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1. PAPEIS SOCIAIS ATRIBUIDOS AS DIFERENTES CATEGORIAS DE SEXO Introdugao Nao € dificil observar que homens ¢ mulheres néo ocupam posi- es iguais na sociedade brasileira: Embora este fenémeno ndo seja exclusivo do Brasil, é sobre esta nagao, fundamentalmente, que inci- diré a anélise aqui desenvolvida. A identidade social da mulher, assim como a do homem, é cons- trufda através da atribuigdo de distintos papéis, que a sociedade es- pera ver cumpridos pelas diferentes caiegorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante preciséo, os campos em que pode operar @ ‘mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar © homem. A socializaco dos filhos, por exemplo, constitui tarefa tradicio- nalmente atribuida as mulheres. Mesmo quando a mulher desempe- nha uma fungGo remunerada fora do lar, continua a ser responsabili- zada pela tarefa de preparar as geracdes mais jovens para a vida adulta, A sociedade permite & mulher que delegue esta fungio a outra pessoa da familia ou a outrem expressamente assalariado para este fim, Todavia, esta “permisso” s6 se legitima verdadeiramente quan- do a.mulher precisa ganhar seu préprio sustento e o dos filhos ou ainda complementar 0 salério do marido. ‘Apenas nas classes dominantes a delegacdo desta tarefa de socia- lizago dos filhos no necessita de legitimacao da necessidade de trabathar. Este tipo de mulher pode desfrutar de vida ociosa, pelo menos no que tange ao trabalho manual que a educacto dos filhos cexige. Contudo, esta mulher nao esta isenta de orientar seus rebentos, assim como de supervisionar o trabalho de servicais contratados, em geral também mulheres, para o desempenho desta funcao. Nota-se, claramente, que a vida de mulher varia segundo a classe social dos elementos do’sexo feminino. Se a operéria gasta duas horas 8 por dia no transito, mais oito na fabrica, e quatro nos servigos do- mésticos, a burguesa dispoe de servicais que executam os trabalhos domésticos em sua residéncia. No seio das classes médias é grande a diferenciacdo. Nestas classes, dada a enorme variagéo de renda que comportam, encontram-se desde mulheres donas-de-casa, que se dedi- cam exclusivamente aos cuidados da residéncia, do marido ¢ dos fi Thos, até aquelas que trabalham fora. Dentre estas dltimas também hd gigantescas diferencas. Ha secretérias, cujo irris6rio salério nao Ihes permite contratar nenhum tipo de auxiliar para a execuedo dos servigos domésticos. Outras trabalhadoras, em virtude de seu nivel de renda, s6 podem contratar empregadas em tempo parcial ou faxi- neiras, Outras, ainda, por receberem um selétio mais alto, contratam servigais para desempenharem, em seu lar, os trabalhos que Ihes cor- respondem enguanto mulheres, Nao obstante todas estas diferencas, que tornam a vida de mu- Iher mais ou menos dificil, a responsabilidade tltima pela casa e pe- los filhos é imputada ao elemento feminino. Torna-se, pois, clara a atribuicio, por parte da sociedade, do espaco doméstico 2 mulher. Trabalhando em troca de um salério ou nio, na fabrica, no escrit6rio, na escola, no comércio, ou a domicflic, como € 0 caso de muitas mulheres que cdsturam, fazem croché, tricd, doces e salgados, a mu- Iher € socialmente responsével pela manutenco da ordem na residén- cia e pela criaglo e educacdo dos filhos. Assim, por maiores que se- jam as diferencas de renda encontradas no seio do contingente femi- nino, permanece esta identidade bésica entre todas as mulheres, A sociedade investe muito na naturalizagio deste processo, Isto , tenta fazer crer que a atribuigéo do espago doméstico & mulher devorre de sua capacidade de ser mie. De acordo com este pens mento, € natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos, ‘af compreendida a socializacao dos filhos, como é natural sua caps- cidade de conceber ¢ dar & luz. Yodavia, ha sociedades nas quais a mulher nao interrompe suas atividades extralar, inclusive a fungdo da caga, quando tem um filho. Hi tribos indigenas brasileiras cujas mulheres, em seguida ao parto, banham-se nas éguas de um rio e retomam imediatamente sua labuta. estas tribos, cabe ao pai fazer repouso e observar uma dieta ali- mentar especial. Este costume chama-se couvade, Esta prética revela que o préprio parto, quase sempre entendido apenas enquanto fungio natural, assume feigdes sociais diferentes no espaco ¢ no tempo. Ou seja, cada sociedade elabora distintos significados para o mesmo fend- meno natural Este sentido especifico de um fenémeno natural, formulado de diferentes maneiras por distintas sociedades, constitui sua dimensio social, cultural ou sociocultural. Este aspecto nao deve jamais ser es- quecido, uma vez que ser mulher ou ser homem néo 6 a mesma coisa numa sociedade catélica © numa sociedade mugulmana, por exemplo. E exatamente esta dimenséo sociocultural que permite com- preender a famosa frase de Simone de Beauvoir, em O segundo sexo: “ninguém nasce mulher; torna:se mulher”. Rigorosamente, os seres humanos nascem machos ou fémeas. E através da educagéo que recebem que se tornam homens ¢ mulheres. A identidade social é, portanto, socialmente construida. Se, diferen- temente das mulheres de certas tribos indigenas brasileiras, a mulher ‘moderna tem seus filhos geralmente em hospitais, e observa determi- nadas proibigées, € porque a sociedade brasileira de hoje construiu desta forma a maternidade. Assim, esta funcdo natural sofreu uma elaboracio social, como aliés, ocorre com todos os. fenémenos natu- rais, Até mesmo 6 metabolismo das pessoas é socialmente condici nado. Pessoas que no foram habituadas a comer determinados ali- mentos, nfo raro nfo conseguem fazé-lo quando se encontram’ em sociedades que-adotaram este tipo de alimentaglo. Se, porventura, fo- rem obtigadas a ingertlos, nfo conseguem metabolizé-los, dado © ‘asco por eles provocado. E proprio da espécie humana elaborar socialmente fendmenos naturals, Por esta razio € to dificil, sendo impossivel, separar a natureza daquilo em: que ela foi transformada pelos processos socio- culturais. A natureza traz crescentemente a marca da interven¢lio hu- ‘mana, sobretudo' nas sociedades de tecnologia altamente sofisticada. Hé, portanto, ao longo da hist6ria, uma humanizagio da natureza, uma domesticagéo da natureza por parte do ser humano. Este pro- cesso caracteriza-se, como tudo na vida social, pela contradigao. Se, pot um lado, revela a capacidade humana de colocar a natureza a seu servico, por outro, interfere no ecossistema, destruindo, muitas veres, 0 equilfbrio ecol6gico. Bcologistas ¢ associagdes de ecologia vém, insistentemente, aler- tando as autoridades para as conseqiiéncias desastrosas de determin das interveng6es humanas na natureza. E 0 caso, por exemplo, do desmatamento indiscriminado, da polui¢do dos rios por produtos q micos que matam os peixes, do uso de agrot6xicos em culturas al mentares ete. No momento atual, dada a acio prolongada do ser humano so- bre a natureza, praticamente tudo que cerca as populagées traz 0 10 carimbo sociocultural. No basta, entretanto, conhecer a capacidade humana de transformar o reino natural. E preciso atentar pata 0 pro- ‘cess0 inverso, que consiste em naturdlizar processos socioculturais Quando se-afirma que & natural que a mulher se ocupe do espago doméstico, deixando livre para hoiem o espaco piiblico, esté-se, rigorosamente, naturalizando um resultado da hist6ria Dada a desvalorizaglo social do espaco doméstico, os poderosos tém interesse em instaurar a crenga de que este papel sempre foi desempenhado por mulheres. Para a solidificagdo desta erenca nada melhor do que retitar desta attibuigao de papéis sua dimensio socio- cultural. Ao se afirmar que sempre e em todos os lugares as mulheres se ocuparam do espaco doméstico, eliminam-se as diferenciagdes his- téricas ¢ ressaltam-se os caracterfsticos “naturais” destas fungbes. TTais papéis passam a se inscrever na “natureza feminina”, Desta forma, a ideologia cumpre uma de suas mais importantes finalidades, fou seja, a de mascarar a realidade. Como falar em uma “natureza feminina” ou em uma “natureza mascilina” se a sociedade condi- ciona inclusive o'metabolismo das pessoas? Diferentemente dos ou- {tos animais,.os seres humanos fazem hist6ria. Além disso, as gera- ges mais velhas transmitem esta histéria as geragdes mais jovens, que partem de um acervo acumulado de conhecimentos, E preciso atentar, porém, para os diferentes significados da his- t6ria. Do ponto de vista das classes sociais, podem-se distinguir, basi- camente, dois sentidos da histéria: o das classes dominantes e 0 das classes, subalternas. Do angulo das categorias de sexo, as mulheres, ainda que fagam historia, tém constituido sua face oculta, A histéria oficial pouco ou nada registra da ago feminina no devenir histé- rico, Isto no se passa apenas com micheres. Ocorre com outras categorias sociais discriminadas, comd negros, indios, homossexuais. Deste fato decorrem movimentos sociais, visando ao resgate da me- méria, geralmente nfo registrada, destes contingentes humanos que, atuando cotidianamente, ajudaram e ou ajudam a fazer hist6ria. E de extrema importéncia compreender como a nafuralizagao dos processos socioculturais de discriminacdo contra a mulher ¢ ou- ‘ras categorias sociais constitui o caminho mais fécil e curto para legitimar a “superioridade” dos homens, assim como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos ricos. uw A “inferioridade” da mulher Presume-se que, originariamente, o homem tenha dominado a mulher pela forga fisica. Via de regra, esta é maior nos elementos masculinos do que nos femininos. Mas, como se sabe, ha excegdes fa esta regra. Variando a forca em fungao da altura, do peso, da estrutura dssea da pessoa, hé mulheres detentoras de maior forca fisica que certos homens. Em sociedades de tecnologia rudimentar, ser detentor de grande forca fisica constitui, inegavelmente, uma vantagem. Em sociedades conde as méquinas desempenham as fung6es mais brutas, que reque- rem grande forsa, a relativa incapacidade de levantar pesos e realizar movimentos violentos nfo impede qualquer ser humano de genhar seu sustento, assim como o de seus dependentes. Rigorosamente, por- tanto, a menor forga fisica da mulher em relagéo ao homem nio deverid ser motivo de discriminagdo. Todavia, recorre-se, com: fre- aiiéncia, a este tipo de argumento, a fim de se justificarem as criminagées praticadas contra as mulheres. ‘A forea desta ideologia da “inferioridade” da mulher € tio gran- de que até as mulheres que trabalham na enxada, apresentando maior produtividade que os homens, admitem sua “fraqueza”. Estio de tal maneira imbuidas desta idéia de sua “inferioridade”, que se assumem ‘como seres inferiores aos homens. (© mero fato de a mulher deter, em geral, menos forga fisica que 0 homem seria suficiente para “dectetar” sua inferioridade? Os fatos histéricos indicam que ndo. Somente para ilustrar esta questo, evocase 0 fato de que em todos os momentos de engajamento de um povo em uma guerra, via de regra, os homens sio destinados ao com- bate, enquanto as mulheres assumem as fungdes antes desempenhadas ppelos elementos masculinos. Por que so elas capazes de trabalhar fem qualquer atividade para substituir os homens-guerreiros, devendo retornar a0 cuidado do lar uma vez cessadas as agdes bélicas? Ade- mais, nos Gltimos anos, vem-se assistindo a uma participacio cres- cente de mulheres em atividades bélicas. Contingentes femininos aprecidveis tém participado nfo apenas de guerrilhas, mas também tém assumido fungSes em exércitos convencionais. 'A Nicarégua ilustra bem este fato. Tendo participado da guet- ritha que levou o atual regime ao poder em julho de 1979, muitas mulheres integram as tropas regulares daquele pais. No exército nicaragtiense néo hé mulheres somente nas patentes mais baixes. 12 Muitas ostentam o titulo de comandante, comandando efetivamente tropas formadas majoritariamente por homens. Desta sorte, até na guerra a mulher provou sua capacidade, La- mentavelmente, esta parece ser a atividade que trabalha mais veloz- ‘mente para minar a idéia de que a mulher € “inferior” 20 homem. E lamentivel, repitase, que 0 ser humano, no caso 0 homem, s6 venha a reconhecer na mulher um seu igual através da atividade guerreira, quando hé-milhares de outros setores de atuaggo humana fem que as mulheres se mostram capazes. Do ponto de vista bioldgico, o organismo feminino é muito mais diferenciado que o mascutino, estando jé provada sua maior resis- iéncia. Tanto assim € que as mulheres, estatisticamente falando, vi- ‘vem mais que os homens. A sobrevida feminina em rélagao aos homens jf alcangou oito anos nos Estados Unidos, estando entre cinco e seis no Brasil. E bem verdade que a medida que se intro- duzem fatores de risco — tabagismo, tensio nervosa provocada pela competigo no trabalho e ou pelo pesado tréfego das grandes cida- des, pela duplicacdo da jornada de trabalho (no lar e fora dele) — fas vantagens femininas ficam reduzidas. Permanece, porém, a defesa natural, organicamente oferecida pe- los horménios femininos contra, por exemplo, as doengas das coro- nérias, causa ndmero um dos ébitos masculinos. Esta protego perdura até a menopausa, quando os ovarios deixam de produzir horménio © que ocorte no intervalo entre os 45 ¢ os 50 anos. Como a incidéncia de enfartos & muito maior antes dos 50 anos que posteriormente, esta defesa hormonal representa uma notével vantagem para a mulher, em termos de longevidade. Nao se trata, contudo, de desejar provar qualquer superioridade da mulher em relago ao homem. O argumento biol6gico s6 foi uti- lizado a fim de mostrar a auséncia de fundamentagio cientifica da ideologia da “inferioridade” feminina. Por outro lado, este argumento serve também para revelar, mais uma vez, a elaboracao social de fe- némenos orginicos, portanto, naturais. Ademais, a elaboraciio ideo- 6gica caminha em sentido oposto ao das evidéncias organicas, pois as_tébuas de vida da maioria esmagadora dos paises mostram que as mulheres. s4o mais, Jongevas.que_os homer ‘Sdo necessérios fatores muito especificos para inverter esta ten- déncia. Exemplo disto esté em certas regides da India, onde as mu- Iheres, ao se casarem, sao obrigadas a se mudar para a comunidade do matido, devendo aprender uma nova cultura que, via de regra, agride profundamente condutas adquiridas na comunidade de origem. 13 Como o casamento ocorre na fase adulta da vida, os hébitos anterior- mente aprendidos por estas mulheres jé esto solidamente estrutura- dos, constituindo uma verdadeira violéncia a obrigaglo de esquecé-los substitut-los por novos costumes, tipicos da comunidade do marido. Dados estatisticos revelam que mulheres sujeitas a este traumatismo tendem a viver menos que os homens. Trata-se, porém, de um caso muito especifico, pois a India comporta diferenciagSes culturais gi- gantescas, capazes de produzir profundos conflitos, agravados pela existéncia da familia patrilocal. ‘A patrilocalidade da familia define-se pela obrigatoriedade de a ‘mulher passar a.integrar a comunidade do marido, Se as diferencas culturais nfo fossem tio pronunciadas naquele pais, certamente as dificuldades seriam menores, podendo no repercurtir negativamente na expectativa de vida das mulheres, => Na tentativa de inculcar nos seres humanos a ideologia da “infe- ” feminina, recorre-se, freqiientemente, ao argumento de que enos inteligentes que os homens. Ora, a Ciéncia jé ‘mostrou suficientemente que a inteligéncia constitui um potencial ca paz de se desenvolver com maior ou menor intensidade, dependendo do grau de estimulacio que recebe. Dado 0 pequeno nimero de esti- mulos que recebem, criangas que vivem em instituigdes destinadas a recolher menores abandonados desenvolvem muito pouco esta poten- cialidade, & qual se convencionou chamar inteligéncia. Isto posto, nao é dificil concluir sobre as maiores probabilidades de se desenvolver a inteligéncia de uma pessoa que freqtienta_muitos ambientes, o que caracteriza a vida de homem, em relagio a pessoas encerradas em casa durante grande parte do tempo, especificidede da vida de mulher, Aliés, 0 dito popular lugar de muther € em casa elogiiente em termos de imposicao da ideologia dominante. Em fi- cando em casa todo ou quase todo 0 tempo, a mulher tem menor nmiimero de possibilidades de ser estimulada a desenvolver suas poten- cialidades. E dentre estas encontrase a inteligéncia, (© argumento de que hé muito poucas mulheres dentre os grandes cientistas, grandes artistas, até grandes cozinheiros, tenta provar que também em termos de inteligéncia a mulher é inferior ao homem. Os portadores e divulgadores desta ideologia esquecem-se de medir as, oportunidades que foram oferecidas, ou melhor, negadas as mulhe- res. Ao se atribuir a elas a responsabilidade praticamente exclusiva pela prole e pela casa, jé se lhes est4, automaticamente, reduzindo as probabilidades de desenvolvimento de outras potencialidades de que so portadoras. 4 Desta forma, a igualdade de oportunidades pressupée a partilha de responsebilidades por homens ¢ mulheres, em qualquer campo de atividade, af incluso 0 espaco doméstico. Nao se trata de ensinar os homens @ auxiliarem a mulher no cuidado com os filhos © a casa, pois sempre que a atividade de alguém se configurar como ajuda, a responsabilidade € do outro. Trata-se de partilhar a vida doméstica, assim como o lazer ¢ as atividades garantidoras do sustento da fami lia. Nada mais injusto do que tentar disfargar a dominagio dos ho- mens sobre as mulheres através da “ajuda” que os primeiros podem oferecer as Gltimes. Esta forma de raciocinar & exatamente igual aquela que consi- dera o trabalho extralar da mulher como “ajuda” ao, marido. Na qualidade de mera “ajudante”, & mulher se oferece um saldtio me- not, ainda que ela desempenhe as mesmas fungdes que o homem. ‘A prépria mulher, admitindo seu trabalho téo-somente como “ajuda”, aceita como natural um salério inferior. Pode-se, pois, detectar, ainda uma vez, 0 processo de naturali- zagéo de uma discriminagio exclusivamente sociocultural. A com: preensio deste processo poder promover enormes avancos na cami ‘hada da conscientizacZo quer de mulheres, quer de homens, a fim de que se possa desmistificar o pretenso carter natural das discri- minag6es praticadas contra os elementos femininos. Do exposto pode-se facilmente concluir que a inferioridade fe- minina é exclusivamente social. E nfo € senfo pela igualdade social que se luta:. entre homens e mulheres, entre brancos e nao-brancos, entre catélicas € nfo-cat6licos, entre conservadores © progressstas. ‘Afinal, travam-se, cotidianamente, lutes para fazer cumprir um pre- ceito ja consagrado na Constituicéo brasileira. Efetivamente, desde a primeira Constituigao republicana, de 24 de fevereiro de 1891, “To- dos so” iguais perante a lei" (§ 2° do artigo 72). Esta igualdade legil, que passou a ser sninuciosamente especificada a partir da Constituigio de 1934, assim consta da Constituigéo vigente desde 17 de outubro de 1969::“Todos so iguais perante a lei, sem distin- io de sexo, raca, trabalho, credo religioso © conviegdes politicas” (§ 1° do artigo 155). Estruturas de dominacao nio se transformam meramente através da legislago. Esta é importante, na medida em que permite a qual- quer cidadao prejudicado pelas. praticas discriminat6rias recorrer & justiga. Todavia, enquanto perdurarem discriminagSes legitimadas pela ideologia dominante, especialmente contra a mulher, os préprios agen: 15 tenderdo a interpretar as ocorréncias que devem julgar a luz do sistema de idéias justificador do presente estado de coisas. © poder esté concentrado em mios masculinas hé milénios. E fos homens temem perder privilégios que asseguram sus suprema sobre as mulheres. © macho ¢ 0 poder A sociedade no esté dividida entre homens dominadores de tum lado e mulheres subordinadas de outro. Hii homens que dominam outros homens, mulheres que dominam outras mulheres e mulheres que dominam homens. Isto equivale a dizer que o patriarcado, siste ma de relagdes sociais que gerante a subordinacdo da mulher 20 homem, nao constitui o tinico principio estruturador da sociedade brasileira. ‘A divisio da populagio em classes sociais, profundamente desi- guais quanto as oportunidades de “vencer na vida", representa outra fonte de dominacao, considerada absolutamente legitima pelos pode- rosos ¢ por aqueles que se proclamam neutros, o mesmo se pasando com as diferencas raciais e ou étnicas. O capitulo 3 incidiré preci samente sobre a combinagdo destes trés prinefpios de estruturacdo da sociedade brasileira De modo geral, contudo, a supremacia: masculina perpassa to- das as classes sociais, estando também presente no campo da discri- minagio racial. Ainda que a supremacia dos ricos © brancos torne mais complexa a percepao da dominacao das mutheres pelos homens, nao se pode negat que a titima colocada na “ordem das bicadas” & uma mulher. Na sociedade brasileira, esta tltima posigéo ¢ ocupada por mulheres negras e pobres. © poder do macho, embora apresentando varias muancas, esti presente nas classes dominantes e nas subalternas, nos contingentes populacionais brancos ¢ néo-brancos/Uma mulher que, em decorrén- cia de sua riqueza, domina muitos homens e mulheres, sujeita-se a0 jugo de um homem, seja seu pai ou seu companheiro/ Assim, via de rogra, a mulher & subordinada ao homem/Homené subjugados no rein do trabalho por uma ou mais mulheres detém poder junto a outras mulheres na relagdo amorosa, ‘A situago mais freqiiente no campo do trabalho € aquela que retine homens e mulheres sob © comando de homens. A sujeicdo fe- minina € mais profunda que a masculina, 0 que pode ser averiguado 16 zy através de varios aspectos. Primeiro, os patrSes pagam menos as em- pregadas mulheres, mesmo quando elas desempenham as mesmas ts refas que os homens, Segundo, com freqiigncia, as mulheres so sub- metidas a testes vexat6rios, visando a controlar sua vida reprodutiva. Quando o teste revela gravidez, a mulher é sumariamente despedida do emprego. Isto nfo ocorre somente nas empresas privadas, O proprio poder piblico, embora em menor escala, procede di mesma maneira. Ter- teiro, as trabalhadoras so, muitas vezes, obrigadas a prestar servicos de caréter sexual a0 patrdo, a fim de preservar seu emprego. Nao se pense que este procedimento ¢ exclusivo de patrdes que dominam operdrias, enfim, mulheres de baixo grau de escolaridade. Estd pre- sente em todos os ambientes de trabalho, inclusive na Universidade. [Nao se pense tampouco que esta conduta é tipica de paises subdesen- yolvidos. Ela é freqiiente também em nagées altamente industriali- zadas. H poucos anos ocorreu um rumoroso caso na Clark University, nos Estados Unidos. O chefe de um departamento condicionou a per ‘manéneia de uma professora em seu emprego @ sua concordéncia em Ihe prestar servicos sexuais. A professora decidiu levar 0 caso & Jus tiga. Assim que a dentincia foi feita, outras mulheres, professoras ¢ estudantes da Universidade, encorajaram-se a assumir a mesma pos- ture, pois também haviam sido vitimas das investidas do chefe, Este foi condenado a pagar indenizagées as suas vitimas. Entretanto, no apenas no perdeu seu emprego, como também adquiriu nele a tao desejada estabilidade. ‘A concessio da estabilidade em emprego universitério nos Este- dos Unidos resulta do julgamento de uma comissdo, constitufda tam- bbém por professores. Observe-se a solidariedade dos pares do pro- fessor chefe de departamento, Hé que registrar, ainda, que o profes- sor habituado a abusar do poder era militante de caqucrde. Assim, © poder do macho néo é exercido apenas no seio dos grupos conser vadores, estando também presente no interior dos contingentes pro- gressistas e até mesmo radicais de esquerda. E muito freqiiente que homens poderosos extravasem seus dese- jos para além dos limites do poder que o cargo Ihes confere. Po- derosos no campo das relacdes de trabalho julgam-se no direito de subjugar sexualmente mulheres que desempenham atividade remune- rada sob seu comando. Dispondo de um fantéstico instrumento de coagdo — a ameaga de demissio — obtém, nfo raro, éxito em suas 7 tentativas de usar sexualmente mulheres que dependem do emprego do qual retiram sua subsisténcia. Do exposto se conclui que as relagdes homem-mulher esto per- meadas pelo poder. Poder “versus” prazer Quer quando © homem desirute de uma posigo de poder no mundo do trabalho em relago & mulher, quer quando ocupa a po- sigdo de marido, companheiro, namorado, cabe-lhe, segundo a ideo- Jogia dominante, a fungo de cacador. Deve perseguir 0 objeto de seu desejo, da mesma forma que o cacador persegue © animal que deseja matar. Para o poderoso macho importa, em primeiro lugar, seu pr6prio desejo. Comporta-se, pois, como sujeito desejante em busca de sua presa. Esta € 0 objeto de seu desejo. Para o macho néo importa que a mulher objeto de seu desejo néo seja sujeito desejante. Basta que cla consinta em ser usada enquanto objeto. (© caso extremo do uso do poder nas relagSes homem-mulher pode ser caracterizado pelo estupro, Contrariando a vontade da mu- Ther, 0 homem mantém com ela relagdes sexuais, provando, assim, sua capacidade de submeter a outra parte, ou seja, aquela que, se- gundo a ideologia dominante, nfo tem direito de desejar, nao tem direito de escolha. Pode parecer extravagante recorrer ao estupro, a fim de exem- plificar 0 grau extremo de poder detido pelo homem em relagio & mulher. Todavia, € preciso ponderar que: 1) hé milhares de estupros ‘ocorrendo diariamente na sociedade brasileira, grande parte dos quais de autoria dos préprios pais das vitimas; 2) hé relagdes amorosas estéveis, legais ou consensuais, no seio das quais o estupro é a norma. Isto é, dado o poder que a sociedade confere a0 homem, julga-se este com o direito de manter relagées sexuais com sua companheira, ‘mesmo quando ela nfo apresenta disposicéo para tal. Desta forma, © estupro nao é representado apenas pelo tipo de relagdo sexual es- pecificado no Cédigo Penal brasileiro: “Constranger mulher a con- jungio carnal, mediante violéncia ou grave ameaca” (artigo 213). ‘Ainda que a violéncia e ou a grave ameaca existam com fre- iiéncia nas unides estéveis, basta o poder do companheiro para vencer as resisténcias da mulher. Aliés, 0 direito do companheiro a0 ‘uso sexual da mulher inscreve-se no capitulo do dever conjugal, ou- tora constante do Cédigo Civil brasileiro ¢ ainda muito presente na 18 ideotogia que legitima o poder do macho. Por dever conjugal enten- dese a obrigacio de a mulher prestar servigos sexuais ao compa- heiro quando por ele solicitada. Percebe-se, com muita facitidade, 1 posigio de objeto do desejo masculino ocupada pela mulher. Lamentavelmente, inclusive para os préprios homens, a sexue- tidade masculina foi culturalmente genitlizade. Ou seja, 0 processo conduziu o homem a concentrar sua sexualidade nos 6rgios # ‘A maioria dos homens nem sequer sabe que seu corpo pos- fui muitas outras zonas erégenas. Ignoram, portanto, que podem des frutar de muito prazer através da manipulacéo de outras partes de seu corpo. Isto representa uma perda para eles, da qual ¢ impor tante tomar consciéneia, a fim de poder combatéla. ‘Desta concentragdo da sexualidade na genitélia deriva a expres- so falocracia (falo = pénis), ou seja, 0 poder do macho. Pode-se também inverter 0 raciocinio e afirmar que a consolidacdo da supre- macia masculina, 20 longo de milénios de hist6ria, conduziu 20 en- deusamento do pénis, anulando ou pelo menos reduzindo o prazer que o homem pode sentir em outras areas de seu corpo. Desta sorte, fo homem paga um preco pelo poder de que desfruta. Pode-se adentrar um pouco mais o terreno do prego pago pelo ‘homem para ocupar, quase sempre, posigdes de mando, O poder é inegavelmente, o pélo oposto do prazer. Como o homem detém poder nas suas relagées com a mulher, s6 ele pode ser sujeito do desejo. io resta a ela sendo a posico de objeto do desejo masculino. Assim, ‘o-méximo de prazer alcangado pelo homem nao passa de um “prazer” solitirio, isto é, um prazer pela metade, incompleto. Ignorando 0 desejo (ou caréncia de desejo) da mulher, o homem € conduzido a “realizar” seu prOprio desejo exclusivamente na ejaculacao. Isto sig- nifica uma redugGo da sexualidade; logo, representa um empobreci- mento, ‘Tal empobrecimento nao se verifica apenas no terreno da sexus- lidade. Ter na_companheira uma servical, sempre disposta a prepa rarlhe as refeig6es, a lavarlhe & passar-lhe as roupas, a buscar-the os chinelos, impede a troca, a reciprocidade. E ¢ exatamente no dar ‘prazer. As rélacdes homem-mulher, “na_medida_em_aus_ jeadas pelo poder do macho, negam enfaticamente 0 prazer. Esta negaco do prazer, embora atinja mais profundamente a mulher, nio deixa de afetar o homem. F necessétio atentar para este fendmeno s¢, de Tato, sé deseja mudar a sociedade em uma dirego que inclua melhores condigées de realizagao tanto de homens quanto de mulheres. 19 ‘A plenitude do prazer s6 pode ser alcancada quando nenhuma dimensio da personalidade do ser humano — homem ou mulher — € impedida de se desenvolver. Por que néo permitir, e mesmo esti mular, 0 desenvolvimento da razio nas mulheres? Por que ndo in- centivar o homem a nfo reprimir a dimensGo afetiva de sua perso- nalidade? Ambos seriam mais completos e, portanto, mais capazes de sentir e dar prazer. Das relacGes assimétricas, desiguais, entre homens e mulheres derivam_prejuizos para ambos. Basta observar ‘atentamente 0 tipo mais freqtiente de relacdes homem-mulher para se chegar a esta conclusio. Cabe, entdo, perguntar a quem beneficia este estado de coisas, jé que forcas poderosas tentam, de todos os modos, impedir que nele se operem mudancas. 20

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