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COLBGAO PENSAMENTO SOCIAL LATINO-AMERICANO SETE ENSAIOS DE INTERPRETAGAO DA REALIDADE PERUANA so eeee creer erarmeet iso Bie | i . eS BE. P4 ro Amapics Laiet2ad i VaTiwes en 1 José CarLos MariATEGUI ‘ Dados Iteracionas de Catalogaefo-na-Publeacso (GP) ‘Traugio ‘Maridtegu, José Carlos, 1894-1990 M3338 Sete ensaios de interpretagdo da realdade peruana / Jov6 Carlos Marte gus tradusto [de] Felipe Jose Lindoso, td S80 Paulo : Expresso Popular Clacso, 2008, {Colegio Pensamento Social Latino-Americano) Feuire José Linposo Indexado em GeoDados -htpswww.geodados.uem.br SBN 076-85-7743-064-2 1. Peru (Pals)- Histéra, 2, Ensaios peruanos - Século IK. 3. Indios - Peru -Condigbes Socials. 3. Educagio Peru, 4. Regionalismo - Peru. 5, Agrcuture- Peru 6. Peru Condigdes econémicas, 7. Inigenieme = Peru | Lindose, Felpe Jose, tra. I, Tuo Il, Série. cop sas expres: . 868.0035, ‘Barca: Blane Wc. Jovanoweh CRE BEET POPULAR O PROBLEMA DA TERRA 1. O problema agririo e o problema do indio Nés que, do ponto de vista sooialista, estudamos e definimos © problema do indio, comegamos por declarar absolutamente superados os pontos de vista humanitérios ou filantrépicos, nos quais, como um prolongamento da batalha apostélica do padre de Las Casas, se apoiava a antiga campanha pré-indigena. Nos- so primeiro esforco tende a estabelecer seu cardter de proble- ma fundamentalmente econémico. Insurgimo-nos primeiramente contra a tendéneia instintiva - e defensiva — do criollo ou misti,“ de reduzi-lo a um problema meramente administrativo, pedagogt- 0, 6tnico ou moral, para escapar de qualquer maneira do plano da economia. Por isso, a censura mais absurda que nos pode ser feita 6 a de lirismo ou literatismo. Colocando no primeiro plano 0 problema econémico-social, assumimos a postura menos Ifrica ou literdria possivel. Nao nos contentamos em reivindicar o direito ‘ise, palavra queéchua derivada do espanhol mestico, que passou a designar 0s latifundtérios da regio andina do Peru. (N-T.) do indio & educagdo, a cultura, ao progresso, ao amor e ao céu. Comegamos por reivindicar, categoricamente, seu direito a terra. Essa reivindicagdo perfeitamente materialista deveria bastar para que nio nos confundissem com os herdeiros ou, repetidores do verbo evangélico do grande frade espanhol, a quem, por outro Jado, tanto materialismo nao nos impede de admirar e estimar fervorosamente. E esse problema da terra ~ cuja solidariedade com 0 proble- ma do indio € demasiado evidente - também nao concordamos em atenué-lo ou diminuf-lo de modo oportunista. De minha par- te, trato de colocé-lo em termos absolutamente inequivocos ¢ claros. O problema agrério se apresenta, antes de qualquer coisa, como 0 problema da liquidagao do feudalismo no Peru. Esta liqui- dacdo j4 deveria ter sido feita pelo regime democratico-burgués formalmente estabelecido pela revolugdo da independéncia. Mas no Peru néo tivemos, nos cem anos de repablica, uma verdadeira classe capitalista. A antiga classe feudal - camuflada ou disfarca- da de burguesia republicana — conservou suas posigées. A politica de desamortizagéo da propriedade agréria iniciada pela revolucao da independéncia - como uma conseqiéncia l6gica de sua ideo- logia - nao levou ao desenvolvimento da pequena propriedade. A velha classe latifundidria nao havia perdido seu predominio. A sobrevivéncia de um regime de latifiindio produziu, na pratica, a manutengdo do latiftindio. Sabe-se que a desamortizagéo atacou Principalmente os bens das comunidades. E 0 fato é que, em um século de repiblica, a grande propriedade agréria foi reforgada ¢ engrandecida, a despeito do liberalismo te6rico da nossa Consti- tuigdo ¢ das necessidades praticas de desenvolvimento de nossa economia capitalista. As express6es do feudalismo sobrevivente sao duas: latiftindio e servidao. Expressées solidérias e consubstanciais, cuja andlise nos conduz @ onelusio de que nao se pode liquidar a servidao que pesa sobre a raga indigena sem liquidar o latiftindio. Assim colocado, o problema agrério do Peru ndo se presta a deformagées equivocas. Aparece em toda a sua magnitude de pro- blema cconémico-social - ¢ portanto politico --do dominio dos homens que atuam nesse plano de fatos e idéias. E resulta em 68 José Canoe Marines vao todo empenho de converté-lo, por exemplo, em um problema téenico-agricola de dominio dos agrénomos. Ninguém desconhece que a solugdo liberal desse problema seria, conforme a ideologia individualista, o fracionamento dos latiféindios para criar a pequena propriedade. £ tao desmedido © deseonhecimento que a cada passo se constata, entre nés, dos principios elementares do sovialismo, que jamais seré 6b- vio ou instil insistir no fato de que essa formula - fracionamen- to dos latifiindios em favor da pequena propriedade ~ nao é uté- pica, nem herética, nem revolucionaria, nem bolchevique, nem vanguardista, mas sim ortodoxa, constitucional, democratica, capitalista e burguesa. E que tem sua origem no ideério liberal ‘no qual se inspiram os estatutos constitucionais de todos os Estados democratico-burgueses. E que nos paises da Buropa central e oriental — nos quais a crise bélica derrubou as tiltimas muralhas do feudalismo, com 0 consentimento do capitalismo do Ocidente que desde entéo opse precisamente a Rissia esse bloco de paises antibolcheviques - na Checoslovaquia, Romé. nia, Poldnia, Bulgaria etc, se sancionaram leis agrérias que li- mitam, em prinejpio, a propriedade da terra a, no maximo, 500 hectares. De maneira coincidente com minha posigdo ideolégica, penso que no Peru jé passou a hora de se experimentar o método liberal, a formula individualista. Deixando de lado raz6es doutrinarias, considero fundamentalmente esse fator incontestavel e conereto que dé um carter peculiar 20 nosso problema agrério: a sobre vivéncia da comunidade e de elementos de socialismo pritico na agricultura e vida indigenas. Mas aqueles que se mantém dentro da doutrina democrético- liberal - se buscam de verdade uma solugio para o problema do indio, que o redima, antes de tudo, da sua servidao — podem diri- Sir o olhar para a experiéncia checa ou romena, dado que a mexi- cana, por sua inspiragao e seu processo, Ihes parece um exemplo Perigoso. Para eles ainda é tempo de defender a reforma liberal. Se 0 fizessem conseguiriam, pelo menos, que, no debate do pro- blema agrério provocado pela nova geragio, nao estivesse com- pletamente ausente o pensamento libcral que, segundo a histéria escrita, rege a vida do Peru desde a fundagao da repiblica. 69 (© ponte oa TER 2. Colonialismo-feudalismo O problema da terra esclarece a atitude vanguardista ou socia- lista, diante das sobrevivéncias do vice-reinado. O perricholismo** literfrio s6 nos interessa como reflexo ou sinal do colonialismo: econdmico. A heranga colonial que queremos liquidar nio é, fun- damentalmente, a de tapadas* e janelas com gelosias, mas sim a do regime econémico feudal, cujas expressées sdio 0 gamonalis- mo, o latifiindio e a servidao. A literatura colonialista ~ evocagdo nostalgica do vice-reinado e seus faustos - néo passa, para mim, do produto mediocre de um espirito engendrado e alimentado por esse regime. O vice-reinado no sobrevive no “perricholismo” de alguns trovadores e alguns cronistas. Sobrevive no feudalismo, no qual se assenta, sem que consiga impor sua lei, um capitalis- mo larvar e incipiente. Nao renegamos, propriamente, a heranca espanhola; renegamos a heranga feudal. A Bspanha nos trouxe a Idade Média: inquisigio, feudalismo ete. E nos trouxe também a contra-reforma: espirito reaciondrio, método jesuitico, casufsmo escoldstico. Fomos nos libertando pe- nosamente da maior parte dessas coisas, através da assimilagio da cultura ooidental, obtida as vezes por meio da propria Espanha. Mas ainda ndo nos libertamos de seu alicerce econdmico, arraiga- do nos interesses de uma classe cuja hegemonia nao foi liquidada pela revolugéo da independéncia. As raizes do feudalismo esto intactas. Sua subsisténcia é responsével, por exemplo, pelo atraso do nosso desenvolvimento capitalista. O regime de propriedade da terra determina o regime politi- coe administrativo de toda nagdo. O problema agrério ~ que até agora a reptiblica nao péde resolver ~ domina todos os problemas da nossa nagdo. Sobre uma economia semifeudal nao podem pros- perar nem funcionar instituigdes democraticas e liberais. ‘No que diz respeito ao problema indigena, a subordinagao ao problema da terra resulta ainda mais absoluta, por razdes espe- ciais. A raga indfgena 6 uma raga de agricultores. 0 povo incai ‘De Perricholi, mestiga amante de um vice-rei do Peru, No eontexto, significa hipoorisia. (NT) “* Tapadas era como se denominava o modo.de vestir das damas timenhas da coldnia, com o rosto coberto por um véu. (NT) 70 ost Cansoe Marsireot, ‘era um povo de camponeses, dedicados geralmente a agricultura ao pastoreio. As indtstrias, as artes, tinham um carter domés- tico e rural. No Peru dos incas, era mais certo que em qualquer outro povo 0 prinefpio de que “a vida vem da terra”, Os trabalhos piblicos, as obras coletivas mais admiréveis do Tawatinsuyo,"’ ti- veram um objetivo militar, religioso ou agricola. Os canais de ir rigagio da serra e da costa, as plataformas e terragos de cultivo dos Andes, permanecem como dois testemunhos do grau de or ganizagao econédmica aleangado pelo Peru incaico. Sua civilizagao se caracterizava, em todos seus tragos dominantes, como uma civilizagao agréria, A terra ~ escreve Valedrcel estudando a vida econdmica do Tawatin- suyo -, na tradigéo reinfcola, 6 a mae comum: de suas entrankas saem nao somente os frutos alimenticios, mas também o préprio homem. A terra apresenta todos os bens. O culto da Mama Pacha & paralelo a0 da heliolatria, e como 0 Sol nfo é de ninguém em particular, tampou- 0.0 6 0 planeta, Irmanados os dois conceitos na ideologia aborigine, nasceu 0 agrarismo, que 6 a propriedade comunitéria dos campos e religido universal do astro do dia. © Ao comunismo incaico ~ que nfo pode ser negado nem dimi- nuido por ter se desenvolvido sob o regime autocrético dos incas ~ se designa por isso mesmo como comunismo agrério. As ca- racteristicas fundamentais da economia incaica - segundo César Ugarte, que define em geral os tragos do nosso processo com mui- ta ponderagao — eram os seguintes: Propriedade colotiva da terra cultivével pelo apie” ou conjunto de fa- miflias aparentadas, ainda que dividida em lotes individuais intransfe- riveis; propriedade coletiva das dguas, terras de pasto e bosques pela ‘marea ou tribo, ou seja, uma federagio de ayllus estabelecidos ao re- dor de uma mesma aldeia; cooperagdo em'comum no trabalho; apro- priagdo individual das colheitas e frutos.° ‘Assim era como os incas denominavam seu império. A palavra quéchua sigai- fica “os quatro cantos do mundo”. (N.T)) “Luts B, Valodroel, Del Ayllu al mpério, p, 166. ‘Oaylla 6 forma ineaica da “comunidade”, constitutda a partir de estruturas de parentesco. César Antonio Ugarte, Bosquejo de la historia econémica del Peri, p.9. n A destruigio dessa economia — e, finalmente, da cultura que se nutria através de sua seiva — 6 uma das responsabilidades me- nos discutiveis do periodo colonial, nao por ter se constituido na destruigdo das formas autéctones, mas sim por nao haver trazido consigo sua substituigdo por formas superiores. O regime colo- nial desorganizou e aniquilou a economia agraria incaica, sem substitui-la por uma economia de rendimentos superiores. Sob uma aristocracia indfgena, os nativos compunham uma nagio de 10 milhoes de homens, com um Estado eficiente e ongiinico cuja ago alcangava todos os campos de sua soberania. Sob uma aris- tocracia estrangeira os nativos se viram reduzidos a uma massa dispersa @ andrquica de um milhao de homens, jogados na servi- dao e no “felahismo”.* O dado demografico é, a esse respeito, 0 mais convincente e decisivo. Contra todas as reprovagdes que - em nome de concei- tos liberais, ou seja, modernos, de liberdade e justiga ~ se possam fazer ao regime incaico, esté 0 fato histérico ~ positivo, material ~ de que assegurava a subsisténcia e 0 crescimento de uma popu- Jago que, quando chegaram os conquistadores ao Peru, ascendia 4 10 milhées e que, em trés séculos de dominio espanhol, desceu a um milhdo, Esse fato condena o regime colonial nfo a partir de pontos de vista abstratos ou tedricos ou morais — ou como se queira qualificd-los ~ da justiga, mas sim a partir dos pontos de vista praticos, concretos e materiais da funcionalidade. © regime colonial, impotente para organizar no Peru pelo me- los uma economia feudal, enxertou nesta os elementos de uma economia escravista, 3. A politica do regime colonial: despovoamento e escravidio Que o regime colonial se revelasse incapaz de organizar no Peru utina economia de puro tipo feudal se explica claramente. Nao € possivel organizar uma economia sem compreensao clara ¢ avaliagao segura, sendo dos seus principios, pelo menos de suas necessidades. Uma economia indigena, orgénica, nativa, se forma sozinha. Ela mesma determina espontaneamente suas institui- ahismo” ~ neologismo referente aos “Fellahs", eamponeses egipcios. (NL) R Jost Caos Manurecin gdes. Mas uma economia colonial se estabelece sobre bases em parte artificiais e estrangeiras, subordinada ao interesse do colo- nizador. Seu desenvolvimento regular depende da aptiddo deste de se adaptar As condigées ambientais ou transformé-las. Ao colonizador espanhol faltava radicalmente essa’ apiidao. ‘Tinha uma idéia, um pouco fantastica, do valor econdmico dos te- souros da natureza, mas nao tinha quase nenhuma idéia do valor econémico do homem A pritica de exterminio da populacdo indigena e de destruigao de suas instituig6es ~ muitas vezes em contraste com leis e provi- déncias da metrépole ~ empobrecia e dessangrava o fabuloso pais ganho pelos conquistadores para o rei da Espanha, numa medida tal que estes ndo eram capazes de perceber e avaliar. Formulando um principio da economia de sua época, um estadista sulame- ricano do século 19 devia mais tarde dizer, impressionado pelo espetaculo de um continente semideserto: “Governar é povoar”’ 0 colonizador espanhol, infinitamente afastado desse critério, im- plantou no Peru um regime de despovoamento. A perseguigio e a escravidao dos indios desfaziam rapidamen- te 0 capital subestimado num grau inverossimil pelos conquista- dores. Os espanhéis se viram a cada dia mais carentes de bragos para a exploragio ¢ aproveitamento das riquezas conquistadas. Recorreram ento ao sistema mais anti-social e primitivo de colo- nizagdo: 0 da importagao de escravos. O colonizador renunciava, assim, por outro lado, ao empreendimento para o qual, antes, 0 ‘conquistador sentia-se apto: o de assimilar o indio. A raga negra por ele trazida tinha que servir, entre outras coisas, para reduzir © desequilibrio demogréfico entre braneo e indio, A cobica de metais preciosos ~ absolutamente I6gica num sé- culo em que terras téo distantes praticamente ndo podiam man- dar para a Europa outros produtos ~ empurrou os espanhéis para se ocupar preferencialmente da mineragao. Seus interesses por- fiavam para converter em um povo de mineradores aquele que, sob seus incas, tinha sido fundamentalmente um povo agrério. Desse fato nasceu a necessidade de se impor ao indio a dura lei da esgravidao. O trabalho agricola, dentro de um regime natural- iene feudal, teria feitu do indio um servo, vineulando-o & terra. 0 trabalho nas minas e nas cidades devia fazer dele um eseravo. B ‘© rmomtena 94 Tea Os espanhéis estabeleceram, com o sistema das mitas, 0 trabalho forcado, arrancando o indio do seu solo e de seus costumes. A importagio de escravos negros que abasteceti de trabalha- dores bragais e domésticos a populagio espanhola da costa, onde se encontrava a sede ¢ a corte do vice-reinado, contribuiu para que a Espanha nao percebesse seu erro econémico e politico. O escravagismo se arraigou no regime, viciando-o e enfermando-o. professor Javier Prado, a partir de pontos de vista que na- turalmente ndo s4o os meus, chegou, em seu estudo sobre a si- tuagio social do Peru do periodo colonial, a coneclusées que con- templam precisamente um aspecto desse fracasso da empresa colonizadora: Os negros ~ diz ele ~ considerados como mercadoria comercial, ¢ im- portados para a América como méquinas humanas de trabalho, deviam regar a terra com 0 suor de seus rostos; mas sem fecundéls, sem deixar frutos proveitosos. f a liquidagéo constante, sempre igual, que a civil ‘22g faz com a hist6ria dos povos: o eseravo & improdutivo no trabalho, como o foi no império romano e como tem sido no Peru; e € um céncer ‘no organismo social, que vai corrompendo os sentimentos e os ideais nacionais. Dessa maneira desapareceu o trabalho esoravo no Peru, sem deixar os campos cultivados; e depois de ter se vingado da raga branca, ‘misturando seu sangue com o desta e rebaixando nesse contubémnio 0 critério moral e intelectual dos que foram no principio seus amos cruéis ‘ mais tarde seus padrinhos, seus companheiros, seus irmaos.** A responsabilidade da qual se pode acusar o regime colonial no é a de haver trazido uma raga inferior — essa era a acusagao essencial dos socilogos de meio séoulo atrés -, mas sim a de ha- ver trazido, com os escravos, a escravidio, destinada a fracassar como meio de exploragio e organizagio econdmica da colénia, a0 mesmo tempo em que reforgava um regime fundado apenas na conquista e na forga. O cardter colonial da agricultura da costa, que ainda nao con- segue se liberar dessa tara, provém em grande medida do sistema escravista. O latifundidrio da costa nunea pedi homens, para fe- cundar suas terras, e sim bragos. Por isso, quando Ihe faltaram os 5 Javier Prado, “Bstado social del Pert durante In dominacién espafola", em. Anales Untversitérios del Per, tomo XI, pp. 125-126, 4 out Canuee Marubrecrn escravos negros, procurou um sucedaneo nos cules chineses. Essa outra importagao, tipica de um regime de encomenderos, contra- riava e entrava como a dos negros na formagio regular de uma economia liberal congruente com a ordem politica estabelecida pela revolugao da independéncia. César Ugarte reconhece isso em seu estudo jé citado sobre a economia peruana, afirmando resolu- tamente que 0 Peru precisava de “homens” e néo de “bragos”." 4. 0 colonizador espanhol A incapacidade da sociedade colonial para organizar a eco- nomia peruana sobre suas bases naturais, agricolas, se explica pelo tipo de colonizador que nos tocou. Enquanto na América do Norte a colonizagio depositou os germes de um espitito e de uma economia que se plasmavam naquela ocasio na Europa e aos quais pertencia o futuro, na América espanhola trouxe os efeitos € 08 métodos de um espirito e de uma economia que jé declinava € A qual s6 0 passado pertencia. Essa tese pode parecer demasia- damente simplista para aqueles que 86 consideram seu aspecto de tese econdmica e, sobreviventes, ainda que ignorem isso, do velho escolasticismo ret6rico, mostram essa falta de aptidéo para entender 0 fato econdmico que constitui o defeito capital dos nossos aficionados pela hist6ria. Por isso me apraz encontrar no recente livro de José Vasconcelos, Indologia, um julgamento que tem 0 valor de ser proveniente de um pensador ao qual nao se pode atribuir nem muito marxismo nem pouco hispanismo. Se no houvesse tutus outras causes de ordem moral ¢ de ordem fi ‘sloa ~ escreve Vasconcelos — que explicam perfeitamente 0 espeticulo aparentemente desesperado do enorme progresso dos saxées no Norte 0 lento e desorientado passo dos latinos do Sul, apenas a compara- gdo dos dois sistemas, dos dois regimes dé propriedade, bastaria para explicar as razées do contraste. No Norte nao houve reis que andassem dispondo de terra alheia como de coisa propria. Sem maiores gragas de Parte de seus monarcas e até mesmo de certo estado de rebeliao moral contra o monarea inglés, os colonizadores do Norte foram desenvol- vendo um sistema de propriedade privada no qual cada um pagava 0 Prego da sua terra e ocupava somente a extensio que pudesse cultivar. Ugarte, op. ce, p. 64. 75 Foi assim, que em vez de encomendas, houve cultivos. Bem vez de uma aristocracia guerreira e agricola, com selos de avoengos reais mancha- dos, avoengos cortesios de abjegio e homicidio, se desenvolveu uma aristocracia de aptidées, que é 0 que se chama. democracia, uma demo- ¢racia que nos seus comegos nfo reconheceu mais preceitos que os do lema francés: iberdade, igualdade, fraternidade. Os homens do Norte foram conquistando a selva virgem, mas néo permitiram que 0 general Witorioso na luta contra os indios se apoderasse, como A nossa antiga ‘maneira, até onde alcance a vista. As terras recém conquistadas tam- bbém ndo ficavam & mereé do soberano para que as repartisse 20 set arbitrio e criasse nobrezas de dupla condigao moral: lacaia diante do soberano ¢ insolente ¢ opressora do mais d&bil, No Norte, a repiblica oincidiu com o grande movimento de expansio e a repiblica separou uma grande quantidade de terras boas, criou grandes reservas subtr: das do comércio particular, mas nao as usou Para criar ducados, nem Para premiar servigos patriéticos, mas sim as destinou ao fomento da instrugio popular. B assim, A medida que uma povoagio erescia, 0 au- ‘mento do valor das terras bastava para assegurar 0 servigo de ensino. & cada vez que se levantava uma nova cidade no meio do deserto, ndo era o regime de concessao, o regime do favor que Prevalecia, mas sim © leilao pablico dos lotes que previamente tinham sido divididos no plano da futura urbe. E com @ limitagio de que uma tiniea pessoa nao pudesse adquirir muitos lotes de uma vez, Desse. ‘sabio, desse justiceiro sistema social provém 0 grande poderio estadunidense. Por néo ter Procedido da mesma maneira é que tantas vezes fomos caminhando Para trés.* 0 feudalismo 6, como resulta do racioeinio de Vasconcelos, a tara que nos deixou o regime colonial. Os paises que, depois da independéncia, conseguiram livrar-se dessa tara so os que pro- érediram; os que ainda nao conseguiram isso so 0s retardatérios, ‘J4 vimos como a tara do feudalismo se juntou a tara do escrava- gismo.” O espanhol nao tinha as condigdes de colonizagao do anglo- Saxo. A criagao dos EUA se apresenta como a obra do pioneer. A Espanha, depois da epopéia da conquista, nao nos mandou quase nada além de nobres, clérigos e vildos. Os conquistadores eram ‘José Vasconcelos, Indologia. 16 Jost Cases Manusreats de uma estirpe herdica, os colonizadores, nao. Sentiam-se senho- res, nao se sentiam pioneers. Os que pensaram que a riqueza do Peru eram seus metais preciosos converteram a mineragio, com @ pritica das mitas, num fator de aniquilagéo do capital huma- no e de decadéncia da agricultura. No proprio repertorio civilista encontramos testemunhas de acusagdo. Javier Prado escreve que “o estado que a agricultura apresenta no vice-reinado do Peru é totalmente lamentavel devido ao sistema econémico absurdo mantido pelos espanhéis”, e que o despovoamento do pais era culpa do seu regime de exploragao.** © colonizador que em vez de se estabelecer nos campos se estabeleceu nas minas tinha a psicologia do buscador de ouro, Nio era, por conseguinte, um criador de riqueza. Uma economia, uma sociedade, so a obra dos que colonizam e vivificam a terra; ndo dos que precariamente extraem os tesouros do seu subsolo. A historia do florescimento e decadéncia de nao poucas povoagdes coloniais da serra, determinados pela descoberta e abandono de minas logo esgotadas e relegadas, demonstra amplamente entre ns essa lei histérica, Talvez as tinicas falanges de verdadeiros colonizadores que nos foram enviados pela Espanha foram as missdes de jesuitas ¢ dominicanos. Ambas as congregagdes, especialmente os jesuitas, criaram no Peru interessantes nvicleos de produgao. Os jesuitas associaram no seu empreendimento os fatores religioso, politico © econdmico, nao na mesma medida em que o fizeram no Para- Susi, onde realizaram sua experiénoia mais fanosa e excensa, mas sim de acordo com os mesmos principios. Essa fungio das congregagbes nao apenas se coaduna com toda a politica dos jesuitas na América espanhola, como também com a prépria tradicao dos monastérios medievais. Os monasté- rios tiveram, na sociedade medieval, entre outros, um papel eco- némico. Numa época guerteira e mistica, se encarregaram de sal- var a téenica dos oficios ¢ das artes, disciplinando e cultivando elementos sobre os quais mais tarde iria se constituir a indistria burguesa. Georges Sorel é um dos economistas modernos que melhor assinala ¢ define 0 papel dos monastérios na economia 5° Javier Prado, op. ot. p. 37. 7 © monte ra européia, estudando a ordem beneditina como prot6tipo do mo- nastério-empresa industrial, Encontrar capitais - aponta Sorel ~ era nesse tempo um problema muito dificil de ser resolvido; mas para os monges era muito simples. Muito rapidamente as doagdes de familias ricas Ihes proporcionaram grandes ‘quantidades de metais preciosos; isso facilitava em muito a acumulagéo Primitiva. Por outro lado, os conventos gastavam pouco e a estrita eco- ‘nomia que as regras impunham recorda os hébitos parcimoniosos dos Primeiros capitalistas, Durante muito tempo, 0s monges tiveram condi- ‘es excelentes de fazer operagies para aumentar sua fortuna Sorel nos expée como “depois de haver prestado a Europa ser vigos eminentes que todo o mundo reconhece, essas instituigdes tapidamente declinaram” e como os beneditinos “deixaram de ser operérios agrupados em uma oficina quase capitalista e se conver- teram em burgueses aposentados dos negécios que s6 pensavam em viver no doce écio dos campos”.5* Esse aspecto da colonizagio, como tantos outros de nossa eco: nomia, ainda ndo foi estudado. Tocou a mim, marxista convicto e confesso, sua constatagao. Julgo que este estudo é fundamental Para a justifieagao econdmica das medidas que, na futura politica agréria, dirdo respeito aos terrenos dos conventos e congrega- ‘e6es, porque estabelecerd de forma conclusiva a caducidade prati- ca de seu dominio e dos titulos reais sobre os quais repousava, 5. A “comunidade” durante 0 regime colonial As Leis das fndias‘" amparavam a propricdade indfgena ¢ re- conheciam sua organizagio comunista. A legislacdo relativa as “comunidades” indigenas adaptou-se A necessidade de nao ata- car nem as instituigdes nem os costumes indiferentes ao espfrito religioso e ao cardter politico do regime colonial. 0 comunismo agrério do ayllu, uma vez destruido o Estado inca, nao era in- ‘compativel nem com um, nem com o outro. Muito ao contrario. Os jesuitas aproveitaram precisamente o comunismo indigena no Peru, no México e ainda em maior escala no Paraguai, para seus Georges Sorel, Introduction a “économie moderne, pp. 120-130. Conjunto das ordenagées espanholas referentes ds coldnias amerieanas, as “Indias” ocidentais. (NT) 78 Toot Canuos Masiroc, fins de eatequizacdo. O regime medieval, te6rica e praticamente, conciliava a propriedade feudal com a propriedade comunitéria, O reconhecimento das comunidades e seus costumes econd- micos pelas Leis das indias nao revela simplesmente a sagacidade realista da politica colonial, mas se ajusta de maneira absoluta & teoria ¢ a prética feudais. As disposigdes das leis coloniais sobre a comunidade, que se mantinham sem inconveniente ao seu meca- nismo econémico, reformavam, em troca, e logicamente, os cos- tumes contrérios doutrina catélica (a prova matrimonial ete.) ¢ tendiam a converter a comunidade numa roda da sua méquina administrativa e fiscal. A comunidade podia e devia subsistir, para maior gl6ria e proveito do rei ¢ da Igreja. Sabemos bem que essa legislagdo ficou em grande parte 6 no papel. A propriedade ind{gena ndo pode ser suficientemente amparada, por razbes dependentes da prética colonial. Sobre esse fato esto de acordo todos os testemunhos. Ugarte faz as seguiin- tes constatagées: Nem as medidas previsoras de Toledo, nem as que, em diferentes oportunidades, tentaram colocar em pratica, impediram que uma grande parte da propriedade indigena passasse, legal ou ilegalmente, ‘is mios de espanhéis ou ertollos. Uma das instituigdes que facilitou ‘esse despojo dissimulado foi a das encomendas, Segundo 0 conceito legal da instituigdo, 0 encomendero era um encarregado da cobranga dos tributos e da organizagio ¢ oristianizagio de seus tributérios. ‘Mas na realidade das coisas era um senhor feudal, dono de vidas e ‘bens, pots dispunha dos indios como se fossem arvores do bosque e, ‘mortos ou ausentes estes, se apossava de uma ou de outra maneira de suas terras. Em resumo, 0 regime agrério colonial determinou a substituigéo de uma grande parte das comunidades agrérias indige- nas por latiftindios de propriedade individial, cultivados pelos fndios sob uma organizagdo feudal..Esses grandes feudos, longe de se divi- direm no transcorrer do tempo, se concentraram e consolidaram em Poucas mios devido a que a propriedade imobilidria estava sujeita @ inumerdveis travas e encargos perpétuos que a imobilizaram, tais como os mongadios, as capelanias, a8 fundagGes, o8 patronatos e ou- tras vinculagdes da propriedade.** . 5 “Usarte, op. eit, p. 24 19 O feudalismo deixou, analogamente, que subsistissem as co- munas rurais na Réssia, pais com o qual é sempre interessante 0 Paralelo porque seu processo histérico se aproxima muito mais desses paises agricolas e semifeudais que os dos paises capitalis- tas do Ocidente. Eugéne Schkafi, estudando a evolugéo do MIR na Raissia, escreve: ‘Como os senhores respondiam pelos impostos, quiseram que cada cam Ponés nio tivesse sendo mais ou menos a mesma superticie de terra para ‘que cada um contribuisse com seu trabalho para pagar os impostos; e ara que a efetividade destes fosse assegurada, estabeleceram a respon: sabilidade solidaria. © governo a estendeu aos demais camponeses. Os repartes aconteoiam quando o niimero de servos variava, O feudalismo © 0 absolutismo transformaram pouco a pouco a organizagio comunal dos camponeses em um instrumento de exploragio. A emancipagio dos serv0s ndo trouxe, sob esse aspecto, nenhuma mudanga.? Sob o regime de propriedade senhorial, o MIR russo, como a ‘comunidade peruana, experimentou uma desnaturalizagio com- pleta. A superficie de terras disponiveis para os comuneiros se tomava cada vez mais insuficiente e sua repartigao cada vez mais defeituosa. O MIR ndo garantia aos camponeses a terra necessaria Para seu sustento; em troca, garantia aos proprietarios a provi- ‘sdo indispensavel de bragos para o trabalho de seus latifiindios. Quando em 1861 a servidao foi abolida, os proprietarios encon traram um meio de substituéla, reduzindo os lotes concedidos a Seus camponeses a uma extenséo que nao thes permitia subsistir de seus préprios produtos. A agricultura russa conservou, desse modo, seu cardter feudal. O latifundiério usou a reforma em seu Proveito, Havia percebido que era de seu interesse outorgar uma Parcela aos camponeses, desde que esta nio bastasse para sua subsisténcia e a de sua familia. Nao havia meio mais seguro para vincular 0 camponés a terra, limitando assim; ao mesmo tempo, ao minimio, sua emigragdo. O camponés se via forgado a pres: tar seus servigos ao proprietério, 0 qual contava para obrigé-lo a trabalhar em seu latiftindio — se nao bastasse a miséria a que a infima parcela 0 condenava - com o dominio de prados, bosques, moinhos, 4guas ete, Eugene Schkatf, La question agraire en Russie, p. 118. 80 Jost Caos Mawurectn A convivéncia de “comunidade” e latifindio no Peru esté, Pois, perfeitamente explicada, nao apenas pelas caracteristicas do regime colonial, mas também pela experiéneia da Europa feudal. Mas a comunidade, sob esse regime, nao podia ser ver. dadeiramente amparada, ¢ sim apenas tolerada. 0 latifundiério impunha ao camponés a lei de sua forga despética sem con- trole possivel do Estado. A comunidade sobrevivia, mas dentro de um regime de servidio. Antes havia sido a propria célula do Estado que Ihe assegurava 0 dinamismo necessério para o bem-estar de seus membros. A colonia a petrificava dentro da grande propriedade, base de um novo Estado, estranho ao seu destino, O liberalismo das leis da repéblica, impotente para destruir 0 feudalismo e para criar o eapitalismo, devia, mais tarde, negarlhe ©.amparo formal que the fora sido coneedido pelo absolutismo das leis da colonia, 6. A revolugao da independéncia e a propriedade agraria Passemos a examinar agora como se apresenta o problema da terra sob a reptblica. Para precisar meus pontos de vista sobre esse periodo, no que corresponde & questao agréria, devo insistir num conceito que j4 expressei a respeito do carter da revolugio da independéncia no Peru. A revolugdo encontrou o Peru atrasado na formagao de sua burguesia. Os elementos de uma economia capitalista eram, no nosso pais, mais embriondrios que em outros Pafses da América, onde a revolugdo contou com uma burguesia menos larvar, menos incipiente. Se a revolugdo tivesse sido um movimento das massas indige- nas ou tivesse representado suas reivindicagées, teria tido neces- sariamente uma forma agrarista. Jé esté bem estudado como a revolugio francesa beneficiou particularmente a classe rural, na qual teve que se apoiar para evitar o retorno do antigo regime. Esse fendmeno, ademais, parece peculiar em geral tanto para a revolugdo burguesa quanto para a revolugdo socialista, a julgar elas conseqiiéneias mais bem definidas e mais estaveis da liqui- dagao do feudalismo na Europa central e do tsarismo na Rissia, Dirigidas e tendo como atores principaimente a burguesia urbana €0 proletariado urbano, uma e outra revolucdo tiveram os cam- 81 (© monn oa rena poneses como beneficidrios imediatos. Particularmente na Rés- sia, foi essa a classe que colheu os primeiros frutos da revolucao bolehevique, devido a que nesse pafs ainda nfo se havia operado ‘uma revolucdo burguesa que, no seu momento, tivesse liquidado © feudalismo e o absolutismo e instaurado em seu lugar um regi me democritico-liberal. Mas, para que a revolugio democratico-liberal tivesse esses efeitos, duas premissas eram necessérias: a existéncia de uma burguesia consciente dos fins e interesses de sua ago ¢ a exi téncia de um estado de animo revolucionério na classe campo- nesa e, principalmente, sua reivindicagao do direito a terra em termos incompativeis com o poder da aristocracia latifundidria. No Peru, menos ainda que em outros pafses da América, a re- volugdo da independéncia no respondeu a essas premissas. A revolugao havia triunfado pela solidariedade continental devida por todos os povos que se rebelavam contra o dominio da Espa- nha e porque as circunstncias politicas e econémicas do mundo trabalhavam a seu favor. O nacionalismo continental dos revolu cionérios hispano-americanos juntowse a essa convivéncia for gada de seus destinos, para nivelar os povos mais avangados em sua marcha rumo ao capitalismo com os mais atrasados nessa mesma via. Estudando a revolugéo argentina e, portanto, a americana, Echeverria classifica as classes da seguinte forma: ‘A sociedade americana ~ diz ~ estava dividida em trés classes de in- teresses opostos, sem nenhum vinculo de sociabilidade moral ¢ poli tea. Compreendiam a primeira os togados, 0 clero e os mandées; « segunda, os enriquecidos com o monopélio e o capricho da fortuna; a teroeira a gente comum, chamados de gatichos e compadritos no Rio da Prata, cholos no Peru, rotos no Chile, leperos no México. As ccastas indigenas e africanas eram escravas e tinham uma existéncia extra-social. A primeira desfrutava sem produzir e tinha o poder e © privilégio do fidalgo; era a aristooracia, composta em sua maioria Por espanh6is e poucos americanos. A segunda desfrutava, exercendo tranqitlamente sua inddstria e coméroio, era a classe média que se sentava nas cémaras; a terceira, tinica produtora pelo trabalho ma. nual, compunha-se de uriesios proletérios de todos os géncros. Os descendentes americanos das duds primeiras classes que recebiam 82 Jost Cansos Marusreatt alguma educagao na América ou na Peninsula [ibérica], foram os que levantaram o estandarte da revolugéo.” A revolugdo americana, em vez do conflito entre a nobreza Jatifundiéria e a burguesia comerciante, produziu em muitos ca- 0s sua colaboracéo, seja pela imprégnagio de idéias liberais que contaminavam a aristocracia, seja porque esta em muitos casos nao via nessa revolugo mais que um movimento de emancipagio da coroa da Espanha. A populago camponesa, que no Peru era in- digena, ndo teve presenca direta, ativa, na revolugao. O programa revolucionério nao representava suas reivindicagbes. Mas esse programa se inspirava no ideéirio liberal. A revolugio do podia prescindir de prineipios que consideravam reivindica- Ges agrérias existentes, fundamentadas na necessidade pratica e na justica tedrica de libertar o dominio da terra das travas feudais. A revolugio inseriu em seus estatutos esses prinefpios. O Peru néo tinha uma classe burguesa que os aplicassem em harmonia com ‘seus interesses econdmicos e sua doutrina politica e juridica. Mas a reptblica ~ porque este era o curso e o mandato da hist6ria ~ devia se constituir sobre prineipios liberais e burgueses. 86 que as conseqiiéncias préticas da revolugdo, no que se relacionava com a propriedade agraria, néo podiam deixar de se deter no limite que Ihes fixavam os interesses dos &randes proprietdrios. Por isso, a politica de desvinculagio da propriedade agréria, imposta pelos fundamentos politicos da reptblica, no atacou Jatifindio. E ~ ainda que em compensagio as novas leis ordenas- ‘som a repartigau das terras aos indios ~ atacou ao contrario, e em nome dos postulados liberais, a “comunidade”. Inaugurou-se assim um regime que, seja I quais fossem seus Principios, piorava em algum grau a condigéo dos indigenas, em vez de melhoré-la. E isso nfo era culpa do idedrio que inspirava a nova politica e que, corretamente aplicado, devia ter dado fim ao dominio feudal da terra, convertendo os indfgenas em pequenos Proprietérios. Annova politica abolia formalmente as mitas, encomendas ete. Compreendia um conjunto de medidas que significavam a eman- Estebah Echeverria, Antecedentes y primeros pasos de la revolucién de mayo cipagdo do indigena como servo. Mas como, por outro lado, dei- xava intactos 0 poder e a forga da propriedade feudal, invalidava ‘suas prOprias medidas de protegio a pequena propriedade ¢ a0 trabalhador da terra, Aaristocracia latifundidria, se nao em seus privilégios de cipio, conservava suas posigées de fato. Continuava sendo a classe dominante no Peru. A revolugéo ndo tinha realmente elevado a0 Poder uma nova classe. A burguesia profissional e comerciante ‘era muito fraca para governar. A aboligdo da servidao no passava, or isso, de uma declaragao te6rica, porque a revolugio nao tinha tocado no latifiindio. E a servidio é apenas uma das caras do feu- dalismo, mas ndo o proprio feudalismo. 7, Politica agraria da reptiblica Durante o perfodo de caudilhismo militar que se seguiu a re- volugao da independéncia, logicamente nio foi possivel se desen- volver, nem mesmo sequer se esbogar, uma politica liberal sobre a Propriedade agréria. © caudilhismo militar era 0 produto natural de um periodo revolucionério que nao tinha conseguido criar uma nova classe dirigente. O poder, dentro dessa situagdo, tinha que ser exercido pelos militares da revolugdo que, de um lado, goza- vam do prestigio marcial de seus lauréis de guerra e, por outro lado, estavam em condigdes de se manter no governo pela forca das armas. f claro que o caudilho nao podia se furtar & influencia dos interesses de classe ou das forgas hist6ricas em contraste. Apoiava-se no liberalismo inconsistente e ret6rico do demos ur bano ou no conservadorismo colonialista da casta latifundiaria, Inspirava-se na clientela de tribunos e advogados da democracia citadina ou de literatos e reitores da aristocracia latifundidria, Porque, no conflito de classes entre liberais e conservadores, fal- tava uma reivindicagdo direta ¢ ativa dos camponeses que obriga: se 08 primeiros a incluir em seus programas a redistribuigdo da propriedade agréria. Esse problema basico poderia ser percebido ¢ apreciado de al- ‘guma maneira por um estadista superior, Mas nenhum dos nossos caciques militares desse periodo o era. ; caudilhismo-militar, por outro lado, parece ser org: mente incapaz de promover uma reforma dessa envergadura, ae Bt José Canuos Mairenut que exige antes de tudo um critério juridico e econémico fun- damentado. As violéncias do caudilhismo produzem uma atmos- fera adversa a experimentagdo dos principios de um direito de uma economia novos. Vasconcelos observa 0 seguinte a esse respeito: Na ordem econdmica o caudilho é constantemente o principal sus tentéculo do latifndio, Ainda que as vezes se prociamem inimigos da propriedade, quase nao existe caudilho que no termine como fazen- deiro. O certo é que 0 poder militar traz fatalmente consigo 0 delito de apropriagio exclusiva da terra; chame-se soldado, caudilho, ret ou imperador: despotismo ¢ latifindio so termos correlacionados. E & natural, pois 0s direitos econdmicos, assim como os politiens, 8 po dem ser conservados e defendidos dentro de um regime de liberda- de. O absolutismo leva fatalmente a miséria de muitos ¢ a exibigdo ¢ © abuso de poucos. $6 a democracia, apesar de todos seus defeitos, pode nos aproximar das melhores realizagoes da justiga social, pelo ‘menos a democracia antes de sua degenerago nos imperialismos das repiblicas demasiado prosperas, que se veem rodeadas de povos em decadénoia. De qualquer maneira, entre nés 0 caudilho e 0 governo dos militares cooperaram para o desenvolvimento do latifindio. Un exame mesmo superficial dos titulos de propriedade dos nossos gran- des fazendeiros bastaria para demonstrar que quase todos devem seus bens, no prinefpio, & meroé da Coroa espanhols, depois & concessio de favores concessées ilegitimas concedidos pelos generais influentes ‘em nossas falsas reptblicas. As benesses ¢ as concessées foram dadas, « cuda momento, sem levar em consideragio os direitos de populagées inteiras de indigenas ou de mestigos aos quais faltou forga para fazer valer seu dominio.‘ Uma nova ordem juridica e econémica nao pode ser, de qual- quer forma, a obra de um caudilho, e sim de uma classe. Quando a classe existe, 0 caudilho funciona como seu intérprete e sou avalista, Nao € tanto seu arbitrio pessoal e sim um conjunto de interesses ¢ necessidades coletivas que decide sua politica. © Nasconceles, conferéncia sobre “EI nacionalismo en América Latina”, em Amauta n° 4, p. 15. Esse julgamento, exato no que diz respeito as relagdes entre o caudilhismo militar e propriedade agréria na América, 240 4 ig ‘mente vilido para todas as épocas esituagses histéricas. Nao é possivel subs crevélo som essa reserva espectfca. 95 (© moetsun a4 reran © Peru carecia de uma classe burguesa capaz de organizar um Estado forte e capaz. O militarismo representava uma ordem elementar e proviséria, que, mal deixasse de ser indispensavel, teria que ser substituida por uma ordem mais avangada e or Anica. Nao era possivel que compreendesse nem mesmo que considerasse o problema agrério. Problemas rudimentares e mo- mentaneos capturavam sua acdo limitada. O caudilhismo militar rendeu com Castilla seu fruto maximo, Seu oportunismo sagaz, sua aguda malicia, seu espirito mal cultivado, seu empirismo absoluto, néo Ihe permitiram praticar até o fim uma politica liberal. Castilla pereebeu que os liberais do seu tempo consti- tujam um cenéculo, um agrupamento, mas nao uma classe. Isso © induziu a evitar com cautela todo ato seriamente oposto aos interesses e principios da.classe conservadora. Mas os méritos de sua politica residem no que teve de reformadora e progressis- ta, Seus atos de maior significado hist6rico, a aboligdo da esera- viddo dos negros ¢ da contribuigao dos indigenas, representam sua atitude liberal. Desde a promulgacio, 0 Cédigo Civil do Peru entrou em um Processo gradual de organizagao. £ quase desnecessério remarcar que isso denotava, entre outras coisas, a decadéncia do militaris- mo. O e6digo, inspirado nos mesmos prineipios que os primei- ros deeretos da repiblica sobre a terra, reforcava e continuava 4 politica de desvinculagéo e mobilidade da propriedade agréria. Ugarte, registrando as conseqtiéncias desse processo da legisla- ‘¢40 nacional no que concerne a terra, anota que 0 eddigo confirmou a aboligdo legal das comunidades indfgenas e das vincula- es de dominio; inovando sobre a legislagio precedente, estabeleceu ocupagio como um dos modos de adquirir iméveis sem dono; nas Fegras sobre sucessées, tratou de favorecer a pequena propriedade.? Franeisco Garcia Calderén atribui ao Cédigo Civil efeitos que na verdade nao teve, ou que, pelo menos, nao se revestiram do alcance radical que seu otimismo lhes outorga: A Constituigdo ~ esereve ~ havia destrufdo os privilégios ¢ a lei civil dividia as propriedades ¢ arruinava a igualdade de direito nas familias, ‘As conseqiiéncias dessa disposiglo eram, na ordem politica, a conde- © Ugarte, op. cit, p. $7. 86 ost Carros Masur nagio de toda oligarquia, de toda aristocracia dos latifiindios; na or: dem social, a ascensao da burguesia e da mestigagem. Sob 0 aspecto econdmico, a partic&o igualitéria das sucessées favoreceu a formagio da pequena propriedade antes entravada pelos grandes dominios se- nhoriais. Isso sem dtivida estava na intencdo dos codificadores do direi- to no Peru. Mas 0 Cédigo Civil ndo é mais que um dos instrumen- tos da politica liberal e da prética capitalista. Como 0 reconhece Ugarte, na legislagao peruana “vé-se o propésito de favorecer a demooratizagio da propriedade rural, mas por meios puramente negativos, abolindo as travas em vez. de proporcionar aos agricul- tores uma protegao positiva”.“ Em nenhuma parte a divisio da propriedade agréria, ou melhor, sua redistribuigdo, foi possivel sem leis especiais de expropriagdo que transferisse o dominio do solo a classe que o trabalha. Nao obstante 0 c6digo, a pequena propriedade nfo prospercu no Peru. Ao contrério, 0 latifiindio se consolidou e se estendeu, E a propriedade da comunidade indigena foi a tinica a sofrer as ‘conseqiiéncias desse liberalismo deformado. 8. A grande propriedade e o poder politico Os dois fatores que se opuseram a que a revolugao da inde- pendéncia propusesse e abordasse no Peru 0 problema agrario — extrema incipiéncia da burguesia urbana e situago extra-tocial, como a define Echeverria, dos indigenas — impediram mais tarde que os goyernos da repdblica desenvolvessem uma politica de al- guma forma dirigida a uma distribuigdo menos desigual e injusta da terra. Durante o periodo do caudilhismo militar, em vez de fortale- cer o demos urbano, a aristocracia latifundiéria se robusteceu. Com 0 comércio e as finangas em poder de estrangeiros, nao era economicamente possivel o surgimento de uma burguesia urbana vigorosa. A educagao espanhola, radicalmente estranha aos fins e necessidades do industrialismo e do capitalismo, nao preparava comerciantes nem técnicos, e sim advogados, literatos, te6logos © Le Pérou contemporain, pp. 98:99. “Ugarte, op. ci. p. 58. 87 1 mos TER ete. Estes, salvo quando sentiam uma vocagao especial pelo jaco- binismo ou pela demagogia, tinham que constituir sua clientela na casta proprietéria. O capital comercial, quase exclusivamente estrangeiro, néo podia, por sua vez, fazer outra coisa que nao se entender e se associar com essa aristocraeia que, por outro lado, técita ou explicitamente conservava seu predominio politico. Foi assim que a aristocracia latifundiéria e seus ralliés se tornaram usufrutuérios da politica fiscal e de exploragao do guano e do Salitre. Foi assim também como essa casta, forgada por seu papel econdmico, assumiu no Peru a fungao de classe burguesa, mesmo sem perder seus rangos e preconceitos coloniais e aristocraticos. Foi assim, finalmente, como as categorias burguesas urbanas — Profissionais, comerciantes — terminaram por ser absorvidas pelo civilismo. © poder dessa classe — civilistas ou “neogodos”® — provinha em grande medida da propriedade da terra, Nos primeiros anos da independéncia, néo era precisamente uma classe de capitalistas, e sim uma classe de proprietérios. Sua condigéo de classe proprie- tdria — ¢ nao de classe ilustrada ~ havia permitido que solidarizas- ‘Sem seus interesses com os dos comerciantes e banqueiros estran- 6eiros e traficassem, com essa condigao, com o Estado e a riqueza iblica. A propriedade da terra, devida ao vice-reinado, thes havia dado sob a repiblica a posse do capital comercial. Os privilégios da colénia tinham engendrado os privilégios da repablica, Era, por conseguinte, natural e instintivo nessa classe 0 crité- tio mais conservador a respeito do dominio da terra. A manuten- $40 da condigio extra-social dos indigenas, por outro lado, ndo opunha aos interesses feudais dos latifundidrios as reivindicagdes das massas camponesas conscientes. Esses foram os principais fatores da manutengao e desenvolvi mento da grande propriedade. O liberalismo da legislacao republi- ana, inerte diante da propriedade feudal, sentia-se ativo somente diante da propriedade comunitéria. Se ndo apoiava nada contra © latifindio, podia muito contra a “comunidade”. Em um povo de tradi¢do comunista, dissolver a “comunidade” nao contributa Para criar a pequena propriedade. Nao se transforma artificial- " ~ Neogodos: Godos: nome com que se designava os espanhtis. (N-2) 88, Jost Camas Manusreau mente uma sociedade. Menos ainda a uma sociedade camponesa, profundamente ligada a sua tradigdo e a suas instituigdes jurfdi- cas, O individualismo nao teve sua origem, em nenhum pafs, nem na Constituigéo do Estado, nem no Cédigo Civil. Sua formagao sempre teve um processo 20 mesino"iempo mais complicado e mais espontineo, Destruir as comunidades nio significava con- verter os indigenas em pequenos proprietérios e nem sequer em assalariados livres, mas sim entregar suas terras aos gamonales e a sua clientela, O latifundidrio encontrava assim, mais facilmente, ‘0 modo de vincular o indigena ao latifiindio, Supde-se que a mola da coneentragdo da propriedade agré- ria na costa foi a necessidade de os proprietérios de dispor pa- cificamente de suficiente quantidade de Agua. A agricultura de regadio, em vales formados por rios de pequeno caudal, determi- nou, segundo essa tese, 0 florescimento da grande propriedade ¢ © sufoco da média e da pequena. Mas essa é uma tese especiosa, © exata somente em uma parte minima. Porque a razio técni. ca ou material que ela superestima sé influi na concentragio da propriedade desde que ja se tenham desenvolvido na costa vas- tos cultivos industriais. Antes que estes prosperassem, antes que @ agricultura da costa adquirisse uma organizagao capitalista, 0 motivo da irrigagao era muito débil para decidir a concentragio da propriedade. E certo que a escassez de 4guas de rego, pelas di- ficuldades de sua distribuigdo entre miltiplos regadores, favorece grande propriedade. Mas nao € certo que esta seja a origem da nao subdiviséo da propriedade. As origens do latifandio costei- ro remontam-se ao regime colonial. O despovoamento da costa, como conseqiiéncia da pratica colonial, eis ai, ao mesmo tempo. Que uma das conseqiiéncias, uma das raz6es do regime da grande Propriedade, O problema dos bragos, 0 tinico que o fazendeiro cos- teiro sentiu, tem todas suas raizes no latifiindio. Os fazendeiros Quiseram resolvé-lo com 0 escravo negro nos tempos da colénia, com 0 cule chinés nos da repéblica. Empenho vao. Nao se povoa a terra com escravos. B, sobretudo, néo se a fecunda. Devido a sua Politica, os grandes proprietérios tém, na costa, toda a terra que se pode possuir; mas, em troca, nao tém homens suficientes para Vivificd ta e exploré-la. Bssu ¢ a defesa da grande propriedade. Mas € também sua miséria e sua tara. 89 (© montena oa ret AA situagio agréria da serra demonstra, por outro lado, a ar- tificialidade da tese citada. Na serra nao existe o problema da gua. As chuvas abundantes permitem aos latifundidrios, assim como ao comuneiro, os mesmos cultivos. No entanto, também fa serra se constata o fendmeno da coricentragao da propriedade agréria. Esse fato prova o carter essencialmente politico-social da questao. desenvolvimento de cultivos industriais, de uma agricultu- ra de exportagdo, nas fazendas da costa, aparece subordinado de forma integral 4 colonizagio econdmica dos paises da América Latina pelo capitalismo ocidental. Os comerciantes e banqueiros britanicos se interessaram pela exploragdo dessas terras quando comprovaram a possibilidade de dedicé-las, com vantagem, a pro- dugdo primeiro de agtcar e depois de algodio. As hipotecas da propriedade agréria as colocavam, em boa parte, desde épocas bem distantes, sob o controle de firmas estrangeiras. Os fazendei- r0s, endividados frente aos comerciantes, aos banqueiros estran- geiros, serviam de intermedirios, quase como yanaconas* do capitalismo anglo-saxéo, para assegurar a exploragio dos campos cultivados a um custo minimo por trabalhadores bragais escra\ zados € miseréveis, curvados sobre a terra sob 0 létego dos “ne- Sreiros” coloniais. ‘Mas na costa o latifiindio alcangou um grau mais ou menos avangado de técnica capitalista, ainda que sua exploracdo repouse sobre praticas e principios feudais. Os coeficientes de produgéo de algodao e cana correspondem ao sistema capitalista. As empre- ‘sas contam com capitais poderosos e as terras so trabalhadas por méquinas e procedimentos modernos. Para beneficiar os produ- tos funcionam poderosas instalagées industriais. Enquanto isso, na serra as cifras de produgdo do latifiindio nao sao geralmente maiores que as das terras das comunidades. se a justificativa de um sistema de produgio est4 em seus resultados, como exige um eritério econdmico objetivo, esse simples dado condena na serra, de maneira irremedidvel, o regime de propriedade agréria. 4° Yanaconas ~ no império incaico, eram prisioneiros de guerra destocados para colonizagio, semi-eseravos. (NT) 90 Jost Casas Mantreotx 9. A “comunidade” sob a repGblica 44 vimos como 0 liberalismo formal e a legislagdo republicana n4o se mostraram ativos sendo diante da “comunidade” indigena. Pode se dizer que o conceito de propriedade individual quase teve uma fungéo anti-social na reptblica devido a seu conflito com a subsisténcia da “comunidade”. Com efeito, se a dissolugdo e expropriagao desta tivesse sido decretada e realizada por um ca- pitalismo em crescimento vigoroso e aut6nomo, teria aparecido como uma imposigao do progresso econémico. O indio teria en- to passado de um regime misto de comunismo e serviddo para um regime de salério livre. Essa mudanga o teria desnaturalizado um pouco; mas 0 teria colocado em condigées de organizarse ‘emancipar-se como classe, pela via dos demais proletariados do mundo. Entretanto, a expropriagao e absoroao graduais da “comu- nidade” pelo latifiindio, por um lado o enterrava mais na sérvidao ©, por outro, destrufa a instituigdo econémica que salvaguardava em parte o espirito e a matéria de sua antiga civilizagdo.” © ‘Se'a evidénela hist6rica do comunismo incaico néo aparecesse incontes- ‘tével, a comunidade, érga0 espeetfico do comunismo, bastaria para eli- minar qualquer dévida. O “despotismo” dos incas feriu, entretanto, os escrdpulos liberais de alguns espiritos do nosso tempo. Quero reafirmar ‘aqui a defesa que fiz do comunismo incelco objetando a tese de seu mais reeente impugnador, Augusto Agulrre Morales, autor do romance Bl pue- blo del Sol. © comunismo moderno é coisa distinta do comunismo incaico. Iss0 é 0 que Drimelro precisa aprender e entender o homem de estudo que explore 0 Ts- ‘wantinewyo, Um e outro comunismo ado o produts de diferentes experiencias hhumanas. Pertencem a diferentes 6pocas histéricas, Constituem a elabora- ‘glo de civilizagées diferenciadas. A dos incas fol uma elvlizagio agrérie. A de Marx e Sorel é uma ciilizagio Industral. Naquela, o homem se submetia A naturezo. Nesta, as vezes # natureza se submete ao homem. & um absurdo, portanto, confrontar as formas e instituigSes de um e de outro comunismo, 0 ‘énico que se pode comparar é sua semethanga incorpérea essencial, den- {ro da diferenca essencial e material de tempo e de espago. E para essa com- Paragio faz falta um pouco de relativismo histérioa, De outra forma corre-se © risoo certo de eair nos erros clamorosos em que eaiu Vietor Andrés Belatn- cde numa tentativa deste género. Oscronistas da conquista e da colonia observaram o panorama indigena com ‘um olhar medieval. Seu testemunho sem divida nio pode ser aceito, salvo no {que corresponde a um inventério. Seus juizos correspondem inflexivelmente 4 seus pontos de vista espanhis e catdicos. Mas Aguirre Morales 6, por sua ver, vitima do ponto de vista ardiloso, Sua posigdo no estudo do império inca ‘do 6 uma posigio relativista. Aguirre considera e examina o'Império com m ‘priorismos liberais¢ individualistas. E pensa que o povo ines foi um povo 92 escravo e infeliz porque careceu de liberdade. A liberdade individual ¢ um aspecto do complexo fenémeno liberal. Uma critica realista pode defini-la como a base juridica da eivilizagao capitalist. (Bem o livre arbitrio nio existiria o livre comérolo, nem a livre concorréncla, ‘nem a livre indistria). Uma critica idealista pode definila como uma aquisi. ‘Gio do espirito humano na idade moderna, Em nenhum caso essa liberdade cabia na vida incaica. © homem do Tewantinsuyo néo sentia absolutamente ‘nenhuma necessidade de liberdade individual. Assim como nao sentla, por ‘exemplo, nenhuma necessidade de liberdade de imprensa. A liberdade de ‘imprensa pode servir de algo para n6s, para Aguirre Morales e para mim; mas 08 indios podiam ser flizes sem conhecé-Ia e ainda sem concebé-e. A vida e © espirito do fndio nio estavam atormentados pelo afa da especulagio e da ceriagio intelectuais. Nao estavam também subordinados & necessidade de comerciar, de contratar, de traficar. Para gue podia servir, por conseguinte, 40 fndio, essa liberdade inventada pela nossa civilizagic? Se 0 espirito da liberdade 6e revelow ao quéchus, foi sem divida em uma fOrmula ou, melhor dito, em uma emogto diferente da férmula liberal, jacobina e individualista da liberdade. A revelagao da liberdade, como a revelagio de Deus, varia com ‘5 eras, 0 povws, os climas. Consubstanciar a idéia abstrata da liberdade com 48 imagens concretas de uma liberdade com barrete frigio ~ filha do protes- ‘antismo, do Renascimento e da Revolugéo Francesa ~ é se deixar colher por ‘uma iluséo que depende talvez de um simples, ainda que nao desinteressado, astigmatismo filosofco da burguesia e de eua democracia. A tese de Aguirre, negando 0 cardter comunista da sociedade incalca, des cansa integralmente em um concelto erréneo, Aguirre parte da idéia de que ‘autocracia ¢ comunismo sio dois termos irreconeilidvels. O regime inoaica ~ ‘constata ~ fol despético e teveritico; logo ~ afirma ~ no foi comunista. Mas © comunismo no supée, historicamente, liberdade individual nem sufrigio Popular. A autocracia e 0 comunismo sio incompativeis na nossa époce; mas Ido o foram em sootedades primitivas. Hoje uma ordem nova nao pode re. ‘unclar a nenhum dos progressos morais da socledade moderna. O socials. ‘mo contemporiineo ~ outras 6pocas tiveram outros tipos de socialismo que a |ist6ria designa oom diversos nomes~ 6 a antitese do liberalismo; mas nasce de suas cntranhias © ve nutre de sua experiencia, Néo desdenha nenhuma de ‘suas conqulstas intelectuais. Nao escarnece nem vilipendia sendo de suas Umitagdes. Aprecia e compreende tudo 0 que hé de positivo na idéia liberal: -condena e ataoa somente 0 que nessa idéia existe de negativo e temporal. regime incaico certamente fol teocrético e despético, Mas esse é um trago ‘Comm # todos os regimes da antiguidade, Todas as monarquias da historia 8 apoiaram no sentimento religioso de seus povos. O divércio do poder tem. poral e do poder espiritual 6 um fato novo. E mais que divéreio, é uma sepa. Fagdo de corpos. Até Guilherme de Hohensollern, oe monarcas invooaram seu direito divino. ‘Nao & possfvel falar abstratamente de tirania. Uma tirania é um fato con. ‘ereto, E é real somente na medida em que oprime a vontade de um povo ou ‘Do qué contraria e sufoca seu impulso vital. Muita vezes, na antiguidade, uum regime absolutista e teoerético enearnou e representou, ao contrario, essa vontade e esse impuiso. Esse parece ter sido'o caso do império incaico, Yio acredito na obra taumattrgica dos ineas, Julgo evidente sua eapacida. Jost Carros Manchest de politica; mas julgo néo menos evidente que sua obra consistiu em cons {ruir o império com os materiais humanos ¢ os elementos morals ajuntedos pelos séculos. O ayilc ~ a comunidade ~ foi a e6lula do império. Os Incas zeram a unidade, invencaram o império; mas nio criaram a célula. O Estar do urfdico organizado pelos incas reproduziu, sem divida, o Estado natural proexistente,-Os ineas nao violentaram nada, Esté certo que se exalte sua obra; ndo que se despreze e diminua a gesta milenar e multitudindria da ual essa obra ndo ¢ mais que tma expresso ¢ uma conseqiéncia, ‘io deve apequenar, nem muito menos negar, o que nessa obra pertence & ‘massa. Aguirre, literato, individualist, se compraz em ignorar a multidao na hist6rla, Seu olhar de romantico busea exclusivamente o her6i Os vestigios da elvilizagio inca declaram unanimemente contra a requisits tia de Aguirre Morales. O autor de Et pueblo del Sol invoca o testemunho dos imithares de huacos {objetos de cerdmica encontrados em escavagées arqueo lgicas] que desfilaram diante de seus olhos. Pois bem. Esses huacos dizom ue a arte ineaica foi uma arte popular. Bo melhor documento da civlizagio incaica é, certamente, sua arte. A cerimica estilizada dos indios nio pode ter sido produzida por um povo grosseiro e bérbaro. James Geonge Frazer ~ muito distante espritual e fisicamente dos cronistas da col6nia ~ esorewe: “Remontando o eurso da histria, se veré que nio por um simples acidente que os primeiros grandes passos para a cvilizagao foram dados 0b governos despéticos e tevorsticas como os da China, Egito, da Babildnia, do México, do Peru, todos paises nos quais o chefe supremo exigia e obtinha a obeditnecia servl de seus siditos pelo seu duplo cariter de rei e de deus. Seria apenas um exagero dizer que nessa époce longingua o despotismo era 0 maior amigo da humanidade e, por paradosal que parega, da liberdade. Pos, afnal de ‘ontas, existe mais liberdade, no melhor sentido da palavra-liberdade de pensar ‘nossos pensamentos e de modelar nossos destinos ~ sob o despotismio mais ab- Soluto ea tirania mais opressora que sob a aparente liberdade da vida selvagern, ‘na qual a sorte do individu, do bergo ao tmulo, & vazada no molde rgido dos ‘costumes hereditérios” (The Golden Bough, part. 1). Aguirre Morales diz que na sociedade incalca se desconhecis 0 roubo por ‘uma simples falta de imaginagSo para o mal. Mas nio se destr6i com uma fra 52 de engenhoco humorismo literério win fato soctal que prova, precisamen {e,0 que Aguirre se obstina em negar: 0 comunismo inceico. O eoonomista francés Charles Gide pensa que, mais exata que a eélebre frase de Proudhon, 4 seguinte {6rmula: “O roubo 6 a propriedade”. Na sociedade incaica nio existe 0 roubo porque nio existia a propriedade. Ou, se preferirmos, porque existia uma organizagio socialista da propriedade. Invalidemos ¢ anulemos, se iss0 for preciso, o testemunho dos eronistas da ‘colénia, Mas 0 caso é que a teoria de Aguirre busea amparo, justamente, na interpretagdo, medieval em seu espfrto, desses eronistas, da forma de distr- bbuigio das terras dos produtos. Os frutos do solo nio slo entesourdveis. Nao é verossimil, por conseguinte, ‘ave dois tergos fossem agambarcados para o consumo dos funcionsrios ¢ sacerdotes do império. Muito mais verossimil é que 0s frutos que se supde serem reservados para os nobres e para o inca estivessem destinados a cons- tituir os depésitos do Estado, E que representassem, em suma, um ato de previdéneis social, peculiar e caracteristieo de uma ordem socialist. 93 Durante o perfodo republicano, os eseritores ¢ legisladores na- cionais mostraram uma tendéncia mais ou menos uniforme para condenar a “comunidade” como um res{duo de uma sociedade pri- mitiva ou como uma sobrevivéncia da organizagio colonial. Essa ati- tude correspondeu em alguns casos aos interesses do gamonalismo latifundiério e, em outros, ao pensamento individualista e liberal que dominava automaticamente uma cultura demasiado oral e imével. Um estudo do dr. M. V. Villarén, um dos intelectuais que com mais atitude erftica e maior coeréncia doutrindria representam esse Pensamento em nosso primeiro século, assinalou o prinoipio de uma Prudente revisio de suas concepg6es a respeito da “comunidade” indigena; O dr. Villarén mantinha teoricamente sua posigio liberal, Propugnando em princfpio a individualizago da propriedade, mas raticamente aceitava a protego das comunidades contra o latifiindio, reconhecendo-Ihes uma fungo & qual o Estado devia sua tutela. ‘Mas a primeira defesa orginica e documentada da “comunidade” indigena tinha que se inspirar no pensamento socialista e repousar em um estudo conereto da sua natureza, efetuado conforme os mé- todos de pesquisa da sociologia e da economia modemas. O livro de Hildebrando Castro Pozo, Nuestra comunidad indigena, assim 0 comprova. Castro Pozo, nesse interessante estudo, se apresenta isen- to de preconceitos liberais. Isso the permite abordar o problema da “comunidade” com uma mente apta para valorizéla e compreendé- a. Castro Pozo nao apenas nos revela que a “comunidade” indigena, malgrado os ataques do formalismo liberal colocado a servigo de um regime de feudalismo, é ainda um organismo vivo, mas também que, apesar do meio hostil dentro do qual vegeta sufocada e deformada, manifesta espontaneamente evidentes possibilidades de evolugéo ¢ desenvolvimento. Castro Pozo sustenta que © ayllu, ou comunidade, conservou sua idiossincrasia, seu cardter de instituigao quase familiar em cujo seio continuaram subsistentes, de pois da conquista, seus principais fatores constitutivos,¢ E nisso se apresenta, portanto, de acordo com Valedrcel, cujas Propostas a respeito do ayilu parecem, para alguns, excessivamente dominadas por seu ideal de ressurgimento indigena, “Castro Pozo, Nuestra comunidad indigena. 94 ost Cums Masatreoin © que séo e como funcionam atualmente as “comunidades”? Castro Pozo acredita que elas podem ser distinguidas conforme a seguinte classificagao: primeiro ~ comunidades agricolas; segundo ~ comunidades agropeous- vias; tereeiro ~ comunidades de pastos ¢ éguas;” e quarto — comunida- des de usuiruto, Deve-se levar em consideragéo que em um pais como © nosso, onde uma mesma instituigéo adquire diferentes caracterist- cas, ségundo o meio em que se desenvolveu, nenhum tipo dos que se resumem nessa classificagio se encontra na realidade to preciso e diferente dos outros que, por si mesmo, pudesse se objetivar como um modelo. Muito ao contrario, no primeito tipo das comunidades agri. colas se encontram caracteres correspondentes aos outros ¢ nestes, alguns que dizem respeito Aquele; mas como 0 conjunto de fatores externos impos a cada um desses grupos um determinado género de vida nos seus costumes, usos e sistemas de trabalho, em suas proprie- dades e indastrias, prevalecem as caracteristcas agricolas, pecusri ecurias em pastos e dguas comunais ou somente os dois élkimos e os de auséncia absoluta ou relativa da propriedade das terras e usufruto estas pelo ayltu que, sem divida, fo seu nico proprietario.”” Essas diferengas foram se elaborando no por evolugao ou dege- neragdo natural da antiga “comunidade”, mas sim sob o influxo de uma legislagio dirigida a individualizagdo da propriedade e, sobre- tudo, pelo efeito da expropriagio das terras comunais em favor do latifiindio. Demonstram, finalmente, a vitalidade do comunismo in- digena que invariavelmente impulsiona os aborigines a vérias formas de cooperacio ou assosiagao. O indio, apesar das leis © de ccm anos de regime republicano, néo se tornou individualista. B isso nao se origina por ser ele refratério ao progresso, como pretende o simplis- mo de seus detratores interessados. Depende, isso sim, de que o in- dividualismo, sob 0 regime feudal, no encontra as condigées neces- sfrias para se afirmar e se desenvolver. © comunismo, a0 contrério, continuou sendo a tinica defesa para o indio. O individualismo nao ‘As comunidades indigenas da serra até hoje possuem terrenos de pasto usa- dos de modo coletivo. A dua - bem escasso ~ 6 distribuida atravée de arran- 40s complexos definidos dentro das comunidades, até porque se exige um reba “eomunal”, coletivy, para a limpeza dos eanais de irrigagio © Boldem, pp. 16-17. OE 95 pode prosperar, e nem mesmo existe efetivamente, se nao dentro de um regime de livre concorréncia. E o indio nunca se sentiu menos livre do que quando se sentiu s6. . Por isso, nas aldeias indigenas onde se agrupam familias entre as uais se extinguiram os vinculos do patriménio e do trabalho comu- nitério, subsistem ainda, robustos e tenazes, habitos de cooperagao solidariedade que séo a expresso empirica de um espirito comu: nista. A “comunidade” corresponde a esse espirito. 0 seu érgao. Quando a expropriagaoe a Tepartigdo pareceram liquidar a “comuni- dade”, o socialismo indigena sempre encontrou um meio de refazé- 1a, manté-la ou sub-rogé-la. O trabalho e a propriedade comuns sfio ‘substitufdos pela cooperacao no trabalho individual. Como escreve ‘Castro Pozo: © costume ficou reduzido as mingas ou reunibes de todo o ay para fazer gratuitamente um trabalho na cerea, nos canais de irigagio ou ‘na casa de algum comuneiro, tarefa essa que executam ao som de har: ‘Pas ¢ violinos, consumindo algumas arrobas de aguardente de cana, ‘magos de cigarro e mascadas de coca, Esses costumes levaram os indigenas & prética - é claro que inci- piente e rudimentar ~ do contrato coletivo de trabalho, de preferén- ia ao contrato individual. Nao so os individuos isolados que alugam seu trabalho a um proprietério ou empreiteiro; séo todos os homens iteis do “lugar”, mancomunados. 10. A “comunidade” e o latifiindio A defesa da “comunidade” indigena nao repousa em principios abstratos de justica nem em consideragdes sentimentais e tradicio- nalistas, mas sim em razdes concretas e priticas de ordem econd. mica e social. A propriedade comunal ndo representa no Peru uma ‘economia primitiva substituida gradualmente por uma economia Progressista fundada na propriedade individual. Nao; as “comunida- des” foram despojadas de suas terras em proveito do latifiindio feudal ‘ou semifeudal, constituciorialmente incapaz de progresso técnico.”" "Escrito este trabalho, encontro, no livro de Haya de la Torre, Por la emanci- ‘acién de Amérioa Latina, conceitos que colneidem absolutamente com os ‘meus sobre a questo agréria em geral ¢ sobre a comunidade indigena em Particular, Fartimos dos mesmos pontos de vista, de maneira que ¢ forgaso ‘Que nossas conclusbes também sejam as mesmas. 96 Jost Caos Manoa Na costa, o latiftindio evolutu — do ponto de vista dos cultivos — da rotina feudal para a técnica capitalista, enquanto a comunidade indigena desapareceu como explorago comunista da terra. Mas na serra, o latifndio conservou integralmente seu cardter feudal, opondo uma resisténcia muito maior que a “comunidade” para 0 desenvolvimento da economia capitalista. A “eomunidade”, com efeito, quando se articulou, com a passagem de uma linha férrea, com o sistema comercial e as vias de transporte centrais, chegou a se transformar espontaneamente em uma cooperativa. Castro Pozo, que, como chefe da segao de assuntos indigenas do ministério do Fomento, reuniu dados abundantes sobre a vida das comunidades, assinala e destaca o sugestivo caso do distrito de Muquiyauyo, do qual diz que representa as caracteristicas das cooperativas de pro- dugao, consumo ¢ crédito. Dona de uma magnifica instalagéo ou usina elétrica nas margens do ‘Mantaro, por meio da qual proporciona luz e forga motriz para peque- nas indstrias dos distritos de Jauja, Concepel6n, Mito, Muqui, Sincos, Huaripampa e Muquiyauyo, ransformou-se na instituigo comunal por exceléncia; nela nao se rebalxaram os costumes indigenas que, a0 con- trério, foram aproveitados para levar a cabo a obra da empresa; soube- am dispor do dinheiro que possufam empregando-o na aquisigao de grandes méquinas e economizando o valor da mao-de-obra que o dis- trito usou, tal como se tratasse da construgdo de um edificio comunal: Por mingas nas quais as mulheres ¢ as criangas foram elementos titeis ‘no transporte dos materiais da construgao.”? A comparagio da “comunidude” com 0 latifindio como em- Presa de produgio agricola é desfavorével para o latiftindio. Den- tro do regime capitalista, a grande propriedade substitui e desalo- Jaa pequena produgio agricola por sua aptidao para intensificar a produgdo mediante o emprego de uma técnica avangada de culti- vo. A industrializagao da agricultura vem em paralelo com a con- centragdo da propriedade agréria. A grande propriedade aparece entdo justificada pelo interesse da produgio, identificado, pelo menos teoricamente, com o interesse da sociedade. Mas o latifan- dio nao tem o mesmo efeito, nem responde, por conseguinte, a uma necessidade econdmica. Salvo no caso das fazendas de cana 7 Castro Pozo, op. cit, pp. 66 € 67. 7 (0 mont 4 ren ~ que se dedicam a produgao de aguardente destinada a intoxica- gio e ao embrutecimento da populagdo indigena ~ 0s cultivos dos latifiindios serranos sao geralmente os mesmos das comunidades. E as cifras de produgdo nao sao diferentes. A falta de estatistica agricola nao permite estabelecer com exatidao as diferencas par ciais; mas todos os dados disponiveis autorizam a sustentar que 0s rendimentos dos cultivos das comunidades nao sao, em média, inferiores aos cultivos dos latifindios. A tinica estatistica de pro- dugao da serra, a do trigo, confirma essa coneluséo. Castro Pozo, resumindo os dados dessa estatistica em 1917-1918, escreve 0 seguinte: A colheita resultou, em termos médios, em 450 © 580 kf por cada hectare para a propriedade comunal e individual, respectivamente Se levarmos em conta que as melhores terras de produgdo passaram ao poder dos fazendeiros, pois a luta por aquelas nos Departamentos do Sul chegou a0 extremo de eliminar 0 possuidor indigena pela vio- léneia ou massacrando-o, ¢ que a ignordncia do comuneiro o leva de preferéncia a ocultar os dados exatos relativos ao tamanho da colhei- ta, diminuindo-o por temer novos impostos ou exagdes por parte des autoridades politicas subalternas ou pelos coletores de impostos; se deduz facilmente que a diferenga na produgo por hectare em favor da propriedade individual no é exata e que, razoavelmente, deve ser tida como inexistente, j4 que 0s meios de produgio e de cultivos, numas ¢ ‘noutras propriedades, so idénticos.”* Na Riissia feudal do século 19, o latifiindio tinha rendimentos maiores que os da pequena propriedade. As cifras em heotolitros e Por hectare eram as seguintes: para o centeio: 11,5 contra 9,4; para © trigo: 11 contra 9,1; para a aveia: 18,4 contra 12,7; para a cevada: 11,5.contra 10,5; para as batatas: 92,3 contra 72." O latifindio da serra peruana se revela, portanto, com pior resul- tado que o execrado latifiindio tsarista como fator de produgdo. A “éomunidade”, a0 contrério, por um lado acusa capacidade efetiva de desenvolvimento e transformagio e, por outro, lado se presenta como um sistema de produgdo que mantém vivos no indio ‘08 estimulos morais necessérios para seu rendimento maximo como. Bolden, p. 434, % Schkatf, op. et. p. 188. 98. Jost Custos Mamineacn trabalhador. Castro Pozo faz uma observagdo muito justa quando es- reve que: 4 comunidade indigena conserva os grandes prineipios econdmico- sociais que até o presente nem a ciéneia soctolégica nem o empiriemo dos grandes industriais puderam resolver satisfatoriamente: 0 contrato éltiplo de trabalho e a sealizagao deste com menor desgaste fisiol6gi- co e em um ambiente agradével, de emulagio e companheirismo.”* Dissolvendo ou relaxando a “comunidade”, 0 regime do lati- faindio feudal nao apenas atacou uma instituigdo econémica, mas também, e sobretudo, uma instituigao social que defende a tra- digdo indigena, que conserva a fungio da familia camponesa que traduz esse sentimento juridico popular 2o qual tao alto valor atribuem Proudhon e Sorel. 11. O regime de trabalho. Servidao e assalariado O regime de trabalho est4 determinado principalmente, ria agricultura, pelo regime de propriedade. Nao é possivel, portanto, Castro Pozo, op. eit. p. 47. O autor tem observagdes muito Interessantes sobre os elementos espirituais da economia comunitéris. “A energis, per severanga ¢ interesse - aponta ~ com que um comuneiro celfa, enfeixa 0 trigo ou a cevada, quipcha (quipchar: carregar nas costas. Costume indigena estendido por toda a serra. Os carregadores, fretistas e estivadores da costa ‘carregam no ombro) e desfilam, com pasto leve, alegre, em diregao da elra, fazendo brincadeiras com os companhelros ou sofrendo as de quem atris val puxando sua manta, constituem uma diferenga to profunda e decisiva, ‘comparados com a desidia, frleza, lassiddo de Animo e, a0 que parece, canse- ‘9, com que prestam seus servigos os samaconas, em trehathos idAnticos ox Outros da mesma natureza; que a primeira vista aparece o abismo que diver siflos o valor dos dots estados pstool6gieos,¢ a primeira interrogagio que se {nsinua ao espirito é a de que infutneta exerve no processo do trabalho sua objetivagio e finalidade concreta e imediata?” Sorel, que dedicou tanta atengo aos conceltos de Proudhon e Le Play sobre o papel da familia na estrutura e no eepfrito da sociedade, considerou com alls. dda e sagaz profundidade “a parte esplritual do melo econdmico”. Se alguma ‘coisa ficou faltando em Mar, fol um espirito juridico suflctente, ainda que tenha assinalado que esse especto da produglo nfo escapava a0 dialético de ‘Trier. “Sabe-se ~ esoreveu em sua Introduction a L“éeonomie moderne - que «8 observagio desses costumes das families na planioie saxbnica impressionow ‘muito a Le Play no comego de suas viagens e exeroeu ume infludneia decisiv ‘sobre seu pensamento. Perguntel a mlm mesmo se Marx néo havia pensado nesses costumes antigos quando acusou o capitalismo de fazer do proletério ‘um homem sem familia.” Com relagio as observagdes de Castro Pozo, quero I: “O trabalho depende, numa medida muito ‘grande, dos sentimentos que ds opérérios tém diante de sua tarefa". 99. se surpreender que, na mesma medida em que o latifiindio feudal sobrevive no Peru, sobreviva também a servidao, sob diferentes formas e com diferentes nomes. A diferenga entre a agricultura da costa ¢ a agricultura da serra aparece menor no que diz res- Peito ao trabalho do que no referente & téenica. A agricultura da costa evoluiu com maior ou menor prontidao para uma técnica capitalista no cultivo do solo e na transformagao e comércio dos. Produtos. Mas, em troca, manteve-se demasiado estaciondria em seu critério ¢ conduta em relagao ao trabalho. Em relagio ao tra- balhador, o latifiindio colonial ndo renunciou a seus habitos feu- dais a menos que as circunstancias o tenham obrigado perempto- riamenté. Esse fenmeno se explica nao apenas por haver conservado a Propriedade da terra dos antigos senhores feudais, que adotaram, como intermedidrios do capital estrangeiro, a prtica, mas nio 0 espirito do capitalismo. Explica-se, além disso, pela mentalidade colonial dessa casta de proprietdrios acostumados a considerar 0 trabalho com 0 critério de escravistas ¢ “negreiros”. Na Europa, © senhor feudal encarnava, até certo ponto, a tradigao patriarcal Primitiva, de sorte que se sentia naturalmente superior a respeito dos seus servos, mas nao étnica nem nacionalmente diferente. Foi factivel para o latifundidrio aristocrata da Europa aceitar um novo conceito ¢ uma nova pritica em suas relagdes com 0 trabalha- dor da terra. Na América colonial, enquanto isso, opés-se a essa evolugdo a orgulhosa ¢ arraigada convicgao do branco acerca da inferioridade do homem de cor. ‘Na costa peruana o trabalhador da terra, quando néo foi dio, foi o negro escravo, o cule chings, olhados esses, se possivel, com desprezo ainda maior. No latifundiério da costa atuaram ao ‘mesmo tempo os sentimentos do aristocrata medieval e do colo- nizador branco, saturados de preconceitos de raga A Sanaconagem e 0 enganche” nao sdo a tinica expressio da subsisténcia de métodos mais ou menos feudais na agricultura da 7 Yanaconaigem: imposigio de obrigagées pessoais, além das condigées terri veis de parceria; Brganche: sistema de recrutamento ¢ sujeigdo da mdo-e-obra através da divida ou da imposigdo de condigoes de trabalho extremamente desiavordvel parceiros. i 100 ose Camas Marsa costa. O ambiente da fazenda se mantém totalmente senhorial. As leis do Estado ndo sio validas no latifiindio, enquanto néo obtém © consenso técito ou formal dos grandes proprietérios. A autori- dade dos funcionarios politicos ou administrativos encontra-se, de fato, submetida a autoridade do fazendeiro no territ6rio do seu dominio. Este considera praticamente seu latifiindio como fora do poder do Bstado, sem a menor preocupagao com os direitos civis da populagao que vive dentro dos confins de sua propriedade. Cobra impostos municipais, outorga monopblios, estabelece san- ‘ees sempre contrérias a liberdade dos braceiros e de suas fami lias. Os transportes, os comércios e até os costumes esto sujeitos a0 controle do proprietério dentro da fazenda. E com freqiiéncia 8 ranchos que alojam a populagao trabalhadora nao s4o muito diferentes das senzalas que abrigavam a populacdo escrava. Os grandes proprietarios da costa nao tém legalmente essa ordem de direitos feudais ou semifeudais; mas sua condigao de classe dominante ¢ o agambarcamento ilimitado da propriedade da terra em um territ6rio sem indiistrias e sem transportes, Ihes. permite praticamente ter um poder quase incontrolavel. Através do enganche e da yanaconagem, os grandes proprietérios resistem a0 estabelecimento do regime de salério livre, funcionalmente ne- cessdrio em uma economia liberal ¢ capitalista. O enganche, que Priva o braceiro do direito de dispor de sua pernae de seu trabalho enquanto nao satisfaga as obrigages contraidas com o Proprieté- tio, descende sem equivoco do trafico semi-escravista dos cules; a yanaconagem & uma variedade do sistema de servidio através do qual o feudalismo se prolongou até nossa idade capitalista nos Povos politica ¢ economicamente atrasados. O sistema peruano Na yanaconagem se identifica, por exemplo, com o sistema russo do polovnischestvo dentro do qual os frutos da terra, em alguns casos, eram divididos em partes iguais entre o proprietério e camponés e, em outros casos, este tiltimo s6 recebia uma terca parte,”® ~ A populagao escassa da costa representa para as empresas agricolas uma ameaga constante de caréncia ou insuficiéncia de bragos. A yanaconagem vincula & terra a pouca populagio local, Schall, op. et, p. 135. 101 PUGSH I UERGS (© monte Da Tena que sem essa garantia minima de usufruto da terra, tenderia a diminuir e emigrar. O enganche assegura a agricultura da costa © coneurso dos braceiros da serra que, ainda que encontrem nas fazendas da costa um solo e um meio estranhos, pelo menos con- seguem um trabalho melhor remunerado, Isso indica que, apesar de tudo e ainda que nao seja mais que aparente ou parcialmente,” a situagao do braceiro nas fazendas da costa é melhor que nos feudos da serra, onde 0 feudalismo mantém sua onipoténcia intacta. Os fazendeiros da costa véem- se obrigados a admitir, ainda que de forma restrita e atenuada, 0 regime do saldrio e do trabalho livre. O carter capitalista de suas empresas obriga-os & concorréncia. O braceiro conserva, ainda que seja apenas de forma relativa, sua liberdade de emigrar, assim como de recusar sua forga de trabalho ao patrdo que o oprima em demasia. A vizinhanga de portos ¢ cidades e a conexto com as vias modernas de trafego e coméroio oferecem, por outro lado, 20 braceiro, a possibilidade de escapar ao seu destino rural e de experimentar outra maneira de ganhar sua subsisténcia. Se a agricultura da costa tivesse outro cardter, mais progres sista, mais capitalista, tenderia a resolver de maneira l6gica o pro- blema dos bragos sobre o qual tanto tem reclamado. Proprietérios mais esolarecidos teriam se dado conta de que, tal como funciona até agora, o latiftindio um agente de despovoamento e de que, Por conseguinte, o problema dos bragos constitui uma de suas conseqiiéncias mais claras e l6gicas.” Na mesma medida em que progride na agricultura da costa a técnica capitalista, o assalariado substitui a yanaconagem. O cultivo cientifico ~ emprego de maquinas, fertilizantes ete, - no ‘Nao se pode esquecer, no que diz respeito aos braceiros serranos, do efeito extenuante da costa quente e insalubre sobre 0 ongantsmo do indio da ser. +4, presa segura do Impaludismo, que o ameaga e predispée & tubereulose, Muito menos pode se esquecer do apege do fndio a seus deuses locas ¢ A natureza. Na costa ele se sente um exilado, um misimae. ‘Uma das constatagées mals importantes a que se chega nesse t6pico é a da solidariedade fatima do nosso problema agrdrio com nosso problema demo- {Sriiico. A concentragéo das terras nas mios dos gamonales constitu ura frelo, um cancer da demografia nacional. Apenas quando tenha quebrado essa trava do progresso peruano, se terd adotado realmente o principio sul: americano: “Governar 6 povoar”, 102 Jost Canton Manureats combina com um regime de trabalho peculiar de uma agricultura rotineira e primitiva. Mas o fator demografico - 0 “problema dos bragos” - ope uma séria resisténcia a esse processo de desen- -volvimento capitalista. A yanaconagem e suas variedades servem para manter nos vales uma base que garante as fazendas 0 mini- mo de bragos necessérios para os trabalhos permanentes. O joma- leiro imigrante nao oferece as mesmas garantias de continuidade no trabalho que 0 colono nativo ou 0 yanacona local. Este tltimo representa, além de tudo, o enraizamento de uma familia campo- nesa, cujos fills mais velhos se vero mais ou menos forgados a alugar seus bracos ao fazendeiro, A constatagio desse fato leva agora a que os proprios grandes proprietérios considerem a conveniéneia de estabelecer, de forma muito gradual e prudente, colénias ou niicleos de pequenos pro- prietérios. Uma parte das terras irrigadas no projeto de irrigagao Imperial foi reservada assim para a pequena propriedade. Existe 0 propésito de aplicar 0 mesmo prinefpio nas outras zonas onde se fazem trabalhos de irrigagdo. Um rico proprietédrio inteligente experiente, que recentemente conversava comigo, me dizia que a existéncia da pequena propriedade, ao lado da grande propriedade, era indispensével para a formagao de uma populagdo rural, sem a qual a exploragdo da terra estaré sempre & meroé das possibilida- des de imigragio ou do enganche. O programa da Companhia de Subdivisio Agréria é outras das expresses de uma politica agréria tendente ao estabelecimento paulatino da pequena propriedade.* '“O projeto eoncebido pelo governo com o objetivo de eriar a pequensa proprie- dade inspira-se no critério econdmico liberal e capitalists. Sua aplicagio na ‘costa, subordinada & expropriagdo de glebas e & irrigagdo de terras agrestes, ppode corresponder ainda a possiblidades mais ou menos amplas de coloni- zagio, Na serra seus efeitos seriam multo mals restritos e duvidosos. Como todas as tentativas de dotagio dé terras que registra nossa histéria republica- na caracterizam-se por prescindir do valor social da “comunidade” e por sua timider diante do latifundiérto, eujos interesses resguarda com zelo expressi- vo. Bstabelecendo o pagamento da indenizagio a vista ou em 20 anualidades, torna-e inaplicdvel nas regides da serra onde ainda nfo existe uma economia ‘comercial monetéria. O pagamento, nesses casos, deveria ser estipulado no ‘em dinheiro e sim em produtos. O sistema do Eetado de adquirirglebes para "repartila entre os indios manifesta um zelo extremado pelos latifundiérios, ‘08 quals oferece a oportunidade de vender glebas pouco produtivas ou mal exploradas, em condigées vantajoses 103, ‘Mas, como essa politica evita sistematicamente a expropria- 40, ou, mais precisamente, a expropriagéo em grande escala pelo Estado, em razéo da utilidade pablica ou justiga distributi- va, e suas possibilidades restritas de desenvolvimento esto por enquanto restritas a poucos vales, ndo é provavel que a pequena Propriedade substitua oportuna e amplamente a yanaconagem em sua fungdo demogrifica. Nos vales nos quais 0 enganche de braceiros da serra nao seja capaz de abastecer de bragos, em con- digdes vantajosas para os fazendeiros, a yanaconagem subsistir’, por algum tempo, portanto, em suas diferentes variedades, junto com 0 assalariado. As formas de yanaconagem, parceria ou arrendamento, variam na costae na serra segundo as regides, 0 usos ou 0s cultivos. Tem também varios nomes. Mas em sua prOpria variedade se identifi cam em geral com os métodos pré-capitalistas de exploragio da terra observados em outros paises de agricultura semifeudal, Por exemplo, na Réssia tsarista, o sistema russo otrabotki apresentava todas as variedades do arrendamento por trabalho, dinheiro ou produtos existentes no Peru. Para comprovar isso s6 6 necessario ler 0 que escreve Schkaff sobre esse sistema no seu documentado livro sobre a questo agréria na Ressia. Entre o antigo trabalho servil, no qual a violéncia e « coagao jogam um Papel to grande, ¢ o trabalho livre, no qual a snica coagdo que sub- siste 6 uma coagio puramente econdmica, aparece todo um sistema transit6rio de formas extremamente varladas que unem os tragos da barehichina e do assalariado. Eo sistema otrabototschnata. 0 saléria € pago seja em dinheiro, no caso de locagio de servigos, seja em pro- datos, seja em terra; neste dtimo caso (otrabothi no sentido estrito a palavra), o proprietério empresta sua terra ao camponés a guisa de saldrio pelo trabalho efetuado por este nos campos senhorias. © pagamento do trabalho, no sistema otrabotki, é sempre inferior a0 salério livre do aluguel capitalista. A retribuigéo em produtos faz os Proprietérios mais independentes das variagées de prego observadas ‘nos mercados de trigo e de trabalho, Encontram nos eamponeses de sua vizinhanga uma mio-de-obra mais barata e assim gozam de um verdadgiro monopélio local. © arrendamento pago pelo «. ipongs assume diversas formas: as vezes, além de seu trabalho, o camponés deve entregar dinheiro € 104 Jose Cannas Manure produtos. Por uma deciatina"® que receberé, se comprometerd a tra- balhar uma deciatina e meia de terra senhorial, a dar dez ovos e uma galinha. Entregara também o esterco do seu gado, pois tudo, até 0 es- terco, se transforma em objeto de pagamento, Freqiientemente ainda se obriga o camponés “a fazer tudo que 6 exigido pelo proprietério”, a transportar as colheitas, a cortar a lenha, a carregar os fardos.®> Na agricultura da serra esses tragos da propriedade e do tra- balho feudais se encontram particular e exatamente iguais, O re- gime do salério livre nao se desenvolveu ali. O fazendeiro nao se preocupa com a produtividade das terras. S6 se preocupa com sua rentabilidade. Os fatores de produgdo se reduzem para ele quase que unicamente a dois: a terra e o indio. A propriedade da terra permite que explore de maneira ilimitada a forga de trabalho do indio, A usura praticada sobre essa forga de trabalho ~ que se tra- duz na miséria do indio ~ soma-se a renda da terra, calculada ao tipo usual de arrendamento. O fazendeiro se reserva as melhores terras e reparte as menos produtivas entre seus braceiros indios, os quais se obrigam a trabalhar de preferéncia e gratuitamente as primeiras e contentarse com as segundas para obter os frutos com que se sustenta. O arrendamento do solo é pago pelo indio em trabalho ou frutos, muito raramente em dinheiro (por ser a forga do indio o que de mais valor existe para o proprietério), mais comumente em formas combinadas ou mistas. Um estudo do dr. Ponce de Leon, da Universidad de Cuzco, que tenho a vis- ta juntamente com outros informes, e que revisa com documen- tagao de primeira mao todas as varicdades de arrendamento ¢ Janaconagem nesse vasto Departamento, apresenta um quadro bastante objetivo ~ apesar das conclus6es do autor, respeitosas dos privilégios dos proprietérios ~ da exploragio feudal. Bis aqui algumas de suas constatagdes: Na provincia de Paucartambo, 0 proprietério concede o uso de seus terrenos a um grupo de indigenas com a condigao de que fagam todo © trabalho que requer 0 cultivo dos terrenos da fazenda, que foram reservados pelo dono ou patrio. Geralmente trabalham trés dias alter ‘nativos por semana durante todo o ano. Além disso, os arrendatérios: © Medida de terra (N. © Schkatf, op. ct, pp. 133135. 105 (0 pra. na rena ou yanaconas — como se chamam nessa provincia ~ tém a obrigagio de carregar a colheita do fazendetro em suas préprias besta, sem remu- neragao; e a de servir de pongos™ na propria fazenda ou mals com. mente em Cuzco, onde residem preferencialmente.os fazendeiros. Coisa igual acontece em Chumbiviless. Os arrendatirios eultivam a ‘extensiio que podem, devendo em troca trabalhar para o patréo quan- tas vezes este exija, Essa forma de arrendamento pode ser assim sim- Plificada: o proprietério propée ao arrendatério: utiliza a extensio de terreno que “possas, com a condigéo de trabathar em meu proveito sempre que eu necessite”. Na provincia de Anta o proprietério cede o uso de seus terrenos nas seguintes condigbes: 0 arrendatério poe por sua conta o capital (se. mente, adubos) eo trabalho necessério para que 0 cultivo seja feito até ‘seus momentos finais (colheita). Uma vez concluido, o arrendatério e © proprietério dividem os produtos entre si em partes iguals. Isto , cada um deles recolhe 50% da Produgio sem que o proprietério tenha feito outra coisa que ceder o uso de seus terrenos sem nem mesmo adubitlos, Mas isso ndo ¢ tudo. O parceiro esté obrigado a comparecer Pessoalmente aos trabalhos do Proprietério, se bem que com a remu- ‘Neragao costumeira de 25 centavos diérios."® A confrontagio entre esses dados e os de Schikaff basta para Persuadir de que nao falta na serra feudal nenhuma das sombrias etapas da propriedade e do trabalho pré-capitalistas, 12. “Colonialismo” de nossa agricultura da costa grau de desenvolvimento alcangado pela industrializagao da agricultura, sob um regime e uma técnica capitalistas, nos vales da costa,.tem o seu principal fator no interesse do capital brita nico e estadunidense na produgao peruana de acticar e algodio. A aptido mdustrial e a capacidade dos latifundiérios nao é um agente printério da extensio desses cultivos. Estes dedicam suas terras’4 produgdo de algodio e cana financiados ou habilitados Por fortes firmas exportadoras. ‘abalho domésco de natrea srl que os camponete seam org 8 prestar aos latifuadiérios. (N.T) i. ‘esos Francisco Ponce de Leon, Sistemas de arrendamienco de t del cul , terrenos del cultivo en el Departamento del Cuzco y el problema de la terra, 106 oot Canuos Matteo ‘As melhores terras dos vales da costa estéo semeadas de al- godao e cana, nfo precisamente porque sejam adequadas a esses cultivos, mas sim porque apenas eles importam, atualmente, aos comerciantes ingleses ¢ ianques. O erédito agricola ~ subordina- do absolutamente aos interesses dessas firmas, enquanto no se estabelega o Banco Agricola Nacional - n4o impulsiona nenhum outro cultivo. Os de géneros alimenticios, destinados ao mercado interno, esto geralmente em méos de pequenos proprietérios ¢ arrendatérios. Apenas nos vales de Lima, pela vizinhanga de mer- cados urbanos de importancia, existem glebas extensas dedicadas por seus proprietérios & produgdo de géneros aliment{cios. Nas fa- zendas algodociras ou agucareiras, nao se cultivam esses géneros, em muitos casos, nem na medida necesséria para o abastecimen- to da prépria populagao rural. © mesmo pequeno proprietério, ou pequeno arrendatério, vé-se empurrado para o cultivo do algodao por essa priitica que pouco leva em conta as necessidades particulares da economia nacional. A substituigdo dos cultivos de géneros aliment{cios tra- dicionais pelo algodao nas campinas da costa nas quais subsiste ‘a pequena propriedade constitui-se numa das causas mais visiveis do encarecimento da subsisténcia nas povoagées da costa. ‘Quase unicamente para o cultivo do algodao é que o agricultor encontra facilidades comerciais. As facilidades estdo reservadas, de cima a baixo, quase exolusivamente ao algodoeiro. A produ- do de algodao nao est regida por nenhum critério de economia nacional, Produz-se para o mercado mundial, sem um controle que preveja o interesse dessa economia, as possiveis quedas nos pregos decorrentes de perfodos de crise industrial ou de superpro- dugdo algodoeira. Um pecuarista observou recentemefite que, enquanto para uma colheita de algodio o crédito que se pode conseguir esté limitado apenas pelas flutuagdes nos pregos, para um rebanho ou pastos 0 crédito & completamente convencional ou inseguro, Os pecuaristas da costa no podem contar com financiamentos bancérios considerdveis para o desenvolvimento do seu negécio. Na mesma condigao esto todos os agricultores que nao podem oferecer colineitas de algodao ou cana-de-uydvar como garantia de seus empréstimos. 107 (0 Pros.zxa Da TER Se as necessidades do consumo nacional estivessem satisfei- tas pela produgio agricola do pais, certamente esse fendmeno no seria tio artificial. Mas ndo é assim. O capitulo mais alto de nossas importagées 6 0 de “viveres e especiarias”: Sp 3.620.235, no‘anu'de 1924, Esse dado, dentro de uma importagao total de 18 milhdes de libras, denuncia um dos problemas da nossa econo- mia. Nao & possivel a supressio de todas as nossas importagées de viveres e especiarias, mas sim dos seus itens mais significativos, O maior de todos ¢ a importagdo de trigo e farinha, que em 1924 ascendeu a mais de 12 milhdes de soles. Um interesse claro e urgente da economia peruana exige, jé ha muito tempo, que o pais produza o trigo necessério para o pao de ‘sua populagao. Se esse objetivo tivesse sido alcangado, o Peru nao teria que continuar pagando ao estrangeiro 12 ou mais milhdes de soles por ano pelo trigo que as cidades da costa consomem, Por que néo se resolveu esse problema de nossa economia? ‘Nao apenas porque o Estado ainda nao se preocupou em desen- volver uma politica de géneros alimenticios. Tampouco 6, repito, Porque os cultivos da cana e do algodio so os mais adequados. a0 solo e ao clima da costa. Apenas um dos vales, ou uma s6 das planicies interandinas ~ que alguns quilémetros de ferrovia abri- iam ao comércio - pode abastecer superabundantemente de trigo, cevada ete. toda populagdo do Peru. Na prépria costa, os espanhéis cultivaram trigo nos primeiros tempos da colénia, até © cataclismo que mudou as condigées climéticas do litoral. Nao se estudou depois, de forma cientifiea e organica, a possibilidade de estabelecer esse cultivo. E a experiéncia praticada ao Norte, nas terras de “Salamanca”, demonstra que existem variedades de trigo resistentes as pragas que atacam esse cereal na costa e que a preguiga criolla, até essa experiéncia, parecia ter renunciado a vencer.* obstéculo, a resisténcia a uma solugio, encontra-se na pr6- ria estrutura da economia peruana. A economia do Peru é uma + As experiéncias recentemente praticadas, em diferentes pontos da costa, ela Comisién Impulsora del Cultivo del Trigo,tiveram, sestundo se anuncia, éxito satisfatério, Foram obtidos rendimentos apreciéveis com a variedade “Kappli Emmer” —imune a prages. 108 Jose Canuos Matrenin economia colonial. Seu movimento e seu desenvolvimento estao subordinados aos interesses ¢ as necessidades dos mercados de Londres ¢ Nova York. Esses mercados véem no Peru um depésito de matérias-primas e um mercado para suas manufaturas. A agri- cultura peruana consegue, por isso, créditos e transporte apenas: Para 0s produtos que possam proporcionar uma vantagem nos grandes mereados. A banca estrangeira se interessa um dia pela borracha, outro dia pelo algodao, outro dia pelo agicar. O dia em que Londres pode receber um produto por melhor prego e em suficiente quantidade da india ou do Bgito, abandona instan- taneamente & sua prépria sorte seus provedores do Peru. Nossos latifundidrios, nossos fazendeiros, quaisquer que sejam as ilusbes que tenham sobre sua independéncia, atuam na verdade como intermediarios ou agentes do capitalismo estrangeiro. 13. Propostas finais As propostas fundamentals, j4 expostas neste estudo, sobre 08 aspectos atuais da questo agréria no Peru, devo agregar as seguintes: 1* - O cardter da propriedade agraria no Peru apresenta-se como uma das maiores travas do préprio desenvolvimento do ca- Pitalismo nacional. E muito elevado 0 percentual de terras ex- ploradas por arrendatérios grandes ou médios, que pertencem a latifundiérios que jamais administraram suas fazendas. Esses latifundiérios, ao serem totalmente estranhos e ausentes da agri- cultura e de seus problemas, vivem da renda territorial sem dar nenhuma contribuigéo de trabalho nem de inteligéncia para a atividade econémica do pafs. Correspondem a categoria do aris- tocrata ou do rentista, consumidor improdutivo. Por seus direitos hereditdrios de propriedade recebem umi arrendamento que se pode considerar como um tributo feudal. O agricultor arrendata- rio corresponde, ao contrério, com mais ou menos adequago, a0 tipo de chefe de empresa capitalista. Dentro de um verdadeiro sis- tema capitalista, a mais-valia obtida por sua empresa deveria be- neficiar esse industrial e 0 capital que financiasse seus trabalhos. O dominio da terra por uma classe de rentistas impde & produgdo a carga pesada de sustentar uma renda que ndo esta sujeita as quedas eventuais dos produtos agricolas. O arrendamento geral- 109 © mmostens oa roma ‘mente néo encontra nesse sistema, todos os estimulos indispen- ‘sdveis para efetivar os trabalhos de perfeita valorizagao das terras, de seus cultivos e instalagées, O temor a um aumento da locacio, ao vencimento de sua escritura, o induz a uma grande parciménia nos investimentos. A ambigio do agricultor arrendatério 6, claro, converter-se em proprietério; mas seu préprio empenho contribu Para o encarecimento da propriedade agraria em proveito dos la- tifundidrios. As condigGes incipientes do crédito agricola no Peru impedem uma expropriacio capitalista mais intensa da terra para essa classe de industriais. A exploracdo capitalista ¢ industrialista da terra, que exige para seu desenvolvimento livre e pleno, a elie minagao de todos os tributos feudais, por essa razio, avanga mui- to lentamente em nosso pais. Existe aqui um problema, evidente ‘no apenas por um critério socialista, mas também por um crité- rio capitalista. Formulando um prinofpio que integra o programa agrario da burguesia liberal francesa, Edouard Herriot afirma que “a terra exige a presenga efetiva”.” Nao 6 demais assinalar que a esse respeito 0 Ocidente ndo apresenta vantagens em relagao a0 Oriente, j4 que a lei mugulmana estabelece, como observa Char- les Gide, que “a terra pertence a quem a fecunda e vitaliza” 2°—O sistema latifundiério subsistente no Peru 6 acusado, por outro lado, de ser a barreira mais grave para a imigragio branca. A imigragao que podemos esperar 6, por razdes dbvias, de cam. Poneses provenientes da Italia, da Europa Central e dos Baleas. A populacdo urbana ocidental migra em escala muito menor ¢ 0s operdrios industriais sabem, além disso, que tém muito pouco que fazer na América Latina. O camponés europeu nao vem para @ América para trabalhar como braceiro, a no ser nos casos em que o salério lhe permita economizar bastante, 0 que nao é 0 caso do Peru. Nem o mais miseravel lavrador da Polénia ou da Ro- ménia aceitaria o nfvel de vida dos nossos diaristas das fazendas de cana ou algodao. Sua aspiragdo é se transformar em pequeno Proprietério. Para que nossos campos sejam capazes de atrair essa imigragao ¢ indispensével que se possa proporcionarlhe terras do- tadas de habitagées, animais e ferramentas, ¢ ligadas a mercados Por estradas de ferro. Um funcionério ou propagandista do fascis. Herriot, Oveer. 110 Jost Canoe Mautroout mo, que visitou o Peru hé cerea de trés anos, declarou nos jornais locais que nosso regime de grande propriedade é incompativel com um programa de colonizagao e emigragao capaz de atrair 0 camponés italiano. 3° - O enfeudamento da agricultura da costa aos interesses dos capitais e dos mercados britnicos e americanos opée-se néo apenas a que se organize e se desenvolva segundo as necessidades especificas da economia nacional, isto 6, assegurando primeira- mente o abastecimento da populagdo, mas também que se expe- rimente e se adotem novos cultivos. O maior empreendimento desse tipo tentado nos tiltimos anos — 0 das plantagées de tabaco em Tumbes — s6 foi possivel gragas A intervengio do Estado. Esse fato demonstra melhor que nenhum outro a tese de que a politica liberal do laisser faire, que téo pobres frutos deu ao Peru, deve ser definitivamente substituida por uma politica social de nacionali- zacao das grandes fontes de riqueza. 4° ~A propriedade agréria da costa, ndo obstante os tempos présperos que tem desfrutado, mostra-se agora incapaz de aten- der aos problemas do saneamento rural, na medida em que sio exigidos pelo Estado, é claro que de forma bem modesta. As exi- géncias da Diregéo de Saneamento Péblico aos fazendeiros néo conseguem ainda o cumprimento das disposig6es contra 0 impa- ludismo. Nao se conseguiu nem mesmo uma melhora geral dos alojamentos. Esté provado que populacio rural da costa apre- senta os mais altos indices de mortalidade e morbidade do pats. (Com excegao, naturalmente, das regiGes mats excessivamente mérbidas da selva). A estatistica demogréfica do distrito rural de Pativilea acusava, hé trés anos, uma mortalidade superior & natalidade. As obras de irrigagio, como observa o engenheiro Sutton a respeito da de Olmos, possivelmente representam a solugo mais radical do problema dos alagados e pantanos. Mas, sem as obras de aproveitamento das 4guas excedentes do rio Chaneay, realizadas em Huacho pelo senhor Antonio Grafia, a quem se deve também um interessante plano de colonizagio, e sem 0 aproveitamento das Aguas do subsolo praticadas em Chi- clin e em algumas outras fazendas do Norte, a ado do capital privado na irrigagio da-costa-peruana seria verdadeiramente in- significante nos diltimos anos, i 5° ~ Na serra, o feudalismo agririo sobrevivente mostra-se completamente incapaz como criador de riqueza e de progresso. Com excegao das fazendas de gado que exportam Ide uma ou ou. tra nos vales e planicies serranos, o latifindio tem uma produgio miserdvel. Os rendimentos do solo sio infimos; os métodos dz trabalho, primitivos. Um 6rgao da imprensa local uma vez dizia que na serra peruana um gamonal parece relativamente tdo po- bre quanto um fndio. Esse argumento ~ que de fato é totalmente nulo dentro de um critério de relatividade ~ longe de justificar © gamonal, condena-o inapelavelmente. Porque para a economia moderna ~ entendida como ciéncia objetiva e concreta - a tinica Justificativa do capitalismo e de seus capitdes da industria e das finangas esta na sua fungio de criadores de riqueza, No plano econdmico, o senhor feudal ou gamonal é o primeiro responsével pelo pouco valor de seus dominios. Jé vimos como esse latifundia- rio nao se preocupa com a produtividade, mas sim com a renta- bilidade da terra. JA vimos também como, apesar de suas terras serem as melhores, seus dados de produgdo nao sao maiores que 8 obtidos pelo indio, com seu equipamento primitivo, em suas ‘™agras terras comunitdrias. O gamonal, como fator econdémico, est4, pois, completamente desqualificado, 6° ~ Como explicagio desse fendmeno diz-se que a situagao econémica da agricultura da serra depende absolutamente das vias de comunicagio e transporte. Os que assim raciocinam nao entendem, sem diivida, a diferenga organica, fundamental, que existe entre uma economia feudal ou semifeudal e uma economia capitalista. Nao compreendem que o tipo patriarcal de fazendeiro feudal € substancialmente diferente do tipo do moderno chefe de ‘empresa. Por outro lado, o gamonalismo e o latifiindio aparecem também como um obstéculo até para a exeougao do programa vi tio que 0 Estado atualmente empreende, Os abusos e interesses dos gainonales se opéem totalmente a uma aplicagéo correta da lei de conscrigao viéria.** O indio a vé instintivamente como uma arma do gamonalismo, Dentro do regime incaico, o servico vidrio * Legislagdo-que existia no Peru permitindo a convocagio obrigatéria (circus ‘rigio) dé elementos da populagio para exeoutar trabalhos de construgio ou manutengio de estradas. (NT) 12 Jost Csstos Mawirecia devidamente estabelecido seria um servigo ptiblico obrigatério, completamente compativel com os prinefpios do socialismo mo- derno; dentro do regime colonial do latifiindio e servidao, o mes- mo servigo adquire 0 cardter odioso de uma mita.

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