BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. So Paulo: Elsevier, 2004.
APRESENTAO CELSO LAFER:
Direitos do homem, democracia e paz so trs momentos necessrios do mesmo movimento histrico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos no h democracia; sem democracia no existem as condies mnimas para soluo pacfica dos conflitos Direito e poder so as duas faces de uma mesma moeda, pois a comum exigncia da eficcia se complementa com o evidente paralelismo existente entre os requisitos da norma jurdica justia e validade e os do poder legitimidade e legalidade. Pode haver direito sem democracia mas no h democracia sem direito pois esta exige normas definidoras dos modos de aquisio e exerccio do poder. O Direito, para Bobbio, uma construo, um artefato humano fruto da poltica que produz o Direito Positivo Requer a razo para pensar, projetar e ir transformando este artefato em funo das necessidades da convivncia coletiva. promovendo e garantindo os direitos humanos o direito vida; os direitos s liberdades fundamentais; os direitos sociais que asseguram a sobrevivncia que se enfrentam as tenses que levam guerra e ao terrorismo. Direitos humanos no so um dado da natureza ao modo do jusnaturalismo. So um construdo jurdico historicamente voltado para o aprimoramento poltico da convivncia coletiva. O cerne da problemtica dos direitos humanos no reside na sua fundamentao mas no desafio da sua tutela. Bobbio aponta e distingue, em matria de direitos humanos etapas na construo do estado democrtico de direito. Estas etapas institucionalizam a perspectivas dos governados que passam a ter direitos e no apenas deveres. A primeira etapa a da positivao, ou seja, a da converso do valor da pessoa humana e do reconhecimento em Direito Positivo, da legitimidade da perspectiva ex parte Populi. So as Declaraes de Direitos. A segunda parte, intimamente ligada a primeira, a generalizao, ou seja, o princpio da igualdade e o seu corolrio lgico, o da no discriminao. A terceira a internacionalizao, proveniente do reconhecimento, que se inaugura de maneira abrangente com a Declarao Universal de 1948 que, num mundo interdependente a tutela dos direitos humanos, requer apoio da comunidade internacional e normas de Direito Internacional Pblico. Finalmente, a especificao assinala um aprofundamento da tutela, que deixa de levar em conta apenas os destinatrios genricos o ser humano, o cidado e passa a cuidar do ser em situao o idoso, a mulher, a criana, o deficiente.
Bobbio sublinha a originalidade da Declarao de Direitos de 1789, pois ela, em
contraposio aos conhecidos e tradicionais cdigos jurdicos e morais como os Dez Mandamentos ou a Lei das Doze Tbuas, estabeleceu direitos e no obrigaes para os indivduos. Diferencia-se, neste sentido, das cartas de direitos que precederam, desde a Magna Carta, nas quais os direitos ou as liberdades no eram reconhecidos antes do poder soberano, pois eram ou por ele concedidos ou concertados num pacto com os sditos. Ela mais radical do que as declaraes norte-americanas que a antecedem, que relacionaram os direitos do indivduo ao bem comum do todo. Nos lugares onde o direitos impotente, a sociedade corre risco de precipitar-se na anarquia; onde o poder no controlado, corre risco oposto, do despotismo. (BOBBIO, O tempo da memria, cit. P. 169) Em sntese, para Bobbio, a tolerncia que parte das regras do jogo da democracia assegura a liberdade religiosa e de manifestao de opinio e pensamento, como um dos fundamentais direitos humanos. INTRODUO A paz, por sua vez, o pressuposto necessrio para o reconhecimento e efetiva proteo dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. [...] haver paz estvel, uma paz que no tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidados no mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. No plano histrico, sustento que a afirmao dos direitos do homem deriva de uma radical inverso de perspectiva, caractersticas da formao do Estado moderno, na representao da relao poltica, ou seja, na relao Estado/cidado ou soberano/sdito: relao que encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidados no mais sditos, e no do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondncia com a viso individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, preciso partir de baixo, ou seja, dos indivduos que a compem, em oposio concepo orgnica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivduos. (p. 3) [...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, so direitos histricos, ou seja, nascidos em certas circunstncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra os velhos poderes, e nascidos de modo gradual, no todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (p.4) O problema fundamental em relao aos direitos do homem, hoje, no tanto justifica-los, mas o de protege-los. Trata-se de um problema no filosfico, mas poltico. (p.23)
A Declarao Universal dos direitos do homem representa a manifestao nica da
prova atravs da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova o consenso geral acerca da sua validade. (p. 27) Somente depois da Declarao Universal que podemos ter certeza histrica de que a humanidade toda a humanidade partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente crer na universalidade dos valores, no nico sentido em que tal crena historicamente legtima, ou seja, no sentido em que universal significa no algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. (p.28) O universalismo foi uma lenta conquista. Na histria da formao das declaraes de direitos podem-se distinguir, pelo menos, trs fases. As declaraes nascem como teorias filosficas. Sua primeira fase deve ser buscada na obra de filsofos. [...] a ideia de que o homem enquanto tal tem direitos, por natureza, que ningum (nem mesmo o Estado) lhe pode subtrair, e que ele mesmo no pode alienar [...] essa ideia foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno. Seu pai John Locke. (p.28) O segundo momento da histria da Declarao dos Direitos do Homem consiste, portanto, na passagem da teoria prtica, do direito somente pensado para o direito realizado. Nessa passagem, a afirmao dos direitos do homem ganha concreticidade, mas perde universalidade. Os direitos so doravante protegidos (ou seja, so autnticos direitos positivos), mas valem somente no mbito do Estado que os reconhece. (p.29) Com a Declarao de 1948, tem incio uma terceira e ltima fase, na qual a afirmao dos direitos , ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatrios dos princpios nela contidos no so mais apenas os cidados deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que pe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem devero ser no mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porm efetivamente protegidos at mesmo contra o prprio Estado que os tenha violado. (p.30) [...] os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvemse como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realizao como direitos positivos universais. (p.30) Como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por trs fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade isto , todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relao ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos polticos, os quais concebendo a liberdade no apenas negativamente, como no impedimento, mas positivamente, como autonomia tiveram como consequncia a participao cada vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no
poder poltico (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos
sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigncias podemos mesmo dizer, de novos valores -, como os do bem-estar e da igualdade no apenas formal, e que poderamos chamar de liberdade atravs ou por meio do Estado. (p.32) Os direitos elencados na Declarao no so os nicos como este se configurava na mente dos redatores da Declarao aps a tragdia da Segunda Guerra Mundial, numa poca que tivera incio com a Revoluo Francesa e desembocara na Revoluo Sovitica. (p.33) As atividades at aqui implementadas pelos organismo internacionais, tendo em vista a tutela dos direitos do homem, podem ser consideradas sob trs aspectos: promoo, controle e garantia. [...] enquanto a promoo e o controle se dirigem exclusivamente para as garantias existentes ou instituir no interior do Estado, ou seja, tendem a reforar ou a aperfeioar o sistema jurisdicional nacional, a terceira tem como meta a criao de uma nova e mais alta jurisdio, a substituio da garantia nacional pela internacional, quando aquele for insuficiente ou mesmo inexistente. (p.39)
Democracia, Direitos Fundamentais, Paradigmas: Justiça, Segurança e Liberdade : Democracia – história do constitucionalismo e formação do Estado – Estado de Direito Democrático – Estado Social – Direitos Fundamentais
Democracia e Jurisdição Constitucional: a Constituição enquanto fundamento democrático e os limites da Jurisdição Constitucional como mecanismo legitimador de sua atuação