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INSONDAVEL TRAVESSIA (ROCCO E SEUS IRMAOS) OCTAVIO IANNI Todo aquele que migra, sabe de onde parte mas niio sabe aonde chega; sabe 0 caminho que deixa mas nao sabe 0 que encontra. Lanca-se em uma travessia sem fim, acreditando-se sempre 0 mesmo, mas poucas vezes dando-se conta de que se preserva ¢ transforma, reafirma e trans- figura, afina e desafina. LA longe, em outro lugar, pafs ou continente, con- tinua a rememorar a partida e 0 caminho percorrido, recriando situagées, pessoas, vivéncias, imagens, didlogos, sentimentos, memérias, fragmentos, esquecimentos. E assim, com recordagdes e esquecimentos, que o migrante nutre a nova situagao, seja ela de éxito ou frustragao. Esi4 impregnado de um passado que nunca se apaga, mesmo quando é esquecimento. Ressoa sempre, continua e episodicamente, nas coisas, gentes, situagGes, sentimentos, imagindrios, sonhos e alucinages. Esse € um passado que povoa o presente, seja qual for a geragdo. No con- traponto do presente e passado, passado e presente, aos poucos se dé a metamorfose das adversidades em facanhas, da biografia em gesta, da hist6ria em mito. E 0 presente se impde sempre como uma realidade viva, inques- tiondvel. Pode ser prosdico, esiranho, assustador ou fascinante. Af acontece 0 éxito e a realizagao, tanto quanto o desespero ¢ a alucinagao. Rocco e seus irmaos € um filme sobre a migragao de uma familia de Lucania para Mildo. Af estao em causa 0 sul ¢ 0 norte, 0 ferrone e 0 polentone, 0 campo e a cidade, a comunidade e a sociedade. Simultanea- mente, af est¥o em causa a urbanizacio e a individuacdo, o trabalho e a profissdo, o éxito e a frustracdo, a diligéncia e a delingiiéncia. Fogem do passado para o presente. 234 LUA NOVAN® 48 — 99 A cidade € 0 palco em que se movem todos determinados a atdni- tos, Af, buscam localizar-se, estabelecer pontos de referéncia, criar as condigdes minimas de sobrevivéncia, descortinar dias melhores. Querem trabalho e bem-estar, Estdio fugindo de séculos de servidao'. Vincenzo fora 0 primeiro, chegara antes, estava empregado, fizera amigos, namorava. Sabia da familia [4 longe; que o pai havia morrido; que a mie lutava com os outros filhos para sobreviver na adversidade rever- berando dificeis condig6es de trabalho na terra. Surpreende-se com a chegada da familia, como se fosse algo nao s6 inesperado mas fora de hora, indesejado. Foi como um terremoto, abalando a situago em que se acha- va. Em vez de continuar o migrante solitério que se situava aos poucos, teve de assumir-se como filho e irmao. Rosdria 6 a mae sempre vestida de preto, guardando luto por toda vida, em meméria do marido, Antonio, falecido I longe, no paése. Decidiu migrar para a cidade para que os filhos pudessem empregar-se, profission- alizar-se, desfrutar de alguma seguranga econ6mica, realizar-se. Trouxe os quatro que com ela estavam, para que seguissem 0 caminho de Vincenzo, quem jé havia percorrido anteriormente essa estrada, em busca da cidade. Em pouco tempo, no entanto, ela se d4 conta de que a cidade € labirintica e turbulenta. Simone € vivo, esperto, gil, instintive, com senso de oportu- nidade ¢ facilidade. Logo se insere na academia de box, como pugilista. Af alcanga éxito, desfruta da boemfa e do dinheiro facil, protegido pelo dire- tor da academia que admira o seu porte apolineo. Conhece e apaixona-se por Nadia, mulher independente, solitéria, experiente, urbana; combinando vivacidade, sabedoria, discernimento e caréncia de afeicao. Sim, Simone logo se urbaniza e situa na grande cidade, revelando-se muito & vontade, ndo s6 na academia e no pugilismo como também na agilidade e labial dade com que lida com tudo o que € urbano; podendo ser episédico, descompromissado, irresponsével, nocivo, solitério, desesperado. Rocco € a encarnagao dos ideais da mie, e do pai ausente, bus- cando sempre manter todos em comunhao, junto com a mae, no espfrito da migracZo; tentando fazer com que a familia realize a missZo com a qual se * Paper baseado numa apresentagio ao Semindrio de Politica Contempordnea no Centro Internacional para Estudos Internacionais da Universidade Johns Hopkins, Washington, D.C., em 28 de fevereiro de 1999. Traducao de Fabio Ribeiro. EXISTE UMA TERCEIRA VIA? UMA RESPOSTA A “TERCEIRA VIA" DE GIDDENS 235 ps na estrada. E assim que se ajusta no mundo urbano, movendo-se nas diferentes atividades, inclusive no pugilismo, a despeito de néo gostar disso. Para garantir o clima da comunidade, engaja-se na sociedade, no labirinto turbulento. De repente esté apaixonado por Nadia, quem descobre nele o amor ¢ amizade, a transparéncia e a felicidade, Rocco tem algo de santo. Mantém e empenha-se em uma atividade compreensiva, concentra- da na familia, a comunidade origindria enraizada no cristianismo primor- dial. Tanto € assim que se deixa brutalizar por Simone, para salv4-lo; inclu- sive fazendo com que Nadia volte a ele, para salvé-lo; inclusive chorando desesperado com ele apés o assassinato de Nadia, para salvé-lo. Ciro logo se torna operdrio. Move-se com confianga e desempen- ho na profissio, empregado na industria automobilistica. Esta situado, comprometido com a familia e preocupado com os desvios de Simone; enquanto Rocco empenha-se em proteger ¢ salvar Simone, inclusive das transgressGes contra si préprio. Mais integrado na cidade, Ciro vé os pro- blemas da familia e o contraponto Simone e Rocco com olhat realista, certo distanciamento critico, uma visio politica. Coloca o dilema “Simone” em termos nitidos, relembrando algo da sabedoria antiga, 1d da terra. Ciro parece Ter uma visio mais politica dos problemas da fam{li Sua experiéncia de operdrio, simultaneamente urbano, movendo-se na sociedade atravessada por diversidades e desigualdades, permite-Ihe ver com clareza, ou frieza, aspectos importantes dos impasses da familia, da tragédia em formagao. E comenta com Luca 0 desfecho do acontecido. Luca é © menino que vé, vive ¢ sente os acontecimentos, as ten- ses, 0s conflitos, as afligdes, os contentamentos e os sofrimentos, princ palmente como espectador. Alegra-se © sofre com um ¢ outro e todos. ‘Também ele migrou de Lucania e pensa um dia regressar, imaginando que Rocco voltara, Em Luca ainda continuam a ressoar as diferentes vivéncias do campo, como meméria idealizada, refigio de trangiiilidade ou lugar da transparéncia, dificeis ou imposstveis na cidade. Mas Ciro, generoso e liici- do, Ihe diz que talvez. Lucania j4 nao soja a mesma, Nadia & uma expressio viva, gil, 2 vontade, do mundo urbano, das fimbrias entre o dia e a noite, o permitido, 0 tolerado ¢ a transgressio, © desfrute e a paixdo. Busca o didlogo, a compreensiio, o amor. E vivida, experiente carente, nos termos da cultura da cidade, o teatro no qual pe- rambulam desconhecidos e conhecidos, amigos e irreconheciveis. Combina algo de ceticismo com resignagdo, em busca de nesgas de roman- tismo. Depois de estar afastada de Simone, com quem havia rompido hé tempos, aproxima-se de Rocco. Sente-se fascinada por sua personalidade e 236 LUA NOVA N*48 —99 generosidade, uma imensa capacidade de compreensiio. Apaixona-se. Daf nascem o citime, o ressentimento e a vinganga de Simone, quem a assassi- na, E como se o camponés enraizado em suas tradigdes seculares de repente pulasse daquele pugilista lumpenizado: quem to rapidamente se havia urbanizado e também rapidamente se entrega & vendetta origindria, primordial, Tudo na gesta da familia Parondi é vivéncia. Sucedem-se as situa- Ges, atividades, realizagées, frustragées, ilusGes. Sdo experiéncias indi- viduais © coletivas, reais ¢ imagindrias, presentes © pretéritas. Esse 0 emaranhado no qual revelam-se as mais diversas formas de consciéncia. A despeito da impressio de que todos vivem a mesma situagao, sfo distintas as modulagées da consciéncia em cada um. Esse 0 enigma da metafora “somos como os cinco dedos da mao”. Poderiam estar nao s6 juntos, mas unidos, em conformidade, convivio, harmonia. Mesmo porque a mie é a maestra buscando sempre acomodar cada um ¢ todos, como as vozes de um céro, as vibragdes da melodia. Mas a polifonia logo se explode em cacofo- nia, Cada um fala, pensa, sente e age diferente. Mesmo Rocco revelando- se figuracaio da mae e da meméria do pai, mesmo assim a cacofonia nao s6 continua como se torna estridente, desesperante. Daf a nostalgia ressoando de quando em quando, como um eco de um mundo pretérito. Depois da longa jornada, desde | longe no sul até o desconheci- do norte, do campo a cidade, a familia Parondi chega tensa e cansada, mas contente ¢ transparente. Todos se comunicam rpida e facilmente. O esta- do de espirito é fluente, a despeito das incertezas sobre como, onde e quan- do situar-se na grande cidade. Logo se engajam no vai-e-vem da cidade, da busca do emprego, de alguma base para organizar a vida. Salvo 0 menor, que ajuda a mie na casa e contracena com os irméios no vai-e-vem, os out- Tos movem-se, buscam, situam-se. E desenvolvem contatos com diferentes pessoas € organizacdes. Multiplicam suas relagdes, Redefinem-se, assu- mindo-se no estranho mundo da cidade, todos em atividades subalternas ‘Aos poucos, no entanto, surgem divergéncias, desentendimentos, desen- contros, atritos. Afastam-se e dispersam-se, a despeito de continuarem a pertencer ao mesmo miicleo, estarem referidos ao mesmo lugar, circularem a volta da mie. De repente, revelam-se alheios, distantes, estranhos. A transparéncia se apaga na ocapidade. E como se de repente viesse a tona algo que estivera encoberto, escondido, & espreita. O que parecia uma ba- lada torna-se uma danga macabra O principal palco dessa histéria € a familia, reverberando 0 que havia no campo e 0 que hé na cidade. No seio da familia medram o senti- EXISTE UMA TERCEIRA VIA? UMA RESPOSTA A “TERCEIRA VIA" DE GIDDENS 237 mento ¢ 0 sofrimento, a alegria e a dor, a esperanga ¢ a decepgdo. O que pode ser comunhio pode ser também alucinacio. Tudo o que ocorre 14 longe, no campo, terra ou sul, na realidade ou na. meméria, tudo ressoa na familia. Ela nasce, desenvolve-se, transforma-se e perdura como ilusiio de comunidade, sendo simultaneamente um ambiente de ressondncias de muito do que acontece na cidade, Esté sempre atravessada e desafiada pelas tensdes que medram na sociedade, mas subsiste pertinaz como a comunhiio da comunidade. Subsiste como compromisso ¢ aspiragio, em meio ao torvelinho que se desenvolve todo 0 tempo na cidade. Aos poucos, ela se tensiona e modifica, esgarca e desfaz. Mas todos reiteram a presenga, reafirmando a comunhio que alimenta a transparéncia da comunidade; pode também germinar as surpresas da dispersio. So todos, os irmaos, a mie e Nadia, figuras e figuragdes da mesma gesta, uma trajetéria errética, uma travessia sem fim, um fluxo con- tinuo de inquietagdes, discernimentos, sofrimentos, afligées. Esto sendo levados pelo destino, preparados e preparando-se para o desfecho que se forma nos intersticios do cotidiano da casa e da cidade. A tragédia, cumpre-se inexoravel. Ninguém pode nada contra ela Abate-se sobre Nadia, Simone, Rocco e todos, avassaladora. Ninguém est imune. Todos so convocados pelo destino. Resta somente entregar-se, sem qualquer resisténcia, inerme. E chorar. O pranto convulsivo e desesperado de Simone e Rocco € 0 fundo do abismo; ¢ 0 cume da montanha, Af se instaura o siléncio, um vasto siléncio cobrindo a casa e a cidade. Uma tragédia em 5 atos, assim nomeados: “Vincenzo”, “Simone”, “Rocco”, “Ciro”, “Luca”; atravessada pelas vozes de “Rosaria” e “Nadia”, fazendo céro, vaticinando inexordveis irupgées do destino. Essa é uma tragédia que vai fundo no espago € no tempo. Mergulha no sul e norte, na comunidade ¢ sociedade, na meméria e esquecimento, na histéria e mito. LA longe, no fundo do esquecimento e do mito, esta Lucania, de onde vier~ am 0 Parondi. E 0 sul, meridiéne, a terra remota, pretérita. Ai, em outros tempos, estiveram os romanos. os gregos, os drabes, os espanhéis, como povoadores e aventureiros, conquistadores e piratas, escravos e senhores, homens e deuses. E como se os Parondi estivessem espiando faganhas anti- gas, rebeldias miticas. Um destino desconhecido, um enigma perdido no fundo dos tempos. Todo migrante € também viandante, peregrino, fugitive, aven- tureiro, viajante ou retirante. Est4 em busca de outros ares, terras, perspec- tivas de vida, modos de ser. Foge do que conhece e busca 0 que desco- nhece. Imagina o futuro como negagio do passado, surpreendendo-se com 238 LUA NOVA N? 48 — 99 © presente. Aventura-se, arrisca-se, Imagina chegar em outro lugar, encon- trar outras possibilidades de vida e trabalho, realizagdo e emancipagio. Entretanto, desde 0 momento em que parte langa-se em uma travessia que ndio termina nunca, seja quando se derrota, seja quando se alcanca a Vit6ria. Uns viajam s6s, outros com a familia. Também h os que se vio com os amigos, inclusive desconhecidos. Mas também migram geracées. Cada um leva consigo, em sua vivéncia e imaginacdo, pais e filhos, irmios € irmas, avés € netos, parentes e ausentes, presentes ¢ remotos. Além das geragdes sucessivas que migram, no mesmo tempo e em outros tempos, hd a migragdo imagindria dos que ficam. Escrevem-se cartas, enviam men- sagens, buscam noticias, guardam fotografias. Sim, os que ficam na terra, minifiindio, latifvindio, feudo, bairro, povoado, vilarejo, érmo ou paramo, esses também nao param nunca de viajar. Permanecem na expectativa, indiferentes ou tensos, alegres ou tristes, inquietos ou desorientados, espe- rancosos ou resignados, seja pelo que ocorre com os que se foram, seja com 0 que imaginam sobre eles; seja, ainda, pelas diividas e certezas que alimentam sobre si mesmos, lembrados ¢ esquecidos. Sim, tanto os que se vo como os que ficam, todos levam consigo a sensacaio de uma insondé- vel travessia. RESUMOS/ABSTRACTS 245 INSONDAVEL TRAVESSIA (ROCCO E SEUS IRMAOS) OCTAVIO IANNI Os temas da migragdo, da meméria e do destino sfio evocados nesse ensaio inspirado no filme de Visconti. DEEP JOURNEY (ROCCO AND HIS BROTHERS) The themes of migration, of memory and of destiny are evoked in this essay inspired by Visconti’s film.

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