecto de
Estatuto por mim apreciado se reportem a essa data.
No momento em que procedo a esta publicação, não poderia
deixar de referir que estranhamente a direcção da Revista da Ordem
dos Advogados recusou a sua publicação por entender que o tema, a
própria Ordem dos Advogados e o seu enquadramento jurídico, não
cabe na temática da mesma .

1
Este mesmo tema foi e tem sido objecto de alguns artigos publicados pela ROA
antes e depois do meu ter sido proposto, curiosamente todos os publicados defendem
a perspectiva oficial da OA.

173
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

1. NOTA PRÉVIA

Dentro da temática proposta pelo Prof. Doutor Vital Moreira


para a disciplina de Direito Administrativo do curso de mestrado, de
Direito Público da FDUC 1998/2000 optei por abordar o regime de
acesso à advocacia porque, enquanto estudante de direito e advogado
estagiário, estas matérias suscitaram o meu empenho sem que no
entanto tivesse tido tempo nem porventura preparação para na altura
fazer uma abordagem mais "científica "das mesmas.
Para a compreensão do estudo que elaborei, gostaria de fazer
uma breve referência às etapas dessa experiência que começou em
1990/91 quando, ainda como estudante da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra (FDUC), fiz parte da comissão ad-hoc que
em conjunto com a Direcção Geral da Associação Académica de
Coimbra (DG/AAC) de então dinamizou a contestação a nível
nacional à entrada em vigor do Regulamento dos Centros Distritais de
Estágio (RCDE) aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos
Advogados (OA) em 21.09.9o\
Posteriormente, em 1992, enquanto membro da DG/AAC e no
seguimento de um movimento de contestação ao referido RCDE,
iniciado pela recém criada Associação Nacional de Advogados
Estagiários (ANAE), acompanhei de perto a sua acção e coordenei o
apoio das associações de estudantes a essas reivindicações que
incidiram sobre : - a existência, legalidade e legitimidade dos exames
de cariz eliminatório nos finais dos dois períodos de estágio; - vários
aspectos de funcionamento dos mesmos; - a constitucionalidade do
art. 156°, n° Io, a) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) -
cláusula da idoneidade moral . Esse movimento culminou com o

2
Devo referir que os órgãos da OA de então se recusaram a dialogar com as
associações de estudante, já que não lhes reconheciam legitimidade para discutir
"um assunto interno da Ordem" (apesar de constituir uma das principais saídas
profissionais dos estudantes de direito e colidir com direitos fundamentais como se
irá ver).

175
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

boicote por parte dos advogados estagiários aos referidos exames nas
matérias extra deontológicas.
Por fim em 1993, enquanto frequentei o estágio de advocacia,
fiz parte da direcção da ANAE que impulsionou um novo movimento
de contestação ao EOA e ao RCDE, invocando as mesmas razões dos
colegas do ano anterior. Utilizando a mesma forma de contestação,
alcançou apenas a alteração de pequenos pormenores de
funcionamento do próprio curso de estágio.
Hoje apesar de ser advogado inscrito na OA, em pleno exercício dos
meus direitos, a atitude desta face ao estágio e aos recém licenciados,
que em grande número saem das inúmeras faculdades de direito,
continua a preocupar-me (porventura com maior razão como se irá
constatar), motivo que me levou a tentar uma abordagem mais
"científica" destas questões.

2. DELIMITAÇÃO DO TEMA

Do vasto leque de problemas que suscitam as ordens


profissionais em geral e a OA em especial, três deles têm suscitado a
minha atenção especial. São eles: o regime de acesso à advocacia em
Portugal; as limitações à publicidade por parte dos advogados; o não
reconhecimento por parte da O A das especialidades. No entanto tendo
em conta as limitações de tempo e a complexidade inerente a cada um
desses assuntos, optei por fazer uma abordagem apenas do primeiro
tema indicado.
Dentro deste era minha pretensão poder apresentar, juntamente
com a análise da situação interna, uma breve perspectiva comparada
das soluções nos países que juridicamente nos estão mais próximos.
Devido à dificuldade de em tempo útil conseguir ter acesso a fontes
actualizadas sobre estes problemas, essa hipótese teve que ser posta de
lado.
A terminar devo precisar que a minha análise vai apenas incidir
sobre as soluções normativas posteriores a 1982 - Ia revisão
constitucional (que como se sabe introduziu o n° 3 do art. 268° de
então, actual art. 267°, n° 4 da CRP ). Com efeito antes dela (i.é.

176
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

perante o texto originário da CRP), as associações públicas, ou pelo


menos aspectos importantes da sua estrutura, tais como a
obrigatoriedade de inscrição à luz do princípio da liberdade de
associação - art. 46° da CRP) seriam inconstitucionais. Esta é a
opinião sustentada por Gomes Canotilho&Vital Moreira (1978:128
nota V ao art. 46o)3 com a qual estou inteiramente de acordo .
Questão prévia esta que poria inteiramente em causa a lógica de
qualquer abordagem que se debruçasse sobre a regulamentação de
aspectos dessas mesmas figuras, que em si seriam inconstitucionais.
Neste contexto, a minha análise vai incidir sobre duas questões
em particular:
A. A constitucionalidade do art. 156°, n° 1, a) do EOA: "a
cláusula da idoneidade moral";
B. A constitucionalidade dos requisitos para a inscrição como
advogado na OA previstos no art. 170° do EOA e normativos
anexos: o Estágio de Advocacia .
Em relação a este segundo tema e dentro do período de tempo
por mim acabado de definir, identifico quatro momentos a analisar:
1. O período compreendido entre a aprovação do DL 84/84 até
à aprovação do RCDE em 21.09.90;
2. O período de tempo em que o RCDE , aprovado pelo
Conselho Geral da OA, esteve em vigor sem que se tenha
procedido à alteração do EOA (Setembro 1990 a Setembro
1994);
3. O enquadramento normativo actual com a nova redacção do
EOA e do RCDE -2;
4. As propostas de alteração do EOA em discussão na própria OA.

3
Ver neste sentido Vital Moreira (1997a:422ss) e também António da Silva Leal
(1979:338).
4
Posição esta que não era unanimemente acolhida. V. por ex. Parecer 2/78 da
Comissão Constitucional, J Miranda (1993:32), Mário Raposo (1977:431), Leonor
Beleza&Teixeira de Sousa (1979:181), que fundamentavam a legitimidade
constitucional das associações publicas essencialmente nos princípios da
descentralização democrática e da participação na administração pública, art. 6o da
CRP:

177
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

3. INTRODUÇÃO: A O R D E M DOS ADVOGADOS (OA) COMO


ASSOCIAÇÃO PÚBLICA.

Nesta introdução vou sucintamente caracterizar a Ordem dos


Advogados (OA) hoje em Portugal. A OA é uma associação pública
profissional - uma das espécies dentro da figura mais ampla da
administração autónoma não territorial5 - art. 267°, n° 4 da CRP - nas
palavras de Freitas do Amaral (1994:400) a pessoa colectiva pública
de tipo associativo criada para assegurar a prossecução de
determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas
que se organizam para a sua prossecução. É portanto a associação
pública que em Portugal agrega os licenciados em direito que exercem
advocacia - art. Io, n° 1 do EOA.
Tal como todas as outras associações públicas profissionais, a
OA congrega um conjunto de elementos essenciais típicos dessas
organizações. Assim e em primeiro lugar é constituída por um
conjunto homogéneo de pessoas que prosseguem interesses e
objectivos comuns - art. 3 o , n° 1 d) e e), etc. do EOA -: como já referi
os licenciados em direito que exercem advocacia .
Foi criada por acto público (acto esse que pode ser coetâneo
com a sua criação ou então posterior quando atribui essa qualidade a
uma associação privada já existente), neste caso o Decreto 11.715 de
12.06.26, tendo posteriormente sido integrada no Estatuto Judiciário
aprovado pelo Decreto 13.809 de 22.06.1927 (sujeito a alterações
posteriores), cuja última redacção constava dos art.s 538° a 672° do
referido Estatuto Judiciário aprovado pelo DL n.° 44.278 de 14 de
Abril de 1962.
Hoje está instituída pelo DL 84/84 de 16 de Março de 1984 (ao
abrigo da lei de autorização n° 1/84 de 15 de Fevereiro de 1984),
diploma que lhe atribuiu o status público e definiu as funções públicas
que ela exerce - art. 3o, n° 1 a), b) e f) do EOA.
A OA, como qualquer corporação pública, detém poder de auto
governo exercido pelos seus órgãos legitimamente eleitos - art. 7o do
EOA - e não está sujeita a qualquer poder de instrução ou de direcção
5
V. Vital Moreira (1997a:369ss).

178
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

por parte de nenhum órgão da administração, podendo assim dizer-se


que goza também de autodeterminação. Por força do art. 199° d) da
CRP e como qualquer órgão da administração autónoma, está
unicamente sujeita ao poder de tutela por parte do governo . Por
último, a OA possui uma estrutura interna baseada nos seus membros
e obedece ao princípio da democraticidade na formação dos seus
órgãos - art. 267°, n° 4 in fine da CRP 7.
A OA, além das funções públicas supra referidas, exerce ainda
funções que correspondem a interesses privados dos seus membros -
art 3 o alíneas c), d), e), i) do EOA. Esta característica da dualidade de
interesses que a OA prossegue é comum a todas as ordens
profissionais e permite distingui-las, quer dos outros órgãos do estado,
quer dos particulares, justificando assim que muitos grupos
profissionais almejem este enquadramento institucional.
Ambivalência que no entanto levanta dúvidas a alguns autores
que questionam a legitimidade de certos sectores profissionais
gozarem do privilégio de se organizarem em forma de entidade
pública e, paralelamente ser-lhes facultada a possibilidade de poderem
exercer funções privadas .
Tais dúvidas, numa perspectiva constitucionalmente adequada,
são ultrapassadas ao definir-se que a prossecução de interesses

6
Poder esse que no entanto não tem sido exercido em Portugal, o que acarreta uma
inconstitucionalidade face ao teor do art. 267°, n° 4 da CRP v. Vital Moreira
(1997c:21).
7
Princípio democrático que é hoje um princípio fundamental no regime jurídico-
constitucional das associações públicas e a da sua própria noção. Essa importância
afere-se a dois níveis: ao nível da legitimidade democrática da sua génese - a
administração autónoma não existe por autógenese, só existe por determinação
constitucional ou por reconhecimento legislativo; e ao nível do aqui referido
funcionamento democrático e organização interna. Sobre estas questões e os
problemas de legitimação e da adequação entre o interesse geral e os interesses
particulares dos grupos organizados em associações publicas, v. Vital Moreira
(1997a:222ss).
8
Ver neste sentido Vital Moreira (1997a:389). Pode ver-se aqui também referências
às teses publicistas e às teses associativistas.
9
Em termos de conformação destas figuras com o princípio da igualdade ver Vital
Moreira (1997a:232).

179
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

privativos dos grupos é legítima se estes tiverem sido convertidos em


interesses públicos ou então, quando a prossecução desses interesses
privativos do grupo não prejudicar a prossecução dos interesses
públicos e aqueles que estiverem reservados a entidades particulares -
art. 267°, n° 4 da CRP. Em último termo, no caso de conflito, deve
optar-se sempre pelo princípio de que uma associação pública como a
OA, não poderá prosseguir interesses particulares que sejam
incompatíveis com os interesses públicos que ela prossegue .
Esta dualidade constitui em si uma vantagem para ambas as
partes, para o estado porque se liberta da necessidade de regulamentar
e fiscalizar o exercício de profissões que considera importantes mas
que devido à sua natural independência e especificidade técnica,11 são
por natureza difíceis de controlar; para os grupos profissionais assim
organizados, porque são eles próprios que regulamentam e fiscalizam
o exercício da sua actividade e por outro lado permite-lhes potenciar a
defesa dos seus interesses particulares.
O EOA obedece também a outros princípios: a regra da
unicidade - art. I o do EOA (só existe uma associação pública de
advogados em Portugal podendo no entanto haver outras associações
privadas de advogados); a obrigatoriedade de inscrição para o
exercício da advocacia12 - art. 53° do EOA ; a autonomia normativa13 -
art. Io, n° 2 do EOA. Segundo Vital Moreira (1997a:385) estes
elementos já não podem ser considerados elementos necessários para
a definição das associações públicas profissionais, apesar de serem
muito comuns às mesmas14.
Para terminar esta breve caracterização devo acrescentar que a
OA prossegue as quatro funções típicas de qualquer associação
pública profissional (Vital Moreira: 1997c:6ss) a saber: representação
e defesa da profissão face ao exterior - art. 3 o , n°ld) do EOA; apoio

V. sobre esta problemática Vital Moreira (1997a:388ss; 1997b:265; 1997c:9,10).


11
Aquelas profissões a que Jorge Miranda (1993:45) chama profissões livres e não
já só as profissões liberais.
1
V. sobre este aspecto ponto 4 deste trabalho.
Sobre o poder regulamentar da administração autónoma e seus limites v. ponto 5
deste trabalho e Vital Moreira ( 1997a: 180ss.)
Em sentido contrário, considerando-os elementos essenciais, R. Soares (1991:164).

180
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

aos seus membros - art. .3°, n° lc) e e) do EOA.; regulação e disciplina


da profissão - art. 3 o b) e f) do EOA); outras funções administrativas
que lhe sejam atribuídas - art. 3 o , n°l, g) e h) infine do EOA.
Em resumo e segundo aquele autor (1997a:382) a OA é uma
pessoa colectiva de direito público, de natureza associativa, criada
como tal por acto do poder público, que desempenha tarefas
administrativas próprias relacionadas com os interesses dos seus
próprios membros, e que, se governa a si mesma mediante órgãos
próprios que emanam da colectividade dos seus membros, sem
dependência de ordens ou orientações governamentais, embora
normalmente sujeitos a uma tutela estadual.

4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA
REGRA DA OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NA OA -
A R T . 5 3 O DO EOA.

Começarei por abordar a questão da obrigatoriedade de


inscrição - art. 53° do EOA - já que esta define o enquadramento das
outras questões que me proponho aqui analisar.
Esta problemática15 foi e é ainda objecto de grande discussão.
Em termos constitucionais tem a ver com o conteúdo do direito da
liberdade de associação - art. 46° da CRP - e com a aceitação da tese
segundo a qual as associações públicas estavam abrangidas por esse
direito ou, pelo contrário de se defender que por serem públicas e
tendo em conta o seu regime essas figuras estão fora do âmbito de
protecção do referido direito.
Direito de liberdade de associação16 que, como se sabe, abrange
fundamentalmente três vertentes: a liberdade positiva de associação,
ou seja o direito de livremente se constituírem associações, e a
liberdade de filiação em associações já existentes; a liberdade da
associação autonomamente se organizar e prosseguir os seus fins; a

15
Nesta abordagem irei seguir de perto (mais uma vez) Vital Moreira (1997a:447ss).
16
V. Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:255ss); Vital Moreira (1997a:427ss),
Leonor Beleza &Teixeira de Sousa (1979:164ss.).

181
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

liberdade negativa de associação, ou seja, o direito de não se fazer


parte de uma associação e de se sair dela livremente.
Tendo em conta as características das associações públicas e o
conteúdo (sucintamente definido) do referido direito de liberdade de
associação, existem várias perspectivas de enquadramento da questão
da inscrição obrigatória nas associações públicas: para a primeira, as
associações públicas não são associações, assim a questão não se põe
ao nível da liberdade de associação; na segunda, para as associações
públicas fica totalmente excluída a liberdade positiva e negativa de
associação já que para a prossecução desses fins não pode haver
liberdade privada de associação; uma terceira perspectiva defende que
só se poderia falar de liberdade negativa de associação havendo
liberdade positiva de associação, como nas associações públicas esta
não existe não fará sentido colocar a questão da liberdade negativa de
associação neste contexto.
Como se pode constatar, qualquer uma destas perspectivas nem
sequer questiona a conformidade da inscrição obrigatória - todas a
aceitam - já que defendem que essa questão quando referida às
associações públicas, não releva para efeitos de direito de liberdade de
associação, nomeadamente da liberdade negativa de associação e
portanto, é perfeitamente legítimo que em sede de associações
públicas o legislador institua essa regra.
A minha perspectiva, acompanhando de perto Gomes Canotilho
&Vital Moreira (1993:260), é totalmente oposta. Assim e num
primeiro momento lógico, parto do pressuposto de que as associações
públicas não deixam de ser associações, não estando à margem da
liberdade de associação - Vital Moreira (1997a:456ss) n. É sempre

17
Como se percebe adopta-se aqui a perspectiva de Vital Moreira (1997a:427ss,
433ss) em relação ao problema prévio a este que se coloca, que é o da relação entre
as associações públicas e o direito da liberdade de associação, nomeadamente a
questão da existência e limites da criação estadual de associações públicas. Segundo
Vital Moreira (obra e loc. cit.) A criação de associações públicas traduz-se portanto
numa ingerência do Estado na liberdade de associação dos particulares, pelo que
carece de adequada justificação constitucional, não apenas quanto à própria
possibilidade de criação de associações públicas, mas também quanto aos limites
decorrentes das regras constitucionais que consentem a limitação de direitos

182
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

necessário que a filiação obrigatória se revele como uma medida


necessária e proporcional à consecução do referido objectivo e ela só
é admissível quando se revele indispensável para alcançar um fim
público relevante, que sem ela não poderia ser conseguido ou só
poderia ser com muito maiores dificuldades. Em resumo a filiação
obrigatória é portanto sempre uma restrição da liberdade negativa de
associação, que de resto se traduz reflexamente numa restrição da
liberdade positiva de associação (autor e loc. cit.).
Em relação à questão concreta que aqui me ocupa, constata-se
que o legislador optou por tornar obrigatória a inscrição na OA, para
se poder exercer advocacia, e fê-lo não porque teria que ser assim,
mas porque ponderando os interesses em causa, considerou que tal era
necessário para a prossecução dos interesses públicos relevantes,
nomeadamente a boa administração da justiça e defesa dos direitos
dos cidadãos.
Tais interesses determinam que a advocacia, profissão livre e
independente por excelência (que assim deve continuar), deva ser
enquadrada numa associação pública, que por ser de inscrição
obrigatória, permite um melhor controle dos seus membros,
assegurando uma melhor e mais adequada prossecução dos fins
pretendidos, sem ser necessário a sua publicização enquanto profissão.
Em resumo, a inscrição obrigatória é já ela mesma uma restrição
ao direito de liberdade negativa de associação de qualquer pessoa que
pretenda exercer advocacia em Portugal.
Por outro lado é hoje perfeitamente aceite pela doutrina que a
filiação obrigatória, se por um lado constitui um dever e um ónus, por
outro atribui também um direito à filiação, ou seja, a associação
pública criada pelo estado e à qual este atribuiu (nos casos em que tal
se justifique) a característica da filiação obrigatória, como é o caso da
OA, não pode recusar a inscrição, salvo por razões previstas na lei e
constitucionalmente autorizadas.

fundamentais.. No mesmo sentido v. Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:260),


percepção que não é seguida pela maior parte da doutrina em Portugal, v .R. Soares
(1991:164), Freitas do Amaral (1994,411), J. Miranda (1986:70).

183
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

Neste sentido e nas palavras de J. Miranda (1994:233), para os


profissionais colegiados não se trata apenas de um dever (ou ónus) de
inscrição. Trata-se também de um verdadeiro direito. Eis as duas
faces da mesma realidade - a obrigação (ou ónus) e o direito - pois
que, se, para se poder desenvolver licitamente a actividade
profissional é preciso estar inscrito na ordem ou câmara, em
compensação todo aquele que reúna as condições legais tem o direito
de dela fazer parte. O art. 47°, n° 1 da Constituição é hoje o título
constitucional de um e outro aspecto. Quer dizer que estamos perante
aquilo a que Vital Moreira (1997a:461) chama o princípio de porta
aberta e que ele próprio define nos seguintes termos: Isso (direito à
filiação) decorre tanto do direito à associação face a um regime de
monopólio associativo, como da liberdade de profissão ou outra
liberdade implicada (se só se pode exercer uma profissão estando
inscrito, então têm direito a inscrever-se todos os que tiverem os
pressupostos do exercício da profissão).

5. A CONSTITUCIONALIDADE DO A R T . 156°, N ° 1 A) D E
EOA: A "CLÁUSULA DA IDONEIDADE M O R A L " .

O art. 156. n° I o a) do EOA aprovado pelo DL 84/84 de 16 de


Março estatui, como requisito para inscrição na OA, uma avaliação
prévia da idoneidade moral do candidato.
Como já referi, não ponho em causa a constitucionalidade da
obrigatoriedade de inscrição na OA como condição necessária para se
exercer a profissão de advogado em Portugal. O que está agora em
causa é saber se a "cláusula da idoneidade moral" viola ou não o
direito à liberdade de escolha de profissão art. 47° da CRP
Está-se portanto perante um problema de confrontação de um
diploma legal com um preceito constitucional consagrador de um
direito fundamental, mais especificamente de um Direito Liberdade e
Garantia (DLG) - art.s 17° e ss da CRP .
Assim sendo, e para se proceder a uma correcta análise desta
questão, ter-se-á de recorrer à problemática do regime jurídico
18
Parênteses meu.

184
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

constitucional dos direitos fundamentais em geral e mais precisamente


ao regime especial dos DLG, já que em relação ao direito à liberdade
de escolha de profissão, pela sua inserção sistemática na CRP - Título
II-, não há dúvida alguma que constitui um direito fundamental ao
qual a constituição atribuiu o estatuto de DLG.
Seguindo de perto Gomes Canotilho (1998:347ss, 1117ss),
dentro de uma metódica correcta de direitos fundamentais, analisarei a
constitucionalidade do art. 156°, n° 1 a) do EOA face ao art. 47° da
CRP 19.
Para o efeito ter-se-á que definir primeiro qual o âmbito de
protecção da norma do art. 47°, ou seja qual o conteúdo do direito de
liberdade de escolha de profissão.
Segundo Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:260ss) este
direito abrange duas componentes : - uma negativa que determina
que ninguém pode ser forçado a escolher ou exercer qualquer
profissão, nem ser impedido de escolher e exercer uma profissão
desde que preencha os requisitos necessários; - uma positiva em que
este abrange o direito à obtenção dos requisitos legalmente exigíveis
para o exercício de determinada profissão e o direito às condições de
acesso em situação de igualdade em qualquer profissão.
Como resulta deste enunciado, o direito em questão abrange
vários níveis de realização a saber: - o direito à obtenção das
habilitações necessárias para o seu exercício; - o direito de ingresso na
profissão; - o direito ao exercício da profissão; - o direito à progressão
na carreira profissional. É portanto um direito de natureza complexa
que abrange várias componentes.
A maioria da doutrina21 aceita no entanto que este direito não
consagra uma garantia institucional das profissões livres ou seja e
para que isso fique claro que não é inconstitucional nem a atribuição
de um estatuto público a certas profissões, nem muito menos, a
submissão de certas profissões a um estatuto mais ou menos

V. sobre o regime específico dos DLG, Gomes Canotilho&Vital Moreira


(1993:139ss); ou dos mesmos autores (1991:93ss).
20
Neste mesmo sentido pode ver-se também J. Miranda (1988:155ss).
21
Ver também neste sentido J. Miranda ( 1993:50,nota 62).

185
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

publicamente condicionado ou vinculado (advocacia, medicina, etc.)


através das ordens profissionais (Gomes Canotilho&Vital Moreira
1993:262).
Não há duvida portanto que o facto de existir a OA e a
necessidade de se ser nela inscrito para se poder exercer advocacia, só
por si não viola o direito à liberdade de escolha da profissão. Porém
,já pode existir violação da constituição se os requisitos para a
inscrição não respeitarem o regime jurídico, constitucionalmente
definido para as restrições aos DLG.
Para terminar a definição (ainda que sucinta) do conteúdo do art.
47, será necessário acrescentar que estamos perante um DLG que é
constitucionalmente definido, é certo mas sob reserva de lei
• ■ 22
restritiva ou seja, existe uma autorização legal de restrição que visa
a protecção de bens ou interesses constitucionalmente protegidos neste
caso enquadráveis na expressão da própria CRP pelo interesse
colectivo ou inerentes à sua própria capacidade - art. 47°, n° 1 in
fine.
Será portanto nesta sede que se terá de avaliar a conformidade
da "cláusula da idoneidade moral" com os requisitos materiais e
formais das normas legais restritivas em casos de DLG sob reserva de
lei restritiva.
Antes no entanto será necessário referir que ­ como defendem
Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:263) ­ a liberdade de
conformação do legislador depende porém do nível em que a
restrição se verificar e no presente caso está­se ao nível do direito de
inscrição ou de ingresso na OA,23 que por sua vez constitui condição
necessária para exercer a profissão de advogado.
A este nível, como reconhecem todos os autores,24 é legítimo
estabelecer requisitos de ordem subjectiva tais como licenciatura em

Gomes Canotilho & Vital Moreira (1993:263).


Ver Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:263); J. Miranda (1988:154).
Ver Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:263); J. Miranda (1988:155, 156).

186
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

direito,25 idade mínima, etc., mas todos eles têm sempre que ser
constitucionalmente justificados.
Tendo consciência que a liberdade de profissão atinge o seu
máximo de intensidade nas chamadas profissões livres ou profissões
cujo exercício implica a liberdade individual e colectiva concernente
ao domínio de uma ciência e de uma técnica especialmente elevadas
(J. Miranda, 1988:157), ter-se-ão que identificar os valores e bens
constitucionalmente protegidos que tornam necessária esta restrição.
Neste caso e perante o teor do art. 47° in fine, seria a
necessidade de evitar que pessoas com menos boa formação moral
tivessem acesso a uma profissão que, pelas razões apontadas assume
grande importância no próprio plano do funcionamento do estado de
direito.
Só que isto não basta, já que essas restrições têm também que
obedecer ao principio da proporcionalidade em sentido amplo ou
princípio da proibição do excesso - art. 18°, n° 2 da CRP - ou seja,
devem ser adequadas ou apropriadas à prossecução desse fim; devem
ser necessárias ou exigíveis no sentido de não existir outro meio para
atingir o objectivo pretendido; e proporcionais em sentido estrito,
estabelecidas na justa medida.
Parece-me não ser o caso. O legislador ao criar a "cláusula da
idoneidade moral" não respeitou o supra referido princípio da
proibição do excesso, já que, perante o direito à inscrição supra
descrito, tal cláusula viola de forma desproporcionada o direito de
liberdade de escolha de profissão, atingindo a extensão e o alcance do
25
A necessidade de se possuir uma licenciatura em cursos jurídicos por qualquer das
universidades portuguesas autorizadas oficialmente a conceder licenciaturas (art.
161°. n° 1 do EOA), constitui um requisito de natureza subjectiva, mas em que a OA
se limita a administrativamente conferir a veracidade do título apresentado pelo
candidato. Este requisito consiste numa restrição adequada, necessária e
proporcional para salvaguarda dos valores em causa, garantindo que quem vai
exercer a actividade de advogado, considerada importante para o bom
funcionamento de mecanismos essenciais de um estado de direito, possui a formação
técnica especializada para poder desenvolver de forma independente e autónoma a
profissão de advogado. Neste sentido v. Pacheco de Amorim (1992:42ss).
Sobre a diferença entre profissões livres e profissões liberais v. J. Miranda
(1993:45).

187
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

conteúdo essencial do preceito constitucional - art. 18°, n° 3 da CRP -,


tanto mais quando tal solução não é necessária já que dispõe de outros
meios para atingir de forma adequada e justa esse mesmo fim.
Tais meios criou-os já o próprio legislador quando definiu um
conjunto de sanções aplicáveis aos advogados (incluindo os
estagiários), pela prática de infracções. Algumas delas tipificam factos
que em si evidenciam (eles sim e não nenhum discricionário e
apriorístico juízo de valor) a falta de idoneidade moral do advogado
ou advogado estagiário. Esses factos quando provados, acarretam a
aplicação de sanções (por parte da OA) adequadas a salvaguardarem
os interesses em causa.
Apesar de ser perfeitamente admissível que a lei27 fixe requisitos
subjectivos para o deferimento do direito à inscrição, estes, não
obstante terem que ver com a pessoa do candidato, não podem atribuir
a qualquer órgão da administração e por maioria de razão no presente
caso a um órgão da OA, o poder de levar a cabo uma avaliação
absolutamente subjectiva - em clara violação do princípio da
adequação - como seja aquela que permitiria determinar que um
candidato não possui "idoneidade moral" (o que quer que isso seja!)
para ser advogado28.
E que, entenda-se, quando se fala em requisitos subjectivos
quer-se dizer que têm a ver com a pessoa do candidato mas que em si
mesmos têm que ser passíveis de uma avaliação totalmente objectiva
ou, nas palavras de J. Miranda (1988:161), quanto às «restrições
inerentes à sua própria capacidade», têm de ser restrições objectivas
a um duplo título: como restrições traçadas não em razão de certa e
determinada pessoa, mas em razão de uma pluralidade indefinida de

Já que e como se disse só a lei pode definir essas restrições, ou nas palavras de J.
Miranda (1988:160) as restrições têm de ser legais, não podem der instituídas por
via regulamentaria ou por acto administrativo.
8
É de lembrar que mesmo em relação ao poder regulamentar das Ordens
confrontado com direitos fundamentais e DLG, a posição dos autores é clara na
definição dos seus limites ao não admitirem regulamentos autónomos nessas
matérias v por ex. Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:154, nota V). Sobre este
assunto v. infra pp.25 e ss.

188
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

pessoas; e como restrições apuradas, segundo padrões igualmente


objectivos, por órgãos ou agentes independentes.
Neste sentido, as normas legais definidoras das restrições
constitucionalmente admitidas em sede de liberdade de escolha de
profissão, com a qual neste caso colide a necessidade de inscrição na
OA - lembre-se que existe aqui um verdadeiro direito à inscrição - não
podem conceder qualquer poder discricionário ao órgão da
administração ou, ainda nas palavras de J. Miranda (1994:233, II b)29
a inexistência de poder discricionário (da OA) de recusar a
inscrição por parte das ordens profissionais, é conteúdo necessário do
direito de pertencer à OA que por sua vez é incindível do dever de
inscrição.
Mais evidente se torna este juízo quando se constata que com a
aprovação do RCDE de 1990 e posteriormente com o RCDE-2 de
1994, a apreciação dessa "idoneidade moral" caberá num primeiro
momento ao patrono, que para tal deve atestá-la num relatório da sua
competência - art.s 10°, n° 2 e 14° do RCDE; art.s 10°, n° 2 e 14° do
RCDE-2.
Está-se na presença de uma norma legal que remete a definição
de um requisito fundamental para o exercício do direito à liberdade de
escolha de profissão (o direito à inscrição na associação pública OA já
que, como se viu, vigora aqui o regime de inscrição obrigatória), para
um juízo totalmente subjectivo a levar a cabo por uma única pessoa -
o patrono (potencial concorrente) - que tem como única habilitação
para tal o facto de exercer advocacia há pelo menos cinco anos.
Como resulta do que acabei de expor, entendo que o art. 156°,
n°l a) do D.L. 84/84 de 16 de Março de 1984 é inconstitucional por
violar o regime dos DLG previsto no art. 18°, n° 2 e 47° da CRP,
nomeadamente porque não respeita o princípio da proibição de
excesso e porque utiliza conceitos indeterminados, absolutamente
subjectivos, que delegam no órgão administrativo um poder

' Do mesmo autor e no mesmo sentido v. 1993:51; 1986:87. Ou o parecer da


Comissão Constitucional 2/78, ppl79, in Pareceres da Comissão Constitucional, 4o
Vol, INCM 1979.
30
Parênteses meu.

189
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

discricionário violador do regime constitucional dos DLG,


desrespeitando assim neste último sentido o princípio da reserva de lei
em sede de DLG - art.s 18°, n° 2 e 165, n° 1 b).
O art. 156°, n° 1 a) do EOA sofre portanto de um vício de
inconstitucionalidade material por violação dos referidos art.s 18°, n°
2, 47° e 165°, n° 1 a) da CRP.

6. A CONSTITUCIONALIDADE DOS REQUISITOS PARA A


INSCRIÇÃO COMO ADVOGADO PREVISTOS NO A R T .
170° D O EOA E NORMATIVOS A N E X O S - O ESTÁGIO
DE ADVOCACIA.

Passo agora à análise da segunda questão que me propus abordar


ou seja, a constitucionalidade dos requisitos para a inscrição como
advogado previstos no art. 170° do EOA e normativos anexos - o
estágio de advocacia.
Como supra referi, irei abordar esta temática em relação a quatro
períodos de tempo distintos, já que as realidades normativas foram
evoluindo importando assim diferentes abordagens.

a) Período compreendido entre a aprovação do DL 84/84 e a


aprovação do RCDE em 21.09.90.

Durante este período de tempo o estágio da advocacia como


requisito para o deferimento do pedido de inscrição na OA estava
regulado, nos seus aspectos essenciais, pelo art. 170° do EOA que por
sua vez remetia para os art.s 165° e 166° do mesmo diploma, e pelo
Regulamento da Inscrição de Advogados e Candidatos aprovado pelo
Conselho Geral em 07.01.1943 (RIAC) e posteriormente pelo
Regulamento de Inscrição de Advogados e de Advogados estagiários
aprovado pelo Conselho Geral da OA em 07.07.1989 (RIAA).
Destes preceitos resultava um modelo de estágio cujas linhas
fundamentais passo a definir
O estágio tinha a duração de 18 meses e compreendia dois
períodos distintos.

190
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

O primeiro de três meses, a desenvolver essencialmente junto


dos centros distritais de estágio, tendo como objectivo um
aprofundamento de natureza essencialmente prática dos estudos
ministrados nas universidades e o relacionamento com as matérias
directamente ligadas à prática da advocacia - art. 163°, n° 2 EOA;
esses objectivos seriam alcançados através da frequência de
seminários de natureza prática relacionados com as matérias
directamente ligadas à advocacia - art. 165°, n° 1 EOA , seminários
esses que poderiam ser de presença obrigatória ou facultativa e davam
lugar à redacção de relatórios por parte do estagiário31.
O segundo período de estágio, com a duração de quinze meses -
art. 163°, n° 1 do EOA , a decorrer essencialmente no escritório do
patrono (continuando no entanto a orientação geral a caber aos
serviços de estágio) tinha como objectivo uma apreensão da vivência
da advocacia através do contacto pessoal com o normal
funcionamento de um escritório - art. 163°, n° 3 do EOA. Na prática
consistia no exercício de actos forenses por parte do estagiário, de
acordo com a sua competência específica - art. 166°, n° 1 a) e 164° do
EOA; na participação nos processos para que tenha sido nomeado
defensor oficioso32- art. 166°, n° 1, b) e 167° e 168° do EOA.
Competia igualmente ao estagiário a redacção de uma alegação de
recurso, a enviar mensalmente para o serviço de estágio respectivo -
art. 166°, n° 1, c) do EOA - e apresentar até ao final do segundo
período uma dissertação sobre deontologia profissional - art. 166°, n°
1, d) do EOA.
Era um estágio de índole essencialmente informativa, com o
objectivo de familiarizar o advogado com os actos mais usuais da
prática forense e bem assim, inteirá-lo dos direitos e deveres dos
advogados - art. 163°, n° 4 do EOA, que de acordo com o art. 170°
fazia depender o deferimento do pedido de inscrição - art. 3 o , n° 5 do

31
Os regulamentos dos diferentes centros distritais de estágio definiam o número de
presenças obrigatórias para se ter aproveitamento.
Nomeações essas organizadas pelos serviços de estágio, tendo os referidos
regulamentos instituído um número mínimo de diligências judiciais por parte do
advogado estagiário, incluindo as oficiosas como requisito de aproveitamento.

191
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

RIAA e art. 3 o e 5o do RIAC - da prática de um conjunto de actos


objectivamente avaliáveis e a um controlo de presenças e
empenhamento no mesmo.
Na sua estrutura e objectivos este modelo de estágio constituía
uma restrição ao direito de inscrição na associação publica OA. Mas
uma restrição que se afigurava perfeitamente compatível com os
normativos constitucionais relevantes. Acompanhamos a este respeito
Pacheco de Amorim (1992:56) quando defende que o legislador
estabeleceu um procedimento administrativo da instrução de estágio
adequado, necessário e proporcional ao interesse público em jogo,
limitado a um controlo de presença ou de frequência do estagiário no
primeiro período, e a uma simples verificação do efectivo exercício da
sua competência especifica no segundo período.

b) O período de tempo em que o RCDE, aprovado pelo conselho


Geral da OA, esteve em vigor sem que se tenha procedido à
alteração do EOA ( Setembro de 1990 a Setembro de 1994).

Dentro do quadro legal acabado de definir que como se viu


estatuía um estágio de advocacia conforme à constituição (salvo a
cláusula de idoneidade moral aqui já analisada, que no entanto é
independente do estágio em si), a OA aprovou em sessão do
Conselho Geral de 21-09-90 um regulamento que intitulou
Regulamento dos Centros Distritais de Estágio - RCDE -
(aparentemente fê-lo ao abrigo do art. 42°, n° 1, e) do EOA, já que o
mesmo não faz menção de qual o diploma legal em se fundamenta,
violando assim o princípio da precedência da lei art. 112°, n° 8 da
CRP)
Nesse regulamento a OA procedeu a profundas alterações ao
regime de estágio que se concretizaram no seguinte (mantendo no
entanto os outros aspectos já por mim referidos na alínea anterior):
- o objectivo do estágio passou a ser ministrar ao advogado
estagiário formação adequada ao exercício da actividade
profissional, de modo a que a possa desempenhar de forma

192
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

competente e responsável (art. 3 o do RCDE), enunciado que está em


contradição com o art. 163°, n° 4 do EOA;
- introduziu um teste escrito obrigatório, no final do primeiro
período de estágio, sujeito a classificação de zero a vinte sem o qual
se considerará prejudicada a frequência do curso de estágio e
impedido o acesso ao segundo período de formação (art. 7o, n° 1 do
RCDE);
- instituiu a figura de um relatório, parecer e atestado (Sic!) da
responsabilidade do patrono, em que este apreciará a idoneidade
moral, ética e deontológica do estagiário para o exercício da
profissão (art.s 10°, n° 2 e 14° do RCDE) e a sua aptidão para o
exercício da mesma, constituindo esse relatório um dos elementos a
considerar para a informação final nos termos do art. 16° do RCDE;
- criou a prova final de estágio, que consiste numa entrevista
pessoal aos advogados estagiários a efectuar por uma comissão
(composta por três advogados nomeados anualmente pelo Conselho
Distrital), destinada a esclarecer eventuais questões surgidas pelos
trabalhos apresentados pelo estagiário e ocorrências e a apurar a
preparação do estagiário para o exercício da profissão, numa
perspectiva de conhecimento das regras deontológicas que a regem
(art. 16° do RCDE).
Dá-se portanto uma alteração total da lógica, estrutura e funções
do estágio33.
Ao introduzir uma avaliação eliminatória por teste escrito a OA,
criou um conjunto de requisitos subjectivos a preencher pelo
candidato que, ao contrário dos definidos pelo EOA (que recorde-se é
um decreto-lei) não são de avaliação objectiva mas antes susceptíveis
de uma avaliação totalmente subjectiva e discricionária (por parte do
patrono ou por parte da comissão final de avaliação).

A OA partiu do pressuposto discutível mas assumido de que a licenciatura em


Direito, só por si, não chega, para se poder exercer responsavelmente a advocacia (I o
parágrafo preâmbulo do RCDE). Perspectiva esta que já há algum tempo era
defendida por alguns responsáveis da OA, v A. Arnaut (1992:101, nota 2 ao art.
170a)

193
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

A OA criou um estágio de advocacia que, enquanto requisito


para a inscrição na ordem, deixou de ser informativo para ser
eliminatório.
É um regulamento que, de per si, contrariando e desrespeitando
preceitos legais, vem definir restrições a um DLG - o direito à
liberdade de escolha de profissão - que como referi, em sede de
associações públicas com regime de inscrição obrigatória, como é a
OA, se traduz mesmo num verdadeiro direito à inscrição (como
contrapartida da obrigatoriedade da inscrição para o legal exercício da
actividade de advogado).
Independentemente do respeito ou não pelos limites materiais
das normas restritivas de um DLG sob reserva de lei restritiva
(assunto que se irá desenvolver na alínea seguinte, referindo-me aí a
normas formalmente distintas mas materialmente muito idênticas)
importa desde já analisar uma questão prévia e que é esta: pode a OA
através de um regulamento do seu Conselho Geral estabelecer normas
restritivas de um direito liberdade e garantia, independentemente da
existência de uma norma legal precedente e mesmo contra ela? Ou,
por outras palavras poderão existir regulamentos autónomos em sede
de DLG 34?
A minha resposta é clara e em sentido negativo, acompanhando
aliás toda a doutrina que em sede de regime de restrições aos DLG
previsto no art. 18°, n° 2 da CRP, defende que é aos actos legislativos
que compete estabelecer uma regulamentação suficiente determinada
e densa, incidente sobre os aspectos essenciais das restrições, ficando
excluída a possibilidade de regulamentos independentes ou
autónomos, Gomes Canotilho (1998:1145), também nas palavras de
Vital Moreira (1997a: 189), com efeito, uma interpretação conjugada
dos art.s 164° e 165° com o art. 112° da CRP não consente outra
interpretação que não seja a de que em matéria de reserva de lei ou
de competência legislativa não há lugar para "regulamentos
autorizados", nem a favor do governo nem a favor de autarquias
locais ou institucionais ou ainda nas palavras de Gomes

34
Sobre a problemática da admissibilidade dos regulamentos autónomos em geral,
questão muito controversa, v. Gomes Canotilho (1998:735ss).

194
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

Canotilho&Vital Moreira (1993:154, nota V) garante-se assim que os


direitos, liberdades e garantias não ficam à disposição do poder
regulamentar da administração e que o seu regime há-de ser definido
pelo próprio órgão representativo, e não pelo governo (salvo
autorização) e muito menos, pelas regiões autónomas ou pelas
autarquias locais, ou pelas entidades públicas dotadas de poder de
auto-regulação. Em matéria de direitos, liberdades e garantias não
há lugar para regulamentos autónomos.
Como se pode constatar, o RCDE é em si mesmo
inconstitucional por força da violação das normas constitucionais
consagradoras do regime de restrição dos DLG - art. 18°, n°s.2 e 3 e
art. 165°, n° 1, b) da CRP - que apenas permitem que tais restrições
quando adequadas, necessárias e proporcionais sejam definidas por lei
ou DL autorizado - princípio da reserva de lei restritiva - havendo
lugar quando muito a regulamentos executivos .
Poderá mesmo acrescentar-se que por maioria de razões em sede
de associações públicas, essa reserva de lei deve ser ainda mais
respeitada, já que e mais uma vez nas palavras de Vital Moreira
(1997a: 190) no caso da administração autónoma não territorial a
reserva de lei é justamente com a tutela, um dos instrumentos de
garantia do interesse geral contra o perigo de uma regulamentação
corporativista, como parece ser precisamente o caso.
Em conclusão e independentemente de qualquer apreciação em
termos de adequação de regime definido no RCDE com a CRP, e
mesmo com o EOA, as razões apontadas não deixavam dúvidas
quanto à inconstitucionalidade das alterações introduzidas pelo
RCDE. Um pouco a custo36 é verdade, e algo tardiamente, a própria
O A assumiu isso mesmo já que promoveu alterações no EOA nesse
sentido, como se irá ver.

35
A esta mesma conclusão já tinha chegado Pacheco de Amorim (1992:71ss.).
36
Já que uma das razões invocadas em 1992 pela ANAE era precisamente a
inconstitucionalidade do RCDE.

195
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

c) O enquadramento normativo actual com a nova redacção


doEOA edoRCDE-2.

Em Setembro de 1994 por iniciativa da OA, a Assembleia da


República aprovou a Lei 33/94 que veio alterar (naquilo que aqui me
interessa) : o art. 170° do EOA, passando a ter a seguinte redacção: a
inscrição como advogado depende do cumprimento das obrigações de
estágio com a classificação positiva nos termos do regulamento dos
Centros Distritais de Estágio; o art. 42°, e) referente às competências
regulamentares do Conselho Geral da OA.
Em relação às normas do EOA referentes ao estágio, sua
estrutura, fins e objectivos, nada mais foi alterado mantendo-se em
vigor os art.s 165° e 166° do EOA .
No entanto (confirmando as objecções levantadas na alínea
anterior) a Lei 33/94 aprovou ela própria o Regulamento dos Centros
Distritais de Estágio da Ordem dos Advogados (RCDE-2)37 38.
Este regulamento, que assume agora a forma de lei, consagrou
todas as principais alterações que já constavam do RCDE aprovado
pelo Conselho Geral da OA de 1990 (v. alínea anterior) com
algumas nuances no entanto:

7
É de realçar no entanto que, durante o período decorrido entre Outubro de 1990 e
Setembro de 1994 a OA, na minha opinião em clara violação da CRP (os factos
posteriores falam por si), aplicou o RCDE e com fundamento nele recusou a
inscrição definitiva a vários advogados estagiários o que para uma associação
pública, constituída ela própria por juristas e que tem como um dos principais fins
Defender o Estado de direito e os direitos e garantias individuais e colaborar na
administração da justiça (art. 3o, n°l a) do EOA) é no mínimo estranho, tanto mais
que já em 1992 a ANAE tinha colocado precisamente esta questão perante os órgãos
legítimos da OA.
Se me é permitido um desabafo, penso que foi por ter consciência disto mesmo
que a OA não recusou a inscrição definitiva das dezenas de advogados estagiários
que, nos cursos de estágio de 1992 e 1993, por se recusarem a responder às questões
que não tinham a ver com a deontologia profissional nos exames de final do
primeiro período de estágio tiveram na melhor das hipóteses quatro valores (cotação
das perguntas sobre deontologia profissional) em vinte.

196
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

- ao nível dos objectivos de estágio, o actual art. 3 o do RCDE -2


tem a mesma redacção do anterior ou seja ministrar ao advogado
estagiário formação adequada ao exercício da actividade
profissional, de modo a que a possa desempenhar de forma
competente e responsável (art. 3 o do RCDE, art. 3 o do RCDE-2) artigo
que está em contradição com o art. 163°, n° 4 do EOA;
- introduziu um teste escrito obrigatório sujeito a classificação
de Muito bom, Bom, Suficiente e Medíocre, a efectuar no final do
primeiro período de estágio, em que se assume abertamente que a
falta ao teste ou a classificação de Medíocre, global ou apenas na
área de deontologia, impedem o acesso ao segundo período de
formação - art. 7o, n°s 1 e 3 do RCDE-2;
- manteve a figura do relatório, parecer e atestado (Sic !) a
elaborar pelo patrono em que este apreciará a idoneidade moral, ética
e deontológica do estagiário para o exercício da profissão (art.s 10°,
n°2 e 14° do RCDE-2) e a sua aptidão para o exercício da mesma
como elemento a considerar para a informação final nos termos do art.
14° do RCDE-2;
- criou a figura da prova final de agregação perante um júri
(composto por três advogados nomeados anualmente pelo Conselho
distrital, podendo incluir juristas de reconhecido mérito) que fará uma
apreciação global do relatório e trabalhos de estágio e avaliará uma
exposição oral a cabo do advogado estagiário dentro de várias áreas
jurídicas - art. 17° do RCDE-2 -, classificando essa prova com Muito
bom, Bom, Suficiente e Medíocre. Classificação esta que integrará a
informação final de estágio - art. 19° RCDE-2.
Está-se perante um modelo de estágio assumidamente
eliminatório, em que se vão avaliar e classificar em dois momentos
diferentes os conhecimentos científicos do candidato - art. T e 17° e
18°, n° 4 do RCDE-2.
Paralelamente, foi mantido o relatório - arts 10°. n° 2 e 14°
RCDE-2 - do patrono na área da aptidão do estagiário para o exercício
da advocacia (em relação à questão da avaliação da "idoneidade moral
" penso já ter esclarecido a minha perspectiva, v. ponto 5; as soluções
aí defendidas aplicam-se ipsis verbis a este novo regulamento, já que o

197
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

regime dos DLG se aplica de igual forma, independentemente da


restrição ser definida por lei ou DL).
Está hoje em vigor, portanto uma lei que, ao aprovar o RCDE-2,
definiu o regime legal de restrição do DLG - liberdade de escolha de
profissão - art. 47° da CRP.
Resta-me portanto confrontar este regime legal com os
requisitos constitucionalmente definidos para as normas legais de
restrição de DLG sob reserva de lei restritiva que, como já referi, é o
presente caso - art. 47°, n° 1 in fine da CRP.
Posso afirmar que neste novo quadro normativo não restam
dúvidas de que o primeiro requisito - o formal - está preenchido, as
restrições estão agora definidas numa norma com valor de lei, uma lei
da A.R. A este nível não se colocam as objecções da alínea anterior.
Problema bem diferente é o de saber se estes preceitos legais
respeitam os limites e requisitos materiais das normas legais restritivas
de DLG, mesmo nos casos de DLG sob reserva de lei.
Reafirmando aqui o que já foi referido nos pontos 4 e 5 deste
trabalho, começarei por definir o âmbito de protecção da norma do art.
47° e, escusando-me de repetir o que aí defendi, relembro apenas que
concluí que: o direito à liberdade de escolha de profissão em sede de
associações públicas, com regime de inscrição obrigatória, como é o
caso da OA (art. 53° do EOA), atribui um verdadeiro direito à filiação
aos interessados, direito esse que não pode ser recusado salvo por
razões previstas na lei e constitucionalmente autorizadas e conformes.
Recordando J. Miranda (1988:157), a liberdade de profissão
atinge o seu máximo de intensidade nas chamadas profissões livres ou
profissões cujo exercício implica a liberdade individual e colectiva
concernente ao domínio de uma ciência e de uma técnica
especialmente elevadas. Assim será necessário identificar quais são os
valores a salvaguardar com essas restrições. Neste caso, a própria
constituição os refere e são eles o interesse colectivo e razões
inerentes à sua própria capacidade - art. 47°, n° 1 in fine da CRP.
Em sede de OA, não nos podemos esquecer que, para essa
salvaguarda, já foi instituída a obrigatoriedade de possuir licenciatura
39
Mais uma vez se segue de perto Gomes Canotilho (1998: 437ss,1121ss).

198
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

em direito como requisito de inscrição40 - art. 161° do EOA. Este


requisito - que em si é já uma restrição ao direito de liberdade de
escolha de profissão - como se concluiu respeita o princípio da
proibição do excesso - art. 18°, n° 2 da CRP - já que a OA aí se limita a
conferir os documentos apresentados pelo candidato (v. nota 24,
página 14).
Entendo assim não ser necessário, para a salvaguarda desses
mesmos interesses, restringir uma segunda vez o mesmo DLG.
A acrescer a esta consideração, devo referir que o meio
encontrado pelo legislador não é adequado nem proporcional. Ao
introduzir a possibilidade de a OA (que, não se esqueça, é um órgão
da administração) poder reavaliar41 (sem que para tal esteja técnica,
institucional e cientificamente preparada) as aptidões científicas dos
candidatos , o legislador está a violar o princípio da proibição do
excesso.
Por outro lado ao atribuir um poder discricionário à
administração, que como se analisou é em si mesmo
inconstitucional, viola também o princípio da reserva de lei restritiva
em sede de DLG - art.s 18°, n°2 e 165°, n° 1, a) da CRP.
Menos necessário se torna esta restrição, quando existem outros
meios mais conformes com o direito de inscrição (em último termo,
com o próprio direito à liberdade de escolha de profissão), já
consagrados pelo legislador e que, com maior proporcionalidade e
adequação, permitem salvaguardar essas situações.
São eles o poder disciplinar atribuído à OA de, perante actos
praticados pelos estagiários, evidenciadores dessas insuficiências

Não esquecendo nunca que o dever de inscrição obrigatória é já uma restrição a


um DLG, v ponto 4.
Classificando os advogados estagiários e impedindo a sua inscrição, caso tenham
nota negativa, art.s T e 19° do RCDE-2:
Tais habilitações já lhes foram concedidas pelas instituições universitárias do
estado (ou as por ele reconhecidas), estas sim intrinsecamente adequadas para
ministrarem os referidos conhecimentos e os avaliarem com legitimidade científica e
técnica.
43
Em último, termo dá-se o caso de um órgão do estado pôr em causa um acto de
outro órgão do estado.

199
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

inerentes à sua própria capacidade, tomar as medidas adequadas à sua


salvaguarda44.
Neste mesmo sentido entendo que estrutura do próprio estágio,
nomeadamente o curto período de três meses (primeiro período de
formação), preenchido pela frequência de alguns seminários de cariz
essencialmente prático (como é enfatizado pela própria OA),
ministrados por juristas, 46 não é o meio adequado a suprir eventuais
insuficiências de formação. E muito menos a ponto de a lei atribuir à
OA o poder de avaliar (com possibilidade de eliminação, recusando
assim a sua inscrição) candidatos que durante pelo menos cinco anos
frequentaram instituições de ensino para cientificamente estarem
habilitados a exercerem uma profissão jurídica.
De igual modo, o segundo período de estágio - 15 meses a
desenvolver a actividade forense47 - não consubstancia o
enquadramento idóneo à elaboração de uma (ainda que pequena)
dissertação sobre um qualquer tema jurídico, a avaliar nas provas de
agregação, que são eliminatórias .
44
Pode mesmo questionar-se porque é que a OA, perante as grandes reformas que
sistema jurídico sofreu, nomeadamente no pós 1974, mas principalmente a partir da
segunda metade da década de 80 (exs. C.Penal, C.P.Penal, C.P.Civil, C.P.Tributário,
C.Procedimento Administrativo; etc.) só se preocupa com a insuficiente preparação
dos advogados estagiários (que na maioria dos casos e por terem frequentado os
cursos há menos tempo estão "actualizados") e já não com outros que exercem há
muitos anos, deparando-se com estas "novidades".
45
Cursos estes de formação generalista (v. o número de disciplinas ministradas)
quando cada vez mais se impõe, pelas exigências naturais de um sistema jurídico
complexo, um novo modelo de advogado altamente especializado, integrado numa
sociedade de advogados, essa sim com condições de ser multidisciplinar e prestar os
serviços jurídicos exigidos. Tal especialização, apesar de não ser reconhecida pela
OA existe de facto. No entanto e contraditoriamente, a ordem reconhece como
especialistas os seus formadores.
46
Juristas estes cuja especial habilitação para o efeito é exercerem advocacia há 5
anos.
47
Actividade resultante das nomeações oficiosas, do acompanhamento do patrono
ou daquelas que ele próprio consiga contratar ou lhe sejam propiciadas pelo patrono.
48
Avaliação levada a cabo por juristas cuja especial habilitação ( volto a repeti-lo) é
exercerem advocacia há x anos e que são potenciais concorrentes no mercado de
trabalho, logo também interessados no resultado da avaliação que fazem.

200
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

Entendo portanto que o RCDE-2 viola gritantemente o princípio


da proibição do excesso e o princípio da reserva de lei restritiva em
sede de DLG - art. s 18° , n° 2 e 165°, n° 1, b) da CRP - incorrendo
assim numa clara inconstitucionalidade4 .
Em último termo, creio mesmo poder afirmar que estamos
perante um daqueles casos em que o legislador, tendo em conta o
quadro legal mencionado, põe em causa a salvaguarda do alcance do
conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art. 18°, n° 3 da
CRP) do direito à liberdade de escolha da profissão5 .

d) Breve nota sobre a proposta de alteração ao EOA em


discussão na própria OA.

Uma última referência às linhas de orientação da OA para o


futuro, que se depreendem da proposta de alteração do EOA em
discussão no seio daquela. .
Em matéria de requisitos de inscrição, a proposta da OA
pretende ir mais longe já que, deseja que lhe seja atribuído o poder de
"acreditar" quais os cursos em direito idóneos para o acesso à
profissão. Na minha opinião e apesar de ter consciência de que
algumas situações análogas já existem na nossa ordem jurídica,
considero esta solução como totalmente desproporcionada e muito
perigosa, já que instituiria um maltusianismo profissional .
A concepção do estágio manter-se-ia igual à anterior -
eliminatório, discricionário e restritivo - com algumas alterações
porém ao nível da sua estrutura interna.

V. as preocupações algo coincidentes com esta conclusão em Vital Moreira


(1997c:21, alíneas 1) e m ) ) .
50
A conclusão idêntica já tinha chegado Pacheco de Amorim (1992:66) em relação
ao RCDE, diploma normativo muito semelhante ao actual mas menos gravoso em
alguns aspectos.
51
A proposta na qual me baseei para as considerações seguintes foi aprovada em
Conselho Geral da OA e está agora a ser sujeita a discussão interna, podendo
obviamente vir ainda a sofrer alterações. Daí a relatividade dos comentários que
apresento.
52
V. neste mesmo sentido Vital Moreira (1997c:21).

201
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

O primeiro período passaria a ter a duração de seis meses cujo


objectivo seria agora a formação profissional teórica (o que me parece
um contra-senso, abandonando a propalada necessidade de ministrar
os conhecimentos práticos, tão necessários e não apreendidos nas
faculdades), ministrada pelos formadores, seguindo-se um exame
eliminatório.
O segundo período, agora de doze meses, manteria as mesmas
características culminando com as provas de agregação.
Ao nível institucional prevêem-se algumas alterações, com a
criação no seio da OA de um Instituto Coordenador do Acesso à
Profissão responsável pelo estágio, e de Centros de Formação
Profissional ao nível dos Centros Distritais da OA .
Quanto à questão da cláusula de idoneidade moral, como
requisito prévio de inscrição, mantém-se tal condição apesar de uma
pequena nuance (no sentido aliás das objecções por mim colocadas no
ponto 5 deste trabalho): a sua verificação far-se-á em processo próprio
que seguirá os termos do processo disciplinar, com as necessárias
adaptações. Esta alteração constitui um passo no bom caminho, mas
continuo a considerar que a referida cláusula é inconstitucional. A
solução será, a meu ver, dentro do regime já existente, que as
situações relevantes neste contexto sejam unicamente avaliadas em
sede de processo disciplinar por eventual infracção cometida por parte
do advogado estagiário (e não através de uma avaliação prévia,
hipotética ou intencional).
Em resumo, tendo em conta as alterações propostas, a situação
tende a evoluir para um quadro normativo ainda mais dúbio em
termos de conformação constitucional.

7. CONCLUSÃO

Termino, citando Vital Moreira (1997c: 1), no século XVIII os


advogados de Nova York decidiram não admitir mais estagiários
durante 14 anos, excepto os seus próprios filhos.
53
Prevê-se mesmo a hipótese de a OA, poder autorizar Faculdades de Direito a
ministrar cursos de formação profissional (Sic!).,

202
O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

À porta do século XXI os advogados portugueses, organizados


na associação pública Ordem dos Advogados, com a conivência activa
e/ou passiva do legislador e dos outros órgãos do estado, perante o
excesso de licenciados (nunca invocado e referido) e as condições do
mercado de trabalho, pretendem que lhes seja atribuído, em absoluto,
o poder discricionário de definir quem pode ser advogado. Porque são
advogados, sentem-se legitimados (só por esse facto) e com
capacidade para aferir as qualidades morais e científicas dos jovens
licenciados em direito ( nos cursos credenciados pela OA).
A meu ver esta é uma situação que não se pode aceitar-se. Não
se esqueça que existe uma relação ambivalente entre a administração
autónoma e os direitos fundamentais. Por uma lado, a administração
autónoma pode ser instrumento de realização de direitos
fundamentais, como sucede por exemplo com a autonomia das
universidades, que constitui uma garantia de liberdade de ensino e de
investigação. Por outro lado, porém, os direitos fundamentais podem
ser uma garantia individual contra os poderes das instâncias de
administração autónoma; por exemplo, a liberdade de profissão e
liberdade económica contra as ordens profissionais ou câmaras de
comércio e indústria (Vital Moreira, 1997a:231).

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204
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS:


PERSPECTIVA HISTÓRICA E ACTUAL

JOAQUIM ALBERTO NEIVA DOS SANTOS


joaquim,neiva@isca.ua.pt
PAULO JORGE FREITAS DA NAIA
paulo,naia@isca,ua.pt
ASSISTENTES DO I. S. C.A.A.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO
2. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS
2.1. A EVOLUÇÃO DAS NORMAS DE RELATO FINANCEIRO POR
SEGMENTOS
2.2. A SITUAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
2.2.1. O S.F.A.S. N.° 14, "FINANCIAL REPORTING FOR SEGMENTS OF A
BUSINESS ENTERPRISE"
2.2.2. O S.F.A.S. N.° 131, "DISCLOSURES ABOUT SEGMENTS OF AN
ENTERPRISE AND RELATED INFORMATION"
2.3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS NO JAPÃO
2.4. O CONTRIBUTO DO INTERNATIONAL ACCOUNTTNG STANDARDS
COMMITTEE
2.4.1. A N.I.C. 14, "O RELATO DA INFORMAÇÃO FINANCEIRA POR
SEGMENTOS", DE AGOSTO DE 1981
2.4.2. A N.I.C. 14, "RELATO POR SEGMENTOS", REVISTA EM 1997
2.5. A SnuAÇÃo NA EUROPA
2.5.1. As DiRECTrvAS DA UNIÃO EUROPEIA
2.5.2. O REINO UNIDO
2.6. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS EM PORTUGAL
3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS E A CONTABILIDADE DE
GESTÃO
4. NOTAS RECAPITULATE/AS E DE CONCLUSÕES
BIBLIOGRAFIA

206
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

1. INTRODUÇÃO

O relato financeiro por segmentos e a divulgação de informação


sobre diferentes produtos ou serviços e sobre diferentes áreas
geográficas exploradas por uma entidade são um desenvolvimento
recente no âmbito da contabilidade financeira.
Durante a década de 60 ocorreram diversas concentrações de
actividades empresariais, as quais originaram empresas de grande
dimensão e com negócios diversificados. Algumas destas empresas, na
tentativa de informar com maior grau de segurança e de credibilidade
os diversos utilizadores da informação financeira produzida,
nomeadamente os efectivos e os potenciais detentores de capital,
passaram a divulgar, nos seus relatórios anuais, informação financeira
por segmentos. Tal facto ocasionou o despontar do problema que
mereceu de imediato o interesse dos organismos nacionais de
normalização contabilística, essencialmente nos países anglo-
americanos onde as questões relacionadas com a contabilidade e a
auditoria se encontravam bastante desenvolvidas, e do International
Accounting Standards Committee (I.A.S.C).
O presente estudo visa analisar as questões relacionadas com o
relato financeiro por segmentos nos seus aspectos mais actuais, através
da análise das normas mais recentes nesta matéria emitidas por alguns
dos organismos de normalização e de harmonização contabilística
mais representativos a nível internacional, bem como pelo organismo
normalizador português - a Comissão de Normalização Contabilística
(C.N.C.).

2.0 R E L A T O FINANCEIRO POR SEGMENTOS

Algumas empresas de grande dimensão têm vindo a passar,


desde a década de 60 até à década actual, por processos complexos de
diversificação, tanto em termos de produtos ou de serviços, como em
termos geográficos. As concentrações de actividades empresariais
estão na ordem do dia, e se apesar de, em Portugal, a sua importância

207
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

ser reduzida, face à existência de poucas empresas com dimensão


interessante, a nível internacional a situação é completamente
diferente. As fusões por absorção ou por constituição de novas
empresas, bem como as aquisições de partes de capital em filiais, têm
originado o aparecimento de empresas e de grupos multinacionais.
Nestas entidades colocam-se problemas de transparência e de
adequabilidade das demonstrações financeiras, pois as respectivas
actividades estão associadas a diferentes produtos ou serviços e a
diferentes áreas geográficas com retornos, riscos e perspectivas de
crescimento diferentes. Deste modo, torna-se importante a divulgação
de informação financeira por segmentos com o objectivo de fornecer,
aos detentores de capital e aos outros utilizadores da informação
financeira, bases de suporte para as suas tomadas de decisão.

2.1. A EVOLUÇÃO DAS NORMAS DE RELATO FINANCEIRO POR


SEGMENTOS

Para Radebaugh (Choi, 1996: pág. 19-2), quando estamos


perante uma empresa ou um grupo multinacional, existe uma grande
variedade de grupos de interesse e de pressões que influenciam de
alguma forma a gestão e as necessidades de divulgação de informação
financeira de tal entidade. Esses grupos de interesse podem ser
observados na figura abaixo.

208
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

Figura 1: Grupos de interesse e pressões sobre a divulgação de informação financeira das


multinacionais.
Organizações internacionais de
comércio
PAÍSES ESTRANGEIROS:
Organizações internacionais Influências nacionais
inter-governamentais

Organizações internacionais de
PAIS de ORIGEM: profissionais de contabilidade
Influências nacionais

Investidores internacionais,
Organizações internacionais de analistas financeiros e mercados
negócio, bancárias e de capitais
financeiras

Fonte: Radebaugh, em Choi, 1996: pág. 19-2.

Apesar de existirem grupos de interesse diferentes que


influenciam o nível de divulgação de informação financeira das
empresas ou dos grupos multinacionais, o certo é que existem dois
deles que se revelam como sendo mais influentes - os investidores e
os governos.
O maior ímpeto na divulgação de informação financeira por
segmentos verificou-se essencialmente pelas crescentes exigências de
informação por parte dos mercados de capitais. Durante as décadas de
50 e de 60, os analistas financeiros começaram a experimentar
necessidades crescentes de informação sobre as empresas em análise
sempre que estas adquiriam áreas de negócio diferentes relativamente
ao seu negócio original ou à medida que se internacionalizavam. Para
suprir tal lacuna aconselhava-se como conveniente a desagregação da
informação financeira pelas diferentes áreas de negócio, pois permitia
aos investidores predizer, com maior segurança, o retorno e o risco das
empresas.
Por sua vez, os governos têm assumido, nesta matéria,
influências variadas. Em países com economias altamente
desenvolvidas e em que abundam as empresas de dimensão global,
como por exemplo os Estados Unidos da América (E.U.A.), os

209
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

governos, a par dos organismos profissionais, têm emitido normas no


sentido de regular a forma como deve ser divulgada a informação
financeira produzida por aquelas empresas. Por outro lado, os
governos influenciaram organizações supranacionais, tais como a
Organização das Nações Unidas (O.N.U.) e a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (O.C.D.E.), a debruçar-se
e a emitir normas sobre esta matéria.
Nos E.U.A., o movimento tendente à desagregação da
informação financeira com vista à sua divulgação por segmentos
experimentou um crescimento acelerado a partir da década de 60,
como já referimos. Nessa época, com várias concentrações de
actividades empresariais em curso, verificou-se uma grande discussão
sobre a inadequabilidade das demonstrações financeiras existentes e
das respectivas normas de preparação face à situação então vivida e às
crescentes necessidades de informação por parte dos mercados de
capitais. Assim, foram desenvolvidas consultas por parte do governo e
dos organismos profissionais no sentido de determinar qual o tipo de
informação financeira necessária para avaliar o desempenho das
empresas originadas pelas concentrações de actividades empresariais.
Paralelamente, desenvolveram-se estudos sobre a mesma matéria por
parte de instituições privadas. Neste âmbito tiveram especial
relevância os estudos de R. Mautz1 e de M. Backer e R. McFarland2.
Ambos os estudos foram efectuados com o objectivo de determinar as
vantagens e as desvantagens associadas à divulgação de informação
financeira por segmentos, tendo sido supervisionados por bancos,
analistas e consultores financeiros. Estes estudos formaram a base
empírica para a discussão sobre as normas reguladoras desta matéria.
A globalização crescente da economia conduziu a que, de igual
forma, os governos e diversas organizações supranacionais sentissem
necessidade deste tipo de informação financeira tendo em vista a

Publicado em 1968 pela Financial Executives Research Foundation com o título


"Financial Reporting by Diversified Companies".
Publicado em 1968 pelo Institute of Management Accountants com o título
"External Reporting for Segments of a Business".

210
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

tomada de decisões numa base racional. Deste modo, a O.N.U., a


O.C.D.E. e a União Europeia (U.E.) passaram a interessar-se por esta
matéria. A preocupação destas organizações resulta do impacto
provocado nas economias de diversos países pelas actividades das
empresas e dos grupos multinacionais. Tais actividades podem ter
efeitos a vários níveis, designadamente, na balança de pagamentos de
cada um dos países, no crescimento económico dos mesmos e no
respectivo nível de emprego. Sabemos, também, que o fluxo de trocas
de mercadorias ocorre através das exportações e das importações,
enquanto que o fluxo de capitais deriva dos investimentos e dos
retornos por estes proporcionados, nomeadamente, pela via de
dividendos e de lucros, de "royalties" e de honorários. Todas estas
questões levaram os governos e as organizações supranacionais a ver
com bons olhos a divulgação de informação financeira por segmentos,
essencialmente, por parte das empresas e dos grupos multinacionais,
pois esta informação permite obter dados relevantes para a sustentação
ou para a modificação de políticas económicas.

2.2. A SITUAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Em 1967, o Accounting Principles Board (A.P.B.) Statement n.°


2, "Disclosure of Supplemental Financial Information by Diversified
Companies", do American Institute of Certified Public Accountants
(A.I.C.P.A.), recomendava a divulgação voluntária de informação
financeira por segmentos. Em 1969, uma norma da Securities and
Exchange Commission (S.E.C.)3, aplicável às empresas com títulos

3
As funções básicas da S.E.C, são as seguintes:
- estabelecimento de regras para o cumprimento das leis federais relativas à
emissão e à circulação de títulos, fazendo uso da delegação conferida pelo
Congresso a este respeito;
- interpretação e execução dos aspectos informativos das "securities laws" em duas
direcções importantes: estabelecendo declarações normalizadoras (Accounting
Series Releases (A.S.R.)) para a preparação e a apresentação de demonstrações
financeiras despachando de forma institucionalizada as consultas que possam ser
realizadas pelos interessados e que sejam relativas às competências da S.E.C.;

211
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

cotados, previa a divulgação de informação financeira para todos os


negócios que, nos cinco anos mais recentes, tivessem representado
pelo menos 10% das vendas ou do resultado antes de impostos e do
resultado extraordinário da respectiva empresa. Em 1973 surgiram
novas pressões sobre a necessidade deste tipo de informação e em
1974, por imposição da New York Stock Exchange (N.Y.S.E.), a
informação financeira por segmentos passou a ser divulgada nas
demonstrações financeiras anuais das empresas. Nessa época, o
Financial Accounting Standards Board (F.A.S.B.) iniciou os estudos
preparatórios relativos a esta matéria que conduziram à emissão, em
Dezembro de 1976, do Statement of Financial Accounting Standards
(S.F.A.S.) n.° 14, "Financial Reporting for Segments of a Business
Enterprise".

2.2.1. O S.F.A.S.N.° 14, "FINANCIAL REPORTING FOR SEGMENTS OF A


BUSINESS ENTERPRISE"

Esta norma aplicava-se a todas as empresas com títulos cotados,


ou seja, a todas as empresas que estivessem sujeitas a preparar e a
divulgar a informação financeira de acordo com os princípios
contabilísticos geralmente aceites nos E.U.A.
De acordo com esta norma, as demonstrações financeiras das
empresas deviam divulgar informação sobre:
- operações em diferentes indústrias;
- operações com o exterior e exportações; e
- maiores clientes.

A referida norma, no ponto lO.a, definia como segmento


industrial qualquer componente da empresa que se ocupasse de um
produto ou de um serviço ou de um grupo de produtos ou de serviços
relacionados destinados principalmente a clientes que não fossem

- investigação das possíveis violações das leis e das suas regras de aplicação;
e
- início dos processos formais contra a fraude ou contra as violações indicadas.

212
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

filiais da empresa e que contribuíssem para o seu resultado.


Para determinar os segmentos relatáveis podiam ser utilizados os
seguintes factores:

- a natureza dos produtos;


- a natureza dos processos produtivos;
- os mercados; e
- os processos de "marketing" utilizados.

Para seleccionar os segmentos relatáveis, esta norma fixava


como requisito prévio que a maioria do rédito do segmento fosse
obtida através de vendas efectuadas a clientes que não fossem filiais
da empresa. Para isso estabelecia os seguintes testes alternativos:
- o rédito do segmento (incluindo as vendas entre segmentos)
devia ser pelo menos igual a 10% do rédito total; ou
- a quantia absoluta do resultado operacional do segmento devia
ser pelo menos igual a 10% da quantia absoluta mais elevada:
- do lucro operacional de todos os segmentos com lucros; ou
- do prejuízo operacional de todos os segmentos com
prejuízos; ou
- os activos do segmento deviam ser pelo menos iguais a 10%
dos activos totais.

Uma vez identificados os segmentos relatáveis, realizar-se-ia um


teste adicional. Este teste consistia em verificar se a soma dos réditos
obtidos com as vendas efectuadas a clientes que não fossem filiais da
empresa em todos os segmentos considerados correspondiam a pelo
menos 75% dos réditos análogos totais. Caso tal não acontecesse,
identificar-se-iam outros segmentos até aquela percentagem ser
atingida. Ainda que não existisse um limite para o número de
segmentos relatáveis, o S.F.A.S. n.° 14 sugeria que não fossem
identificados mais de dez segmentos.
No que respeita à informação financeira por segmentos
geográficos, esta era prestada por origem. Para determinar os

213
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

segmentos relatáveis podiam ser utilizados os seguintes factores:


- semelhança de condições económicas e políticas;
- proximidade;
- afinidades económicas;
- semelhança no ambiente envolvente da actividade empresarial;
e
- natureza, escala e grau das relações entre unidades
operacionais actuando em diferentes países.

Para seleccionar os segmentos relatáveis, esta norma estabelecia


os seguintes testes:
- o rédito do segmento (excluindo as vendas entre segmentos)
devia ser pelo menos igual a 10% do rédito consolidado; ou
- os activos do segmento deviam representar pelo menos 10%
dos activos consolidados.

Relativamente à informação sobre os maiores clientes, a norma


apontava para que se pelo menos 10% do rédito da empresa derivasse
de vendas efectuadas a um cliente, a um conjunto de agências
governamentais nacionais ou a um conjunto de entidades
governamentais estrangeiras, a empresa devia divulgar esses clientes
bem como os réditos gerados com os mesmos.
Em 1996 encontrava-se em estudo uma nova norma com o
objectivo de melhorar a informação financeira por segmentos. Tal
estudo conduziu à emissão, em Junho de 1997, do S.F.A.S. n.° 131,
"Disclosures about Segments of an Enterprise and Related
Information".

2.2.2. O S.F.A.S. N." 131, "DISCLOSURES ABOUT SEGMENTS OF AN


ENTERPRISE AND RELATED INFORMATION"

O S.F.A.S. n.° 131 aplica-se a todas as empresas com títulos


cotados, mas é suficiente apresentar a informação financeira por
segmentos no âmbito das demonstrações financeiras consolidadas.
Esta norma apresenta uma mudança significativa no que se

214
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

refere ao modo como devem ser reconhecidos os segmentos, pois


impõe que a segmentação se concretize de acordo com uma base única
seguindo a estrutura organizacional interna da empresa definida pelo
órgão de gestão de modo a tomar as decisões operacionais. Este
procedimento de identificação dos segmentos configura aquilo que a
norma designa de segmentos operacionais, devendo a empresa prestar,
sobre eles, determinadas informações.
Um segmento operacional é uma área da empresa que se
caracteriza por:
- estar envolvida em actividades das quais obtém proveitos e
incorre em custos, incluindo vendas com outras áreas da
empresa;
- o seu resultado ser regularmente supervisionado pelo
responsável pela atribuição de recursos ao segmento; e
- dispor de informação financeira.

Assim, nem todas as áreas da empresa devem ser consideradas


como segmentos operacionais. Para efeitos de preparação e de
apresentação de informação financeira por segmentos é permitida a
agregação de duas ou mais áreas num só segmento sempre que se
cumpram determinados requisitos. Do mesmo modo, as três
características anteriores podem determinar que toda a empresa seja
considerada como um único segmento.
Para seleccionar os segmentos relatáveis, a norma estabelece
testes de materialidade semelhantes aos previstos no S.F.A.S. n.° 14
para os segmentos industriais.
Para cada segmento operacional devem ser divulgadas as
seguintes informações:
- informação geral que descreva os factores utilizados para a sua
selecção bem como os produtos e os serviços que geram os
seus proveitos;
- informação sobre o resultado e os activos do segmento; e
- reconciliação dos proveitos, do resultado, dos activos e de
qualquer outra informação significativa do segmento com os

215
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

valores totais.

As divulgações abrangem igualmente:


- os proveitos derivados de vendas a clientes que não sejam
filiais da empresa por cada tipo de produtos, de serviços ou
grupos afins; e
- os proveitos derivados de vendas a clientes que não sejam
filiais da empresa por mercados interno e externo.

Tal como o S.F.A.S. n.° 14, esta norma exige informação sobre
os maiores clientes.

2.3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS NO JAPÃO

Embora as empresas japonesas possuam características muito


próprias ao nível da gestão e do mercado de capitais, as mesmas são
muito dinâmicas no que respeita à internacionalização das suas
actividades. Este facto leva-nos a referir o posicionamento deste país
nesta matéria.
O organismo normalizador japonês - o Business Accounting
Deliberation Council (B.A.D.C.) - emitiu, em 1988, uma norma sobre
relato financeiro por segmentos que começou a produzir efeitos a
partir de 1990.
Esta norma exige a divulgação das vendas e das prestações de
serviços de cada segmento, bem como do respectivo resultado.
Os segmentos relatáveis podem ser segmentos de negócio ou
geográficos. À semelhança do que acontece nos E.U.A. ou no Reino
Unido4, cada segmento relatável representa pelo menos 10% da
actividade. Ao contrário das normas norte-americanas ou britânicas, a
norma japonesa não exige informação sobre os activos de cada
segmento relatável.

A situação no Reino Unido será abordada no ponto 2.5.2..

216
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

2.4. O CONTRIBUTO DO INTERNATIONAL ACCOUNTING


STANDARDS COMMITTEE

O I.A.S.C., na sua função de organismo supranacional de


harmonização contabilística, emitiu, em Agosto de 1981, a Norma
Internacional de Contabilidade (N.I.C.) 14, "O Relato da Informação
Financeira por Segmentos". Apesar de reformatada em 1994, as
evoluções e as necessidades recentes impuseram alterações a esta
norma. Deste modo, o I.A.S.C. emitiu, em 1994 e 1995, "Exposure
Drafts" que culminaram, em 1997, com a publicação da N.I.C. 14
revista, "Relato por Segmentos".

2.4.1. A N.I.C. 14, "O RELATO DA INFORMAÇÃO FINANCEIRA POR


SEGMENTOS", DE AGOSTO DE 1981

Esta norma era aplicada no relato de informação financeira por


segmentos de uma empresa, tendo em atenção os diferentes sectores e
as diferentes áreas geográficas em que aquela operava. Os seus
destinatários eram as empresas cujos títulos fossem publicamente
negociados e outras entidades economicamente significativas,
incluindo as suas filiais. Tais entidades correspondiam àquelas cujos
níveis de proveitos, de lucros, de activos ou de emprego eram
significativos nos países, a partir dos quais, eram conduzidas as suas
principais operações. Quando se apresentassem, para além das
demonstrações financeiras da empresa-mãe, as demonstrações
financeiras consolidadas, a informação financeira por segmentos
necessitava apenas de ser apresentada ao nível das demonstrações
financeiras consolidadas.
Os tipos de segmentos preconizados nesta norma eram os
segmentos sectoriais e os segmentos geográficos. Os segmentos
sectoriais eram "os componentes distinguíveis de uma empresa cada
um deles empenhado em proporcionar um serviço ou produto
diferente, ou um grupo diferente de produtos ou serviços
relacionados, predominantemente a clientes fora da empresa"
(I.A.S.C, 1981: parágrafo 5). Por outro lado, os segmentos

217
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

geográficos eram "os componentes distinguíveis de uma empresa


empenhada em operações em regiões individualmente consideradas,
ou consideradas em grupo dentro de áreas geográficas particulares
tal como se determine ser apropriado nas particulares circunstâncias
de uma empresa" (I.A.S.C, 1981: parágrafo 5).
Para seleccionar os segmentos relatáveis existiam três directrizes
relevantes em termos de materialidade que eram as seguintes:
- o segmento devia originar 10% do rédito consolidado; ou
- o segmento devia proporcionar 10% do resultado operacional;
ou
- o segmento devia utilizar 10% dos activos totais.

A empresa podia, no entanto, estabelecer outros factores na


selecção de segmentos relatáveis.
A informação financeira a divulgar por cada segmento era a
seguinte:
- vendas e outros réditos operacionais, com distinção entre rédito
proveniente de clientes externos à empresa e rédito proveniente
de outros segmentos;
- resultado;
- activos utilizados, expressos quer em quantias monetárias ou
como percentagem dos totais consolidados; e
- bases utilizadas para a fixação dos preços inter-segmentos (tal
como justo valor de mercado, custo ou preço de mercado
menos um desconto).

O resultado do segmento correspondia à diferença entre o rédito


do segmento e o gasto do mesmo e reflectia, geralmente, o resultado
operacional. Os juros obtidos e os juros incorridos não eram
normalmente incluídos no resultado do segmento a menos que as
operações do mesmo fossem primordialmente de natureza financeira.
As rubricas extraordinárias, os interesses minoritários e os impostos
sobre os lucros não eram, também, incluídos no resultado do
segmento. Quando os réditos e os gastos não fossem directamente

218
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

atribuíveis a um segmento, mas existisse uma base adequada para a


sua imputação, podiam ser imputados aos segmentos de acordo com
essa base.
A divulgação dos activos do segmento dava uma indicação dos
recursos utilizados para gerar o resultado operacional do segmento.
Tais activos incluíam todos os activos tangíveis e intangíveis do
segmento. Os activos partilhados entre segmentos podiam ser
imputados aos mesmos se existisse uma base adequada para proceder
à sua imputação. No entanto, os passivos não eram geralmente
imputados, quer porque se relacionavam globalmente com a empresa,
quer porque eram vistos como dando origem a um resultado
considerado mais como financeiro do que como operacional.
A empresa devia fornecer reconciliações entre o total da
informação por segmentos individuais e a informação agregada nas
demonstrações financeiras.
As alterações na selecção de segmentos e as alterações nas
práticas contabilísticas usadas no relato de informação financeira por
segmentos que tivessem um efeito materialmente relevante na
informação de um segmento deviam ser divulgadas. A divulgação
devia incluir uma descrição da natureza da alteração, uma explanação
das razões para a alteração e os efeitos de tal alteração.

2.4.2. A N.I.C. 14, "RELATO POR SEGMENTOS", REVISTA EM 1997

Esta norma substituiu a N.I.C. 14 original, "O Relato da


Informação Financeira por Segmentos" e tornou-se eficaz para os
períodos contabilísticos que tenham começado em, ou após, 1 de Julho
de 1998.
A N.I.C. 14 revista aplica-se a empresas cujos títulos de capital
próprio ou de dívida sejam publicamente negociados, incluindo
empresas em processo de emissão de títulos de capital próprio ou de
dívida num mercado bolsista, mas não é aplicável a outras entidades
economicamente significativas.
A N.I.C. 14 original exigia que a informação financeira fosse
relatada por segmentos sectoriais e por segmentos geográficos e

219
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

proporcionava, apenas, orientação geral para a identificação de


segmentos sectoriais e de segmentos geográficos. Sugeria que os
agrupamentos organizacionais internos podiam proporcionar uma base
para determinar segmentos relatáveis, ou que estes podiam originar a
reclassificação de dados. A N.I.C. 14 revista exige que seja relatada
informação financeira sobre segmentos de negócio e segmentos
geográficos. Um segmento de negócio é "um componente distinguível
de uma empresa que esteja comprometido em fornecer um produto ou
serviço individual ou um grupo de produtos ou serviços relacionados
e que esteja sujeito a riscos e retornos que sejam diferentes dos de
outros segmentos de negócio" (I.A.S.C., 1997: parágrafo 9). Por outro
lado, um componente geográfico é "um componente distinguível de
uma empresa que esteja comprometido em prover produtos ou
serviços dentro de um ambiente económico particular e que esteja
sujeito a riscos e retornos que sejam diferentes dos componentes que
operam em outros ambientes económicos" (I.A.S.C., 1997: parágrafo
9).
No que respeita aos segmentos de negócio, os factores que
devem ser considerados na determinação de se os produtos ou os
serviços estão relacionados são os seguintes:
- a natureza dos produtos ou dos serviços;
- a natureza dos processos de produção;
- o tipo ou a classe de cliente dos produtos ou dos serviços;
- os métodos usados para distribuir os produtos ou proporcionar
os serviços; e
- se aplicável, a natureza do ambiente regulador, como por
exemplo, a banca, os seguros ou os serviços públicos.

Por sua vez, os factores que devem ser considerados na


identificação de segmentos geográficos incluem:
- similitude de condições económicas e políticas;
- relacionamentos entre unidades operacionais em diferentes
áreas geográficas;
- proximidade das unidades operacionais;

220
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

- riscos especiais associados com unidades operacionais numa


área particular;
- regulamentos de controlo cambiais; e
- riscos de moeda subjacentes.

Um segmento de negócio não inclui produtos e serviços com


retornos e riscos bastante diferenciados. Nesta perspectiva, os
produtos e serviços incluídos num segmento de negócio devem ser
semelhantes relativamente à maioria dos factores que condicionam a
sua relação.
Do mesmo modo, um segmento geográfico não inclui unidades
operacionais em ambientes económicos com retornos e riscos
significativamente diferenciados. Um segmento geográfico pode ser
um único país, um grupo de dois ou mais países ou uma região dentro
de um país.
A N.I.C. 14 revista proporciona orientação mais pormenorizada
para identificar segmentos de negócio e segmentos geográficos. Exige
que a empresa se debruce sobre a sua estrutura organizacional interna
e sobre o seu sistema de relato interno com a finalidade de identificar
esses segmentos.
A origem e a natureza dominantes dos riscos e dos retornos da
empresa devem condicionar o seu formato de relato financeiro por
segmentos, uma vez que condicionam, igualmente, a forma como a
empresa é organizada e gerida. Assim, se os riscos e as taxas de
retorno da empresa são predominantemente afectados por diferenças
nos produtos e nos serviços que ela produz e presta, o seu formato
principal para relatar informação financeira por segmentos deve estar
orientado para segmentos de negócio com informação secundária
relatada geograficamente. Semelhantemente, se os riscos e as taxas de
retorno da empresa forem predominantemente afectados pelo facto de
ela operar em países diferentes ou noutras áreas geográficas, o seu
formato principal para relatar informação financeira por segmentos
deve estar orientado para segmentos geográficos com informação
secundária relatada por grupos de produtos e de serviços relacionados.

221
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

A N.I.C. 14 revista é omissa quanto à possibilidade de uma divulgação


combinada em que ambos os tipos de segmentos5 sejam considerados
como principais.
No que respeita aos segmentos geográficos, a empresa deve ter
em consideração que os seus riscos e retornos são influenciados tanto
pela localização geográfica das suas unidades operacionais (onde os
seus produtos são produzidos ou onde as suas actividades de entrega
de serviços estão baseadas), como pela localização dos seus mercados
(onde os seus produtos são vendidos ou onde os seus serviços são
prestados). Nesta perspectiva, os segmentos geográficos são baseados:
- quer na localização das instalações e outros activos de
produção ou de serviços da empresa;
- quer na localização dos seus mercados e clientes.

Se os segmentos internos não forem baseados nem em grupos


de produtos e de serviços relacionados nem na geografia, a empresa
deve debruçar-se sobre o próximo nível mais baixo de segmentação
interna para identificar os seus segmentos relatáveis.
A N.I.C. 14 revista aponta para a combinação entre dois ou mais
segmentos de negócio ou geográficos. Desta combinação resulta
apenas um só segmento de negócio ou um só segmento geográfico. A
combinação entre segmentos de negócio ou geográficos apenas é
possível se os segmentos em causa:
- mostrarem desempenho financeiro semelhante a longo prazo; e
- forem semelhantes em todos os factores determinantes na
relação entre produtos e serviços ou na determinação de
segmentos geográficos.

Para considerar um segmento de negócio ou um segmento


geográfico como um segmento relatável exige-se, como condição
prévia, que a maioria dos seus réditos seja obtida através de vendas
efectuadas a clientes externos e que:
- os seus réditos de vendas a clientes externos à empresa e de

5
De negócio e geográficos.

222
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

transacções com outros segmentos sejam 10% ou mais do


rédito total de todos os segmentos; ou
- a quantia absoluta do seu resultado - lucro ou prejuízo - seja
10% ou mais do resultado combinado de todos os segmentos
com lucro ou do resultado combinado de todos os segmentos
com prejuízo, das duas quantias absolutas a mais elevada; ou
- os seus activos sejam 10% ou mais dos activos totais de todos
os segmentos.

Se os réditos totais externos atribuíveis a segmentos relatáveis


constituírem menos de 75% dos réditos totais da empresa ou do grupo,
a N.I.C. 14 revista aponta para que sejam identificados novos
segmentos relatáveis de modo a perfazer pelo menos aquela
percentagem.
A N.I.C. 14 original exigia quatro rubricas principais de
informação, quer para segmentos sectoriais, quer para segmentos
geográficos:
- vendas e outros réditos operacionais, com distinção entre rédito
proveniente de clientes externos à empresa e rédito proveniente
de outros segmentos;
- resultado;
- activos utilizados, expressos quer em quantias monetárias ou
como percentagem dos totais consolidados; e
- bases utilizadas para a fixação dos preços inter-segmentos.

Por sua vez, a N.I.C. 14 revista exige, para os segmentos


principais, aquelas quatro rubricas de informação, mais:
- passivos do segmento;
- custo dos activos fixos tangíveis e intangíveis adquiridos
durante o exercício;
- gastos de depreciações e de amortizações;
- gastos não desembolsáveis que não correspondam a
depreciações e a amortizações; e
- a parte da empresa no resultado líquido de uma associada,

223
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

empreendimento conjunto ou outro investimento contabilizado


pelo método da equivalência patrimonial se substancialmente
todas as operações da participada em causa estiverem somente
dentro daquele segmento, bem como a quantia do investimento
relacionado.

No que respeita aos segmentos secundários, a N.I.C. 14 revista


deixa cair a exigência da N.I.C. 14 original quanto ao resultado do
segmento substituindo-a pelo custo dos activos fixos tangíveis e
intangíveis adquiridos durante o exercício.
Na mesma linha de orientação da N.I.C. 14 original, a
informação financeira por segmentos deve ser reconciliada com a
informação financeira consolidada.
A N.I.C. 14 original era omissa sobre se a informação financeira
por segmentos precisava ou não de ser preparada usando as mesmas
políticas contabilísticas adoptadas nas demonstrações financeiras
individuais ou consolidadas da empresa. No entanto, a N.I.C. 14
revista exige que sejam seguidas as mesmas políticas contabilísticas.
A N.I.C. 14 original permitia diferenças na definição de
resultado do segmento entre empresas. Por sua vez, a N.I.C. 14 revista
proporciona orientação mais pormenorizada e normalizada quanto a
rubricas especificas de réditos e de gastos que devam ser incluídas ou
excluídas dos réditos e dos gastos do segmento e exige "simetria" na
inclusão de rubricas no resultado e nos activos do segmento6.

2.5. A SITUAÇÃO NA EUROPA

Na Europa, esta matéria é, na maior parte dos países,


deficientemente tratada. Os países anglo-saxónicos apresentam maior
detalhe e mais preocupações com esta matéria. A nível europeu,
vamos analisar as Directivas da U.E. e a situação no Reino Unido.

Se, por exemplo, o resultado do segmento reflectir gastos de depreciação, o activo


depreciável deve ser incluído nos activos do segmento.

224
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

2.5.1. As DIRECTIVAS DA UNIÃO EUROPEU

A informação financeira por segmentos é abordada nas 4.a e 7.a


Directivas do Conselho da U.E.7, ainda que de uma forma ténue
relativamente àquilo que se verifica nos E.U.A..
Ambos os documentos não definem o que é um segmento
sectorial (ou de negócio) ou o que é um segmento geográfico. Nesta
perspectiva, também não fazem referência aos factores considerados
na identificação de segmentos sectoriais (ou de negócio) e geográficos
e aos testes de materialidade considerados na selecção de segmentos
relatáveis.
O art.0 43.° da 4.a Directiva refere que o anexo deve comportar,
pelo menos, indicações sobre a ventilação do montante líquido das
vendas e das prestações de serviços por categorias de actividade, assim
como por mercados geográficos, na medida em que, do ponto de vista
da empresa que vende e que presta serviços, esta informação
corresponda às suas actividades normais e as categorias e os mercados
difiram entre si de forma considerável.
Por sua vez, o art.° 34.° da 7.a Directiva refere que o anexo deve
incluir, pelo menos, indicações sobre a repartição do montante líquido
do volume de negócios consolidado por categorias de actividade, bem
como por mercados geográficos, na medida em que, do ponto de vista
do grupo, esta informação corresponda às actividades normais do
conjunto das empresas compreendidas na consolidação e as categorias
e os mercados sejam muito diferentes entre si.
Ambos os documentos prevêem a omissão justificada da
divulgação da informação relativa às vendas e às prestações de
serviços por categorias de actividades e por mercados geográficos. As
empresas que apresentam informação financeira sintética e abreviada
não estão obrigadas a proceder à divulgação daquela informação.

7
A 4.a Directiva do Conselho (78/660/C.E.E.), de 25 de Julho de 1978, é relativa às
contas anuais de certas formas de sociedades. Por sua vez, a 7.a Directiva do
Conselho (83/349/C.E.E.), de 13 de Junho de 1983, é relativa às contas
consolidadas.

225
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

2.5.2. O REINO UNIDO

O Accounting Standards Committee (A.S.C.) emitiu, em 1990, o


Statement of Standard Accounting Practice (S.SA.P.) 25, "Segmental
Reporting".
Esta norma é aplicável às empresas cujos títulos são
publicamente negociados ou que possuam uma filial cujos títulos se
encontrem cotados, bem como às empresas dos sectores bancário e
segurador. Quando se apresentem, para além das demonstrações
financeiras da empresa-mãe, as demonstrações financeiras
consolidadas, a informação financeira por segmentos necessita de ser
divulgada ao nível das demonstrações financeiras consolidadas. A
informação financeira por segmentos do grupo deve incluir a
informação financeira análoga relativa às filiais.
Os tipos de segmentos considerados são os segmentos de
actividade e os segmentos geográficos. Um segmento de actividade é
uma área identificável da empresa que transacciona um produto ou um
serviço, ou um grupo de produtos ou de serviços afins. Por sua vez,
um segmento geográfico é uma área que compreende um país ou um
grupo de países nos quais a empresa opera ou onde transacciona os
seus produtos ou serviços. Contempla tanto os segmentos geográficos
por origem, em função da localização das áreas onde a empresa realiza
as suas operações, como os segmentos geográficos por destino,
segundo a localização dos mercados de intervenção da empresa.
Os testes de materialidade considerados na selecção de
segmentos relatáveis são semelhantes aos contemplados na N.I.C. 14
revista.
Relativamente a cada segmento de actividade ou geográfico
deve ser divulgada informação sobre:
- vendas e prestações de serviços, com distinção entre rédito
proveniente de clientes externos à empresa e rédito proveniente
de outros segmentos;
- resultado; e
- activos utilizados.

226
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

O resultado deve ser calculado antes de resultados


extraordinários, interesses minoritários, impostos sobre os lucros e
resultados financeiros excepto quando estes últimos representem uma
parte significativa das actividades da empresa.

2.6. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS EM PORTUGAL

O Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C.), aprovado pelo Dec-


Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, exige que as empresas divulguem,
na nota 44 do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados , a
repartição do valor líquido das vendas e das prestações de serviços por
actividades e por mercados interno e externo, na medida em que tais
actividades e mercados sejam consideravelmente diferentes.
Em 1991, através do Dec.-Lei n.° 238/91, de 2 de Julho, o
P.O.C, foi alterado de modo a acolher a transposição para o direito
interno das normas de consolidação de contas estabelecidas na 7.a
Directiva do Conselho da U.E..
Deste modo, o P.O.C, exige que a nota 36 do anexo ao balanço e
à demonstração dos resultados consolidados evidencie a repartição do
valor líquido consolidado das vendas e das prestações de serviços, por
categorias de actividades e mercados geográficos, na medida em que,
do ponto de vista da organização de venda dos produtos e da prestação
de serviços correspondentes às actividades correntes do conjunto das
empresas incluídas na consolidação, estas categorias e mercados
difiram substancialmente uns dos outros.

De acordo com o n.° 1 do art." 3.° do Dec.-Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, esta
exigência é feita às empresas individuais reguladas pelo Código Comercial, aos
estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, às sociedades por quotas,
às sociedades anónimas e às cooperativas que, à data do encerramento das contas,
tenham ultrapassado dois dos três limites referidos no art.° 262.° do Código das
Sociedades Comerciais (C.S.C.). As restantes empresas poderão apresentar somente
os modelos menos desenvolvidos de demonstrações financeiras indicados no P.O.C..
O modelo menos desenvolvido do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados
não prevê a divulgação do valor líquido das vendas e das prestações de serviços por
actividades e por mercados interno e externo.

227
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

A Directriz Contabilística (D.C.) n.° 14, "Demonstração dos


Fluxos de Caixa", de Julho de 1993, refere que deve ser divulgado "o
montante dos fluxos de caixa originados pelas actividades
operacionais, de investimento e de financiamento, separado por
ramos de actividade e por zonas geográficas" (C.N.C., 1993: Ponto
6.10. IV) e exige que na nota 4 do anexo à demonstração dos fluxos de
caixa seja efectuada a "repartição do fluxo de caixa por ramos de
actividade e zonas geográficas, caso tenha sido adoptada a mesma
divisão segmentada nas demais peças das demonstrações financeiras'"
(C.N.C., 1993: Ponto 8).
A C.N.C, aprovou, em Junho de 2000, a D.C. n.° 27, "Relato por
Segmentos", que ainda não foi objecto de homologação por parte do
Ministro das Finanças. Na preparação desta D.C. foram tomados em
consideração os aspectos essenciais da N.I.C. 14 revista.
A D.C. n.° 27 aplica-se às entidades com valores mobiliários
negociados em bolsas de valores e àquelas que se preparam para o
processo de admissão dos seus valores mobiliários à negociação em
bolsas de valores.
Esta norma considera dois tipos de segmentos: os segmentos de
negócio e os segmentos geográficos. Um segmento de negócio "e um
componente distinguível de uma entidade, destinado a proporcionar
produtos ou serviços individualizados ou um grupo de produtos ou
serviços relacionados sujeito a riscos e retornos que sejam diferentes
dos de outros segmentos de negócio" (C.N.C., 2000: ponto 4),
enquanto que um segmento geográfico "é um componente distinguível
de uma entidade, destinado a fornecer produtos ou serviços num
espaço económico específico, sujeito a riscos e retornos diferentes dos
componentes que operem noutros espaços económicos" (C.N.C.,
2000: ponto 4).
A empresa deve considerar os seguintes factores de modo a
determinar quais os produtos e os serviços que estão relacionados:
- a natureza dos produtos ou dos serviços;
- a natureza dos processos produtivos;
- o tipo ou a classe de clientes de produtos ou de serviços;

228
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

- os métodos usados para distribuir os produtos ou fornecer os


serviços; e
- se aplicável, a natureza do enquadramento regulador, como,
por exemplo, a banca, os seguros ou os serviços de utilidade
pública.

De igual modo, a empresa deverá considerar os seguintes


factores na identificação de segmentos geográficos:
- semelhança de condições económicas e políticas;
- relações entre unidades operacionais actuando em diferentes
áreas geográficas;
- proximidade de unidades operacionais;
- riscos especiais associados a unidades operacionais actuando
numa determinada área;
- regulamentação do controlo de divisas; e
- riscos subjacentes a moedas.

À semelhança da N.I.C. 14 revista, a D.C. n.° 27 prevê que a


empresa se debruce sobre a sua estrutura organizacional interna e
sobre o seu sistema de relato interno com a finalidade de identificar os
segmentos principais e os segmentos secundários. A origem e a
natureza dominantes dos riscos e dos retornos da empresa devem
condicionar o seu formato de relato financeiro por segmentos, uma vez
que condicionam, igualmente, a forma como a empresa é organizada e
gerida. Dentro desta linha de orientação, a empresa deve ter presente
que:
- se os riscos e as taxas de retorno forem fortemente afectados
quer por diferenças nos produtos e nos serviços que produz,
quer por diferenças nas áreas geográficas em que opera ,
deverá adoptar como principal o segmento de negócio e como
secundário o segmento geográfico; e
- se a sua estrutura de organização interna e de gestão e o seu

9
O que pode ser evidenciado por uma abordagem matricial da gestão da empresa e
do seu relato interno.

229
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

sistema de relato financeiro interno não forem baseados nem


nos produtos ou serviços individuais ou grupos de produtos e
serviços relacionados, nem em áreas geográficas, caberá ao
órgão de gestão determinar se os riscos e as taxas de retorno
estão mais relacionados com os produtos e os serviços que ela
produz ou com as áreas geográficas em que opera e,
consequentemente, seleccionar qual o segmento a considerar
como principal.

Dois ou mais segmentos de negócio ou geográficos, que sejam


substancialmente similares, podem ser agregados como um único
segmento de negócio ou segmento geográfico. Os segmentos
consideram-se substancialmente similares quando:
- possam apresentar desempenho financeiro semelhante a longo
prazo;e
- forem similares em todos os factores determinantes na relação
entre produtos e serviços ou na determinação de segmentos
geográficos.

Qualquer segmento de negócio ou segmento geográfico deve ser


identificado como segmento relatável se a maioria dos seus réditos
resultar das vendas efectuadas a clientes externos e:
- se o rédito dessas vendas e das operações com outros
segmentos representar pelo menos 10% do rédito total, interno
e externo, de todos os segmentos; ou
- se o resultado do segmento - lucro ou prejuízo - representar
pelo menos 10% do resultado agregado de todos os segmentos
lucrativos ou do resultado agregado de todos os segmentos que
apresentem prejuízos, dos dois o maior em valor absoluto; ou
- se os seus activos representarem pelo menos 10% dos activos
totais de todos os segmentos.

Do mesmo modo que a N.I.C. 14 revista, a D.C. n.° 27 prevê que


sempre que o rédito externo total atribuível a segmentos relatáveis

230
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

constitua menos do que 75% do total da empresa ou do total


consolidado, devem ser identificados segmentos adicionais como
segmentos relatáveis, mesmo que não satisfaçam os limites de 10%
referidos, por forma a atingir, pelo menos, os mencionados 75%.
Para que a informação financeira da empresa seja comparável,
esta deve ter em atenção que:
- se um segmento for identificado como relatável no exercício
precedente, porque satisfez os limites relevantes de 10%, deve
ser relatado no exercício corrente mesmo que não tenha
atingido aqueles limites; e
- se um segmento for identificado como relatável no exercício
corrente, porque passou a satisfazer os limites relevantes de
10%, os dados segmentais do exercício precedente devem ser
reajustados.

A empresa deve divulgar na nota 44 do anexo ao balanço e à


demonstração dos resultados toda a informação financeira por
segmentos.
As divulgações respeitantes a cada um dos segmentos principais
são as seguintes:
- os réditos do segmento, evidenciando separadamente os
provenientes de vendas a clientes externos e os provenientes de
operações com outros segmentos;
- o resultado líquido;
- a quantia líquida do activo;
- a quantia do passivo;
- o investimento feito no exercício em imobilizações corpóreas e
incorpóreas;
- as amortizações do imobilizado respeitantes ao exercício;
- a quantia total dos gastos significativos que não impliquem
desembolsos, com exclusão das amortizações;
- a parcela do resultado líquido que respeite à quota-parte da
empresa em associadas, empreendimentos conjuntos ou outros
investimentos contabilizados segundo o método da

231
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

equivalência patrimonial, se substancialmente todas as


operações dessas participadas estiverem dentro desse
segmento;
- verificando-se a situação anterior, os investimentos nessas
participadas devem também ser divulgados; e
- a natureza e a quantia de quaisquer rubricas de réditos e de
gastos cuja dimensão, natureza ou incidência sejam relevantes
para explicar o desempenho do segmento no exercício.

A empresa deve apresentar uma reconciliação entre a


informação divulgada por segmentos relatáveis e a informação
agregada nas demonstrações financeiras individuais ou consolidadas.
As divulgações respeitantes a cada um dos segmentos
secundários devem ter em consideração os seguintes aspectos:
- se o segmento relatável principal for de negócio, a empresa
deve também divulgar por cada segmento:
- os réditos relativos a clientes externos por segmento
geográfico segundo a localização desses clientes, desde que
em cada um desses segmentos geográficos os réditos das
vendas a tais clientes representem pelo menos 10% dos
réditos totais da empresa relativos a vendas para clientes
externos;
- a quantia total dos activos segundo a sua localização
geográfica, para cada segmento geográfico cujos activos
representem pelo menos 10% dos activos totais da empresa; e
- o investimento feito no exercício em imobilizações corpóreas e
incorpóreas, por localização geográfica dos activos, desde que
os activos de cada segmento geográfico representem pelo
menos 10% dos activos totais da empresa;

- se o segmento relatável principal for geográfico (quer baseado


na localização de activos, quer na localização de clientes), a
empresa deve também divulgar por cada segmento geográfico a
seguinte informação relativa aos segmentos de negócio cujos

232
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

réditos de vendas relativos a clientes externos representem pelo


menos 10% dos réditos totais da empresa provenientes de
vendas a clientes externos ou cujos activos representem pelo
menos 10% dos activos totais da empresa:
- os réditos do segmento provenientes de clientes externos;
- a quantia líquida do activo do segmento; e
- os investimentos feitos no exercício em imobilizações
corpóreas e incorpóreas;

- se o segmento relatável principal for geográfico e baseado na


localização dos activos e se a localização dos seus clientes for
diferente da localização dos seus activos, então a empresa deve
divulgar também os réditos provenientes das vendas a clientes
externos, por cada segmento geográfico baseado na localização
dos clientes, cujos réditos provenientes dessas vendas
representem pelo menos 10% dos réditos totais da empresa
derivados das vendas a todos os clientes externos;

- se o segmento relatável principal for geográfico e baseado na


localização dos clientes e se os activos da empresa estiverem
localizados em áreas geográficas diferentes das dos seus
clientes, então a empresa deve divulgar também a informação
segmental a seguir indicada, por cada segmento geográfico
baseado na localização dos activos, cujos réditos das vendas a
clientes externos ou activos do segmento representem pelo
menos 10% das quantias relacionadas consolidadas ou do total
da empresa:
- a quantia líquida do activo segmentai, por localização
geográfica dos activos; e
- o investimento feito no exercício em imobilizações corpóreas
e incorpóreas, por localização dos activos.

A informação financeira por segmentos deve ser preparada em


conformidade com as políticas contabilísticas adoptadas para preparar

233
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

e apresentar as demonstrações financeiras individuais ou consolidadas.


As alterações nas políticas contabilísticas adoptadas para relato
financeiro por segmentos, que tenham um efeito materialmente
relevante na informação financeira dos mesmos, devem ser divulgadas
e a informação financeira análoga do exercício anterior deve ser
reajustada, a menos que seja impraticável fazê-lo. Tais divulgações
devem incluir uma descrição da natureza e as razões da alteração, a
indicação da informação comparativa ter sido reajustada ou as razões
da sua impossibilidade, e o efeito financeiro da alteração, se for
razoavelmente determinável. A empresa deve indicar os tipos de
produtos e de serviços incluídos em cada segmento de negócio
relatado bem como a composição de cada segmento geográfico
relatado, quer principal quer secundário.

3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS E A


CONTABILIDADE DE GESTÃO

A informação financeira por segmentos não deve ser apenas


analisada à luz da contabilidade financeira e dos utilizadores externos
da informação financeira.
A demonstração dos resultados por naturezas bem como a
generalidade das demonstrações dos resultados por funções não
permitem responder às seguintes perguntas:
- Qual dos produtos ou das famílias de produtos que a empresa
fabrica apresenta maior rendibilidade?
- Se a empresa tiver previsto um determinado resultado líquido,
a redução do mesmo poderá ser interpretada como um
indicador de má gestão?
- Qual é a margem de contribuição de cada produto por mercado,
zona geográfica ou tipo de cliente?
- Que produto gera um maior valor acrescentado para a
empresa?
- É mais rentável produzir ou subcontratar a curto prazo?

234
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

Para Blanco Ibarra (1998: pág. 429 e 430), estas perguntas e o


dinamismo empresarial contribuem para a existência de informação
por segmentos completamente diferente daquela que é concebida pela
contabilidade financeira. No entanto, esta informação deve integrar o
conteúdo do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados. Para
este autor, a empresa deve divulgar a seguinte informação:
- unidades vendidas por produto, zona geográfica ou tipo de
cliente;
- unidades produzidas por objecto de custo;
- custos por actividade reais e potenciais;
- unidades de obra utilizadas;
- preços de transferência seguidos e avaliação dos conflitos
gerados pela utilização dos mesmos;
- margens de contribuição por objecto de custo, zona geográfica
ou tipo de cliente;
- distorção observada entre o custo incorrido e o desembolso de
tesouraria;
- análise custo benefício das diferentes opções aceites e
rejeitadas; e
- informação sobre a necessidade de efectuar alterações à
estratégia assumida.

Em nossa opinião, e apesar dos recentes desenvolvimentos


verificados na matéria, persistem, ainda, algumas lacunas que
desejavelmente devem ser objecto de tratamento na informação
financeira por segmentos. Deste modo, as empresas e os grupos, que
apresentem informação financeira por segmentos, podem e devem
divulgar, nas suas demonstrações financeiras, informação de carácter
interno respeitante a cada um dos segmentos relatáveis. A divulgação
de informação de carácter interno possibilita enriquecer as
demonstrações financeiras e promove o intercâmbio entre a
contabilidade financeira e a contabilidade de gestão.

235
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

4. N O T A S RECAPITULATIVAS E DE CONCLUSÕES

O relato financeiro por segmentos e a divulgação de informação


sobre diferentes produtos ou serviços e sobre diferentes áreas
geográficas exploradas por uma entidade são um desenvolvimento
recente no âmbito da contabilidade financeira.
Algumas empresas de grande dimensão têm vindo a passar,
desde a década de 60 até à década actual, por processos complexos de
diversificação, tanto em termos de produtos ou de serviços, como em
termos geográficos. As fusões por absorção ou por constituição de
novas empresas, bem como as aquisições de partes de capital em
filiais, têm originado o aparecimento de empresas e de grupos
multinacionais. Nestas entidades colocam-se problemas de
transparência e de adequabilidade das demonstrações financeiras, pois
as respectivas actividades estão associadas a diferentes produtos ou
serviços e a diferentes áreas geográficas com retornos, riscos e
perspectivas de crescimento diferentes. Deste modo, torna-se
importante a divulgação de informação financeira por segmentos com
o objectivo de fornecer, aos detentores de capital e aos outros
utilizadores da informação financeira, bases de suporte para as suas
tomadas de decisão.
O maior ímpeto na divulgação de informação financeira por
segmentos verificou-se essencialmente pelas crescentes exigências de
informação por parte dos mercados de capitais. Durante as décadas de
50 e de 60, os analistas financeiros começaram a experimentar
necessidades crescentes de informação sobre as empresas em análise
sempre que estas adquiriam áreas de negócio diferentes relativamente
ao seu negócio original ou à medida que se internacionalizavam.
Por sua vez, os governos têm assumido, nesta matéria,
influências variadas. Em países com economias altamente
desenvolvidas e em que abundam as empresas de dimensão global,
como por exemplo os E.U.A., os governos, a par dos organismos
profissionais, têm emitido normas no sentido de regular a forma como
deve ser divulgada a informação financeira produzida por aquelas

236
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

empresas. Por outro lado, os governos influenciaram organizações


supranacionais, tais como a O.N.U. e a O.C.D.E., a debruçar-se e a
emitir normas sobre esta matéria.
Em 1967, o A.P.B. Statement n.° 2, "Disclosure of Supplemental
Financial Information by Diversified Companies", do A.I.C.P.A.,
recomendava a divulgação voluntária de informação financeira por
segmentos. Em 1969, uma norma da S.E.C., aplicável às empresas
com títulos cotados, previa a divulgação de informação financeira para
todos os negócios que, nos cinco anos mais recentes, tivessem
representado pelo menos 10% das vendas ou do resultado antes de
impostos e do resultado extraordinário da respectiva empresa. Em
1973 surgiram novas pressões sobre a necessidade deste tipo de
informação e em 1974, por imposição da N.Y.S.E., a informação
financeira por segmentos passou a ser divulgada nas demonstrações
financeiras anuais das empresas.
Na mesma altura, o F.A.S.B. iniciou os estudos preparatórios
relativos a esta matéria que conduziram à emissão, em Dezembro de
1976, do S.F.A.S. n.° 14, "Financial Reporting for Segments of a
Business Enterprise". Esta norma aplicava-se a todas as empresas com
títulos cotados, ou seja, a todas as empresas que estivessem sujeitas a
preparar e a divulgar a informação financeira de acordo com os
princípios contabilísticos geralmente aceites nos E.U.A.. De acordo
com esta norma, as demonstrações financeiras das empresas deviam
divulgar informação sobre operações em diferentes indústrias,
operações com o exterior e exportações e operações com os
maiores clientes.
Em 1996 encontrava-se em estudo uma nova norma com o
objectivo de melhorar a informação financeira por segmentos. Tal
estudo conduziu à emissão, em Junho de 1997, do S.F.A.S. n.° 131,
"Disclosures about Segments of an Enterprise and Related
Information". Tal como a norma anterior, o S.F.A.S. n.° 131 aplica-se
a todas as empresas com títulos cotados. No entanto, é suficiente
apresentar a informação financeira por segmentos no âmbito das
demonstrações financeiras consolidadas. Esta norma apresenta uma

237
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

mudança significativa no que se refere ao modo como devem ser


reconhecidos os segmentos, pois impõe que a segmentação se
concretize de acordo com uma base única seguindo a estrutura
organizacional interna da empresa definida pelo órgão de gestão de
modo a tomar as decisões operacionais. Este procedimento de
identificação dos segmentos configura aquilo que a norma designa de
segmentos operacionais, devendo a empresa prestar, sobre eles,
determinadas informações.
Ao acompanhar os desenvolvimentos desta matéria, o organismo
normalizador japonês - o B.A.D.C. - emitiu, em 1988, uma norma
sobre relato financeiro por segmentos que começou a produzir efeitos
a partir de 1990. Esta norma exige a divulgação das vendas e das
prestações de serviços de cada segmento, bem como do respectivo
resultado. Os segmentos relatáveis podem ser segmentos de negócio
ou geográficos.
O I.A.S.C, na sua função de organismo supranacional de
harmonização contabilística, emitiu, em Agosto de 1981, a N.I.C. 14,
"O Relato da Informação Financeira por Segmentos". Apesar de
reformatada em 1994, as evoluções e as necessidades recentes
impuseram alterações a esta norma. Deste modo, o I.A.S.C. emitiu, em
1994 e 1995, "Exposure Drafts" que culminaram, em 1997, com a
publicação da N.I.C. 14 revista, "Relato por Segmentos".
A N.I.C. 14 original exigia que a informação financeira fosse
relatada por segmentos sectoriais e por segmentos geográficos e
proporcionava, apenas, orientação geral para a identificação de
segmentos sectoriais e de segmentos geográficos. A N.I.C. 14 revista
exige que seja relatada informação financeira sobre segmentos de
negócio e segmentos geográficos.
A informação financeira por segmentos é abordada nas 4.a e 7.a
Directivas do Conselho da U.E., ainda que de uma forma ténue
relativamente àquilo que se verifica nos E.U.A.. Ambos os
documentos não definem o que é um segmento sectorial (ou de
negócio) ou o que é um segmento geográfico; no entanto, referem que
o anexo deve incluir, pelo menos, indicações sobre a ventilação do

238
O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

montante líquido das vendas e das prestações de serviços por


categorias de actividade, assim como por mercados geográficos.
No Reino Unido, o A.S.C, emitiu, em 1990, o S.S.A.P. 25,
"Segmental Reporting". Esta norma é aplicável às empresas cujos
títulos são publicamente negociados ou que possuam uma filial cujos
títulos se encontrem cotados, bem como às empresas dos sectores
bancário e segurador. Quando se apresentem, para além das
demonstrações financeiras da empresa-mãe, as demonstrações
financeiras consolidadas, a informação financeira por segmentos
necessita de ser divulgada ao nível das demonstrações financeiras
consolidadas. Os tipos de segmentos considerados são os segmentos
de actividade e os segmentos geográficos.
Em Portugal, a C.N.C, aprovou, em Junho de 2000, a D.C. n.°
27, "Relato por Segmentos", que ainda não foi objecto de
homologação por parte do Ministro das Finanças. Na preparação desta
D.C. foram tomados em consideração os aspectos essenciais da N.I.C.
14 revista. A D.C. n.° 27 aplica-se às entidades com valores
mobiliários negociados em bolsas de valores e àquelas que se
preparam para o processo de admissão dos seus valores mobiliários à
negociação em bolsas de valores. Esta norma considera dois tipos de
segmentos: os segmentos de negócio e os segmentos geográficos.
Em suma, a divulgação de informação financeira por segmentos
implica tomar decisões sobre:
- tipos de segmentos a considerar (por exemplo: segmentos de
negócio e segmentos geográficos);
- segmentos principais e segmentos secundários;
- testes de materialidade a utilizar na selecção de segmentos
relatáveis; e
- informação a divulgar em cada segmento relatável.

As normas mais recentes evidenciam uma tendência clara para


aprofundar alguns aspectos relacionados com esta matéria, pois
estabelecem critérios mais claros e precisos para identificar os
segmentos relatáveis e exigem mais informação para cada um desses

239
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

segmentos. Tal facto irá, por certo, permitir um maior rigor na


informação prestada e uma base de sustentação alargada para as
tomadas de decisão.
A informação financeira por segmentos não deve ser apenas
analisada à luz da contabilidade financeira e dos utilizadores externos
da informação financeira. As empresas e os grupos, que apresentem
informação financeira por segmentos, podem e devem divulgar, nas
suas demonstrações financeiras, informação de carácter interno
respeitante a cada um dos segmentos relatáveis. A divulgação de
informação de carácter interno possibilita enriquecer as demonstrações
financeiras e promove o intercâmbio entre a contabilidade financeira e
a contabilidade de gestão.
Em Portugal, o relato financeiro por segmentos não reveste,
ainda, a importância desejada atendendo à dimensão e ao nível de
internacionalização das nossas empresas. No entanto, saúdam-se as
preocupações da C.N.C, nesta matéria que levaram à aprovação da
D.C. n.° 27. Esta norma constitui um passo importante no âmbito da
aproximação às N.I.C. do I.A.S.C..

BIBLIOGRAFIA

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contabilidade e de organismos de normalização
contabilística

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242
Revista Estudos do I.S.C.A.A., II Série, 6/7 (2000/2001)

O I.S.C.A. DE AVEIRO:
AS VICISSITUDES DE UMA ESCOLA DE CONTABILIDADE

JOSÉ FERNANDES DE SOUSA


iose.sousa@isca.ua.pt
PROF. ADJUNTO DO I.S.C.A.A.
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1. A PROMISSORA «BATALHA DA EDUCAÇÃO»
2. O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
3. GÉNESE DO ENSINO SUPERIOR EM AVEIRO
3.1.0 INSTITUTO MÉDIO DE COMÉRCIO PARTICULAR
3.2. A SECÇÃO DO INSTITUTO COMERCIAL DO PORTO
3.3.0 INSTITUTO SUPERIOR DE COMÉRCIO
3.4. O INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMTNISTRAÇÃO DE
AVEIRO
3.5. OI.S.CA. EAUNTVERSIDADEDEAVEIRO
4. O REGRESSO DO ENSPNO SUPERIOR POLITÉCNICO
4.1.0 ENSINO SUPERIOR DE CURTA DURAÇÃO
4.2. O ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO
4.3. O REGRESSO DO I.S.C.A.A. À UNIVERSIDADE
5. A CONSOLIDAÇÃO DOS I.S.C.A.'S E DO ENSPNO SUPERIOR
POLITÉCNICO
5.1. O PESSOAL DOCENTE: DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
5.2.0 ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE
5.3. O PESSOAL NÃO DOCENTE
5.4. Os I.S.C.A.'s RUMO À AUTONOMIA: UMA NOVA ORGÂNICA
6. A CONSAGRAÇÃO DO ENSDSTO SUPERIOR POLITÉCNICO
6.1.0 TRRJNFO DO SISTEMA BPNÁRIO
6.2. O I.S.C.A.DE AVEIRO
6.3. A SOLUÇÃO FINAL
7. O FUTURO DO I.S.C.A.A. E DA CONTABILIDADE
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
ANEXO: PROPOSTA DOS TERMOS DE REFERÊNCIA ACORDADOS PARA
EFEITOS DA INTEGRAÇÃO DO I.S.C.A.A. NA UNIVERSIDADE DE AVEHIO

244
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

INTRODUÇÃO

A questão que nos propomos abordar, centrada essencialmente


na evolução que transparece das sucessivas molduras legais, enlaça-se
de forma insofismável com a política educativa, que, por sua vez, re-
flecte a dinâmica da sociedade portuguesa ao longo de três décadas.
Na década de 70 emerge a reforma educativa de 1973, cuja rela-
ção com o processo histórico em curso nos países industrializados lhe
empresta, apesar da ruptura revolucionária, o vigor de matriz inspira-
dora da diversificação e da expansão do ensino, sendo esta transfor-
mada em "ilusão optimista" capaz de "realizar o ideal de igualdade de
oportunidades sociais"1.
A candência revolucionária, que revolve as funduras da socieda-
de portuguesa e acende a fogueira de incontidas aspirações sociais,
desencadeia uma nova fase da política educativa - 1974-1976 - , mar-
cada pela instabilidade de uma sociedade provisória, onde progride a
ideia heróica de construir uma Escola "democrática e socialista"2, ten-
do como ruído de fundo o som cavo das botas e o desembainhar das
espadas fora dos quartéis.
Em 1976, com a tomada de posse do I Governo constitucional,
arranca um período de progressiva estabilidade e de algumas mudan-
ças educativas, que antecipam a fórmula estrutural acolhida na Lei de
Bases de 19863, cujos desenvolvimentos configuram a quarta e última
fase da política educativa ao longo de 30 anos.
O nosso propósito visa acompanhar as mais significativas vicis-
situdes institucionais do Instituto Superior de Contabilidade e Admi-
nistração de Aveiro, enquanto escola de ensino da Contabilidade, es-
candidas ao ritmo das transformações sociais e da política educativa,
ocorridas no âmbito do ensino de carácter tecnico-profissional pós se-

1
Sérgio Grácio, Ensinos Técnicos e Política em Portugal, 1910-1999, (1992, data do
trabalho académico), Lisboa, Instituto Piaget, Estudos e Documentos, 1998, p. 157.
2
Decreto Lei n.° 363/75, de 11 de Julho.
3
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro.

245
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

cundário, que se consolidaria com a denominação de Ensino Superior


Politécnico.

1. A PROMISSORA « B A T A L H A DA E D U C A Ç Ã O »

O sistema educativo na década de 70 sofre a pressão de vários


grupos sociais que, dentro e fora do regime, lhe diagnosticam distor-
ções e disfunções susceptíveis de obstaculizar o desenvolvimento do
país. Os impulsos de mudança sobem da crise académica de 69, onde
ecoa o Maio de 68, articulam-se com a doutrina da O.C.D.E., cujos es-
tudos consideram a valorização dos recursos humanos um vector es-
tratégico do desenvolvimento económico nacional, reforçam-se no
clima modernizador dos sistemas educativos que alastra pela Europa, e
configura-se na reforma democratizante de 1973, 16 de Janeiro -
"Projecto do Sistema Escolar e Linhas Gerais da Reforma do Ensino
Superior", que tenta uma alargada base de apoio das forças sociais4.

O pensamento que anima a pretendida reforma global do ensino


acolhe ao nível do discurso educativo dois conceitos de forte sentido
modernizador: a gestão participativa do ensino superior e a democrati-
zação do ensino. Esta ousadia, com sinais evidentes de ruptura, não
poderia conviver com a ténue abertura da ideologia dominante que,
privilegiando a continuidade, se refrescava com as ideias menos mo-
bilizadoras de "renovação" ou de "evolução".
O Reitor da Universidade de Lourenço Marques, tornado Minis-
tro, abandona a temática da gestão participativa no ensino superior -
que, aliás, o próprio Marcelo Caetano timidamente ensaiara, num
«Conselho académico», aberto aos dirigentes associativos. As convul-
sões académicas forçam-no a mudar de ideias e a recusar, como presi-

Teresa Ambrósio, O Sistema Educativo: Ruptura, Desestabilização e Desafios Eu-


ropeus, apud António Reis (Dir. de), Portugal Contemporâneo, Vol. 3, Lisboa, Pu-
blicações Alfa, 1996, pp. 665-674.

246
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

dente do Conselho de Ministros, a participação dos estudantes nos ór-


gãos de gestão das Escolas, «enquanto existisse agitação académica»5

A ideia de democratização do ensino, uma linha de força da


oposição, torna-se vulgar, após a crise académica de 69, no discurso
do regime, embora com a pobreza semântica que a restringe à proposta
liberal de privilegiar o mérito, através da criação de condições de
igualdade de acesso ao ensino assentes no apoio social. O vocábulo
que sugeria a necessidade de dar ao ensino "uma dimensão política",
reclamada por diversos e crescentes sectores da sociedade, não cabe na
Primavera marcelista, incapaz de romper com o situacionismo mais
conservador, demasiado incomodado com a turbulência académica,
onde aflora, de forma crítica e sublevadora, a recorrente questão da
guerra colonial, um dos mais fracturantes sulcos da sociedade portu-
guesa, que largos sectores da juventude académica consideram, de
forma crescente, uma ameaça inaceitável ao seu futuro.
Contudo, a tentativa do ministro V. Simão de transformar o
projecto de reforma global num eixo aglutinador de consensos e mo-
bilizador de toda a sociedade portuguesa, exala persistentes redolên-
cias primaveris. A metodologia que propõe no lançamento do projecto
é inovadora : faz apelo a «todos os que queiram ajudar construindo»,
«independentemente das suas ideias políticas», para que a «decisiva»
«batalha da educação» possa ser travada em «diálogo aberto e franco»,
criticada «livre e responsavelmente» e avaliada «nos seus méritos e
defeitos».
Esta ideia de uma discussão pública alargada da reforma pro-
jectada, assume uma importância fundamental: ao mesmo tempo que
insinua uma consciência aguda do valor estratégico da educação, cujo
desenvolvimento tonifica «a vida da liberdade responsável», transporta
a matriz ideológica de uma nova cidadania voltada para «a participa-
ção activa no progresso nacional».

5
Marcelo Caetano, Depoimento, 1974, in Rui Grácio, A Expansão do Sistema de
Ensino e a Movimentação Estudantil, apud António Reis (Dir. de), Portugal Con-
temporâneo, Vol. 3, Lisboa, Publicações Alfa, 1996, pp. 221-258, p.252-253.

247
Revista Estudos do [.S.C.A.A.

O sentido da mudança animada por Veiga Simão esteia-se na


realização de dois objectivos nucleares: o da «a normalização» da vida
escolar, através de um conjunto de medidas tendentes a aliviar as ten-
sões existentes na academia e a desmobilizar os protestos académicos,
e o reforço da «eficiência» do ensino, adequando às necessidades de
desenvolvimento do país, através de um triplo processo, que envolve a
«diversificação», a «expansão» e a «regionalização».6

Estas linhas de força estruturam a "Reforma do Sistema Educa-


tivo"7, que se propõe assegurar a realização dos objectivos do ensino
superior através das "Universidades, Institutos Politécnicos, Escolas
Normais Superiores e outros estabelecimentos equiparados"8, de cujas
instituições se espera capacidade para "intensificar a cooperação mú-
tua e a coordenação do ensino superior no âmbito regional e de alcan-
çar uma mais eficiente utilização de meios humanos e do equipamento
educacional e de investigação".9

A criação dos Institutos Politécnicos, que conferem o grau de


Bacharel, com a duração de 3 anos,10 recupera uma tradição esquecida
desde oitocentos11, enquanto a sua regulamentação os transforma em
"centros de formação tecnico-profissional, aos quais compete espe-
cialmente ministrar o ensino superior de curta duração, orientado de
forma a dar predominância aos problemas concretos e de aplicação
prática, e a promover a investigação aplicada e o desenvolvimento ex-

6
Rui Grácio, A Expansão do Sistema de Ensino e a Movimentação Estudantil, apud
António Reis (Dir. de), Portugal Contemporâneo, Vol. 3, Lisboa, Publicações Alfa,
1996, pp. 221-258, p.252-253.
7
Lei 5/73, de 25 de Julho: Lei de Reforma do Sistema Educativo.
Lei 5/73, de 25 de Julho: Lei de Reforma do Sistema Educativo, Base XIII, n.° 3.
9
Decreto-Lei n.° 402/73, de 11 de Agosto, Art." 7o.
10
Lei n.° 5/73, de 25 de Julho, Base XV, n.°2 e Base XVI, n.° 1.
1
António de Sousa, Sobre a Génese do Ensino Politécnico, in Millenium, n.° 13,
Janeiro, 1999, p .8.

248
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

perimental, tendo em conta as necessidades no domínio tecnológico e


no sector dos serviços, particularmente as de carácter regional"12.

2. O M O V I M E N T O REVOLUCIONÁRIO

A Revolução de Abril trouxe à educação e ao interior das Esco-


las um movimento democratizante imbuído de frenético voluntarismo,
que fora inviável no seio do anterior regime.
A gestão das Universidades e das Escolas Superiores aparecem
confiadas pelo M.E.C, a comissões democraticamente eleitas'3, abertas
à participação de todos os corpos da escola, que rendem os "substitu-
tos legais" das gestões exoneradas pela Revolução.14
As diferentes fórmulas encontradas pelas Instituições de Ensino
Superior são uniformizadas, ainda no ano da revolução, por disposição
legal que institucionaliza a "democratização dos estabelecimentos de
ensino superior"15, sendo criados os diversos órgãos16 e respectivas
funções: Assembleia de Escola, Conselho Directivo, Conselho Peda-
gógico e Conselho Científico.
Em Junho de 1975, Conselho da Revolução emana as "Bases
Programáticas da Reforma Socialista do Ensino Superior", que reser-
vam aos representantes dos trabalhadores, dos interesses nacionais e
regionais uma presença efectiva nas estruturas de decisão das escolas
superiores, com o duplo objectivo de adequar os seus "planos de acti-
vidades" ao "projecto político global" e de dar "à autonomia universi-
tária um conteúdo inovador e progressista".17. Por outro lado, fixa ao

12
Decreto-Lei n°. 402/73, de 11 de Agosto, que cria novas Universidades, como de
Aveiro, Institutos Politécnicos e Escolas Normais Superiores, regime de instalação,
etc.
13
Decreto-Lei n°. 221/74, de 27 de Maio, Art." 1, n.° 2 e n.° 3.
14
Decreto-Lei n°. 176/74, de 29 de Abril.
15
Decreto-Lei n°.806/74, de 31 de Dezembro, preâmbulo.
16
Decreto-Lei n°.806/74, de 31 de Dezembro, Art.° 1 e passim.
17
Decreto-Lei n°. 363/75, de lide Junho, Preâmbulo.

249
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

ensino de todos os graus um objectivo revolucionário, "a construção


de uma sociedade democrática e socialista18.

Em 1975, um Despacho da Secretaria de Estado do Ensino Su-


perior cria o ano zero, concebido para acolher, no ano escolar de
75/76, os alunos aprovados no l°ano das Secções Preparatórias para os
Institutos Comerciais, "em vias de se transformarem em Institutos Su-
periores de Comércio e Administração", onde os alunos aprovados
nesse ano inicial terão "prioridade absoluta" no acesso ao Bacharela-
to19.
Em 1976, sob a "liderança politicamente forte"20 de Mário Sotto
Mayor Cardia, é possível fazer um balanço da experiência revolucio-
nária nas Escolas. As reflexões preambulares da nova disposição le-
gislativa assumem uma visão negativa, bem patente nas acusações de
ter conduzido à "demagogia", facilitado, por via da "manipulação" e
da "coacção", "a supremacia de minorias activistas", atentado contra o
"pluralismo ideológico", prejudicado a competente gestão das escolas
e instalado formas corporativas de carácter "anarco-populista".
O novo ordenamento relativo à gestão democrática dos estabe-
lecimentos de Ensino Superior procura adequar "a organização e fun-
cionamento democrático" das escolas a objectivos considerados es-
senciais: autêntica democraticidade interna, qualidade científica e pe-
dagógica e eficaz gestão orçamental, em consonância com as exigên-
cias do "socialismo democrático".
O Governo das Escolas Superiores passa a integrar um conjunto
de Órgãos de gestão - Assembleia Geral de Escola, Assembleia de
Representantes, Conselho Directivo, Conselho Pedagógico, Conselho
Científico e Conselho Disciplinar -, definindo o documento em ques-
tão o processo eleitoral, funções e composição. Esta obedecendo ao

18
Decreto-Lei n°. 363/75, de 11 de Julho, Base I e Base II.
19
Despacho n° 51/75, de 8 de Novembro, assinado por António Brotas.
20
E. Marçal Grilo, O Sistema Educativo, in Portugal, 20 Anos de Democracia, Lis-
boa, Círculo de Leitores, 1994, pp.406-435, p. 409.

250
O i.s.c.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

princípio de que a "responsabilidade" deve ser confiada a quem "dis-


ponha de competência", ficando os estudantes apenas fora do Conse-
lho Científico21.

3. G É N E S E DO ENSINO SUPERIOR EM AVEIRO


3 . 1 . 0 INSTITUTO MÉDIO DE COMÉRCIO PARTICULAR

A criação, em Aveiro, na década de sessenta - ano lectivo de


1965-1966 - de uma Escola tecnico-profissional pós-secundária, vol-
tada para o ensino da Contabilidade, demonstra mais uma vez que as
elites Aveirenses, fiéis a uma tradição22 de luta pela valorização da sua
cidade, atentas às exigências do tecido empresarial e às mal contidas
aspirações profissionais da sua juventude, se esforçam por integrar no
crescimento económico em curso a expansão regional do ensino, de
acordo com o já denominado "modelo de adesão tendencial à procu-
ra"23.
As dificuldades que a Escola teve de enfrentar exigiu grande
determinação das personalidades envolvidas na iniciativa da sua cria-
ção e na diuturna tarefa de gestão.
Nos anos cruciais de 1968-1971, assume especial relevo o apoio
concedido pela Câmara Municipal de Aveiro, sob a presidência de
Artur Moreira24.

21
Decreto-Lei n°. 781-A/76, de 28 de Outubro, Preâmbulo.
22
José Fernandes de Sousa, A Associação Comercial de Aveiro - contributo para
uma história de 130 anos, in Estudos do I.S.CA.A., Aveiro, II Série, n.° 2, I.S.C.A.A.,
1996, pp. 21-76; Manuel Ferreira Rodrigues, As Elites Locais e a Escola Industrial e
Comercial de Aveiro, 1893-1924, in Boletim Municipal de Aveiro, Aveiro, Ano
XIV, n.° 28, Câmara Municipal de Aveiro, Dezembro de 1996, pp. 9-46.
23
Sérgio Grácio, Ensinos Técnicos e Política em Portugal, 1910-1999, (1992, data
do trabalho académico), Lisboa, Inst. Piaget, Estudos e Documentos, 1998, p. 281.
24
A sua primeira directora, Maria Armanda Simões Dias, assinala, nas páginas desta
revista, outras personalidades empenhadas neste projecto: Orlando de Oliveira, reitor
do Liceu de Aveiro, e António de Almeida, do Colégio de Oliveira de Azeméis.

251
Revista Estudos do I.S. CA.A.

3.2. A SECÇÃO DO INSTITUTO COMERCIAL DO PORTO

No início do ano lectivo de 1971, o Instituto Comercial do Porto


recebe do Governo a incumbência de promover em Aveiro, "enquanto
se aguarda que sejam definidas as linhas gerais da reforma em estu-
do", a criação de uma Secção do velho Instituto. Esta decisão oficiali-
za a Escola particular existente, apoiada pelo Município, e permite-lhe
leccionar dois cursos - o de Contabilidade e o de Preparatórios para o
Ensino Superior de Economia e Finanças25.
A intervenção do Estado, que dá "continuidade à acção do Mu-
nicípio", ocorre em momento oportuno, pois ao mesmo tempo que
promete para a "região de Aveiro", em "futuro não distante", o Ensino
Médio pós secundário revigora uma Escola em dificuldades devido à
ambiguidade da sua natureza - particular, apoiada pelo Município - ,
que fica definitivamente esclarecida ao nível da validação oficial dos
seus diplomas26.
A Escola Média de Aveiro assume, "nos seus aspectos técnicos,
pedagógicos e disciplinares"27, o carácter de Instituto Comercial: o
subdirector, nomeado pelo Ministério, sob proposta do Director28, tor-
na-se "vogal nato" do Conselho escolar e do Conselho de Curso de
Contabilista do Instituto29; o desenvolvimento das actividades escola-
res processa-se de acordo com as orientações do Conselho Escolar e
do Conselho de Professores - convocado e presidido pelo subdirector30
-, cujas funções ficam bem definidas31.

Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Preâmbulo e Art.°l.°


26
Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Preâmbulo.
27
Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.° 4.°, n.°l.
28
Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.°2° n.° 1.
29
Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.° 2.°, n.° 2.
30
Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.° 4o, n.° 1 e n.° 2.
31
Decreto n° 38.231, de 23 de Abril de 1951, Art.° 25°, alíneas c), d), f), h),i), e m)
do, desde que diga respeito à Secção.

252
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

O Quadro de pessoal do Instituto Comercial do Porto é acres-


centado de vários lugares - 13 professores, sete ordinários e seis auxi-
liares e 8 funcionários, 4 administrativos e 4 auxiliares - cujos titulares
têm, em princípio, de prestar serviço na Escola de Aveiro32.

3.3.0 INSTITUTO SUPERIOR DE COMÉRCIO

A candência revolucionária, acesa pela explosão de atávicas


aspirações sociais, e o processo de democratização da Escola e da so-
ciedade portuguesas desencadeiam a recomposição de novos equilí-
brios sociais protagonizados por agentes tradicionalmente menos in-
tervenientes, mas, agora, dispostos a reivindicar a correcção de injusti-
ças agudizadas no seio de uma sociedade aberta, mas, desde há muito,
na agenda reivindicativa de inúmeros grupos profissionais, como os
Contabilistas33.
A ideia de converter os Institutos Médios em Institutos Superio-
res progride no interior do torrentoso movimento revolucionário de
Abril dinamizado por alunos, professores e forças locais. Sob o signo
da primordial vaga revolucionária da "democratização do ensino",
surgem as primeiras conversões de estabelecimentos de Ensino Médio,
os Institutos Industriais, que, considerados símbolo de uma estrutura
escolar "hierarquizada, antidemocrática e imobilista", são convertidos
em Institutos Superiores de Engenharia e os seus diplomados equipa-
rados a Bacharéis, deixando antever o rumo das estruturas escolares
adentro das transformações sociais em curso.34
A mobilidade ascensional dos Institutos Comerciais, inserida
no processo revolucionário de desenvolvimento económico e social do
país, é o resultado de uma ampla convergência de forças sociais, onde
os profissionais da Contabilidade e as Escolas assumem papel rele-
vante.

32
Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art." 5o, n.° 2.
33
José Fernandes de Sousa, O Estado Novo e a Contabilidade, in Estudos do
I.S.C.A.A., II Série, n os 3/4,1.S.C.A.A., 1998, pp. 114-170.
34
Decreto-Lei 830/74, de 31 de Dezembro, Preâmbulo.

253
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

O Governo revolucionário de Vasco Gonçalves considera que os


Institutos Comerciais, desde que dotados de "novos planos de estudo
/.../ cuidadosamente elaborados e perfeitamente integrados nos planos
globais da acção educativa do Ensino Superior", podem formar "técni-
cos qualificados"; por outro lado, a meta revolucionária da democrati-
zação da sociedade portuguesa exige a "abolição de todas as discrimi-
nações injustas", como aquela de que tem sido vítimas os diplomados
dos Institutos Comerciais, dado que tendo "um programa de estudos
correspondente, na prática, a um Bacharelato", partem para a vida pro-
fissional sem os créditos e o valor simbólico desse grau académico35.
Estas considerações desembocam num conjunto de medidas
transitórias, mas significativas: por um lado, enquanto se não processa
a "integração definitiva dos Institutos Comerciais no Ensino Superior"
corrige-se a reconhecida injustiça com a "equiparação dos diplomados
do Institutos Comerciais e outros cursos de Contabilidade a bacha-
réis"36, cujo grau lhes permite acesso ao estágio de professores do 6o
grupo do ensino técnico profissional37; por outro lado, inicia-se uma
estratégia de conversão anunciada, tornando os Institutos Comerciais
de Coimbra, Lisboa, Porto e a Secção de Aveiro do Instituto Comer-
cial do Porto dependentes da Direcção Geral do Ensino Superior38.

A Secção de Aveiro do Instituto Comercial do Porto merece


uma atenção especial: embora até à sua "definitiva conversão /.../ em
estabelecimento de ensino superior" se mantenham os laços adminis-
trativos e financeiros com escola do Porto, a Secção passa a denomi-
nar-se Instituto Comercial de Aveiro e entra em processo de autono-
mização, sendo os seus "planos e regimes de estudos de nível supe-

Decreto Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Preâmbulo.


Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Preâmbulo.
Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Art.° 4o.
Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Art.°l, n° 1 e n.° 2.

254
O I.S.CA. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

rior" aprovados pelo M.E.C.. - como, aliás, se determina para todas os


outros Institutos Comerciais durante o período de transição39.

3.4. O INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E


ADMINISTRAÇÃO DE AVEIRO

Em Maio de 1976, chega ao fim o período transitório: os Insti-


tutos Comerciais são convertidos em Institutos Superiores de Conta-
bilidade e Administração. Agora, as novas escolas, dotados de "perso-
nalidade jurídica e autonomia administrativa e pedagógica, podem
conferir todos graus académicos existentes: bacharelato, licenciatura e
doutoramento.40
O dispositivo legal, em termos de graus, centra as suas preocu-
pações na Licenciatura e avança duas vias possíveis para a obter, após
o Bacharelato. Uma, a mais tradicional, através de um programa de
estudos de dois anos, podendo exigir-se ou não o exercício da activi-
dade profissional ou a frequência de um estágio, entre o fim do Bacha-
relato e o início da Licenciatura; a outra, a mais inovadora, prevê a
elaboração de um plano individual de estudos, que poderá incluir
exames ad hoc, discussão de trabalhos executados no âmbito da pro-
fissão, perante um júri de especialistas, isto é, várias modalidades de
apreciação da qualidade dos trabalhos e da actividade profissional. O
plano de estudos, em qualquer destas modalidades, se bem que da res-
ponsabilidade dos Institutos de Contabilidade e Administração, pode-
ria ser cumprido total ou parcialmente noutras escolas.41
O ensino do Bacharelato e da Licenciatura será organizado por
especialidades ao ritmo das necessidades do país, reservando-se a Se-
cretaria de Estado da Administração Pública o direito de as definir em
relação ao sector que tutela42.

39
Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Art.° Io, n.° 2, n.° 3 e n.° 4; Art.° 2o.
40
Decreto-Lei n.°. 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo; Art.° Io; Art." 2o, n.°.l e n.° 2.
41
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 8o.
42
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 6.° e 7o.

255
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

O projecto educativo que envolve os i.s.C.A.'s fixa-lhes o mes-


mo regime de acesso e comete-lhes todas as tarefas tradicionais das
escolas de ensino superior - de ensino, de investigação e profissio-
nais43. Esta tripla missão assinala, de forma inequívoca, o lugar estra-
tégico que estas escolas devem assumir no contexto das transforma-
ções revolucionárias da sociedade portuguesa na avançada década de
70.
O Governo de Pinheiro de Azevedo espera que os Institutos Su-
periores de Contabilidade e Administração continuem a privilegiar
uma "orientação realista" no ensino da Contabilidade e na formação
dos técnicos destinados a exercer importantes funções indispensáveis à
dinamização do sector público administrativo e empresarial, tais como
controle orçamental, gestão de recursos humanos, "administração e
controle da gestão financeira", a organização e o tratamento da infor-
mação, etc., de cuja eficácia se espera o "desenvolvimento democráti-
co do País"; a "investigação e os estudos avançados", tarefas das no-
vas escolas, devem apoiar as transformações em curso na sociedade
portuguesa, inspiradas nos ideais revolucionários; e o carácter profis-
sionalizante da sua acção pedagógica deve aprofundar-se na criação de
condições para a formação inicial e recorrente dos trabalhadores - dos
"técnicos" ligados ao mundo do trabalho - que é, afinal, a via mais
segura da democratização do ensino, um dos anseios ínsitos nos ideais
de Abril44.

O Decreto da conversão dos I.S.C.A's realça no seu passado as


condições favoráveis à satisfação das "necessidades regionais", no-
meadamente ao nível de profissionais qualificados, através de iniciati-
vas de ensino ou de "extensão cultural" susceptíveis de melhorar "o
nível de conhecimentos gerais e técnicos dos diversos estratos e orga-
nizações profissionais"45.

Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo e Art." 5°.


Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo.
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 3o.

256
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

Esta convicção, que radica no reconhecimento da tradicional


missão profissionalizante dos Institutos Comerciais, patente no seu
compromisso pedagógico com a vida e o mundo do trabalho, parece
empurrá-los para o seio da Universidade como escolas "particular-
mente indicadas para uma ligação entre a Universidade e a Adminis-
tração Pública"46.

A qualidade do ensino e a credibilidade dos graus que poderão


conferir são acauteladas: o quadro de docentes contempla um corpo de
catedráticos - 6, em Aveiro, 6, em Coimbra, 12, em Lisboa e 10 no
Porto47; as disposições transitórias asseguram a continuidade dos do-
centes com provas dadas; e o recrutamento de pessoal docente passa a
obedecer às normas aplicadas para o ensino superior48, isto é, apenas
permite acesso aos melhores de entre os licenciados, sendo autorizada
a contratação de bacharéis ou equiparados "de reconhecidos méritos
profissionais /.../ em campos da sua especialidade"49.
A competência do pessoal técnico administrativo e auxiliar50,
não é descurada: o chefe de secção, que chefia os serviços administra-
tivos, tem de possuir diploma "de curso superior adequado", embora
dele sejam dispensados os primeiros oficiais dos quadros "com, pelo
menos, três anos de bom e efectivo serviço nessa categoria".51.

Assim se compreende que os Bacharéis, diplomados pelos


I.S.C.A.'s, e os legalmente equiparados52 possam, no plano académico,
ter acesso a outras Escolas de Ensino Superior para completar a Licen-
ciatura 53 e, no plano profissional, ostentar os respectivos títulos pro-

46
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo.
47
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 12°.
48
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 14°.
49
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.0 16°.
50
Pessoal técnico, administrativo e auxiliar, por esta ordem: 4 para cada um dos
ISCA's; 12 e 20, Aveiro; 13 e 22, Coimbra; 20 e 33, Lisboa; 19 e 33, Porto.
51
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 12°.
52
Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Julho, nomeadamente o seu Art.° 3 o .
53
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 10°.

257
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

fissionais - o de Contabilista, para os de Contabilidade, e o de Técnico


de Administração, para os de Contabilidade e Administração54.
O estudo dos problemas relacionados com o funcionamento, de-
senvolvimento e aperfeiçoamento dos I.S.C.A.'s fica a cargo de uma
"Comissão consultiva permanente de âmbito nacional", regida por
normas emitidas pela Secretaria de Estado do Ensino Superior e In-
vestigação Científica, com parecer favorável da Secretaria de Estado
da Administração pública. A sua composição - onde entram represen-
tantes as duas Secretarias de Estado, dos Institutos de Contabilidade e
Administração, das associações profissionais dos cursos de base dos
I.S.C.A.'s, designados por estas Escolas55, e por outros elementos de-
signados pela própria comissão - permite esperar um competente exer-
cício das funções consignadas na lei, tais como cooperar com os ór-
gãos dos Institutos em todas as solicitações, sugerir ao M.E.I.. as medi-
das consideradas indispensáveis e promover a troca de experiências
pedagógicas dos Institutos entre si e a sociedade56.

As disposições transitórias acautelam a continuidade de direitos


e deveres das novas escolas relativamente às instalações e equipa-
mento. O quadro de pessoal merece especial atenção, podendo nele ser
providos os actuais docentes e funcionários: os docentes, dentro de
certas condições de categoria e de tempo de serviço, são providos co-
mo professores auxiliares ou assistentes, ficando os restantes, fora do
quadro, como assistentes, assistentes eventuais ou na mesma catego-

34
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 9o.
Não deixa de ser estranho que se retire às associações profissionais a possibilidade
de designar os seus representantes. Contudo, é desta forma que o Ministério tenta re-
solver uma questão difícil para as dispersas associações, permitindo aos I.S.C.A.'s
uma escolha adequada às funções cometidas à Comissão.
56
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 4o.

258
O I.S.CA. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

ria57, enquanto os funcionários têm os seu direitos igualmente garanti-


dos, de acordo com as suas habilitações e tempo de serviço58.

3.5. O I.S.C.A.A. E A UNIVERSIDADE DE AVEIRO

Em 1976, o Instituto Superior de Contabilidade e Administração


de Aveiro é integrado na Universidade local59, enquanto os de Coim-
bra, Lisboa e Porto "podem ser integrados nas Universidades por
acordo de ambas as partes"60.
A sua integração na Universidade de Aveiro acarreta um dispo-
sitivo legal saído da Secretaria de Estado do Ensino Superior e Inves-
tigação Científica, um despacho assinado por António Brotas, que fixa
o quadro de relações do I.S.C.A.A. com a Comissão Instaladora da Uni-
versidade de Aveiro61.
As fronteiras à actuação da Universidade definem-se pelas
"questões internas" do Instituto, que, dotado de "personalidade jurídi-
ca e autonomia administrativa e pedagógica", deve ser representado e
dirigido pelos seus órgãos democráticos; contudo, as duas entidades
não poderão ficar de costas voltadas, devendo manter correntes de in-
formação recíproca de forma a tornar possível "soluções bem articula-
das e de conjunto" em vários domínios; a criação de novos cursos de-
ve respeitar a especificidade do I.S.C.A.A., não só em relação à Conta-
bilidade e Administração, mas igualmente aos futuros projectos de de-
senvolvimento, devendo a Universidade consultar o Instituto face à
hipótese de organizar cursos afins; as duas instituições devem articular
o planeamento e a coordenação pedagógica, através de relações fre-
quentes entre os seus conselhos científicos e pedagógicos, e promover
a racionalização de recursos humanos, a serem recrutados separada-
mente.

57
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.0 17° e ss.
58
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 24° e ss.
59
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 2o, n.° 3.
60
Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 2o, n.° 4.
61
Despacho n.° 67/76, de 20 de Julho.

259
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

Os projectos de orçamento, elaborados por cada uma das entida-


de^ e as propostas de contratação de docentes e funcionários do
I.S.C.A.A. - a partir de Setembro - serão enviados, através da Reitoria
da Universidade de Aveiro, à Direcção Geral do Ensino Superior.
O modelo institucional de relações que A. Brotas pretende con-
sagrar entre a Universidade e o I.S.C.A.A. inspira-se no da Universida-
de Técnica de Lisboa62, constituída por várias escolas, que, apesar da
sua ampla autonomia, se integram no universo escolar.

4 . 0 REGRESSO DO ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO


4.1. O ENSINO SUPERIOR DE CURTA DURAÇÃO

A Revolução de Abril interrompe a Reforma de Ensino em cur-


so, cujas Bases foram lançadas em 1973.
A abordagem pós revolucionária do Ensino Politécnico desenca-
deia-se em 1976: o esforço de democratização dos Institutos, nomea-
damente daqueles que estão em regime de instalação, é acompanhado
da integração dos mesmos "num conjunto único que é a Universidade
Portuguesa", podendo atribuir o grau de licenciatura e doutoramento,
embora este em ligação com a Universidade ou Instituto Universitá-
rio63.
Em 1977, em fase de estabilização da democracia, o Governo de
Mário Soares/Sottomayor Cardia, inconformado com o desapareci-
mento do ensino médio64 e a sua conversão em escolas com "formação
teórica", análoga à universitária, promove a criação de escolas, deno-
minadas de acordo com os cursos professados, destinadas a colmatar a
ausência de formação de técnicos adaptados às necessidades produti-

Despacho n.° 67/76, de 20 de Julho.


63
Decreto-Lei n° 649/76, de 31 de Julho, Preâmbulo; Art.° 2o, n.° 1 e n.° 2.
O ensino médio torna-se superior em resultado da aplicação dos Decretos-Leis
830/74, de 31 de Dezembro - o industrial -, 316/76, 29 de Abril - o agrícola - e
327/76, de 6 de Maio - comercial.

260
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

vas e sociais do país65. Aparece, assim, o ensino superior de curta du-


ração - de 4 a 6 semestres - , a ministrar em escolas superiores técnicas
e escolas superiores de educação de "natureza essencialmente prática,
voltada para a formação de técnicos qualificados de nível superior in-
termédio, com um estatuto próprio e uma designação profissional cor-
respondente, de forma que seja pela capacidade produtiva que se hie-
rarquizem os valores pessoais de produção e não apenas pelo título
académico"66.

O "novo modelo de ensino superior", inspirado em realizações


já ensaiadas no exterior, persegue o escopo de diversificar a oferta ca-
da vez mais adequada ao mercado de trabalho, através da formação de
um novo tipo de diplomados, dotados de uma mentalidade que escape
ao deslumbramento dos títulos académicos e privilegie a "formação
vincadamente prática, especializada e profissionalizante"67.

O ensino superior de curta duração - o quadro legal é claro - as-


sume "carácter nacional ou regional", mas a sua articulação à realida-
de envolvente fica patente na obrigação de criar em todas as escolas
um "conselho consultivo", aberto à representação das actividades so-
ciais, económicas e "culturais"68, "através das estruturas nacionais ou
regionais responsáveis ou interessadas"69; por outro lado, e apontando
no mesmo sentido, estas escolas "poderão integrar unidades de presta-
ção de serviços"70 à comunidade no âmbito da sua especialidade.
A iniciativa da Assembleia da República promove alterações
significativas relativas ao novo tipo de ensino: os seus diplomados
deixam de ser "técnicos especialistas e de educação a nível superior
intermédio" para receberem uma "formação de técnicos e profissionais

65
Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Preâmbulo.
66
Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art." 5o; Art.0 2°; n.° 1 e Preâmbulo.
67
Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Preâmbulo.
68
Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, que ratifica com emendas várias o D.L. 427-B/77,
de 14 de Outubro. Aqui, o Art." 10° acrescenta mais um tipo de representação.
69
Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art.0 10°.
70
Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art.0 3°, n.° 3.

261
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

de educação de nível superior"71, isto é, de "profissionais qualificados


de nível superior"72 nos seus diversos domínios; pondera a possibili-
dade de as escolas de enfermagem se transformarem em escolas supe-
riores de enfermagem73; e, finalmente, acrescenta uma finalidade ino-
vadora ao ensino superior curto - a investigação científica e tecnológi-
ca 74ou "educacional"75, de acordo com a natureza das escolas.
O quadro legislativo que nos serve de referência calendariza a
conversão dos Institutos Superiores de Contabilidade e Administração
e as Escolas de Regentes Agrícolas (ano lectivo de 79-80), as que da-
rão origem às Escolas Superiores de Educação e os Institutos Superio-
res de Engenharia (ano lectivo de 81-82)76.

4.2.0 ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO

Decorridos dois anos, em Dezembro de 1979, aparece um novo


quadro legal desenhado pelo o Governo de Maria de Lurdes Pintasil-
go, que substitui o conceito de Ensino Superior de Curta Duração pelo
de Ensino Superior Politécnico77 com os habituais protestos de que a
este se "pretende conferir uma dignidade idêntica ao Universitário",
embora, em nome da "real diversificação" do ensino, se reserve para
cada um deles, apesar das recomendadas formas de associação e arti-
culação de ambos, um ensino de carácter distinto: de "tónica vincada-
mente profissionalizante", o Ensino Superior Politécnico, e "de carac-
terísticas mais conceptuais e teóricas", o Ensino Superior Universitá-
rio78.

71
Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° Io.
72
Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.0 3 o , al.a a).
73
Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° 2o, n.° 3.
74
Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° 3 o , ai. c).
75
Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° 4o, ai. c).
76
Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art.° 2o, n° 2, n.° 3 e n.° 4.
77
Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Preâmbulo, n° 1 e Art.° Io.
78
Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Preâmbulo, n.° 1 e n.° 2; e Art.0 3o
e4°.

262
O l.s.c.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

O Ensino Superior Politécnico recebe a incumbência de realizar


tarefas no âmbito do ensino e da educação permanente, da investiga-
ção e desenvolvimento e da extensão, nomeadamente a promoção
cultural das regiões e a solução dos seus problemas79, sendo-lhes per-
mitido, desde Agosto de 1980, conferir o grau de Bacharel80.

4.3.0 REGRESSO DO I.S.C.A.A. À UNIVERSIDADE

Os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração,


cuja conversão aparece no âmbito da recorrente criação de uma vasta
rede nacional de Escolas Superiores de Educação, de Escolas Superio-
res Técnicas orientadas para cursos de produção, de tecnologias da
alimentação e da saúde, de gestão, de jornalismo, etc., são agrupadas,
por localidades, em Institutos Superiores Politécnicos81.
A nova sementeira, invocando as necessidades de desenvolvi-
mento regional, com suas características específicas, anuncia a criação
de Escolas Superiores de Gestão e Contabilidade por conversão dos
Institutos Superiores de Contabilidade e Administração, que deixam
de caminhar em direcção à Universidade e são integradas nos recém
criados Institutos Politécnicos das respectivas cidades - Porto, Coim-
bra e Lisboa.
O Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Avei-
ro, desintegrado da Universidade82, transforma-se na solitária Escola
Superior de Gestão e Contabilidade de Aveiro, embora aguarde, como,
aliás, todas as outras instituições, o decreto-lei que concretizará a sua
conversão.

79
Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Art." 2o.
80
Decreto-Lei n.° 303/80, de 16 de Agosto, Art.° 5o: "os estudos professados no Ins-
titutos Politécnicos conferem o grau de Bacharel".
81
Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro.
82
Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Art.0 23°, al." c).
83
Decreto-Lei n.°513-T/79, de 26 de Dezembro, Art.° 20°.

263
Revista Estudos do 1.S.CA.A.

A Assembleia da República, com Sá Carneiro no Governo, não


se conforma com o destino destas Escolas e ratifica, com emendas, o
recente Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, sobre o Ensino
Superior Politécnico: os i.S.C.A.A.'s - Coimbra, Lisboa e Porto - po-
dem inflectir, de novo, em direcção à Universidade local, enquanto o
I.S.C.A.A., com a sua denominação tradicional, regressa à Universi-
dade de Aveiro84.

5. A CONSOLIDAÇÃO DOS I . S . C . A . ' S E DO ENSINO


SUPERIOR POLITÉCNICO
5.1. O PESSOAL DOCENTE: DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Em Maio de 1980, o Governo de Sá Carneiro reformula alguns


aspectos do regime jurídico do pessoal docente dos I.S.C.A.A.'S, - como
acontecera com os I.S.E.'S, quase sempre envolvidos análogas disposi-
ções legais85 - e permite que os Conselhos Científicos dessas escolas
convidem, como professores auxiliares, os docentes que, em 06.05.76,
tivessem mais 6 anos de serviço docente, dois deles na categoria de
ordinários provisórios, nas Escolas de Ensino Médio, que deram ori-
gem aos I.S.C.A.'s86.
Em 1982, o Governo de Pinto Balsemão, ainda antes de uma de-
finição clara dos Institutos de Contabilidade e Administração e dos
Institutos de Engenharia no sistema de Ensino, faz uma nova aborda-
gem transitória do regime jurídico e remuneratório dos docentes destas
Escolas, evocando como razões da sua intervenção a "complexidade
da situação", a existência de "casos cujo tratamento legal resulta rela-
tivamente injusto e inadequado"87.
O novo documento legal cria nos I.S.C.A.'s e nos LS.E.'s um qua-
dro transitório de professores auxiliares e de assistentes , cujos lugares

Lei n.° 29/80, de 28 de Julho, Art." 2o.


Decreto-Lei n.° 217/79, de 16 de Julho.
Decreto-Lei n.° 133/80, de 17 de Maio.
Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Preâmbulo, Art." Io, n° 2 e n.° 4.

264
O i.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

são extintos à medida que vagarem88, no qual poderão ser providos os


actuais docentes, desde que satisfaçam certas condições gerais e espe-
cíficas, nomeadamente serem docentes à data da conversão das Esco-
las Médias em Escolas de Ensino Superior, contarem determinado
tempo de serviço e obterem uma opinião favorável do Conselho Cien-
tífico, consubstanciada numa "proposta fundamentada".
Assim, podem ser designados como professores auxiliares, os
actuais docentes que se encontrem em qualquer das seguintes condi-
ções: a) aprovação, com mérito absoluto, em concurso de provas pú-
blicas para professor ordinário ou professor auxiliar das escolas Ensi-
no Médio de onde derivam os i.S.C.A.'s e os i.S.E.'s, ou, em alternativa,
b) contarem, pelo menos, 6 anos de serviço docente nos estabeleci-
mentos de Ensino Médio antecedente ou nos de Ensino Superior89.
Mais tarde, em 1984, com o Governo de Mário Soares/José Au-
gusto Seabra, a possibilidade de ser provido como professor auxiliar
alargou-se a todos os docentes que "possuíssem à data da sua admis-
são, em regime de comissão de serviço, requisição ou destacamento,
curso de licenciatura adequada e aprovação em Exame de Estado para
o ensino profissional", como forma de lhes permitir optar pela conti-
nuidade do exercício de funções, sem perda de direitos, nas escolas
convertidas90.
Os docentes, que não cumpram as condições fixadas, ou cum-
prindo-as não sejam propostos para professores auxiliares, poderão ser
providos no quadro transitório de assistentes, desde que, naturalmente,
se encontrem ao abrigo das condições gerais para o efeito91.

88
Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Art." 5o.
89
Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Art." 5o.
90
Decreto-Lei n.° 309/84, de 25 de Setembro.
91
Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Art.0 Io e Art.0 2° O artigo n.° 5 salva-
guarda os direitos dos docentes em serviço militar obrigatório.

265
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

5.2. O ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE

Em Julho de 1981, o Governo de Pinto Balsemão define o esta-


tuto da carreira do pessoal docente do Ensino Superior Politécnico92.
A definição do conteúdo funcional das diferentes categorias de
docentes compagina-se com as finalidades a prosseguir pelo E.S.P.:
compete aos docentes - assistentes, professores adjuntos e professores
coordenadores - desempenhar, embora com graus de diferente respon-
sabilidade, actividades pedagógicas, científicas e de investigação e
desenvolvimento experimental93.
A progressão na carreira faz-se com base na apreciação da capa-
cidade de desempenho no âmbito dessa trilogia de actividades, que
ritmam a vida profissional dos docente do Ensino Superior Politécnico
e constituem o núcleo duro do seu "curriculum vitae", cuja pondera-
ção está presente em todos os concursos.
O concurso para professor adjunto integra a "discussão de dois
temas estritamente relacionados com a área de ensino" da sua especia-
lidade e de "um estudo /.../ que constitua uma actualização de conhe-
cimentos técnicos ou uma análise crítica original"; o candidato a pro-
fessor coordenador presta provas através de "uma lição sobre tema
/.../ no âmbito de uma disciplina ou área científica" e de "uma disser-
tação, de concepção pessoal /.../ reveladora de capacidade para a in-
vestigação e que patenteie perspectivas de progresso" no domínio da
sua especialidade94.
A nomeação definitiva, um momento significativo da carreira
profissional dos docentes, ocorre após apreciação positiva pelo con-
selho científico de "um relatório pormenorizado da actividade peda-
gógica, científica e de investigação", cuja realização tenha ocorrido ao
longo do prévio triénio de nomeação provisória95.

Decreto-Lei n° 185/81, de 1 de Julho de 1981.


Decreto-Lei n° 185/81, de 1 de Julho de 1981, Art.0 3o.
Decreto-Lei. n° 185/81, de 1 de Julho de 1981, Art.0 25° e Art.° 26° .
Decreto-Lei n.° 185/81, de 1 de Julho de 1981, Art.° 11°, n.° 1.

266
O I.S.CA. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

5.3.0 PESSOAL NÃO DOCENTE

O quadro de pessoal não docente dos Institutos é estruturado por


um novo instrumento legal, cujas disposições obedecem a uma tripla
orientação: "as actuais necessidades de serviço, nomeadamente as re-
sultantes da forte expansão escolar", a premência de articular o regime
jurídico do pessoal dos i.S.C.A.'s com o fixado para as carreiras da
função pública e as condições de integração do actual pessoal no qua-
dro das respectivas escolas96.
O recrutamento regula-se por normas gerais e os estatutos pro-
fissionais respectivos, com algumas excepções, que, apesar de tudo,
apontam no sentido da exigência: o recrutamento do chefe de reparti-
ção "será efectuado de entre os chefes de secção, com, pelo menos,
três anos de bom e efectivo serviço na categoria, ou de entre diploma-
dos com curso superior e experiência adequada"97.

5.4. Os I.S.C.A.'s RUMO À AUTONOMIA: UMA NOVA


ORGÂNICA

Em 1985, o Governo de Mário Soares/ João de Deus Pinheiro


propõe-se avançar, com o "processo de regularização" dos I.S.C.A. s de
forma a superar a gravosa "indefinição", que afecta negativamente to-
dos os interesses em presença.98
O novo quadro legal consagra a plena autonomia dos I.S.C.A.'s,
facto consubstanciado no reconhecimento da sua personalidade jurídi-
ca, na possibilidade de definir os seus estatutos e símbolos, embora
sujeitos à homologação do M.E., e na outorga de ampla autonomia -
administrativa, técnica, científica e pedagógica - , que assegura o exer-
cício livre de toda da sua actividade, nomeadamente o processo de en-
sino aprendizagem, onde se pretende ver reflectida não apenas "a plu-

Decreto-Lei n.° 444/85, de 24 de Outubro, Preâmbulo e passim.


Decreto-Lei n.° 444/85, de 24 de Outubro, Art.° 5o.
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro.

267
Revista Estudos do l.S.C.A.A.

ralidade de doutrinas e métodos", mas igualmente "a liberdade de en-


sinar e aprender"99.
A filosofia da acção que deve presidir a estas escolas aparece
impressa nas finalidades que lhe são atribuídas no âmbito da sua acti-
vidade: qualificação de técnicos de nível superior, a investigação ex-
perimental ligada às actividades produtivas e sociais, a prestação de
serviços e o apoio à resolução de problemas, o desenvolvimento cultu-
ral, a formação e actualização profissionais, tudo com carácter e senti-
do eminentemente regional.
Os Cursos a ministrar pelos Institutos, cujos planos de estudos
são aprovados pelo M.E., sob proposta do Conselho Científico, condu-
zem à obtenção do Bacharelato - 3 anos - e do diploma de estudos
superiores especializados - 18 a 24 meses - uma autêntica Licenciatu-
ra para efeitos académicos e profissionais. O acesso a estes cursos -
em funcionamento diurno e/ou nocturno, desde que o número de alu-
nos o justifique, podendo neste caso a sua duração ser alargada - obe-
dece às normas do ensino superior, sendo o curso de estudos superio-
res especializados abrangido pelo regime de "numerus clausus"100.
O quadro legislativo, talhado em 1985, mantém, ao nível dos ór-
gãos de gestão, um Conselho consultivo, com diferente constituição e
funções: passa a acolher os presidentes dos conselhos directivos e dos
Conselhos científicos dos Institutos e outros elementos não especifica-
dos, a designar pela tutela, sob proposta das Escolas, e compete-lhe
aconselhar o M.E. em todas as escolhas relativas ao ensino secundário
e pós-secundário da contabilidade e acompanhar o desenvolvimento
das acções programadas101.
Os serviços foram dotados de novos meios materiais e humanos:
a Secretaria passa a ser dirigida por um secretário com a categoria de
chefe de divisão; é criado o centro de documentação científica e técni-
ca, coordenado por um docente, que integra a Biblioteca e o Centro de

Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° Io, Art." 2o e Art.° 3 o .


1
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.0 4o e Art.° 8o.
1
Decreto-Lei n°. 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 9o.

268
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

Reprografia, e constitui-se um Gabinete de Informática igualmente


coordenado por um docente102.
Os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração são
dotados de um novo quadro de pessoal docente, constituído por pro-
fessores adjuntos, 10 em Aveiro, e professores coordenadores, 6 em
Aveiro, enquanto permanece um quadro transitório de professores au-
xiliares e de assistentes, que, em Aveiro, é de 4 e 12, respectivamen-
te103.
As disposições transitórias relativas ao pessoal docente tendem
para a manutenção da situação funcional anterior. Contudo, os assis-
tentes e professores auxiliares do quadro transitório podem requerer ao
M.E.. uma apreciação curricular com vista ao provimento na categoria,
respectivamente, de professores adjuntos e de professores coordenado-
res. Os professores auxiliares não promovidos podem, em futuros con-
cursos, previstos no estatuto da carreira docente, ser opositores ao
concurso de provas públicas para professor coordenador104, enquanto
os actuais assistentes passam a assistentes do 2o triénio105.
As anteriores disposições relativas à concessão de graus e à or-
ganização do Bacharelato e da Licenciatura são, finalmente, revogadas
e o novo quadro legal106 perfila-se como o verdadeiro estatuto destas
escolas, cuja linha directriz é acolhida por duas futuras leis funda-
mentais: a das Bases do Sistema Educativo e a do Estatuto da Auto-
nomia dos estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico107.

,0/
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art." 1 Io e Art.° 12°.
103
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 15°, Quadro I e Art.° n° 17°; Q.
II.
104
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 18°.
105
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 19°.
106
Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro.
107
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro e Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro.

269
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

6. A CONSAGRAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO


6.1. O TRIUNFO DO SISTEMA BINÁRIO

Em 1986, um extenso documento - Lei de Bases do Sistema


Educativo -, subscrito por Mário Soares e Cavaco Silva, configura um
novo "quadro geral do sistema educativo'"08.
O novo referencial do sistema de ensino estabelece que "o ensi-
no superior compreende o ensino universitário e o ensino politécni-
co"109.
Os dois tipos de ensino ficam comprometidos com objectivos
comuns, que visam, entre outros, os seguintes: "a criação cultural e o
desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo"; a
formação de técnicos aptos a inserir-se nas diferentes tarefas profis-
sionais e a promover o desenvolvimento da sociedade portuguesa e a
sua formação contínua; e "a pesquisa e a investigação científica" ten-
dente a desenvolver os instrumentos científicos tecnológicos e cultu-
rais indispensáveis a um melhor relacionamento do homem com o
meio.
Contudo, há a preocupação de distinguir a especificidade de
cada um dos ensinos: o universitário visa objectivos natureza científi-
ca, cultural e técnica, agilizadores do desempenho de actividades pro-
fissionais e culturais, e "o desenvolvimento das capacidades de con-
cepção, de inovação e de análise crítica", enquanto ao politécnico se
confia a consecução de "uma sólida formação cultural e técnica", a
missão de transmitir "conhecimentos científicos de índole teórica e
prática e as suas aplicações com vista ao exercício de actividades pro-
fissionais" e a incumbência de desenvolver a capacidade de inovação e
de análise crítica110.
A concessão de graus separa igualmente os dois ensinos: o
universitário, para além de outros certificados, diplomas ou formação

Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." Io, n.° 1.


Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." 1 Io, n.° 1.
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." 1 Io, n.° 2, n.° 3 e n.° 4.

270
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

de educadores de infância e professores do ensino básico e secundário,


em unidades próprias, confere os graus de licenciado, mestre e dou-
tor111; o politécnico, para além de certificados ou diplomas de curta
duração e do diploma de estudos superiores especializados, equiva-
lente à licenciatura "para efeitos profissionais e académicos""2, apenas
confere o grau de Bacharel113. Contudo, fica aberta a possibilidade de
os cursos de estudos superiores especializados poderem conduzir à
Licenciatura, desde que formem "um conjunto coerente com um curso
de Bacharelato precedente"114.

O ano de 1990 trouxe a publicação do Estatuto de Autonomia


dos estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico115, instituições
que podem assumir duas formas distintas: os Institutos Politécnicos,
constituídos por agrupamentos de Escolas da mesma região - duas ou
mais - e, eventualmente, por "unidades orgânicas" votadas à realização
dos mesmos objectivos, que se configuram como "pessoas colectivas
de direito público dotados de autonomia estatutária, administrativa,
financeira, e patrimonial"116, com órgãos directivos próprios - Presi-
dente, Conselho Geral e Conselho Administrativo 117; e o de Escolas
não integradas que, tal como as integradas, têm órgãos próprios de
gestão - Director ou Conselho Directivo, Conselho Cientifico-
pedagógico (podendo existir dois conselhos separados), Conselho
Consultivo e Conselho Administrativo"8 - e gozam de uma mais am-
pla autonomia - científica, pedagógica, administrativa e financeira -,
podendo mesmo elaborar os próprios estatutos119.

111
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art.° 13°, n.° 2 e Art." 31°, n.° 1.
112
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art.° 13°, n.° 6.
113
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." 13°, n.° 4.
114
Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art.0 13°, n° 7.
115
Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro.
116
Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art.0 Io, n.° 1, n.° 2 e n.° 3.
117
Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art.0 17°.
118
Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art." 28°.
119
Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art.° 42°.

271
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

O Governo socialista, que, em 1997, altera a Lei de Bases do


Sistema de Ensino, baliza a futura legislação relativa ao acesso e in-
gresso no ensino superior com uma série de princípios orientadores,
entre os quais se destaca a "democraticidade, equidade e igualdade de
oportunidades", a "objectividade de critérios" de selecção e seriação
dos candidatos, as regras universais para os dois subsistemas, a valori-
zação do trajecto educativo do candidato, etc.120
O mesmo documento explicita a vontade política de eliminar o
"numerus clausus", "as restrições quantitativas de carácter global no
acesso ao ensino superior", sem perder de vista as amplas razões em
que deve assentar a implantação dos cursos, cuja existência se justifica
desde que, assegurada a qualidade do ensino, "correspondam global-
mente às necessidades em quadros qualificados, às aspirações indivi-
duais e à elevação do nível educativo, cultural e científico do País"121.
Esta alteração da Lei de Bases, que reforça o sentido democrati-
zante do Ensino Superior, permite, finalmente, sem rodeios, que o En-
sino Superior Politécnico possa, para além do Bacharelato, conferir o
grau de Licenciado122.
A valorização do subsistema do politécnico ressalta na aborda-
gem da mobilidade entre os dois tipos de ensino, cuja disposição le-
gislativa perde anteriores minudências para dilucidar que deve ser "as-
segurada com base no princípio do reconhecimento mútuo do valor da
formação e das competências adquiridas"123.

6.2. O I.S.C.A. DE AVEIRO

O Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Avei-


ro, ao abrigo da Lei de Bases, propõe a criação de um curso conferente
de "Diploma de Estudos Superiores Especializados em Auditoria",

1ZU
Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art.0 12°, n.° 2.
121
Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art." 12°, n.° 4.
122
Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art." 13°, n.° 3.
123
Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art.° 13°, n.° 8.

272
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

cujas condições de acesso, critérios de selecção, plano de estudos, fun-


cionamento, avaliação, classificação final e diploma aparecem defini-
dos em Portaria124.
A Escola de Aveiro, que se antecipara na criação do Curso de
Estudos Superiores Especializados em Auditoria vê conferir ao seu
Curso o grau Licenciatura, dado que se lhe reconhece constituir "um
conjunto coerente" com o Bacharelato anterior125 - duas conquistas de
funcionalidade endógena ao nível da formação de alguns dos seus do-
centes. Apesar disso - ou talvez por isso - entra em ruptura com os
outros Institutos, pois aceita cordatamente, em defesa da continuação
do Bacharelato, a sua integração no Politécnico126.
Os diplomados pelo recente Curso de Estudos Superiores Espe-
cializados em Auditoria, detentores de um Bacharelato em Contabili-
dade e Administração, são os primeiros a ser contemplados com o
grau de Licenciado concedido pelos I.S.C.A.'S , que só mais tarde será
consagrado ao nível do E.S.P.
O Governo de Cavaco Silva, com Roberto Carneiro no M.E., in-
tegra os I.S.C.A.'S, - Aveiro, Coimbra, Lisboa e Porto -, com base nos
objectivos do seu ensino e no plano dos cursos, na rede de estabeleci-
mentos de Ensino Superior Politécnico127: os três últimos integrados
nos Institutos Politécnicos das respectivas cidades128, ficando o
I.S.C.A.A. como Escola autónoma129.

124
Portaria n.° 686/86, de 14 Novembro. Esta portaria é assinada pelo Secretário de
Estado do Ensino Superior, Fernando Nunes Ferreira Real, 15 de Outubro de 1986.
125
Portaria n.° 229/88, de 14 de Abril, Preâmbulo. A Portaria, saída da Secretaria de
Estado do Ensino Superior, assinada por Alberto José Nunes Correia Ralha, é redi-
gida de forma apressada, pois confunde dois decretos: onde se lê D.L. 69/88 deve
ler-se Decreto-Lei n.° 70/88.
126
A Assembleia Geral de alunos, realizada 09.03.88, decide a favor por larga maio-
ria dos presentes - 204 dos 218. Ver, por todos, Jornal de Notícias e Diário de Avei-
ro nas suas edições de 11.03.88.
127
Decreto-Lei n.° 70/88, de 3 de Março, Preâmbulo e Art." Io.
128
Decreto-Lei n.° 70/88, de 3 de Março, Art.° Io Esta rede de estabelecimentos do
E.S.P. foi criada pelo Decreto-Lei n.° 46/85, de 22 de Novembro, Art." 8o.
129
Decreto-Lei n.° 70/88, de 3 de Março, Art.0 3o.

273
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Este novo quadro legal permite que o I.S.C.A. de Aveiro possa


viver um dos momento mais significativo da sua história: após um
longo processo de feição democrática, vê homologados, publicados130
os seus estatutos - um extenso documento que, contemplando todos os
aspectos que se prendem com a caracterização, a organização e o fun-
cionamento, consagra a plena autonomia131 e culmina o processo de
dignificação de uma Escola do Ensino Superior Politécnico.
O Governo de Cavaco/Manuela Ferreira Leite, em 1994, promo-
ve o alargamento da rede do Ensino Superior Politécnico, ao qual re-
conhece "especial aptidão para satisfazer as necessidades de formação
científica, técnica e profissional das estruturas produtivas", indispen-
sáveis ao desenvolvimento regional.
A criação de novos institutos e escolas superiores politécnicas,
que aparece, confessadamente, como "uma das prioridades da política
educativa", contempla a região de Aveiro: nasce o Instituto Politécni-
co de Aveiro, configurado, apenas na lei, com a criação da Escola Su-
perior de Tecnologia e Gestão, em Águeda, e a integração do Instituto
de Contabilidade e Administração de Aveiro132.

Ao longo da década de 90 - 1994-1999 - , o i.s.c.A.A. relaciona-


se com a Universidade Aberta para, através de um protocolo de coope-
ração, promover um Mestrado em Contabilidade e Finanças Empresa-
riais, com o duplo objectivo de continuar a formação dos seus docen-
tes e de quadros da administração pública e empresarial.

Homologação: Despacho n.° 330-C/ M:E:/92; publicação: Diário da República, II


série, de 2 de Fevereiro de 1993.
Que, como é evidente - ou talvez não - é exercida, como fixam os próprios esta-
tutos, "com respeito pelos princípios da legalidade, da não discriminação e das de-
mais garantias constitucionais" ( Art.° 2°, n.° 3).
132
Decreto-Lei n.° 304/94, de 19 de Dezembro, Preâmbulo e Art.° Io.

274
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

6.3. A SOLUÇÃO FINAL

Desde 1994, o i.s.c.A.A partilha, com a E.S.T.G.A. - Escola Supe-


rior de Tecnologia e Gestão - de Águeda, o I.P.A. - Instituto Politécnico
de Aveiro. O i.s.C.A.A. não pára, mas a estrutura escolar que o integra
e a E.S.T.G.A. permanecem congelados no marasmo dos equilíbrios
político-partidários, dando lugar a peripécias que - sem falar de basti-
dores - , "contado ninguém acredita"133.
Em 1996, o M.E., indo ao encontro da "vontade"134 da Universi-
dade de Aveiro, comete-lhe a tarefa de implantar a Escola de Águeda,
facto consumado com a sua abertura em Outubro de 1997, que deixa
adivinhar o destino do I.P.A.
O I.S.C.A.A. fica isolado no seio de uma estrutura escolar esva-
ziada, tendo ao lado a Universidade de Aveiro, cuja disposição é a de
absorver o I.P.A. A Escola de Contabilidade e Administração de Avei-
ro, que, desde a década de 70, fizera um percurso de boa vizinhança
com a universidade local, inicia um diálogo rumo à integração, sob o
signo de uma ideia já ensaiada, em ruptura com a tradicional concep-
ção do sistema binário implantado no Ensino Superior.
O resultado das conversações ficou plasmado na "Proposta dos
Termos de Referência Acordados para Efeitos da Integração do
I.S.C.A.A. na universidade de Aveiro" 135, assinada pelos representantes
das duas instituições, em meados de 1999 - 23 de Junho -, cuja filoso-
fia inspira a moldura legal que coloca no ninho do grifo hipostasiado
de águia o caduceu de academia profissional, com um estatuto que po-
derá ser análogo ao das escolas integradas em Institutos Politécnicos.
A nova configuração preserva a "individualidade" da Escola e
garante o "respeito integral pela natureza e objectivos do ensino supe-
rior politécnico"136, mas o regime de integração faz-se de acordo com

133
Entrevista com... Prof. Edmundo Fonseca, in Folha Informativa, Aveiro, Ano 6,
n.°7, U. A. - Serviços de Relações Externas, Julho /Agosto de 2001, pp. 9-11, p. 9.
134
Decreto-Lei n.° 530/99, de 10 de Dezembro, Preâmbulo.
135 «^ Proposta dos Termos de Referência..." é publicada em anexo.
136
Decreto-Lei n.° 530/99, de 10 de Dezembro, Preâmbulo.

275
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

os estatutos da u.A137. A "Proposta dos Termos de Referência ...", ao


mesmo tempo que consagra uma reserva de autonomia indispensável à
manutenção da individualidade do I.S.C.A.A., atenua essa determina-
ção, deixando presumir uma alteração dos estatutos da u.A., que dê
adequada representatividade ao I.S.C.A.A. nos órgãos de governo da
Universidade.

7. O FUTURO DO I.S.C.A.A. E DA CONTABILIDADE

A individualidade, que o I.S.C.A.A. pretende preservar, aflora nas


vivências do passado e na concepção que tende a forjar do seu futuro -
esse tempo primordial da mudança. A Universidade - apostada em
vivificar a diversidade - deixa-nos essa lição, cuja pedagogia, se for
autêntica - e ninguém ousará afirmar o contrário - reforçará um dos
valores intrínsecos à própria origem e constituição do Instituto.
O i.s.C.A. - e os I.S.C.A.'s - promoveram a dignidade da Conta-
bilidade e dos Contabilistas e tornaram-se cúmplices de uma luta lon-
gamente travada em terrenos difíceis. Seria inglório que, face às ac-
tuais conquistas da Contabilidade e dos Contabilistas, se deixasse ar-
der o I.S.C.A. em qualquer pira a caminho da Universidade de Aveiro.
A Contabilidade, como sucedeu com todas as outras ciências,
tende a seguir uma via de autonomização em relação aos saberes con-
tíguos, como a Economia e a Gestão, etc. Este processo de especiali-
zação favorece o refinamento dos domínios científicos da Contabili-
dade, em prejuízo de uma "visão holística", embora, como reconhece
Lopes de Sá a partir da experiência brasileira, tenha contribuído para a
autonomia da profissão, com "benefícios expressivos à evolução cul-
tural"138.
Contudo, mesmo que esse aparente isolamento obedeça a uma
inevitabilidade histórica de autonomização das ciências, a Contabili-

Decreto-Lei n.° 530/99, de 10 de Dezembro, Art." 3 o .


Sá, António Lopes de Sá, História Geral e das Doutrinas de Contabilidade, S.
Paulo, Ed. Atlas S.A., 1997, p. 170.

276
O i.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

dade tem de reatar os laços de convivialidade interdisciplinar com os


saberes conexos, de cujas sinergias dependem os novos desenvolvi-
mentos.
O acesso da Contabilidade ao estatuto de unidade autónoma no
seio da Universidade e ao de área de investigação139 vai permitir, atra-
vés de pós-Graduações, Mestrados e Doutoramentos nos seus dife-
rentes domínios científicos, a criação de uma elite de construtores do
saber apostada em prosseguir a elevação do nível científico e cultural
da sua disciplina, com reflexos no ensino, na investigação e na vida
profissional - que constitui um amplo laboratório onde se cruzam to-
dos os desafios científicos, técnicos e culturais.

CONCLUSÃO

O I.S.C.A. de Aveiro adopta uma estratégia de objectivos claros,


ecos de uma luta social com resultados adiados pelas travagens ine-
rentes a uma "sociedade fechada", pouco propensa à construção de
competências sociais.
Esses objectivos, prosseguidos e articulados com força distinta e
consciência diversa do seu alcance ao longo de todo o processo, cons-
telam-se em torno da organização e consolidação de uma Escola mais
ambiciosa nos fins que nos meios, apostada na valorização do curso de
contabilista, na dignificação da contabilidade e na satisfação das aspi-
rações dos seus profissionais.
A consecução destes objectivos fez-se, mesmo em período de
convulsões sociais, em clima de estabilidade, com pessoal dirigente
endógeno, em relação à escola e ao meio, sem recurso a Comissões
instaladoras, mas com a mesma consciência de que o progresso da Es-
cola dependia da articulação dos seus objectivos com os interesses lo-
cais. A continuidade, em exercício de funções, do seu pessoal diri-

139
Decisão da Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Universidade, em
3 de Março de 2001.

277
Revista Estudos do 1.S.CA.A.

gente140 confere-lhe uma profunda experiência dos processos institu-


cionais em curso - formais e informais - que lhe permitem orientar
escolhas e ritmos de mudança, em conformidade com uma interpreta-
ção "pragmática" dos sucessivos quadros jurídicos da política educati-
va que, apesar do limitado potencial para exprimirem os diferentes
níveis da realidade e a complexidade institucional de uma escola, dei-
xam traços impressivos da vida do i.s.c.A. e sugerem novos territórios
de pesquisa.

BIBLIOGRAFIA:

A bibliografia essencial - assim como as fontes - aparece refe-


renciada em rodapé.

ANEXO:

PROPOSTA DOS TERMOS DE REFERÊNCIA ACORDADOS


PARA EFEITOS DA INTEGRAÇÃO DO I.S.C.A.A. NA
UNIVERSIDADE DE AVEIRO

I - ASPECTOS ADMINISTRATIVOS E FINANCEIROS

1. Após a integração, o I.S.C.A.A. conservará a autonomia ad-


ministrativa e financeira própria de Escolas integradas em Institutos
Politécnicos, sendo as competências destes exercidas pela Universida-
de de Aveiro.
2. Esta autonomia vigorará por um período de três anos, decor-
rido o qual será obrigatoriamente avaliada e, eventualmente, revista,
após acordo entre os órgãos de gestão do I.S.C.A.A, como unidade or-

Esta continuidade foi assegurada, ao longo de três décadas, pelo Prof. Dr. Joa-
quim José da Cunha.

278
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

gânica da U.A., e os órgãos de governo da Universidade para o efeito


competentes.
3. No exercício dessa autonomia, o I.S.C.A.A. respeitará as
orientações em matéria administrativa e financeira emanadas do Sena-
do da Universidade.
4. A dotação orçamental do I.S.C.A.A. terá inscrição própria no
Orçamento do Estado, incluída no orçamento da Universidade, e cor-
responderá ao montante antecipadamente fixado pelo Senado.
5. Uma vez definido o orçamento da Universidade, será este a
geri-lo, podendo como tal promover a realização dos actos tendentes à
aquisição de bens e serviços e autorizar despesas, respeitando as
orientações gerais dos órgãos de governo da Universidade.
6. A Biblioteca do I.S.C.A.A. passará a integrar os Serviços de
Documentação da Universidade como unidade autónoma no que se
refere à instalação física e à aquisição de fundos bibliográficos.
7. O I.S.C.A.A. mantém quadros próprios de pessoal docente e
não docente.

II - ESTATUTO DO PESSOAL DOCENTE

1. O pessoal docente do I.S.C.A.A. continua a reger-se pelo dis-


posto no Estatuto da Carreira docente do Ensino Superior Politécnico.

III - ARTICULAÇÃO COM O CONSELHO CIENTÍFICO DA


UNIVERSIDADE

Admitindo que, aquando da integração do I.S.C.A.A. na Univer-


sidade de Aveiro, poderá ainda não ter ocorrido uma revisão estatutá-
ria que permita assegurar ao I.S.C.A.A. uma representação no Conselho
Científico da Universidade em termos paritários com a das outras uni-
dades orgânicas e reflectindo adequadamente a sua dimensão relativa,
será aconselhável prever-se um regime transitório de articulação das
competências dos Conselhos Científicos do I.S.C.A.A. e da Universida-
de, a vigorar até que venha a concretizar-se aquela revisão.

279
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Tendo em conta que com os actuais estatutos da Universidade o


I.S.C.A.A. não teria qualquer representante no Conselho Científico da
Universidade, importará reservar ao Conselho Científico do I.S.C.A.A.,
até à revisão estatutária acima referida, um leque de competências
substancialmente alargado, sob pena de "não ter voto" em matérias
essenciais para a vida da escola.

Assim, continuam a caberão Conselho Científico do I.S.C.A.A.


as seguintes competências:

1. Distribuir a assistentes serviço docente idêntico ao dos pro-


fessores adjuntos, respeitando as políticas gerais definidas pelo Con-
selho Científico e pelo Senado da Universidade.
2. Aprovar a contratação do pessoal especialmente contratado,
por convite, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho
Científico e pelo Senado da Universidade.
3. Propor a renovação dos contratos com os assistentes, res-
peitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo
Senado da Universidade.
4. Apreciar os relatórios quinquenais dos professores de no-
meação definitiva.
5. Instruir e deliberar sobre o processo de nomeação definitiva
dos professores.
6. Propor a renovação dos contratos dos docentes especial-
mente contratados.
7. Designar o júri para os concursos documentais de assistentes
e professores adjuntos, a homologar pelo Reitor, após parecer favorá-
vel da Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Universi-
dade.
8. Propor o júri dos concursos de provas públicas para profes-
sores adjuntos e para professores coordenadores, a homologar pelo
Reitor, após parecer favorável da Comissão Coordenadora do Conse-
lho Científico da Universidade.

280
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

9. Promover a publicação dos programas e divulgar a estrutura


e funcionamento dos cursos.
10. Conceder dispensa de serviço docente e apreciar o relatório
dos beneficiários, respeitando as políticas gerais definidas pelo Con-
selho Científico e pelo Senado da Universidade e dando conhecimento
ao Conselho Científico da Universidade.
11. Designar os orientadores dos assistentes, com comunicação
ao Conselho Científico da Universidade.
12. Distribuir o serviço docente, respeitando as políticas gerais
definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade.
13. Pronunciar-se sobre pedidos de autorização para leccionar
em instituição diferente, respeitando as políticas gerais definidas pelo
Conselho Científico e pelo Senado da Universidade, com comunica-
ção ao Conselho Científico da Universidade.
14. Propor a contratação de docentes aposentados para pós-
graduações, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho
Científico e pelo Senado da Universidade, com comunicação ao Con-
selho Científico da Universidade.
15. Dar parecer sobre aquisição de equipamento científico e bi-
bliográfico.
16. Elaborar as propostas de planos de estudo para cada curso e
definir o número máximo de matrículas, respeitando as políticas gerais
definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade,
submetendo-as à apreciação do Conselho Científico da Universidade
que, após aprovação, as remeterá ao Senado.
17. Definir as linhas orientadoras das políticas a prosseguir pela
escola, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Cientí-
fico e pelo Senado da Universidade.
18. Promover a celebração de convénios ou acordos de coope-
ração no domínio do ensino da contabilidade, da administração e da
organização empresarial com outras instituições, públicas e privadas,
nacionais ou estrangeiras, e promover a sua concretização, respeitando
as políticas gerais definidas pelos órgãos da Universidade para o efeito

281
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

competentes, cabendo a assinatura dos mesmos ao Reitor da Universi-


dade.
19. Coordenar, em colaboração com o Conselho Pedagógico,
todos os trabalhos académicos.
20. Exercer, respeitando as políticas gerais definidas pelo Con-
selho Científico e pelo Senado da Universidade, as actuais competên-
cias previstas no Art.° 73°, n.° 1 dos Estatutos do I.S.C.A.A., ou seja,
impulsionar, orientar e coordenar as actividades de investigação cientí-
fica; propor ao Conselho Directivo a designação dos professores en-
carregados da biblioteca; desenvolver a investigação científica inter-
disciplinar; e promover a publicação de uma revista.
21. Pronunciar-se sobre a contratação de investigadores não do-
centes e de pessoal técnico adstrito a actividades científicas e à bi-
blioteca do I.S.C.A.A., bem como sobre a renovação ou prorrogação dos
respectivos contratos, ou sobre o seu provimento definitivo.
Serão transferidos para o Conselho Científico da Universidade
as seguintes competências:
22. A partir do ano lectivo 2000/01 (ano lectivo seguinte à inte-
gração), aprovar os regulamentos de frequência, avaliação, transição
de ano e precedências, no quadro da legislação em vigor.
23. Com efeitos imediatos a partir da integração, decidir sobre a
equivalência e reconhecimento de graus, diplomas, cursos e compo-
nentes de cursos, após parecer do Conselho Científico do I.S.C.A.A.
relativamente aos cursos que ministra, nos termos da lei em vigor.

IV - ARTICULAÇÃO PEDAGÓGICA

24. O I.S.C.A.A. continuará a dispor, nos termos do Art.° 37 da


Lei n.° 54/90, de um Conselho Pedagógico próprio, a ser constituído
por representantes dos professores, assistentes e estudantes, eleitos
pelos respectivos corpos, nos termos dos seus estatutos.

282
O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

25. A presidência do Conselho Pedagógico do I.S.C.A.A. poderá


caber a professor coordenador ou professor adjunto, adaptando-se nes-
se sentido os estatutos da Universidade.
26. A partir do ano lectivo de 2000/01, na composição do Con-
selho Pedagógico do I.S.C.A.A. passará a existir paridade entre o núme-
ro de docentes e estudantes.
27. As competências que continuarão no Conselho Pedagógico
do I.S.C.A.A. são as enumeradas no Art.° 82° do Estatuto do Instituto.

V - FORMALIZAÇÃO DA INTEGRAÇÃO

1. O presente documento será rubricado pelo Reitor da Univer-


sidade e pelo Presidente do Conselho Directivo do I.S.C.A.A., que o
submeterão a aprovação, respectivamente, do Senado da Universidade
e da Assembleia de Representantes do I.S.C.A.A.
2. A deliberação do Senado da Universidade, para aprovação
do presente documento, será tomada e para efeitos do disposto no n.° 3
do Art.° 5o dos respectivos Estatutos, estabelecendo as particularidades
do estatuto e regime aplicáveis ao I.S.C.A.A. como unidade orgânica da
Universidade.
3. Uma vez adoptadas as deliberações acima referidas, será o
presente documento remetido ao Governo, em ofício conjunto do
Reitor da Universidade e do Presidente do Conselho Directivo do
I.S.C.A.A., solicitando a autorização prevista no n.° 3, in fine, do Art.°
14° da Lei de Bases do Sistema Educativo.
4. Publicado que seja o Decreto-Lei de autorização, a integra-
ção do I.S.C.A.A. na Universidade torna-se efectiva em 1 de Janeiro de
2000.
Aveiro, 23 de Junho de 1999

283
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

STRUCTURE, PROBLEMS AND PERSPECTIVES


OF THE A
ATHENS STOCK EXCHANGE (ASE)

PANTELIS F. KYRMIZOGLOU
pkirmiz@acc.teithe.gr
ASSOCIATE PROFESSOR
HEAD OF THE DEPARTMENT OF ACCOUNTING
TEI OF THESSALONIKI
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

ABSTRACT

1. THE LONG LASTING MISPLACED ROLE OF THE ASE


2. THE CURRENT DEVELOPMENTS IN THE ASE
3. THE MODERN STRUCTURE OF THE ASE
4. LISTING REQUIREMENTS FOR THE MAIN AND THE PARALLEL
MARKETS
5. PERSPECTIVES OF THE ASE

286
Structure, poblems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

l. T H E L O N G LASTING MISPLACED R O L E OF THE ASE

The Athens Stock Exchange (A.S.E.) was established in 1876,


as a self-regulated public institution, supervised by the Ministry of
National Economy. Despite the long history of the ASE, its role
towards the growth of the Greek economy, was misplaced due to
many reasons. The most important of them in our opinion were the
following:
• dividend yields were very low, compared with the rates of
interest of bank deposits and bonds. That was due to the
oppressive taxation policy of the governments, or the tight
dividend policy and very often the poor results of the firms.
Therefore the wide public was not encouraged to approach
the stock exchange;
• the existence of exchange restrictions for many years,
discouraged the foreign investors;
• commercial and investment banks were restricted by
themselves in giving long-term loans instead of launching
new kinds of services like underwriting. This practice led the
firms to a deterioration of the leverage ratios;
• the compulsory blocking of a certain percentage of deposits,
for the financing of public enterprises with low rates of
interest. In this way the state used cheap available funds
instead of proceeding to privatisations;
• the delay of the various governments in introducing a modern
institutional framework with transparency in the function of
brokerage firms. This lack of transparency combined with the
lack of fundamental knowledge about the function of the
A.S.E. and the evaluation of shares, made the wide public
hesitate to approach the stock exchange;
• the delay in a substantial involvement of the institutional
investors;
Although Mutual Funds and Portfolio Investment Companies
were enacted in 1970, they started playing an important role,
only by the end of 80's. Even now Pension Funds refrain

287
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

from investing in the stock exchange due to the lack of the


relative legislative regulation;
• the impulsive character of the Greek people, led many times
to an unjustified rise or fall of the general index, and
consequently to the disappointment of potential investors;
• the lack of political stability for long periods of time,
combined with the lack of consistency and continuity in the
exercised economic policy. Very frequent changes of
governments and ministers, and very frequent changes in the
institutional framework of the A.S.E. were not the best
conditions for the smooth functioning of the stock exchange;
• finally the family character of a big number of firms, averted
them from being interested in enlistment in the A.S.E.,
because of the fear of inability for the effective management
of a bigger firm.

2. THE CURRENT DEVELOPMENTS IN THE ASE

As many of the above mentioned reasons ceased to exist or at


least don't continue to exist in the same extent during the last few
years, we have seen a blooming of the A.S.E. The blooming was due
mainly to the involvement of thousands of small investors. This
involvement is attributed to the significant fall in the rates of interest,
the "discounted" perspective for the country's admission in the
Economic and Monetary Union, the overall improvement in terms of
macroeconomics and to factors which can be interpreted by
psychology and sociology.
Although such and involvement is welcome, it created many
problems, because it took place very rapidly. The vast majority of the
new investors were not familiar with the philosophy of the stock
exchange and therefore their enthusiasm - as the general index was
increasing - led them to an irrational behaviour, as the new investors
were buying "any share at any price".

288
Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

In September 1999 the general index of the ASE reached the


record level of 6.355 points compared with 933 points in 1996, 1480
points in 1997 and 2737 points in 1998.
What followed was a dramatic fall of prices below 5.000 points
(March-April 2000). This fall created the so called "trapped
investors" who bought shares at very high prices and they were not
able to get rid of them.
The fall started in September 1999 when the general director of
the central bank of Greece gave an interview, warning the investors
that many share prices were extremely high. This warning and the
statements made by various politicians were taken into account very
seriously by the investors and led them to massive sales.
Although we agree with the warning of the general director of
the Bank of Greece and we believe that it led to more reasonable
price levels, it is doubted if the timing of the warning was the
appropriate one. If these statements were made earlier they could
anticipate many losses of the "trapped investors". In capital markets
like the Greek one, which are not mature enough, we believe that
some kind of intervention is necessary in order to protect the big
number of unexperienced investors.
In order to have a more clear picture of the A.S.E. we quote
some ratios and we compare them with the respective ratios in other
stock exchanges.
At the end of 1999 the A.S.E. was considered an overvaluated
stock exchange (the situation was even worse in September 1999 as
we mentioned above). The average P/E was 54,47 compared with 26,5
in Germany, 24,5 in Britain, 14,4 in Brazil and 30 in U.S.A.
Another evidence of overvaluation was that the P/BV ratio was
9,44 compared with 3,7 in Germany and Britain, 1 in Brazil and 5,6 in
U.S.A.
The dividend yield in the ASE was 0,54%, when it was 2% in
Germany, 2,4% in Britain, 3,5% in Brazil and 1,2% in U.S.A.
The market capitalisation /GNP ratio was also very high for the
A.S.E. It reached 176% when it was 45% in Germany, 164% in
Britain, 20% in Brazil and 181% in U.S.A.

289
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

In order to have a better understanding of the recent crisis in the


ASE we need to know some more details. In December 1999 there
were 294 companies enlisted in the ASE, compared with 264
companies in Milan, 233 companies in Amsterdam, 127 in Lisbon and
96 in Vienna. (Source: FESE/VIMA 27-2-00). In the same time
another 180 companies are waiting in the queue for enlistment in the
main or the parallel market. To some extent these big numbers
constitute evidence of the lack of mergers and acquisitions in the
Greek economy. In the same time the need for higher listing
requirements becomes obvious.
The huge increase of the capital raised by listed companies and
by new listing, combined with the split of the existing shares, led to an
incredibly big number of shares in the A.S.E.
It is estimated that the number of shares in the A.S.E. has been
increased by 140% in 1999, compared with an average 26% increase
in the stock exchanges of the European Union.1
To some extent the current crisis (April 2000) with the dramatic
fall of the prices of shares, is attributed to the plethora of shares,
combined with the excessive absorption of funds available for
investment in the A.S.E.
Serious problems have arisen from the very rapid increase in the
numbers of ELDE (companies dealing with receiving orders from the
public and transferring them to the brokerage firms). The very low
requirements in terms of capital and mainly in terms of the
qualifications of the people involved, resulted in a situation where
non-specialists act as consultants of the public, although they are not
allowed to do it, by law. More than 1000 ELDE operate throughout
the country (there were about 50 in 1997 and 250 in 19982). The role
of these companies was obvious in both the unexpected rapid rise and
the fall of the composite share price index.

1
T. Tsiros Economia - Kyriakatiki Eleftherotypia, 12/3/2000, p. 14.
2
Capital Market Commission, Annual Report 1998, p.35.

290
Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

3. T H E M O D E R N STRUCTURE OF THE ASE

Since 1995 the A.S.E has been transformed into a joint stock
company supervised by the Ministry of National Economy.
Shareholders of this company are the Greek state (60,3%), the Banks
(22,7%), the listed companies (5,5%), the A.S.E members (3,1%), the
pension funds (3%), the Mutual funds (2,4%), the Insurance
companies (1.6%), the Portfolio Investment Companies (1,4%).
The ASE is administered by the Board of Directors which is
appointed for a three year period. It is responsible for all issues
regarding the administration of the stock exchange, the management
of its property and the pursuit of its objectives. It represents the stock
exchange judicially and extra judicially, and sees to the proper
performance of the exchange's operations. The Board of Directors
provides authorisation to investment firms to trade in the A.S.E and
grants them membership to the market.
The composition of the Board ensures the participation of all
market participants in the decision making process.
There are two supervisory bodies: the Capital Markets
Commission (C.M.C.) and the Government Supervisor.
The Capital Markets Commission is an independent public
entity, operating under the auspices of the Ministry of National
Economy. It is the body, primary responsible to ensure investors'
protection and the compliance of all market participants with stock
exchange legislation.
The responsibilities of the Capital Markets Commission are
summarised as follows:
• approves prospectuses for the listing of companies on the
A.S.E.;
• temporarily suspends trading or decides for the delisting of
listed shares in cases of violation of the stock exchange
legislation;
• authorises investment firms;
• audits investment firms, mutual funds, portfolio investment
companies and members of the A.S.E.;

291
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

• advises the Minister of National Economy on capital marker


issues;
• imposes all sanctions and disciplinary penalties, anticipated
by legislation.

C.M.C. consists of a seven members Board of Directors and a


three members' Executive Committee. The majority of the members
is appointed by the government but market participants are also
represented.
The Government Supervisor is appointed by the Ministry of
National Economy. He sees to the compliance of all trading parties
with the existing rules and regulations. He is always present in the
trading sessions.
Investors' protection is ensured by the daily surveillance of
transactions by the Ministry of National Economy. A.S.E. member
firms are not allowed to trade without the consent of their customers.
By decision of the Capital Markets Commission, the value of all daily
trades conducted by the members of the A.S.E., which exceeds the
value of their net equity must be covered by bank guarantees,
additional capital or the shares themselves which were traded. When
the value of total daily trades exceeds by two times the net equity of
the member firm, and no additional guarantees have been provided,
access to the electronic trading system is refused to that member firm.
The transparency of the market is enhanced mainly by the
following provisions:
• immediate disclosure by the listed companies of all price
sensitive information related to their shares;
• disclosure within 5 days by the investors of any changes in
their participation in a listed company which result in the
crossing of the threshold of 10%, 20%, 1\3, 50%, or 2\3 of
the total voting rights in this company;
• sanctions against the ASE members who use illegal or
misleading means in order to influence stock prices, as well
as to those who disseminate misleading information;

292
Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

• natural persons are not allowed to participate both to the


Board of directors of a listed company and to the Board of a
member firm.

Two compensation funds exist in the Greek capital market for


the protection of investors: The ASE members Guarantee Fund and
the Supplementary Fund.
The first provides guarantees against stock exchange trades.
Every ASE member must deposit a specific amount to the Fund prior
to the commencement of its operations.
The second Fund's objective is to prevent delays in the
settlement process, when there are unsettled trades.

4. LISTING REQUIREMENTS FOR THE M A I N AND THE


PARALLEL M A R K E T S

Companies interested in listing their shares in the main market


of the ASE, have to comply with the following conditions:
• they have to operate under the legal form of a joint stock
company with a net equity of at least 2 billion GRD;
• they must have published annual accounts audited by
certified auditors, for the last 3 years preceding the listing
application. The accounts must demonstrate satisfactory
operating profits as well as an overall satisfactory financial
structure;
• at least 25% of the total shares have to be distributed to at
least 2000 investors;
• they have to issue a prospectus prior to the public offering.
This prospectus must be approved by the Capital Markets
Commission;
• they have to hire an underwriter ( one or more banks and/or
brokerage firms having a minimum share capital of 1 billion
GRD) who will handle the issue and buy the shares not
absorbed by the public.

293
Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

Companies interested in listing their shares in the parallel


market of the A.S.E. have to comply with the following conditions:
• they have to operate under the legal form of a joins stock
company with a net equity of at least 500million GRD;
• they must have published annual accounts audited by
certified auditors, for the last 3 years preceding the listing
application. The accounts must demonstrate satisfactory
operating profits and an overall satisfactory financial
structure;
• the profits of the last accounting period have to be so high as
to be enough for a dividend at least as much as 6% on the
share's price;
• decision for the listing of the shares in the parallel market, is
taken with an increased majority of the 3/5 of the members of
the Board of directors of the ASE. Of course the approval of
the Capital Markets Commission is also required;
• as in the case of the main market, the issuing companies need
to issue a prospectus and hire an underwriter.

A company can be transferred from the parallel to the main


market of the ASE if the following conditions are fulfilled:
• the company's shares should have been trading in the Parallel
market for at least 2 years after its admission therein;
• the company must have realized satisfactory operating profits
during its period of trading in the Parallel market and should
have exhibited an overall good profile towards the Stock
Exchange and the investors;
• the company's shares must have efficient marketability and
dispersion;
• there should be statements revealing that the company has
used in the best possible way the capital raised in the parallel
market through the initial public offering.

Following the recommendation of the ASE Board of Directors,


the Capital Market Commission will take the final decision.

294
Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

5. PERSPECTIVES OF THE A.S.E.

Although the P/E of the A.S.E. is now one of the lowest in the
Europe, and the PEG ratio is now even lower (due to the higher rate of
growth of the profits per share), it is widely acceptable that the A.S.E.
has a serious problem of reliability.
The wide range of share price fluctuations which have been
taking place since August 1999, show that it will take some time for
the ASE to be included in the mature markets.
On the other hand, there are certain factors which are expected
to play a decisive role in the course of the A.S.E. The most important
among them will be:
• greece's admission in the economic and monetary union;
• , the further improvement of the macroeconomic environment
(reduction of the rate of inflation and the rates of interest);
• the expected upgrading of the ASE in the mature capital
markets by international investment houses;
• the expectation for significant improvement of the results of
the enlisted companies;
• the commitments of the main shareholders and the taxation
incentives given to small investors for holding shares for
longer periods;
• the degree of stability in the international capital markets.

The presence of Institutional Investors in the A.S.E. is limited.


As the Greek capital market was so far characterised as an emerging
market, but now it is in a transitional period towards becoming a
mature market, Institutional Investors which prefer emerging markets
are leaving A.S.E., as they find higher returns in other Stock
Exchanges.
On the other hand, Institutional Investors which prefer mature
markets, have not come yet. They are waiting for more structural
changes in the Greek economy, more privatizations, liberalisation of
markets (for example, abolishment of the state monopoly in energy
and telecommunications), more flexibility in the labour market and

295
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

possibly some small changes in the institutional framework of the


ASE ( for example: The recent introduction of concepts like margin
account and market making, and the expected enrichment of the
derivatives market with new services will contribute to the positive
perspectives of the A.S.E. )
When there will be sufficient evidence that the Greek economy
moves towards such a direction, it is expected that the interest for the
Greek capital market will grow, and then small investors after a
period of disappointment will start again being interested and
contribute to the required liquidity.
Measures like the introduction of book building for the new
listings and the underwriters' price guarantee for a short period after
the new listings, are also expected to play a very important role in
restoring the investors' confidence in the A.S.E.
Finally we consider the role of financial press, very important
both in making the wide public more familiar with the philosophy of
Stock Exchange, and avoiding the misinforming of all the parts who
might be interested. The standardization in the calculation of the most
important ratios is an example of the steps that have to be made
towards a more objective and valid briefing in the frame of the rules
of the journalistic ethical conduct.

REFERENCES

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financial markets", HBA, January-March, 1999.
Tsiros T. Economia - Kyriakatiki Eleftherotipia, 12\3\2000, p. 14.

296
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

RELATO FINANCEIRO:
O Novo PARADIGMA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO1

PAULO ALEXANDRE PIMENTA ALVES


paulo.alves@isca.ua.pt
PAULA ALEXANDRA GOMES DA SILVA
paula.silva@isca.ua.pt
ASSISTENTES DO I.S. CA.A.

1
Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no XI Encontro da Associação
de Docentes de Contabilidade do Ensino Superior realizado em Viseu, nos dias 27 e
28 de Outubro. Introduzimos algumas alterações em resultado dos comentários rece-
bidos durante e após o Encontro, os quais desde já agradecemos.
Revista Estudos do 1SCAA

RESUMO

A sociedade em que vivemos é, inquestionavelmente, caracteri-


zada pelos desenvolvimentos tecnológicos em redor da Internet, cujo
crescimento foi sustentado e fomentado pela sua imensurável capaci-
dade para divulgar informação. O potencial da Internet não passou
despercebido às empresas. A divulgação de informação financeira sur-
ge como o seguimento natural de uma primeira etapa caracterizada
pela disponibilização de publicidade e alguns serviços.
Envoltos na sua característica mais marcante - a incerteza - os
desenvolvimentos futuros não são passíveis de serem apresentados de
forma definitiva. Contudo, apresentamos uma perspectiva sobre os
desenvolvimentos e algumas tendências futuras do relato financeiro
face ao novo paradigma das novas tecnologias da informação, que
veio para colocar termo ao paradigma do suporte de papel, rompendo
com as suas limitações e criando um ambiente de relato que tem de ser
compreendido.

Palavras chave: Relato Financeiro; Informação Financeira; In-


ternet; Tecnologias da Informação.

298
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

1. INTRODUÇÃO

É já um lugar comum dizer que a Internet alterou profundamente


a sociedade em que vivemos. As alterações, de forma mais ou menos
profunda, podem ser observadas em quase todas as áreas do saber,
desde a medicina às artes. Encontrar uma área não influenciada pelos
desenvolvimentos tecnológicos em redor da Internet revela-se uma
tarefa quase, senão mesmo, impossível.
A contabilidade foi, também, afectada, embora as consequências
ainda não sejam muito perceptíveis. Estamos agora a descobrir as
vantagens das novas ferramentas que a inovação tecnológica colocou à
disposição de contabilistas, auditores e docentes, que afectarão pro-
fundamente as metodologias de trabalho, ensino e investigação.
No presente estudo temos por objectivo apresentar algumas re-
flexões sobre a evolução e tendências futuras da utilização da Internet
como ambiente de relato financeiro, focando com especial ênfase o
impacto das novas tecnologias da informação.
Convém clarificarmos o que entendemos por Relato Financeiro
na Internet. O conceito, bastante simples, resulta da alteração do am-
biente através do qual a informação financeira é disseminada. Desta
forma, podemos entender o conceito relato financeiro na Internet co-
mo a disseminação de informação financeira através da World Wide
Web ou qualquer outro meio de comunicação baseado em tecnologias
semelhantes baseadas na Internet.

2. INGREDIENTES DA M U D A N Ç A

"Information technology (IT) is changing everything. It represents a


new, post-industrial paradigm of wealth creation that is replacing the
industrial paradigm and is profoundly changing the way business is
done. (...) If the purpose of accounting information is to support busi-
ness decision-making, and management's decision types are changing,
then it is natural to expect accounting to change — both internal and
external accounting." (Robert Elliot cit in IASC 1999, 3)

299
Revista Estudos do ISCAA

Os números sobre a Internet são bastante esclarecedores, se ca-


lhar até mesmo incompreensíveis, tamanha é a sua grandeza. Estima-
se que actualmente existam aproximadamente 850 milhões de páginas
indexadas, 73 milhões de servidores, 350 milhões de acessos e o trafe-
go de informação duplica a cada 100 dias, sendo avassalador o poten-
cial de crescimento evidenciado. A Internet é suficientemente grande
para merecer a nossa atenção como profissionais, investigadores ou
docentes.
Uma das principais razões subjacentes ao desenvolvimento da
Internet foi a imensurável capacidade para divulgar informação, tendo
a comunidade académica sido uma das primeiras a perceber as vanta-
gens deste novo meio de comunicação. O mundo académico volta a
liderar os mais recentes desenvolvimentos na Internet, designadamente
ao projecto Internet2.
Também as empresas rapidamente se aperceberam das potencia-
lidade económicas da Internet e rapidamente começaram a explorar o
seu potencial de formas nunca antes imaginadas. Conceitos como, por
exemplo, eBusiness, eCommerce, eEconomy e eMarketing são carac-
terísticos de uma nova vaga económica, que se começa a impor e que
transformará radicalmente a forma como hoje pensamos a economia, a
gestão, a contabilidade e, consequentemente, o relato financeiro.
Para além da publicidade e disponibilização de serviços, as em-
presas já começaram a colocar informação financeira na Internet.2 No
presente capítulo procuramos justificar a utilização da Internet no re-
lato financeiro, salientando que se trata de uma evolução natural, que
acompanha os mais recentes desenvolvimentos tecnológicos e que
permite responder a algumas necessidades, ou dificuldades, sentidas,
quer pelos utentes, quer pelas empresas. A Internet apresenta potencial
para se assumir como um ambiente de relato financeiro completa-

Quando nos referimos a informação financeira estamo-nos a referir à informação


que geralmente é incluída no relatório de contas tradicional, admitindo que na divul-
gação na Internet o conteúdo informativo seja alargado.

300
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

mente novo, podendo representar muito mais do que uma simples ver-
são electrónica dos relatórios em suporte papel.
De acordo com a teoria dos mercados eficientes, os preços rea-
gem de forma rápida e não enviesada ao relato de informação útil.
Gray e Roberts (cit in Craven e Marston 1999, 323) apontam alguns
objectivos inerentes ao relato voluntário de informação, nomeada-
mente:
> reforçar a imagem e reputação da empresa;
> melhorar as decisões de investimento do investidor;
> evidenciar a responsabilidade para com os accionistas;
> permitir uma maior precisão na avaliação do risco por parte
dos investidores; e
> contribuir para a determinação de um valor de mercado mais
justo.

As razões que podem justificar a mudança são fáceis de com-


preender, quer para o preparador da informação financeira, quer para o
utente. Em primeiro lugar, a divulgação da informação pela Internet é
incomparavelmente mais barata do que as tradicionais cópias em su-
porte de papel. Segundo, o valor temporal da informação financeira é
reduzido. Terceiro, apesar do seu valor temporal ser reduzido, esta in-
formação pode ser reutilizada em análises e estudos diversos. Quarto,
a Internet, como meio de divulgação de informação, permite uma inte-
racção nessa divulgação, impossível de alcançar no suporte de papel.
(IASC 1999, 5)
Também o Financial Accounting Standards Board (FASB) pro-
curou compreender as razões da mudança e, face aos resultados obti-
dos, apresenta cinco potenciais motivos que podem justificar a dispo-
nibilização da informação financeira na Internet (FASB 2000, 1):

3
Podemos extrapolar estes objectivos, se entendermos que, na maioria dos países, o
relato financeiro na Internet não reveste carácter obrigatório.

301
Revista Estudos do ISCAA

> reduzir o custo e tempo na distribuição da informação;


> comunicar com um maior número de utilizadores;
> superar as tradicionais práticas de relato;
> aumentar a quantidade e tipo de informação a relatar; e
> facilitar o acesso de potenciais investidores a empresas de pe-
quena dimensão.

Mas talvez o melhor indicador da importância do relato financei-


ro na Internet seja reflectido pelo crescente número de investidores
que utilizam a Internet para efectuar as suas operações. Assistimos à
digitalização do mercado. Esta mudança é essencial para a compreen-
são da importância do relato financeiro na Internet. Verificamos uma
alteração do local onde o investidor toma as suas decisões de investi-
mento e, consequentemente, do local onde ele procura a informação
necessária para o seu processo decisório.
Também a tendência económica da globalização, ou desnacio-
nalização, dos agentes económicos torna natural que as empresas sin-
tam a necessidade de prestar informação financeira que possa estar
disponível a qualquer investidor, actual ou potencial, em qualquer
parte do globo.
Assistimos ao abandono do paradigma da utilização do suporte
de papel no relato financeiro, sendo a mudança benéfica quer para o
utente, quer para as empresas. É ainda cedo para avaliarmos o impac-
to, e muito provavelmente nunca conseguiremos, pois os reflexos da
mudança serão assimilados de forma natural e gradual, acompanhando
os desenvolvimentos tecnológicos.

3. EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS FUTURAS DO R E L A T O


FINANCEIRO NA INTERNET

O número de empresas que utiliza a Internet para o relato de in-


formação financeira começa a ser significativo, mesmo entre nós. Ro-
drigues e Menezes (2000, 12) revelam que, das 82 empresas com tí-
tulos cotados no mercado contínuo e no segundo mercado, 35 utilizam

302
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

a Internet para a divulgação da informação financeira. Contudo, e ape-


sar do ritmo de adesão das empresas a esta forma de relato, a verdade
é que ainda estamos numa fase bastante embrionária, onde, salvo raras
excepções, continuam a prevalecer as grandes empresas.
A análise da evolução da utilização da Internet como meio de
divulgação da informação financeira, permitirá uma base mais sólida
para a compreensão dos objectivos e tendências futuras desta prática,
essencial à percepção do seu impacto.
Num estudo efectuado sobre a realidade sueca, Hedlin (1999,
374) estabelece três etapas de desenvolvimento:
> estabelecer presença;
> utilização da Internet para comunicar informação; e
> tomar partido das características e possibilidades únicas da
Internet enquanto meio de relato.
O mesmo autor refere, que, na realidade sueca, as empresas en-
contram-se na segunda etapa, com tendência para que rapidamente a
Internet se assuma como principal suporte para a divulgação da infor-
mação financeira.
As etapas apresentadas são, com ligeiras diferenças, comuns
também ao FASB (2000, 39)4 e IASC (1999a, 48). Por exemplo, este
último apresenta três estádios de desenvolvimento:
> duplicação electrónica da versão tradicional em suporte pa-
pel;
> utilização de ferramentas de edição específicas para a Internet
e possibilidade de efectuar o download da informação; e

4
O FASB também identificou três objectivos subjacentes ao relato financeiro na
Internet
> complementar a informação em suporte de papel;
> substituir a informação em suporte de papel; e
> inovar com novas ofertas e ferramentas.

303
Revista Estudos do ISCAA

> utilização de capacidades que não podem ser utilizadas no


formato tradicional, permitindo inúmeros formatos alternati-
vos de apresentação da informação e a utilização de ferra-
mentas de análise financeira.

A tabela n° 1 (FASB 2000, 40) sintetiza as principais caracterís-


ticas de cada etapa da evolução do relato financeiro na Internet.

304
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

Tabela n° 1 - Companies' Goals for Electronic Business Reporting

"Complement" "Substitute" Group "Innovate" Group


Group
Distribution • Increase availabil- • Same goals as • Same as Comple-
ity of information Complement ment and Substi-
previously pro- group. tute groups.
vided only in • Proactively en- • Maximize use of
printed form. courage the use of the company's
• Increase speed of the Web as a sub- Web capabilities
distribution. stitute for the to:
company's distri- - Expand the
bution of printed audience,
material. -Generate more
usage, and
- Provide data in
easier- to- use
formats.

Content • Standard financial • Same as Comple- • Widest range of


reports. ment group, plus data.
• Press releases. some additional • May include:
• Other investor data (e. g., stock - Conference call
information. price history). (audio or tran-
• May also include scripts)
stock quotes. -Management pres-
entations
- E- mail alerts.

Audience • Primarily individ- • Same as Comple- • Same as Substitute


ual investors, ment group, plus group, plus addi-
shareholders, and some analysts. tional use by ana-
employees. lysts.

Notable • "We can't run • "We want to speed • "We want to an-
Company with the big dogs up delivery time swer all questions
Comment so we stay on the and lower our before asked...
porch." costs." everything is at
the click of your
mouse."

Se os dois primeiros estádios de evolução são caracterizados por


uma quase mera digitalização do relatório em suporte de papel, o ter-
ceiro estádio é revelador de uma completa transposição das barreiras

305
Revista Estudos do ISCAA

do relato tradicional, estilhaçando por completo algumas das suas tra-


dicionais limitações.
Como um dos melhores exemplos das potencialidades do relato
financeiro na Internet, podemos apresentar o site da Microsoft5 Há
muito que acompanhamos a evolução deste site e não foi com surpresa
que o vimos referido no relatório do IASC (1999a, 20).
Mais do que relatar a informação financeira em diversos idiomas
(alemão, francês, inglês e japonês), a Microsoft relata a informação de
acordo com diferentes quadros normativos (alemão, americano, aus-
traliano, canadiano, francês, inglês e japonês). Conforme se pode ob-
servar na figura n° 1, é possível com o simples clique de um botão vi-
sualizar a informação financeira da empresa como se esta tivesse sido
preparada de acordo com qualquer um dos quadros normativos dispo-
níveis. Numa etapa intermédia da globalização das normas contabilís-
ticas esta é uma solução que visa tornar global a informação financeira
da Microsoft. Contudo, este também pode ser um caminho perigoso,
podendo provocar confusão entre os utentes da informação financeira,
que dispõem de informação diversa sobre uma mesma realidade eco-
nómica.

5
http://www.microsoft.com/msft/

306
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

raswr 'àT a afa ,''"T8T è"x ample, y ó i


:::ï;:;ï;ï::-:"■■■■"■:■■ ::
~ ■ statement Una items dating back to 1985.
cutporatfi Information
cíífpoote info WvotTable 168.S Kb) lets you view and analyie Microsoft
ues by sales channel and product group in a whole new way. For
pie, you can look at Window* Platforr i the Asia

FY 199S Alternat» Income Statements


'" . â& View Microsoft income itatem*nti presented il
currencies, and accounting conventions.

Australian D*ubith
Canadian United Kino dom
Franc ni*

Today's Value of Your Investment in Microsoft's Initial Public Offering


Calculate your investment value with these 3 tools, Pleas* download the
E.K.W), ?7fW0Q SimtaSkhflJllS Bin VJJiaLSI I* /*>" don't already have
Microsoft Excel.
a Total naturo on dollar amount invofttnri in thrc initi.il public offnrino (17
mi
* Value of Microsoft shares today based on number of shai-es
purchased in *
n Value of Mici-qjçoftftharoj today bata d on dollar amount invested in
i
the initiaj public offering_il^_K&).

e - a n l i t a n r l n n s t - s n l i t r l n ^ i n n ctrurlr_nrirM
[50 Internei

Figura n" 1 - Quadros normativos disponíveis

O site da Microsoft dispõe ainda de um vasto leque de ferramentas de


análise financeira que podem ser utilizados no conforto do lar, ou em
qualquer outra parte em que exista uma ligação à Internet. De entre as
ferramentas disponíveis destacamos a possibilidade do utente poder
estabelecer projecções futuras com base nas suas previsões, bastando
para tal indicar a variabilidade desejada, conforme mostram as figuras
n° 2 e 3.

1
http://www.microsoft.com/msft/

307
Revista Estudos do ISCAA

Pioject Microsoft P i 2000!

Input percents as ",xx" and millions of dollars as "xxx". For example, 5 % = ,05 and $320 million = 320. Move using the Tab key.

What do you expect... What do you expect,......

..revenue to change by? (%) yWt ...investment income to be? (in millions):;

., .cost of revenue to be? (as a % of revenue) 1,20 .. .other expenses to be? (in millions)

■: .. .sales St marketing exp to change by? ■(%)■ 1,10 ,,,the tax rate to be? (%) ,.■

..research fk dev. exp to change by? (%) ...the 3vg shares to be? (in millions)

^general & admin, exp to change by? (%) ,05


OK Caned::

Figura n" 2 - Quadro para indicação das expectativas do utilizador7

i1vmvm<iMi.u.\irmmiif.fmm,i^ WIIIMMIIHHIM
ij file £ d ï yiew insert Format Jools fieta £ 0 Favorites Help

í -ï J ra ã
:::;:Stop Refresh Hot Search Favoiiles History

Adéess j í í j http://www rniciosoH.com/rnsH/downloadyFr200Crv/hailf xls

D36
J_
s. except earnings per si Project FY 2000

Veer Eiitled Pi ejected Gtowlh


Julie- 30 ■ ■ June 30
?W<) Qhana.
Revenue
Operating expenses:
Cost of revenue 2-814
Research and development 2.970
Acquired in-process technology
Sales and marketing
General and administrative
Other expenses
Total operatinq expenses 9 819 12.211
Operating income 6.414 9.929 10.498 e%
Investment income ^ 1.80.3 2.000 11%
Gains on sales 1*30 : 156
Income before income taxes 5,31 4 7.117 1 i .831 12.654 e-%
Provision for income taxes 1.360 2 827 4.106 2.531
Net income - 3.434 4.450 7 7S5 Î 10.123 Sfj'A
:
Diluted earnings per share *
Weighted average shares outstanding ■
$ 0,68
5,244
Ï 0,84 ■ % I 42
5.462
$ 1,69
C 000
.:.-.

m
Figura n" 3 - Demonstração dos resultados prospectiva de acordo com a infor-
mação fornecida pelo utilizador8

7
http://www.microsoft.com/msft/
http://www.microsoft.com/msft/

308
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

A crescente disseminação da informação através da Internet,


com todas as vantagens inerentes, começa a questionar as razões para
que o relato financeiro continue a ter o seu suporte privilegiado no pa-
pel. O exemplo da Microsoft evidencia claramente as limitações do
suporte de papel e potencialidades do suporte digital, o que nos leva a
questionar a sua utilização.
As tecnologias utilizadas são as mais diversas, contudo, ac-
tualmente as mais frequentes são a Hypertext Markup Language
(HTML) ou o Adobe Portable Document Format (PDF). Estes for-
matos apresentam algumas desvantagens incompatíveis com os objec-
tivos da disseminação da informação financeira pela Internet, como
por exemplo a rigidez do formato e a dificuldade em manusear a in-
formação disponibilizada,10 deixando antever o desenvolvimento de
uma nova tecnologia muito mais acessível para os utentes, que quebre
esta barreira tecnológica.
Para além das empresas terem de fornecer informação financeira
de diversas formas a diversos utilizadores, estes continuam a ter que
despender recursos na sua filtragem, tratamento e análise.
De forma bastante sintética, na figura n° 4 apresentamos os prin-
cipais canais de distribuição, evidenciando as principais diferenças
entre os dois paradigmas, no que respeita aos canais, acesso e custo.
Infelizmente o esquema não nos permite evidenciar uma outra diferen-

9
Sobre esta matéria consulte Business Reporting on the Internet (IASC 1999, capí-
tulo 2).
10
Algumas das limitações destas ferramentas podem ser observadas na forma como a
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) disponibiliza em formato
electrónico a informação financeira das empresas com títulos admitidos à cotação
(http://www.cmvm.pt). O esforço da CMVM é de louvar, estando a desempenhar
uma tarefa que não é da sua responsabilidade. Contudo parece-nos que seria desejá-
vel que a informação apresentada fosse completa e não apenas parcial, não se vis-
lumbrando qualquer justificação para a ausência de demonstrações financeiras fun-
damentais à compreensão da posição financeira, desempenho e fluxos de caixa.

309
Revista Estudos do ISCAA

ça, igualmente importante - a diferença de velocidade na disponibili-


zação da informação em cada um dos paradigmas.

Informação Canai e suportes de disseminação Acesso/Custo

Internet Acesso rápido,


W ilimitado
Organismos e fácil
> reguladores manuseamento
Acesso
> público Custo
Mercados reduzido
> financeiros
Informação
financeira Papel Acesso lento,
>
limitado
e difícil
manuseamento

Custo
-*> Relatórios elevado
publicados

Figura n° 4 - Modos de disseminação da informação financeira

Sem nos querermos prender com desenvolvimentos sobre maté-


rias tecnológicas, não podemos deixar de apresentar um conceito que
está a ter um forte impacto nos sistemas de informação na área finan-
ceira. Um conjunto de empresas e organismos11 criaram um consórcio
para o desenvolvimento de uma nova plataforma para o relato finan-
ceiro - extensible Business Reporting Language (XBRL).12 O XRBL,
uma extensão da extensible Markup Language (XML), poderá ser o

Entre os quais destacamos: American Institute of Certified Public Accountants;


Arthur Andersen, LLP; Canadian Institute of Chartered Accountants; Deloitte &
Touche, LLP; Ernst & Young, LLP; IBM; Institute of Chartered Accountants in
Australia; Institute of Chartered Accountants in England and Wales; Institute of
Management Accountants; International Accounting Standards Committee; KPMG,
LLP; Microsoft Corporation; e PricewaterhouseCoopers, LLP.
Para mais informação consulte o site http://www.xbrl.org.

310
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

elemento que falta, para que a distribuição da informação financeira


seja possível de forma fácil, rápida e eficiente.
Actualmente não existe um formato único para a divulgação da
informação financeira através de redes digitais como a Internet ou In-
tranets, o que obriga a que, para além do esforço na sua preparação,
esta tenha de ser importada através de um processo normalmente lento
e dispendioso.
Contrastando com o esquema apresentado na figura n° 4, o
XBRL permite que esta informação seja trocada entre diversos siste-
mas de informação sem qualquer necessidade de despender esforços
adicionais. A sua adopção permitirá às empresas a criação de relató-
rios electrónicos abrangentes, e altamente personalizados a um custo
bastante reduzido e num protocolo compatível com a maioria das apli-
cações financeiras, sem qualquer obstáculo entre o preparador da in-
formação financeira e os seus utentes, conforme pode ser observado na
figura n° 5.
Devido à sua simplicidade e eficiência não é de estranhar o inte-
resse das empresas ligadas ao desenvolvimento de aplicações para
sistemas de informação financeira. Admitimos que num futuro próxi-
mo iremos assistir a desenvolvimentos significativos nesta área, assu-
mindo-se o XBRL como uma referência obrigatória no relato financei-
ro, através de redes digitais.

311
Revista Estudos do ISCAA

Figura n" 5 - Funcionalidades do XBRL (Watson, McGuire e Cohen


2000, 3)

O XBRL permitirá aos utentes e preparadores da informação financei-


ra, nomeadamente:
> reduzir o tempo e o custo de acesso e de preparação;
> aumentar o acesso e a distribuição da informação financeira;
> utilizar software de agentes inteligentes (tecnologia que abor-
daremos adiante);
> adoptar modelos valorimétricos alternativos;
> relatar a informação utilizando taxinomias desenvolvidas es-
pecificamente para diferentes quadros normativos;
> relatar informação de caracter dinâmico; e
> aumentar e melhorar a análise da informação financeira.

312
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

Mais especificamente para os auditores, o XBRL permitirá:


> facilitar o acesso à informação;
> aumentar a fidedignidade da transferência da informação en-
tre o cliente e o auditor;
> maximizar a transparência da informação; e
> utilizar técnicas mais sofisticadas no desenrolar da auditoria,
designadamente, no processo de selecção e amostragem.

Não podemos deixar de referir que não estamos a falar de ne-


nhuma nova norma contabilística, mas apenas de um protocolo ou lin-
guagem de comunicação para transferência de informação financeira,
de forma rápida, clara, eficiente e sem barreiras tecnológicas. Em nos-
sa opinião, competirá ao profissional da Contabilidade assumir a lide-
rança dos sistemas de informação financeira.

"In the future, the winners will be those that can best leverage XBRL.
Financial information availability may soon determine which compa-
nies benefit from financial reporting efficiency and market insight -
and which are hurt by market ignorance. Therefore, high-powered fi-
nancial reporting will be a necessity." (Watson, McGuire e Cohen
2000, 3)

Outra ferramenta que começa a ser aplicada ao relato financeiro


são os Intelligent Internet Agents. Baldwin e Williams (1999, 306)
procuram definir estes agentes pela extrapolação dos conceitos da teo-
ria da agência. Uma relação de agência consiste num acordo em que o
principal (utilizador) acorda com o agente {software) o desenvolvi-
mento de determinadas tarefas, em sua representação, delegando para
o efeito capacidade de decisão ao agente. Neste sentido, um software
agent é um software funcional capaz de executar, com autonomia, ta-
refas predefinidas e que reage perante determinados estados do seu
ambiente, de acordo com a informação adquirida, preferências e co-
nhecimentos predefinidos.

313
Revista Estudos do ISCAA

Wooldridge e Jennings (cit in Baldwin e Williams 1999, 307) a-


presentam quatro características que um agente inteligente deve pos-
suir:
> autonomia - capacidade de agir sem intervenção do utiliza-
dor, com a possibilidade de controlar as suas acções e estados
internos;
> capacidade social - capacidade de interagir com outros agen-
tes;
> capacidade de reacção - possibilidade de compreender e de
reagir às alterações no seu ambiente; e
> pro-actividade - capacidade não só de reagir, mas também de
apresentar um comportamento orientado por objectivos.

Para além destas características o agente será mais forte quanto


maior forem as suas características humanas. Estamos a falar de uma
área ainda desconhecida - a inteligência artificial, mas com um futuro
fortemente promissor.13 Um agente inteligente da Internet, não é mais
do que um agente inteligente que tem como meio ambiente a Internet,
onde desenvolve as suas acções.
Tratando-se de uma área tecnológica com um futuro promissor,
mas ainda em desenvolvimento, c o m e ç a m a surgir algumas aplicações
deste género. Especificamente relacionados com a área da contabili-
dade encontram-se em desenvolvimento o FRAANK,15 o
EDGARSCAN16 e o WARREN,17 que visam apresentar as potenciali-
dades deste tipo de aplicações.

Na área da contabilidade, a American Accounting Association possui uma secção


dedicada ao estudo da inteligência artificial e novas tecnologias - Artificial Intelli-
gence/Emerging Technologies.
14
Pode encontrar uma lista de exemplos no artigo de Baldwin e Williams (1999,
312).
15
http://lark.cc.ukans.edu/cgiwrap/sirvasta/agent.cgi
16
http://edgarscan.pwc.com

314
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

As figuras n° 6, 7 e 8 apresentam algumas das etapas de um pe­


queno teste que efectuámos sobre o EDGARSCAN, que para além da
capacidade abrangente e velocidade, permite a importação da informa­
ção para o computador do utilizador.

h;l>ll.l:l,U,lil.l.| ! |JJIMHIJM)>]IMI,MI,TWH' oft Inleint;! FKIJIIHKI


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2000 0 3 2000 Q/2 2000 0/1 19» K 1999 0/3 1999 0/2 1999 0/1
Assets
Cash, $ 21.205,000 tlTãJMÕd 18,902,000 17,236,000 21,761,000 19,237,000 17,242,000 1
Receivables, $ 2,902.000 3,284,000 2.207.000 2.245.000 1.689.000 2.029,000 1.153.000
Inventory, $ 0 0
Other Current Assets, $ 1.110.000 893.000 854.000 752.000 608,000 543,000 569,000
Current Assets, $ 25.217.000 22.020.000 21.963.000 20.233.000 24.058.000 21.809.000 18.964.000 1
Net Property Plant & Equipment, $ 1,835,000 1.739.000 1.657.000 1.611.000 1.445.000 1.495.000 1.466.000
Total Assets, $ 50,895,000 45,093,000 39.672.000 37.156,000 33.561.000 30.049.000 25,569,000 ;■
Liabilities
Accounts Payable. S 1,073,000 1.233.000 997.000 874.000 1.016,000 989.000 845.000 _J

,
g ] n:ip://edgaiscan.pwcc)obal.corn/seiv^s/Rurûuerv?goal^L^'^J^ ^"^''e"Lassetsi<accessé^ Internet

Figura n° 6 - Detalhe da evolução trimestral da posição financeira da


Microsoft1*

http://www.cs.cmu.edu/~softagents/warren/
' http://edgarscan.pwc.com

315
Revista Estudos do ISCAA

' 1 0 0 19991231: Extracted Financial Data - Mi


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EdgarScan ; , ;

MICROSOFT CORP 10-Q for Q2 ending 1999-12-31

Ratio Value
iAccounts Payables Days COGS | 148.92
>t - Sales 1 7.38
iBroker Pre-tax Margin
!Cash to Current Liabilities
I
|
0.60
170 ,-•
Line Item Value
lilAccounts Payable ,| 1,233,000,000
^Collection Period
[Current & Lons Term Liabilities tc Equity]
1 49 06
0.30
Cash 117,843,000.000
;;lCommon Equity 118,878,000,000
ÍCurrent Liabilities to Eauity
1 ,Ï ?,;,

Cost of Goods Sold 756,000,000


Current Ratio
1 2.10

1
t
IDavs Sales Outstanding DSO 49.06
[Current Assets 22,020,000,000
[Days in Accounts Payable 148.92
[Current Liabilities 110,504,000,000
SJ H'l H « r I i i l 3u,«ssiori-5ÕÕiÒ322Ír v ' i irllûlllOÎ

Figura n° 7 - Alguns rácios disponíveis 19

' http://edgarscan.pwc.com

316
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

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ËdgarScan;V0 Benchmarking Assistant: A Java


Interface to the SEC EDGAR Database

Companies Graphs

[ÃB ^ l l T o t a l O p e r a t i n q Revenue -^J Previous 1 Next

|FY . 3 J 12000 ^ J | 7 _zi Years eiticãÍBai _3 A nimale |

1994 - 2000 Total Operating R evenue (millions $)

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20
Figura n° 8 - Evolução dos proveitos operacionais da Microsoft

O aproveitamento mais imediato dos agentes inteligentes poderá


passar pela sua utilização na pesquisa, recolha, comparação, acompa­
nhamento, ou mesmo análise de informação de cariz financeiro espa­
lhada desordenadamente na Internet.
Alguns autores, como por exemplo Sloman e Lanier (cit in
Baldwin e Williams 1999, 315), apontam alguns problemas relaciona­
dos com a utilização de agentes inteligentes. O primeiro prende­se
com a dificuldade em avaliar o seu desempenho e exactidão dos re­
sultados apresentados, conquanto não nos podemos esquecer que es­
tamos perante um software que tem por função procurar informação
numa base de dados imensurável ­ a Internet. Outro problema poderá
resultar do utilizador acreditar que o agente é capaz de desenvolver as

http://edgarscan.pwc.com

317
Revista Estudos do ISCAA

tarefas de forma mais eficiente, pois apesar de apresentar algumas das


mais modernas tecnologias, jamais poderá aplicar características tipi-
camente humanas, que resultam da própria evolução da espécie, como
por exemplo a intuição perante o risco e a incerteza, onde tantas vezes
a lógica falha. Por último, e independentemente das funções que lhes
são atribuídas, os agentes alimentam-se de informação, podendo ocor-
rer duas situações, igualmente perigosas: o poderem ser enganados
pela disponibilização, de forma anónima, de informação não fidedig-
na; e a possibilidade de quebrar leis relacionadas com a privacidade,
pesquisando dados confidenciais, aos quais apenas teve acesso por
uma falha de segurança.

Da síntese apresentada devemos reter o enorme potencial de


crescimento da Internet como meio de disseminação da informação
financeira. As duas ferramentas apresentadas, apesar de ainda se en-
contrarem em desenvolvimento, deixam antever um potencial impres-
sionante e cujo impacto na profissão de contabilista é ainda uma in-
cógnita, que apenas será revelada pela sua adopção. Apesar de admi-
tirmos que por vezes pode ser difícil a compreensão das suas vanta-
gens e objectivos, a verdade é que temos de aprender a compreende-
las e a utilizá-las. Nada nos garante que as ferramentas apresentadas
venham a ser bem sucedidas, estamos certos porém que, caso estas
ferramentas não sejam adoptadas, outras serão surgirão e muito prova-
velmente com mais potencialidades.

4. CONCLUSÕES

A Internet já nos mostrou que, no que respeita à sua capacidade


de evolução e inovação, nunca devemos dizer nunca. Por mais fértil
que seja a nossa imaginação estaremos sempre longe de poder prever o
futuro, quanto muito podemos traçar alguns cenários possíveis, mas
mesmo estes são difíceis sobre algo tão dinâmico e volátil como a In-
ternet.
A intensificação do uso da Internet como veículo privilegiado
para a disseminação da informação financeira tem vindo a alterar pro-

318
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

fundamente a forma e o conteúdo da informação financeira relatada,


sendo de admitir que num futuro relativamente próximo, com o de-
senvolvimento de novas tecnologias e adaptação dos utentes, conti-
nuemos a assistir a uma contínua migração dos relatórios para a Inter-
net, e muito provavelmente ao fim dos relatórios em suporte de papel.
Nalguns países como, por exemplo, Estados Unidos da América,
Canadá, Austrália e Alemanha, os organismos reguladores do mercado
ou as próprias bolsas obrigam, ou pelo menos incentivam, a que a in-
formação financeira seja fornecida em suporte electrónico para depois
21
ser colocada à disposição de interessados.
Em forma de síntese lembramos algumas das vantagens da In-
ternet no que se refere ao relato financeiros. Lymer (1997, 2) destaca
as seguintes:
> oferece uma solução de baixo custo;
> permite o acesso imediato à informação;
> permite um meio de comunicação de grande abrangência
geográfica para os relatórios;
> possui um potencial de actualização dinâmica;
> possui menos restrições na forma de apresentação;
> permite aceder a um maior volume de informação;
> facilita maior flexibilidade nos modelos de informação forne-
cidos;
> apresenta capacidade de entrega hipermédia; e
> possibilita a exportação de informação para posterior trata-
mento por parte do utilizador.

21
O exemplo de maior sucesso talvez seja o da SEC e do seu serviço Electronic
Data Gathering and Reporting (EDGAR). As empresas norte-americanas têm de
entregar a sua informação em suporte informático (texto e Standard Generalized
Markup Language), que será imediatamente disponibilizada no EDGAR, onde pode
ser utilizada interactivamente pelos utilizadores, graças à adopção do SGML e de
tags que identificam a informação relevante, (http://www.sec.gov/edgar)

319
Revista Estudos do ISCAA

Mas esta forma de relato financeiro também apresenta alguns


riscos potenciais, nomeadamente, no que respeita aos efeitos na audi-
toria, às questões legais que levanta e à divergência de práticas. Sobre
esta última, podemos com relativa facilidade encontrar empresas que
não relatam qualquer tipo de informação financeira, ou empresas que,
para além da informação contida no relatório em suporte papel, rela-
tam informação adicional e/ou disponibilizam ferramentas e outras
facilidades impossíveis no suporte tradicional. O FASB concluiu que o
uso da Internet (FASB 2000, ix) permite observar e avaliar as diferen-
ças entre as empresas.
Mas o utente não se serve apenas das relatório apresentado pela
empresa, num processo dinâmico procura toda a informação útil que
está ao seu alcance, tarefa que será sem dúvida facilitada pela utiliza-
ção quer do XBRL, quer de agentes inteligentes.
Por mais difícil que nos seja compreender a importância desta
viragem, temos de aceitar que caminhamos irreversivelmente para
uma nova era, marcada por desenvolvimentos tecnológicos com os
quais se calhar ainda não sonhamos. Compete-nos a nós enquanto pro-
fissionais assegurar um nível de excelência para a profissão, não só
adaptando-nos às mudanças, mas também aprendendo a anteve-las e a
liderar o ambiente em que ocorrem.
Compete-nos a nós como docentes preparar as gerações futuras
com um forte desenvolvimento teórico, que lhes permita encarar o
futuro com uma forte capacidade de raciocínio, sem dúvida a melhor
ferramenta que um profissional pode, em qualquer circunstância, dis-
por. Compete-nos preparar os futuros profissionais para agirem num
ambiente moldado pelas novas tecnologias, onde ensinar o que se fa-
zia à cinco anos atrás é manifestamente insuficiente, onde ignorar a
necessidade dos alunos se direcionarem para as áreas dos sistemas de
informação e tomada de decisão contribuirá para o seu insucesso ou,
pelo menos, para dificuldades acrescidas na sua afirmação profissional
e onde a incapacidade para antecipar o futuro pode revelar-se um si-
nónimo de ultrapassado.

320
Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

Não podemos deixar de referir que, em nossa opinião, os desen-


volvimentos tecnológicos jamais questionarão o mérito científico dos
docentes. No entanto, estes devem adaptar-se rapidamente às novas
tecnologias, que indubitavelmente irão ter impacto na forma de trans-
missão dos conhecimentos e no futuro da profissão.
No seguimento da nossa posição, para terminar deixam-se as
palavras de Warren Allen - Director da Comissão para a Educação do
International Federation of Accountants:

"There is an urgent need (...) to include far more IT related topics into the ac-
counting curriculum. (...) We are experiencing a most undesirable feature in many
countries at present were a majority of the students have far greater knowledge (pre-
dominantly self-taught) of IT matters than their teachers. (...) My experience is that
several tertiary institutions are eliminating the technical accounting subjects such as
taxation or auditing and stating these skills, if required, can be obtained post-tertiary
study. This process will need to be accelerated in the future as topics are dropped to
enable more appropriate ones (as determined by our stakeholders) to be included.
(Allen 1999, 3 e 5)

BIBLIOGRAFIA

ALLEN, Warren. 1999. The future of accounting education. Pacific Accounting


Review (Palmerston North) 11, n° 2 (Dezembro-Janeiro): 1-7.
BALDWIN, A. A., e S. L. M. Williams. 1999. The future of intelligent Internet
agents in European financial reporting. The European Accounting Review (Lon-
dres) 8, n° 2: 303-319.
CRAVEN, B. M., e MARSTON, C. L. 1999. Financial reporting on the Internet by
leading UK companies. The European Accounting Review (Londres) 8, n° 2: 321-
333.
FASB. 2000. Business reporting research project: Electronic distribution of busi-
ness reporting information. Connecticut: FASB.
HEDLIN, Pontus. 1999. The Internet as a vehicle for investor relations: the Swedish
case. The European Accounting Review (Londres) 8, n° 2: 373-381.
IASC. 1999a. Business reporting on the Internet. Londres: IASC.
LYMER, Andrew. 1997. The use of the Internet for Corporate Reporting - a dis-
cussion of the issues and survey of current usage in the UK. Journal of Financial
Information Systems, (Dezembro).

321
Revista Estudos do ISCAA

RODRIGUES, Lúcia L., e MENEZES, Carlos A. 2000. Relato financeiro na Internet:


estudo do caso português. Apresentado em congresso. VIII Congresso de Conta-
bilidade e Auditoria, Maio, Aveiro.
WATSON, Liv. A., M C G U I R E , Brian L. e COHEN, Eric E. 2000. The emerging
electronic business reporting language 'XBRL' has the potential to revolutionize
the world of business, http://www.xbrl.org (20/09/2000).

322
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

O LUCRO E A TRIBUTAÇÃO

ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA


PROF. CATEDRÁTICO DO I.S.E.G.

* Este reestudo é reformulação de outros anteriores e parcelares. Dedico-o ao Amigo


Professor Joaquim Cunha, com a estima de sempre e a admiração pela sua grandeza
de alma que lhe granjeou amigos nos que com ele colaboraram ou simplesmente
cruzaram na vida.
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

1. CONCEITOS DE LUCRO
2. DIFERENTES ACEPÇÕES TÉCNICAS DE LUCRO
3. EVOLUÇÃO; SÍNTESE CRÍTICA
4. DISSONÂNCIA ENTRE LUCRO CONTABILÍSTICO E LUCRO FISCAL
(SÍNTESE)
5. A PROBLEMÁTICA DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS
5.1. TERÁ A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS DE ASSENTAR EM LUCROS?
5.2. CONFRONTOS ENTRE A TRIBUTAÇÃO DA EMPRESA NA BASE DO
LUCRO OU NA BASE DA PRODUÇÃO OU VALOR ACRESCENTADO
5.3. DIFICULDADES DE TRIBUTAÇÃO DO LUCRO PERANTE A SUA
VARIABILIDADE E MANIPULAÇÃO
5.4. A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO LUCRO É UTOPIA? DONDE,
MENOS JUSTA?
5.5. ABANDONAR A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO? OU ACOMPANHÁ-LA DE
OPÇÃO SUPLETIVA?
5.6. A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO E A TRIBUTAÇÃO POR OUTROS
INDICADORES

324
O Lucro e a Tributação

1. CONCEITOS DE LUCRO

A palavra lucro, cujo étimo latino é lucrum, significa,


correntemente, ganho, benefício, interesse, utilidade.
Tempos houve em que se combateu e anatematizou-se o lucro.
Invocava-se que ele resultava de uma apropriação indevida por parte
dos titulares do capital, da mais-valia que os trabalhadores
incorporavam nos produtos que as empresas colocavam no mercado.
Hoje, claramente, aceita-se, no campo da economia, que o lucro
é a remuneração do empresário. Explicar, todavia, com certo rigor
analítico, o lucro e a sua fundamentação não se tem revelado tarefa
fácil. Um espírito inquieto, um moralista, um teólogo, um cientista,
um profissional de direito ou de economia que procure dar resposta à
interrogação - o que é o lucro ? - depara com dificuldades.
Nas disciplinas de Gestão quando se fala de lucro quere-se
designar o acréscimo de valor operado no património da "entidade"
que se encontra no exercício de dada actividade económica; ou de
outro modo equivalente: lucro é o acréscimo, expresso em termos
monetários, após a realização de determinados actos económicos que
implicaram dada soma de custos, propiciando correspondentes
proveitos (se, pelo contrário, surge decréscimo, ter-se-á prejuízo, em
vez de lucro).
No exercício de qualquer actividade económica há que realizar
inúmeras operações (compra, produção, venda,...) que logicamente
ocasionam acções gestivas, variações patrimoniais e inerentes
relevações contabilísticas. Numa gestão continuada, sob
constrangimentos diversos, inclusive normatividade legal, impõem-se
juízos económicos que hão-de ser suficientemente criteriosos, de
modo a poder informar-se, validamente, sobre o lucro alcançado.
Quando o valor atribuído aos bens alcançados pelas acções ou
operações desenvolvidas excede o dos bens com as mesmas
despendido alcança-se um lucro. Esta enunciação revela-se lógica e,
aritmeticamente, estará exacta. Porém, assenta nas valorizações

325
Revista Estudos dos l.S.C.A.A.

atribuídas aos elementos que geraram a soma algébrica que


operacionalmente constituirá o lucro.
Utilizam-se capitais próprios e ou alheios e realizam-se as
sucessivas operações de gestão directamente ou através de outrem
(quadros, consultores, trabalhadores). Pode, assim, suceder que o
excedente (lucro) desapareça ou se reduza se acaso o empresário,
considerando condicionalismos, nomeadamente legais, entender que a
sua actividade deve ser contabilizada não a título de lucro (excedente)
mas de salário ou entender que os capitais sejam postos a render juros
na empresa como se fossem de terceiros (configurando-os como
capitais de terceiros). Também pode entender-se que certos riscos dos
negócios se configurem como custos a título de prémios a pagar a
seguradores que assumam tais riscos, e quanto a meios de produção
pode decidir-se utilizar bens de terceiros a quem se pagarão rendas,
alugueres e royalties ...
Teoricamente, é tão admissível contabilizar a título de custos
uma pré-remuneração ao capital (capital e reservas) como ratear de
vários modos ou por vários entes (fisco, dirigentes, trabalhadores,
clientes (!), etc.) o excedente dos proveitos sobre os custos.
Prosseguindo considerações indica-se que o lucro tem
tendências para fragmentações novas. A figura tradicional do
empresário hoje revela-se cindida. Apareceram gestores-tecnocratas
que coordenam os meios de gestão das empresas. Quase sempre não
são titulares dos capitais pelo que não assumem assim riscos inerentes.
Aliás, os riscos, actualmente, estão restringidos por modalidades
jurídicas da sociedade de responsabilidade limitada sob as quais se
movem a maior parte das empresas.
Também as possibilidades de formulação de contratos de seguro
conduzem a transferir riscos. É certo que com seguros tradicionais e
agora com as "opções" e os "futuros" os empresários podem
minimizar seus riscos, eventualmente aumentando seus custos e
reduzindo o lucro líquido.
Preocupações inversas de minimização de custos também
ocorrem. Por exemplo, tenta-se reduzir empates de capital, derivando

326
O Lucro e a Tributação

daí menores custos financeiros, efectivos ou figurativos. Busca-se


aumentar vendas a dinheiro ou mobilizar os créditos de vendas
efectuadas. Ou, então, reduzem-se saldos de dívidas a receber
transferindo para outrem mais especializado as operações de
processamento de cobranças. Outro campo de actuação respeita à
redução de stocks (stock zero; just in time). Outra opção é não adquirir
imobilizações, utilizando bens em locação - aluguer e arrendamento.
Com tudo isto, o activo das respectivas empresas tende para
zero. Daí também o passivo e o capital próprio tenderem igualmente
para zero.
A banca hoje assume maior papel no financiamento das
empresas não pelo crédito que directamente lhes concede mas pela
intervenção na criação de meios de lhes fazer chegar o crédito
necessário, com base em esquemas de mobilização dos activos das
empresas e da utilização de poupanças de outros a quem confere
direitos a esses activos (titularização dos créditos, ...).
Os Estados, frequentemente, chamam a si, a título de impostos,
parte dos excedentes gerados nas empresas, sendo, obviamente,
afectados em casos de ocorrência de prejuízos. E atribuem prémios,
subsídios, incentivos fiscais, etc. .

2. DIFERENTES ACEPÇÕES TÉCNICAS DE LUCRO

O lucro que em regra se determina em cada período de gestão


(lucro contabilístico) corresponde à subtracção aos proveitos dos
custos relativos aos "consumos" ou gastos imputáveis a esse período,
quer provenientes de dispêndios nele efectuados, quer relativos a
quotas de custos plurianuais.
Em muitos cálculos económicos, de acordo com critérios pre-
definidos, incluem-se em custos não só despesas já processadas e
consumos de bens utilizados mas também despesas futuras de
ocorrência provável e, porventura, remunerações figurativamente
arbitradas quer a título de «juros» ao capital próprio investido quer
como «salário» devido ao papel de direcção e de coordenação

327
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

empresarial (lucro puro).


Por vezes, o lucro é calculado com base em definições legais e
até em cláusulas estatutárias. É frequente estipular retiradas ao lucro
líquido do exercício. As verbas respectivas suscitam dúvidas se, em
substância, são de encarar como «retiradas de lucros» ou,
inversamente, como «custos de exercício».
Hoje pretende-se que a normalização das regras de contabilidade
seja feita por especialistas, de modo a evitar formalizações legais fora
de sãos princípios contabilísticos. Todavia, a doutrina contabilística
tradicional repudia toda e qualquer inclusão de gastos figurativos (que
são custos de oportunidade) nos cálculos de custos. Ora, para uma
apreciação conveniente dos problemas dos preços e custos (e lucros)
não deve deixar de se ter em conta juros do capital próprio, pois, de
contrário, poder-se-á chegar a conclusões diferentes da realidade ao
comparar "custos completos" de empresas congéneres dispondo de
diferente estrutura de financiamento. E a mesma disparidade surgirá
ao comparar custos de empresas onde os proprietários-empresários
têm remuneração (de trabalho) específica e custos de empresas onde
os empresários só beneficiam de ganhos decorrentes do resultado do
exercício.
Para conveniente formulação de diferenciações entre possíveis
configurações de cálculos feitos por economistas e contabilistas1,
vamos encarar diferentes casos possíveis de lucros (ou prejuízos), com
base nos seguintes modelos esquemáticos:

i) Preço de venda efectivo > Preço normal de venda (o que


permite ao empresário recuperar todos os gastos efectivos
com carácter normal, isto é, o chamado custo económico-
técnico).

Com isto não quer dizer-se que os economistas não são contabilistas ou vice-versa
e muito menos que se justificam essas diferenciações profissionais. Apenas se quer
anotar o que usualmente temos encontrado nas nossas vivências profissionais. Aliás,
é aceitável falar de "economistas de empresa" e de "economistas teóricos". É difícil
teorizar aspectos tão pragmáticos ...

328
O Lucro e a Tributação

Os "economistas" dirão que há um lucro puro.

P.v. eject. - c. econ. técn = lucro puro.

Os "contabilistas" preferirão dizer que há lucro elevado,


anormal.

ii) Preço de venda efectivo = Preço de venda normal:

Economistas - não há lucro.

P.v. eject. - c. econ. técnico = 0.

Contabilistas - lucro normal.

P.v. eject. - c. comercial lucro ejectivo normal.

(Lucro suficiente para remunerar devidamente o empresário)

iii) Preço de venda efectivo < Preço de venda normal:

Economistas - há prejuízo.

P.v. eject - c. econ. técnico < 0.

Contabilistas - encaram o resultado mais


discriminadamente. Assim, apreciam as seguintes
hipóteses:

P.v. ejectivo - c. comercial > 0

Lucro reduzido, insuficiente para uma remuneração


adequada do trabalho despendido pelo empresário, capital

329
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

empatado e risco do empreendimento.

P. v. efectivo - c. comercial = 0

Não há lucro nem prejuízo.

P. v. efectivo - c. comercial < 0

Há prejuízo; o resultado efectivo da actividade é negativo.


Ainda assim, neste caso, pode ser preferível a empresa
continuar a produzir e a vender aguardando alterações da
conjuntura. Interessa observar se há ou não cobertura de
gastos fixos (custo total = gastos fixos + gastos variáveis).

Ter-se-á então ou:

P. v. efectivo - c. variável> 0

(a empresa perde, mas cobre parte dos custos fixos, pelo


que terá momentaneamente, mais interesse em trabalhar
do que em estar parada),
ou:
P.v. efectivo - c. variável= 0

(a empresa, mesmo trabalhando, não cobre qualquer


parcela dos custos fixos. A menos que espere qualquer
modificação da conjuntura, deverá parar a produção),
ou:
P.v. efectivo -c. variável < 0

(a empresa perde mais mantendo-se em actividade do que


estando parada. Deve cessar imediatamente a produção a
fim de evitar a acumulação de prejuízos (terá de
reorganizar-se, mudar de produção ou, se não houver outra

330
O Lucro e a Tributação

alternativa, caminhar para a liquidação)).

Convém também chamar particularmente a atenção para o facto


de frequentemente se usar em similitude as noções de margem bruta e
lucro bruto e de margem líquida e lucro líquido. Ora, deve ter-se
presente que as noções lucro bruto e lucro líquido surgem de esquema
de contabilização a "custos totais".
Quando se processam esquemas de contabilização a «custos
variáveis» já deve falar-se, preferivelmente, de margens e não de
lucros. A propósito, acentua-se que a margem líquida global de
idêntico período só corresponderá ao lucro líquido global do mesmo
período se não passarem stocks de produtos de um período a outro ou
se houver coincidência entre as quantidades físicas das produções no
início e fim de cada período de gestão, mantendo-se constantes as
despesas que geram custos, o que são coincidências difíceis de
ocorrer.
O lucro bruto é dado pela diferença entre o montante das vendas
e um custo total, embora incompleto (custo total industrial = custo das
matérias, mão-de-obra e gastos gerais de fabrico).
0 lucro líquido é a diferença entre as vendas e o custo total
comercial ou complexivo, englobando-se neste, além do custo
industrial, todos os gastos de venda e os gastos gerais administrativos.
Entre os conceitos extremos de lucro bruto e de lucro líquido
depara-se com muitos outros (fala-se de lucro ilíquido de despesas de
venda, de lucro de exploração, de lucro bruto deduzido ou não de
gastos gerais departamentais, de lucro líquido ante e pós-impostos,
etc.).

3. EVOLUÇÃO; SÍNTESE CRÍTICA

Em nossa dissertação de doutoramento, sob o título


Normalização Contabilística2, já então se acentuava que as matérias
contabilísticas em geral deveriam encarar-se na sua
2
Ed. Livraria Arnado, 1984.

331
Revista Estudos dos 1.S.C.A.A.

multidimensionalidade. Com efeito, depara-se com a necessidade de o


lucro se apurar de modos multifacetados que se revelem úteis - brutos
ou líquidos, previsionais ou históricos, departamentais, de período, de
actividade, de área, de produto, etc., etc .
E igualmente temos assinalado que os princípios contabilísticos,
critérios de valorimetria e métodos de custeio geralmente
apresentados, designadamente no POC, seguem orientações de cunho
predominantemente patrimonialista, opção que não é de aplaudir. Isto
porque se os princípios e critérios estão subordinados às finalidades do
balanço aparecerão subalternizados nos apuramentos dos custos e
proveitos de exercício.
Na verdade, há que proceder a estudos de normalização que
corrijam e desenvolvam princípios básicos relativos ao apuramento
dos resultados, de modo a impedir demasiada fluidez nos respectivos
cálculos e, ao mesmo tempo, acentuar a complementaridade dos
sucessivos exercícios económicos. Importaria considerar a temática
dos princípios relativos aos resultados, predefinindo mesmo o conceito
de lucro.
Explicamos essas necessidades e tratamos esses assuntos em
numerosos trabalhos nossos.
Há também que questionar se o lucro contabilístico geralmente
apurado é um lucro real e um lucro conceitualmente correcto e
também se um lucro apelidado de fiscal será um lucro em sentido
próprio do termo. Por um lado, porque a fiscalidade procura assentar
no lucro contabilístico e, por outro, porque, contraditoriamente, afasta-
-se dele.
O Código do IRC no artigo 17° indica que "o lucro tributável ...
(é) determinado com base na contabilidade e eventualmente corrigido
nos termos do Código". Porém, o artigo 41° do mesmo Código
contrapõe, entre o mais, que 20% de custos a título de ajudas de custo
são parcela de lucro e que despesas de representação e encargos
relacionados com viaturas ligeiras... são tributadas autonomamente a
uma taxa de 6,4% ... . E, em contrário, opta-se também por regras a
beneficiar empresas que praticam certos tipos de custos, aceitando se

332
O Lucro e a Tributação

deduzam, fiscalmente, custos em montante superior ao dispendido e


contabilizado - citam-se os casos de numerosos donativos que são
aceitas em 150, 140, 130, 120, 110% do gasto envolvido (cf. agora,
Estatuto do Mecenato). Nestes termos, tem de concluir-se que o lucro
fiscal é algo que quantitativa e qualitativamente se afasta do lucro que
pelas regras de contabilidade se terá apurado previamente.
De outro modo, também convirá observar que o lucro
contabilístico que se apura por exercícios económicos e de acordo com
princípios convencionalmente estabelecidos poderá conter erros. E
pode até apresentar-se com expressão inadequada. É que, além de
assentar em princípios convencionais e alguns em contraposição aos
outros, utiliza critérios que, mesmo quando legalmente estabelecidos,
não se configuram sempre como únicos e sim como alternativos.
O princípio da prudência é um exemplo acabado de ilogismo
contabilístico, com fundamentos empíricos inspirados em ideias
conservadoras; o princípio do custo histórico, por seu turno, é objecto
de fortes contestações, umas invocando as frequentes variações nos
preços e do próprio padrão monetário e outras acentuando valores
reais aparecidos não por aquisições e sim fruto de critérios de gestão.
A boa produção ou serviço, a reputação de marcas, o crescimento da
clientela, a coesão da equipa da gestão, etc., etc. são exemplos de
valores que cada vez mais se querem meter nos patrimónios e nos
apuramentos directos ou indirectos de custos e proveitos.
Se bem que actuais opções se filiem em propósitos justificáveis
resultam, todavia, muitas vezes, de acções de oportunismo ou opções
interesseiras.
O princípio da uniformidade é frequentemente ressalvado com
argumentos assentes em particularismos pontuais, com invocações de
modernidade ou particularismos circunstanciais; por último, notar-se-á
que os princípios da substância sobre a forma e da materialidade
estão consignados no POC mas podiam não estar pois o bom-senso e a
boa-fé não favoreceriam opções diferentes, considerando que forma
falseada não invalida a substância real.

333
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

Até o próprio princípio da especialização dos exercícios


começa a apresentar-se sob práticas menos consistentes. Cada vez
repugna menos aos técnicos de contabilidade tomar prejuízos como
activos. É o caso de insucessos e erros, que muitos vêm sublinhando
como formas primeiras e úteis de encontrar os bons caminhos. Há
teses no sentido de considerar como Activo (Imposto Diferido Activo)
parcelas de perdas sofridas, sob o pressuposto de que por isso em anos
futuros se pagará menos imposto.
Encontram-se critérios orientados por regras aprioristicamente
reputadas adequadas (sãos princípios) mas, em contrário, há quem
conclua que os técnicos da contabilidade devem perfilhar aqueles
comportamentos ou práticas que geralmente são os adoptados
(princípios geralmente aceites).
Assim, seguem-se comummente procedimentos ("princípios
geralmente aceites) que se afastam dos "sãos princípios". É o caso das
já típicas reavaliações livres, das contabilizações a justo valor, dos
apuramentos de impostos diferidos (activos e passivos). Tudo isto a
acrescer diversidades, algo confusamente, algo contraditoriamente.
Receia-se, assim, que por interesses ou vantagens fundadas em
maus motivos se estejam a gerar abandonos dos chamados "sãos e
tradicionais princípios", conduzindo à integração contabilística de
elementos que dantes não se aceitariam, quer nos cômputos dos
custos, proveitos e resultados, quer nos do património.
Na verdade, há teorias modernas a propugnar que, por exemplo,
se conte hoje com valores que dantes se encaravam como meras
potencialidades. Estas tendências actuais correlacionam-se com a
relevância que passou a ter o virtual perante o real. Assim,
predominam agora nos activos das empresas, virtualidades ou valores
futuros, diferenças entre custos de bens adquiridos e valores que com
eles se poderão obter, calculando probabilidades dessas obtenções.
Se a formulação de juízos tradicionais pessimistas não era
científica, a tendência actual inversa também não o será. Qual o
melhor? Qual terá menos efeitos futuros perversos?
Questões como as afloradas suscitam-nos interrogações quando

334
O Lucro e a Tributação

se vê a persistência com que se pretende tributar as empresas na base


do lucro, sabendo-se que esse "lucro fiscal" está manifestamente longe
da realidade.

4. DISSONÂNCIA ENTRE LUCRO CONTABILÍSTICO E


L U C R O FISCAL (SÍNTESE)

Como se explica em 3. supra, pretende-se tributar as empresas


pelo lucro, mas o que fiscalmente é tomado como lucro não traduz a
realidade.
Como lucros ou juntamente com os lucros estão a tributar-se
parcelas que não o são - casos de custos efectivamente suportados (e
até de proveitos alcançados) e não aceites fiscalmente. Por outro lado,
verifica-se que o lucro que, conceitualmente, corresponde à diferença
entre proveitos e custos deixou de ser real na medida em que no seu
cômputo se omitem proveitos (e ou ganhos) e, subtractivamente,
configuram-se custos (e ou perdas) que não são verdadeiros.
Comprovado assim que o lucro declarado para efeitos fiscais não
é muitas vezes o "real", surgem de novo vozes a sugerir métodos de
tributação que divergem do baseado no lucro declarado. Nós próprios
perfilhamos propostas de tributação das empresas em base distinta da
dos lucros, ou, preferivelmente, propostas que mantenham a tributação
pelo lucro mas com alternativa de imposto (mínimo), se lucro não
houver ou for diminuto.
A fluidez do lucro, as dificuldades do seu cômputo, a sua
insuficiente expressividade e natureza residual, a fácil manipulação e
sujeição a flutuações e a desvios erráticos levam a algum cepticismo.
A agravar, no caso português, existe ainda uma questão essencial: a
Constituição da República, estabelece (na revisão de 1997 mas aliás
como dantes) que "a tributação das empresas incidirá
fundamentalmente sobre o seu rendimento real" (cf. art. 104° n° 2).
O certo é que uma tributação dita do rendimento real não
equivale a uma tributação do rendimento declarado na medida em que
é frequente a não coincidência entre o real e o que os contribuintes

335
Revista Estudos dos l.S.C.A.A.

declaram. E assim favorecem-se os contribuintes que optam por


declarar rendimentos líquidos inferiores ao real.
Toda a gente sabe que essas declarações inexactas são muito
comuns, patenteando-se riqueza e nível de vida em notória
incompatibilidade com rendimentos declarados.
Em face de movimentos de integração económica internacional,
reconhece-se que actualmente são maiores as dificuldades de recurso
a soluções tributárias novas. Não podem minimizar-se efeitos de
acordos bilaterais celebrados, de directrizes comunitárias, de regras
normalizadoras. Há que acompanhar opções assumidas em outros
países.
O sistema fiscal português vem assimilando o dos demais países
de economia do tipo, digamos, ocidental. Vive-se num mundo cheio
de complexas teias de tal modo e como já temos dito a fiscalidade
possível não será a desejável, ou seja, a que melhor satisfaria o anseio
de justiça social e da dotação do Estado com as receitas convenientes.

5. A PROBLEMÁTICA DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS

5.1. TERÁ A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS DE ASSENTAR EM


LUCROS?

Há quem responda afirmativamente e de modo irreticente


invocando que a Constituição da República se opõe a que se possa
optar diferentemente.
Colocamo-nos noutro plano - a Constituição da República é feita
pelo Povo (através dos seus representantes eleitos) e para o Povo
(através das mensagens que são transmitidas aos seus eleitos e de
acordo com as formas de captação que estes fazem das ditas
mensagens e pelas formas com que as fazem realizar).
Refere a Constituição da República que no povo reside a
soberania e ele a exerce segundo as formas nela previstas (cf. seu art.
3 o n° 1). E a própria Constituição prevê a sua revisão, actualização nos
termos que dispõe nos artigos 284° e segs.

336
O Lucro e a Tributação

Posto isto, irá prosseguir-se assinalando mais o seguinte:


conceitualmente as empresas não são entes fruidores de rendimento e
sim unidades de produção de bens e prestação de serviços, nele
participam dirigentes e colaboradores e se congregam capitais,
equipamentos, tecnologias e outros recursos e aprovisionamentos, com
vista à satisfação de necessidades de seus clientes.
As empresas surgem assim como entes intermediários que, ao
cumprirem a sua missão e objectivos de produção e venda de bens e
serviços, vão gerar impactes sobre pessoas, entidades diversas e a
sociedade em geral.
Ao dizer que as empresas são entes intermédios quere-se relevar
em especial que por detrás das empresas estão sempre pessoas, ou
seja, as empresas são entes sem fins próprios últimos, os quais estão
nas pessoas físicas que detêm o poder empresarial. Porém,
juridicamente, as empresas personificam-se. E, sociologicamente,
também são encaradas como entes reais, dotados de querer e com
objecto próprio.
Porém, no fundo, as empresas não passam de conjuntos de
pessoas em relações diversas, umas, actuando internamente, no seio
das empresas, outras, actuando no interior e no exterior, sujeitas a
constrangimentos advindos de outros agentes internos e também do
meio onde a empresa se insere e actua.
Usando linguagem da teoria sistémica, dir-se-á que na entidade
empresa umas pessoas interagem dentro do subsistema da empresa
(sistema fechado) e outras actuam dentro e fora desse subsistema, em
inter-relação com outros subsistemas e sistema geral.
Prosseguindo estas ordens de ideias, conclui-se que, sendo a
empresa uma unidade com objectivos de produção, onde se
congregam pessoas que a elas prestam capitais, direcção, trabalho,
equipamentos, materiais, tecnologias, know-how, etc., resultará, da
actividade da empresa, ou seja, do conjunto de inputs e outputs, nela
ocorridos, a maximização do seu próprio valor ou, eventualmente,
redução de valor, não desejável.

337
Revista Estudos dos [.S.C.A.A.

A teoria financeira actual refere que o objectivo da empresa é a


maximização do valor para os sócios, o que se considera visão
acanhada, embora não se deva, todavia, deixar de estar de acordo
quanto à ideia de que na empresa se maximizam valores, isto é,
geram-se ganhos, ganhos não propriamente para a empresa (ente
intermédio) e sim para os destinatários últimos de tais ganhos.
Assim entendendo, aos que objectam que a empresa nem sempre
distribui (todos os) lucros que apura, referir-se-á que, ainda assim, a
maximização do valor que ocorre na empresa não significa, de facto,
que tal acréscimo seja desde logo entregue aos destinatários eleitos
para o receber. Mas há-de-o ser, acaso não se perca ... Porém, mesmo
não estando o valor maximizado entregue (a sócios e outros), os
acréscimos de valor gerados revertem a favor dessas pessoas.
Obviamente que enquanto os acréscimos de valor não forem
totalmente atribuídos, esses acréscimos não podem ou não devem ser
tributados nas pessoas que virão a beneficiar das ditas valorizações,
enquanto a elas não forem atribuídos, enquanto não se evidenciarem
como rendimentos, de categorias diversas possíveis, incluindo mais-
-valias (realizadas). Explicando casos especiais - de mais-valias e
outros eventuais ganhos realizados - anote-se: se um dado sócio cede
posição social e aufere ganho nessa cedência (mais-valia) deve haver
aí competente tributação; se um dirigente ou um trabalhador cessa sua
colaboração e vem auferir ganho por essa cessação, surge aí mais um
rendimento susceptível de consideração para efeitos do imposto.
Com o que atrás se expõe não se pretende retirar à empresa a sua
categoria de sujeito do imposto. Longe disso. Entende-se mesmo que a
empresa é um ente tributário por excelência. Aliás, não só como
contribuinte mas também por ser centro de eventos fiscais diversos.
Mas não se pretende ver a empresa tributada em rendimentos porque
ela é, sobretudo, uma entidade de produção que aufere o valor da sua
produção, isto é, em rigor, o seu valor acrescentado. Diz-se que não
aufere rendimentos porque não os frui e tal fruição não se
compatibiliza com seu objectivo. Quem frui rendimentos são os
"participantes" na empresa a quem ela atribui os ditos rendimentos ou

338
O Lucro e a Tributação

gera valorizações que se verterão, mais tarde ou mais cedo, em


ganhos. Ora, em imposto sobre o rendimento os entes a tributar serão
os efectivos fruidores do dito rendimento.
Das empresas advirão numerosas prestações de declarações para
efeitos fiscais e retenções na fonte. Sem as empresas e seus
colaboradores a Administração Fiscal dificilmente atinge seus
objectivos de obtenção de receita. Perderia controlos, eficácia e
eficiência.
As empresas realizam transacções - compras, vendas,
prestações de serviços - e atribuem remunerações pelos factores de
produção que dirigentes, trabalhadores, financiadores lhes propiciam.
Nas empresas geram-se fluxos de entradas e saídas de bens ou valores
diversos - matérias, produtos, mercadorias, custos, proveitos, receitas,
despesas, recebimentos e pagamentos.
A empresa deve ser sujeito de imposto, não de imposto sobre o
rendimento, pois não frui este, e, sim, de outros impostos, em
resultado de suas actividades:
- impostos sobre transacções como é o caso do IVA e dos
impostos sobre consumos específicos em que as empresas
serão sujeitos passivos mas não contribuintes de facto, dado
que se trata de impostos repercutíveis.
- impostos sobre a sua produção ou valor acrescentado (e não
imposto sobre o rendimento) e .
- imposto geral sobre o património; os patrimónios hoje
aparecem quase todos integrados, de um modo ou de outro,
nas empresas; as dificuldades que actualmente se levantam ao
imposto sucessório e a outros impostos tradicionais
relacionados com o património, conduzem a sugestões de
3
Considerando que os fruidores dos rendimentos são as entidades a quem as
empresas remuneram - os titulares dos factores trabalho, direcção, capital, etc. (as
unidades de consumo).
4
Aliás, em Portugal e demais países da União Europeia e ainda em outros há, como
se sabe, tributação relativa ao valor acrescentado, mas como imposto indirecto e
repercutível nos consumidores dos bens. O caminho de tributação de valor
acrescentado que se aponta é diferente.

339
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

tributação na base dos patrimónios constantes da contabilidade


das empresas.
- imposto anti-poluição ou taxas anti-poluição: a acuidade desta
questão tem de ser urgentemente ponderada na perspectiva
fiscal.

Nos começos de década de setenta defendíamos já estas


posições. Considera-se que hoje haverá mais amadurecimento para
eventual meditação sobre estas perspectivas de doutrinação fiscal. Não
se crê, todavia, que seja fácil a viabilização do exposto nem se pensa
que estas ideias tenham adesão suficiente. As soluções fiscais a
aconselhar devem ser realistas, isto é, possíveis de realizar e
operacionalizar.

5.2. CONFRONTOS ENTRE A TRIBUTAÇÃO DA EMPRESA NA


BASE DO LUCRO OU NA BASE DA PRODUÇÃO OU VALOR
ACRESCENTADO

São as empresas entes sociais e jurídicos que congregam


capitais, trabalho, esforço de direcção, transformando matérias,
comercializando mercadorias, prestando serviços.
Por detrás das empresas estão as pessoas físicas que as
constituem e se bem que juridicamente se formulem diferenciações,
em última análise, são os detentores dos meios de acção da empresa -
capital, direcção e trabalho - os beneficiários dos seus sucessos (ou
dos seus insucessos, em caso de inadequada ou infeliz actuação).
A empresa, em especial a societária, constitui uma realidade
social juridicamente diferenciada das pessoas que dela detêm a
propriedade ou o capital social ou que nela trabalham. É a empresa um
ente dotado de personalidade jurídica e de capacidade para agir
autónoma e independentemente, com património, personalidade,
vontade, nome próprio, etc.

340
O Lucro e a Tributação

Não obstante, há quem acentue que o aparecimento do ente


intermédio "empresa" acarreta tributações sucessivas ou duplicadas
dos mesmos ganhos, das mesmas realidades económicas.
E, em seguimento, concluem que a solução da tributação do
ganho na empresa societária e depois nos sócios (quando distribuídos)
não é equitativa5 , considerando que há situações de exclusão de
tributação ou de inexistência do ente intermediário "empresa
societária".
Claro que a estas ordens de ideias se podem contrapor outras,
designadamente:
- a da distinta personalidade jurídica da sociedade e dos sócios;
- o facto de os impostos sobre os lucros das sociedades se
contabilizarem nestas como mais um encargo que nelas se
difunde ou traslada, algo imprecisamente, por clientes,
trabalhadores, sócios, financiadores, fornecedores, etc.;
- o lucro ser realidade com autonomia formal e conceituai,
realidade que, embora residual, surge devido à existência de
organização, quer específica da empresa, quer do meio
económico, político e social em que a mesma actua, tudo a
gerar fundamentação para a tributação do lucro empresarial.

Acontece que os impostos sobre os lucros das sociedades têm


atingido tal monta que dificilmente se poderia prescindir deles nos
actuais orçamentos do Estado e autarquias locais. O abandono desta
tributação haveria que ocasionar o aparecimento de imposto
substitutivo. Ademais, a tributação das empresas tem contribuído para
o aperfeiçoamento do controlo da Administração Fiscal e é fonte de
informação estatística útil, favorecendo instrumentalidade gestiva.
A existência do imposto sobre os lucros e dos seus meios de
controlo específicos tornou mais fácil ao Estado controlar, liquidar e
arrecadar os demais impostos sobre outras categorias de rendimentos
ou sobre despesas, transacções ou transmissões de patrimónios.

5
Entende-se não dever falar de "dupla tributação" pois os sujeitos jurídicos são
distintos - há assim apenas tributação repetida (em sujeitos distintos).

341
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

A tributação sucessiva na sociedade e nos sócios não é


fenómeno negligenciável, não só no campo dos princípios mas
também no da política e técnica fiscal. Por isso, convirá apreciar
conjuntamente a tributação das empresas pela obtenção de lucros e a
dos sócios pela atribuição dos dividendos. Ora, no Sistema Fiscal
Português, ponderada a existência da tributação sucessiva, procura-se
minorar os seus efeitos. Assim, há tributação menor - nos sócios -
sobre as atribuições de dividendos em relação às atribuições de juros a
sócios. E, no caso de sociedades de gestão de títulos próprios, há
deduções específicas que visam evitar ou atenuar as tributações
derivadas de participações financeiras sucessivas.
Nas actividades comerciais ou industriais, a forma societária
impõe-se não só porque é a mais exigente da actuações conjugadas, de
coesão de esforços e de maior abundância de capitais, como também é
aquela em que o carácter institucional mais se justifica (até porque a
obtenção de compensações para os capitais utilizados e esforços
dispendidos exigem geralmente prazos mais longos). Nessas
actividades é onde mais abundam gastos plurianuais sem
corporizações e onde mais frequentemente se trabalha com
equipamentos de utilização por sucessivos anos, onde a consolidação
da clientela, da experiência, do "know-how" ao longo dos anos tem
mais relevo.
No caso de se pretenderem formular comparações da tributação
nos diversos países, há que ponderar as diferenciações existentes nas
formas de tributação dos ganhos das sociedades, designadamente as
derivadas de diferentes estruturas e regimes. De contrário, adulteram-
-se quaisquer comparações.
Basta pensar nos esquemas de tratamento dos custos e proveitos
do exercício, diferentes de país para país. Os benefícios ao
reinvestimento, as quotas e os critérios de amortização dos
imobilizados, das aceitações a título de custos e em termos de acção
social, donativos, provisões, a valorimetria dos stocks, as práticas ou
não de fraude, etc. Esquemas e regras, procedimentos e
comportamentos divergem de país para país.

342
O Lucro e a Tributação

Todos estes factores alteram, na prática, as taxas nominais de


imposto indicadas nos textos legais.
Por outro lado, as contraprestações que genericamente em cada
Estado são asseguradas aos contribuintes também divergem de um
país para outro. Uma empresa que actue em país mais desenvolvido
aufere as vantagens da melhor preparação cultural e maiores aptidões
dos cidadãos, usufrui dos benefícios da maior eficiência e melhor
funcionamento das instituições existentes e dos investimentos
públicos que nesses países existem. Um país que suporta gravames ou
encargos por virtude de situações de insegurança ou de guerras está
desfavorecido, pois assim as receitas fiscais terão de ser mais
elevadas.
Embora considerando a impossibilidade de se prescindir em
Portugal dos impostos sobre os lucros das empresas, seria, porventura,
vantajoso que os estudiosos da Fiscalidade ponderassem as
consequências, os prós e contras da substituição daquela fórmula
tributária por outra, por exemplo, com base na sua produção ou valor
acrescentado.
Acontece, porém, que hoje em dia, em face dos movimentos de
integração económica internacional, a ocorrência de diferenciações
tributárias considera-se fonte de perturbação, concorrência desleal.
Pensa-se que a globalização empurrará para a busca de harmonizações,
estabelecendo-se convenções, directivas comunitárias e acordos
internacionais no referido sentido.

5.3. DIFICULDADES DE TRIBUTAÇÃO DO LUCRO PERANTE A


SUA VARIABILIDADE E MANIPULAÇÃO 6

A tributação com base no lucro tem contra si o facto de a


grandeza "lucro" se manifestar extremamente flexível, podendo variar
em função de factores dos mais variados, entre os quais se podem
destacar os seguintes:

6
Compilações de estudo apresentado pela primeira vez in A TRIBUTAÇÃO DO
LUCRO REAL, Ia ed., Ática, 1965.

343
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

1) próprio conceito de lucro (e a sua evolução, de acordo com as


correntes de pensamento económico e social); a natureza cada
vez mais residual que assume a grandeza lucro 7.
2) As variedades de noções e de significados económicos e
contabilísticos de lucro.
- lucro bruto, lucro líquido. Lucro puro, lucro de tesouraria;
lucro por função - compras, fabrico, vendas;
lucro por produto, lucro por sector;
lucro orgânico e lucros inorgânicos;
lucros ordinários e lucros extraordinários, acidentais,
conjunturais;
lucro de gestão e lucro de capital ou mais-valias;
lucro normal e lucro não normal (v.g. resultados de
empresas que actuam em condições deficientes ou em
regime de privilégios);
lucro expurgado de custos de inactividade;
3) A possível inconstância do lucro perante as sucessivas
conjunturas e as mudanças de carácter estrutural ou de
institutos jurídicos relacionados com o lucro.
4) A natureza periódica do cálculo do lucro, contrastante com a
natureza continuada da gestão ou da actividade lucrativa
exercida; nem sempre se faz (e nem sempre é possível fazer,
dada a íntima conexão dos diversos exercícios) uma perfeita
periodização do custo e proveitos.
E frequente, especialmente nas empresas de maior dimensão,
complexidade ou volume de operações, surgirem para registo
em dado exercício encargos e rendimentos que, em rigor,
deveriam movimentar-se em exercícios anteriores ou
posteriores. Não se consegue realismo e comparatividade
entre resultados de períodos sucessivos, em virtude de
aparecerem encargos acidentais, riscos não previstos nem

Além de residual, a grandeza lucro é dependente das formas e proporções em que


os diversos factores produtivos são remunerados.

344
O Lucro e a Tributação

imputados (ou mal imputados) ou então haver custos já


imputados que competiriam a exercícios futuros.
5) As oscilações, no tempo, do padrão monetário que mede o
lucro; a nominalidade dos valores dos bens que são objecto
ou instrumento da gestão; as variações de valor intrínsecas
aos próprios bens:
- empresas com meios patrimoniais hipoavaliados ou hiper-
avaliados; influência dessas menos ou mais-valias no
cálculo das quotas de amortização e, consequentemente, nos
custos e nos resultados; mais-valias nominais e mais-valias
reais, mais-valias efectivas e mais-valias potenciais;
problema das reavaliações e das suas consequências nas
determinações posteriores de resultados.
6) A variabilidade do lucro em função de circunstâncias ou
factores extrínsecos à empresa:
- acréscimo ou decréscimo populacional, guerras, catástrofes,
inovação tecnológica, instabilidade social, etc.
7) A variabilidade do lucro em função de circunstâncias ou
factores intrínsecos à empresa:
- inclusão ou exclusão nos custos de produção de gastos
excessivos, extraordinários e anormais; níveis de
remunerações dos quadros directivos e do pessoal;
- consideração ou não de provisões;
- insuficiências dos critérios de valorização dos stocks no
cálculo dos resultados; valorimetria a custos de aquisição, a
preços de venda ou a preços de reposição; uso de custos de
aquisição ou de custos de substituição na contabilização das
entradas de matérias e mercadorias; variedade dos critérios
de cálculo de custo das produções; contabilização a custos
totais ou a custos variáveis; custos históricos ou custos
teóricos e/ou padrões; subcritérios de contabilização
possíveis para registo das saídas das matérias, produtos ou
mercadorias; custo originário, custo médio do stock, custo

345
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

cronológico directo (FIFO), custo cronológico inverso


(LIFO), etc.
8) Discutibilidade das regras relativas aos valores sobre que
podem incidir as amortizações (l.s.), seus métodos, quotas e
taxas:
- valor de aquisição (há compras em boas e compras em más
condições; em virtude de práticas defeituosas muitas
empresas desconhecem os verdadeiros valores de aquisição
de certas parcelas do seu imobilizado);
- valor de substituição ou custo actual (quase sempre de
difícil determinação, pois dão-se desvalorizações
monetárias mais ou menos acentuadas, oscilações de preços
e câmbios, inovações técnicas ou variações nos modelos
construídos que complicam as comparações de preços de
bens de equipamento diferentes);
- métodos e quotas de amortização; contemplação do período
futuro de vida útil; fixação de valores residuais e custos de
derrube e desmontagem; quotas constantes, crescentes,
decrescentes; amortizações aceleradas, cíclicas, variáveis,
em função dos lucros; reflexos das amortizações nos custos,
na liquidez, no autofinanciamento;
- taxas de amortização; variáveis consoante a natureza e
qualidade do imobilizado, irregularidade ou constância da
sua utilização, intensidade desta, tipo de exploração,
localização, conservação, obsolescência, duração física,
período de vida legal, usura económica, etc.
9) Dificuldades peculiares do cálculo de custos; nos casos de
produções conjuntas, complementares, por fases, por
encomenda, em regime contínuo, etc.; custos de inactividade;
cálculos de economicidade ou de eficiência dos diversos
sectores ou departamentos (compras, produção, vendas).
10) Propósitos dos detentores do comando real da empresa;
circunstâncias diversas que influenciam as proporções entre
capital próprio e alheio e as remunerações dos capitais;
O Lucro e a Tributação

empresas com suprimentos ao capital e empresas com


empréstimos de terceiros; diversidade de taxas de juro;
utilização de prédios e equipamentos próprios ou tomados de
arrendamento, aluguer ou em novos regimes (leasing, renting)
de utilização de bens de terceiros; distinções resultantes de
certos empresários arbitrarem remunerações ao seu trabalho,
enquanto outros são simplesmente remunerados por força de
lucros.
11) Relações de dependência entre as empresas (regimes de
participação, associação ou diferenças de poder de
contratação), sobressaindo hoje as consequências que no
apuramento do lucro reveste a multinacionalidade da empresa
e as relações de carácter internacional.
12) Uma questão discutida mais recentemente é a de impostos
que sob certos aspectos se podem considerar custos
(económicos) de dado exercício sob exame, mas cuja
obrigação de liquidação e pagamento surgirá em anos futuros
(figuração assim no passivo do balanço8 e, em contra partida,
em resultados, nos proveitos).
Inversamente, citam-se casos de impostos que no futuro se
deixarão de pagar, devido, por exemplo, a eventualidade de
deduções fiscais de prejuízos legalmente previstas (proveitos
correspondentes a poupanças esperadas em impostos em
exercícios futuros).
Os aspectos referidos, obviamente, perturbam ou dificultam quer
o significado quer a própria determinação do lucro10. Um esforço de
colaboração entre os departamentos do Estado, as escolas, os técnicos,
os organismos profissionais e as associações de empresários, poderá

8
A contabilização será, em contas do POC (861 a 241/27).
9
Acerca desta matéria pode ver-se nosso outro estudo Impostos Diferidos.
10
Tudo quanto aqui se escreveu e arrolou, mostra a razão do que afirmámos, em
debate na ex-APEC, em 1982, ou seja, que: "as empresas não podem nem sabem
apurar lucros reais anuais".

347
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

favorecer a formulação e concretização de mudanças estruturais e


ambientais superadoras de dificuldades e anomalias existentes.
Considera-se que a tributação das empresas societárias em
Portugal terá, por certo, de subsistir por muito tempo, mas a fácil
variabilidade e o carácter residual do lucro, pelas razões e fenómenos
atrás expostos, deverá conduzir à pesquisa de formas de tributação das
empresas que propiciem maior homogeneidade de matéria colectável e
menor flexibilidade da sua grandeza. Sugere-se, nesse sentido, se
façam estudos sobre a tributação do valor acrescentado.

5.4. A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO LUCRO É UTOPIA?


DONDE, MENOS JUSTA ?

A tributação sobre lucros pode revelar-se injusta, acaso se


estejam a tributar parcelas que a lucros não correspondam. Estarão
nessa situação custos efectivamente suportados por uma empresa e não
aceites fiscalmente.
Sendo o lucro, conceitualmente, diferença entre proveitos e
custos, ele deixa de ser real11 se no cômputo não se englobam,
subtractivamente, todos os custos (e ou perdas) ocorridos que o sejam
substancialmente.
Assim, o ideal será a legislação relativa à tributação dos lucros
assentar no apuramento de um lucro tributável que seja real, onde
prevaleça a substância relativamente à forma. Uma tributação em tais
termos coaduna-se também com o princípio da capacidade
contributiva. As normas de tributação do lucro só deveriam mandar
atender à forma em casos em que a segurança ou a certeza do
apuramento do lucro o impusesse.
Em conjugação com o indicado, os intérpretes destas questões e
a legislação devem ter em vista a busca do lucro real no apuramento
do lucro tributável.

O lucro real apresenta-se aos olhos dos economistas como algo ideal, meta a
atingir, tal como sucede com a justiça para os técnicos de direito (cf. as nossas
Lições de Gestão Financeira, 4a ed., 1976, pág. 430).

348
O Lucro e a Tributação

Se lucro não existe e houver custos ou perdas ocorridos não


considerados fiscalmente, a tributação torna-se violenta, o imposto
adiciona-se à redução do capital próprio já resultante da existência de
prejuízos. Estará assim a retirar-se, menos legitimamente, património
às empresas e a agudizar a sua situação. Empresas empobrecidas ficam
em dificuldades para preencher seus fins. Carecem de esforçar-se mais
no desempenho das suas actividades de produção e venda. Acabam
por ver suas acções dificultadas com a redução do património derivada
da fiscalidade.
Uma empresa que não aufere remuneração de seus contributos
para a produção do país onde actua estará a ser descapitalizada, verá
comidos ( os seus capitais.
Porém, importa também assinalar que o lucro declarado pode
não ser o real. Por um lado, porque o apuramento deste assume
dificuldades e exige conhecimentos técnicos suficientes. Por outro
lado, podem os intervenientes nas declarações e na elaboração dos
apuramentos pretenderem enganar, não desejarem apurar o lucro real.
E isto tem sido de tal modo relevante que aparecem sugestões no
sentido de a tributação se afastar em tais casos do constante das
declarações, recorrendo-se a outros métodos de tributação indirectos
ou indiciários, e fixaram-se mesmo colectas mínimas para aqueles
contribuintes que apresentem prejuízos ou lucros diminutos. E há
especialistas que propugnam inclusive formas de tributação das
empresas noutra base que não em relação aos lucros. Estas outras
tributações estão aqui a pôr-se em termos de jure condendo,
importando observar que a nossa Constituição da República, no
presente, consigna, no seu art. 104° n° 2, que "a tributação das
empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real".

(,)
Entra-se na história de comer a galinha que põe ovos, passando a não haver ovos -
para ninguém.

349
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

5.5. ABANDONAR A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO? OU


ACOMPANHÁ-LA DE OPÇÃO SUPLETIVA ?

Sublinhou-se: a fluidez do lucro, as dificuldades do seu


cômputo, a sua manipulação e sujeição a flutuações e a desvios
erráticos, a sua insuficiente expressividade e natureza residual.
Tudo isto é gerador de cepticismo e conduz inclusive a ponderar
se a Constituição da República deve continuar a consignar "a
tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu
rendimento real" (cf. art. 104°, n° 2, na revisão de 1997).
Já atrás se referiu que uma tributação dita do rendimento real
não pode equivaler a uma tributação do rendimento declarado dadas as
frequentes e significativas divergências entre o real e o que os
contribuintes declaram. Toda a gente, minimamente esclarecida, sabe
que essas declarações inexactas são muito comuns, patenteando-se
riqueza e nível de vida em notória incompatibilidade com rendimentos
declarados.
Há quem proclame que a situação actual é de descalabro que se
criaram na sociedade portuguesa, na vida real das empresas ou nas
práticas de profissionais liberais, desvirtuações de princípios
proclamados de igualdade e de justiça fiscal.
Com a recente opção tributária de uma colecta mínima a título
de pagamento por conta visou-se obter imposto não conseguido
através dos rendimentos declarados. Maior coerência se conseguiria se
se alterasse a Constituição da República12, admitindo de modo
explícito, a tributação das empresas baseada em lucros declarados ou
lucros indiciários recorrendo-se, em casos de incompatibilidade entre
tais lucros, a indicadores, a seleccionar e aperfeiçoar, bem como suas
aplicações concretas.

A Constituição da República é lei mutável - exige, sim, tempos próprios e maiorias


qualificadas (cf. art. 2 84° da CRP).

350
O Lucro e a Tributação

Acentuámos já que o lucro é realidade extremamente residual,


correspondente a pequena diferença, variável. Aleatória, apurada entre
custos suportados e proveitos obtidos, sendo discutíveis certas
qualificações a título de: custos, retiradas de lucros, erosões
monetárias, perdas de capital ou remunerações convencionais (juros a
capital próprio, prémios de risco, etc.).
Reconhece-se, em face de movimentos de integração económica
internacional, que actualmente são maiores as dificuldades de recurso
a soluções tributárias novas. Não podem minimizar-se efeitos de
acordos bilaterais celebrados, directrizes comunitárias, regras
normalizadoras e acompanhamento de opções assumidas em outros
países.
O sistema fiscal português vem assimilando o dos demais países
de economia do tipo, digamos, ocidental. Vive-se num mundo cheio
de complexas teias e a fiscalidade possível pode não ser a desejável e a
que melhor satisfaria anseios de justiça social e de dotação do Estado
com as receitas de que carece.
Legislar no sentido de tributar com base em indicadores que não
os lucros é opção que admite quem pressuponha que o lucro é forma
de tributação a eleger em alternância com outras, eventualmente até
melhor estatuídas e fundamentadas. Pode admitir-se não ser de pôr em
causa o lucro declarado mas conjugá-lo com outra base, alternativa,
em casos justificados.
Pensando assim, considerar-se-ia aceitável, por exemplo, tributar
com base em "colecta mínima", se esta desse maior tributo,
justificadamente, isto é, sem desbaratar a opção de tributar com base
na declaração de lucro tributável, que passa a ser asseverada pelos
técnicos oficiais de contas, já o sendo, também, por vezes ou de certos
modos, por revisores oficiais de contas.
Há, todavia, que ponderar, tempestivamente, a contradição que
pode verificar-se na exigência aos técnicos oficiais de contas da
atestação de declarações fiscais dos contribuintes de que os lucros
declarados são reais e, ao mesmo tempo, se estabelecem regras legais

351
Revista Estudos dos 1.S.C.A.A.

para tributação com base em lucros diferentes dos declarados através


dos elementos da contabilidade.
Manter este assunto em contradição será mau começo de
regulamentação. Há que evitar conflituação - a bem de uma justa e
correcta tributação e a bem da credibilização dos empresários e dos
profissionais de contabilidade, estes últimos sujeitos a Estatuto próprio
e, dentro de algum tempo, a Código de Conduta.

5.6. A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO E A TRIBUTAÇÃO POR


OUTROS INDICADORES

São frequentes as sugestões de alterações da fiscalidade


existente, mas dentro do sistema vigente. Isto porque alterações
estruturais (necessárias) não se revelam fáceis.
Porém, mudanças pontuais propostas podem satisfazer o brio
profissional de quem as apresenta e a vontade de quem as pressiona
mas podem ser perturbadoras e agravar complexidades. Podem
acarretar acréscimos de distorções.
Em reacção aparecem sugestões de abandono da tributação com
base em rendimentos declarados, verificadas suas ineficácias e, em
consequência, suas injustiças.
O lucro das empresas, sabem os especialistas, é realidade
residual, uma diferença entre muitas parcelas negativas (custos) e
muitas positivas (proveitos), um cálculo extremamente amoldável que
varia em função de grande diversidade de factores, conexas com o
património, variações no valor deste e nos fluxos anuais de custos e
proveitos do exercício.
Nos últimos tempos recrudesceram de novo os debates sobre a
verdade do lucro declarado e o seu confronto com outros indicadores
tributários menos manipuláveis. Muitos já advogam a tributação das
empresas em outros parâmetros - em vez de lucros declarados
sugerem-se volumes de negócios, valor acrescentado ou indicadores
de mínimos de rendimento presuntivo (garantia de colecta mínima)
com "métodos indiciários". Fugindo a esta expressão e procurando

352
O Lucro e a Tributação

outro sentido, fala-se agora de métodos indirectos (para atingir,


porventura, iguais objectivos mas de modos mais aperfeiçoados).
Os técnicos terão de esforçar-se no sentido da descoberta,
melhor, da eliminação de evasões e fraudes e encontro de critérios de
tributação mais certeiros. Reflexões laboriosas vão aparecendo. Justiça
e eficácia aparecem em contraposição. Rigor de apreciação e
dispêndios necessários não é matéria facilmente definível.
Pensou-se a certa altura que fixados que estivessem ditames de
normalização contabilística tudo se facilitaria. Porém, a complexidade
dos problemas cresce e também isso contribui para que apareça maior
profusão de declarações não verdadeiras. Vamos assistindo, de quando
em vez, a descobertas de casos de grande número de empresas a
utilizar expedientes diversos, incluindo recursos a facturações
fictícias. Arreigaram-se hábitos impróprios.
O homem comum não será, agora, diferente, mas opções
incorrectas têm crescido. Isso será também devido à inoperância da
fiscalização e a certa ausência de sanções. Aparecem problemas de
causas e efeitos recíprocos. Porém, a frequência de incumprimentos
desfavorece a aplicação de sanções tempestivas.
Também o excesso de leis e os demasiados particularismos
existentes aumentam as dificuldades de intervenção correctiva. O
processualismo tornou-se complexo, moroso, confuso .
Sem desbaratar a opção de tributar com base no lucro declarado,
a asseverar pelos técnicos que elaboram as contas e revisores que as
verificam e atestam, pretendeu-se instituir a colecta mínima para
conseguir alguma receita de contribuintes que não declaram lucros
efectivamente obtidos.

13
A Reforma Fiscal de 1989 considerou desnecessário vincular os técnicos de contas
à verdade das contas aprovadas pelas empresas. Agora quer arrepiar-se caminho.
Está criada a figura do "técnico oficial de contas", responsável pelas contas
declaradas, obrigados à denúncia de crimes públicos, problema que não deixará de
ser ponderado nos tempos próximos, em face de dificuldades estruturais advenientes
do passado, de hábitos criados, de relações de subordinação, etc.

353
Revista Estudos dos I.S.C.A.A.

Esquemas de tributação por colecta mínima foram propostos por


anterior Governo mas foram objecto de forte contestação. Veio a
encontrar-se uma plataforma, a opção por outra figura - a do
"pagamento especial por conta".
Propiciou-se assim um acréscimo de receitas de algum
significado, o que se deveu a ser grande o número de contribuintes que
declaram prejuízos ou lucros muito baixos.
A questão, todavia, está em que sendo o referido pagamento um
mínimo, grandes defraudadores nada ou pouco sofrem com isso, em
face da desproporção entre o mínimo referido e o volume de negócios
de empresas de maior dimensão que, porventura, ocultem grandes
ganhos.
A opção referida mostra-se menos compatibilizável com outra
preocupação paralela que tem sido a de se procurar exigir aos técnicos
oficiais de contas que passem a garantes da regularidade das contas
apresentadas à Administração Fiscal e também que os revisores
oficiais de contas e auditores externos emitam certificação sobre as
contas das empresas, indicando que elas são expressão de imagem
verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados
alcançados.
Tendo em conta os aspectos descritos, muitas são as vozes que
se levantam no sentido da generalização da tributação por métodos
não assentes nas declarações dos contribuintes por estas se não
considerarem satisfatórias em relação a outras informações recolhidas
ou até não assentes nos lucros pondo-se assim em causa já a tributação
na base do lucro apurado.
Nós próprios defendemos a tributação na base de um mínimo
apurado em relação a um indicador da actividade desenvolvida
(volume de negócios, VAB, activo total ou bruto, etc.) em cada ano,
mínimo esse que seria por conta quando a tributação pelo lucro
declarado lhe fosse superior e seria pagamento mínimo caso a
tributação pela via digamos normal desse valor inferior.

354
Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

PONTO CRÍTICO DAS VENDAS EM EMPRESA


MULTIPRODUTO. PROPOSTA DE FORMALIZAÇÃO

Rui MÁRIO MAGALHÃES GOMES MOTA


rui.mota@isca,ua.pt
PROF. ADJUNTO DO I.S.C.A.A.
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

RESUMO

Apresentam-se e demonstram-se, no artigo que se segue, fórmulas de


determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto.
A determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto
é efectuada - tanto quanto é do nosso conhecimento - somente com
base em processos indirectos (ou seja, não formalizados), entre os
quais se conta o "método dos agregados". Daí a proposta de
formalização que, de seguida, se expõe.
Partiremos de uma empresa monoproduto, isto é, que comercializa
um tipo de mercadoria, presta um só tipo de serviço ou obtém e vende
um tipo único de produto; passamos, depois, a uma empresa
multiproduto. Na linha da exposição clássica, deduziremos fórmulas
de determinação do ponto crítico tanto em termos de quantidades
vendidas como de valores de venda.

356
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

1. Com o presente texto visa-se demonstrar fórmulas proporcionando


a determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto.
Partiremos de uma empresa monoproduto, isto é, que comercializa um
tipo de mercadoria, presta um só tipo de serviço ou obtém e vende um
tipo único de produto; passamos, depois, a uma empresa
multiproduto.1 Na linha da exposição clássica, deduziremos fórmulas
de determinação do ponto crítico, tanto em termos de quantidades
vendidas como de valores de venda.

2. A dedução de fórmulas de determinação do ponto crítico das vendas


é, tanto quanto é do nosso conhecimento, apresentada - mesmo em
publicações da especialidade - apenas para empresas monoproduto.
Não será, porém, ousado afirmar que a empresa monoproduto é
realidade pouco frequente: sucederá, quase sempre, que uma mesma
empresa comercializa, presta e, ou, obtém e vende tipos variados de
mercadorias, serviços ou produtos; ainda que se esteja perante unidade
económica centrada em específico ramo de actividade.

3. Daí a nossa surpresa ao verificarmos que a determinação do ponto


crítico das vendas em empresa multiproduto é efectuada com base em
processos indirectos, entre os quais se conta o "método dos
agregados", de cuja aplicação adiante (em anexo) trataremos.

1
A expressão "empresa multiproduto" designa unidades económicas
comercializando tipos variados de mercadorias, e, ou, prestando tipos diversos de
serviços e, ou, obtendo e vendendo vários tipos de produtos. O que releva não é,
porém, a especialização: uma empresa especializada na venda de uma única
ferramenta, de dois tipos, A e B, é - para efeitos da nossa análise - multiproduto, se
A e B proporcionarem diferentes margens unitárias de contribuição ou diferentes
taxas de margem. Com o termo multiproduto referimo-nos, por facilidade de
exposição, a tipos vários de bens e, ou, serviços e não apenas a produtos em sentido
estrito.

357
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

4. A determinação do ponto crítico das vendas insere-se na análise (de


âmbito mais vasto) "custo-volume-resultados"2 e assenta em
pressupostos que há que há que ter presentes.

5. Embora com sensíveis diferenças de exposição, as obras da


especialidade estabelecem, essencialmente, o seguinte quadro de
pressupostos, dentro do qual são válidas a determinação do ponto
crítico das vendas e a análise "custo-volume-resultados":3

a) O(s) preço(s) unitário(s) de venda é(são) constante(s);


b) Os custos podem, com razoável segurança, ser identificados como
fixos ou variáveis;
c) Os custos variáveis são proporcionais relativamente ao nível de
actividade, isto é, os custos variáveis unitários são constantes;
d) Os custos fixos mantêm, no seu total, o mesmo valor;
e) A empresa assenta a sua actividade num só tipo de mercadoria,
serviço e, ou, produto, ou, alternativamente - isto é, tratando-se de
empresa multiproduto -, admite-se que o "mix" das vendas (peso das
quantidades vendidas por produto, relativamente à quantidade total
das vendas) é previsível;

"Análise custo-volume-resultados" é a tradução consagrada, entre nós, da


expressão anglo-americana "cost-volume-profit analysis". A justeza da tradução é,
porém, questionável: se o que está em causa é, fundamentalmente, analisar o
impacte das variações do volume de actividade nos custos e nos resultados - sendo o
volume de actividade a variável independente por excelência -, não deveria antes
traduzir-se a expressão por análise "volume-custo-resultados"?
3
Atente-se, entre muitos outros, em: Helmkamp (1990:244); Horngren, Foster e
Datar (1994:65); Hansen e Mowen (2000:720). Horngren, Foster e Datar realçam
outros pressupostos, por exemplo, a não consideração da variável valor do dinheiro
no tempo ("time value of money"); esta explicitação não parece, no entanto,
fundamental, tendo presente que a referência ao curto prazo está subjacente ao
modelo.

358
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

f) Utiliza-se o sistema de custeio variável, ou, mais precisamente,


variável simples.4

6. Pode, portanto, afirmar-se que:

- O quadro de pressupostos admitido conduz a um modelo


simplificado de funções lineares de resultados (em consequência de
5.a), 5.c), 5.d) e 5.f)), no qual a produtividade (inverso do custo) é
constante e os resultados dependem de uma única variável, isto é, das
vendas, em quantidades ou em valores; esta dependência provém, em
particular em empresas transformadoras, do pressuposto 5.f);
- Como "pano de fundo", viabilizando os pressupostos explicitados,
está implícito que a análise refere-se ao curto prazo (atente-se em 5.d))
e que as variações da actividade situam-se dentro de "intervalo
relevante" (vide 5.a), 5.c) e 5.d)).

7. No quadro de pressupostos explicitado, a determinação formalizada


do ponto crítico das vendas em empresa monoproduto assenta numa
das duas seguintes relações:5

4
O custeio variável simples distingue-se do variável evoluído, pelo facto de, neste, o
custo dos produtos incluir, para além da componente variável do custo de produção,
a componente fixa directa. Recorde-se, por outro lado, que a análise do ponto
crítico das vendas também pode ser efectuada - vide, por exemplo, Horngren, Foster
e Datar (1994:320) - noutros sistemas de custeio, por exemplo no completo, em
modelos de maior complexidade.
5
Atente-se em Matos Carvalho (1995).

359
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

1) Rop = ( Puv - Cvu). Qv - Cf, ou


2) Rop = V . Tm - Cf, em que:

Rop designa os resultados operacionais;6


Puv, o preço unitário de venda;
Cvu, o custo variável unitário;
Qv, as quantidades vendidas (vendas totais expressas em
quantidades);
Cf, os custos fixos;
V, o valor das vendas (vendas totais expressas em unidades
monetárias);
Tm, a taxa de margem, isto é, a percentagem representativa da
margem de contribuição sobre o valor das vendas; sendo Tm = ( V -
Cv ) : V, em que Cv representa os custos variáveis totais, ou, o que
dentro dos pressupostos do modelo vale pelo mesmo, Tm = ( Puv -
Cvu ) : Puv.

8. Observe-se que:

a) As relações expostas apenas são válidas, em particular em empresas


transformadoras, em sistema de custeio variável simples, no qual não
há "stockagem" de custos fixos, sendo estes "descarregados", como
custos de período, na demonstração dos resultados;
b) A segunda relação, Rop = V . Tm - Cf, resulta da primeira; com
efeito: Rop = ( Puv - Cvu) . Qv - Cf => Rop = V - Cv - Cf = V . (1 -
Cv/V) - Cf = V . Tm - Cf.

6
Na linha de diversos autores, que expressamente se referem, nesta matéria, ao
"operating income"- vide, por exemplo, Horngren, Foster e Datar (1994:62) e
Hansen e Mowen (2000:706) -, entendemos que a determinação do ponto crítico e a
análise "custo-volume-resultados" devem cingir-se aos resultados operacionais. Se
se alargar a análise aos resultados correntes, o pressuposto 5.b) perde realismo, dada
a dificuldade de previsão, dentro dos custos financeiros, da componente associada às
variações da actividade.

360
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

9. Pretedendo-se determinar o ponto crítico, isto é, o nível das vendas


para o qual os custos e os proveitos operacionais totais se igualam, ou
em que - traduzindo, do nosso ponto de vista, o essencial em termos
de análise empresarial daquilo que o modelo transmite - a margem de
contribuição total iguala os custos fixos, temos, com base nas relações
expostas:

. tomando 7.1) e para Rop = 0, vem: ( Puv - Cvu) . Qv - Cf = 0 =>


Qv = Cf/Muc,
fórmula em que Muc designa a margem unitária de contribuição (Puv
- Cvu) e que proporciona a determinação do ponto crítico das vendas
em quantidades;
. tomando 7.2) e para Rop = 0, vem: V . Tm - Cf = 0 => V = Cf / Tm,
fórmula que proporciona a determinação do ponto crítico em termos
de valores, ou seja, das vendas expressas em unidades monetárias.

10. Até ao momento, não fizemos, porém, nada mais do que sintetizar
o que está exposto em publicações especializadas. Trata-se, agora, de
alargar a análise a empresas multiproduto, mantendo-nos no
domínio da formalização; seguiremos, como já referimos, a exposição
clássica, ou seja, determinaremos o ponto crítico das vendas em
termos de quantidades e de valores.

11. Assim sendo, continuando no mesmo quadro de pressupostos e


designando por r os factores de "mix", isto é, as percentagens
representativas das quantidades vendidas de cada produto,
relativamente à quantidade total das vendas, 7 vem (tomando, para já,
apenas dois artigos P i e P2):

- Qvl = ri . Qv, sendo ri o factor de "mix" de PI;


- Qv2 = r2 . Qv, sendo r2 o factor de "mix" de P2; em que:

Poder-se-ia, em alternativa, definir o "mix" em termos do valor das vendas de cada


produto relativamente ao valor total das vendas. A análise conduziria, no entanto, a
conclusões equivalentes, razão por que assentamos no "mix" com base em
quantidades.

361
Revista Estudos do 1.S.C.A.A.

- ri + r2 = 1 ( = 100%)
- e Qvl e Qv2 simbolizam as quantidades vendidas de,
respectivamente, P i e P2.

12. Resulta, então, tomando a relação 7.1) e tendo presente que os


dígitos 1 e 2 significam que os itens a que respeitam referem-se,
respectivamente, a PI e P2:

Rop = ( Puvl - Cvul). Qvl + ( Puv2 - Cvu2). Qv2 - Cf, ou:


Rop = Mucl . Qvl + Muc2 . Qv2 - Cf

E dado que:
Qvl = ri .Qv
e Qv2 = r2 . Qv, vem, substituindo:

Rop = Mucl . ri. Qv + Muc2 . r2. Qv - Cf;

Donde, para Rop = 0 e pondo em evidência Qv, resulta:

Mucl .ri + Mucl.rl

Isto é, o ponto crítico das vendas em empresa biproduto é, em termos


de quantidades, dado pelo montante dos custos fixos dividido pela
soma das margens unitárias de contribuição dos dois produtos,
ponderadas pelos respectivos factores de "mix".

13. É claro que o que vale para dois produtos vale para n, sendo n
número natural; donde, considerando uma empresa com n produtos,
teríamos:

Rop = (Puvl - Cvul).Qvl + ... + (Puvn - Cvun).Qvn - Cf,

pelo que, percorrendo os passos expostos em 11. - ou seja,


substituindo Qvi por ri . Qv e pondo em evidência Qv -, viria:

362
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

Cf
\Muci.ri
1=1

Isto é, o ponto crítico das vendas em empresa multiproduto é, em


termos de quantidades, dado pelo montante dos custos fixos dividido
pelo somatório das margens unitárias de contribuição dos n produtos,
ponderadas pelos respectivos factores de "mix".

14. Passando à determinação do ponto crítico em termos de valor das


vendas e considerando, para já, uma empresa biproduto, podemos
partir da fórmula do ponto crítico em quantidades, que é (como
acabou de se ver):

Qy-
Mucl.rí + Muc2.r2

Com base na qual, decompondo as margens unitárias de contribuição,


resulta:

Cf
n
Puvl .ri ­ Cvul .ri + Puvl.rl - Cvul.rl

Ora, multiplicando o primeiro e o segundo membros desta relação por


(Puvl. ri + Puv2. r2), obtemos:
Cf (Puvl.rl-Y Puvl.rl)
Qv. (Puvl.ri + Puvl.rl) = ■
Puvl.rl - Cvul .ri + Puvl.rl ­ Cvul.rl

363
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

Donde, dividin do o numerador e o'denominador do segundo membro


por (Puvl . ri + Puv2 . r2), chegamos a, n otan do que n o primeiro
membro está o valor das vendas no ponto crítico:

c
V- f
Puvl.ri - Cvul.rl + Puvl.rl - Cvu2.r2
Puvl.ri + Puvl.rl

Equivalente a:

V = Cf
Puvl.rl + Puvl.rl- Cvul.rl- Cvul.rl
Puvl.rl + Puvl.rl

Equivalente, por seu turno, a:

V =■
Cf
Cvul.rl + Cvu2.r2
P uvl.ri + Puvl.rl

Acentuando-se que nesta fórmula o denominador represen ta a taxa de


margem pon derada pelos factores de "mix". Don de: o pon to crítico
das ven das em empresa biproduto é, em termos de valores, dado pelo
montante dos custos fixos dividido pela taxa de margem dos dois
produtos, ponderada pelos respectivos factores de "mix".

15. Pelo que, generalizando, isto é, considerando uma empresa com n


produtos (sen do n n úmero n atural), teríamos, percorren do os passos
expostos em 14.:

364
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

V=
Cf
J
-
n

V Cvui.ri

V Puvi.ri
i=i

Deste modo, o ponto crítico das vendas em empresa com n produtos é,


em termos de valores, dado pelo montante dos custos fixos dividido
pela taxa de margem dos n produtos, ponderada pelos respectivos
factores de "mix".

16. Concluindo, sublinhamos que:

a) As fórmulas de determinação do ponto crítico para empresas


multiproduto são, em termos de quantidades e de valores, equivalentes
às apresentadas para empresas monoproduto: custos fixos divididos ou
pela margem unitária de contribuição ou pela taxa de margem,
considerando as devidas ponderações pelos factores de "mix";

b) O ponto crítico das vendas em empresas multiproduto é


determinável através de relações que resultam da extensão (para
empresas multiproduto) das relações de resultados que, dentro do
quadro de pressupostos explicitado, são válidas em empresas
monoproduto; relações essas que, dentro do mesmo quadro de
pressupostos, também são válidas para empresas multiproduto;

c) Na determinação do ponto crítico das vendas em empresas


multiproduto, não é necessário recorrer a métodos indirectos, de que o
"método dos agregados" constitui exemplo;

d) Pode interessar determinar os efeitos na taxa de margem


ponderada de alterações em custos ou em preços de venda, com
eventuais reflexos no "mix"; a determinação do ponto crítico das
vendas e, mais geralmente, a análise "custo-volume-resultados" a

365
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

partir da taxa de margem ponderada pode, com efeito, evidenciar


espectos não salientados através da margem de contribuição
ponderada.

ANEXO

Considere-se uma empresa que comercializa três produtos - A, B e C -


e admita-se que, em dado período, verificou-se (valores em contos):

Produto A Produto B Produto C


Unidades vendidas 12.000 5.000 3.000
Preços unitários de venda 2 2,5 3
Custos variáveis unitários 1,6 1,75 1,95

Suponha-se, também, que os custos fixos totalizaram, no período em


causa, 10.000 contos.
Dentro dos pressupostos do modelo, apresentam-se os seguintes
métodos, entre outros possíveis, de determinação do ponto crítico:

1. Ponto crítico determinado por processos directos

a) Em termos de unidades de venda e tendo em conta os factores de


"mix" implícitos no exemplo (0,6, 0,25 e 0,15, respectivamente para
A, B e C), vem:

Cf
Qy = = 10.000 : (0,4 x 0,6 + 0,75 x 0,25 + 1,05 x 0,15) =

2_,Muci.ri

= 10.000 : 0,585 = 17.094 unidades,

366
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

a que correspondem, desagregadamente, tendo em conta os factores de


"mix", 10.256 unidades de A, 4.274 unidades de B e 2.564 unidades
de C, pelos valores de venda de, respectivamente, 20.512 c, 10.685 c.
e 7.692 c , totalizando 38.889 contos.
b) Em valor de vendas e tendo em conta os factores de "mix"
implícitos, vem:

C
V= ± = 10.000 : (1 - 1 ^ ° ' 6 + U 5 * ° ' 2 5 + l95x°>15) = 38.889;
^._ . . 2x0,6 + 2,5x0,25 + 3x0,15
1-T
V Puvi.ri
A taxa de margem ponderada é, portanto, 0,25714, situando-se o
ponto crítico, em termos de valor, em 38.889 contos; efectuando a
desagregação deste valor pelos produtos A, B e C, resulta (sendo o
peso do valor das vendas de cada produto no total das vendas, dado
por

Puvi.ri : V Puvi.ri) :

Para A: 38.889 x (1,2 : 2,275) = 20.512 c ;


Para B: 38.889 x (0,625 : 2,275) = 10.685 c ;
Para C: 38.889 x (0,45 : 2,275) = 7.692 c .

Correspondendo a 10.256, 4.274 e 2.564 unidades, de,


respectivamente, A, B e C.

2. Ponto crítico determinado por processos indirectos ("método dos


agregados"):

Tomando um agregado, isto é, qualquer conjunto representativo dos


produtos comercializados pela empresa, reflectindo o "mix" das
vendas, vem, para um agregado de 20 unidades (englobando,
conforme o "mix", 12 unidades de A, 5 de B e 3 de C):

367
Revista Estudos do I.S.C.A.A.

a) Em termos de unidades

Margem de contribuição do agregado: 12 x 0,4 + 5 x 0,75 + 3 x 1,05 =


11,7 contos;8
Donde: ponto crítico das vendas em termos de unidades: 10.000:11,7
= 854,7 agregados; logo, como cada agregado engloba 20 unidades, o
ponto crítico das vendas em termos de unidades é dado por: 854,7 x
20 = 17.094 unidades; a desagregação por produtos, em unidades e
valores, efectuar-se-ia de imediato, nos mesmos termos que em l.a);
ou, directamente e com base na composição de cada agregado, far-se-
-ia, para A: 854,7 x 12 = 10.256 unidades; para B: 854,7 x 5 = 4.274
unidades; para C: 854,7 x 3 = 2.564 unidades, passando-se, depois, a
valores.

b) Em termos de valores

Taxa de margem do agregado de 20 unidades = 1 - ( Custo variável do


agregado : Valor de venda do agregado) = 1- ((1,6 x 12 + 1,75 x 5 +
1,95 x x 3) : (2 x 12 + 2,5 x 5 + 3 x 3)) = 0,25714; esta taxa iguala a
taxa de margem ponderada, determinada em l.b), como teria que
suceder, por se terem respeitado os factores de "mix". E dado que a
taxa de margem do agregado é a taxa de margem ponderada, resulta
que o ponto crítico das vendas em termos de vendas totais (e não do
agregado) é dado por: 10.000 : 0,25714 = 38.889 contos. A
desagregação por produtos, em valores e unidades, efectuar-se-ia de
imediato, nos mesmos termos que em l.b).

11,7 contos correspondentes a vinte vezes a margem unitária de contribuição


ponderada, como teria que suceder, visto que o agregado engloba 20 unidades e
respeita os factores de "mix".
9
O "método dos agregados" está exposto, entre outros autores, por Margerin e
Ausset (1990:295), mas apenas com base na margem de contribuição do agregado,
já não na taxa de margem.

368
Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

BIBLIOGRAFIA

HANSEN, Don R., MOWEN, Maryanne M , (2000), "Cost Management.


Accounting and Control", South-Western College Publishing, Cincinnati, Ohio, 3a
Ed..
HELMKAMP, John G., (1990), "Managerial Accounting", John Wiley & Sons,
New York, 2a Ed..
HORNGREN, Charles T., FOSTER, George, DATAR, Srikant M., (1994), "Cost
Accounting. A Managerial Emphasis", Prentice Hall International Editions,
Englewood Cliffs, New Jersey, 8a Ed..
MARGERIN, Jacques, AUSSET, Gérard, (1990), "Contabilidade Analítica.
Utensílio De Gestão - Ajuda À Decisão", Ediprisma, Lisboa.
MATOS CARVALHO, José Manuel de, (1995), "O Custeio Variável e a Indústria.
Uma Opinião Critica", em Jornal de Contabilidade, Boletim da APOTEC n° 225,
Dezembro de 1995.

369
SUGESTÕES PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS

1. Os originais podem ser acompanhados por uma nota biográfica que não exceda três linhas.
2. Os textos devem fazer-se acompanhar de um sumário elaborado de acordo com os tópicos do
artigo.
3. Os artigos não podem, em princípio, exceder 25 páginas, marginadas de acordo com os
parâmetros da Revista. As recensões não devem ultrapassar as cinco páginas.
4. Os originais serão acompanhados de registo em diskete, de acordo com as seguintes normas de
processamento de texto:
4.1. Sistema Operatitvo: MS/DOS - ambiente Windows.
4.2. Tipo de Letra: Times New Roman, com o seguinte tamanho: 14 no título, 13 nos capítulos, 12
nos subcapítulos, 10 nas subdivisões menores, tudo em small caps e bold; 12 no texto e 10 nas notas e na
bibliografia.
4.3.Alinhamento do texto em centímetros: Top. 5,5; Bot. 6,75; Ins.5,5; Out. 3,5; Head. 1,25;
Foot.5,5; Parágr.1,0; espaço entre linhas 1,0 e com opção de páginas par e ímpar.
5. Bibliografia, referências bibliográficas, citações e notas.
5.1. A Bibliografia deve ser ordenada com base no(s) apelido(s) do(s) autor(es) e em small caps:
AMORIM, Jaime Lopes. Se a obra for colectiva, normalmente mais de três autores, refere-se pelo nome do
1." autor e pelo vocábulo latino alii ( ou apenas al.). Ex: AMORIM, Jaime Lopes et al. (ou e o.).
5.2. As referências bibliográficas devem seguir as orientações vulgarmente aceites: rigorosas,
precisas e uniformes, respeitando o seu carácter específico.
As monografias devem inserir as seguintes informações: autor, (eventualmente o ano da 1.' ed.),
título, volume, edição, local da edição, editor, colecção, ano da edição consultada.
Os artigos das publicações periódicas devem referir: autor, título do artigo, in (título da
publicação), local da publicação, série, volume, n.°, data, com referência ao mês(es) e/ou elementos
relacionados com a periodicidade - v.g. 1." trimestre, ano, págs (50-75) em que se encontra o artigo.
5.3. As referências bibliográficas coladas às l.as citações devem acrescentar aos campos
enunciados em 5.2, a(s) página(s) - p. ou pp. - e, se for caso disso, como nos Dicionários e Jornais, etc.
a(s) coluna(s). Ex. Godinho, Vitorino Magalhães, Complexo histórico-geográfico, in Joel Serrão,
(Dir. de), Dicionário de História de Portugal, Vol. 1/A-D, Porto, Iniciativas Editoriais/Figueirinhas,
p. 645, col. 2. As referências bibliográficas relativas às 2. a! citações colhem a vantagem da sequência das
notas: aparecem abreviadas recorrendo aos vocábulos latinos idem (autor), ibidem (obra) e, às vezes,
passim (em vez de uma indicação precisa da página). A redução dos campos bibliográficos acontece
igualmente quando as referências têm por suporte a bibliografia geral. Ex: Amorim, Jaime Lopes A (ou
B); ou simplesmente o ano de publicação: Amorim, 1929, p. 20.
5.4. Localização das referências bibliográficas.
5.4.1. As referências bibliográficas podem aparecer em nota de rodapé, na totalidade ou
articuladas com a bibliografia geral.
5.4.2. Podem igualmente surgir, em alguns casos restritos, no interior do texto, logo a seguir à
citação, seguindo o modelo mais sintético de referência: Amorim, 1947 D, p. 20.
5.4.3. As notas podem também aparecer no final do texto, devendo esta opção prevalecer sempre
que o artigo exige longas notas informativas ou explicativas, que, em rodapé, tornam demasiado pesado o
seu desenvolvimento.
2.2. Os colaboradores naturais da Revista Estudos do I.S.C.A.A. são os Docentes da
Escola e seus diplomados, cujas páginas se podem constituir em espaço
privilegiado de divulgação dos seus trabalhos académicos, após adaptação ao
seu modelo editorial.
2.3. Não sendo uma revista para consagrados, acolherá, com gosto, trabalhos de
personalidades com prestígio no mundo da contabilidade e vizinhos domínios
científicos - podendo mesmo solicitar a sua colaboração.
2.4. Toda a colaboração não solicitada deverá ser acompanhada de uma síntese do
curriculum vitae.
2.5. A colaboração dá direito a seis exemplares da Revista Estudos do I.S.C.A.A.,
podendo o autor solicitar algumas separatas, sem qualquer encargo adicional
para a Revista, cujo número não poderá ultrapassar 10% da edição.

3. RESPONSABILIDADE DOS ARTIGOS

3.1. Os textos publicados são da total responsabilidade dos seus autores.


3.2. A Revista não se responsabiliza pela devolução do material enviado para
publicação.

4. REPRODUÇÃO DOS ARTIGOS

4.1. A reprodução integral ou parcial dos textos publicados fica dependente de


autorização da Revista, sendo sempre exigida a indicação da origem.
4.2. Esta limitação não abrange a pequena citação indispensável ao comentário
crítico.
4.3. Os autores dos trabalhos não abdicam do natural direito de propriedade em
relação aos mesmos, mas a sua publicação pela Revista dispensa esta de lhes
solicitar autorização para satisfazer os pedidos abrangidos pelo n°. 4.1. deste
Estatuto.

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