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Familia, moralidade ¢ religiao: tensGes contrastivas contemporaneas em busca de um modelo Luiz Fernando Dias Duarte Rivalry and competition in our communities are thought of as occur- ring between any number of persons with no presumption that the re- sulting system will be patterned upon any sort of bilateral symmetry. BATESON, 1958, p. 273 1. A complexa ¢ conflituosa dinamica de gestéo da vida privada nos dife- rentes segmentos da vida social urbana brasileira contemporanea, observa- da através de diversas pesquisas recentes, voltadas sobretudo para as fracbes populares, sugere a busca de um modelo mais abrangente, capaz de reunir a mirfade de pistas etnogrdficas em um novo rumo analftico. A proposta aqui desenvolvida parte da constatagao empirica de uma generalizada ten- so contrastiva, a opor, em uma escalada continua de oposicao, determina- dos padrées comportamentais que envolvem a familia, a moralidade ea reli giao (e, em tal contexto, a sexualidade). Essa tensdo contrastiva esta em jogo tanto nos niveis mais abrangentes da ordenacao moral, rcligiosa ¢ jurfdica da nacao quanto nos minimos movimentos das trajetérias pessoais e fami- liares, em cada instante de sua atualizagio — em cada decisio moral elemen- tar, Para além da multiplicidade dos focos de valores envolvidos ¢ da vatie- dade das redes e contextos em que se dao tais decisées, parece haver uma dimenséo mais englobante nesse proceso, que se poderia também chamar de “agonismo dialético” ¢ para cuja interpretacao sc langaré mao do concei- to batesoniano de “cismogénese”. Numa superficial aproximacao inicial da questo trata-se de explorar se 0 que parece ser uma sucesso de micro-opo- sigdes localizadas nao obedece a uma dindmica de macro-oposi¢ao, em que cada movimento isolado participa de uma escalada, ampliagéo ou institu- cionalizagio do fato mesmo de estar em oposi¢ao. Uma propriedade formal abrangente, em dinamica tensio com a matéria-prima (valores ¢ comporta- mentos) das oposigées contrastivas locais. A oportunidade de uma tal investigagao nao decorre apenas da consta- tagéo empirica de um quadro convulso ¢ multifacetado de contrastes etolé- gicos; decorre também da impresséo de que os recursos analiticos mais habi it tuais de compreensao de processos de mudanga ¢ tenséio na érea da familia, moralidade ¢ religido tém tendido a se repetir de modo um tanto circular, mesmo quando produzem efeitos pontuais esclarecedores. Hé copiosa lite- ratura a se agregar, a cada momento, ao acervo cléssico de trabalho e ela me parece revelar alguma dificuldade de confrontar, combinar e modelizar, neste momento, os mais recentes desenvolvimentos. Eu préprio revi, em trabalhos recentes, a rica instrumentalidade de conceitos tais como os de racionalizacao, individualizagao, desentranhamento, autocontrole, e busco um outro ponto de visea, um outro patamar, convengio, combinagio analitica, que melhor dé conta da dinimica e complexidade gerais dos dados contemporaneos. 2. Venho centrando minha pesquisa sobre o que chamei de “ethos privado” nas “classes populares” (cf. Duarte, 2005) desde 2002. Essa experiéncia in- tensa e coletiva,' que redundou em diversas outras publicacdes (cf. Duarte, 2006a e 2006b; Duarte er a/., 2006; Duarte e Gomes, 2008), permite puxar sem grandes dificuldades os fios mais aparentes das tensdes ¢ contradigdes encontraveis no campo (e na literatura de interlocugao): a) um declinio das formas convencionais da conjugalidade e da repro- duo prevalecentes na cultura ocidental moderna desde 0 século xvin é crescentemente conspicuo, concomitantemente a um reforgo das mesmas éticas conjugais, familiares e reprodutivas mais convencionais ou estritas; b) um aumento da individualizagao (sob a forma de um “subjetivismo”, e.g, cf Duarte et al., 2006) na experiéncia da moralidade/sexualidade afirma-se de modo geral, concomitantemente a um aumento de deman- das processos de controle estrito da expressao e da experiéncia sexual; ©) um aumento geral da desinstitucionalizacdo religiosa (e, inclusive, da “irteligiosidade”; sobretudo nos segmentos jovens) parece corresponder a0 aumento do subjetivismo, concomitantemente a intensificagao da adesio religiosa em certos segmentos ¢ denominagoes, do pertencimen- to congregacional e da adogao de padrées de ethos estritos. Essas trés contradig6es mais pujantes impéem, ademais, desafios a al- guns desenhos tradicionais das relag6es entre a moralidade ¢ o status social. Em primeiro lugar, as mudangas em curso n&o correspondem linearmente © Através de um projeto de pesquisa financiado pelo exrq, pela Finep c pela Fundagio Ford; de minha condigio de consultor das atividades gerais do Clam/inas/Ues), particularmente do projewo Gravad. 18 as fronteiras convencionais entre classes médias ¢ superiores “modernizan- tes” (no sentido da adogao de padrées e estilos mais individualizados e me- nos convencionais) ¢ classes populares “tradicionalizantes”. Tampouco cor- respondem a oposicao supostamente previstvel entre uma experiéncia mais modernizante do géneto masculino e mais tradicionalizante do género femi- nino, Idéntica quebra das expectativas convencionais encontra-se presente no que toca a possivel correlagéo entre uma juventude modernizante e uma maturidade tradicionalizante. O ethos privado aqui tematizado (enfeixando as reas da familia, da mo- ralidade ¢ da religiao) se concentra prioritariamente em certos focos do campo da sexualidade, que podem ser considerados pedras de toque dos processos do “desentranhamento” (cf. Duarte, 2004) ou transformagao moral. Esses focos sdo encontrados empiricamente como vetores das tensdes contrastivas conctetas: virgindadeleastidade, heterossexualidade, conjugalidadelfidelidade, genitalidade, contracepeiiolinseminagdo, aborto. E sobretudo em torno deles que tendem a se constituir os direcio- namentos especificos de cada denominagao (ou cada congregacao) ¢ a se orientarem os sujeitos sociais em suas complexas trajetérias de aproximacao, passagem ou afastamento de contextos teligiosos determinados. Nos argu- mentos emitidos para justificar cada um desses passos, a adequacéo entre a posicao pessoal em relagao a cada um daqueles focos ¢ a dos entes religiosos envolvidos é elaborada com minticia, 0 que inclui o reconhecimento de um considerdvel espao para estratégias de justificagio de uma posigao pessoal disctepante do ente religioso englobante (0 segredo, a exegese pessoal ou a reinterpretagao ad hoc; tal como se analisou em Duarte e¢ a/., 2006). ‘A dindmica social assim evocada depende de uma grande transformacio relativamente recente no campo ptblico dos valores em jogo na sociedade brasileira. Trata-se da efetiva ruptura da hegemonia da Igteja Catélica sobre a massa dos segmentos populares. Embora, como seja notério, a Igreja jd nao dispusesse ha muito tempo de meios politicos de assercao de sua hegemo- nia, foi sé a partir dos anos 1970, com a acelerada visibilizagao das congre- gagoes evangélicas (sobretudo pentecostais e neopentecostais) nas periferias mettopolitanas e nos pequenos centros urbanos que se tornou efetivamen- te explicita e publica a legitimidade do “nao ser catélico”. A concomitan- 2 A convivéncia anterior dos eatdlicos com o espiritismo ¢ com os cultos afto-brasileiros era bastante dliversa, dado o caréter nao excludente que tinha para uma boa parte dos figis de cada um desses sistemas religiosos a frequentagio dos demais. 19 te proliferagao das alternativas evangélicas (ao estilo weberiano das “seitas”) tornou palpével para a maior parte da populacio brasileira a ideia de uma “escolha religiosa” (cf. Sanchis, 1994 e 2001; Birman, 1996; Mariz e Ma- chado, 1998; Fernandes er al., 1998; Jacob, 2003), que materializasse, a ca- da momento, um conjunto muito complexo de varidveis de adesao, perten- cimento e ethos — af incluido o privado, de que se esté tratando. A sociedade em que se difunde essa intensa transformagao religiosa se apresenta a seus componentes como em constante mutagio — toda ela —e cfetivamente exige de seus membros posicionamentos relativos a uma oni- presente e desafiadora mudanga. Mesmo nos segmentos inferiores, marca- dos pela permanéncia da precariedade ¢ da caréncia, a mudanga se impée, ao menos como contexto no qual a vida, tal como tradicionalmente defini: da, nao mais pode se realizar. Mesmo quem no deseja mudangas ou a elas se opée & tragado pelos movimentos circunstantes, que exigem, portanto, uma explicitacdo de todas as possiveis posigoes. Veja-se que essa mudanga no é necessariamente a “mudanga social” da andlise sociolégica tradicional. Hé numerosos contingentes atravessando as fronteiras de status ou de clas- se, mas a mudanga é muito mais gencralizada e intensa do que a que se con- tém na imagem da “ascensio social” (ou do descenso). Em um tal contexto, é extremamente importante levar em conta o trans- curso temporal das trajetérias pessoais e familiares, numa perspectiva sobre- tudo transgeracional, uma vez que o rastro de status atribuido se prolonga por sob as sucessivas condigées de status adquirido. A intensidade e o rumo das mudangas s6 se tornam perceptiveis através da percepeao nativa de mais longo prazo sobre 0 que mudou, em que momento e com que ritmo. "As tensGes contrastivas se armam de modo muito semelhante ao da oposi¢ao entre 0 “tradicional” e o “moderno”. E, efetivamente, em um cer~ to nivel, as maneiras pelas quais as diferentes posigdes se definem em relagao aos focos de valores citados podem ser classificadas naquelas duas colunas. Essa éa tendéncia dos segmentos intelectuais, letrados, das camadas médias, que reconheceriam no acolhimento de um ethos “liberal” sua prépria visio de mundo, longamente comprometida com as promessas do iluminismo, do individualismo ¢ do liberalismo. Ser “moderno” para esses segmentos € ser favordvel 4 experimentagdo sexual pré-conjugal, & indiferenga ética quan- to a0 género do/a parceiro/a, a nao-estanquizagéo da vida sexual nos limi- tes da vida conjugal, a exploragio das muiltiplas vias do prazer sensorial para além do comibio reprodutivo estrito; é ainda considerar os processos da re- 20 producio como desentranhados da moralidade interna do casal heterosse- xual e subordinar a gestacao de novos seres humanos ao desejo, liberdade ¢ conveniéncia de seus pais/genitores (cf. Duarte, 2004). As posigées opostas, “cradicionais”, sao associadas a0 constrangimento as liberdades individuais © A igualdade de afirmacao da diversidade e — portanto -, de um modo ge- ral, a0 passado, & ignorancia e 4 hereronomia. Embora possa haver mesmo nesses segmentos considerdvel dissensio em relacéo a0 teino absoluto des- ses valores,? 0 privilégio aos princfpios cosmolégicos que procurei resumir, em outro texto, como os do “subjetivismo” e do “naturalismo”, tende a ser hegeménico (cf. Duarte et al., 2006). Na medida em que esses segmentos tendem a dispor de recursos muito fortes de difusdo de sua visio de mundo, eles demarcaram ¢ continuam a demarcat a fronteira do que se pode consi derar como a “vanguarda” da liberdade e da igualdade na cultura ocidental desde o inicio de sua fase dita justamente “moderna”. Essa posi¢ao nunca afastou totalmente a legitimidade das posigdes re- sistentes, defensoras da subordinacao da liberdade individual a convengoes de ordem superior, coletiva ou cosmologicamente definidas. As igrejas cris- tds mantiveram-se como baluartes mais ou menos nitidos ¢ explicitos dessa resisténcia — com énfases diferenciadas em cada foco ao longo de sua histé- ria." O confronto entre a disposigao “liberal” e a disposi¢ao “moral” nun- ca foi homogéneo nas sociedades ocidentais. Cada sociedade nacional, ca- da classe social, cada grupo dominante, cada segmento de status, cada igre- ja hegeménica estabeleceram marcas ¢ fronteiras significativas pata 0 jogo entre esses valores — propiciando uma histéria intensa, variada e inquietante para ambos os lados. Para as elites e para os segmentos letrados das camadas médias essa oposigao etoldgica sempre foi muito titil e significativa, servin- do frequentemente para construir as identidades embleméticas de suas muil- tiplas fragdes em confrontos localizados. Para as classes populares brasileiras esse confronto no se apresenta com as mesmas tintas, embaralhando-se consideravelmente a nitidez da oposi¢ao canénica ¢ hegeménica, Com efeito, as condigées culturais e préticas em Hi, pelo menos, sempre pulsante, o tema da vontade de outrem em jogo na dimensio relacional diddica dessas praticas — inclusive a do mais basico reconhecimento ou nao dessa alteridade, como 1no caso do abort. Crapanzano (2000) descreve minuciosamente o sentido da categoria acusatéria de “humanismo liberal” usada pelos fundamentalistas cristaos norte-americanas. Em outros discutsos, como os da Igreja Catélica, sio também categorias de acusagio termos como “elativismo” c “subjetivismo”. 21 que se deu a reprodugao da maioria desses segmentos sempre teve muito pouco a ver com a Grande Ttadic&o do individualismo (e seus corolrios de liberalismo e naturalismo). Em trabalhos anteriores, explorei a possibilidade de utilizagao do conceito dumontiano de “hierarquia” para qualificar a con- digao social e cosmolégica desses segmentos, no contraste situacional com o “individualismo” dos segmentos letrados e dominantes (cf. Duarte, 1986). A questo sempre foi espinhosa, sendo necessério combinar uma leitura basicamente relativista e situacional do modelo dumontiano com avaliagées mais substantivas, dependendo das condig6es em que se formulavam tais diividas. No que toca ao ethos privado, busquei descrever o modo pelo qual a sexualidade — por exemplo — encontrava-se quase ubiquamente subordina- da 4 moralidade, nesses segmentos; 0 que afastaria seu sistema de valores do supostamente prevalecente nos segmentos permeados pela ideologia do in- dividualismo (cf. Duarte, 1987 — e, para perspectivas criticas dessa posicao, Salem, 2006, e Dullo, 2008). Como previa em meus trabalhos dos anos 1980, o sistema manteve-se continuadamente tensionado pelas influéncias decorrentes da convivéncia complexa com as formas hegeménicas, através de multiplos fios, nem sem- pre coerentes ¢ nunca sistemdticos. Na auséncia de um sistema escolar se- melhante ao das sociedades metropolitanas, dedicado mais universal e orga- nicamente a difusdo de valores “modernos”, a relativa permeacio axiolégica deu-se pelo caminho dos meios de comunicagio de massa, do acesso ao tra- balho assalariado formal, da experiéncia da militancia sindical e politica e — mais recentemente — de algumas formas de participacio na vida congrega- cional evangélica. De qualquer forma, o que me interessa aqui — como sempre interessou, alids — € menos a etiqueta do “individualismo” aposta a tal ou qual segmen- 10, valor ou comportamento ¢ mais o que se pode compreender das diferen- gas circunvagantes, de sua dinamica e sentido — a partir de focos e tépicos que se tem de reconhecer, no entanto, historicamente atrelados & histéria dos valores ocidentais e de sua disseminagao ou hegemonia. E necessirio, assim, atravessar continuamente as referéncias a esse horizonte complexo € > Oconceito de “relacionalismo” proposto porJ. Robbins (2004) para as socialidades melanésias (numa teflesio critica sobre o rendimento analitico do par conceitual de L. Dumont em situagoes distintas daquelas que suscitaram sua proposta original) tem certa proximidade coma maneira como busquei cempregar e justificar 0 de um qualificado “holismo” para esses segmentos das sociedades ocidentais modernas (particularmente a brasileira). 22 contraditdrio de valores para compreender situagdes empfticas que nao cor- respondem jamais a meros avatares de suas macroconfiguragées. 3. A tentativa de compreender essas tensdes num patamar mais abrangente fandamenta-se no reconhecimento de que esse universo s6 faz sentido como trama de “relacionalidade”, a partir de um dinamico entranhamento em or- dens de valor complexas e eventualmente contraditérias. A relacionalidade se ativa, porém — dada a crescente complexidade das trajetérias e das opcies de ethos -, segundo linhas de “conjungio” e “disjuncio” (cf, Radcliffe-Brown, 1968) em constante movimento. A mudanga generalizada comporta um permanente potencial de “de- sentranhamento” (cf. Polanyi, 1980; Dumont, 1985) e seu aspecto mais vi- sfvel é a entrada dos valores numa espécie de “mercado”, de suspensao re- lativa de seu cardter a priori (moralmente determinado) e de énfase em seu modo de “escolha” (0 “subjetivismo” jd citado). E sé em tais condigées ideo- légicas que se pode conceber uma dinamica de transformagies e diferencia- Ges integrada e abrangente nas sociedades complexas, através do tema do confronto instituinte (que se nutre certamente de uma dimensio de “iden- tidade contrastiva” — tal como procutei distinguir de outras acepgdes de “identidade” em Duarte, 198Gb): os avangos do desentranhamento acarre- tam uma continua elaboragdo do reentranhamento ou do antidesentranha- mento (ainda que em diregGes insuspeitadas). Que se deixe mais claro: toda relacionalidade depende de algum tipo de compartilhamento axiolégico, ou seja, de algum tipo de entranhamento em uma ordem de valores, mas a relacionalidade e a ordem de valores mantém entre si uma relativa autonomia, de tal modo que uma mesma trama relacio- nal pode abrigar ou passar a abrigar diferentes configuragGes de valor, assim como uma mesma configuracao de valores (ou um seu “grupo de transfor- magées”) pode estar atrelada ou justificar diferentes redes ou tramas relacio- nais. Isso é valido para todos os tipos de socialidade humana; mas se torna provavelmente mais nitido e generalizado. nas sociedades de grande escala de mais complexa dinamica morfolégica. No caso etnogréfico em questo, trata-se de compreender um feixe de ordens relacionais e um conjunto de posigées em relacgao aos valores como um “sistema de transformagées integrado”. Esse sistema nao é univoco nem harmonioso, muito pelo contrério, descrevo-o justamente como “tensio- nal”, inclusive em funcao da nao-justaposicéo entre as ordens ¢ dinamicas 23 societdrias ¢ cosmoldgicas.‘ E nesse sentido que se busca retornar ao conceito batesoniano de “cismogénese”, a partir de uma estimulante proposta recente de Tania Salem (2006) para a compreensio de aspectos do ethos de segmentos populares da sociedade brasileira. O proprio G. Bateson especulara, no texto original ¢ nos “Epflogos” ao Naven, sobre diversas possibilidades de aplicagao de seu conceito a outras situagGes sociais que nao a do ritual latmul, inclusive nas formagGes sociais modernas, complexas, liberais ou desentranhadas. A cismogénese é descrita por Bateson como “um processo de diferen- ciagio nas normas de comportamento individual resultante das interagdes cumulativas entre os individuos” (Bateson, 1958, p. 175) ou como um “es- tudo das reagies dos individuos as reagies de outros individuos? (ibidem, p. 175; grifo do original). Hi diversas precis6es do conceito — cruciais para o presente argumento. A primeira € a de que se trata de uma “dindmica” social (cultural e soci téria), ou seja, de uma dimensio de movimento, transformagao ¢ — even- tualmente — de mudanga sistémica. A segunda é a de que esse processo de diferenciacao tem limites ou encontra oposigdes que impedem, o mais fre~ quentemente, a cisdo societéria: “nos casos em que os dois grupos se man- rém em equilibrio dinamico, as tendéncias & cismogénese sdo adequada- mente limitadas ou contrariadas por outros processos sociais...” (ibidem, p. 186). Bateson se refere a “fatores” intervenientes exercendo uma agio com- pensatéria sobre a “curva exponencial” do processo (189). A terceira é a de que a cismogénese pode ser de dois tipos (pp. 176 e 269). O primeiro, cha- mado de “complementar” (ou “direto”), funciona entre posiges oponentes marcadas por um valor diferencial (0 que as torna aproximaveis do “mode- lo hierrquico” dumontiano);’ 0 segundo, chamado de “simétrico” (ou “dia gonal”), funciona entre posigdes que se enfrentam de modo mtituo (0 que as torna aproximaveis do modo “individualista” das oposiges dumontianas). Creio que se possa sublinhar ainda — como uma quatta precisio, embora se- ja, na verdade, um pressuposto — a de que tal processo se dé a partir de uma situago de “interesse comum e dependéncia miitua” ou de um “ambiente cultural” comum (que o autor qualifica também como “énfase emocional”) (pp. 182-3). Chama significativamente a isso de “presenga de um puiblico” Pode-se evocar aqui a sempre inspiradora imagem de Lévi-Strauss (1973, pp_ XX, x11) da experiéncia simbélica humana como um conjunto de sistemas incomensuréveis ou irredutiveis entre si, deixando ‘margem para o deslisamento e 2 alocagao diferencial de sentido — o “significance @ucuante” 7 Bateson chegou a associar a cismogénese & “dialética hegeliana” (1958, p. 266). 24 (p. 177 — “presence of an audience”, no original), em fungo de sua atuali- zacio no proceso amplamente visivel e compartilhado de um ritual — mas num uso pouco habitual desse termo para uma situagio “tribal”. Tsso nos leva a suas primeiras tentativas de aplicacao do esquema da cis- moggnese a outros contextos sociais, caracterfsticos das “sociedades euro- peias”: as relagoes entre os membros de um casal; a relagao mae-filho; a dind- mica interior de individuos neurdticos ¢ psicéticos (p. 179 ss.); os conflitos internacionais ou a luta de classes (p. 186). Bateson ocupa-se explicitamen- te em discutir as aproximagées e diferengas entre a sociedade Iatmul e as so- ciedades da Europa do ponto de vista dos processos cismogenkticos (p. 270) e como os dois tipos de cismogénese podem ser percebidos como “dualis- mos” por cada tipo de sociedade (p. 272). Os mesmos processos podem ser vistos como “complementares” ou como “simétricos”, dependendo do pon- to de vista e da situagao dos agentes em cada sociedade. R. Wagner (1981) fez referéncia e uso explicitos do conceito de cismo- génese de Bateson, no contexto da demonstracio da “natureza dialética do pensamento e da ago nas sociedades tribais” (ibidem, p. 117). Aproximou, assim, esse conceito do polo da “diferenciagao” (ou “dialético”), em oposi- cao ao da “convencionalizagéo” (ou “histérico”) — esquema analitico central do Invention of Culture. Sublinhou, como Bateson, a ideia de que se trata de “atos de diferenciagao consciente contra o pano de fundo de uma comum similaridade” (p. 118) — embora “diferenciagdo” tena em Wagner um sen- tido muito mais ambicioso e sistémico. Em contraposi¢ao a sua proposta mais geral de que a dinamica entre “dialético” e “convencional” se inverte linearmente na passagem para a “ci lizacdo urbana” (p. 123), Wagner sugere que a “histéria” ocidental também contém uma “dialética” micro, subjacente as grandes ordens da “conven- cao”, sobretudo ao longo do capitulo v do livro citado. E particularmente interessante para 0 meu argumento o fato de que ele associa, para certos fins analiticos, a caracteristica “diferenciacao” das sociedades tribais aos segmen- tos subordinados (nao “classe média”) das sociedades marcadas pela hege- monia da “convencionalizagao” — 0 que certamente inclui o que se esta cha- mando aqui de “classes” ou “camadas populares”. “By inventing the relations of everyday and ritual activities against one another, they [tribal people] councerinvest the totality, the conceptual frame of reference, that includes both of them” (Wagner, 1981, p. 121- grifo do original). © “Life as inventive sequence has a particular character, a certain quality of brilliance thar beggars comparison with our busy busy world of responsibility and performance. It is this, not ‘nutrition’ 25 Tania Salem (2006) empreende uma reapropriagéo mais recente do conceito de cismogénese, que assim descreve: proceso da cismogénese tem sua singularidade no fato de desenvolyer-se por rea- Ges e alimentagdes muituas: a acéo de A desencadeia uma resposta em B que, por sua vez, desencadeia uma reacio ainda mais radical de A c assim sucessivamente (p. 432) Explora, em seguida, as possibilidades heuristicas de seu uso para a compreensio do que chama de “desencontro”, recorrentemente descrito nas etnografias, entre homens ¢ mulheres das classes populares. Isso lhe permi- te, em didlogo critico com o “paradigma holistico” circulante na literatura a respeito das diferengas de pessoa ¢ género nesse meio social, descrever, final- mente, “os homens de classe popular como simultaneamente hierarquicos e individuados na relacdo com as parceiras eleitas, e como hierdrquicos e rela- cionais com respeito as mies” (p. 438). O argumento repousa numa correla- do entre a “cismogénese complementar” batesoniana e a nocio dumontia- na de “hierarquia”, para entender o que chamou de “tensfo estrutural entre géneros” (p. 443; particularmente as notas 19 e 20). Minha disposi¢ao em seguir essa trilha de apropriagdes do conceito de cismogénese funda-se na hipétese de que talvez se possa perceber em a¢io uma dindmica cismogenética em todos os niveis da experiéncia das socieda- des modernas; mas com particular énfase no campo do ethos privado ¢ da ex- periéncia religiosa nas classes populares." A peculiar mencao de Bateson a exigéncia preliminar de um “puibli- co” para o desencadeamento dessa dindmica permite esclarecer a condigéo que também presumo preliminar para a forca dessa dindmica no campo do ethos “privado” nas sociedades modernas. O que catacteriza af o problema cr ‘survival,’ that animated the long-gone camps that our archeologists study as charcoal diagrams; ic is shis, not ‘primitiveness or ‘stone-age mentality,” that make the contradictory and paradoxical encounters of ‘middle-class’ people with peasants, eribal peoples, and those of the lower class, and it is that is 'missing’ in a camp ot village denuded of its population by labor-recruiting and so on. The dullness that we find in mission schools, refugee camps, and sometimes in ‘acculeurated’ villages is symptomatic not of the absence of ‘Culture,’ bus of the absence of its very antithesis - that ‘magic,’ that very swaggering image of boldness and invention that makesculeure, precipitating its regularities by failing in some final sense to overcome them” (Wagner, 1981, p. 89 ~ grifos do original). °° Hid outras apropriagGes da cismogénese — ticeis para meu argumento ~ que nao poderio metecer adevida atengio aqui. A mais dbvia é a de M. Sablins (1997), 20 evocar o conceito de Bateson no contexto de sua discussio da “inversao da tradi¢io” como “processo de autodefinicio cultural por ‘oposi¢io complementar” entre diferentes culturas; aproximando-a da nogéo de “oposi¢ao comple- ‘mentar” em acao nas analises de Lévi-Serauss (p. 134), 26 do ethos dito “privado” é que ele é construido ¢ experimentado como “publi- co” — em oposigio a ideologia ou convensio oficial prevalecente na ordem liberal da diferenciagao entre as esferas “privada” ¢ “publica” da vida social moderna. Isso se torna tanto mais evidente quanto mais se afirma a ordem liberal. Nao se trata do argumento de que ha uma crescente “intromissio” da regulagao ou da informacéo puiblicas sobre uma outrora estabilizada or- dem privada, doméstica, pessoal, mas do argumento de que as emogées, sen- timentos e disposigées {ntimas sempre sao culturalmente construidos na in- teragdo social. Parece possfvel, no entanto, afirmar que quanto mais se afirma uma ordem construida sobre 0 modelo do “mercado”, onde os livres-contra- tantes sio — por princ{pio — livres-optantes, mais se torna vidvel experimen- tar o ethos privado sob a ética aparentemente contraditéria de uma ideologia da privacidade e de uma experiéncia da publicidade."" Essa ¢ uma caracteristica histérica bisica para a compreensio da situa- ¢4o contempordnea nas classes populares brasileiras: a abertura do mercado simbélico representada pela ruptura da hegemonia automatica do catolicis- mo impés o intenso dinamismo muito préprio a ordenagio e negociagio do ethos privado a que me referi anteriormente. Isso importa numa permanente busca de status adquirido (na verdade, “reavaliagdes funcionais” — no senti- do de M. Sahlins 1997) em detrimento do status atribuido estabilizado. Is- so pode ou nao implicar a substituigao de grupos de atribuigso por grupos de aquisigao (como na adesio a vida “congregacional” ou na “passagem” por diversas versdes desta) ou a substituiczo de grupos por redes (nas situagdes mais “individualizantes”).!” Embora os agentes sociais estejam cada vez mais as voltas com a questo da maior ‘“verdade de si” (cf. Duarte, 2005; Duarte et al., 2006; Natividade, 2008), eles esto também sempre mais conscientes de uma pletora de “opsies” de ethos dispontveis nas convencionalizagées “religiosas” ou “laicas’ concorren- tes na esfera publica nacional."® Na verdade, trata-se das duas faces da mesma © Esa contradicio é homéloga & descrita por Marx para o famoso “fetichismo da mercadoria” nas sociedades capitalistas. Acredito que seja, contrario sensu, 0 que justifica a indignagio moral expressa porM, Strathern (1992) a propésio da passagem de um mundo em que prevalece a ohoice para um mundo em que cla é uma imposigdo (o post-plural. © Para a diferensa entte individualizagio ¢ individuagdo e a proposta de um terceiro termo (“auto- afirmagao") para descrever situagbes de relativo desentranhamento da ordem original sem adocio da “ideologia do individualismo”, ver o capfculo vin de Duarte ¢ Gomes (2008). Discute-se af a proposta de Salem (2006) a esse respeito. > Nas condigdes contemportineas da vida nacional, mesmo nos contextos societérios em que essa abertura nao ¢ hegeménica (mundo rural, cidades pequenas, baitros de “malha estreita” etc.), jd se 27 moeda —até 0 advento desses preciosos momentos de catalisagfio de uma “in- tensa adesio” (a chamada “conversiio”), quando a dimensto da op¢ao desapa- rece em favor de uma “verdade” finalmente revelada/encontrada. E a partir dessa generalizacdo da condicao “publica” de definigao do ethos “privado” que se pode visualizar o que estou chamando de “tensio con- trastiva’, ou seja, a tendéncia & polarizacao escalar entre as diversas “opgdes” disponiveis. A cada passo no processo de complexificacao ou diversificacao das posigées corresponde um reartanjo das demais concorrentes, numa per- manente reagao em cadeia de contrastes e confrontos. Essa cismogénese ocorre permanentemente em dois niveis, concomi- tantes ¢ igualmente pertinentes para meu argumento: o nivel institucional, mais macro (sobretudo religioso ou eclesial), ¢ 0 nivel ético, micro (com- portamental-identitdrio). E sé em fungio do fato de que as opgdes abstratas de ethos se objetivam em instituigdes concretas que as abrigam que o fend- meno pode ocorrer. E vice-versa — j4 que nao emergiriam ou sobreviveriam instituigdes a que ndo correspondessem disposicées subjetivas solidérias com suas propostas. Constréi-se assim um infindavel leque de posigdes possiveis ¢ reais, em permanente reago contrastiva, situacional (no sentido de E. E. Evans-Prit- chard) — atualmente registrada por numerosas pesquisas sobre familia, repro- dugio, sexualidade ¢ teligiio. Embora 0 nticleo desencadeador original do processo atual parega estar localizado no segmento neopentecostal do cam- po, ele préprio foi sendo englobado por uma dinamica maior, que envolve as igrejas protestantes hist6ricas, 0 catolicismo e as religiosidades espiritas ¢ afro- brasileiras. Essa dindmica cismogenética generalizada é continuamente compen- sada (no sentido em que Bateson pensou originalmente esse proceso) por duas outras, concomitantes: a primeira é uma dinamica de agregacao cole- tiva, a que o formato da “congregacdo” evangélica empresta sua mais nitida expresso." A relacionalidade é af continuamente reconstitufda (“reavaliada encontram presentes disponiveis muitos dos dlesenvolvimentos decorrentes da abertura mettopo- litana (televisio c internet, eg). Como tenho ressaltado, ¢ uma notével novidade no panorama religioso brasileiro a generalizacio da cexperiéncia da “congrega¢io” protestante (Duarte, 2006a ¢ 2008). Embora os sentimentos de comu- nfo, reveréncia ¢ intensidade ~ de cuja crucialidade para a experiéncia “eligiosa’tratei em outro trabalho (Duarte, 2006b) — possam prescindir de um invélucro societério coletivo ow in pata cettos tipos de construcdo da pessoa, esse certamente nao € 0 caso para as classes populares, fortemente ancoradas na experiéncia originaria de redes densas, de malha estreita. 28 fancionalmente”) por novos processos de identificagio, adesio e pertenci- mento — constituidos sob a égide da ideia de “restauragio” ou “cura”. E frequente o uso do qualificativo “renovada” (ou outras variagées da ideia do “novo”) para as instituiges mais tipicamente enoveladas nesse proces- so, uma vez que 0 contexto geral é de transformacao e desentranhamen- to para os figis: 0 cldssico “rebirth” protestante descrito por M. Weber e W. James. As demais “religides” tm acolhido processos de transformagio in- ternos mais ou menos intensos ou vistveis, em que prevalecem nogées ho- mélogas de “reavivamento”, intensificagio ou regeneracio. Os mais notérios so os da emergéncia carismética no interior da Igreja Catélica ¢ 0s de uma “purificagéo” antissinerética nos cultos afro-brasileiros.'* A outra dinamica éada “seita’, tal como definida por M. Weber, ou seja, a de que a exigéncia de “congregaciio” de sujeitos irmanados numa mesma orientago espiritual c ética — oriunda de uma relagdo direta com a divindade — impoe uma cons- tante fiss4o dos grupos religiosos, ensejando uma ampliagao permanente do leque de op¢Ges institucionais & disposigdo dos sujeitos. A disposigao para a agregacao coletiva encontra assim canais a0 mesmo tempo mais numerosos mais variados, produzindo uma densa trama social na qual circulam (em extensio ¢ em intensidade) os sujeitos em permanente busca (cf. a nogao de “subjetivismo” jf mencionada). 4, Os processos cismogenéticos referidos axiam-se prioritariamente sobre um conjunto j4 mencionado de focos ou marcas diacriticas do ethos priva- do popular. Esses focos raramente se apresentam separados entre si, embora nem todos tenham a mesma crucialidade em cada caso. Antes enovelam-se em configuragées etnogréficas miiltiplas e cambiantes. ‘A primeira configuragio a ressaltar justamente aquela sobre a qual se constituiu a andlise de Tania Salem: a da diferenciacao do ethos privado no tocante aos comportamentos de género (2007). Ela reviu os miiltiplos tes- temunhos etnogrificos da dissociacéo das expectativas masculinas e femini- nas no que toca & conjugalidade entre as classes populares (0 que chamou de “tensio estrutural entre géneros”). Utilizou, porém, privilegiadamente, o 5 A literarura sobre os carisméticos catdicos é jé bastante ampla e atualizada para que convenha res- saltar aqui alguma bibliografa expecta. Sobre a relago enute os deseavolvimentos pentecostas ¢ ‘0 mundo religioso afro-brasileiro (particularmente desafiado por aqueles) pode-se descacar a densa eenografia do caso baiano em Reinhardt (2007). H14 noticia etnogrifica em Natividade (2008) de uma igreja carismética de confissio ortodoxa no Brasil 29 material qualitativo da pesquisa Gravad/ims/Uerj (cf. Heilborn et al, 2006), sobre o qual jé publicara uma anilise anterior (Salem, 2004). Temos af em jogo fundamentalmente a externalidade ¢ “safadeza” masculina ¢ a perma- néncia ¢ contengao feminina doméstica (como na chamada “matrifocalida- de”). A andlise de Salem me interessa aqui menos pela riqueza de sua argu- mentacao interna do que por seu cardter de revisdo etnogréfica da temdtica do “agonismo dialético” como processo cismogenético entre 0 ethos popu- lar masculino e feminino. FE particularmente util a maneira como observou 08 processos de contrapeso & oposicao (ligados & relagdo hierarquica entre os géneros) e como deslocou o foco da relacio entre os géneros no neocasal pa- taa diade mae/filho homem (sobretudo primogénito).!6 Esse tiltimo deslocamento permite compreender melhor muitos dos complexos movimentos que agitam as redes familiares no rocante adesio € pertencimento religiosos diferenciais. O caso da familia Campos tratado em Duarte ¢ Gomes (2008) & muito expressivo das multiplas formas que adquire o desafio do “pluralismo religioso” intrafamiliar, do ponto de vista — por exemplo — da relacao privilegiada que as noras acabam por estabele- cer com suas sogras (por intermédio justamente do vinculo privilegiado en- tre mae e filho). A mesma dindmica de tensio contrastiva intrafamiliar é a que pode vir a opor os diferentes membros das fratrias, num processo bastante caracte- ristico da cismogénese “complementar”, j4 que as fratrias sao caracterizadas por uma complexa ordenagio hierdrquica, demarcada pela diferenca entre 08 géneros, a relacao entre os membros de cada género e cada um dos pais (relagdes same-gender ou cross-gender; com algumas das implicagGes aponta- das em Strathern, 1988) e pela ordem do nascimento. A familia Costa (em Duarte ¢ Gomes, 2008) expressa de maneira paradigmética esse processo, através da recente conversio pentecostal do irmfo mais novo e socialmente mais fraco de uma dfade fraterna nascida na década de 1920 — em franca oposi¢o ao carolicismo da fam{lia de origem ¢ da linhagem do irmao pri- mogénito (cuja adesio religiosa se reforca, a partir daf, de maneira ostensiva e desafiadora). As “justificagoes” cosmolégicas (cf., para 0 uso dessa locugao, Duarte et al, 2006) que sustentam as oposigGes tipicas entre os “pentecostais” (ape- © Outros teabalhos iluminaram aspectos mais espectficos desse rico material de pesquisa, além dos gue esto contidos no volume organizado por M. L. Heilborn (2006): Rohden (2005), para a sua relacio com a religido, e Leal (2005) para a disposicSo a priticas extragenitais, 30 sar de suas diferenciagbes internas) e os nao-pentecostais sao indissocidveis da representagio de um mundo em que a mudanga generalizada se move na direcdo de uma tensao contrastiva crescente ¢ inevitdvel. Esse € 0 sen- tido da “batalha spiritual” que anima todo 0 empreendimento pentecos- tal: uma continua luta entre o Espirito Santo e as forsas do mal, no campo conflagrado das vidas humanas. Essa nogéo muito concreta, palpével, in- corporada do mal permite jufzos diacrfticos constantes ¢ onipresentes, so- bre o mais institucional e abrangente (como uma politica de Estado ou um estilo de informacio mediatica) ou sobre o mais pessoal ¢ afetivo (como a gestio das relages intra-familiares ou a atualizagao do comportamento se- xual). Mas permite também que essas avaliagGes situacionais ¢ dinamicas ‘o de uma grande tensdo contrastiva: entre os que estio em Cristo ¢ os que nao esto. Um estilo caracteristicamente belicoso tor- na-se assim inevitavel. Una idéntica légica agonistica radical prevalece num campo aparen- temente antipoda: o das quadrilhas associadas ao narcotréfico imersas nos bairros periféricos das metrépoles brasileiras. Parece dbvio que atividades criminosas coletivas assumam esse carter € esse tom guerreiro dualista (nés x eles, os inimigos — chamadbos significativamente, no caso, de “alemaes”), como caracteristica de toda contraposisao politica radical. Provavelmen- te se daria deste modo, se ndo houvesse implicagdes de um ethos “ptiblico” na dimensdo “privada” do comportamento de seus membros — pelo menos em frag6es importantes de sua enorme extensio ¢ variedade na trama so- cial urbana brasileira. A participagao nesses “partidos” guerreiros (os “mo- vimentos”) exige uma intensidade de adesio ¢ pertencimento equivalente a de uma “converséo” — com a incorporacao de disposiges morais espect- ficas em telagéo ao géneto ¢ a sexualidade (com suas reverberagbes sobre familia e conjugalidade) (cf. Piccolo, 2006, para dados muito reveladores dessa dimensao). C. Teixeira (2008) apresenta um material preciso — apesar de seu caré- ter preliminar — sobre a relagio entre 0 agonismo prevalecente nesse contexto € 0 agonismo religioso pentecostal, ao estudar a figura social dos “ex-bandi dos”. A existéncia de pontes regulares, de pontos de passagem institucionali- zados, de uma dimensio para a outra (praticamente inexisrentes nas demais religides) permite perceber, em reveladora acio, essa “unidade na dualidade” (cf. Radcliffe-Brown, 1973) ou essa base comum a que se referia Bateson, a partir da qual se pode desencadear um processo cismogenético. Assim como flutuem no aml 31 a presenga dos mecanismos de contrapeso e “tesolugao” nas carreiras crimi- nosas ¢ religiosas em questao. Homélogo processo se pode detectar nas relagGes intensas e apaixona- das que presidem & cismogénese entre a tradicional avers4o pentecostal aos comportamentos homoeréticos ¢ o conjunto muito heteréclito ¢ flutuante dos que se consideram “nfo-heterossexuais” (para economizar a complexa problemitica “nativa” e erudita das possiveis subdivisoes dessa categoria). A figura dos “ex-homossexuais” descrita por Natividade (2008) se consti- tui de modo muito semelhante & dos “ex-bandidos” de Teixeira. Em ambos os casos, uma exaustiva “batalha espiritual” (na leitura de um dos polos) ou “sofrimento”, “mal-estar” e “conflito intimo” (no outro) acaba por fazer pre- valecer uma das solugées possiveis para 0 dilema e o dilaceramento. O caso da homossexualidade, por dispor de formulacées ideoldgicas de defesa ex- plicitas, ptiblicas ¢ institucionalizadas, indissocidveis da configurac4o “mo- derna” do ethos privado em geral, apresenta uma complexidade dinamica muito maior ~ é claro. O trabalho citado de Natividade é de grande riqueza pata a compreensao do agonismo dialético em agao no tocante & sexualida- de. Para muitos dos personagens de sua pesquisa, homens jovens de origem popular (moradores da zona norte e subtirbios do Rio de Janeiro), apresen- ta-se uma sofrida tensio entre o ethos de contengao sexual (e de conformida- de as convengGes “heterossexistas” de género e sexualidade) das denomina- Ses e congregagdes evangélicas € 0 ethos de fruicao sexual individualizante da ordem liberal metropolitana. E muito marcante a experiéncia do acesso a redes de malha frouxa e condigées de anonimato, por oposigio & tipica- mente estreita malha de familia e localidade (reduplicada em outra frequén- cia pela da congregagio). As narrativas das trajetérias esto repletas de he- sitag6es, ambivaléncias e passagens entre os dois polos — majoritariamente vivenciados como contrastivos e incompativeis entre si. Obedecendo, porém, & légica da fisso e contrastividade sectaria, emer- gem hoje —e a etnografia de Natividade cobre também esta alternativa — as chamadas “igrejas inclusivas”, voltadas para a constituigdo de congregagoes (eventualmente sustentadas por uma “teologia” especifica) frequentaveis por “ndio-heterossexuais”, em condigées mais ou menos hegeménicas. A cismogé- nese de ethos privado volta, porém, a prevalecer em outros niveis, ao se pro- curar distinguir — por exemplo —, entre os “gays evangélicos”, aqueles que se dispdem a exercer essa condicéo em regimes de contengao corporal e conju- galidade estavel e os que nao se dispdem a tanto. Uma nova fronteira para 0 32 | | i | mal se levanta assim, garantindo — em retorno — uma certa “respeitabilidade” eclesial no campo, conflagrado em torno desse foco. Se 0 exemplo da “homossexualidade” apresenta essa propriedade de se segmentar contrastivamente do lado interno as religides (pentecostais, no caso), 0 caso oposto se dé no tocante ao foco do aborto. Aqui, ocorre uma segmentagao do lado interno do polo laico, liberal. Ainda que com uma ar- gumentacao diferente, este nao se apresenta como uniformemente favorével a sua pritica, como garantia da liberdade ¢ autonomia dos cidadaos em ge- ral, mas — particularmente — das cidadas. Hé juristas, cientistas ou outros te- presentantes do establishment liberal (mesmo que nao sejam “privadamen- te” religiosos) que se antepdem a essa pratica em nome do valor da “vida”, apresentado como laico ¢ universal (para uma discussio de valores “laicos” equivalentes a “religiosos”, ver Duarte et al., 2006). Os dois exemplos nos permitem ver como a cismogénese pode se com- plexificar ou bifurcar internamente, de tal modo que o resultado mais geral, estatistico, das posigoes possa — eventualmente — nio corresponder a uma contradicao entre “metades” numéricas, mas apresentar distribuigées mais heterogéneas. Esse efeito de superposicéo de posic6es contrérias ou favord- veis por fundamentagées diversas se encontra bem expresso nos casos que chegam a se apresentar & decisio parlamentar, como se descreve mais minu- ciosamente em Duarte et al, (no prelo), a respeito do aborto, da parceria civil, da cutandsia ¢ do planejamento familiar. Além de numerosos exemplos da dinamica cismogenética no ambito das classes populares ¢ seus sistemas de valores, poder-se-ia citar diversas si- tages que extrapolam esse ambito ou se desenvolvem mesmo mais clara- mente em outras faces de uma sociedade nacional complexa como a bra- sileira — apenas A guisa de exemplo, j4 que estou procurando me restringir aqui & capacidade explicativa do modelo da cismogenese para a dintimica do ethos privado ¢ das religides naquele primeiro ¢ mais preciso ambito. Seria muito produtivo reler, assim, 0 modelo apresentado por Maria Luiza Heilborn (2004) para as experiéncias diferenciais da conjugalidade entre homossexuais masculinos ¢ femininos de classe média & luz da andlise de Salem, jé evocada, sobre a cismogénese entre os géneros nas classes popu- lares. Também af, afinal, apesar da presenga preeminente do valor igualitério do “individuo”, acaba por se acentuar uma nitida bifurcago comportamen- tal, com a adogao mais generalizada de uma resistencia & relagdo “doméstica” 33 na via masculina e de uma adesao a relagdo “doméstica” (ou propriamente “conjugal”) na via feminina..” Um caso extremamente interessante de combinagao de disposigées éti- cas & primeira vista antagnicas, com vistas & evitagao da cismogénese den- tro do casal, é 0 que descreveu Olivia Von der Weid (2008) a propésito de experiéncias de swing. O que ela veio a chamar de “adultério consentido” (ceguindo a expresso de um informante) servia conscientemente ~ ¢ entre outros fatores, € claro — como uma maneira de permitir a adequacao entre um estilo mais “moderno” ¢ “liberal” de praticas sexuais e contratos conju- gais bastante convencionais sob outros angulos. A informacao disponivel so- bre o perfil social dese segmento cra a de pessoas em processo de ascensio social transgeracional recente, em que se evitava a disjungio do casal devida 2 crescente “individualizagéo” com a adogao de uma forma de “conjungi0” bastante desviante em relagao a0 modelo de relacao entre membros de casais heterossexuais “‘tradicionais”. Muito da complexidade do destino concreto das oposigdes mais gerais de ethos nas sociedades modernas pode ser attibuido & nao-linearidade da convivéncia entre os princfpios cosmolégicos do “subjetivismo” e do “natu- ralismo”, Isso se verifica em seu grau maximo a propésito do aborto, em que se opdem o “subjetivismo” da vontade e liberdade feminina e o “naturalis- mo” da defesa da vida humana supostamente contida nos embrides e fetos. Mas também esté presente nos embates entre os partidérios religiosos das terapias de “cura” da homossexualidade e os defensores da liberdade de ex- periéncia e expresso homossexual. Em ambos os lados, encontram-se evo- cados argumentos (subjetivistas) relativos a liberdade de “orientagao” sexual € argumentos (naturalistas) relativos ao carter inato da disposiga0 homos- sexual ou da cortelacdo linear e polar entre género ¢ sexualidade — como bem demonstra Natividade. Esse consenso a respeito das bases da dissensio também se encontra na raiz das hesitagées e ambivaléncias dos informan- tes da pesquisa de Naara Luna (2005 e 2006; e.g.) sobre a “reprodusio as- sistida” ou “artificial”: os informantes atualizam concomitante ou comple- mentarmente representagoes relativas & liberdade subjetiva de optar por tais métodos de reproducao (em oposi¢ao aos ditames oficiais de sua religiao, por exemplo) e representacées sobre a continuidade “natural” implicada na ¥ Isso permitiria, por sua vez, retornar as classes populares ¢ compreender a forca do apelo a uma “conjugalidade” homossexual no interior das “igrejas inclusivas” — em fungo da orientagio mais relacional ou hicrérquica original de sua clientela (cf, Natividade, 2008). 34 transmissio do sangue e dos genes. A “naturalidade” do fim pode assim en- globar a “artificialidade” ou “subjetivismo” dos meios; tanto quanto o “sub- jetivismo” do fim (a vontade de procriagéo) pode englobar a “naturalidade” dos meios (0 uso de materiais reprodutivos préprios ou auténticos). 5. Privilegiou-se em minha pesquisa a experiéncia direta dos sujeitos em detrimento das dinamicas institucionais. Essas dimens6es so, no entan- to, insepardveis. E as mesmas disposigdes cismogenéticas que se avolumam na membresia das igrejas (ou fora delas) atuam no interior das instituigdes, através das relacdes com as forcas concorrentes, laicas ou religiosas. A histé- ria das igrejas cristas € um continuo testemunho dessa dinamica, através de ortodoxias, heresias, cismas, reformas, aggiornamentos € reavivamentos: O ponto crucial tem sido, aqui, nas tiltimas décadas a expansio do neopente- costalismo e de seus desafios a todo 0 campo religioso nacional. Cada um dos focos criticos citados do ethos privado popular é objeto de posicionamentos das distintas agéncias religiosas (e de seus contendores), em- bora esses posicionamentos possam ser eventualmente ambiguos (em fungao de sua preteri¢go por outros critérios mais englobantes). Um caso interessante €0 do aborto, que é— certamente— 0 que mais acumula posigées de resistén- cia, No entanto, a Turd (Igreja Universal do Reino de Deus), com toda a forea simbélica de que se reveste hoje no campo, no 0 toma como ponto doutri- natio prioritério — preferindo subordind-lo ao tema, caracterfstico da Teolo- gia da Prosperidade, da vida em “abundancia” (cf. Gomes, no prelo). De um modo geral, no entanto, pode-se considerar que as igrejas firmam suas posi- Ges por contraste com a agenda laica, liberal, individualista. Podem mesmo chegar a reconstruir sua histéria doutrindria para justificar posig&es tomadas reativamente A “modernidade’” através do recurso a outros nédulos dos sabe- res cientificos hoje hegeménicos. O uso anacrdnico de argumentos biolégicos pela Igreja Catélica contra a prética do aborto é exemplar. Mas ha muitas outras formulas de complexificagéo do antagonismo li- neat entre © bloco religioso ¢ o “humanisca liberal”. O que se pode observar fundamentalmente é a agéo da velha regra tio lapidarmente enunciada por C. Lévi-Strauss como fundamento da ordem simbélica: 0 importante é po- der opor. E opor, aqui, nao apenas nos niveis ideolégicos, doutrindtios, teo- légicos, mas sobretudo administrativos, pastorais, missiondrios, estratégicos para a sobrevivéncia ¢ expansio das agéncias eclesiais ou sectdrias. 83 E nesse sentido que se pode possivelmente distinguir operacionalmen- te algumas dimensdes criticas para o processo cismogenético interinstitucio- nal, com implicagées para o ethos privado dos figis — por mais que estejam imbricadas na dinamica social imediata. A primeira é a da “congregacéo”, ja mencionada, em suas exigéncias de fidelidade continuada e de controle comportamental rigoroso — o que impde uma dinamica muito peculiar & vi- da moral da membresia. A segunda é a da “incorporagéo” (embodiment), ou seja, 0 comprome- timento corporal intenso ¢ radical — tradicionalmente descrito sob as cate- gorias do “transe”, da “possessio” ou dos “estados alterados de consciéncia” — to notavelmente cultivado, dentro de moldes peculiares, nos pentecos- talismos. Essa dimensao reverberou para diversos tipos de “reavivamentos”, seja no campo protestante, seja no ambito da Igreja Catélica (com os movi- mentos chamados de “carismaticos”). A terceira éa da “batalha espiritual” e sua nogéo concreta, palpavel, de um mal ativo nas coisas humanas, sobre cujas cruciais implicagdes j4 me detive an- tes, Essa nogdo de um ente maligno exdgeno, permanentemente desafiador, que tem o poder de intervir no ambiente humano a cada momento, ¢ indis- socidvel das dimensdes da “mundanidade” ¢ do “rigorismo” que também ca- racterizam essa cosmovisio. Com efeito, o cendrio da “salvagao” nesse contex- to nao é transcendente nem pura ou privilegiadamente “espiritual”, Trata-se de obter alivio ou solugao para as aflig6es terrenas, mundanas, corporal e sen- sorialmente vivenciadas. Donde essa particular énfase no comportamento pti- blico estrito e controlado em detrimento de especulagGes ou estratégias espiri- tuais relativas & “fe” ou A “graca”, ou de elaboracées particularmente intensas sobre a “consciéncia” ou a “culpa”. A tiltima dimensfo a ressaltar éa da “plasticidade” intrinseca ¢ continua- da, que tem permitido sobretudo aos “neopentecostais” construir-se através da incorporacao de elementos absorvidos dos “inimigos” terrenos, relidos ¢ englobados pelas dimensdes mais estruturais anteriores (cf., para avalia- Ges mais gerais, Gomes, 2004, ¢ Reinhardt, 2007). Esta é uma caracteris- tica que reforca particularmente o estado agonistico do campo, ao enfatizar de modo muito intenso e imediato a “dualidade na unidade” intrfnseca ao ctistianismo como um todo. Assim como se entendeu aqui a dindmica rela- tiva & homossexualidade e ao aborto, poder-se-ia abordar em mais detalhe a que envolve o desenvolvimento de procedimentos e técnicas relacionados & 36 psicologia e & psicandlise dentro do universo religioso (particularmente pro- testante; Duarte ¢ Carvalho, 2006") ou a utilizagao e dinamizacao do pro- selitismo através dos mais modernos recursos midiaticos (cf. Bonfim, 2004, para a lurd ea internet). Lembremo-nos inclusive de que a invengio de uma psicologia ou de uma psicandlise evangélicas (através de categorias como a de “cura interior’) est4 intimamente relacionada com a tensao contrastiva relativa & homossexualidade, por meio das pastorais de “cura”, ostensiva- mente hostilizadas pelos movimentos Last e pelo Conselho Federal de Psi- cologia (cf. Nascimento, 2008). As diferentes formas fenomenais assumidas ao longo do tempo pelas tens6es contrastivas institucionais impdem caracteristicas peculiares mais ge- rais a0 ethos privado de sua clientela. Trata-se, em primeiro lugar, do fato de que os valores laicos preeminentes (e, portanto, dotados de um valor para- doxalmente “religioso”) do “subjetivismo” e do “naturalismo” acabam por se aptesentar como mais constantes ¢ englobantes do que os que se apresentam como explicitamente “religiosos”. As dimensdes antes descritas permitem também um horizonte de flutuacao, alternacao ou passagem quase constante (como constata reiteradamente a literatura) entre congregagées, denomina- bes ou religides (j4 que o fendmeno nfo se restringe a uma exclusiva direcao intra-evangélica), em que a “busca” é ela prépria um “encontro”. Complexas formas de adesio ou pertencimento podem assim se constituir, na medida em que os sujeitos conectam ou desconectam suas trajetdrias vitais e suas carrei- ras religiosas. As ocorréncias pontuais de suspensio critica (como as que des creve Luna, 2006), de infrag6es garantidas pelo segredo (como as que analisa- ram Natividade e Gomes, 2006) ou as oscilagdes pendulares entre diferentes mundos sociais ¢ estilos morais (cf, Duarte et al, 2006; Nascimento, 2008) dio testemunho da inventividade ou “diferenciagao” permanentes com que as experiéncias pessoais especificas se constroem em meio a tantos dualismos, dilemas, clivagens, confrontos, oposigées ¢ tensdes. 6. Num patamar analitico de mais longo prazo, pode-se buscar associar a emergéncia de uma regular tendéncia a experiéncia da esfera publica no Ocidente na forma de uma “simetria bilateral” & ruptura da ordem hierdr- quica caracteristica do “ancien régime” ea permanente busca, af desencadea- 48 E interessante comparar esses desenvolvimentos recentes, desencadeados a partir do pentecostalismo norte-americano, com a relacio institucional da Igreja Catélica com os saberes psi, analisada em Sanchis (2004) da, de uma ordem politica aberta ao futuro. A forma democratica, com seu pressuposto liberal de uma associagao de cidadaos livres-contratantes, per- mite — de forma sistemdtica — a “flutuacao” do mercado de opgoes politicas (apesar de todos os imensos constrangimentos que sempre existiram para tal liberdade). Isso se encontra jé presente na oposicéo entre os whigs e os tories na histéria politica da Inglaterra (embora emergentes como correntes polf- ticas nos anos 1680, sé vieram a se configurar como um “dualismo partidé- rio” em 1782) e na invengio da oposigio entre os delegados de “dircita” ¢ os de “esquerda” nos Estados Gerais da Revolugao Francesa, em 1789. A per- manente tendéncia ao estreitamento do espectro das op¢ies partidérias nos EVA no dualismo simples! que tem prevalecido desde a fundagéo daquela nagdo certamente reforca a ideia de um bipartidarismo mais ou menos ofi- cial no Ocidente. E interessante sublinhar que esse dualismo quase sempre se expressa sob a forma do contraste entre os partidérios da “mudanga” (“li- berais’, reformistas, socialistas etc.) ¢ os da “estabilidade” (“conservadores”) —o que reforga meu atgumento quanto ao desafio intrinseco do imperativo de mudanga no nosso contexto cultural. Esse imperativo da mudanga é rastreével pelo menos até a Reforma pro- testante e a profunda clivagem que ela impés & cristandade ocidental, con- tra 0 pano de fundo da universitas catélica. Um imperativo de mudanga que subentendia um imperativo de opgio, de escolha, pessoal ou coletiva, cresce na esteira da ruptura do consenso social. Como € notério, a propria Refor- ma veio a teforcar esse imperativo para dentro de suas fileiras, com reivera- das oposiges se impondo entre luteranos ¢ puritanos no mundo germanico, por exemplo, ou entre anglicanos e dissenters na Gra-Bretanha. Ha alguns exemplos de tendéncia & simetria bilateral na organizacao politica em sociedades complexas outras que nao as ocidentais, mas seu es- tatuto sempre parece mais “hierdrquico” do que “simétrico” (como nos nu- merosos casos de oposicao entre uma aristocracia e uma burguesia, ou entre aristocracia de toga ¢ aristocracia de espada ou entre um partido da realeza ¢ outro da nobreza).2? Uma posstvel excegio é a da oposigio entre os “verdes” 08 “azuis” no Império Bizantino, que se originara nas competigdes esporti- © Embora o atual Partido Republicano s6 tenha se afirmado em 1860, 0 Partido Democrata jé tinha antes composto pares sucessivos de oposicdo com os Federalistas ¢ com os whig 2 LévieStrauss (1970) se aproximou, de certa forma, desta questo, ao reexaminat 0 tema das “organi- zagbes dualistas” nas sociedades tribais. O modo como ele desconstruiu a linearidade do dualismo (concéntrico ou diametral), demonstrando a preeminéncia da forma triddica, por envolver 0 centro, 38 vas do Hipédromo mas veio a expressar eventualmente tendéncias politicas conflitantes no seio daquela sociedade em diferentes momentos de sua longa e conturbada histéria. Ui elemento critico dessa configuracao cultural € 0 da emergéncia ¢ hegemonia da forma de decisdéo por maioria numérica”! e suas implicagdes para a tomada de posigées e decisdes numa coletividade. Esse que passou a set o critério principial da liberdade ¢ da democracia em todos os niveis da vida institucional moderna tem tendido a apresentar resultados notavel- mente comprobatérios da presenga de uma cismogénese simétrica, com os resultados das grandes “eleigées” politico-partidarias tendendo a depender de m{nimos percentuais diferenciais, que exigem — nos muitos casos assim previstos, justamente para garantir uma maioria “dualista” (dita “absolut”, na notéria regra da “metade + um”) ¢ nao difusa — sua efetivagio em dife- rentes “turnos” ou etapas, entremeados pela divulga¢ao universal de dados oriundos de pesquisas sobre as tendéncias de voto, que se convertem em ba- lisas orientadoras das tensdes contrastivas gerais para canais de distribuicao das opcées mais afinados em sua sistémica oposicao. Permanece, de qualquer forma, pulsante a indagacao — paralela 4 que suscita a investigacdo mais modesta deste artigo — sobre a emergéncia dessa bifurcacao da vontade coletiva, tao logo se impéem as condicdes para a he- gemonia do Estado-nagéo moderno. Pode ser que, também neste nivel ma- cro, 0 mével esteja na disjung4o mudar/permanecer, téo estruturante quanto parece se impor nesse universo ideoldgico. Aqui é inevivével lembrar-se das sugestdes de M. Sablins (1996) sobre a emergéncia de um ideal de felicidade terrena na cosmologia nativa do Ocidente (c sua tensa e complexa institu cionalizagio) ou das ligdes de C. Taylor (1997) sobre 0 ideal ocidental do melhoramento continuo da experiéncia humana. 7. O que se pode observar, tanto nos niveis mais macrossociais quanto nos mais localizados — como o das pesquisas aqui envolvidas —, é a prevaléncia de um mundo de valores e praticas cada vez mais contrastado, que recria a © eixo, como condigio mesma da socicdade em questio, é um marco da reflexao sobre assimerria, desigualdade ou hierarquia. 2 Hé uma breve referéncia de L. Dumont & emergéncia dessa forma de tomada de decisao nos con- textos intramondsticos na Idade Média, o que estaria na taiz de sua generalizagio com a expanséo extcamondstica da forma larvar de individualismo ali cultivada (1985, p. 38). 39 diferenga pela necessidade da tensio em si, pelo menos tanto quanto pelos critérios substantivos sobre os quais se baseia cada diferenciagéo. Essa nao é das menores vantagens do uso analitico do conceito de cismo- génese: e numa dindmica integrada — no nfvel intrapessoal, interpessoal e coletivo. de poder descrever processos que esto se dando — ao mesmo tempo Os processos cismogenéticos nao se desencadeiam aleatoriamente sobre o —oua partir do — tecido social. Eles colocam em cena e animam, literalmen- te, princfpios ativos da cultura, da cosmologia ou das ideologias hegeménicas que nunca se podem encarnar de maneira automética ou linear. O exemplo aqui elaborado do jogo entre “tradicional” e “moderno” ou entre “subjetivis- mo” e “naturalismo” é expressivo dessa propriedade. Parece necessdrio, a esta altura, explicitar 0 meu entendimento de uma dimensao hoje controversa sobre o funcionamento da vida social e simbé- ica. Nao posso compreendé-lo sem sublinhar o cardter profundamente in- consciente desses processos, apesar de afetarem as dimensdes associadas em nossa cultura ao individual, ao volitivo, ao afetivo e de serem, na verdade, em parte constitufdos por estas. Trata-se de valores e processos macrossociais com incidéncia e refragéo numa mirfade de comportamentos e experiéncias microssociais (e vice-versa), em perfeita continuidade com a ligdo origindria de Durkheim na andlise do suicfdio (1977). E evidente que a pesquisa empi- rica enfrenta a cada paso o desafio complexo de “levar a sério o informante” ede nao reduzi-lo a um mero marionete das forcas instituintes. Isso no po- de levar a considerar — como fazem os nominalistas — que qualquer hipéte- se ou construcéo tentativa de esquemas supra-individuais (que prescindem da “consciéncia” dos agentes para sua acto, como no exemplo paradigmdtico das linguas naturais) possa ser desqualificada a priori. Néo € possivel explorar aqui as numerosas vias analiticas disponiveis na tradicao intelectual ocidental para a definigéo ou compreensao do estatuto de categorias tais como as de (as)simetria, contrastividade, dinamica, escala- da, sistema, transformacao, acumulagio diferencial etc. O proprio Bateson jd iniciara a expansao da reflexao sobre o estatuto de seu conceito no “Epilo- go” de 1958, a propésito da cibernética, e sua obra ulterior pode ser inteira- mente lida como um prolongamento dessa incitagio intelectual. Poderiam * © préprio Bateson, como bom inglés, jd expressava no Naver sua preacupacio em nio aeribuir 0 esquema analitico que construfa em torno da cismogénese a “instincias segundas” que nfo a dos individuos em agdo (Bateson, 1958, p. 176). Eppur si muove.. 40 ser incluidos nessa linhagem modelos formais sobre identidade e alteridade; sobre a ménada, a homeostase e a autopoiesis; toda a teoria da informagio e os estudos tdo instigantes sobre a morfogénese (em que se poderiam incluir autores to diferentes quanto Goethe, Lévi-Strauss ¢ G. Simondon). Actedito que esse tipo de andlise também poderia se beneficiar da tra- digdo dos estudos sobre as “controvérsias” ¢ a formagio dos “casos” /affiaires (tal como trabalhados por L. Boltanski, E. Claverie e B. Latour). Ocorre- me particularmente a importancia paradigmética do “caso Dreyfus” para a constitui¢gao da esfera publica no Ocidente moderno e a particularmente nf- tida tensdo contrastiva com que imantou a passagem do século x1x para o xx, Durkheim, com muita propriedade, analisou-o como 0 reagente critico para a definicao da posi¢gdo dos intelectuais ocidentais em relagao aos seus valores como cidadaos, por um lado, e como responsdveis por uma reflexdo heuristica, por outro (1970). Nesse registro menos formal ¢ mais histérico ou etnogréfico muito se poderia esperar de uma retomada dos modelos analfticos da “troca”, “opo- sigdo”, “antitese”, “dualismo”, “conflito” e “hierarquia’, pelas mos de M. Mauss, G. Simmel, A. R. Radcliffe-Brown, R. Koselleck, C. Lévi-Strauss, L. Dumont ¢ M. Sahlins. E provavel que a ciéncia politica disponha ainda de outros recursos para lidar de modo abstrato com a maneira pela qual o parti- darismo, 0 facciosismo e a disputa politica nas sociedades ocidentais moder- nas operam por escaladas cismogeneéticas. De todo modo, o desafio seria — nesse nivel — o de modelizar como o actimulo dos desvios microdiferenciais se podem catalisar na diego de alguma macro-oposicao dualista. Essas seriam outras vias. A que se impés neste trabalho foi a de explorar como a aparente multivocidade das variacées de ethos privado nas classes po- pulares — sobretudo em sua inevitdvel relagdo com as miltiplas experiéncias religiosas hoje & sua disposicao — pode estar obedecendo a um padrao subja- cente de mais ampla escala, por menos linear que possa se apresentar seu de- senho. O conceito de cismogénese parece suficientemente nitido ¢ articulado para iluminar certos aspectos dessas desafiadoras tensdes contrastivas. AL REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BATESON, Gregory. 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