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Estudios Latinoamericanos 24 (2004) As Xavantadas enquanto performance Estévao Rafael Fernandes Nao raro temos noticias de agées levadas a efeito por indios Xavante! no que diz respeito a sua relagiio com o Estado brasileiro. Noticias de que esses indios inva- diram prédios piiblicos da Fundag&io Nacional do indio (Funai), e outros, rende- ram-lhes, inclusive, um termo jocoso, unico no caso do Brasil: “Xavantada”. Mas, serao tais eventos meras agGes truculentas e cadticas, formas de obter algu- ma visibilidade e exercer presstio? O que, afinal, os Xavante querem dizer quando realizam uma Xavantada? Sem duvida trata-se de eventos esporddicos aos quais os Xavante dedicam algu- ma aten¢do, conferindo-lhes algum significado. Ora, “significar” implica, neces- sariamente, comunicar, dai a premissa de que as Xavantadas comunicam algo, e algo importante; através desse evento, os Xavante produzem e reproduzem ele- mentos essenciais de sua cultura. E conhecido 0 caso em que retiraram a Diretora de Assisténcia do érgao de sua sala e a levaram até o térreo, onde pararam um téxi que passava, meteram a diretora a forga no carro e Ihe avisaram para que nunca mais voltasse. Poderiam simplesmente té-la enchido de bordunadas,* mas nao fizeram (aliés, quase nunca fazem). Por qué? E 0 que veremos a seguir. "Os Xavante slo indios de lingua Macro-Jé, atualmente em torno de 11.000, habitando a porgao leste do estado do Mato Grosso/Brasil * Bordunas sto espécies de tacapes, tacos de madeira com cerca de um metro utilizados como arma de percussio na caga ou guerra, 248 Estévdo Rafael Fernandes Em primeiro lugar, o que esses indios nfo comunicam quando “xavantadeiam”? A primeira vista, poderia parecer que tais demonstragdes so contra a Funai. Na verdade, ocorre justamente 0 oposto: os xavantes entrevista- dos afirmam que fazem isso para o bem da propria Funai, A qual se referem co- mo “pai” (a Funai é nosso pai) — 0 fato de se manifestarem contra a votagao de um novo “Estatuto do Indio”, que estabeleca o fim da tutela e aparentemente enfraqueca 0 érgao também ¢ digno de mengdo, Os Xavante, por meio de suas agdes, n&io questionam a estrutura da Funai, mas “distribuigdes particulares de poder” [Gluckman 1974: 4] que contradizem interesses imediatos de algumas liderangas. Esses indios nfo agem de maneira truculenta a esmo, mas apenas com relagdio a pessoas que ocupam determinados cargos de chefia: Diretores, Chefes de Gabinete, Administradores Regionais, etc. Entre os “alvos favoritos” das Xavantadas esto, justamente, os Diretores de Administragao (responsavel pela distribuigao de DAS") e de Assisténcia (responsavel pela manutengdo de au- toméveis, por exemplo). Nao é mera coincidéncia, uma vez que carros e cargos figuram em lugar privilegiado na lista dos “bens de prestigio” almejados pelos Xavante. Assim, ao retirarem de seu gabinete um alto funcionario, essa ago deve ser entendida ndo como uma rejeig&o ao érgdo, como um todo. Ao contrério, segun- do depoimentos, os Xavante imaginam estar extirpando uma pessoa que esta ju- stamente impedindo a Funai de “funcionar direito”. Recentemente, soube que os Xavante estavam planejando uma dessas agdes contra uma amiga minha, a quem, curiosamente, n&o conheciam. Funcionaria da 4rea de saiide, estava sendo acusa- da de nao “liberar os recursos pra projeto” — segundo constatei mais tarde, 0 boa- to havia sido espalhado por uma funcionéria rival, que planejava aquilo para que seu marido ficasse com o DAS de minha amiga. A situagdo chegou a um ponto em que os indios informaram ao Presidente que, se ela nao fosse prontamente exonerada, eles a retirariam a forga. Outro fato interessante é a preocupagao re- cente de algumas liderangas, ao saberem do edital de concurso para a Funai: “e se os contratados nao souberem trabalhar pra o indio?”; “tem que chamar gen- te que saiba trabalhar, ¢ nao qualquer um... isso ta errado!” Fica claro, aqui, que a principal intengdo dos Xavante é zelar pela sua Fundagao ( “do indio”, em Fundacdo Nacional do indio é interpretado por cles como “pertencente” ao indio. A Funai seria deles). Nesse ponto, é interessante ressaltar que ouvi Xavantes me contarem como eles haviam fundado a Funai. * DAS so os cargos de confianga dados aos altos funcionarios da Administrago Pablica brasileira, correspondendo a prestigio ¢ a aumento nos rendimentos. As Xavantadas enquanto performance 249 A seguir, trecho de entrevista realizada com o caciqu Rei (Terra Indigena S. Marcos/MT): Emilio, da aldeia Cristo ..€ por isso [que] outro indio [os nio-Xavantes] no vem aqui Brasilia, porque so atrasado, né? Ainda nao tem desenvolvido, nao tem capacida- de, néo tem muito experiéncia de estudante... [...] [“antigamente”] os Xa- vante mantém contato com civilizagdo, jé entra SPI, ja ta procurando a civilizagao, conhecer, cada vez mais do homem, indio quer conhecer ca- da vez mais, cada vez mais o homem [branco}... indio [Xavante] abriu pro- jeto em defesa de todos as nagées indigenas brasileiros. Xavante. Xavante td defendendo tudo, nagdes indigenas brasileiras, né? Entdo, Xavante fundou SPI, que hoje é Funai. Agora vem outro indio... “ah, jd tem Fu- nai, agora jd tem subordinado, jd tem cuidar o indio do Brasil, é a Funai, entiio vamo também”, entdo cada vez mais aparece, vem aparecendo, vai aparecendo ai.. Mas o primeiro que fundou, que fundou, foi o indio Xa- vante, que fundou isso ai, é.. do tempo de general Rondon. Na verdade, os Xavante parecem ter se apropriado do papel que Ihes foi atribuido historicamente: de belicosos. Eles representam 0 papel de zeladores da ordem na Funai, se aproveitando da imagem de guerreiros que tém. Alids, tal representa¢ao tem miultiplos sentidos: 1) eles sio atores da pega, mas nao seus principais autores; 2) eles sfio os atores e autores; e 3) eles so atores, e os autores indiretamente, seguindo modelos pré-existentes. Os Xavante atuam, mas nao os principais autores Um exemplo do primeira caso foi dado, quando citei a funcionaria que ia se utili- zat da ago dos Xavante (a xavantada) em proveito préprio (obter um DAS para © marido). E uma situagZio mais comum do que se imagina, sendo que eu mesmo j4 protagonizei um desses eventos. A titulo de exemplo, reproduzo um trecho de meu diario de campo (escrito quando estava numa area de conflito de terra, con- hecida como Maraiwatsede): 15 de dezembro de 2003. 17 hrs, Segunda-feira. Acampamento de Maréi- watsede — Barractio da Funai. Um belo entardecer e uma revoada de pa- pagaios. Nao fosse a revoada de mutucas e o pé ferido por um caco de

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