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Albuquerque
Maalouf :
2009
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“O Oriente e o Ocidente pertencem a Deus. Para onde quer que se voltem os vossos olhos, eles encontrarão sempre a face de Deus,
pois Deus é imenso e sapiente.” (Alcorão, II, 109)
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7. Este sentimento pode ser ilustrado com a reacção de alguns franceses perante a
mundialização, vista como uma forma de americanização, um cenário subtil
onde entraria o mortífero “Cavalo de Tróia”.
8. É assim que a modernização ou qualquer esforço de modernização se torna
suspeito quando se desconfia tratar-se do “Cavalo de Tróia” duma cultura
dominadora (ou aspirando a isso).
9. Podíamos distinguir mundialização e globalização. Segundo DOLFUSS (1998:
12), “a mundialização é o intercâmbio generalizado entre as diferentes partes do
planeta, sendo então o espaço mundial espaço de transacção da humanidade”. A
globalização, corresponderia a um último estado deste processo de
mundialização, alcançado graças à instantaneidade da informação e que vê
surgir um forte e tentacular sistema financeiro que se autonomizou e controla a
economia (DOLFUSS, 1998:13). Segundo GIDDENS, (2007: 52), a
globalização corresponde ao “facto de viermos cada vez mais num «único
mundo», pois os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se mais
interdependentes.” Este processo de globalização conduz ao esboroar dos
quadros tradicionais de referência para a construção da identidade dos
indivíduos. A nível cultural, muitos são os que manifestam a sua preocupação
pelo facto da globalização levar à criação duma cultura global, comandada a
partir de Hollywood, pelo que “a globalização é uma forma de «imperialismo
cultural», em que os valores, os estilos e as perspectivas ocidentais são
divulgados de modo tão agressivo que suprimem as outras culturas nacionais”
(GIDDENS, 2007: 64). No entanto, outros autores apontam para uma
consequência diferente, mesmo oposta: a de uma crescente diferenciação das
identidades culturais que daria lugar à coexistência da diversidade de culturas.
Esta situação daria lugar a novas formas de identidade híbrida, um estilo
eclético, apontando para composições oriundas de diversas culturas tradicionais
(GIDDENS, 2007: 65).
10. O que está em jogo é a questão da identidade; o confronto entre as culturas deve
analisar-se começando-se por se esclarecer o que caracteriza a identidade própria
de cada um dos elementos em presença e em (eventual) confronto.
11. O sentimento dos povos não-ocidentais não é, assim, tão bizarro quando algo de
parecido se passa com os franceses que mesmo protagonizando uma cultura
evoluída, amadurecida, universalmente reconhecida, temem a mundialização,
por verem nos elementos em que ela se concretiza, elementos dum “Cavalo de
Tróia” que alberga num processo de americanização.
12. Se em termos do nosso ADN somos, sem dúvida, uma única espécie cuja origem
remonta a África; se as diferenças que associamos às identidades raciais são
superficiais (debaixo da pele somos todos muito idênticos); se as diferentes
“raças” têm vindo a cruzar-se entre si desde tempos imemoriais; donde haja
quem afirme que não existem raças ou estão em vias de extinção. Donde
também resulta este “enigma central”: como se pode explicar a tendência dos
grupos de homens a identificarem-se mutuamente como estranhos, quando são
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Nota muito marginal ou talvez não. O cardeal patriarca de Lisboa comparava a guerra do Iraque e as suas
consequências a um pontapé que foi desferido numa pedra e assim despertava um ninho de vespas. A
imagem pode ser sugestiva, se tivermos em conta todos os problemas que se desenvolveram a partir da
guerra lançada por Bush. É inegável que a belicidade despertou e o mundo tornou-se num lugar mais
perigoso e que, apesar do objectivo propagandeado de combater o terrorismo, acabou por incentivar ainda
mais os jovens a procurar as soluções radicais dos fundamentalistas religiosos e a aderirem assim ao
terrorismo. Sob o pretexto de combater os terroristas, fez-se surgir mais terroristas. Mais vespas. Mas a
imagem também fazia pressupor a existência de um perigo adormecido (não um gigante adormecido,
porque esse estaria mais ao lado), aninhado no ninho, que povoaria os nossos pesadelos, o papão do
Oriente. Só que em nome do rigor deveríamos admitir que sob o Sandman existe um outro, mais real e
dominador, o Oilman, o energético protagonista que se esconde sob as areias do deserto e que não tem
pátria. Não é sem razão que MAALOUF afirma a propósito do que se passava na Argélia: “Bem poderíeis
ler dez grossos volumes sobre a história do Islão desde as suas origens que nada compreenderíeis sobre o
que se passa na Argélia. Lede 30 páginas sobre a colonização e a descolonização e compreenderíeis bem
melhor o que se passa.” (MAALOUF, 2002: 78).
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Bibliografia
(lidos, consultados e a ler melhor…)
1.
MAALOUF, Amin, 1998, As Identidades Assassinas, Lisboa, Difel, 2002
2.
CHOMSKY, Noam, Iraque – Assalto ao Médio Oriente, Lisboa, Antígona, 2003
DOLFUSS, Olivier, 1998, A Mundialização, Mem Martins, Publicações Europa-América
FINKIELKRAUT, Alain, 1996, A Humanidade Perdida – Ensaio sobre o século XX, Porto,
Edições ASA, 1997
GIDDENS, Anthony, 2001, Sociologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007
SAID, Edward W., Orientalismo, 1978, Orientalismo, Lisboa, Livros Cotovia, 2004
SAVATER, Fernando, 1984, Contra as Pátrias, Lisboa, Fim de Século, 2003
SOROMENHO-MARQUES, Viriato, 2008, O Regresso da América – que futuro depois do
Império?, Lisboa, Esfera do Caos
ZIZEK, Slavoj, 2004, Elogio da Intolerância, Lisboa, Relógio D’Água, 2006