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HWA UL ANTONIO\SANTONI RUGIU Introdugao de Dermeval) Saviani NOSTALGIA DO MESTRE ARTESAO TORR AUTORES oO) SSOCIADOS NOSTALGIA DO Mestre ARTESAO ANTONIO SANTONI Ruciu CoLecao Memoria DA Epucacao EDITORA AUTORES (C) ASSOCIADOS Dados Internacionais de Catalogagdo na Publicagéo (CIP) (CAmara Brasileira do Livro, SP Brasil) Santoni Rugiu, Anténio Nostalgia do mestre artesdo / Ant6nio Santoni Rugiu ; tradutere Maria de Lourdes Menon. — Campinas, SP: Autores Associados, 1998. — (Colegio meméria da educagao) Titulo orginal: Nostalgia del maestro artigiane, ISBN 85-85701-57-9 |. Artesanato 2. Artesanato - Historia I. Titulo, Il, Série, 98-0907 CDD-745.509 Indices para catdlogo sistematic | Artesanato: Historia 745.509 Impresso ne Brasil - abril de | 996 Depisito legal na Biblioteca Nacional conlorme Decreto n? 1.625, de 20 de dezembro de 1907. Todos os direitos pera a lingua portuguesa reservados pela Editora Autores ssociados Lida. Nenhurna pare d3 publicigia pederd ser reproduzida ou transmitida ée qualquer modo ou por Cualquer meio, sea eletrGnico. mecinica, de fatocdpia, de gravacio, ou outros, sem préva autores. GO, Por escrito da Editora. © <édigo penal brasileiro determina, no artigo 184: “Bos crimes contra a propriedade intelectual Violagio de direito autoral aft, 1B4, Violar dirsito avtcral Pena - detengao de tes meses 2 uni ana, ou multa {6 Se a violacdo consistir na reproduce, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou om parte, para fing de comércio, sem autorizagio expressa do autor ou de quem o represents, ou corulstir na reprodugio de fanograma @ videograma, sem autorzagie do produtor ou de quem o represents: Pena - reclusio de um a quate anos © mutta." SUMARIO Prepacio Ao Levror pe Lincua Porruaues InrropugAo A Epicio Brasieira Enucacho # TRABALHO ARTESANAL Dermeval Saviani © Tema O Autor AObra A Tradugio Inrropugio Um Fie Invisivel A Industria Bicho-papgo O Artesanato Educa O Artesdo se Forma Trabalhando As Artes Contra a Cultura Industrial? Capiruro Um As Oricens Menirvais Mestres ¢ Aprendizes As Oficinas dos Mosteiros Mister=Mistério Em Nome de Deus e do Ganho Artesio, Artista, ‘Arteiro”, Antitice Artes Liberais e Artes Mecinicas Os Mercadores Divider as Artes ‘Como Aprende o Aprendiz? Idade e Carreira do Aprendiz... A Obra Prima do- Futuro Mestre ARelagio Mestre-Aprendiz 23 23 a5; af 29 te 34 36 39 4/ 43 46 As Horas Humanizadas © Tempo é Jé Dinheiro CapiruLe Dow CuLrurs & Epticagho MERCANTIL. A Novidade Hindu-Ardbica A Novidade da “Mercantesca” ONovo Abaco Latinantes e ndo Latinantes A Pedagogia das Lojas A Novidade do Manual Uma Acutturagio por Via Oral-Prética © Aprendizado como Escola A Evoluggo do Sentide de "Leura" O Soidado Deve Ser Abaquista A Nove Cultura em Lingua Vulgar A Meta Esta Nesta Terra Um Tirecinio Interminavel © Magico se Esvai Carituio Tre Axresios, AxvisTas & MILiTarns O Artista se Separa do Artesio Distanciam-se os ltinerdrios Formativos © Artesdo Brunelleschi © Manto a Meia Altura A Arte dio Quanto da Natureza Rouba Mascem as Academias © Conflito Formagio-Produgio. Academias, Universidade e Magonaria A lmprensa Meretriz Evolugao das Academias As Armas ¢ as Artes Milttares ¢ Jesuitas Os Estudantes com o Espadim Colégios e Oficnas 57 57 60 63 65 oF 70 73 75 oe oe: 8 83 85 88 9! oy hy oF 100 102 105 for 108 iit 13 LIS 118 (21 123 Capfruo Quatro Fim & TRANSFIGURACAO DA “EDUCAgAG MucAntca” A Manufatura Vence 0 Artesanato A\Nova Ideclogia Formativa AMisica como Officio Mestres de Musica de Libré Uma Verdadeira Educacio Permanente Mestres Escrivies e Mestres de Escola Uma Recuperacao Protecionista Da Metafisica & Economia A Pedagogia Revoluciondria De Barbeiro a Médico Caviruto Cinco NASCIMENTO # DESENVOLVEMENTO DA NostaLata O“Fundo de Ouro” do Artesia O Filésofo lumina o Artesiio O Avental Sempre Limpo O Canto de Cisne das Corparagdes A Heranca Educativa da Artesanato 127 127 129 131 [34 137 139 142 145 (47 150 155 155 158 i6t 162 164 PREFACIO AO LEIToR DE LINGUA Portucursa da somente par cerim6nia que digo estar muito contente por esta edi Se portuguesa, num pais como © Brasil, do mau livre que trata da histé- ria do artesanato como elemento Antiquissime (alguns estudioses remon- a pré-histéria, nada menos gue ao home sapiens) de grande relevo, nio na produ¢ao, mas na cultura ena educagio, mesmo se muito raramente ad: 05 paises da América Latina em geral e, 0 Brasil entre os primeiras, Mguera © a cratividade das suas componentes éinicas e antropoldgicas, apre- Bainda uma produgio genuina de varias formas artesanais de cardter popular daros de uma cultura antiga € original ¢, portanto, de uma educagao eficaz e mais que na Europa au em outros paises industrialmente mais avangados. A Bade deste artesanato difundido e mantido em boa Parte ainda na tradigae da 0” da populagio, oferece em certas zonas.e em Gertos niveisia indubitavel de no ter sido sufocado Pela invasora produgao industrial ¢ pelos Bepos consumistas de massa, também no Brasil o tunsta pode encentrarsouvenirs Produzides em aquina, quantos os quelra, NOs aerapertos, nas lojas e além, Mas se sai dos eGO-consumMmo massificad6 pode ainda encontrar eo poderd ainda no iminen- romilenio, desejamos Ber Muito tempo - objetos de varios ipes, quase sem- 9s Obras dearte, produzidas talvez nas horas livres por um camponés ou 70, Ou por mulheres que bordam com uma maestria de fazer inveja aos &s das luxuasas butiques do Rio, de Nova York ou de Florenca. Nao digo isse para fazer publicidad de um tipo de produgio que poderiamas dizer pobre (economicamente) mas, claro, rica esteticamente; ao contrdno, para procurar emonstrar que ela subentende uma antiga cultura no povo que é seu cada, transmitida porséculos e talvez por milénios, e que exprme nao so.um modo de operar, uma ha- bilidade manual refinada ¢ uma inspiragio artistica importante, bem como para lembrar - COMO justamnente procuro fazer em Nostalgia do Mestre Artesdio - que ela testermunha com a sua tradigao. através quem sabe quantas geracGes, uma antiga pedagogia que en- sinava a produgir as coisas. de um cero modo, mas tarnbérn transmitia urn comnporta- mento humano no privado e no social, em resumo, uma visdo de mundo, Aquela pedagogia era relativa a.um modo de formar as novas geragdes que, dada'a pequena minoria que seguia os estudos e, ac contrério, a grandiss(ssima maioria dedicada ao trabalho manual, prevaleceu ao menos até hd alguns séculos atras. De- pois, sob impulse da industria, do desenvolvimento do tercidrio comercial e do consumismo de massa, foi rapidamente diminuindo, para confirmar a posi¢ao tradi donalmente afirmada pelas classes dirigentes: que a verdadeira educagdo ea verda- deira instrugdo so unicamente aquelas que se assimilam através do exercicio e do aprendizade intelectual, estudando-se 9s livros € escutando-se a voz do mestre, nas carteiras das escolas ou da universidade, ¢ nao sujando.as maos, por assim dizer, produzindo objetos materias nas escuras ¢ talvez mal-cheirosas “oficinas” (como antigamente se chamavam na Itilia os laboratorios artesanais), Sea pedagogia do “aprender-fazenda” é tao antiga quanto os primeiras artesios © afunda suas origens - como se disse- na era neolitica (as primeiras pedras sempre mais finarnente trabalhadas para delas extrair ferramentas do trabalho agricola ou armas para combater, e até objetos decorativos ¢ ornamentais, nao eram talvez fruto de uma pedagogia muitissimo valida!), é quase tanto quanto antiga o desprezo que ela encontrou junto ao saber oficial que distinguia o saber falar e raciocinar do saber fazer, porque © primeire era visto como 0 saber do homem livre (livre da necessi- dade de trabalhar para viver) eo segundo, ao contrario, do trabalhador cujos prépri- os deuses haviam marcado na sociedade uma posicao daramente inferior, Cunosamente, porém, exatamente no momento em que na Europa a indis- tria com suas fabricas fumacentas comeca a suplantar.as oficinas barulhentas e muito freqlentemente mal-cheirosas, € boa parte dos artesaos, para sobreviverem, 530 obrigados a tornarem-se operarios das manufaturas ou das fabricas a vapor, els que por parte dos expoentes ilustres da cultura oficial (Goethe, para mencionar um sé. nome entre tantos) comeca-se a sentir saudades do artesanalo e da sua pedagogia que dava, nio obstante as suas imperfeicdes, também uma formagio moral eo senso de pertencer a um corpo social reconhecido, como as Corporagdes das Artes € Oficios (os Grémios dos paises ibétices), enquanto o trabalho na fabrica era privado de toda eficacia formative e tendia somente a tornar sempre mais © homem - e tam- bém a mulher as criangas que exatamente naquele momento da revolugao indus- trial, so recrutadas em massa nas faébricas - um complemento das maquinas As histérias da pedagogia ou da educagio quase nunca tratam do artesanato e da sua importancia formativa, elas também submissas ao principio segundo o qual a educagao diz respeito somente a quem se forma através dos livras. Mas deste modo continua-se a perpetrar uma injustica histérica, cancelando um trago sabre o qual caminhou grande parte da juventude, desde a infancia do homem que havia ha pou- co-tempo aprendide a viver em sociedade. Nostalgia do Mestre Artesio di uma modesta contribuigae para reparar esta injustica, esperando iniciar um processo de revalorizagio da importinda do "aprender-fazenda”. Antonie Santen! Rupis Florenca, Janeiro de 1998 INTRODUCAG A EDICAO BRASILEIRA Epucagao E TRABALHO ARTESANAL Dermeval Saviani 1.0 Tema sistema das corporacées ja se encontrava em fase de dediinio, Com efeito, come nas mostra Santoni Rugiu, as corporagdes de offcio tveram um forte desenvolvimento a partir do século Xl, atingiram 0 seu apopeu no século XIV entrando, a partir dal, num lento mas continua enfraquedmento até se- rem formalmente extintas em fins do século XVill e inicios do século XIX. ‘Ora, nos albores do século XVI, quando o Brasil é incorporado ao império portugues, jd se encontra em cursoe processo de desmontagem das corporacbes artesanais. Alias, a propria descoberta do Brasil, assim como das demais terras do “Novo Mundo”, se insere na expansao do comércio Cujo desenvolvimente ird tor- nar invidvel © sistema das corporagbes Efetivamente, o artesanato evalui do "sistema familiar”, quando se produziam os instrumentes rudimentares necessdrios & subsisténcia suorida através do trabalho agri- cola, para o “sistema das corporagdes", quando o artesdo se desloca para a cidade e Passa a produzir para um mercado pequeno e estavel constituido pelos habitantes urbanos. Nessa condicao, o mestre artesio s€ constitui em produtor independente, dono da matéria-prima.e das ferramentas de producio, que vende diretamente o pro- duto de seu trabalho e nfo sua fore de trabalho, Quando o mercado se amplia, esse regime: é substituido pelo “sistema doméstico” que nao altera 0 processo produtive Mas No qual os mestres jd nao sao mais independentes. Eles mantém a propriedade dos instrumentos de trabalho ¢ produzem na propria casa com © auxilio de um ou dois ajudantes, mas passam adepender de umn empreendedor que lhes fornece a 1. Brasil entrou para a histéria da chamada civilizacio ocidental quando o 2 Nostanoia po Mrstre AxresAo _ matéria-prima, transformando-os em tarefeiros assalariados. O aprofundamento des- Se processo conduz 4 implantacao do “sistema fabril" que implica um mercado cada vez mais ample e instavel. Aqui os trabalhadores perdem inteiramente a sua indepen- déncia, deixando de possuir os instrumentos de trabalho e pasando a produzir em edificios de propriedade do emmpregador, sab rigorosa supervisao. ‘O primeiro “sistema” vigorou no periodo inicial da Idade Média: o segundo pre- valeceu até a final da Idade Média; o terceiro se estendeu do século XVI ao XVIlll; €o quarto se desenvolve do século XIX 20s nossos dias (HUBERMAN, 1978, p.125), Vé-se, assim, que 0 "sistema das corporagées" exige um relativo mas ainda incipiente desenvolvimento das Gdades, As aglomeragdes urbanas inferiores a dois mil habitantes, predominantes na Idade Média, nao colocavam a necessidade das corporagées de oficio. Também as cidades portuarias nao eram propicias ao seu desenvolvimento. O regime das corporagGes tendeu a proliferar em centros urba- NOs Com populagdo supenor a dez mil habitantes, tendo em vista a Satisfagdo das necessidades de um mercado consumidor interno. AS caracteristicas acima indicadas nfo eram encontradas de forma. significativa €m Portugal e muito menos no Brasil No apogeu do império portugués (1527-1531) apenas as cidades do Porto, com pouco mais de dez mil habitantes, e Lisboa, com cerca de setenta mil (GODINHO, s/d, p.|2), preenchiam o requisite populacional. No entanto. so cidades maritimas centradas em atividades portudrias voltadas para. o comércio ex- temo, 6 que, como ja se assinalou, nao resulta propicia ao desenvolvimento do regime das corporagées. No Brasil, em [534, g¢ longo de seu extense litaral, vegetavam apenas aito Pequenos arraiais ou jeitonas, com algumas dizies de choupanas cada uma... Era ‘essas feitorias as de Olinda, Igaragu, Bahia, Porto Segura, lihéus, Vitdria © Sto Vicente, cam seu apéndice do vila de Santos, incipiente apenas (MATTOS, 1958, p.25) A constatacde feita acima nao significa que nao tenham existido corporagdes ¢m Portugal e mesmo no Brasil. Apenas indica que elas nfo tiveram ato esplendor que adquiriram em outros pafses, em especial na Italia, regido. que concentrou 0 maior numero de corporagées, Celso Suckow da Fonseca registra a existéncia de corporagdes em Portugal, especialmente nas cidades de Lisboa e Porto, citande também Evora, Santaréme Coimbra. No Brasil reconhece que.a presenca das corporagées, se nde foi brihante, nem influiu nas nossos destinos, teve, entretanto, bastante duragdo (p.54) jA que se estendeu do final do séculoVI até o inicio do século X1X quando se deua sua extingao formal através do inciso XV do artigo 179 da Constituicio Imperial outorgada por D. Fedral em 25 de margo de 1824 (FONSECA, 1986, |° vol., pp.39-56). IyTRopugho AEDigko Beasuea 3 Por outro lado, o desenvolvimento das manufaturas foi obstaculizado pela con dicéo de colénia que sofria diretamente as restri¢Ges apostas pela Metrépole que ‘chegou, através do alvard de 5 de janeiro de 1785, a ordenar qué todas as Fabricas, Manufaturas e Teores de Galdes, de Tecicios, ou de Bordados de Oure, e Prata: de \eludos, Brilhontes, Setins, Tofetés, ou de outra quaiquer qualidade de seda: de Belbutes, Chitas, Bombazinas, fustées, ou de outra qualquer qualidade da Fazenda de Algod6o, ou de Linhe, branca, ou de cores: E de Panos Baetcs, Droquetes, Saetas, ou de outra qualquer qualidade de Tecidos de Ld, as attas Tecidos sejam fabricados de um so dos referidos Géneras, ou misturadas, e tecidos uns com os outros: excetuan- do tdo somente aqueles dos ditas Teares e Manufoturas, em que se tecem, ou many- faturam Fazendas grossas de Algodéo, que Serve org 0 uso, @ vestudrio das Ne- 808, para enfardar, e empacotar Fazendas, e para outros Ministérios semelhantes; todas a5 mais sejam extintas, e abolidas em qualquer porte onde se acharem nos Meus Dominios do Brasil, debaixa da Pena do perdimento, em tresdobro, do valor de cada ume das ditas Monufacturas, ou Teares, e das Fazendas, que nelos ou neles houver, € que se acharem existentes, dais meses depois da publicagao deste: reper. tindo-se a dita. Condenagéo metade a favor do Denunciante, se o houver: ¢ 0 outra metade pelos Oficiais, que jizerem a dilgéncia: € nde hovende Denunciante, tueia Pertencerd cas mesmos Oficiais (NOVAIS, 1989, p.270), Ocumprimento dessas determinagées se fez com a morosidade prépria da administragao colonial. Apenas em |2 de julha de 1788 é exarado 0 cficio através do qual se constata que, reolizadas as buscase feitas as apreensoes, o resultada foi wsivelmente decepcionante: reuniram-se ao todo bora remeter a metrépole | 3 te- res de tecitles de ours e prata (IBIDEM, p.2/0), cuja distribuigae por cinco propri- etdrios revela o carater artesanal das atividades, ndose podendo falar em fibricas ou manufaturas organizadas soba forma de empresas. Essa situaco se altera coma transformacdo da entao Colania em sede do gover- no portugués quando da vinda de D. Jodo Vl para o Brasil em conseqliéncia do blo. queio napalednico. A Carta Régia de 28/01/1808 decreta a abertura dos pertos co alvard de |° de abril do mesmo ano estabelece aliberdade de industria. Apés a inde- pendéncia é fundada em 1828 a Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional que, entretanto, se dedicava. principalmentz ao aperfeigoamento técnico daagricultura(LUZ, '975, p.52), Eem 1857 surgia, por iniciativa de Bethencourt da Sitva, 6 Liceude Artes € Offcios para cuja manutengao fol instituida a Sociedade Propagadora das Belas Artes. Tais entidades tinham Supressao, ccomda nos diversas estados europeus entre o fim do século XVI e inicio do shculo XIX. Na realidade, o terme Arte, para indicar aquelas pariculares associacées, foi usada sobretude na Toscana. Em outras zonas, as denominagées foram diferentes e As wezes sujenas.a mudancas no tempo. Para cttar algumas, temos: Colégio em Roma, Con- sulados em parte da Lombardia, Universdade no Piemonte e outros lugares, Companhia na Emil, Grémio na Sardenha, Confrarias ou Inmandades no Véneto, Mestrangas na Sicilia, Ministérios em alguns centros norte-ocidentais, Paratic em zona ex-longobarda,etc. Na (Gri Bretanha e nos paises alemiies, prevalecerarn em geral, respectivemente, guilds e Giden; na peninsula ibérica, gnémios; na Franga, métiers ou devairs, A diferenca dos names correpondiam, frequentemente, mais ou menos notives diversidades de ordem intemae “de relagSes com o exterior ¢, assim também, de hierarquia social e cuttural. Nés, para entendermos aquela realidade. usarmcs em geral o terma'Corporagbes., termo esse, po~ rem, relativamente recente, dfindido na idlia somente na segunda metade do staulo passado -€. depois propagado pelo fascsmo por ocasidio do seu projeto de neo corporativizagiio Ga Italia “disciplinada, laboriosa e produtiva". Antes do final do século XIX, oterme * Na transposiczo para 0 portugués, entretanto, © terme “Arti” foi geralmente traduzida “por “Corparagies” denominagia, mais adequada ac nosso contexto linguistico-cultural (N.T}). 24 NOsTALGIA DO MESTRE ARTHESAO. Corporagies era raramente usado para entender aquilo a que aqui chamamos Artes. Corporation ern inglés e em francés estava mais para sodedade comercial ou industrial, € com esse sentido permmaneceu ainda no uso americano. E verdade que ne latin tardio corporatus quis dizer membro de um compo moral, mas aquele corpus podia ser urna as- sodagio ou uma conmunidade (universitas) qualquer, nao necessarlamente uma Ane... ‘As Artes, no sentido acinna, foram, ao invés, uma realidade especifica na boa e m4 sorte. Nao simples associagdes de produtores de bens, no sentido lato (quod podest hoc ipsum bonum est, segundo S. Tomas), existentes desde os tempos antigos alias, antiquissimos, se € verdade que deles existem numerosos traces até nas tabuas suméricas —, mas ligas profissionais caracterizadas por direitos e deveres particulares, por privilégios e por vinculos reconhecidos & garamtidos pelo poder piiblico, ele mes: mo, em medida mais ou menos sensivel, condicionadio pelas organizagdes das Artes presentes no territério. O exempia talver mais tipico de tas priviégias garanidas era oMonopdlio do qual toda Carporagao dispunha para o exercicio € 0 ensino Ga prd- pria atividade em um determinade terrténa. © monapélio de ensino compreendia também 0 poder discriciondrio para certas condigGes convencionadas de gerira instru- io geral.a sociaizacao e também a qualificagio e a insergac profissional dos aprenci- 2e5, uma vez vindos a ser“matriculados” e depois mestres naquela Corporaqao. E exatamente sobre esta prerrogativa pedagégica que aqui discorrerei. Essa, como-as outras prerrogativas, implica a accitagio, por parte das CorporagGes, de vinculos correspondentes: a obrigagae de nao invadir setor profissional aceite (os conflitos de competéncia entre Corporagdes eram obviamente freqtientes e infla- mados, também porque cada uma delas disputava entre si, pare absorver oficios me- nores ou—de qualquer maneira, incapazes de organizar-se autonomamente, nao importa se de todo — outro género produtivo), a proibigdo de acolher nas oficinas um ndimero de aprendizes superior Aquele estabelecido, ¢ assim por diante. Na cameo, eaté o momento do maximo explendor artesio, a soma dos privilégios supetava 0 peso dos vinculos. Depois, & medida que o regime comunal se trasforma em senhoria e depois em monarquia, os vinculos sé tornam sempre mais prepon- derantes em relacdo aos privilégios, sintoma car de que o modo de producao ¢ as relagdes socials tipicas das CorporacSes tornavam-se sempre mais desatualizadas, até o golpe final que sofreram ne choque com a irresistivel revolugao industrial Naturalmenté, como os artesdos associados existiam bern antes que se afirmas- sem as Corporagies, assim continuardo a existir, mesmo depois da supressao definitive do ordenamento corporative, Tmbém hoje os artesiios existern individualmente ou como nonmais associagbes sindicais ou profissionais, mas aquilo que importa € que, ha dois séculos aproximadamente, eles naa constituem mais um corpo dotado de premogativas especiais; a primeira entre todas, aquela capaz de gerir pessoalmente toda ainstrugio ea Oargen: assocaGio de joverss aspirantes a exerceruma determinada atividede artesd, segundo um “projeto cultural e um piano metacioldgico didético tipiens e exclusives para cada uma de- ‘as. Também o fim da Corporagao mais elevada cutturalmente. aquela dos pedreiros-Li- ‘Berais, que acontecerd quase por autodissolugao, ou por alienagio das prdprias “Iojas" e vrelativa prerrogativa, em vantagern da nascente Magonaria “simbdlica” noinido dosécule Avil. ndo quererd dizer, obviamente, que desaparecerao da face da terra arquitetos, en- genheiros, mestres de obras, pecreiros qualificados, mas apenas que eles, despojades ‘Gos antigos privilégios e vinculos, ndo serde mais formados nas escolas das offeinas ou Jojas, mas em itinerdios distintos de instrugdo geval e especffica das warios nivels, que nick terdo aver com as corespondentes categonias artesanais, escolas profssionais inferiores. Institutos tecnicos ou curriculos Universitarios tecnoligicas surgiio depois, como vere- fos, por inicativa dos poderes puiblicas ew empresariais privados) mas bem poueo reto- mardo do desaparecicio espirito @ da concreta dindnica formativa das Corporagdes. A Gecadéricia mais significative das proprias Corporacées se dew quando nde tiveram mais a forganem a conveniéncia de reproduzir nos seus interiores segundo proprios ¢ indiscuti= vels pordrnetas, os seguidores nas diversas atividades. De resto, o que teria sido das corporagies mitaras e edesiéstcas se, por hipdtese, devessem renuntiar respectivamente as escolas e Academias militares (tao importantes, ao contrario, come veremos, para renovagio cultural ¢ diditica entre as séculos XVII eXVIll) ¢ 20s semindrios? A capacida- de reprodutiva é © primeiro requisite de sobrevivéndia. Se cair, o fim estd prdximo. Os contetidos € métodos e, ainda mais, a ideologia, que seri depois transmitida nas escolas ‘ou universidades piiblicas, seréa, em muitos aspectos, opostos & antagdnicos em relagdo Aqueles da formagdo artesi de antigamente. Nem as modemas formas de instrugao e treinamento profissional podem-se considerar a continuacio dos antigos modelos aresanais. Estes, do aprendizado de antigamente, tm sé o nome, nlio mais que isso. Az OFICINAS pos MosTE Mas, netomemos as ongens das Corporagdes para nelas delinear, menos genérica epressadamente, a trejetéria. Antes do século XII na Htajia da alta Idade Média, tem-se notida, sé para dar alguns exemplos, descholue de pescadores.e Scougueiros em Ravena, Ou ainda de sapateiros, carpinteiros ¢ hortetios em Roma, eassim em outros lugares. O uso do termo scholae (assodagdes de ofide)} muita provavelmente estd a indicar que jé nao somente se preocupavam coletivamente com a formagdo das seus continuadores, mas ostentavam tamberm um patriménio cultural e pedagégico dotado de particulares técnicas de transmissao. De resto, 0 uso do termo “escola” paraindicaro lugar eas formas de um tirociniondo morreu nem mesmo hoje quando se diz. que “Fulano” pro- _wém da escola de “Cidano", em que este tltimo pode ser ndo sé um professor ou um 26 Nosrarcia no Mrstee Arr erudito, mas também um marceneiro ou um agougueiro, Antes ainda do século XI, quando as formas de predugio material e cultural sobreviviam fechadas em lugares isolados e fortificados, artesios de varios géneros, dos pintores aos caldeireiros, aos cinzeleiros, e assim por diante, formavam-se nas oficinas dos mosteiros que faziarmas vezes das escolas de Arte no sentido lato ¢, segundo Hauser, “cuidavam especialmen- te-do treinamento de jovens', instituindo “laboratérios artesanais destinados a instruir amio-de-obra necessaria”!. Exatamente estes mosteiros, verdadeiras e propria cida- des auto-suficientes (se é verdade que nos primérdios do século XI, por exemplo, nada menos de vinte mil homens trabalnavarn sob as ordens de Aicuino no mosteiro de Tours), dio 0 exemple da conveniéneia de dois tipos de formaco, com respecti- vos niveis, na mesma comunidade: a primeira destinada aos irmas ordenados ou dérigos, desenwolvida segundo esquemas do Tvio-Quadrivio, ea segunda destinada, aos fratres laborantes ou aos leigos encarregados do servico ou da produgdo mate- ral. A partir da Regula de Sdo Bento, e precsamente a partir da negra LMIl (De artificibus monasteril), sabemnos que os manges podiam exercer as respectivas Artes, natural. mente com a permissdo do abade, mas sem envaidecer-se nem mesmo pelos mais brilhantes resultados, porque cada produto servia para proveite do mosteiro e. princi- palmente, para a glonficagio de Deus, Inditil dizer que a avidez pelo dinheiro era ainda mais condenada (avaritice malumn). Para preveni-la, a venda dos produtos artesanals do mostairo davia dar-se por um prego inferior aquele do mercado civil Segundo Ariés, que, porsua vez, retoma A. Marrou, também.o ensino mais elevade para a formacSo dos clérigos consistia em “urna instrugao essencialmente profissional e técnica” , nes limites daquela que hoje se chama redutivarnente ades- tramento ao trabalho. Em suma, uma instru¢3e restrita as nogdes ¢ habilidades in- dispens4veis a um padre ou um frade ordenado: aprendizagem de memdéria do off- cio divine para poder reciti-lo e canto, mais “os conhedmentos a que poderemos chamar cientificos, como 9 calculo do calendario da Pascoa, ou artisticos como o canto na igreja”. Naturalmente, todo esse aprendizado ere do tipo oral: “os alunos em coro retomavam a frase do professor e salmodiavam-na, repetindo o mesmo exercicia, até que o soubessem de cor. Os padres podiam recitar de cor quase todas as oragdes do offcio. Por isso, a leitura nao era mais um instrumento indispen- sdvel de conhecimento, mas apenas um subsidio da memdria, em caso de esqueci- mento ou de incerteza"?. Por outro lado, é preciso pensar que o ndmero de textos 1A. Hauser Storia dell’Arte, Einaudi, val. |, p.199, 19737, 2, 5. Benedict, Regula. sab a coordenago de G, Penco, O. 5. B. , La Nuova Italia, p. 155, 1970! 3. PH. Ariés, Padei e figli, Laterza, 1983, pp. 156-157. As Origins Menu: Bdisposicao de qualquer estudicse era entda limitadissimo € a soma global de pagi- fas, muito modesta, de modo que depois de nao muito tempo era possivel a todos 95 alunos memorizar todo oJatinério relative. Quanto ao aprendizado da escrita, nern se fale. Salvo excegdes, a ele ndo tinham acesso nem mesmo os futuros clé- gos, Ou seja, os futuros intelectuais profissionais, Os artesdos, muito menos. Um outro autor A. Ponce, de formagao bem diferente daquela de Ariés, notou vatamente que “a economia mondstica apotava-se sobre uma organizagao do traba- ho com regras precisas de disciplina. © eastelo feudal era quase exclusivamente o acamparhente de guerra no qual o senhor repousava depois do saque © se preparava para o préximo. O mosteiro, ao contrario, constituia umali¢Go viva do trabalho arga- nizade e racionalizado, a tal ponte que acabou por influendar, e ndo.pouco, as suces- sivas burguesias™'. No intenior dos mosteiros, de fato, vigorava uma divisdo técnica e social do trabalho, segundo um rigor antes desconhecido e que por sisd constitula um indubitavel modelo formative, de éxito certo, com estruturas e fungées em certos aspectos, ndo cliferentes daquelas da sucessiva organizagio das Corporagées. A pré- pra. convivencia de-dois niveis paralelos, aquele do Tivio-Quadrivio para sacerdotes e dérigos ¢ aquele adestrador pritice para os artesdos, antecipa a futura bifurcagio entre formagao nas Artes liberals ou nas Artes “mecdnicas’. Dois niveis que vernos correr paralelos, © por isso nunca comunicantes nos séculos sucessivos, através de altos e baixos, até 2 atual dicotomia entre estudos do tipo “secundano” e universitario, desti- mados a alimentar o mercado de trabalho intelectual, e, no opaste, a formagao assim chamada profissional (quem sabe por que se chama assim exatamente aquela forma- Bo que nao leva as profissGes propriamente ditas?), teoricamente destinadas a repro- duzira mao-de-obra em nivel de técnicos inferiores ou operdrias qualificacs. Mistee=Misrério (O mérito dos mosieires nos séculos Vi-XI, aproximadamente, ndo foi, por- tanto, somente aquele de ter conservado tesouros de arte de estudos, ede ter Trensmitido o patriménio pedagdgico dos cléssicas, comp sublinham pontualmente todos os textos escolares até hoje, mas também aquele de ter acolhido as atividades materiais, ordenando-as e aperfeigoando-as sepundo o regime de vida ent3o vigen- , até ali campreendidas as técnicas de transmissde pedagégica, além das formes de tabilidade agréria e artesd € até as bases ce crécito bancdrio, que explodird nos los sucessives. Todavia, é preciso estar atento para relacionar estes fios entre 4, A, Ponce, Educazione & Lotta di Classe, Savelli, p.95, 1976, 23 Nosrancu po Musree Aum momentos e figuras histéricas diferentes, para nao “fazer de qualquer erva um maga”. Com certeza, parece-me que existem alguns aspectos da formacio nas Corporagdes claramnente derivades daquela jé adotada nos mosteiros. Porém, existe tambem uma série de grandes diferencas. Antes de tudo, de tudo. o-valor penitencial que tinha o trabalho-ladiga por parte dos monges € dos seus servos, alé mesmo quando se tratava de seribere, isto &, copiar interminavelmente manuscritos, quem sabe sem entender 6 significado deles. Ao contrario, em certo sentido, quase até os anos Mil, era menos humilhante cultivar a terra do que scribere, porque a terra era testermunha continua e natural. do ato cnador dé Deus ¢, portante, trabalhdta era como inserir- se no sulco da sua graca. Essa mentalidade é para nds dificil de reconstruir e ira de saparecendo 4 medida que as Corporagées se consolidam. Ainda mais dificil para nds é aceitar o quanto de atribuigao magica existia na representagae de quase todas as atividades nao naturals, principalmente quando in- Tervinham novos instrumentos ou maquindrios. jacques Le Goff observa como a construgio de um moinhe de 4gua "passava aes olhos des cantempordneas como uma prova de saber quase sobrenatural, quase ‘taumatirgico dos monges, mais do que um exemple de sua habilidade técnica. As Vitae referem-sea estes episddios come mirabilia"®, E evidente que tal dom “mégico" nao podia ser ensinado com a mesma didatica com a qual se ensinava a habilidade pratica mais comum, € isto constitula a diferenga, comvantagem, das atividades que implicavam o mesmo *ma- gico” dam. Ao mesmo tempo, reforca-se a espontdnea sinonimia mister =mistério. Que coisa existe de mais misterioso que o magico? Teofilo Prete, monge beneditino, por voltade ano Mil, condenava “a inatividade do espirito e a abstrata vagabunda- gem da alma”, a serem compensadas com “Uteis ocupacoes manuais & a agradavel procura por coisas navas". Em particular, para temperar as limas, depois de ter descrito o use do sal e de fogo, recomenda uma outra técnica infalivel: “Pegue um bode de trés anas e mantenha-o prese no cercado sem alimenti-lo, no quarto dia dé-the para comer sarnambalas ¢ nada mais. Quando as tiver comide por trés dias, coloque-o, na noite seguinte, emum tonel de fundo furado. Sob o furo ponha um outro recipiente nda furado, de modoa recolher-the a urina". Com esta se teria obtido uma dtima témpera para varios utensilios de corte. Alternativa valida a urina de bode de trés anos, era o mesmo liquide extraide de uma crianga de idade im- precisa, mas ruiva.' Hoje podemos explicar a escolha da urina capnina pensando na alta taxa de amoniac, muito menos, porém, © requisite des cabelos ruivos da cn- anga. De qualquer modo, nfo ha dividade que ume certadurea magica sobrevive~ 5, J. Le Goff, Tempo della Chiesa e Tempo del Mercante, Einaudi, 0.04, 197, 6. dt. em Fklemm, Storia della Tecnica, Feltrinelly, p.91, 1959. As Oncens Mrprevats 29 fa, mesmo se progressivamente atenuada, nas CorporagGes.até o século Xill, e para algumas delas (por exemplo, os pedreiros Liberais) também depois E sabide que coma crise do feudalismo, a despopulacdo dos campos e 0 con- seqiiente fenémeno da urbanizacao, ‘em torno dos muros que circundavam os cen- tros habitados, fermvans-se 63 burpos para onde confluem novos artesiios e comerti- antes. © nivel de wida lentamente aumenta, o mercado se abre e as relagdes de todo: “Epo se estendem. E a medida que crescem os consumos, relativamente a grande de- pressdo das trocas tipica da sociedad feudal durante muito tempo, naturalmente cres- 8 a produgio em quantidade e qualidade. Mas, para isso, foi mecessdria um salt tecnolégico © de organizazao do trabalho ¢ preliminarmente uma maior flexibilidade e ‘eficdcia nos produtores, ou seja, novas modalidades produtivas ¢ reprodutivas, impli- condo, por sua vez um aumento da taxa de instrugao bdsica € especializada, Eis, por- tanto, que as espontineas universitates (assodacSes) de artesdos e sécios sfo pro- gressivamente institucionalizadas e conquistam a protecao dos poderes piiblicos, a espera de. apropriar-se deles, elas mesmas, ou aa menos de condiciond-los direta- mente. Tal ascensdo se inicia no século Xl ¢ culmina, como se disse, na século XN. Estaé acompanhada também da difusio das universitates magistrorum Ou universitates scholarium, isto é, aquelas que hoje chamamos universidades, associagdes particula- res dedicadas & producao de bensintelectuals tipicos das Artes liberais (rvio quadtrvia € depois também Teologia € Direito, €, mais tarde ainda, Medicina), no ainda, porém, no vértice do prestigio cultural e sodal. Inicialmente. de fato, a disting3o entreuniversitates de Artes “mecdnicas” & universitates de Artes liberais era pouico marcada, Em Nome pe Devs 5 po Ganno Para que ela (a distingio indicada) tame-se marcada, & necessirio que se estruture uma hierarquia conseqtiente a divisio social do trabalho e que se elabore uma ade ‘Quada ideologia de sustentagao, o que acontecerd contemporaneamente a ascensioa das Corporacdes. Antes do século Xl, “o trabalho assim came haje o entendemos como foi entendide a partir dessa @poca, nfo tinha ainda um nome. As palavras Que mais se aproximavam (labor, opus) colocawam o acento principalmenite na fadiga ‘Bsa e moral..."”, itil, como jd acenado, para fazer peniténcia do pecado original com “© “suor do préprio rosto”. Tal concessao era, porém, parte integrante da ideologia idal e no soube resistir aos fortes impulsos da nascente sociedade comunal: os sds @ comerciantes, que animam.os burgos e depois conquistam as cidades, 7, J.C, Schimnitt, “La Storia dei Marginali’, in La Nuova Storia , sob coordenagie de |. Gof, Mondadon, pp 267-268, 180, nao trabalham pare salvar a alma, mas para ganhar Inicialmente isto nao € tao claro como sera mais tarde, por exemple, quande sobre as prOpnias correspondéncias, Francesco Datini, na segunda metade do século IV registrard “Em nome de Deus edo ganho”, masa raiz é.a mesma, A ascensao destes burgueses, justamente, im- plicava que nao sé nao se considerasse mais pecaminoso comprara obra de outrem €, portanto, vender a prépria, mas também que se considerasse licito, ou ao menos tolerdvel, apropriar-sé e especular sobre a duragSo do tempo e até sobre emprés- timo a jures excessivos. Tratou-se de uma escala de valores totalmente nova e em boa parte derrubada, da qual nao é nada fiicil, hoje, aperceber-se. Do Humanisme em diante é consagrado que a produgio intelectual seja a maximo da atividade humana e que a sua mais nobre forma seja a expressao da palevra, instrumento ideal de comunicagao € de conhecimento. Mas, até osurgimento da primeira ideologia burguesa, ou seja, das Corporagoes, a palavra era considerada de propriedade divina, exatamente como o tempo, e sérvir-se dela para especular mentalmente ou materialmente era quase usurpagao sacrilega. Vimnos que os mon- ges copistas eram consideradas, teclogicamente falando, inferiores ao campontés: a terra claramente nos tinha sido doada por Deus para que nds a ajudassemos a de- tMmonstrer a sua fertilidade no periode justo da estacdo, masa palavra, no; a palavra era. nossa somente para ser devidamente usada para difundir a Verdade. nunca para adquitirmas farna ou, pior ainda, dinheiro. Os primeiros mestras laicos das Univer- sidades mediavais esbarraram exatamente nesse tipo de acusagao. Se depois supe- raram-na.em beleza, foi porque a mudanca de mentalidade estava ja em curso avan- gado e, portante, de certo modo, artesdos € mercadores contavam mais qué os tedlogos. Giovanni da Dinamarea, no sécule XII, tinha propasto entre os primei- ros, a distingac entre Artes mecd4nicas evArtes liberais: as primeiras compreedendo todas as atividades artesanais, inclusive aquela dos médicos, desvalonzados pelo préprio nome de “mecdnicas”, que, segunda o frade dinamarqués, seria derivado de mecor avis*( moechor, aris, no latim classico = rebaixar, adulterar, depreciar); as segundas, ao contrério, correspondiam a todas as atividades implicadas no THvio (gra- mutica, retGnica ¢ légica) e no Quadrivie (matemAatica, geometria, astronomia, musi a). No é difcil entender que o dero docente quisesse, assim, golpear.o desenval- virnento das universidades laicas, criticando principalmente as novidades perigosas que estas tinham introduzido, como os estudos médicos. A despeito destas vene- nosas criticas, Medicina continuard a difundir-se permanecenda, porém, por muito ‘tempo, até o sécule XVII pelo menos, uma faculdade curiosamente (ac menos para B. E. Garin. Leducazione in Europa 1400-1600, Laterza, p.24, 1976. MeEpievars 37 Bnossa dtica moderna) mais préxima dos estudos filoséfico-literarios do que da- Jes naturalistico-cientificos. Foi provavelmente um prego que os médicos tive- que pagar para ndo serem privados do olimpo académico e recolocados entre Bs Mecdnicos. Prego esse que nao conseguiram pagar os simples cirurgiées — nun- 2 reconhecidos como “artirstas liberals", porque havia o agravante da manualidade exercitada pela sua especialidade —, barbeiros-cirurgiées, conserta-ossos, sangra- Mores, massagistas, flogistas, simplicistas,etc: A equiparagao de cirurgia com media- em uma tinica Faculdade universitiria sera fruto do final do século XIX, como eremos. Até entao, os barbeiros cirurgides continuarao a exercitar (por exernplo, quele que, no cArcere de Spilberg, cortou a perna doente de Maroncelit), quigd sob vigilincia do médico, e se manterdo zelosos das suas antigas prerogatives. A mudanca de mentalidade depois do ano Mil liberaliza, em suma, os velhos Asticos impedimentos de derivagao teoldgica & coloca todos os produtores de fividade sobre planos aproximados, sendo até mesmo todos sobre o mesmo pla- “O intelectual urbano do século XII considera-se mesmo como um artesao, 6 urn homem de oficio, comparivel aos outros cidadaos. A sua funcio 60 -es- doe o'ensino das artes liberais”. Assim, mudava somente um adjetivo, liberal, com espeito as Artes tout court, aquelas que depois se chamarac mecénicas exatamen- para desvalorizd-ias diante das primeiras. Mas continua Le Goff: “O que é uma me? NSo 4 uma ci@ncia, mas uma técnica, Ars é téchne, é a especialidade do profes- ¢ como aquela do marceneiro, do ferreiro.,. Uma arte ¢ qualquer atividade rado- 2 justa do espirite aplicado a fabricagao de instrumentos, sejam materiais, sejam pecs E uma técnica inteligente do fazer. Ars est recta ratio factibiiurn™?. Assirn, intelectual é um artesdo como os outros, ¢ com tal consciénda ¢ levado a organi- ar-se em corporacGes e dar vida as Universidades dos estudos, nao obstante a Fesisténcia eas criticas daquele cero culto que pensava deter a exclusividade das Eres liberais. E talvez a agressividade eclesiastica contra os artesdos-intelectuais nao. fenha side o ditimo dos motives que os induziu a ndo “levantarem a crista” muito doe apermanecerem entre os humildes colegas “mecinicos”. Entre Artes mecdnicas das oficinas e Artes libereis das universidades ou das scolas, no final das contas, existe afinidade substancial: a educaco em ambos.os sos era dada principalmente pelo aprendizado de uma traditio feita de conheci- nentos mais habilidades profissionais especificas, ¢ pelas atitudes adequadas da ersonalidade, seja que ela dissesse respeito as regras projetuais e operativas ea damental ideologia do artifice, ou que dissesse respeito aquelas regras intelectu- 9. J. Le Goff, Gli Intellettuali nel Medioeva, Mondadori, pp. 64-65. 1979. 42 Nostaiaia po Mestre Antpsso ais do estudante € de professor Quem insiste nessa correspondénda é Hermann Leser, para o qual no sé as universidades foram madeladas sobre a estrutura das Artes mecdnicas — a ponto de os trés graus universitérios, scolaris, baccalaureus ¢ mogister repetirem os trés graus da hierarquia artes3 —, mas também as brigagbes de obediéndae servidio cram freqlentemente idénticas, nao excluindo o dever de ir roubar ou pedir esmola por conta do aprendiz e do trabalhador mais veihos de receber caprichosas punigSes corporais. Tal tradigao pedagdgica nos séculos sucessivos desa parecera das lojas & das oficinas, mas sobreviverd na tradigao des colleges britanicos até aos tempos, para nds, recentes, persistindo até hoje nas carperagSes militares emrrelacio aos recrutas ou “recos”. Leser insinua também que na Alemanha, onde vigiam particulares tradig5es, 56 em um segundo momento tenha aconteada a distin- io entre mestre de uma arte especiica (alfalate, ferreiro, agougueiro, etc)e omestre de escola auténtico. Até 0 trocinio da cavalana teria sido modelado sobre aquele das Artes mecdnicas: primeira, aspirante escudeiro (aprendiz) de um cavaieiro, depois “jo- ver senhor" (Jungher ou Junker), sempre ao lado do cavaleiro-mesire, mas, cada vez mais independente, até a desejada concessdo de cavaleira, depos dos vinte e umanos.'° Apresao, ARTISTA, “ARTEIRO”, ARTIFICE Exatamente esta (itima notagao estimula a tentar uma classificagao terminaldgica com respeito a algumas locugSes aqui usadas. Comecemos mesmo por “arte”, que me parece possa sera chave prindipal. Sabe-se, do latimars coma mesma raiz “ar de artus farticulagao), ¢ de armus (limero, que da igualmente o sentida de movimento: de resto, arm= brago, esti ainda no inglés moderna) ¢ também de.armna (ferramenta, instrumenta e secundariamente instrumento de ofensa). Come tradugio do grego téchne, antes recordado, equivala'a “técnica” , mas no sentido mais predso de capaci dade tedrico-pratica de organizar de realizar uma atividade, gragas a0 USO racional das cognigdes e das habilos, nado menos que ao uso do idéneo mecanismo. Assim, no latim medieval, As wezes, ars & igual amecanismo. O contririo dears erainers (sem ars); ou incapacidade de produzir qualquer coisa concretamente (diferente do significa~ do italiane de "inerte"). Artes liberales eram as atividades dignas de um homem livre. Livre de que coisa Livre da necessidade de ter que trabalhar para-viver. Ecomque Instrumente se exercitavam tais atividades? Prindpalmente com o instrumente liber (ivro), o Unico verdadeiramente digno de um homem liber (livre). Nao era certamen- teag acaso que a mesma palavra indicasse duas coisas diversas, mas de significade to 10. H. Leser, I! Problema Educative, vol. 1, La Nuova Itdlia, pp.46-7 & 50: cGiprocamente funcional. Voltemos agora um momento a “arteso”, que é, porém, JA recente: Até 0 séqulo XV dizia-se melhor “artista” (come usou Dante e como pbrevive até hoje em certos usos dialetais; por exemplo, em Roma, onde hoje algum: elho romano charnard ainda pintor ou diretamente “artista” ao pintor de paredes) ou irtfice" (usado ainda em alguns documentos de sodedades opeririasdo século XIX) ou também “arteiro” (como escreveu Dino Compagni na sua Cronica), agora confina- Go 40 Ambito militar para indicar o soldado do corpo de engenheiros, Em algumas Zonas da ltdlia, como Génova e baixa Lombardia, era € continuard por muito tempo “artese”. Jé que estamos aqui, revejamos também “mister”, tao ligado a “arte”. No so vulgar, “mister” aparece no século XIV exatamente no cume das Corporacdes, icamente come sindnimo de Arte, justamente. Na realidade, parém, “mister” (ou “mesteri” ou “misteri’) levava melhor ao sentido de certas necessidades ou regras substituiveis, inerentes a propria Arte, como revela alacugao “é mister fazer isto" (& necessario fazer isso), usada correntemente até 0 século passado. Vinha do latin tar- ‘dio ministerium (servigo organizado em base a normas), que vimos em algumas z0- ‘nas, usado também pare charnar “ministério” urna ou outra Arte, Trata-se, portanto, de termos € relatives significados muito ligados e, 45 vezes, intercambiaveis, At& aqui as coisas parecem bastante simples. lendem, porém, a complicar-se quan- ‘Go pera “mister” alguns apresentam uma outa paternidade, no momento um pouce: surpreendente, diretamente de “mistério"(um fato secrets), arcano, do latimmysterium (por sua vez, de grego mistérion), que, provavelmente, penetrou na lidlia peloantgo Francés mystére. De fato, “misténo” soava, 4s vezes, como "mestiere”, € vice-versa, ja “em uso na Florenca do século Xill. Emm suma, “mestiere", e suas variantes, e “mistério" "Soutras variantes. as vezes se confundem e se comutam. Na Gra-Bretanha nos sécu- Jes Xill e XIV alguns grupos de assodagGes mercantes de nova forrnagia, para nao-se sconfundirem com as velhas Gilds, chamaram-se exatamente Mysteries, no obstante esrnid os mercadores parécessem ter menos mistérios para guardar relativamente '208 artesdos (e, ao contrario, veremos, também os mercadores tinham os seus). A AhipStese mais plausivel para explicar esta tendéncia 4 intercambialidade é que os dois Ios, Mesme mastrando etimologias e acentuagdes de significado espedifico, se con- issem quando eram referides a mesma realidade, 4 CorporagSo que apresentava eitamente entrelagados os requisites de uma atindade orpanizada ngidamente (mis- ), ede um fazer secreto (mistério). Claro é que, entio, dizendo “mestiere” aludia-se a atividade que tinha o segredo dos seus procedimentos e.dos.seus rites como eiro cardter distintive, geridos e guardados pelos iniciades, Neles estavam compreendidas os procedimentos didaticos para inidar pradualmente. = aprendizes-mesires e, As vezes, os melhores aludantes. Procedimentos tanto mais etos enquanto unidos ao cotidiano @ ao uso minudoso de determinadas técnicas, 34_NOStAuGIA DO MEsTRE ARTESAO mas também com a pritica de ritualismos propiciatérios ¢ algumas vezes até de compar- tamento nos limites da magia. Ao menos até o séeulo XVII, naausénda de textos escritos € provavelmente de contetdos didaticos formais, ¢ compreensivel que todo a abrendiza- cdo fosse tao insepardvel do exercicio do trabalho para ser enwolvido no seu segredo € pare do deixor assim qualquer sinal especifico.Em suma, o segredo do aficio (mistério), ou para melhor dizer, do misténo do oficio, 6 provavelmente a razao pela qual sabemos Pouquissine ou nada de auténtica atvidade didatica e formativa que se desenvolvia rio interior das oficinas artesanais e dos depdsitos dos mercadores, princpalmente no pert odo em quea potéinda das Corporacies garantiu’a eles um segredo quase invuinerivel, Artes Libekats & Artes MecAnicas Tedavwia, retomando a andlise de Arte, o significado corrente deste termoem lingua vulgar era referido as atividades-de produgao manual-ou de qualquer modo “artificial” (obra de urn artifice). Mas existiam também as Artes liberales, coro se disse. E € justamente desde entao que a palavra assumiu um significado ambiguo, devido a diversas raz6es, prevalentemente, porém, ao fato de que enquanto as atividades das Artes “mecdnicas” assurniam importandia, a codificaggo das palavras era sempre reservada aos doutos, ou seja, aos cultores das Artes liberais, os quais, com respeito 4 arte-artesanato, mantiveram sempre atitude de desprezo, que motivou Giovanni da Dinamarca a restabelecer as antigas distancias. separandona raiz as duas formas da atividade humana: produgio de pensamento e produgio de mercadonias, No interior das duas grandes repartig6es, estabeleciam-se depois hierarquias internas, freqiientermente muito sensfveis. Por exemplo, nao bastava trabalhar com os livros para ser considerada, a titulo pleno, um homem livre. Até 0 Século XIll, também os advogadas, os escrivaes'! & aqueles que ensinavam nas universidades, como foi dito - a menos que fossem eclesidsticos - nde gozavam de muita consideracao. Eram, sim, intelectuais, mas marginais’?, consideradas mais ha vertente “mecdnica” que naquela ‘liberal’. O préprio fato de seremremunera- dos, como ha tanto tempo antes tinha acontecide em Atenas aos sofistas, era ja razo de forte duvida sobre a sua natureza de homens livres. A posicao dos tedlogos, como se viu, dava uma moa heranca da antiga con: cepcio aristocrética que desde as origens da cultura ecidental - suponhamos com Teognide e com Pindaro - sustentou definitivamente a inutilidade de todo o ensina 11. F Cardin, Aifabetismo ¢ Cultura Scritta nella Storia della Societd Italiana, (Att del seminario 29-30 marzo, 1977), Universit’ degli Studi di Perugi, pp.162-3. 12. |. Schmitt, op. cit., p.267, pretendesse conferir ao hamem valores ndo possuidos j¢ por direito de sangue. verdadeiras virtudes se herdavam, nda se oprendiam. Uma justa educagae pode senvolver as virtudes inatas, princpalmente através da partidpagdo e da imitagio, Mss quem nao teve tal sorte genética, emvao alcancard resultados pedagogicos, Exa- “amente como naquela tirada de. um famoso personagem shakespeariana, recorda- da também por Marx": “Ser dotado de uma bela figura ¢ um favor da sorte, mas “saber ler e escrever deriva do nascimento”. E ja que os sofistas, e mais tarde os rofessores das primeiras universidades , ensinavam a burgueses em condicdes de remuneri-los, mas ndo de nasomento insigne, eles desenvolviam uma atividade nao +56 de legitimidade dabia, e além disso va, mas quase trapaceira. Pesava o preconcei- “to de que a palavra, jf foi dito, da qual os docentes se serviam nfo menos que os Jeguleios 2.08 outros intelectuais, no pode ser vendida € nfo & nem mesmo mérito odo homem produzi-la, porque pertence ao Senhor, antes de qualquer outra coisa “criada, Mesmo as prostitutas eram condenadas porque o corpo que vendiam tinha sido modelado © animado pelo Senhor, Nesse sentido, também a pradugéo dos intelectuais vendedores de palavras, particularmente dos ensinantes, podia ser asse- melhada a uma forma de prostituigao, Somente os ministroas de Deus, como quer que seja, aqueles que tinham side chamades e aprovados para divulgar-o Verbo, podiam ser eximidas de tal suspeita. A identificacao de verbo (palawra) e Verbo (ver “dade de Deus), e até Verbo encamado (filho de Deus), etc. nao foi realmente oca- ‘sional, como aquela entre liber (livre e livro). Aquela concepgio, a priori anti-pedapdgica, porque reduzia a educagio 4 estirpe ‘eleta ova atividade formativa aos portadores de vocagio refgiosa verificada, opuseram- Se grupos diversos como 0& Gollardos, numorosa confraria de jovens burgueses, estu- dares endo estudantes, profanadores dos valores estereotinados reafirrnadas pelo pre- suncoso clero, ndo menos peles vanglorioses nobres feudais, decadentes mas nfo re- Signados. “Nobre é aquele que a virtude enobreceu"'’, ou seja, as pessoas tomam-se nobres praticando comportamentos vdlidos, endo por nascmento: "Serds nobre se. ores virtuoso", repetia o pai de Massimo d’Azelio, quando o filha Ihe perpuntava se a sua familia ra aristocratica. A educacao, nessa visa0, assume um papel fundamental, é¢ evi- dente, porque niio-s6 afina dates inatos, como pode instaurar outros novos e maravilho- sos. Ea modema visGe da paténcia - ou, segundo alguns, até da onipoténcia - dos pro- Gessos educativos tem, na minha opinido, as raizes exatamente naquele longinquo mo- nto medieval no qual a burguesia emergente das oficinas € dos pordes afrmava os direitos, primeiro entre todos, aquele de “aprender" laicamente as virtudes. 13. K Mare, Il Capitale, Libra | (tomo!). cit.. p86. |4. |. Le Goff, Gli Intellettuall.... cit. p36. 36_N M.GIA.DO MUSTRE ABTESAG: Creio que nem mesmo-o- mais viceral anti-marxista possa contestar © famoso trecho do Manifesto. que exalta a fungao revolucionania desenwolvida pela burguesia contra o§ privilégios e os preconceitos feudats (e também dlericais. neste caso}: “Ela criou maravilhas maiores do que pirdmides do Egito, cos aquedutes romanos @ das catedrais péticas; ela levou a cabo expedigoes bem diferentes das migragdes dos po- vos e das Cruzadas...Ela, pela primeira vez, mostrou 0 que pode aatividade huma- na”, Assim, aaquisigao-de poder da burguesia cidada, através do crescente regime das Corporages, retroagiu sobre a precedente ideologia com respeito a esséndada atividade humana, aos seus valores € as suas finalidades, e, portanto, também sobre os velnios pressupostos religiases. Em breve tempo, a burguesia conseguird fazer com. que nao sé a atividade “liberal” dos mestres das Universidades (dos estudos), mas também aquela “mecdnica” dos mestres artesios, fosse considereda um merecido produto daqueles artifices €, portanto.-sem absolutamente contestar a doutnina da origem divina da. realidade e dos conceites que all estavam implicades - suscetive! de se transformar em uma mercadoria que pucesse ser vendida ¢ comprada come qual- quer outra. A producdo humena intelectual e material tomava-s¢, assim, equiparada. emccertosentida, aos fardos de algodio ou & moeda, como mercadaria das mercacio- ras, e assim por diante, sem proibicbes e sem as condenagaes que 0 magistéria ecle- sidstico havia precedentemente explicitada em relagso as trocas e manobras sobre © valor da moeda. Eis que ndo s6.semercantilizam abjetos, mos também as ifeias €.a prépria atividacle de transmnissdo deidéins ede comportamentoes, ou Sejd. a otividade pedagdgico-diddtica que conota 0 ensinante como um artesdo, Sempre Le Goff ob- serva: ‘As escolas $80 laboratonios dos quais se exportam as idéias, como mercado- rias, Nos aglomerados urbanos, 0 professor poe lado a lado, emum mesmo, impeto de produtividade, o artesio ¢.o mercador” Os Mircanoris DivipEM as Ar Todevia,alimacdo de igualdade entre Artes mecinicas e Artes liberas nao churara muito tempo. Essas tltimas, como prestigio, principalmente, superardo logo as pri- meiras, no interior das quais 0s mercadores prevalecerda sobre os artesacs. Por qué? Sem os mercadores que seinseriram erm trificos sempre mais extensos, oS artifices deveriam limitar avenda dos proprias produtos 20 restrito creuito da clientela das lo- jas, do produtor ao eonsumidor. Mesmo econamizande © percentual device 20 mer 15. K Mars e € Engels, I Manifesto de! Partito Comunista, Editor’ Riunil, 15,p.60, 1977 16. |. Le Goff, Gli Intellettuall, cit.. p- 65. EVAIS 37 As OniGens Me cador, teria sida do mesmo modo um magro negdcio. Os mercadores permitiarn, a0 eontrario, exportar para além dos terniténos comuns, € as vezes muito mais longe, inclusive além dos montes do mar, tirando do artifice qualquer preocupagao comer ‘dal € consentindo-ihe concentrar-se na produco. Naturalmente, como toda vanta- gem, também isso tnha um preco: 4s obrigacGes institucionals jé sensiveis que grava- vam. os artifices e que para eles “era mister” (como se dizia) respertar, enquanto 0 comércio conseguia muito bem livrar-se deles, acrescentaram-se 0s condicienamen- tos produtivos eas pretencGes financeiras que os mesmos mercadones tomavamn sem- pre maiores, no s6 para a comercializagio do produto terminada, mas também para ‘ofomecimento das maténas-primas de importagao, necessarias A producdo. Existia, além disso, uma outra diferenca entre as duas categorias, também essa em desvantagem dos produtores: © maior vinculo ao segredo do officio ou “misté- mio do ofc". Também os mercadores tinham os seus mistérios; das técnicas de conhedimento mercadoligica dos formeciments as sutilezas das artes do novo dbaco, nas operagGes de cimbio ou mesmo na compilaco de tabelas atuariais ¢ assim por diante, mas naa hé diivida de que os mistérios des artesdos eram mais numerosos edeterminantes. Depois, pela sua propria natureza, o ambiente comercial conser- vou Sempre mal os seus secretos mecanismos (contabilidade, armazenager, expe- digo, etc), naturalmente, muito piorde que era possivel fazer no recinte fechade de uma loja € gracas a uma organizagio do trabalho que reservava ao mestre ea outros poucos eleitos, as operages mais deficadas. Aquelas pequenas intuiges podiam fazer grande diferenca na produgio. Basta pensar, digamos, na. composigac de tinta levando em conta numerosos tipos de tecido ou de outros materiais nos quais de- esse Ser aplicada: um tipo de tinta, Gtima para os “tecidos de li”, podia ser fatal com 08 “tecidos de linha’ ou com a seda, ou podia ir bem para os trés tecidos, cada um dos quais era tratado por Artes diferentes, reciprocamente ciumentissimas (freqiiente- mente 0 ciime existia também entre os mestres das mesmas Artes). De resto, basta ver como hoje se defendem os segredos de fabricacao industrial em uma civilizag30 capitalista fundada sobre o principio da livre cancorréncia, para perceber como era éxaltada a mesma defesa em uma civilizagao para a qual a idéia da livre concorréncia nao passava nem mesmo pela antecémara docérebro. Quanto ao progressive prevalecer do mercador sobre o arteso, deve serlem- brado que nfo foi certamente uma novidade da Idade Média. © mesmo tinha ocorrida: fa Gréda ¢ em Roma, respectwamente na idade pdés-homérica € na repiiblica das s6- culos Ill ella. C., através de uma dindmica muito semelhante: para colocar-se em re- fevo, cigamos, ou para iludir-se de consegui-lo, o artesdo precisa de mercadas 0 qual tem condigGes de compensar uma invelidez congénita e invariavel das mercadorias, aguela - notou Manx - de nao ter pemas e, portanto, de nao poder dirigir-se sozinha ao. 38 Nostarcu po Mester: Arresio 7 mercado. E verdade que entre os dois continua sempre a existir reciproca dependén- da, mas a0$ poucas o mercacior depende do artesdo sempre menas de quanto este depende do mercador Geralmente, de fato, para um mercadar é mais facil encontrar um outro valido artesao do que o é para este encontrar um outro bom mercador. Além disso, mesmo se estd ainda longe a busca da acumulagéo capitalista, o mercador rhaneja somas muito maiores que’o artesdo e esta, por isso, em condigées de fazer- lhe empréstimos e antecipaghes, de impor-the famecimento, ritmos produtivos, qua- lidade dos produtos, etc. Em suma, 0 mercador termina por ter nas mos 0 artes, tornando-se o seu empreendedor, empregadar ¢ fornecedor, além de financiador, assegurador e muito mais. A progressiva subordinagao da produgao ao comércio tem, portanto, precedentes remotos, des quais se extrai uma tendénoia que somente a re- volucdo industrial conseguird - ¢ no de todo - inverter, impando a figura do capitalista que fabrica ¢ distribui por si mesmo, ou ao menos controla a comercializacao dos seus produtes através de agentes concessiondrios proprios Constatade que a caracteristica primeira da cultura profissional das Corporagdes eram os segredos do offcio, surge loge 0 interesse em saber come € quando eles seri- am reveladas e transmitides através do tirocinio dos aprendizes de cada uma das Corperagdes, Em quais dases progressivas, com quais percepgGes © com quais técni- cas? De tudo isso-sabemos pouquissimo-ou nada. Todas as formas pedagOgico-clicaticas das Corporagées permaneceram enwoltas no propne mistério com o qual, na ¢poca, eram tutelados os relatives procedimentos. As circunstindas nas quais se trabalhava ese aprendia favoreciamn 0 segredo, principalmente 0 prevalecer quase absoluto da tredigao oral ou intuitivo-gestual (“esoute as minhas palavras”, nas Artes liberais ou mesmo “clhe como eu faco”, nas Artes mecinicas) unida a auséncia de textos escolares escritos ede subsidios diddticos ad hoc, como ja acenado, Exatarnente a auséncta de textos de docu- mentaggo esenta sabre a atividade produtiva interna das Corporacées e daquilo que acon- teda dentro das oficinas, impedia de saber, ao menos até ofinal doséculo XVII, que vé uma sénsivel difusiio da imprensa, qualquer coisa de menos genérico sobretude com relagao aos aspectos formativos da personalidade e a instrugio especifica em cada Corporagio. Provavelmente os alfaiates de coletes, digamos, tinham poucos segredos para proteger, mas os construtores de catedrais ¢ palides, os tintureiros, os ourives € ‘outros, ostinham, e muitos, Nao somente segredos de manufatura, mesmo para ope- rages aparentemente simples (por exerplo como esquadirar, nivelar e perfurar pedras), quanto mesmo pedagégico-didaticos: um bom mestre de oficina devia na somente conhecer os sagredos de manufatura, mas também o segredo:do como e em que me- dida comunici-los aos aprendizes, ou mesmo come escondé-las, ea quaise em que momento. Segundo Ponce, tal costume de segredo existia também nas escolas pibl- 3, que, quebrado 0 monopdilio ecestistico da instrugio, comegam a abrir-se contempo- As Onicens Mentrvais 30 ‘aneamente 4 expansio das Corporagiss. "Impregnadas do espirito das CorporacSes. ‘a5 primeiras escolas da burguesia apresentavam cardter fechado tipico dos compos de arte, Para as corporagdes dos mestres, tudo quanto congernia 20 ensinamiente era re~ vestido do maximo segredo"”. Aquilo que valia para os mestres pedreiros ou tintureiros Walia também para os mestres das escolas comunais ou das Universidades, De resta, “Oram i notadas as estreitas analogias origindrias entre ofiina de Artee Universidade. Agora, pode-se notar que as escolas da época, enquanto gerenciadas por mestres “corporados" (ndo raramente ja mestresde uma Corporagio, talvez daquela dos escrvaes ‘ou dos tabelides), repetiam as formas do cursus pedagégico-didético das CorporagSes, 05 requisitos da figura do mestre, primeiro entre todos, a posse de conheamento & habilidades secretas. © propno nome de mestre, atribuide aos professores de toda or- deme grau, era, comodito, uma repradugio daquele ja codificado para mestre artesdo. Assim, outros nomes, como por exemplo aquele de Reitor, ou representante legal de uma Corporasiio, permaneceram por muita tempo comuns entre estruturas artesds © Universidades.'* Como APRENDE O APRENDIZ? Mas se néoé possivel saber nada, ou quase nada, sobre a didatica interna, ¢ ‘que se pode saber das estruturas do curso formativo das Corporacées? Segunda Doren, as Corporacées, no-seu periodo de ouro, ou seja, até o século XIV conce- deram ampia liberdade aos mestres ac determinarema duragio € as formas do tiro- cinio dos aprendizes (discipull) e daqueles dos auxiliares (/aborantes). O mestre era, assim, um verdadeire patriarca na comunidade formativa que as vezes se extendia da oficina 4 propria sa, onde vinham “colegiados” aprendizes e aundliares.!” Porexem- plo, alguns mestres estabeleciam que os aprendizes. antes de candidatar-se ao titulo de mogister artis, deviam desenvolver o periodo final do tirodinio em estreite con- _tato.com os trabalhadores mais experientes & comunicativos, os quats desempe- “nhavam, assim, um papel de mestre adjunto ou sub-mestre (também nas verdadei- ras escolas existia e continuard a existir, até os tempos relativamente proximos a GS, a Qualificacio de sub-mestre), nao diversa da tutor das Universidades angio- saxOnicas. E provével que essa passagem fosse também justificada pelo fate de que, '2.um certo ponto do tirocinio. o aprendiz poderia ser introduzido em alguns graus segredos do oficio e, por isso, era posto em companhia de outros trabalhado- L7. A. Ponce, op. cit, p11. 18. A. Doren, Le Arti Fierentine, Le Monnier, Vol. |. 1940. 19. A, Hauser, op., cit, p.200, Esme res mais velhos e.nao do mestre em pessoa, para evitar que pudesse extorquirthe ‘outros segredos que, ao contrario, deveriam absolutamente permanecer come tal. Veremos mais adiante quanta importancia tinha no aprendizado e no aperfeigcamento em uma Corporacao, a capacidade de um jovern de captar no ar aqueles ensina- mentos qué © mestre ndo sabia oundo quena dar-lhe. Tem fundamento pensar que grande parte do aprendizado dos discipuli se desenvolvesse sobretudo pelas partes mais delicadas e decisivas, eragas as capacidades individuals de adivinhar, indu- zi, deduzir e concatenar por iniciativa prépria. E. portanto - ao menos para os mais dotadlos -, os frutos. do aprendzado superavam aqueles ofereddes pelo ensinamento. Em toda caso, exatamente pela discridonariedade deixada aos mestres, as fases do aprendizado podiam ser muito variadas. De resto, nas préprias escolas do periodo - @assim sera por Gutros dois séculos aproximadamente -, sabemos de Anes” de outros, que a duragao do curso, os contetidos ¢ métodas de ensino, a compasigao das classes de alunos diferiam muito de situagéo para situagio, enquanta no se tnham ainda afirmadas critérios pedagégicos universais: Por exemplo, ignorave-se a oportu- nidade de compor as classes ¢ graduar os cursos corn base na idade dos alunos, de mode que se podia encontrar trangililamente no mesmo banco um aluno de quinze anos ac lade de um de trinta e cinco. Coisas do género, que hoje nos fariam horror, na época eram normals e derivavam do considerar o conjunto de alunos come se fosse 0 pliblico de um teatro ou de um concerto, na frente do qual os intérpretes se exiber, mas que ndo ha nenhuma importinciase € homogéneo por idade ou por nivel de conhecimento. O seu papel, de fato, € quase exciusivamente de expectador eouvinte. Também nas oficinas conviviam e cooperavam rapazinhos, jovens € idosos, mas respeitavam-se determinados critérios com base na idade e na competénda. De fato, eles no eram pdblice de ouvintes, mas grupo de artifices que nao poderia arris- caraproximacgdes nem casualidades, com papéis bem definides ¢ responsabilizados. Agueles eritérios impunham, entio, nas oficinas, divisOes de trabalho é de hierar- guia ou diversidade de posigio entre aunilares ou trabalhadores e aprendizes. Estes (it mos podiam retorar para casa nas horas de folga, sendo quase sempre filhos da bur- -guesia abastada da Gdade, enquanto o trabalhader, provindo comumente: dos bairros ou além, convivia em geral como mestre e sua familia e obtinha come salanio unicamente o sustento gratuito. Nos casos em que também o aprendiz hospedava-se junto ao mestre, a.casa deste transformava-se em um tipo de internato, com regras precisas € habitas de vida também além do horario de trabalho. A formagde do aprendiz, assim, (e também aquéld de joven trabalhadar) ndo ocorria s6-no atividade de oficina, mas também no 20, Ph. Arids, op, Gt,, pp. 201-55. Merprevais 47 cima e nas expeniéncias cla comunidade deméstica na qual era hospedado, pragando ou nGo. Miesmno se o horério de trabalho preenchesse quase toda a jarnada, restavam igual- ‘Mente espacos significatiwos na fernilia hospedeira e nas relacées corn os ombiente exter- fo. Ese naoficina, é presumivel, pesasse mais 0 aprendizado técnico, no tempo livre Prevaleciam as experiéndas de sodalizagia, no menos importantes. Distingdes do pé- nero, porém, cdrrem o risco de serem muito esquemiticas e néo devern ser levadas, por isso, a0 pé da letra: também o aprendizado de oficna, a sua maneira, podia ser lar- gamente socializants, sendo por outra rardo, pelo componente ideolégico implicito nos exeredtipos operatives e nos comportamentos rituals, assim come também 0 dmbito familiar poderia ofrecer ocasiéo de se apossar dos “mistérios" do mestre, talvez melhor que na olicina. Mesmo se 0s aprendizes vivian como em um colégo, a sua experiénda -fa totalidade, nao era, porém, de todo assimilivel aquela colegial que ird afirmando-se aparirde séculoXVl em diante. Sem divida, a ofidna ea casa do mestre eram reguia- Mmentadas por normas consuetudindrias, nao porérrnos termos rigidos e formalmente Impostos dos colégios. As relages educativas que se desenvolviam nas Corporagées, por mais patiarcais cu autontanas que fossem, levando em conta a difusa linha pecagé- gica da époc, eram sempre relacBes tipicas de grupos familiares nos quais as préprias FelacGes entre dais sexos eram de qualquer forma consentidas ou mesma encorajadas, come parecem testemunhar os casos muite frequentes do ex-aprendiz: quedesposa a filha do mestre, para tar urna. “Quando estava na casa do mestre e depois na oficina, havia uma série de atos que advertiam 0 rapaz de quio importante seria o passe: cumpa- do dentro do contrat estipulado, e de qualquer maneira, como-seria mudada efetiva- mente a sua condigdo. Conhecia seus novos familiares, com os quais tinha dividido a mesa, pelos quais sera vestide e acudido; conhecia os seus pares por idade e por con- digao (...). Portanta, ndo era somente, a familia do mestre ou a oficna com os seus _operdnos ¢ trabalhadores a desenvolver urna agao eclucativa ¢ de integracio, fundamen- Talno processo de sacializaggo, mas também o era.o grupo de adolescentes @ jovens no ual se insenia", Carlo Pancera adianta essas apropriadas consideragées a propdsito das ‘Guilds britanicas, mas, em alguma medida, so referiveis em toda parte?! Tape & CARREIRA DO APRENDIZ ‘Um pai abastado, mesmo que nie fosse membro de uma Corporagio, podia jetar para o filho um future de mestre nessa ou naquela Carporacdo. Para isso, Dpulava um Contrato regular qué previa - as vezes depois de um periodo de prova 21. ©. Pancera, "Edueazione nel Lavoro”, in AAW, Stavia dell'Educazione, sob a coor. 0 de Egli Bacchi, La Nuova Italia, pp. 95-6, 1987, 42_Nos LGA DO Mrsrre AmTEsAO - aadmisso.do rapaz na qualidade de aprendiz. © contrato era devidamente redigi- doe outorgado perante o tabelido, antes somente em latim e, depois, aos poucos, sempre mais frequente em lingua vulgar, afim de que fosse compreensivel a grande massa dos contratantes ndio litterat. Exatamente estes contratos, juntarnente com os livres de contabilidade que sobraram €. com algum inventane, constituem as pou- cas fontes a partir das quais ¢ possivel construir hipdteses mais ou menos plausiveis sobre a vida interna das Corporag3es, principalmente sobre a sua fungao pedagdgi- co-didatica. Havia, depois, os casos sempre mais freqdentes dos filhos dos mestres ou dos magnatas das Comorages, para os quais nao se estipulavam contratos. A idade com que o aprendiz entrava na oficina variava dos 9-10 aos 18 anos, e além (por exemiplo, os médicos ¢ farmaceuticos florentinos acsitavam aprendizes até os 25 anos), dependendo das especialidades, do momento historico ¢ dos locais. A diversidade nessa matéria dependia também da complexidade € do prestigio das di- versas Corperagdes: médicos e farmaceuticos consentiam acessos com idade ele- vada porque exigiam dos aspirantes o prévio cumprimento dos estudos gramaticars edo trivio-quadrivio, ou seja, que os jovens conhecessem ja o latime sufcente para no se perderem frente as regras da escola salemitana” ou assumoe de Hipdorates ou Galeno, etc., para nao falar dos dassicos latinos que permitiam aos estudantes de medicina. continuarem a sentir-se participantes das universitarias Artes liberals Por contrato, a mestre Fulano pactuava de ensinar a propria Arte a0 filha de Cidlano (freqbentemente 0 contrato nao especiicava nem mesmea idade do rapaz) ede manté-lo por x anos, assegurando-he (salvo os casos nos quais o aprendiz retornava para casa a noite), casa e comida, e 4s vezes até vestimenta, e fornecen- do-Ihe ao final do periado previsto alguns instrumentos essendiais de trabalho. O pai , ou quem lhe fizesse as vezes (era freqlientes os casos de contratos subscritos por tutores ou consignatérios: o concelte de patrio poder espelhava , entio, mais as situagdes de fato que de direito}, empenhava-se, da sua parte, em depositar uma determinada soma, menos vultosa, se se garantiam alguns servigas “oficinais” ou domésticos; por parte do rapaz. Alguma rara vez o mestre aceitava aprendizes em troca apenas da garantia de tais servicos, ficando talvez indicada uma soma que os ‘pais ou tutores do rapaz pagariam no caso em que este faltasse com o empenho, ou o desenvolvesse de forma insatisfaténia. © proprio mestre podia comprometer-se a pagar uma multa sé ndo. cumprisse com as ObrigagGes subscritas, all inclufda aquela de fomnecer-ao jovem os instrumentos minimos para poder inicar uma atividade por sua conta ou junto a outro mestre. terminado o aprendizado. Por exemplo, um tal * Escola Salernitana: célebee escola de medicina, que floresceu em Salerno na Idade Média (M As Oxicens Meprevais 43 ‘Guidone Reja, mestre ferreiro, deverd dar a Ubertino, filho de Bonsignore di Miseja: | martelo, 4 ferros (nao especificados}, | lima, | p4, 2 raspadeiras e 2 pungGes, mate- mal, para dizer a verdade, pobre até para um ferreiro de aldeia, evidentemente mais com valor simbdlica que real. A medida que se sobe em direcdo as CorporacBes mais imponantes, tal dotagéo de final de aprendizado desaparece. Que instrumentos inclu+ am, de fato, a8 Artes liberais ou aquelas que a tal aspiravam? Ao contrino, um aspirante mogister artis /iberalis dewia gratificar seus mestres com notaveis presentes antes ¢ durante a discussiio das préprias teses, levando em conta que as provas relativas po- iar duraralguns meses. Também nisso a hierarquia das Corporagdes ostentava as suas diferencas em relacdo ao status séciocultural dos relatives membros. Para no falar da mais evidente diferenga metodolégico-didatica, sobre a qual voltaremes ainda, entre um ensino-aprendizade fundado quase exclusivamente sabre 0 "aprender fa- zendo" tipico das Artes mecanicas, € outro quase exclusivamente sobre o “aprender ouvindo", tipico das Artes liberais e seus agregadas. E exatamente aqui se coloca 0 divisor de dguas entre as duas vertentes sempre mais separadas da instrugao intelectu- al, edaquelaassim chamada profissional: a Brimeira inspirada nas tradicGes formais e a outra, a0 contrasio, derivada da prética refieti A Opes Prima DO BuTuro MESTRE Nos contratos, muito raramente se alude a qualificagio do mestre de Arte. E Gbvio que esta quest’o nao podia ser garantida preventivamente. © magistério era, narealidade, obtido somente pelos melhores ou pelos mais afortunades (compre- endendo na sorte também o dinheiro de que dispunha a familia do aprendiz), depois de longo tiracinio ¢ repetidos exames minucioses. Formalmente, depois, nfo era o mestre que concedia o titulo aos seus alunos, mas uma comissdo norneada pelos (Cénsules de Arte 4 qual o prdéprio candidato pertencia_ De fato, terminado o aprendizado depois de um periodo variivel para as diferen- tes CorporagSes de 4 a 7-8 anos, no seia diretamente as provas de magistério, mas se entrava entre os "calouros” da Corporagio mediante prévio pagamento de uma fa @.a prontinda do tradicional juramento. $6 entiio se tomava “artesio matniculado” @ titulo pleno e se assumia também as prerrogativas conseqientes da qualificagao, além dos deveres que todos jé tinham, inclusive os ajudantes nao matriqulados € os apren- dizes. A partir daquele momento inicava-se o grau superior, digamos, o curriculo que conduzia ao titulo de mestre, consistindo princpalmente na preparacggo, sempre sob orientacao do mestre, de uma “obra de arte” ou “obra prima” para ser apresentada depois 4 comissdo de magistério. A preparaco deste ensaio, que tinha a funcdo de conduir 0 proceso formativo, era néo pouco custosa, principalmente porque o can- didato tinha por sua conta todas as despesas de feitura de uma obra que, muito prova- velmente, no encontraria depois adquirentes; além disso, mestre que o assistia € gulava na preparagin -ndo necessariamente o mestre do qual tinha sido aprendiz - nao raro pedia por isso urna compensagao particular, as vezes “salgada". Estas despesas, acrescidas Yalta taxa de matricula, aumentavam a discriminagaio sécio-econOmica en- treos candidatos, tanto mais que, com freqliéna, a Corporacio tinha mais necessi- dade de dinheiro que de novos mestres; por isso, nao se acanhava de acrescentar pesadas taxas e impostos de varios géneros. Em um certo ponte, a disponibilidade financeira do candidate contava mais qué a sua competénda: iste encontre a Sua com provagio no fato de que o titulo de mestre pode ser comprado, como um titulo nobiligrio concedide por um rel ou pelo papa, mesmo por sujeitos estranhos a corporagio, mas endinheirados. o que langa um wéu sobre o rigor ea severidade das Corporagtes em relagio & matricula e depois 20 magisténo. Porém, & necessano pensar também, que tais exceg6es se tomaram mais freqGentes nas momentos em que as ‘Corporages estavam [4 estreitamente entrelagadas ao poder politica, ou até o subs- titulam, e eram por ise obnigadas a concessées notdvels com reiagao aos estranhos e incompetentes que fassem, porém, iteis a sustentar a Corporagio com ofertas penerosas, com favores ou como scu poder, Titulos assim obtides, todavia, perma- neciarn quase sempre honorificos ou oramentais, ou ainda eram utilizades em ativi- dades diferentes daquelas tradicionais da atividade artesanal, Para entrar na classe dos matriculades, 2 ainda mais, dos mestres atvos e acreditados das CorporagSes - prin- Cpalmente daqueias mais prestigiosas ~ 0 longo aprendizado mais a qualificagae final permanecerdo sempre a via privilegiada. Nas Corporagdes das Artes menores ou de certo modo mais simples, a custosa e sletiva fase da obra prima era geralmente substituida por provas de habilidade nas ope rages ticas de cada atividade. O procedimenite mais complexo, ao invés, se dava nas ‘Corporagées dos Juizes e Escrivies, que jd para a matricula pediam trés pesados exa- mes: em gramatica latina, em redagZo € em conhecimentos de problemas formais e de contevidos nos diferentes atos legais e judicidrios (de legatis rerum et de literari forma controtus)"*, Além disso, essa Corparagio colocava também requisitos morais ¢ sGcio- econdmicos, excluindo do acesso a matricula os herejes, os medics (que no inido se confundiam com os juizes e que sempre tentavam destrutar.do seu conhecimente em latin para obter dupla qualficagéo), 05 mestres de escola e de masica, os lelloeiros. os forasteiros, os trabalhtadores dependentes. os coveiros, os dérigos, os filhas llegitmas, os provenientes dos condados e, de qualquer forma, aquele que estivesse na cidade: 22.4, Doren, op. eit. p IFT a menos de winte e cinco anos (como [ei visto, do. condade, as Corporagdes pepa- msomente os serventes). Para obter a licenga para exercitar praticamente o titulode , a Corporagao dos médicos pedia urn aprendizado junto ao studium generale de |ento tedrico-pratico seguindo as aulas de medicina e cirurgia e sendo acornpanhade de mestre Médico, a0 final da superagéo de mais exames frente a uma comissio com- ta pelos Consules da Corporagao, mais quatros médicos de fama (dentre os quais @mbém um crurgido), Mas, até 1348, ano da grande peste, no lugar dos eruditos havia suatro frades menores e pregadores, E evidente, porém, que tratando-se de julzes e ivaes, além de médicos efarmacéuticas, a nome de Corporagio permanecia so garantir © momento final da qualificaggo; mas a sua trajetéria formativa, assim como formagao anterior ndo ocorria nas oficinas, mas nas escolas de gramdtica no nivel do ode Artes liberais ou er cursos universitanos institucionals ¢ depois de especaliza- ‘Gio. O caso dees , porisso, pouco representative da pecullaridacle formativa das Artes leas", que se traduzia em uma trajetria educativa completa e exaustiva, no tempo "Eno espago, nos contetidos e na metodologia . sempre referida a lugares ou pessoas Pgue fazem parte de uma Comporagio particular. De fato, logo Direite e Medicina nao _Sorrerdo mais 0 risco de nenhuma confusdo com as CorporagSes mecSnicas, subindo realmente ao nivel universitirio propramente dito. As artes médica e judiciiria estiio, de fato, muito mais legitimamente compreen- Gidas na hist6ria dos estudos universitérios que naquela da formacio artes’, Também 25 relages educativas no interior de uma e de outra formagio, nfo obstante tantas ‘Sutras afinidaces nominais, certamente diferiam, eno pouco, A relagie patrarcal entre mestre e aprendiz ou ajudante se referencia, em gerai, referivel A trajatéria artesanal e "no Aquela “artistica" universitaria, nem de qualquer forma as escolas de Artes liberais. Muto profundamente diferiam, nao somente as condigdes de vida € de atividade nos | dois tipos de ambiente, mas, antes de tudo, diferia a proveniéncia social dos alunos. Atéo século XVI, sabe-se de filhos de intelectuais que se inscreveram como aprendi- zes nas Artes mecénicas, motivadas pela propria vocacdo ou perspectivas de maior ‘EBNho; nao sé sabe ao invés de filhos de artesaos humildes que se tenham tornado: ides intelectuais, O fato, pois, de que aprendizado e inscriclo nas Artes intelectuais, MOS, Ocorressem mais tarde, isto é, quand o jovem era quase um adulto, cans- ium outro fator discriminatério com resperto as Artes mecinicas, em que os dais 3505 estavam antecipados em muitas anos. Nao se pode estabelecer, é claro, re- a0 educative idéntica entre um mening de | 0-12 anos e com um jovem de cerca de Oanos, independentemente da diversidade disdplinar € comportamental de cada uma das atividades consideradas. Nem podem ser andlogas as razées de escolha. x 46 NostAancia po MESTRE ARTESAQ_ ARetacko MesTre-APRENDIZ Doren sustenta que na Alemanha, na Franga ena Gri-Bretanha, as relagoes mestre-aprendiz eram prevalentemenre pairiancals, diferentemente da situagao italiana e, em particular, daquela das Corporagoes toscanas. Doren provavelmente alude as caracteristicas locais:as quais se referiram: Mance Engels, énotoria, naldealogia aiemd. Opréprio Doren, de fato, realga as relagSes entre mestre € aprenciz, 2s quais resul- tam das poucas fontes que restaram: “além de entrar em jogo elementos de ordem puramente econémica, exercem grande imporlancia também aqueles morais. As re: lagées que emergem do contrata de novicade naquelas regiées setentrionais sac ‘essencialmente decorrentes de consideracdes de ordem pedagogica, eo fato de que, na discipulo, o mestre adquire € encontra também uma forea de trabalho, nao € quase nada considerado. Mas ha mais; sempre: para aquelas relages, © discipulo fornece a0 mestre a sua forca, a fim de que se aproveite dela, € ndos6 nao recebe compensagao- (anio ser da alimentagao e da hospedagem), mas, como acontece na maior parte dos casos, ele a oferece ao mestre que Ihe revela os segredos da Arte”. Naltilia, ao contrério, ena Toscana, mais evidentements, tal relagSo de tipo-esco- lar (oaluno que paga para aproveitar 0 ensino de um determinado mestre) seria 56 implicitana redagio € nunca implictada na redagaodos contratos, além disso, € mais consideradla.a cantribuico de trabalho ede servico que o aprendiz seempenhaem dar, Saja na ofidnaou na vida doméstica do mesire, Batamente este Gitimo aspecto evita ao pai de pagar uma pensdo em dinheiro, salvo 0s casos particulares nos quais O rapaz Se isenta dos servicos habituais, ou mesma se hospede em casa propria nao seja por isso utifizado como “menina” para varias incumbéndas (nem todas confessivers). Em outros termos, nos paises do norte, em geral se pagave uma mensalidade paraa formagio do aprendiz, naitilia, esta remuneracio - além de um deposito inicial - fornecia-se preferivelmente através da atividade de trabalho e servic. lambém no norte os jovens eram submatidos A obrigagio de estar sob o comando do mestre- patrdo; naturalmente, porém, tal obrigagao no era tida come suficiente para. com- pensar o mestre pelos seus preciosos ensinamentos, pela fermagao profissional ¢ por aquela ética do comportamento. Mancenfrenta a mesma questie com uma Stica um pouco diferente: “Em cada oficio, 06 ajudantes e os aprendizes erem organizados na forma que melhor correspondia aos interesses dos mestres; a relagae patriarcal que mantinham com os mestres davaa estes um duplo poder: de um lado, exerdam influéncia direta sobre a vida dos ajudantes’ (por exemple, o controle sobre seus 23... Doren, op. cit., p-18I. comporiamentos morais, sobre seus. amores & sobre suas amizades, etc.), "mas, de ‘Outro lado, porque, para os ajudantes que trabalhavam para o mesmo mestre, estas relagdes representavar uma real ligagéo que os mantinha unidas em opasicio aos @judantes de outros mestres € os separava destes; enfin, os ajudantes estavam liga~ dos 4 regra existente, sendo por outra raza, pelo interesse que tinham de tomarem- 's¢ eles proprios, mestres™*. Com esta tiltima afirmagaio, Marx deixa entender que fambém os ajudantes, isto é, os trabalhadores, podiam aspirar a se tornar mestres, mesmo se contratualmente o status deles era bem diferente daquele das aprendi- ze; isto quer dizer que a atividade a servigo do mestre, na oficina ou fora, pouco: importa, era também ali considerada tao importante a ponto de poder legitimara aquisigio daqueles sepredos do oficio, indispensaveis para aspirar ao magistério. Tam- bém na Franga, desde os tempos de Luiz DX, ou seja, do século XIII, o mestre exer- da uma espécie de patrio poder sobre o aprendiz pelo periodo do longo tirocinio Que, com frequiénda, iniciava aos daze anos: E, dada a nudeza pedagdgica da época (que durard ainda por alguns séculos, come veremos mais adiante), pode-se pensar, pois, que nao fosse uma tutela para se esquecer facimente™. Estabelecer, entio, uma diferenca do género entre situagao do norte ¢ situagao italiana, detendo-se ao pé daletra nos contratos de aprendizado, parece-me vaga- mente arbitrario. £ verdade que aqueles contratos, como se disse, constituem qua- Sé as Unicas fontes sobre a vida das Corporagées na baixa Idade Média; mas deduzir eles alguma coisa.a mais, além de urn melhor reconhedmento do regime contratual relative, ¢ chegar, inclusive, a estabelecer uma hierarquia pedagdgica entre Gilde ndrdicas Arti italianas, é 54 parcialmente provavel. O valor pedagdgico dos mes- tres setentrionais com respeiio aquele dos italianos pareca estar na sua maior capa: ‘dade de formar grupos sdlides de mestranca (aprendizes e trabalhadores juntos), Movendo-se como verdadeiros pais-patrées que impdem maior disciplina, moral- mente mais valida, porque nd anulada pelo recurso do aproveitamento sistematico ‘dos aprendizes nos servigas e trabalhos humildes ou de rotina, mas necessirio in- vés, da parte dos colegas italianos que, de qualquer mode, deviam encontrar com- pensacao pelo seu ensinamente nao retribuide, Em outras palavras, aprendizes do rte aprendizes do sul pareciam personificar ante litteram a oposic¢ao que nasceu aig tarde entre jovens oficiais provenientes das Academias ad hoc, e seus colegas tinham, a0 contrétio, chegado a oficial desde soldado raso: os primeiros no iveram nunca que limpar latrinas nem escovar cavalos, por assim dizer, e tinham 24. K Marx - F Engels, Ideologia Tedesca. cit. 0.42, 25. P Ela, U'associazione Corporativa dalle Ongine a ogg), Pini © Vitiello, 1929. 48 NOSTALGIA DO ME: podido dedicar-se ao estudo da tatica militar e das dangas da moda; os segundos os superavam em expenéncia ¢ em vocacio, mas dificiimente conseguiam fazer esque- cér que provinham da "baixa forga" quando deviam discursar ou freqientar aalta sociedade. Todavia, o prépno Doren reconhece que também na Toscana existiam, *relagdes morais" entre mestres e aprendizes. Uma vez superado o limite da forma Juridica dos contratos, é de fato impossivel pensar que pagantes ou no pagantes, os aprendizés nao estivessem de qualquer forma ligados por relacSes educativas com seu mesire e com outras figuras exemplares €, enfim, com os préprios compa- nheiros de trabalho, relacbes conseqiientes da convivénda e da cooperagao prolon- gada por tantos anos. Que, depois, os aprendizes alemaes, digamos, menos explo- rados no trabalho ¢ em casa, fossem mais livres para se. dedicarem ao aprendizado, resta s6.uma hipétese. De resto, mesmo atendo-se as formas pactuais, se na Ale- manha, confirma sempre Doren, raramente se estipulavam outorgas perante © ta- beliéo para 0 aprendizado como na itélia, e tudose reduzia a aperto de mao, ou seja, um contrato verbal que os latinos charmavam promissiq boni viri, o confronte entre norte e sul nesta matéria torna-se logo pouce réevelador mesmo em vista da cons- trugdo de simples hipdtese Na Itélia, os contratos existiam sempre (ou quase) e deles se conservam ainda muitos. Exatamente destas fontes extraimos algumnas normas dé comportamento que trangiiilamente pedemos chamar pedagogicas, jd espedificadas contratualrnen- 1@; prolbide jogar cartas e dados na oficina, projbido permanecer ali dentro depois do fechamento noturne (também para evitar que os aprendizes e trabalhadores de senvolvessem por conta prépria trabalhos sem ¢ conhecimenta de mestre ou da- hificassem materiais € instrumentos), proibido permanecer nos arredores da oficina (que lembra muito a proibigio em tempos mais proximos de ficar fora da escola fazendo alvorogo e importunande as meninas), proibide acender fogo nos locais de trabalho, etc, todas limitagSes que prefiguram condig6es efetivas da vida da pequena comunidade de trabalhadares, das quais ségurarente nascerdo outras proibigdes ou adaptagdes, caso a caso, E quem tem um pouco de pratica com processos educativos em ato sabe bem o quanto contam as regras praticadas concretamente, com respeito aquelas eventualmente descritas pelos regulamentos ou pelos estatu- tos pactuais. Em suma, creio que se nos desvencilhamos por um momento da leitura dos contrates de aprendizade da época e procuramos nos demonstrar qual era a expe- nénda de atividade € de formagao vivida pelos componentes das oficinas de Arte, princigalmente dos mais jovense, particularmente, dos aspirantes ao magistério, pade- se legitimamente concluir que a relagde mestre-aprendiz (e ajudante escolhido) era sempre ede qualquer mode, uma relagdo educativamente relevante e compreensi- Muntivars 49 va de procedimentos de aprendizade formal e informal, cinda mais, de socializagdo dos comportamentos requeridas pela classe social e pelo grupo trabaihador especifi- cae de canstituigde de comportamentas tipicos nas relagaes com a realidade cotidi- ana. Que se saiba pouco ou nada das articulagGes internas das experiéncias de tra- balno ¢ por isso também, das efetivas modalidades de aprendizado do aprendiz ou do ajudante, ¢ que devemos reevocd-las ou deduzi-las com um certo esforga de imaginagSo, no tira um grama do peso do argumento pele qual toda experiéncia cotidiana em tempo integral ¢ prolongada por anos em ambiente tipico ¢ compacto, articulada em torno de esquemas operatives bem conotados, nutrida de intensa ideologia e de fortes motivagSes, como foi certamente aquela artesa, explica, nio obstante, uma ago educativa penetrante & difusa As diferencas entre estas experiéncias terao sido seguramente mais ou menos sensiveis de nagdo para nagao, de regido para regido ¢ tambern de ddade para ddade, em tecmos de caracteristicas, de principios e de critérios metodelégicos ou pedagé- gico-didaticos. Permanece, todavia, indubitavel que o fenémeno educative das CorporagSes constituiu em toda a parte no plano ideoldgico (basta pensar na sua primeira afirmagao de trabalho e da conseqliente eficdcia formativa) e no plano con- creto (recurso 4 experiénda produtiva como veiculo primario de aprendizado e de educagio da personalidade, utilizagio de novos instrumemtos cutturais, etc) uma re- volugdo pedagdégica tao sensivel quento povco considerada pelos historiadores da cultura é de prépria pedagogia. Quando sublinhamos a grande contribuigio de. Rousseau, Pestalozzi, Frébel, Dewey, Ferriére, Kerschensteiner & muitos outros que afirmaram o primado pedagégico da expenéncia pessoal ativa, e sem nada querer tirar destes monstros sagrados da educagao modema, nao deve ser esqueddo que este primado pedapégico, ou seja. o primado de modelos formativos opostos aque- les aristocraticos e intelectualistas tradicionalmente afirmados pela teoria da disciplina formal, 6 um mérito histérico inegavel das CorporagGes medievais. Dizendo CorporagGes nao entendo 86 as organizagdes das oficinas artesas mas também as Oficinas ou as lojas des grandes e médios mercadores, das quais logo falarernos. Ags Horas HumMantzapas Aeficacia formativa no conjunto do tiracinio das Corporagdes consistia, portan- tO, na participagaio em diversos momentos da vida produtiva: a) atwidade de trabalho: seb constante orientagac do mestre ou de quem Ihe fizesse as vezes; 6) vida extra trabalho ligada ao mbito familiar do mestre ou a outras tramas de relacSes a ele ine rentes; ¢) instruggo geral basica para a aquisi¢io de uma cultura pré-profissianal ade- quada 4 atividade especiica de cada um. Atividade de trabalho significava também uma 50 Nos Tach, bo Mi determinads disciplina horaria 4 qual o rapaz era submetido, as vezes ern duragGes superiores Aquelas para outros encarregados da aficina (por exernplo, quando era en- carregado de trabalhos de limpeza ou de arrumacao pertinentes tanto aos aprendizes, como aos outros jowens ajudantes: confirmagSo ulterior de que o aprendiz, pagante ou no, ndo era isento das abrigagdes manuals, humiide rotina, como ao contro serd depois 0 aluno dos colégios ou das academias). E este detalhe, Asignificativo pela luz que langa sobre a ideologia de apcio aquele tirecinia, indica também uma novidade muito importante, ou seja, o nascimento de uma divisio do tempo nao mais marcada pelas campainhas batendo somente as horas candnicas, mas agora medidas preferiveimente segundo.as exgéndias de trabalho. Era, em sums - paralraseando Le Goff-, 0 tempode artesdo que em certas esferas sociais substituiu a hora da igreja, Esta ultima era urna heranga do regime manacal sobre as vilas ¢ os campos, quando das sinas do convento- castelo e das igrejinhas esparsas pelos vales crcundantes, difundiam-se os toques, ndo em intervalos simétricos para dividir as vinte e quatro horas, das “Laudes’ que antecipa- vam a aurora até as “completas”. hora que completava a jomnada ativa e introduzia o re- pouse noturno, apropnadas 4 relacao estacional clano-esquro ¢, pertante, a cadéncias naturais, no a exigéncias produivas “artisticas”. § Este costume agrdrio é depois introdu- zido nas ddades, que crescerm muito. em habitantes e em atvidade apés o.ano Mil. Com alguma adaptacdo valera, pois, ambém para a populagso das cidades ¢ dos burgos de artesdos ¢ de mercadores, de soldados e de mendigos, etc, que se levanta, em geral - com nao poucas variagdes de estagSo -, préximoa hora coincidente com as nossas seis da manha, homens e mulheres; depois os primeiros vao trabalhar ou, de qualquer for- ma, comegam.a movimentar-se eas segundas vo 4 missa. Como foi € sera até a di- fusio da iluminagdo elétrica nas casas, o elemento determinante para assinalar a cu: ragho da atividade cotidiana sera luz do sol, desinutada ao maximo, E compreensi vel, por isso, que, das sete da manha aproximadamente (uso sempre medidas ma- demas), no inverno, ede muita antes no verdo até © pér-do-sol, a jomada fosse trabalhdvel. Na realidade, nas cidades nao acontecia mais como no campo, onde o horario eo tipo de trabalho dependiam - # em boa parte dependem até hoje-da mudanga de estagio e da lurninosidade natural; caso contréria, em pleno verao, tam- bém as Corporagtes terlam feito trabalhar além de doze-quatorze horas seguidas ¢, ‘nc inverna, somente poucas horas. Parece, ao contrario, que existia um horarie de trabalho, nao prolongade para além de uma certa hora da tarde, mesmo nos meses de vergo. E, também, se nos detalhes a questio é ainda muito discutida pelos estu- digsos do periodo medieval, permanece entretanto o fato importante de que as Corparagées impuseram urna medida de tempo profissional que se tomou Jago. ternpa urbano. Para a populacao ativa, desse modo, a jornada nao € mais dividida pelos tempos canénicos, vélidos ainda para os éclesidsticos ¢ para a vida extra doméstica As Onigens Mepinvats 5]. des mulheres, mas pela sineta das oficinas (que antecipa aquela tpica das escolas ). Em sumna, assim coma era antes proibide e depois sempre mais tolerado e, enfim, jegitimado que o tempo fesse usadlo para vendé-lo e com ele especular, 6 hesmo ocorre para oarce temporal da jernada de trabalho, medide segundo convenqoes derivadas da realidade de trabalho artesdo e mercantl, €ndo mais pelas regras da Jiturgia religiosa. (Cansamo-nos néa pouco para liberar-nos da. idéia de “hora” como tempo fixo constituido de sessenta minutos, cada um dos quais é por sua vez composto de ses- senta segundos. Estamos multe condiconados mentalmente pela volta completa des ponteiras do religio, o grande € © pequend. Até o afirmar-se das Gorporagoes, per- manecia ainda © significado greco-romana de hora (momento justo). JA na mitologia grega, as Horas eram divindades naturais que exprimiam a volta extensa das estagoes, depois, por extensiio, a volta mais restrita das horas do dia e da noite, mas sem divisao precisa, A sua imagem era de figuras que coram leves e velozes sobre o-carro incontrolavel do deus Sol. A sua estrada era de nuvens. Como é possivel preocupar- se com medidas precisas para quem vive constantemente nas ndvens? A hora, em summa, exprimia um concsito area, fluido. Assim, ac menos, foram representadas: ‘em um famoso quadro dos anos de 1800, depois reproduzide (gracas as novas téc- nicas industriais que as CorparagGes ignoravam e que de certo teriam desprezado) em inumeraveis cdpias a entapetar as paredes dos esttidios ou das salas de iantar da boa burguesia giolttiana, imagem mantida também do sucesso quetinha tide a mésica da néo menes famosa Danga das Horas de Ponchielli, Mas ali ahora 6, hd muito, uma medida exata, composta de minutos, segundos ¢ ji de décimos de segundo. ‘As horae canonicae qué a igreja adotou eram, portanto, assinalagées relatives 208 varios momentos da jornada consideradas justos para rectar uma tal oragSo ou para fazer qualquer outra agao. Porisso, as distndas entre aqueles sinais eram irre- gulares: tipico 0 caso da nona hora que, parece, se colocava primeiro em relagdo 45 atuais trés da tarde 6, depois, escorregava ao contrario até indicar © meio dia (no as nossas doze mas mais provavelmente a metade do curso: do sol naquela determina- da estagao). Por isso, em inglés as horas da tarde, depois daquele sinal, se diz até hoje afternoon (depois da nona), Nae tendo as horas durago fia, daramente nao existiarn os minutos, Tudo parecia conspirar em manter condic¢hes que consentirao. medidas elisticas e adaptiveis, primeiro as exigéndas eclesiasticas ©, depois, aquela das Corporacbes. Tao adaptavels que aquelas distancias podiam varar de lugar para Jugar, de cidade para cidade, segundo a prevaléncia de uma ou outra Corporagao. Dentro das oficinas artesangis, a medida do tempe tecnolégico, digamos, inici- almente era freqiientemente estimada od sensum, Ou gragas @ clepsidras, oua ins- trumentos particulares ja callbrados para medir os tempos dos varios momentos do 52_ NOSTALGIA po. trabalho (por exemplo, pela fusio de um metal ou pela imersdo de tecidos nos dc dos), que certamente nao podiam esperar as longas € aproximativas cadéncias dos sinos eclesidsticos. Estas podiam ser boas para o trabalho dos campos em que mi- nutos € segundos ndo contam, ¢ as mesmas horas valem na medida em que dao cu tira aluz do sol. Os Gnicos sinais tangiveis para medir o trabalho do camponés sao a fadiga pessoal ou a quantidade de resultado obtido: por isso, sua habilidade cansis- te justamente no distribulr as préprias forcas em vista do trabalho diario previsivel, segundo relacdes prevalentemente quantitativas. Mas, para. ourives ou 0 fundidor ou mesmo otintureiro, existem tempos estreitos € rigidos, que exigem concep- Ges, instrumentos e medidas particulares, ligados a especifica tecnologia emprega- da, Em sintese, aidéla de tempo e da sua divisdo, que se forma em um homem crescido no trabalho camponés, é bem diferente daquela de um outro que fez 0 seu tirocinio em uma oficina artesd, ou nas lojas de um mercador. Havia, portanto, ume educagdo distinta sabre um sentido tée importante quanto o tempo, segurida as clas- ses sociais (basta dizer que um senhor tem um sentido diferente do trabalhador, € este, do mendigo) au 0 sexo (o marido que pisa uvas para fazer vinho com respeito @ mulher que dana de casa) ¢ assim por diante, mas tarnbém, no Interior de cada uma dessas grandes reparticées, havia diferengas nao despreziveis que derivavam, principalmente, do tipo de educa¢ao operativa recebida. © Tempo & JA Dinero ‘© mercador que usave 0 “seu” tempo no safria os condicionamentas temolé- gicos do artesio, mas, claro, nao era imune a outros. Também as mercadorias ti nham © seu tempo {o deterioramento) € a duracio temporal, sobretude funconais banedrias e de seguro. O sentido do mote “tempo é dinheiro”, que se atribui primeira aos expedicionanos ingleses do século XVII, na réalidade nasceu muite antes, na fase mercantil das Corporages, mesmo se no ainda ideologicamente explicitado, Basta pensar nas cartas de crédito, no calcule dos juros ¢ nas outras formas tratadas pelo direito “cartolare” * de entao, para concluir que sem a nogao de tempo medido para servir a atividade produtiva, nenhuma delas tena sido cancebivel. Na realidade, o proprio termo “usura” leva conceitualmente ao uso do tempo. Depcis das Corporagies, sem uma representasao praticavel e precisa dele, ndo € mais possivel trabalhar nem a0 sucesso pratice ¢ financeiro das operagaes comerciak * *cartolare”: relative a um direito incorporado em um documento, de modo a nao poder ser exercitada sem a apresentacao do mesmo, (N.T}. As ORIGENS MEDIEVAIS 53 tar do trabalho de cutrem. Sem aidéia dominante “daquele” tempo, em suma. partir das Corporagées em diante ndo ha mais producso humana. Um é fungio ‘outro também na modalidade cos relatives processos formatives, Le Goff mostra uma das suas agudas intuigGes, quando recorda que o “gover- ior real de Artoes autoriza em |355 a populagio de Aire-sur-la-Lys a construir campandrio, cujos sinos soardo as horas da transigao comercial e do trabalno ‘dos operinios de tecidos. A utilizagao, com objetivo profissional. de uma nova me- ida do tempo, ali € indicada damorosamente, Instrumento de uma classe - urna vez Que a dita cidade é governadla pelo offcio da fabricagSo de tecidos -, capaz de nos oferecer a ocasiao de entender como evolugio das estruturas mentais e das suas ‘express6es materiais se insere proflindamente no mecanisme da luta de classe, 0 relégio municipal € também instrumento de dominagio econémica, social ¢ politica dos mercadores que sustentarn o municipio. E, para servi-lo, se adverte da necessi- dade de uma medida rigorosa do tempo, porque na fabrica de tecidos “é oportuno que a maior parte dos operdrios diaristas (os proletdrios texteis ) vio e venham do trabalho em horas fixas”"™. “Inicios da organizagao do trabalho, andincios distantes do taylorismo”, conclui Le Goff, que vé nestes sinais jd decifraveis a “cadéncia infer- nal” introduzida muite mais tarde pelo sisterna de fébrica da cruel industrializagao. Ohomern, a partir do século Xl! em diante nao cunha, obviamente, 0 tempo as- sim.com quniha (a lei permitinda) o dinheiro, mas pode medi-lo, representéo e desinutd- fo da melhor maneira, estabelecendo conexties insuspettiveise tanto mais fhutiferas entre as unidades de tempo idealizadas ¢ as unidades de riqueza produzida, Exatamente esta redproca ligagio funcional é j alguma coisa alémn do embrio da nagio de time is money: @anogio de que as cadéncias do sagrado no sao mais para todas (continuarado a s&-4o para as mulheres e para quern nad fosse, de qualquer forma, muito ligado com as ‘CorporagSes} a cad@nda obrigatéria da vida cotidiana, Consegitentemente, favorece a outra nogso de que existe um tempo sagrada, aquele em que os sinos tocam, € a parte existe um temps profano, retalhaco sobre as projegGes que tém em vista urn mais ra- Gonal ermprego das atividades mundanas, principalmente daquelas produtivas. Uma in- tervengao de secularizago do wivide individual e coletivo, de grande momento cultural e, Por isso, com novos Exitos também nos processos educativos. Isso ndo quer dizer, naturalmente, que com o triunfo das CorporacGes tivessem desaparecido os sinos das igrejas. Se ao lado dos campandrios surgiam torres cvis que batiam um tempo diverso, as referéncias da vida civil em geral eram ainda aqueles as- ‘'Sinaladas pelo soar das catedrais e de outras igrejas que se apressavam a repeti-los. 26. |. Le Golf, I Tempo della Chiesa,,., cit, pp. 13-14, 54_Nosra.cia po Mi Porém dentro da expenéncia de trabalho €, portarto, na interiorizagdo de certos comportamentos, aquile que impertava éra.0 tempo do oficio, digamos. Cada ‘Corpo- ragao, e tolver cada especialidade desta, implicave uma educagao propria Gidéia e.a0 uso do tempo que exorbitave das dficinas e incidia sobre a personalidade do trabalha- dor Nem era certamente sem ‘consequénda formativa, que tado tempo de afi pro- viesse de exigéncias especiiicas da organizagio do trabalho e nto descendesse mais do alto de uma autoridade dé ongem divina, como aquela da qual os sinos das igrejas eram expressOes. Se a sine lembra acada um que todos sao filhos € servos de Deus, otempo do oficia lembra, a0 contrario, o pertencimenta a uma determinada Corpe- racdo, auma determinada. divisa que veste corpo € espirito. Ainda uma'vez, portanto, a dimensao produtiva das Corporagbes assinalava um ulterior estimuto para laicizar alguns valores CMs. exdraidos da cultura religiosa, um outro: asso para uma concepgio hurnanista (no sentido de “a medida de hormem”) mowida bem antes que fosse consagrada pelos grandes names dos cultores das humange litterae, Ao contrario, deve-se perguntar até que ponto aafirmagao humanista tenia. sido to afortunada se 0 terreno naotivesse sido fA muito predisposte também pela laicidade das Corporagbes. ralgrado os santos protetores, a diferente relagso para comas autoridades religiosas, as suas abundantes ceriménias ¢ fungdes diante dos ahares que cada uma delas ostentava {para os "matriculados”, estando excluidos 05 jrabalhadores e os aprendizes mais jovens}. E nao.ésomente © uso do tempo horario- que aparece como sinal evidente de uma secularizagio progressiva do fazer & do vivido dos séculos anteriores ao Renascimento. HA também, ndo menos importante, mas, daro, menos estudada, a conquista de umn tempo nao prejudicado pelos voriagGes sa- zonois € metearolégicas, parcial e, porém, jd sensivel corm respeita a resignagdo campo- nese imposta pelas sambras da noite, pela neve, pela seca ou pelos gafanhotos, ¢.cssim por diante. © tempo das Corporagaes € um tempo construfdo.e medica pelo produtor endo sofre mais totalmente os condicionomentas clo céu. Sem divida, uma carestia de pradutes agricolas repercutia negativamente tam- pém sobre os tréficas de |d ou de gras, etc, mas estes dispunham de tteis compen sagdes oferecidas pela variedade das mercadorias ¢ dos mercados, além das serm- pre mais amplas previdindas asseguradoras que, para a terra, a0 invés, faltarac ainda. por longo tempo. Artesaos € mercadores trabalham quase sempre fechados e tam- bém, se nao dispdem ainda das recursos que tornardo a grande industria quase de Lodo independente da meteoroiogia, jAno eram mais escravos da luz solare da clerm&ncia sazonal come 6 camponés. Esta pode ser inimiga, também pela sua imprevisibilidade, mas no € mais invencivel. E como-as Corporagées assinalam 0 definitive fim da proibigae da usura, assim também assinalam o progressive cancela- mento das proibigbes origingnas contra trabalho noturno ou nos feriacios, sO para As Oricens Mepiey um exemple: quando as exig8ncias produtivas 0 exigirao, os proprios operarios fro para produzir a mais para serem melhor pagos. Também nisso.a burguesia jutiva da longinqua Idade Média antecipa ¢ comega a tomar perceptivel ofator ¢ depois estard entre as cartas vencedoras da industrialzagao da nossa era. Em outras palavras: a produtividade tecnolagica dentro das oficnas ou das lojas nao se importar, en medida sempre maicr, que fora chova granizo ou sobre- ha a seca, ou ainda que a mosea do éleo tenha dizimado a colheita de azeitonas, s assim por diante. Ela pode produzin ou seja, comerdalizar em todas as estagdes & todas as horas do dia eda noite, nem deve esperar necessariamente, digamos, a tosquia do condado. circunstante para comegar a urdir flare tecer como devia er o homem dos campos, porque os fardos de la agora chegam de fara no vero no inverno, chova ou faca sol. Tudo isso cooperou, nao pouce, para dar ao ho- mn da épaca - a todos ¢ nao s6 aos doutos - 0 senso do seu poder no emprego is amplo € calculado de tempo, gragas 4 boa autonomia conseguida no emanci- r-se das intempéries e das oscilagées das estagGes. Naturalmente, nao sao as poraces as que fazem entender ao homem que se pode acender uma luz para issipar as trevas Cu que se pode produzir também sob um teto entre quatro pare- 5, 4.0 sabia 0 mitico Polifemo e, muito antes dele, o homo faber, o- qual usava, € , divisbes e defesas com respeito ao tempo natural ou ntual, aplicande medidas ssoais, herdadas ou imitadas ou ainda inventadas. Mas 0 fato novo é que estas fidas de oficio surjam em nivel de comportamentos primeira tolerados ¢, de- is, licitos €, enfim, exemplares, gragas ao poder que as Corporagoes dos antifices. dos mercadores tinham assumido e a ideologia difusa que tinham: elaborado etrans- itido. Nao mais 0 recurso de um Unico produtar, mas a medida adotada por um ymento social dominonte, ou ao menos muita impartante, € que depois se torna critéria dominante também na comunidade civil para ritmar a vide cle taclas, A Novinape Hinpu-ARABICA meminente mercador alemao do sécule XIV desejava para o filho uma ins- trusdo (til para a administragio do proprio negécio, mas 0 ensino, por outro lado, dado no quadrivium parace que nao ia além da adigio e da subtragio. ‘onowo sistema. Estas operagdes que hoje se ensinam tranqdilamente as criangas primeiras séries e que alguns postariam inclusive de antecipar para a pré-escola, exigiam antigamente os servigas de um espedalista e, uma operagao que hoje levana poucos minutos, exigia ainda no século XW, muitos dias de extenuante trabalho"'!, A nubtiplicagao, por exemplo, efetuada com a numeragao literal romana consistia, de isto, em uma série de sucessivas duplicages até chegar.ao multiplicader desejado, enquanto que a divisio se limitava a dara metade de um divicendo, assim que se podia gar sem nenhuma pressaa um quarto, um oitavo € assim por diante, mas-era muito problematico obter um quinto ¢ outros quocientes de divisores impares, para nio Blar dos decimais, ainda inconcebiveis. Com um tal sistema de marcagSo, cada letra usada exprimia um valor numénco fixe € imediatamente reconhecivel em si mesmo: dependenternente da posicao, | era sempre |, X erasempre 10, C, sempre 100. Para obter valores em séries intermedidnias a X e suas duplicacdes, por exernplo a-representar 34, duplicava-se - é sabido - outras duas vezes 0 sinal X, acrescenta- a-se.oV=5 e disso se subtraia uma unidade antependo af um |. Aquele XOOxIV era, ho final, por si s¢ imultplicivel e indivisivel, exceto depois de t8-lo transformade em 1. T Dantizig, Il Numero Linguaggio della Scienza, La Nuva Italia, p.28, 1965. 63 NosTanci po Mr quantidades manipulivels, ou seja, em simboles concretos (pedrinhas, bolinhas, cu- bos, etc.), coma se fazia operando sobre velhos dbacos que sobreviveram atéosé- culo XVI, para depois representar novamente, com as letras romanas, o resultado obtide. Absolutamente de enlouquecer, quando, depois, devia-se lidar com grandes nGimeros ou, de qualquer modo, com célculos mais complicados. Em outros termos, a numeracdo romana era somente uma abrewiagao cifra- da das quantidades escritas por extenso (por exemplo, =decem), de todo, porém, impraticavel para operar diretamente qualquer calculo sem recorrer a ins- trumentos particulares, entre os quais 6 velho. ) abacoyque materializavam as ope- racbes necessdrias gracas ao emprego de objetos deslocados sobre diferentes quadrados de uma tébua apropriada (dita justamente “abaco"), correspondentes as dezenas, centenas e milhares, etc. A reduzida necessidade de calclil6 na alta Idade Média, pela escacez de troca ecirculagio d der moeda, nao sofreu muito com essa rudimentar técnica operatéria que ameagou, ao contrario, de se tornar paralizante pouco mais tarde. |4 em alguns mosteiros colocou-se, de fata, 0 pro- blema de adotar técnicas de contabilidade mais dgeis ¢ precisas 4 medida que os limites da economia feudal estavam se decompondo. E afora Boécio que, do seu sossego de “Ciel d'oro” em Pavia, tinha-se dedicado também aos numeros € aos cdlculos, porém, sem conseqii&ncias priticas, é necessdrio lembrar que Gerberto, di Aurillac, talvez o maior pensador da primeira escolastica, desde o fim do século X, havia intuido que a numeragae romana era entio intitil peso morto & devia ser substitufda pela numeracae indiana, importada, no ocidente, pelos arabes. C con- vento espanhol no qual por muito tempo Gerberto produziu exprimia de fate um tipo de: cultura nao insensivel 2 influéncia drabe. Tbdavia, o qninho para chegarao cfleulo direto com osalgarismos serd ainda mais fongo , em certo sentida, penoso. Gerberte limitou-se a usar os algarismos hindu-ard- bicos de | a9 eatribuiua eles um valor dedmal com base na posiggo. Assim, por exem: plo. os dois algarismos indicadas a pouco pediam ser combinados para representar _ dezenove ou ainda noventa e ume unidades. Desse mode o calaalo com 0 velho abaco nao podia ainda ser eliminado, mas era notavelmente simplificada, e © mesmo instru- mento-se reduzia muito em dimensées. Nao podia ser eliminado porque a inovagao era gravemnente linda pela auséncs do zero, gquele magico “U" que constituird overtiadei- ro grande salto de qualidade no ciclo & permitird detar de lade a antiga tibua, bastando por'si sé para indicar a posigao das dezenas, centenas, etc., ea varid-la diretamente, se- gundo 0s cdlculos desejados. Sabemos que Gerberto, além de grande estudioso, era também notivel homam de gaverno (no por acaso se tomard papa) € é muita provavel que os masteiros por ele dirigidos € as mais amplas comunidades de fidis tenham-se beneficiade das suas inevagdes em contabllidace para sua widaativa. E daroqueno séau- Cuuroran Enucapko Mercanrit 59 joXlllo abade de 5. Galgano, nas vizinhangas de Siena, fazia uso. para a contabilidade da grande empresa agricola e artesanal do convento, de um “livro de novas contas™ . De outra parte, as congregagSes religiosas nao estavam submetidas nem as prefertu- ras, nem 4s Corporagées ¢ eram por isso livres para adotar eritérios e métodos mais apropriados ao seu gerenciamento e as suas finalidades produtivas ¢ pedagégicas. Contudo, por dois séculos a nova contabilidade nao se difundiu na realidade so- dal come teria podido. A propria numeragio romana comtinuoue ser usada mesma depois da difusio da arébica. As vezes encontremo-la combinada com esta tikima num mesmo escrito. Assim, por exemplo, Calandn, autor de um famoso manual do-século XV destinado a ensinar contablidade ao jovern Giovanni Medici usa o sina! hindu-aré- “Bice para indicar os algarismos compreendidas no célculo em questdo, mas volta ao romano para tado 0 resto. Os inventrios dos escrivdes ¢ também os textos dos cro- nists & humanistas. depois, resister por muite tempo coma numeragae romana (mesmo se adaptada) no momente em que neles nao se descreviam operagées, mas somente quantidades numéricas definidas (a letra j oui, se usada noinicio ou ne final ‘ou ainda sozinha, em ambas as variantes, é igual al), Antes de tudo uma igreja antiga & pequena com altar &:com uma sacristia ao lado da dita igreja (..) Ena dita sacristia en- contram-se quatro cilices de prata daurados os quais pesam iil bras de onga€ meio. carro’ , trés biblias, um missal, dois epistolarios, um brevidrio, um missal pequeno. 4r2s homilidrios, ij passiondrios, ij paramentes, jj livros de canto, ij saltérios, jj hindrios, jlenda de S. Gallo, jordindrio, jturibulo de cobre dourade com corrente de prata’. 2 sev, usa-se indiferentemente a numeragdo romana adaptada ou o ntimero. crite por extenso, Mais adiante: “Também j pedaco de terra com bosque situada afi vizinhangas, abaixo dé Massa, descends enfim em Tersolla € con! cluindo com o mero dito acima so ev alqueires e mals’, Sao trechos de um inventario compilado final do século Xill ou ne inicie do século XIM relative as posses do Hospital de S. 2.2. Gallo em Flerenca (hoje conservado no arquivo do Hospital dos Inocentes) Um outro exempla, da Cronica de Donato Velluti, que em pleno século KM avvida de Bonaccorso e especifica quanto - incrivelmente - ¢ como viveu aquele hor: “Wiveu bem CXX anos, mas aos ultimos XO anos perdeua luz da razao, tes que morresse de velhice”. Na convengilo dos escritosliterdrios, em suma, o mero arébico no tinha sido admitido, exceto para indicar os anos: Dino Compagni, temporéneo de Dante, na sua Cronica indica, por exemplo, com a numeragso 2. R. Franci, La Rivoluzione Commerciale e I'Imtroduzione delle Cifre Indo-Arabe in pa’ in AAW, Storicith e Attualita della Cultura Scientifica ¢ Insegnamento delle Scenze: iett-Manzuoli, p.S7, 1986. * carro:medida antiga de massa (NT). oo Nosmaaia bo Muste): AgnisAo romana, as distancias em milhas entre Florenga eas ddades mais préximas ea data MCCIOOOX. Escreve, porém, | 289 ¢ 1292 ¢ outres datas anuais. Também Giovanni Villani, algum tempo depois, para indicar adata da morte de Dante, escreve 1321, € assim por diarte, mas para o resto indica os nlimeros por extenso: “quatro”, “dezessers’, ete. Indicagdes ainda mais interessantes pademos extrair do texto do Tramtata delarte doll seta do século XV (editado provavelmente porvoltade 1480) que, para indicar as respactivas posiges dos decos que trabalnam com os fies de seda, usa imagens coma: “ededo. minimo fecha aquele que the esta. 20 Jado, como se fosse fazer 0 sinal de 200-0 dbaca” ou, “adaptande 0 polegaraquele que Ihe estiiao lado, de modo a pOrtrés milnas maos coma se fosse 0 dbaco™. Isto prova que ao final do século XV 0 uso de dbaco romano, mais ou menos modernizada, edo célculo com.os dedos era ainda farniliar nas oficinas das ConporacGes, ao ponte que era usacdonos manuals (sobre os quais tormare! logo) destinados aos “ignorantes & novatos”, como exemple de gestualidade concreta. Assim, enquanto os artfices ainda persisiem com residues dos velhos sistemas, 0 outro: componente das Corporacoes, OS mercadores, JA completaram o salto de quase dois séculos: anumeracso arabica € de fato correntemente empregada nas diferentes cor respondéndas comerciais jA NO inicio do século XIV praticamente desde quando os notirios debam de dedicar-se, como genéncos notirios, aos escritos aos livros de apontamentos dos mercadores, @ S30 substituidos pelos “feitores” & empregadas especializados, formados nas nowas-escolas de aritmética contabil. Para canfronté-to, basta olhar os muitos exemplos trazides por Federico Melis em Document per ia storia economtica dei sec, XIN -

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