Вы находитесь на странице: 1из 72
Names) Bosom DA ASSOCIACAO ct re S600 OS PERIGOS DO FEMININO TRAIDO O Sitio DA MENTE A CENSURA AOS POETAS NA REPUBLICA DE PLATAO ing ecoLdcicas I Publicagées da Editora ACONQUISTAPSICOLOGICA DO MAL Hains abulas ¢ lends por meio dis quais Zanuner elisa um vaste conjunto de sinboios. O ‘moda copie o set Inimaney sene « interpret femal é revsto por mein cas lends dle wars Palas Athena FILOSOFIAS DA INDIA Definico por Alan Wanss,no New York Times Review of Books, rome 6 amas completo © intel gente estado ficacrto sole ess fies trick ios on pyuarytaed mrTos ESIMBOLOS NAARTEE caviLizagao pa iNDiA Heinnich Zinnme Reclaboragay de uma série de vonferencias dics pelo autor e comptachs por joseph Campbell S20 dliversos tomas © questoes do universo mitico n= diana aqui deseenclados por Zines, magoiieo in- AS MASCARAS DE DEUS Seesph Ganptat Nesta obra em quatro. volumes, Campbell masta sti visto clas mit logias do mumslo. O primero tomo, tela Priming. referee aos Mie es Ko, Miologia Orion, sborda 33 Imtologias quese desenvolverann si uo ra EB, ia, China, Tdee © Jape O lerceto © 0 queto volt mies esta no prelo, YOGA, IMORTALIDADE £ LIBERDADE Mee loc | < SS) oS tos de fisiologia, psicologia, tempeutca OcoRACo nA FILOSORA Jace N Neste lira € develvid 3 filosofia seu papel original: ausitiasnos a recent fem Simos & qual 10. a0 qual a cnerga cla verdad pen nto os momentos ds ntais labonada reflexg, quinlo os ceetigucines altze Lésprete ch radicto oriental ‘© PODERDOMITO. OPODER | DOMITO. arta ote live € 0 edo de uta série de centcuistis que joseph Campbell cone: ‘Jeu em 198° Bl Moyers, jomalsea americano, Nele desfilan, todos ex ran- ddestemas mitologies: 9 mascimento iniciacoes, o casamento, o eavelhicc- a ite, 2 ARTA AUN AMIGO No Nese sro encontramos a essénct da pit ‘er builisa. Nagiriura, fundidor di Ecol: ‘do Caminbo de Meio, cons peices Hele © racer eos AGRINALDA PRECIOSA Negepe Tete olan coms ke erat hos encobrie a realidace, orfnvat ‘orn tases de sentido © signi AROCAE © CALMO PENSAR Malhalina Cana ate lero reine testo de Gani que ea lam own da prece e d necaeao, amas tnsrumentos © atemento espintusl de tod uma vida dedieads & mioviolénd, THOT é ume pobicagao do Asiococbe Plas hens: Seu nome ea {ome giega de uta anige dvirdede egipcia padroeva dos escabos fe dos malemélcos,ciadora descr, fundedero de ocdem social, inlrpeole © consahrera des dovses. Geraimen essbncn co pensomenta cider. fsenbeca de ibis, Thot rites Indice Galeria 2 Entrevista com Henrique Del Nero 3 © apelo da garga 10 Keith Cunningham Consciéncia linear e relagées humanas 22 Suzete Carvalho © duplo vineulo: um laco intimo entre compertamento e comunicacao 27 Patrice Guillaume Os perigos do feminino traido. Uma aproximacéo psicolégica Go mito de Medéia e Jasao 36 Cristina Rodrigues Franciscato Terapias ecolégicas 45 Laura Roieman A censura aos poetas na Republica de Platao; algumas reflexées sobre a técnica 54 Hache! Gazolla Painel 61 Literatura inais de Poesia o2 Fabio Lucas Flashes: Aturdimento ~ A ficcao de Evandro Affonso Ferreira 65 Guilherme Resstom Epifanias 68 George Barcat Th Etores: Astociogbo Poles hen oo BeoslBoslio Rawlowice, George Barca! Hunberio Morots, Ue Dikis, Primo Augusto Gerbel Rodeo Zemey,Ubroton D’mbIOs0 + Equipe Met: Colloco Veros, Donvelo oreo, sobe Crisina M. de Azevedo, Lucio Benftti Marques, Lucia, Brandéo 5, Mouiamige, Moria Léa Schwores, Moria Teresa Bry, Mat Montesano, Nurmar Faki, Pimo Alex Gabelli, Therezinha Siquera Cornpes, Wiscn Companela,Yora Bonome * Capa: Takeshi Assacka Daagremaciic eEctioracto Betbnica: Maria d> Cartro da Olvara Fotattoe: Einhoe + Prodlugde: Emilio Moulage, Sérgic Marques Impreain Disibuigsc: Gréfca a Esitore Poles Athans * Assinar 1 mo Mario = JemalstaresponsGvel: José Carvse Filho (68 = vee de 1990 SGN T4TS-BPSE ‘epesarioco Estamos numa epoca em que se fala muito em de volvimento sustentaclo, direitos humnos ¢ respeito a di rersidade, entre ouiras coisas. Na verde, fala-se muito isis do que se faz, como de castume, e como mostram os artigos de Laura Roizman e Suzete Carvalho, que fazer parte desta edicio. Eo que gcorie entre 6s, vom 0 atual debate em torno da lei dos transplanies que, por uma de traz de volta um outro tema, este recor rente © profindamente eneaizado em nossa Sociedade: a o do autoritarismo. A observasio do mando natural mostra que diversidade (a bindiversidade) €a negra. Nay vociedades democraticas, 20 menos idealmente, a diversicade de opinizo tambem de- vera ser, Para nds, entretanto, € 0 contratio: todas as facil dades so postas 4 servico dt uniformizacio, enquanto se difculta so misimo o direito & variabilidade de posicées. Falo da lei da doacio post mortemde Srgios para trans nlante, que nos obriga a esse alo Civil, a menos que decks seme 0 contrino, Ao que se informa, isso seria felo rane do-se uma segunda via da cartein de identidade, onde cons- tana um carimbo de mio-doadlor. A primeira vista tudo pa rece muito fieil ¢ demoewitico, exceto para quem ji teniou tirar uma segunda via desse documento ~ empresa que beira © surreal, em termos de viel, € allnge a inigditlade em termos de respeito 8 cdadania Para uniformizar as pessoas (todos stio doadores, até munifestacio em contririo}, fo tdo muito iil. Parx que se exerga 0 direito & diversidade de opiniao, porém, inter poem se obsticulos burocritices. Bis o velho autoritarssmo, nigis uma ver em agao. De cade ele vem, dos sabemos da Contri-Relorma da Europa do século XVI, que entre outras coisas nos legou, via colonizacio, 0 autoritarismo absolutista, destespeito 2 manifestacio individual. o ca tificismo, o meslievalismo impose de cima pam baixo, os obsticulos colocados no caminho de quem (enta assume os seus proptios destinoy e assim por diante E muito? E culturl, dirio alguns, F assim mesmo, dirao outros. F demais, diio ainda outros. F no entanto, ao que parece, hi quem ache que ainda nao é suliciente Humberto Mariout (is oe ds ao Pen ns Ol Sed erie oe Associagao Palas Athena co Bras ua leéncio de Carvolho, 99 - Paraiso (04003-010-- S40 Paulo - SP Fones: [011] 288.7356 - 283.0867 © 287.2668 oe (011) 287.8941 GALERIA rr ULISSES MATANDOS: Natureza e equilibrio Nesta edicio, THOT apresenta 0 fotdgrafo Llisses Neves Matandos, cujo trabalho, apesar da juventude do autor, jf revela todo um universo de técnica ¢ cuidado com os detalhes. Ulisses nasceu em Sao Paulo, em 1970. Ja desenvolveu projetos em que retratou a flora ea fauna de divers Em 1996, fez uma exposicio individual (Pragmentos") na Cast de Cultura Santo Amaro, Neste nimero da THOT, cle mostra uma nova fase de sua atividade, na qual aparecem, em Angulos criatives, esculturas localizadas em exteriores ¢ interiores da cidade de $90 Paulo, Em suas fotos trnsparece a preocupacao com a ratureza e 0 equilibrio ambiental ENTREVISTA COM HENRIQUE DEL NERO + O sitio da mente Neste ntimero, THOT entrevista 0 professor Henrique Del Nero, médico psiquiatra, bacharel e mestre em filosolia pela USP, ¢ coordenador do grupo cudos de ciéncia cognitiva do Instituto de Avangados, também da USP. O assunto 1 ciéncia cognitiva — esti em grande @ evidéncia no mundo inteiro. Talvez essa abordagem pareca nova a alguns, mas nem por isso émenes importante, do ponto de vista cienuifico. De todo modo, 40 fim do diilogo tornou-se claro que mats uma vez seguimos 2 vocagio iransdisciplinar da reviste: abertura mental, respetio diversidade de idéias © estimulo a divulgacao de todos os esforcos sétios © funcamentados de estudo e pesquisa. THOT ~ Gostuutiunos que voce comerisse filando do seu livro © sitio da mente. Como se deu 2 histcria dele, desde 2 con- cepelo ate 2 chegsuda as prateleiras das Hivearias? DEL NERO— que, como a de qi ou litexaria, nao ¢ totalmente intencional No comeco de 1996, por causa de um série de demandas de pessoas para as quais fara palestras, pereebi que nao ha sse Hivio tem uma trajet6r jalquer obra. cientifica renhum texto em portugues que desse conta cht mancira como tenho procurado transmit © estudo interdisciplinar do cé- ebro ¢ da ment de existencia do Grupo de Estudos de Gene’ que oriento na USP, Na €paca, como sempre, eu estava asso- berbado por uma série de outros compro- missos, mas decidi comegar. Talvez tenha sido uma espécie de panto. Ja explico. Num deterninado momento, tive contato com nxt «tista plistica. Compret um quadro dela, coloquei-o aa parede da minha casa ©, por algum desses artificias da porgao nito-consciente do cérebro, pensei que se adquirisse material e me pusesse a pin poderia produzir alguma coisa colorida que pelo menos omzmentasse uma pare de, até porque nao tenho dinheiro para enfeitar todas a minhas paredes com quadros de bons artistas. E comecamos a pintar, eu ea minha fami Passe t expressir numa linguagem completamen- manus pintando, (entando me te estranha para mim, porque no sou pinior € no conheco técnica alguma, O rocesso foi quase que uma imersio num outro idioma, sem muita censura, sem a necessiclade académiea de produzie quali- dade. Na verdade, eu era uma criangs brin- cando, No fim desse ciclo, percebi que havia um imperativo de me sentarao com putador € escrever o livo. Comecei em abril de 1997 e em novembro estava com © trabalho pronto. Se voce me perguntar quanto tempo ele demorou para ser ges tado, cu diria que isso ocorteu nos Ut ‘mos vinte anos. Meu objetivo foi escrever uma obra em portugues, que fosse abbran- gente € contivesse 0 mais possivel de in- Formacoes ao mesmo tempo pudesse set lida por qualquer pessoa com um dominio razci- vel da lingua. nicas relevantes, mas que THOT — Por fevor, explique pars os nos sosleitores 0 que é ciéncia cognitiva equal © seu estado atual de desenvolvimento, no Brasil. DEL NERO — A cidncia cogniti projeto que tem outros nomes. Em alguns centros académicos do mundo fala-se dela no plural. Na Franca, por exemplo, jencias cognitiv la é chamada de sinergéti ca. Em outros lugares, ¢ denominada aeu- roi Ainda em outros, & definida como o estudo da complexidade cerebral Enfim, de um modo geral, a denominacio ‘ciéncia cognitiva’ € uma das varias poss siveis ¢ talvez seja a mais tradicional. Caraceriza 0 empreendimento interdis- ciplinar de estudo da relagio entre cére- bro ¢ mente. Tat 4 Toda ver que temos um projeto em que mais de uma disciplina estuda 0 fendme- no mental, sua génese cerebral e, ainda, a cérebro, esta. inter-rels ‘mos autorizades a falar em ciéncia cogni- tiva, later sensu. No senso estrito, ela se cancteriza por uma abordagem de voca Gio materialist, isto & um empenho em cancterizar a mente como um process Que se origina na maquinaria do cérebro € que tem expresso computacional. termo “computacional’ aqui é usado no sentido de algoritmico, quer dizer, rela tivo a regras claras, ligicas, que engen- dram penstmentos traduziveis por algu- ma forma de expressio matemitica, se- jam elas a regea discreta da légica. ou, por exeinplo, uit equacio diferencial detem- po continuo. > entie mente Em temmos de Brisil, 0 estado atual dt Géncia cognitiva ainda € embriondrio, a despeito de algumas iniciativas, como a do Instituto de Estudos Avancados, da USP, de outnas, como a ca UNEP, ou em Cam. pos, no io de Janeiro, em Belo Honzon- te e em Porto Alegre, onde ajudei a fune dar um gripo de estudos. Acredito qu ainda exista uma dispersdo, que provavel mente se deve mais a uma falha semanti- ca do que intelectual: muita gente pode estar fazendo ciGncia Cognitiva sem se dar conta disso, © Brasil ainda € deficit uma cultura capaz, de introduzit a aborda- gem transdisciplinar na Universidade. Afi ral, foi para isso que a instituicdo univer- sitéria foi projetada. A Universidade nao & ‘uma justaposicao de prédios declicados a0 estudo de matérias separidas: & uma reu ‘plinas. que dialogam entre si FE impoxsivel estuckar a mente humana sem nilto de dis que haja pelo menos algum tipo de didlo- go das ciéncias biolégicas (afinal, 0 cére- bro & matGria viva) com as exatas, Presa mos instrumentalizar o fisico-matem: atico, PALAS ATHENA, para que cle possa analisar a génese € a dinimica dos sinais cerebrais. F isso deve set feito sempre em colaboracao com as ciGncias humanas. Nao esquecamos de que cada um de nos ¢ uma biografia dnica, THOT - Am termos de aplicagao 2 pst Quiaria © 2 psicoteripia, como se situa hoje, no Brasil, a ci€acia cognitiva? DEL NERO ~ Acredito que nesse parti- culara cigncia cognitiva nos fomece algu ‘mas metéforas, muito ricas ¢ alvissareiras, no que se refere a pesquisas fururas. Lem- bremos duas delas. Em primeiro lugar, a orientacio cognitiva recupera a possibili- dade de que o estatuto das psicoterapias Cans sensu, bem entendido) possa se tor ar um corpo te6rico cientificamente legi- timado. Para isso, € preciso que as abor- dagens psicoterapéuticas encontrem a de- vida “amumacao” conceitual. Hsta requer uma aproximagio unificada do fendmeno cérebro-mente © de como essay duas or dens operam. Assim, as psicoterapias pre- sam de uma visio funcionalisia, na qual a mente ¢ entendida como um programa, «que “roda” numa arquitetura comput nal chamada cérebro, € que por isso tem suas leis prop: . porque as leis de um programa de computador no podem ser explicadas pelas da maquina, Nesse caso, rumado”, em termos cone! tuais, um panorama no qual a mente pas- saria a ter a sua independéncia funcional em que pese 0 trato fisieo, que € 0 cérebro. (0 de “rodar” num subs- Uma outra alegoria muito poderosa vem do fato de que 6 estudo do cérebto, por meio do ferramental fisico-matematico, mostra que a dindmica dos sinais cerebrais ie-lincas, isto &, sujeita ao que chama mos de bifurcagoes e caos deterministico. Tomando todos os cuidados para que as pessoas apressadas nao a-usem de modo PALAS ATEN afoito, podemos dizer que a metifora do cas significa que © compostamento de um dado sistema biologic pode parecer aleatério, mas por tris dessa aleatorie. de existe uma determinacao. Isso é funda mental, porque mostra que é possivel en- contrar, na esirutura aparentemente ruico~ sa do sistema nervoso central, dados que ntificar as leis que 1e- nos permiter idk gem o seu funcionamento, Por outro lado, € importante para a psi- quiatria que Jevemos em conta essas leis « alentoriedade, porque elas podem nos ensina ito de que drogas utilizar, que dosagens aplicar, e qual endem 4 a melhor forma de corrigit uma trajetOria anémala, fazendo-a voltar ao estado nor- mal de compostamento. THOT - Seriz possivel dizer, entio, que © determinismo bioldgico & natural € nao ditado pelas teorits, as chamada metanarrativas, como 2 psicanslise, porexemplo? DEL NERO — Fis uma pergunts dificiim de responder, Du preferiria dizer que nio podemos estar além ou aquém dos deter- minismos hiolégicos. No entanto, dentro desse intervalo ditado pela arquitetura biol6giea, a determinacio pertence essen- cialmente aos fatores culturais, linguisti- ramos dian cose histéricos. Quer dizer, ¢ te de algo que poderiamos chamar de uma Estes esto delimi- tados e muito bem caracterizadess pela bio- iéncia de contomos. logia. Entretanto, dentro dessas fronteiras existem grandes possbilidades para o de- senvolvimento do individuo a partir de determinagdes culturais, sociais, pobiicas e economics. THOT — Comp funciona 0 Grupo de Bsa dos de Ciencia Cogntiva da USP? DEL NERO ~ Agora, que completamos um ciclo de quase sete anos, 0 grupo ji es fase de pré-encerramento de seus tri- balhos. Estamos nos preparando para outros vOos. Na verdade, 0 Institute de Estudos Avincados tem, em relicio as reas novas de esiudo, a politica de man- ter grupos por dois ou trés anos. Por isso, © Conselho Diretor entende que devere- ‘mos agora nos constituir num avicleo de pesquisa, apendicalara algum dos Depar- tamentos ou a Reitoria. Acredito que em 1008 estejamos oferecendio cursos cle mes do € depois de doutorido, 2 algunas da universidade, das unidades No momento estamos com a sensigio de haver cumprido o papel de ter dissemina do, dentro do possivel, a disciplina. Esta- mos querendo feciar esse ciclo de atuacio e trinsformar 9 grupo, «1 exemple do que foi feito na Trang, num né virtual. Exe deveri por em contato todos 0s pesquist dores brasileiros interessados em ciéncia cerebral ¢ na emesgéncia do fenomeno mental. Dessa maneira, nao precisiriamos ter cargos efetivos nem uma estrutura cara, cia, prédios, nada disso. Teri mos um nticleo de interconexio de todos ‘0s departamentos brasileiros: biologia, fi sica, matemitica, neurocigacia, psicologia, inteligencia artificial, enim, todos os que estivessem interessadlos em projetos inter- disciplinares sobre cérebro € mente. THOT — Como voce ré 4 inverligacio en- tre a ciéncia cognitiva ea obra de autores como Fdgar Morin, Humberto Mauurama e Francisco Varela, estudiosos ca comple xidadle? DEL NERO — Existe um livso da MIT Press, escrito por quatro autores, sendo um de- les © Varela, que mostra um quadro no qual aparecem circules concéntricos, nos ao caracierizados os dominios da ia cognitiva. Assim, os estudos dos Tht 6 PALAD ATHENA, Num terceiro momento, comecamos a enten- der as redes neurais como mais proximas do cérebro humano, € ligadas a fendmenos de auto-orgunizagio. Aqui aparecem Freeman e ‘outros. Num circulo subsequente, comegamos nos perguntar a respeito da complexidade (que subjaz ao surgimento da operagao cogni- tiva. E nesse ponto que enconiramos leituras do fendmeno vivente, bem ao estilo de Mo- fin, Maturana, Varela, Atlan € companhia Digamos a mesma coist de outro modo: acre dito que a Gencia cognitiva, fam sensu, en- cerra, numa versio resiria e logicista, a men- te computacional, Numa versao mais amplia- a, inciui a mente complexa, mas ainda sob 0 viés computacional, como rede neural. Se dermos mais um passo 2 frente, veremos uma ampliagao ainda maior, que nos mostra uma neurociéncia que se benclicia da interdisci- plinaridade. Finalmente, num quarto e gran- de cireulo, aparece a auto-organizacao subja- cente 2 emergéncia cle pacloes. F aqui que situo 4 obra de autores como Morin, Matura- na e Varela, ‘THOT Sabemos que os neurénios tm 2 ca- pacidade de lidar com duas linguagens, a di- gital © a anclégica Entretanto, € comam di- zer-se que nossa educacio paivilegia 2 primer 1, Isto 6, somos educades para o pensamento Tinear, em detrimento da inuigao, quando deveria haver um equilihrio entre ambos. De que modo a ciéncis cognitiva vé esse quacko? “cto wb Fs DEI NERO - 4. primeims dias, de forte apelo comput ‘ste uma certa licenciosi- ional ¢ logicisia (a chamada inteligéns artificial simbo em relagio aos termos 1, em que a mente a0 ri “digital” © “analégico”, ‘linear’ ¢ re, co céxebeo heardivar- —lineas” e simil pensamento, soffw by 7), Si¢ identificacos com Fodor € com- pode admitir mais de dois valores de ver- panhia. Num outro circulo, estio as redes dade. No entanto, a Idgica classica 6 tradi- ncurais, ¢ ld aparecem Smolensky, Ander-cionaimente bi-valorada, quer dizer, para son ef, que representam uma quebrana ela s6 existe « verdadeito ou falso, 1880 esuuturt rigida da verso computacional —inspirou o computador digital. Mas note ea tomada de um rumo mais dinamicista. bem: esse computador no é necessa se que a logica ALAS ATHENA mente uma estratura rigida: voce sabe que podemos programé-lo para trabalhar com uma l6gica fiuzzv. ou légica nebulosa. Entio, 0 problema nio é exatamente pri vilegiar o digital. Se com esse nome en- tendermos a dicotomia sim/nio, diremos que parece que a grande caracteristica dia mente humana é trabalhar com censrios, nos quais dificilmente poderiarnos decom: pora.acdo ¢ a reflexio em um mero con- junto de “sins” © *nios?. Nesse sentido, parece que trabalhamos muito mais tem- po com formas intermediirias entre o sim €ondo. S40 0 que chmo de dominios do talver, Hi, obvi ordens de talvez, Imaginemos uma porta. $6 existe uma forma de porta aberta ¢ uma forma de porta fechada ~ mas existem infinitos graus de porta entreaberta. No cérebro, essa caracteristica coordena desele proces samentos muito primanos, como o visual até a génese dos comportamentos: mais complexos, nos quais dificilmente conse- _guimos traducdes clo tipo sim/ndio, que nos ‘mostrem como retratar © caminbo da 1a- Zio ou 0 da acho. mente, invimeras A ciéncia cognitiva, hoje, seja consider: do o hantware, seja © sofware, tende a admitir nuancas extremas entre o sim e ‘© nao, por meio das chamadas logicas fuzzy, ou nebulosis. Ov entio, admitindo a exis€ncka de sistemas nlo-consistentes, que podem violar principios légicas clis- sicos como © da consisténcia, da no-con- tradi¢io, do terceiro excluido. Sio sis mas extremamente ricos, que contd logicas chamadas paraconsistentes. Assim, sefia importante para a educacio assimi lar a perda da rigider binaria do sistema digital, sem prejuizo do respeito as estea- turas da logica THOT ~ Qual sexia 0 papel do educacior esse cenitio? DEL NERO — Yejo com muita cautela a figura do educador, na medida em que ele toma como moie de inspiracio apenas a idia do anal6gico. Se esta for levada com muita rapidez a sila de aula, poderemos estar dando um sako muito precoce. Ha modos melhores de inspiracao. Se olhat ‘mos com cuidado para a estrutura do sis tema nervoxo, chegaremos 3 conclusio de que o ensino tradicional, que € seatien cial € hicrarquico, nio necessariamente deve ser colocado em xeque. Um recente report, publicado na revista The Economist, mostra que ha um numero fabuloso de ises em que se usam bons alunos nos grandes classes com um tinico professor, a0 contrario dos EUA € Inglaterra, por cxemplo. Assim, actedito que para o educadora ale- goria do analigico deve servir para. 20 lado do ensino tradicional, colocar 6 estu- dante numa constante submersio caativ @ de migracio horizontal, Em outras pala- vias, ele deve ser estimulado a executar tarefas interdisciplinares, para que possa desenvelver as suas habilidades cogniti- vas. Se retomarmes, neste final de século, a inspiragio da escola Summerhill, vere~ mos que € importante proporcionar ao all- is, coloci-lo em contato no tansfis man com a natureza. Quanto ao estudo da com- imitar ao que puitacio, nao nos devemos es sendo dado hoje nas escolas. E pre- iso tambe revolu- n mostrar algo sobre (a0 tecnologica que representa a informa tica €, a0 mesmo tempo, abrir as portas para as artes, como a literatura, © cinema © outras — proporcionar cultura no senti- do mais amplo do termo, enfim. A interface da citne cognit educacao € um movimento poderoso nos RUA de hoje. Na Internet, hd um sitedeci- cado exclusivamente ao tema. Em resu- mo, © que se tenta mostrar € que a bea formagao das pessoas deve estar caleada no elogio do estudo tradicional, somadoa Tat 8 unm forte énfise na criatividacle por meio da cansdlisciplinaridade, para que s¢ re cupere a idéia da festa como parte do pro- cesio educacional. Além disso, 6 movimen to deve se dlirigir mais, pant o desenvolvimen- to da ctica. A meu ver, uma das grandes fun des da mente humana, mais ainda que a cria- ho, €0 respeito as nor- mas que coordenam 0 das colesivida des, Infelizmente sa sociedaile pas-mo- dema, individualista © capitalista, tem feito tu- do p: como instrumento de cxaltar a mente competitividade @ em- buste. A educacay pre is2, portanio, desenvol ver tres vertentes basi- cas: utilizar softwares pant melhorar apren dizado, complementar 0 estude tradicional por meio da wansdisciplina: ridade e dar extrema Enfase ao desenvolvi- mento da ética e da cidadania, THOT — Alas nto 6 isso que ¢ cendo na pritica A educacio de loje € na maioria dos casos, um adestramento pace a competitvidde predutSria, ems que © computador & muitis vezes utilizado como um instumento de propaganda e videogame. £ 0 que voce cham, em seu livro, de ‘onte- assed, mente" no? alas arisena, DEL NERO ~ Sim. Para mim isso estd muito imo, Tenho escrito que é preciso que nao nos iludamos com yeiculos como a Inter net, por exemplo, naquilo que ela tem de revista de sala de espera de consults rio. E preciso que tenhamos uma forte nogiio de estrutura, um certo preparo, que nos permita saber 6 que procurar € como utilizar o que enconiramos. Informagao mutiplicada nao significa conhecbnento muliplicado. Ket CUNNINGHAM ee () APELO DA GARCA Uma incursao pelo universo do simbolo e do mito, seguindo a trilha da poesia Kemi CUNNINGHAM vire em Chicago. E roteista do Ginera, censor e redua- do em pscologia sea Noe Ihwostm lnivesity PALAS ATHENA io muito esforgo € concentracdo, para que se adotem atitudes ‘ecolégicas e sustentaveis em relacao a esta Terra em. que vivemos. um longo processo, esse de transfor: mar antigas maneiras de pensar, cuja consolidaczo. demorau séculos. 0 mundo animal tomou-se um foco de nossos esforgos, ¢ as espécies em perigo sto as bandeiras do nosso movimento. E possivel entender os animais. De alguma forma, podemos nos relacionar com eles ¢ empatizar com seu Sofrimento. O aspecto indefeso de um filhote de foca desperta em nés um grito de angiistia: 6 um bet um ser vivo, que de algum moxo poderia ser um filho nosso. Mas existe uma outra ecologia — a do mundo interior. Dentro de nés também hi animais. Nao € 0 modo como nos rekacionarnos com essa €co- logia, nas profundezas do inconsciente, que determi- na a forga ¢ 0 mérito real de nossas intengdes exter- nay’ Se 0 animal nao estiver vivo € reconhecivel em nosso interior, como poderemos saber se a compai- xao que sentimos pelos bichos 3 nossa volta nao pas- sa de um excesso de sentimentalismo? Sera possivel aceitar os animais como verdadeiros irmaos, 20 invés de vé-los como icones de uma naturezt interna que 1n6s proprios perdemoy Em recentes reunides da Sociedacle Gregory Ba- teson, em Chicago, estivemos discutindo sobre co- movas eriancas se relacionam de modo empatico com os animais, ¢ qual © significado das imitagdes que fazem deles, Discutimos também como a visa0 culta- ral dos bichos, ¢ 0 mado como elas projeam neste 1, modificam as experién- sua propria natuseza ani Gas infantis, Essa é uma linha de investigaglo muito interes- sante, Pretendo dividir com voces algumas de minhas experiéncias com animais, do ponto de vista poético. A énfase aqui recai sobre o que se poderia chamar assim. Um sinGnimo seria agao criativa por meio da inguagem. De toda forma, trata-se de um trabalho que inclu 4 imaginagao espontinea, tanto no aspec~ to cinestésico quanto no visual. Ou, por outra, um processo gestiltico primario, que inclui todos os mo- dos sensoriais € cognitivos le uma s6 vez. Como ocorre em qualquer aco criativa, s6 em parte esse processo € consciente ¢ deliberado: existe nele uma outta face, que € experienciada como vinda de fora ou de algum Outro, Para mim, o tema dos animais tem sido fortemente ligaco ao ato esponta neo, € mesmo involuntirio, de imaginar © conkecer de maneira cinestésica. Voltando um pouco atris tenho de reconheces, mais uma vez, 0 que 08 povos cacadores tradicionais sempre reconheoetam: a pro- ximidade dos animais ¢ a do Espirito. Essa conjun- sao € identificada no totem, que € simultancamen te expressi no bicho concreto — 0 indivicluo que € membro de uma espécie — e em algo que se aproxi- ma da idéia platonica dos atibutos ¢ da natureza bie sica do animal. Nos contos de fada, os temas do “bicho duplo” ¢ do animal que ajuda apontam para uma realidade psicolégica deste como uum aspecto da alma, que guia € corrige @ trib ou a jormada do filho do moleiro. Trata-se do bicho como uma representacao cla parte da alma que esté mais prdxima do corpo, seus instin- tos, sua sabedoria mais profunda. Em retwospecto, no me tem surpreendido 0 fato de que onde esti o esp sito criativo esta também 0 animal A Reauane Poénca — Em minhas observacdes afirmagoes, faco referéncia a uma realidade poética, que inclut expeniéncias de idemificagio com © pro- dute mental da percepeRo ¢ momentos de fustio do suleito com 0 objeto. Para mim, pelo menos, o poc- ‘ma € muito mais achado do que composto. Isso quer dizer que sva rizio de ser é registrar fielmente 3 esperiéncias. Assim, nao se trata de uma inveng deliberada. Desse modo, na qualidade de poeta, con fesso que estou entre os que dependem de inspira. cao € enlusiasmo espontineos. Em consequencia, estou também proximo de uma espécie de experién- Ea propria natureza dessa realidade poética que me interessa aqui, bem como s i ere exterior de crengas © relagoes. Para ctiar um modelo diverso de relacionamentos, precisamos de um acvo mifo, que este assentado nas profundezas do inconsciente. Trata-se de uma pare da grande ¢ necess 1 ¢ valorizar as innuicbes que vem por meio do compo ja € comeyar uma rela- lo com © animal. Mas esse é um terreno escorrega- dio, que esti metade no inconsciente. Para pisar nele, raramente ousamos confiar em nossos sentidos. Tet 11 Como € natural, os estados de identidade € fusio no so visiveis ou verificiveis de forma objetiva ou clemiifica. No entanto, af € que esz4.o problema que Gregory Bateson nos apresenta ao confrontar a cién- cia € o sagrido. A questio no é determinar se 0 conceito de interacao cibernética pode ampliar a no- a0 de “mente” para além dos sistemas vivos, de modo a abranger a “ecologia mais ampia” do Universo. Part mim, isso € mais um conceito do que uma realidade viva. Minha pergunta é: sera que minha peSpria seal dade postica existe, entre uma “realidade” con: sual, observivel, e uma “base de ser’ inefivel, que do pode ser examinada? Uma realidade poética como essa, mesmo nao sen- do material, tem efeitos observaveis no mando da matéria. Vou tomar um exemplo facilmente reprodu- zivel, do curso que dou no Columbia College, Anos, sonhos € 0 cinema. Procurande chegar i compreen- sao do que é uma idéia mitica, tal como poderia sex experienciada por um “fiel” ou “adepio’, uso um exer cicio muito simples, tirado do aiisidé. Trabalhando em dupla, uma pessoa estende o brago a sua frente, tensionando todos os miisculos. O parceiro apdia a mio estendida em seu ombro ¢, pressionando para aixo 0 cotovelo, dobra-the 0 brago. Nao € uma tare- fa dificil para pessoas do mesmo tamanho. Depois de trocar de papéis, o primeiso parceiro de novo esten- de © brago, agora em estado de relaxamento, ¢ € inatruido par “sentic’ © centro de gravidacle no bai- xo venitre como sendo o seu centro de A/lenergial, € para construir uma imagem de seu braco repousando num feixe de luz niio-dobrivel, que vai do ombro até © infinito. O parceiro aplica a mesma pressao de an- tes, até maior. Mas 0 braco mio pode ser dobrado, na medida em que sua imagem agora € de forca. No entanto, a pessoa esté bem relaxada. Em minha opinifo, isso demonstra algo da nature- a da realidade postica: ela constitui uma espécie de evidencia, uma prova. Os temas ¢ imagens animais ligados a poemas tém também alterido meu estado paivofisiolégico, ou Ai Asartes marciais chines amplamente a imagética animal como modelo de posturas € atitudes adequadas, Acredita-se que ¢ transcendem a mera imitacao € chegam a transforma- Qo real A realidade postica é uma espécie de £7, Questio nose ela existe fort da minha mente, ou se funciona como um efeito auto-sugestive, “placebo”, ou mes- mo se ambas podem ser separidas. Seri que pode- mos descrever esses fendmenos em relacio a uma causa, 20 invés de vé-los apenas de modo empitico, ‘ou ser que devemos deixar que esse outro lado per mmanega no dominio do misterioz que se segue, analisada de forma breve, é uma série de poemas que indicam a evolugio € as distin: tas fases do meu envolvimento com temas e imagens animais. Com freqiiéncia, tenho me sentido comoum, homem primitivo, revebendo ligdes dos bichos, ou como um artista marcial. Com minha mente sobria € 2, chamo isso de projecio. Mas sou eu quem 4 algo no animal, ou € 0 scu aryuétipo, vivo numa dada realidade arquetipica, que se projeta em mim? Ao incluic relatos de meus estados subjetivos, junto com esses poems, espero iluminar © proceso, ~tanio part mim quanto para voce ~ ¢ abrir uma porta para que © animal ent Hai-Kus, 1975-1977 — Durante os meus anos de se- cundarista, escrevi a principio poesia hai-ku, que aprendi aos 13 anos, Isso coincidiu com 0 inicio de minha puberdade, ¢ de uma nova percepeio de meu Corpo como um proceso que se movia numa di- recio para mim imprevisivel. No colégio, o haku parecia transmitir 0 que havia de mais novo. Era uma forma de personalizar minhas exploragdes em. religido comparada e antropologia. Mas nao foi mio em 1975, quando comecei coma meditagio Zen, que escrever poesia se tomou uma experiencia in- terior, especificamente por meio da intervencao do animal. JA me haviam sugerido que preparisse uma repre- senlagio anistica em torno do /iai-ku © outros tipos de poesia inspirados no Zen € no taofsmo. Nao me senti qualificado a fazer isso sem experienciar tanv bem a meditagio sentada. Em conseqtiéncia, come- cei a freqtientaro templo budists de Chicago. & dificil apontar um momento especifico como ponto de par tida, Os poemas de Basho sempre me sensibilizaram. Fsse poota deseeeveu of 4 do mundo natural, € retratou a vida do individu que, na natureza, [uta contra forcas primais. Em seus poe- mas, ele deisa sempre claro que 0 animal nao é uma simples metfora e jamais uma alegoria: continua Trt 12 PALAS ATHENA, sendo uma eriamma viva e especifica, que pode ser observada num dado momento. Num ramoseco cat a notte de outono, existe aqui uma comparagao interna entre a figura pequena e negra do convo, a frigil escuridao do rao nu @ 0 negrume amosfo da noite que desce. Entretan 10, est também implicita a prépria unicidade do po- eta com a cena ¢ sua auséncia de eriticismo da reali- dade natural, Pelo menos no caso da famosa poesia de Bashé, sobre a 4 que pula num velho tanque, € dlaro que 0 objeto do poema, o batriquio, ¢ idéntico consciéncia do poeta: um momento fusionado de perceppio/criagio Assim, 0 exemplo desse poeta tomou-se um modelo para mim. Um de meus proprios poemas desse periodo, por meio do qual comecei a entender algo a respeito da experiéncia unificidor, fol 0 seguinte Uma moses nasceu em minha casa. Aviels, ela mostra suts nov A conexo com o animal é obviamente pequena teatativa, ¢ se expressa como uma moxea. No entan- 1p, durinte varios dias mio pude evitar de andar por meu apartamento, movido por uma enengia semelhian- te A daquele inseto. Ele se tornou meu companheiso, em minhas fantasias, comecamos 4 nos conhecer mutuamente. Dividi com ele a minha solido, ¢ co- mecei a experienckar a alieridade de outa criaturs em seus proprios termos — ou pelo menos em termos mais neutros. Mas foi somente nas representagoes de Zen € 4 arte da poesia que uma espécie de base nasceu da consciéneia do ego ¢ permitiu a emengéncka do ani imal, Penso que foi o fato de estar num palco, num estado. altamente concenteado, encarnando 2 poesia tanto na pantomima quanto no som, que coniribuiu para isso, Um dos poemas da representacio, da zuto- fia de Bashd, desereve uma tempestade 2 noite: Um relampago Fulgucs 0 gnito da gurea noturna viaje na escurilio, Durante o ensaio, quando eu ja estava caracteri- zado ¢ pronto para dizer 0 poema, um grito de fato, irrompeu em mim — um som que jamais pensei ser capaz de emitir. Bu conhecia bem as garcas, ¢ aquele ago foi o som de uma delas, nem tampouco o meu. Foi primal, Guardei-o para as representacoes ¢ ele se mostrou podereso. A cada vez, eu senti que ect de faio aquele pissaro, wansportado para alm de to- dos os julgamentos racionais 4 seu tespeito. Mais tar- de, pude dizer que a ave me proporcionou uma dor € a uma solidao pessoais qui fundamente reprimidas, que eram andlogas & situa: cao da garca ¢ podiam, agora, ser desbloqueadas por sua imagem. estavain pro- No entanto, se tudo fosse limitado a uma anamne- se pessoal, a garca poderia ter dado o seu recado & desaparecico, Mas isso nao aconteceu: ¢la continuou comigo e dentro de mim. Sua tealidade ainda era a minha. Fla ndo apenas trouse uma mensagem: era a propria mensagem, ¢ esta nao dizia respeito apenas a minha vida, mas também 2 dela. Fri algo ligado a solidao existencial de cada sex, nossa eterna noite © a perene afirmativa do nosso ser, que poderiam apenas ser experienciadas por meio da forma exata dess poem — pelo mencs no sentido de que um fragmen- to hologrifico coniém © holograms inteiro. Desse modo a garca foi o meio preciso, tanto no sentido de McLuhan como no antigo, do transe medidinico, que guia. o mundo espiritual Dois anos depois, o passaro como médium retor- ou com uma imagem ainda mais forte, Era uma noi- te de primavera, em Dallas, e uma trovoada havia ressoado através da noite. Bu estaya com uma mu- Iher, que pensava ser o verdadeito amor da minha vida, e havia adormecide com a janela aberta, que deixava entrar a brisa quase tropical de maio. Na noi te profunda, j4 quase 20 amanhecer. acordei com 0 trovto € © canto de uma ave parccida com um rouxi- nol. Na verdade, pensei que tinha sonhaclo com aqui- loe que tudo fosse, talver, un momento de perfeita harmonia entre © interno € 0 extemo. A. gestale da- quele momento era a minha conscién Que acontilo pelt chu, pode estar cantanclo ‘to docemente? <0, Ei minha experincia subjetiva, naquele instante, foi como se um universo inteiro tivesse se aberto para mim ¢ logo se fechado de novo, no momento em que, sare cantons mais IMA vez e © LOVAD TeSsdOU com suavidade, A vela que haviamos acendido no peitoril da janela buxuleava, ¢ tudo era tio tranquili- zador como quando fui para @ cama, Mas me senti abaladlo por um nove conhecimento ~ 0 de me jcar com aguilo O que ¢e vé, ento, € 0 proprio poe pentado pela chuva, En adormecido, 0 canto do passaro divino € a forma, 0 som ¢ a cor do seu ser é ele proprio. Ble eo canto do passaro sto um $6, © ainda assim nao perdem a individualidade. E 0 canto da ave é também a vela bruxuleando no peitoril ¢a mulher ainda adormecida ao seu lado, Ble € tudo isso. Se momento, ainda meio E € também o canto do pissaro na chuva, que 0 desperta para as /acrimae rerum: as Kigrimas que ha nas coisis ~ a beleza efémera e a tisteza, que fazem parte do fundo da nossa experiéneia humana. Ainda assim, 0 piissaro esta cantando com docura a cangio da propria alma do poeta, e isso sedime a tristeza ea eleva a é 9 nivel de um destino, Olhei longamente para a minha amiga dormin- do ali (alvez. minha intuigao estivesse aberta, naque- le momento, para as dificuldades nao reconhecidas dla nossa relacao), € me dei conta de que 6 amor era também efémero. Faltavam, na realidade, varios meses para que eu viesse a admitir de modo cons. Gieme essa possibilidade, que me tnha sido apre- sentada como um fato virtual, durante um momen- to visionatio. Pormas, 1976-1979 ~ 0 tema © a expene: stro como um mensageiro chegaram a um ponto li- miar, no qual cle foi assimilado ¢ Ievado para um poem maior. E assim scu significado © mporant se trunsformaram em dominios da consciéncia. No verto de 1978, comecei a uabalhar imensivamente com uma professora chamada Jean Houston. O traba- Tho consistia em imaginagao dirigida, estados alte dos de consciencia € incluit tambem atividades cor- pomtis, ioga, dinca, exercicios sinewésicos © assim, por diante. Naquele vero, eu estava num estado de grande abertura ¢ talvez bastante excitado, sa do pas Entre das sessoes de um workshop, que se passa- no interior do estado de Nova York, voltei para Dallas, Foi durante esse tempo que escrexd am poe ma, A caminho de casa. A poesia isrompeu de stbito, uma noe, quando cu cuminhava para casa de volta do campo de futebol. Naquele momento, senti que ele havia captado por inteiro a esséncia ca minha vida € 0 fato de que eu ext uma pessoa, do mesmo modo que 0 Testamento, de Francos Villon, captara a dele, Eu 0 experienciei como uma revelagio que nap poderia ter inventado, € tive fantasiay de que podria ~e de fato deveria —morrer naquele instante, € de que algo sublime havia sido aleancado. © pocina pareceu ter chegado ji totalmente for mado 4 minha cabeca, impetuoso € rodopiante, en: {quanto eu me esforgava pera “ancorar” seus fragmen. tos no papel, 4 medida que passivam por mim. A passigem que Fala de “passaro da vida” 6 a seguinte: Porque isto asconde agora clentro de mim, esta paixio sem objeto, que subiy e.assio contiaus, e me fiz chorer em trigica 40 proprio sangrar da vida leg, 40 seu propio sangra? (Quem & essa amada que encontro em toda part como 0 pissaro noturno 2 minha junels, que me desperta para suas melodias raras, de saudide, bénglo ¢ amargas perdas, tudo de uma ve2, observacto junto, que conta como se esta noite ea chav fessem dfs, © fiz 0 mundo desabrociar de tal 110d0 que cada rebento floresce com 0 meu descio. 14 todo um processo de encontro € assimil: com © animal, perceptivel na seqaencia de poemas que comeca com o meu haiku da mosca e o da gar- sade Bashd, 0 poema Garg azu, de 1976, no qual Wve, 0 pescador € 0 menino/observador jt esto fu- sionados entre si, 0 haiku sobre o passaro da noite de 197, ¢, finalmente, a passigem acima, Primcito, iia vaga sugestio de Uma consciéncia existente fora da experiéncia humana ~ a consciéncia de um Outro espectiico. F esse Outro, Sob a forma de um médium ent transe, on tum “senhor animal”, abre a porta para © mundo mudo € noturne da natureza em si, invisk vel as lentes antropomérficas. Por seu intermédio, Tt 15 chegamos a0 conhecimento no qual as fronteiras en: tre 08 seres so fluidas ¢ rela rivas, se & que existem. Tudo isso, exceto a tiltima etapa, foi gerado por experiencias concretas, especificas, € pela observa cdo da natureza, ¢ mostra o pissiro agora incorpora- do a uma realidade inteiramente pottica. Suponho que poderia cham-la de icone ou mito vivo, que ainda se refere 2 realidade, mas o fz num contexto ais transparente ¢ sublimado, Ele chega a se const: tuir num arquétipo do passaro, do qual os pardais, faledes ¢ tentilhdes individuais ros € manifestagoes. © processo inteiro tem um. card ter cic 9 agora mensagei- Incluo aqui também um poema do comeco de 1979, chamado Kanywk. Embora ele niio trate de tema ou experiencia animal, obviamente tomou-se possi- vel pelo ciclo anterior de assimilacio © anunciou 4 abertura de um novo ciclo de trabalho, no qual © encontro com o bicho poderia se dar de uma s6 vez, num nivel mais consciente © até transconsciente E um poems que revela © seu proprio processo de conscientizacao, Em 16 de janeiro de 1979 houve uma grande ne- vasca em Chicago. Eu estava passando algum tempo ‘com meus pais apds 0 Natal. Nevou durante todo dia, até 2 noite. Depois do jantar, fiquei fora de casa durante varias horas, retirando neve da caleada com uma pi. A natureza titanica da tempestade foi, para mim, belt e inspiradora, enquanto eu abria pouco a pouco © meu caminho até @ rua. Pensei nos iogues do Himalaia, que aquecem. seus compos nas monta- nhas nevadas por meio «lo tumo, uma espécie de ca lor interno, ¢ tentei manter minhas mos e pés aque- cidos, dirigindo, em pensamento, calor e sangue até les. Isso pareceu funcionar um pouco € me senti muito contente por estar trabalhando na neve. Ao terminar, entrei, tomei cha quente € me deitei perto da lareira. Meus pais ji tinham ido dormir e 2 ‘casa estava em silencio. Umm exemplar da revista His t6ria Natural havia acabado de chegar, € eu. 0 abri no tapete i minha frente. De algum modo, deparei com um artigo sobre Robert Flaherty, que filmara Nanook do norte. Uma mulher pesquisou as primeiras fotos de Flaherty, em Cape Dorset, ¢ descobriu nelas des- cendentes dos esquimds. A primeira pagina do artigo mostrava a fotografia de Avaleeniatuk, uma jovem de nao mais de 20 ancs, que olhava visando direto a frente, como So os americans nativos, naquelas ve- Ihas fotos, pareciam capazes de olhar. Surgi wos 1stos mesmerizantes, com suas historias hu- manas singeles, a medida que eu virava as paginas: Noogooshoweetol, um grande cagador, Allego, aju- dante de Flaheny na cimara escuri, que depots se toenou xama; a propria Avaleeniatuk, que morreu com sua familia numa tempestade de neve Eniao vrei outsa pagina e parci, Ld estava Kanyuk, Sua face era tio bela, irraciava tanta forea interior € misiério, que nio pude seguir adiante, Era a propria animé: bonita, auiocentrada, fascinante © alliva a um 86 tempo, abrinclo-se para 2s profundezas do dlesco- nhecido. Olhei fixamente para aquele rosto por um longo tempo. A luz bruxuleante da lareira nao devia ser diferente da chama dla lamparina que Flaheny usara para fazer a foto ¢, naquela luminosidade, cla foi vol- tando. Comece! mesmo a imaginar que havia uma mulher viva diante de mim, Fu estava num intenso extado de concentragao. © universo do imaginario rondava por pert. De sabito, a fotografia pareceu explodir como uma nebulosa estelar. Embora meus olhos devessem estar a cerca de quinze ou vinte centimetros da pigi- na, os grinulos da fotolitografia se tornaram tao gran- des que a propria imagem ficou indistinta. Meu crista- lino foi adaptado para uma ordem diferente de rea- lidade. Lembrosme de que naquele momento pen- sei, deliciado, que agora entendia como o» antigos ourives irlandeses eram capazes de moldar dois ho- mens ¢ dois cles serpenteantes, num espago menor que a unha do mea dedo minimo. Deveriam estar num estado mental como o meu, determinado ape- nas pela vontack. im seguida, apés algum tempo, ocorreram novas transformacoes na imagem. A realidade fotografica se desfez por completo, e as reas de luz e sombra se transformaram em formas autGnomas, como rostes, que surgem numa superficie calciria, Flas eram, de um modo geral, focas, morsas e peixes, que se mo- viam rapidamente, coleando a esmo como 2 fauna de um mundo unicelular — todas contidas no rasto de Kaayuk, por causa de seu aspecto de mie-deusa. Hla endo surgia de novo, € claramente, como Kanyuk, a mulher, ¢ eu a vi em tempos diferentes ¢ sob ciscunstincias diversas: maha e noite, fora do gelo © peno da lureira, cothichando ou discutindo, Trat- 16 PALAS ATHENA, Aparecia ofa como uma crianga, ora como uma ve~ Iha, ¢ tive a impressio de estar me revelando essa alma especifica, essa individualidade. Naquela noite, tive dois outros momentos de gran- de perceptividade. Durante todo esse processo, num, dado instante meu pai desceu de seu quanto para checar 0 termostato (que Bateson deixa de fora, em suas equagdes!). Ele estava a uns cinco ou seis metros de mim, mas seu rel6gio de pulso batia ako, como se estivesse encastado 20 meu ouvido. Isso durcu um, longo momento, € bastou para que cu segistrasse conscientemente essa impressio. Algum tempo depois, fui para a cama. A neve ha- via deixado de cair € a lua biilhava. Olhando pela janela, para um local onde uma fileira de arbustos, Jangava suas sombris através de espacos de um bran. co letoso, meus olhas se dirigiram de imediato para um enelho encolhide no meio da trama dos ramos, Em minha mente, ento, tudo isso se assemelhou a uma visdo de ruios-X, e eu me senti de fato habitado, assombrade por alguém que poderia ver por meio, dos meus olhos, com poderes esquecido No din seguinte, ninguém foi trabalhar: haviam caido qu as lojas, estavam fechadas © os deslocamentos eram impossi- veis. Esquiei pelas ruas brancas ¢ desci as ravinas até © local onde um bueiro se abria para © lago Michi- gan, Havia outtos esquiadores por la. © topo da pla- taforma de conereto onde estivamos era cerca de tres metros ¢ meio mais alto do que a margem do lago. A esquerda, um molhe penetrava na gua. Empurrei um loca da neve teazido pelo vento dei-the a forma de uma onda gelada, prestes a quebrar. No seu topo, € to fino que se tornava transhicido contra 0 céu. Era como uma dessas rampas usadas pelos aficionados do skaie. Eu disse a uma mulher que estava pero coma seria elegante esquiar sobre aquela eleva Fla respondeu que seria impossivel. se a neve se par tisse, 0 esquiador acabaria dentro do lago. 80 centimetros de neve. Tod: Eu me sentia vavio. Pensei por um instante, ¢ en- tao me ovorreu que eu nao poderia fazer aquilo, mas Kanyuk sim. De modo coasciente eu me pus em suas mos e me atirei para diante, utilizando a velocidade _gunba por minha posigio elevada pars me levar até a rampa, Quando cheguei 2 horda (nem mesmo pens- ra que 6 conseguiria), fiz. uma curva répida, d pela ondulacao, como um surfista, € desc rumo heira do lago. Por um instante, foi como pum delirio: eu-me se if comp um Cientista Cujo experimento tivesse dado certo. Kanyuk estava por tris de tudo. Dediquei o dia 2 dla, e também a volur-me inteiramente para a mi- nha vontade, como se isso fosse possivel: deixar ou- tro desejo soprar através de mim, para ver o meu mundo através de suas lentes, até no saber mais nada do meu proprio mundo, mas part ye-lo como algo esiranho; novo, misterioso, revelador da linguagem do seu proprio sex Kanvux — © poema Kansuké um registro daquele cia: Na damingo, depois da nevasca, vou esquiar no Lago. F rove, Kanyuk Paro, silencioso, durante uma hors (piranios a plum de nossas almas para a secrete cangio de Si quando parar é 0 centro, quando 0 serse detéme parimoscom ele, olho para. forca do gelo que emerge da grand solidio, ee-sinto como le proprio me sente, como se esuvesse respirand: ininka respiracio e perisralse carreacss (paca o alento de um ser niaior Kanyuk, Kanye: sopro a sopro, pelea pele, gemilo das ondas nos ocos cis rocks. Unn vento forte me leva para o sul: recomtou as ondas, como uma velha senkors cunande pesto da larcirs Quem me cheama? Quem vai alem dis vingens do olfto, © 4 mene winds no? ALAS ATIUENA Kanyuk, voc’ constnsi dante de mim um ar ms Dou um passo para 0 seu interior, caminho 2 passos langos para dentro de um sex, onde s vordadeiro, nado hd restos torsos de tempestices dle neve, cuinelo das montanhas cobenas de bosques ae a margen (estamos sempre Ii, no centro das quatro direcoes) (Ougo com seus ouviddos, cubra minke ci Yep comseus ofhos, Kanyuk, Id, onde o buciro Janga ume Jonga sombra sobre o gelo, em seu lugar de permuntncis temporitit, o misterioso, proferindo mandamentos, ca eternidacle para 9 tempo, Jato num vonice ardente de silencio. Sua sombra & fia, seu sere alto como 0 eeu: um ser estranho cuja alma é 2 sombre como consegui chegar aqui? Quem irocou meus oltos por sentides mais suis? Os objetos ainda estio presentes, mas jf ado os vejo: wejo com eles, ejo por meio dele. No sao mais objetos, mas os crgos com que ve Fo que €que eaxergo, educido por sua vist (gelo transformandlo-se numa forma acednica de nore @ rio num Outro? A iiimidade cs minha paisagem, nesta visio. transmigrante oe tons tins cus fans sopro.sopro pelea pok, ‘ais perto que 0 spre. mais fnimo que 0 sungue Voc® estt comigo, Kanyuk, exch au Yejo com es seusofhos evocé comes meus. Herdei seu expitito vocé gerou 0 meu compo, equepeder Ease, na casa da noite ancestral (onde uma veha senhiors fi vic, €0 vo das aves gic, sem engrenagens, 2 partic de su sombre, ese abre pare tris, pars muito além, além mesmo de voe’, Kanyul, para uma escuntdio ainda mais profiuncs), que poder nos juntou agors no centto da escunidio e di Suz? suave, sobre 0 fago da Hoje cu me alimento puta que vove tambéin posse viver (crescer, pesada, no vitero da minha terra) sont, dangar de novo © murmurir sortilégios em sua pele. Por meto do meu compe vooe margeta de novo, ogclogese encins, @ conduz 0 siléncio dos lugares de despej. E, veja $6, uma barreira de corel em mares trepicais, cuja miriade de carclumes de peixes purpurines quebra a superticie de nosso sonho comurn como rostes de amigos esqueciclos © mundos tao micos em formas de vite que osethos do tempo exploctem, € nos tornamos formes que derramam, como metodias, de urn lado pars outro, grande ser por entre as nassas mas V esereve no papel, dirige um carro, ulna de um sexo 2 que nunes pertenced, Enxengs fonge, ve mithares ile coms pars aquecer 4 sua jornada pelz escuridzo. Jrerdei seu expinito, voc’ herdou meu corpo: juntos, herdimos todas as culturas da humanidacle Voce esti morte ha cingiienta anos, minha irma-xama, mas seus ofhios aquecem 2 minka cama esta noite. Trat- 18 Mesmo correndo o risco de transformar 0 poema em si num mero anticlimas, foi necessirio esbocar 0 proceso mental eavolvido em sua criagao. Eu dita que ele pertence inteiramente a0 reino do animal co: mo médium, embora mais uma vez me expresse em, termps de realidade poética. Isso certamente se de- terior de experiGacias, no qual 0 ani: .geiro ou guia me livrou do embara- ¢ aca mal como mens co de uma certa perspectiva egéico-humana hou fazendo com que a poesia se tomasse possivel para mim. HA aqui um proceso paralelo 20 mais antigo: pri- meiro houve um direcionamento, em termos senso- rials, para um Outro especifico, Este se abriu Muida- mente para rds, para 0 nao-consciente — para aquilo, que est, digamos, 10 mesmo tempo no meu incons. ciente ¢ no da natureza. Seguiu-se um sentimento de Sdisponibilidade” e fusio. com um conhecimento de tantas formas de vida quantas puderam ser apreendi- das: um sentimento nio apenas do “todo”, mas de cada especificidade, tal como ela se apresentou. Por fim, ocorreu um “retorno & consciéncia’: a formula: a0 verbal da esséncia do insight alcancado. série “pissaros” foi o insight das “ués melodias raras... simultancamente percebidas” Fla foi formulada ainda no plano da metafora, do “como se" Aqui, o insight que julgue’ essencial foi {cimosamente expresso em termos de percepcao real. Ha uma forte ambivaléncia, que liga tudo isso va *mistico” Os objetos ainda estio li, mas ji no 08 vejor vejo com eles, enxergo por seu intermédio, Eles nao sto ebjetos, mas os dxgdos de mina visio. Potnas, 1983 — F. possivel que eu seja simplesmen- te bastante sugestioniivel, aberto @ influéncias exter nas ¢ estados auto-induzidos: 0 poeta como crianca H4 aqui uma similaridade com a tendéncia infantil para imitar posturas © sons animais, tomarse um bicho. E suponho que “tomer-se’ animal abre para a crianga um mundo que esti além do universo dos bichos. Ela nao tem, nem precisa ter, uma lingua- gem que verbalize a sua experiéncia. Talvez na si multancidade do estado pré-verbal, a crianea peque- nz incorpore, de modo imediato, 0 que para mim surgits em forma de varios estigios de relacio com © aninnal. Assim, houve uma terceint fase do proceso do bicho como médium e mensageiro, na qual o grau de identificagao com os animais foi ainda mais intensifi- cado. Alem disso, 0 vetor foi invertido: em vez de assimilar a mim mesmo como um animal, este pare- ceu estar me assimilando. Eu pederia dizer, por outro, lado, que essa foi uma fase em que me vi como um, médium para ele: algo assim como, suponho, aconte- ce com 0s haitianos adeptes do vodu, que se consi- deram “cavalgados’ pelos deuses. Por coincidéncia, ‘esse foi um periodo no qual eu estava de algum modo. envolvido com 0 misticismo € os rituais dos america- nos natives. E nessa fase houve alguns eventos vivi- dos € sincrénicos cavolvendo animais. Aqui, os dois poemas datam da noite de 27 de fevereir de 1983. Fu estava acordado, mas ainda assim eles vierum a mim como criagoes involunti- ras: surgiram ndo apenas de forma simultanea, mas até mesmo conira a minha vontade. Em primeiro lu- gat, o “animal” pareceu estar falando dirctamente Por meio de uma determinada parte de meu corpo. (© primeiro poema, sobre a cascavel, parece ter sido, uma sublimagio diret das minhas enxaquecas, mas eu senti também uma forte onda de calor ¢ energia subindo pelo lado esquerdo das minhas costas ¢ pes- coco, € tive mesmo a impressio de um silvo em meu ‘ouvido esquerdo. Quase imediatamense depois, houve em minha coxa uma tal sensacao que eu pensei que ela tinha inchado até varias vezes o seu tamanho normal. Est foi a fala do “bisto", As palavras dos dois poemas se precipitaram a partir dessas sensagoes, de uma forma, que no consigo explicar mesmo agora, muitos anos depois. Ambos os poems iromperam de modo s- multineo, de maneira distinguivel, enquanto as sen- sagdes fisicas Ihes faziam eco e se esfumavam. PALAS AITIENA, A cascavel Tenho uma cascivel em meu ombro, Bla scanpre surge do bade cego. Vem quando menos a espero. Agora, esd cantando 20 meu owvido, Canta agora ao meu ouvido. E quando morde, seus coinithos afuncam, ext pulo, rocopio, ero como cinco pos de anivnal e guincho como cinco especies de pais Minha boca espuma com o disparate que as pessoas chamam de poesi A eascavel tem visto de si0-X Vago entre seus ossos agers, separo-os, eelesme contun as pedras me contara seus assos estio contando os peixes do maz Levante-se pars ser contacto: quem conta quem, afinal? Sonhos de bisio Estou na coms com minha mae. Os dangam, esacodem as cabegas, como deméinies. alhios clas dirvores iremens, Voet pade me encontrar, debaixo ca sua geology? Estour mergutharclo no subsolo Subs uma montanha a luz das estrelas Ache unr sitio onde: 2 getma ceclemoinka como fi Pophs isso sob oseu veniree dejte se: Abaixe a sua hoca © grite Pare dentre do solo. 0 eabelo em suas cabe Voot pode me ouvir, sin. Bu estou chegendo, Vit 20 ALAS ATHENA. Estes poemas foram de fato importantes para mim € representaram uma culminancia. Nesse perfodo, perguntei a mim mesmo como poderia continuar es- crevendo. Temi que, como pe sas clocuges pudessem ser incompreensive's. Acompanhar poe- mas me conduzia a esados de éxtase que s6 peri fericamente tinham algo 4 ver com a experiéncia humana’. Na verdade, estavam além. A linguagem tomou-se mais depurida, fragmentada, quase wi mac-linguagem, em contrasts com as linhas “Clds- sicas” ¢ fluenies que eu havia identifieado como sen- do o meu esiilo. Foi, na verdade, como se a vel estivesse me dividindo ¢ reordenando o meu inte- rior Era para sero fim de minha experiéncia co- mio poeta. Mas era também a culminincia de outea s cde, na qual acontecia o estado final de fuse de transformacto € ume preparacao para um nove movimento, Naquele veri fui para a Italia, com to~ dos os meus érgios psfquicos alerias © ampliados para trabalhar num roveito de cinema. Li encontrei a mu Ther que haveria de s+ minha espasa. Lio gre de sonho que tive com ea, num pequeno hotel dos Alpes, pareceu capturar toda a energia e os temas esparsos desde o meu desenvolvimento Ihes um novo contexto, uma nova fora e um nove lar 9 casamento, tor que estava anterior, ¢ Dito assim, de forma retrospectiva ¢ condensada, © processo inteiro parece claro e patente, o que segu- ramente mio aconteceu. Mas houve, durante todo 0 seu longo curso, o sentimento vivo de uma evolucio significativa e ansiada, da qual 0 animal foi o emble- ma, 0 letteiro, 0 mensagciro € 0 mi planias e 2s forcas maiores da natureva foram tambem men sageiros ¢ médiuns, como se por meio deles-e por suit graga cu houvesse penetrado nos novos reinos de investigala Fess inicio é importante, se nos co- locarmos na perspectiva solicitida por Platio. Em nenhum momento o fildsafo esquece que seu paradigma é uma cons tuclo kata dgos'. No entanta, 0 logo a reflexio sobre a cidade justa comeca surge © primeiro grande impasse: Adiman. to cre que esse modo de ir construindo a polis justa ndo deve dar cero. E Sécra- tes exchuma: Ora, vamos! Ecuyuemos estes ho- mens em 16g), como se estivéssemos Jventando um mito (en myths saycholo- GORE) ¢ estavessemOs FO GC10 (376 €) Sera a famosa Republica de Platio s ch ao modo dos mitos ea partir dla fabricacao investigativa de pessoas oti osas? E exatamente 0 que ele diz. Toda- vis, a contundente census aos demiur gos-poetas, que aparecera de modo expli- cito de 377c em diante, seri feita ex mente pelos demiurgos-fil6sofos da cicka- de justa, quando eles aceitam fazer uso dos mitos dim Que semelhancas hi entre 0 discur- Onico, que parece um mito (e nao € censurivel), € os mitos censurdveis dos poetas? Vejamos com mais cuidado a censura de Platao a estes, tal comio ex posta principalmente nos livros I e IL da Republica. Diz Sécrates, com anueneia dos dise pulos, que a cidade precisa ter 0 seu PALAS ATHENA, a Ele dlemiurgo, seu artesio, para model seri 0 scu educador, ¢ obedecer principios que devem ficar claros. Dificil prego do écio pat nio tentar estruturdla? Sécratesinicia a edueagio dos cidadios com a gindstica para 0 compo € a.m para a alma. Mas 2 educacio musical com- porta o “egos, ¢ este inclui a verdade ¢ a falsidade. O filosofo diz que ambos os Légoi (que a figor Sho um 56) devem ser ensinados. E declara Nao compreendes .. que prime ro dizemes mitos (mythous) a eriancas? Ora, todo esse conjumte, em summa, € fal so, embora com alguma verdade. Servi ri as enangas antes L mo-nos de mitos pa de envit-as 20 ginsisio © poeta, que cria mitos, diz coisas fal- sas que contém alguma verdade. Plato também ecifica sua Politéta 2 maneira de um mito, como ele mesmo confess. bom lembrar que cle nio expulsa os poetas da cidade, como se costuma dizer, mas os censura, € por dois motives: 1) 0 poeta diz, coisas falsas que tém algo verdadeiro; 2) assim, leva os homens a se emocionar, usando imagens que nao t8m como Final dade necessiria 0 Bem. Em relacto 20 primeito motivo. ai s insere toda a critica platnica A rechné como ago de produzir “por semelhanca’ uma vez que assemelhar-se a algo implica uma relago comparativa do modelo e sua copia, que percorre toda a sua epistem logi2. Quanto 20 segundo motivo, ‘entra na difieil questo do poder humano em relacio s acdes, seus meios e fins, no que diz respeito aos afetos dos homens. Ou, em outras palavras, nos campos éti- ©0, politico @ retérico. Nos limites deste escrito, tentarei levantar algumas conside- races dirigidas mais a0 primeito motivo do que a0 segundo, apesar de ambos es- tarem vinculados. © Propriamente Esténco —F reve: peasemos no que chamamos de poesia, no sentido estrito, uma vez. que no sentido io que dard de sao MAM reper) Tat 55 laio ela € 0 fazer fabricador’, ligado & poiesis, 1 aco de produzir em gers Teado isso em mira, fico agora uma pequena digressio sobre o que chamamas, hoje, de Estética. Plato foi, provavelmen- te, 0 primeiro fildsofo a fazer uma *E: cada arte’, isto €, a refletir sobre a criaga0 aristica, a recline, come campo de conhe- Cimento relacionado 3s astheses, as sen sagdes ou afeccdes vindas do exterior e recebidas pela alma. fechné— ¢ pensir especificumente # poe- sia — € colocar diante de si uma experiéa- cia emocional ¢ cognitiva, implicada no Peasar a arte, ou movimento ztetivo-sensorial em conjungao com o pensamento fo que o filésof expe nos livos Il, Ile X da Repdblica 1 filosofia platOnica, © que chama- mos de Estétiea &, resumidamente, o pen. sar sobre poder que a alma tem de re- coher pathémata, as afeccoes. F, portan- to, a capacidade de apreensio sensorial — thesis, O esteterio € a parte da aima que pode ser aferada par pathémats, & que, em uniao com 0 /ogiti&dn (0 lado da alma que tem gos, 2 porcao racional- diseursiva), cria imagens. Estas podem ser percebidas, isto €, quando sabemos que somos por elas afetados, representamos a afceg’o. A esse poder de imaginar ou sepresentar, Plato deu 0 nome de Phan , que se traduz por Imaginacio (So- fisca, 243 © seq) Para que a Estética viesse depois a ser uma reflexao particularizada sobre a fechuré como obra de arte, fol preciso que > homem criasse as chamadas Belas-~ Antes, coisa que a Grécia antiga nao fez. Fol necessario que a ontologit plutOnica ado s6 afirmasse a aisthésis como apreen- so sensivel, mas abrisse 0 campo da poiésis como reflexao sobre os modos do produzir humano ¢ os valorizasse dentro, de umm ontologia especifica. Plaiao refletiu sobre a rechn’, ¢ criti- cou 6 seu disanciamento do Ser, apon- tando para seu estatuto flusGrio como imi- taco e criaglo de simulacros. Ora, os si- o ontologicamente frigeis, as na imitag2o, © que ninguem ao criticar as technat, 0 sentam-se filésofo nao critica as sensagoes (aisihé seis), como se podria supor, pois els S20 fundamentais 4 vida humana, si0 © solo da Imaginagio, Na vesthide, a critica pli- tOnica a5 technat deve ser pensada pr- meiro na perspectiva da sua ontologia, para depois compreendermos sua insercao na epistemologia ¢ seu valor com relacho 2 busca da verdad. Modernamente, 0s critérios para dizer que algo € uma obra de are slo exte- tiores @ nds. Ha cnones a seguir. Mas ara um grego 0 Belo € um valor relacio- nado ao Bem, ¢ portanto a virtude ou That 56 ‘excel@ncia, Quando se diz que Aquiles tem virtude (areié) nos cabelos © no corpo, ‘ow que Helena tem areténos olhos, diz-se que 0 Belo thes é ine uma coisa sera bela se tiver exceléncis ‘ou seja, se cumprir de modo virtuoso (bon- dosa ¢ belamente) os fins pelos quais veio a ser. A beleza € constitutiva do ser. Nesse sentido, nio existe 9 campo das Bel Artes, mas coisas belas que se rclacionam com 0 modo como cumprem o seu ser, A poesia, no sentido estrito do termo, € um fazer que produz versos, ou seja, ue tem palavras e musicalidade, vale di- zer, imo elharmonis. &, portanto, um 16 gos. Farer poemas implica dominar uma técnica, tanto quanto o sapateiro, o padei- 10 ou 0 pedieito dominam as suas. Para Plato, muitas das chamadas citncias sao, como esti no final do livro VI da Repeiblé C4, techn, arvesanias pertinentes 10 do- minio da fabricacdo, com suas especifi dades. Os im exemplo, estio no campo dla poses téenicos, como os poetas licos € legisladores, por slo Ora, todas as artes tém em sia fruiglo. Hoje dizemos, em relagio 4 obra de ane. que ela nos proporciona fruicdo estética mas a compreendemos de modo exterior fruimos algo que esti posto diante de nds, lemos 0 propriamente belo que est nes se algo porque ele € dito “obra de arte”, segue os cinones exigidos. De qualquer modo, 2 fruigao estética adere ao emacio- nal € a0 cognitivo. No sentido platonico, a fruigho 6 menos restrita. Na verdade, fraimos a partir do poder que temos de imaginar, fara sensu. Por isso, fruimos esteticamente também de certos sabetes, pois apreenciemos ¢ cria- mos, por meio de imagens, os modos cor- retos de produzi-los. A irviglo pode estar no prGprio proceso de criacio. E nao existe apenas a fruicio estética, mas tan bem a contempiativa, que nao cabe apro- fundar agora Ao colocar nosso olbar nessa perspei tiva, podemos compreender que a acto de produzir, de trzer do mo-ser para o ser (€ € essa 4 definicao de ante platoni- 2), Tem una expresso epistemalogi PALAS ATHENA comparativaments is teligivel do saber filos6fico. Por is90, a FE losofia nao é uma techné como a poesia, apesar de nao poder dispensé la. Buscar © inteligivel € conhecer 2s matematicas € contemplar as idéfas (livro Vida Repl aD. A fruigio nao é nesse caso estética, mas intelectiva. A Porsia e Seu Téios* — A poesia interme- dia a dimensao sensivel ¢ a inteligivel, pois depende das sensagées ¢ do Kigas: rece- be-se paathemata e fica'se sabendo disso, © que implica 0 fégos. Diz Platte que realidade fisica nto € permanente: nada do que possamos dizer e pensar sobre seri perene e certo, © que o leva a aceitar ‘uma certa relatividade quanto 20 conheci- mento. De fato, 0 fil6sofo dirs que somos seres julgadores, sentenciamos de mxxlo verdadeiro ou falso, emitimos doxad, opi- nies, jalgamentos. E a déxa alethés, a opinigo verdadeira, € 0 julgamento a ser procurado, porque esti mais proximo a verdade (conforme varios didlogos, pr cipalmente Teeteto e Sofista, alem da pro- ria Reptiblica). Por meio dele, a comuni- casio dos homens enue si, 0 ensinar € 0 aprender tornam-se melhores. Quanto a verdade, no é dita nem pensada de for- ma sentenciosa, mus contemplada pelo conhecimento noético, que nao necessita de gos, mas da “intuicao intelectiva’. Essa interpretacao, como se sabe, nao € accita sem restricoes por todos 0s intérpretes A pocsia € uma dé, € uma sentenca articulada, pensada ¢ produzida para ser comunieada. Apresenta-se misturada com 4 imaginagao. Como todas as doxas, ou seja, todos os jalgamentos ou opinio ‘que estamos mergulhados, ela ¢ andamcn- tal para 9 homem que, por natureza, vive entre as afeccdes sensiveis. Contudo, nic cabe wo poeta indagar sobre 0 crtério de verdade de seus J6g0%. Ao fildsofo, sim cabelhe no 36 buscar 0 eritério de ver dade do que € pensado e dito, como os seus funddamentos e fins titimos Assim sendo, a poesia € uma produco que tem como solo a “semelhanca” (hho- moiésis). £0 fabricar 1égoi, © poeta tem 57 modelos emotivo-cormitives, que passario de corto modo a linguaggem. A poesia, por- tanto, jamais serd vercadeira, pois © asse melhaclo nao é 0 mesmo que o seu mode~ lo, Tal colocaciio, como se sabe, & valida para todas as ares. Se voltarmos, entao, a pensar na constructo di cidade justa, de lume coisa jé sabemos: do ponto de visia ontol6gico, ¢ também do epistemologico, ‘0s poctas que nela deverio viver preci- sam ser vigiados em relagio abs seus mo- delos — assim como todos os outros cida- daos, praticantes de teckau/ ou nao — pa- ra que adaptem a sua ctiacao aos fins da justiea, uma vez que nenhuma atividade « prios princfpios ¢ fins. nica esta comprometicla com seus p: © poeta nao se preocupa em pensar a 1 auséncia de reflexdo sobre justica, ¢ propria agdo o leva a dizer talsidades sem qualquer pejo. Sim, podem fazd-lo © sem- pre o fizeram, No entanto, no exercicio platonic de construgio da cidade justa hi que censusii-los em nome dese télas: Se os poetas forem deixados enuegues si mesmos © 2 sua criacao, ficamio des- comprometidos da cidade como um tod. E, do mesmo modo, o padeito, o sapatel 0, 0 agricultor. Nao so, portanto, as falsidades ditas pelos poctas que preocupam Platao. Ele sabe que o homem transita entre ertos € acenos, que mio é divino ¢ nem deve pre tender sé-lo. © que preocupa 0 filésofo, em relagao & poesia, sio os valores que ela carrega em sus imagens € a sua capa cidade de formacio de matrizes pedago- gicas na alma, E ay matrizes sio indelé- vels, pols o que € marcadlo primariamente is se apaga (377b). © perigo da poesia sem vig que sua artesania € Cipaz de emocionat Como a mdsica, ela se apossa da alma em movimentos no necessiramente harmo: niosos, Desarmonias nao criam a boa € hela mrisica. Fos homens que se deixam desarmonizar pelas emogdes imponde veis compromeiem 0 animo, isto €, per dem amedida que Ihes ¢ impesta, na qua- lidade de cidadaos paricipantes de um todo. Por isso, Platio dird que justica & métron (mediéa), e que a cidade justa deve ser harmoniosa em suas partes, mantendo, a boa meclida para as singulariciades ¢ pre servando a boa medida para 2 totalidade. a, 09 cidadios so notas musicais de uma grande sinfonia. Se os corpos celestes dangam a mais bela e boa 2, também ox homens ever adlotar esse modelo. Se o ritmo da poesia e a cen- sidade dos L6gai posticos est corto, em comunhao com 0 todo, & po esia em si no representari nenhum pro- blema. Mas os potas querem produzir i= s0es ¢ falsidades, para criar fortes emo- ses sem conhecimento dos fins tltimos. Assim, tanto criam 0 chore no guereiro quanto na mulher: fazem acreditar, por meio de imagens carregudas de emogio, que © que esta sendo dito € a verdad, quando de fato mio 0 & O poeta é fingiclor, sim. ‘Como a mts Ji podemos ver que © nticleo da critica plitOnica aos poetas relaciona-se direta- os sofistas-rerSricos, produtores da ane de bem-falare cakas no momento por tuno, Essa arte se desenvolve bem nas as- is. Para Plato, no en- tanto, cla nada tem a ver coma busca da justica. Tudo indica que a morte de Séera tes esti sempre presente na forte critica que © filosofo faz a sua época. sembléias e tribut Se de um ludo a poesia deve ser vigia- da, censurada mas no erradicada — pois contém alguma verdade ~, precisa ser di- recionada para a tOnica do conjunto p0- Iitico, como todos os demais subconjan- tos. A cesura nao deve incicir apenas so- bre os poetas. Parece que Plato quer di- zer que uma cidade justa no se edifica sema perda de parte da singularidade em nome da philie, da amizade. Nao existe polis sem que Gida um mamtenha 0 que Ihe cabe de singular — suas peculiaridades de compo ¢ alma — ¢ equilibre as paixdes que possm ameacar 0 geral A Vioténoa pa Porsia — 0 que significa ter o poder de criar algo, de fazer arte? Char ¢, de algum modo, violentar. Quan- do 0 sapateiro corta © couro, quando 0 padleiro aimassa 0 trigo, ou quando es po- etas obrigam as palavras a um certo ritmo € harmonia, hé uma violéncia. A technéé Tat 58 a violéncia necessiria 4 sobrevivencia humana. © mito de Prometeu é um bom exemple. Os homens suo fortes porque Prometeu roubou 0 fozo de Zeus & ensi- nou-lhes a iGonica, mas sio facos poeque precisaram, para Sobreviver, dessa trans- gressio divina. Physistechnd, natures nica, € um par que &s vezes se Separt, veres mo. Separa-se porque a physis gre- 1 nao 6 daramente pensada como ins tancia produtiva, como trabalho de fabri cacio, modelo t6enico por excelencia, Line- se esse par porque € sobre a phiysis que © homem exerce 4 sua fechné. Portanto, existe nela algo que se di a produzis. £ exalamente nesse segundo aspecto que devemos pensar, mas profundamen- te, a erica de Plato aes poet dado em explicitar ¢ terceiro estamento da Politéia justa. Se 0 técnica nio esiiver em consonincia com a Justi de sua produgio deixa de se comprome- ter com a philfr e, mais ainda, com o ser da physis. Desse modo, ha um conjunto de nocoes entretacaclas nessa reflexio pla- tdnica: natureva, inteligencia, técnica, jus tiga, amizadke (physis, avésis,techune, dike, phlia). Se os poetas nio forem censura- dos, ficario fora dessa revle, Ou, dito em utrs palavras, se 0 poder de imaginar ¢ pensar humanos, posto em palavras e coi- 55, no se adequar aos fins tltimos, esta~ 1 privilegiada 1 produgao técnica e seu saber, em detrimento das outeas nodes avioléacia As idgias platdnicas ie profundas © Inspiraram a modemidade. Voltando aos antiges greges, Marin Heidegger rou uma belissima seflexio sobre a meta- fisica, na qual aproxima o suber do s er da téenica ea dike (Justica), em pelo menos ues textos: Inwrodueto 2 Metatist- Purménides © A questio da técnica. Nessa reflexto — © resumo aqui alguns pontos ~ cle considera que se de um lado 6 inteligir @ a tecnica de tunem (na medicla em que nacla se créa sem inteligencia), de outra parte Ser ¢ Justi- ca fundam 2 ontologia em que o homem e 0 cosmo Sto medidas a dike. algum modo se Ha, portanto, uma ordem apanhada pelo {gos humane, pelo pensar/dizer/ PALAS ATHENA, fazer. A técnica como fazer criativo nao deve avangar paralelamente ao par Ser: Justiga, mas entrar nele, para que 0 pro- duvide tenha © necessario ajuste, 0 bem ajuste, a boa ¢ bela medida, se quisermos usar a linguagem platOnica. © inteligir € uma forma de obter algo do ser. Logo, o saber € uma abertura, como diz, Heide- gger em Introducio a Meratisier: consiste em conseguir que o Ser se mostre, com Justiga, nos seres, Peasind modernamente na técnica, Heidegger estende © seu estudo as qua tro causas aristotelicas, dem que © fazer produtivo, se compreendido apenas no sentido de violencia, quebra ‘essa concorancia entre ser, pensar € jus- tiga. Mas, ao mesmo tempo em que apa- nha algo essencial dos antigos flésofos gregos, compreende a physis somente onstrando Tt 59 ALAS ATHENA, s, como instncia criadora de técnica, o que 9 afasta de certo modo dos gregos ¢ di sentido de Epoca ao seu texto, Ont, parte do que Heidegger aponta € 0 mesmo problems desenvolvido por Plo em relago aos técnices, na sua Politéia justa: sendo 2 técnica um eriar do mao-ser a0 ser -, sendo ela uma interferéncia na natureza, ¢ sendo o ho- mem o ser que interfere, é preciso manter em evidéncia que aquilo que se pro- duz 6 retirado do Sere a ele deve aderir Essa € uma afinmagao muito grega, mas nada modema Para um grego antigo, o cosmo € diké. € Justia, entao € belo e tem boa medida, mas 0 homem pocle quebri-a. Ser, sabe € produzir deve assentar-se no Justo. S assim mo for, a @echiné se desmembra do Ser ¢ da Justica, permanecendo na estera Violéneia que Ihe cabe desde 0 inicio, E esse moclo de agir humano interfere 10 Ser nem sempre de forma concordame. Em fungio dessa afirmagao, podemos concluir que @ censurt aos poetas, Repiblica, no € um assunto rapido. Na verdade, por meio dela, Plato expoe al- gumas das suas reflexoes sobre o saber, a verdade, 0 Iégosea técnica propriamen- te, € as desenvolve em varios de seus dit- Jogos. Como filosofo, tert de compreen- der 0 que é a Filosofia e 0 que ela pode comportar de fechaé, ou seja, de violén- ia e/ou de Justica 20 Ser. Afinal, a filoso- fia € amor ao saber, 6 um [dgos que pensa a si mesmo. Desse modo, 2 pergunta a ser feita é: onde tal estado amoraso, que é filo- sofia, pode e deve envolver uma rehnd, até onde © f6gos se deixa plasmar pela cia dessa fechné? Piatto foi poeta e viol fil6sofo. Sabia perfeitamente que o homem precisa da poesia, que ela & capaz de di- ze coisas (lis quais 0 Idgas FilosSfico incapaz, Mas sabia também que os poetas se deixam atrair pela plasticidade do 16 gos, © que este, deixando-se plasmar pe- Jo técnico competente, provoca emocdes pela infinidade de imagens que carrega, em dispostas em palavras Cuidadosamen- ve aniculadas, E ease também 0 selo dos toricos, dos meros proctutores de Jogo, vale dizer, detentores do processo t€enico sem 4 devida reflexdo sobre o produto. Segun- do Socrates, no Fedo, 05 igo! desses fal- 508 ret6ricos emocionaem ¢ informam, dan- do aos homens 4 possibilidade de repetir © que ouviram. Mas repetir no € saber. Platio € um filésofo amoroso, quer ens nar, formar, € nao informar. Para ele, a verdadeira retérica aconcheza-se na Dia- Iétiea, parte da filosofia que, na qualidade de amorao saber, func-se necessariamen- te nos lagos da amizade A poesia caberia, entio, adequar se a0 mesmo telos, em relagio 20 seu produto. Sendo fechné, e cibendo-Ihe a violencia, tem 0 filsofo-demiurgo que censuri-la em seus fins —ape s exercer uma forma de violéne fabrica essa demiurgia especifica: construir a cidade justa. A Noms Eats oigacoresponded ed80 de uma gloat pro- ‘ord peloaviorono Semane oe Hesotado Pont= is Unwesede Cation do Seo ole, em no- veo de 1997 ‘Acxpiesioa logos & de eile raducao. Signifia “ro- Bo", "peniomento", "Bscu1s0" Tél signifce fim, nosentidode fim dime, 20 ‘réro de scope, Que.quer diva fim imediste, Tt 60 PAINEL a | Aciéncia da felicidade A revista The Futurist, da World Future So- ety Getembro/outubro, 1957) apresenta dois artigos que tatam do que hoje vem senclo cl mado de “ciéncia da felicidade”. Um deles, dos psicdlogos David Myers (Departamento de Psi- cologia, Hope College, Holland, Michigan, EUA) € Fil Diener (professor de Psicologia da Universi- dade de Mlinols, Champaiga, tlinois), apresenta dados de pesquisa que seri a ui examinado, Umm dos achados mais interessantes do arti- 0 de Myers © Diener revela que, mesmo dus tos € baixos da vida, a capacidade que algumas pessoas tém para a Felicidade « alegria de viver nao se altera. Esses individuos tém, bem desenvolvides, quatro tragos biisicos de personalidade: auuto-estima, autocontrole, otimismo e tendéncia 2 extroy. rante es AS pessoas com box auto-estimst S20 parti cularmente felizes, principalmente quando a ca- racteristica € associada a crianvidade, Um bom, autocontrole leva os individuos a serem menos desesperancados, o que faz com que produ- zam mais no trabalho e Tidem melhor com 0 estresse. Ao contririo do que muitos pensam, 0 ofimismo revelow- sda de e a boa satide. As pessoas felizes tendem 2 ser estrovertidas. A pretensa sexenidade eatita- de contemplativa dos introvertidos nao se mos- tou importante para uma vida feliz. Os extro- vertidos se mostraram mais felizes, Zinhos ou com outros, no campo ou na cidade, Isso mostra o 4 importante para a fe iwendo so- verto da teoria do determinismo estruturil, de Humberto Maturana, que diz que © mundo & como cada um de nés 0 ve, eo modo como nos sentimos depende do que ¥ mos. Por fim, os estudos demonstraram que Pessous com uma auto-imagem satisfatéria So mis felizes. © trabalho permitiu concluir também que, como eta de esperar, a extrema riqueza asso- se A competitividade e & ansiedade por m: riquer felicidade, relacio entre a pobreza extrema ¢ uma vidi feliz € inversa: € a mesma que ocome em des de confinamento por motivos de velhi- ce, doenca e, em especial, na vida sob regimes ditatoriais. Por fim, as pesquisas revelaram que a pro- pensio das pessons para» Felicidade obedece & constituigto genetica de cada um, Em outras palavras, nem sempre basta querer ser feliz: & preciso estar estruturado para isso, Pelo menos 500% de nossa capacidade para uma vida feliz é herdada. Relacionamentos estressantes, princi- palmente quando fetimos, levam 3 infelicidade No entanto, as pessoas com capacidade de ter relagées estreitay bem-sucedidas so m diveis, menos susceptiveis A morte premania sau © mais felizes. A felicidade foi estudada de modo compara- tivo em vérios paises, em termos do nimero de anos felizes de vida. Os resultados mostraram que a Finlandia eset em primeiro lugar, com 62,0 anos, e que a Riissia esti em 12° e tiltima classificaglo, com 34,5 anos. © Brasil estt em 98 lugar (42.9 anes), atriis da China, Israel, Ja- pao, EUA, Australia, Suica ¢ Suéci Reteréncio: Myers, Dovid, Diener, Ed. The science of happiness. The Futuris, setembro/outubro, 1997 {rectério especial) Endereso ora contate: David Myers: myers@hope edu. Ed Diener: ediener@s psych.viuc.edy Tt 61 LITERATURA SS SINAIS DE POESIA Fasio LUCAS Enire 0 apolines eo dior Desde a mais longingua antigiidade, procurou-se localizar a poesia fora do texto poético, ou do que se convencionou chamar como tal. O fator poéiico esta- fia enformado nao somente no seu consigrado su porte, nos cantos, nas estancias, nos Versos, mas tam- bém disfarcadamente aos textos em prose Nos tempos modemos (falamos da tradicio oct ‘om a aberturt das formas rigidlas a partir do dental, Romantismo, tivemos a consolidagio dos poemas- em-prost. Primeiro, com Gaspar de fz Nuit 0842) de Aloysius Bertrand (1807-1841), de considerivel in- Aluéncia nas Cangdex sem Metro (1900) de Raul Pom. péia (1803-1895), Depois, durante a reinacao simbo- lista, de Baudelaire (Petits Poemes en Prose,1869) © de Rimbaud (Uffuminations,1&86). aa ester Subsistem ainda, apos a Modemidade, dovi acerca da qiididade especifica do objeto poético. E velhas quesies © antinomias se resteuram de tempos em tempos, desde a reflexio do poema como produ- rode um estado de posse ou de loucura, em que 0. poeta compde em pleno descontrole, sob 0 jugo da idade, até o conceito opos.o. do poema como produto do , da capacidade artesanal, da habilidade adquirida € do perfeito dominio técnico, cujo mili s expressive pode ser encontrado em Edgar Allan Poe (1809-1849), segundo idéias max aifestadas em The Philosophy of Composition. © Poénco & © Vexbapero — Keats defini a poesia como “calor santo”. Wordsworth a denominou “um Fano Lucas. ricoliterori, presidarve da Uniao tkoslere de Escetores emembro da Academia Paulista de Ltrs. jaco, o coragGo dos poetas continus ir conformista peso confi ora Bremond, nao passt de um peso
  • Para reforgar seu argumento, Campos evoca, com palavras act smiplos de Homero, Catulo (em oposicao @ Horicio), S. Francisco de Assis, Omar Khayyam, o chinés LiPo, Puchkin, Villon, Verlaine, Rimbaud, CamOes, Robert Burns, Gunther, Whitman ¢ Evtuchenko, naquilo que eles tinham em comum: serem vagabundos, boémios ou homens livres Qual foco da argumentagio de Campoe? Veja- mos, est no inicio da exOnica’ Meu cara Luis: 2 poesia, como tide o mais nese iuindo, pra a rotina que acaba por tod: ccaz, Que € 4 decadencia de todo ser vivo senso a rotina? Perdicks a exuberineia criacdora das céulas, entorpecida a funsao dos Grgios, um organise € uma assembléa acad@mica: os rins esto 14, os la ineli- 40 li, o coracao continua batendo, mas, ia pulmoes tudo na fingio rotineira que os corrompe di one em cach époct, cenrijecimento; parte da espontaneidade infantil eae ba se eristalizando em formas, formas © feemulas. no acomiece com 2 poesia de cada povo, omeca pela vitalidade © acaba pelo Ha bons peetas serios em todas as bleranucas, mas dé-se 0 seguinte: 0 poets sésio significa que una espécte de poesia fol afinal sprendis, que um ceo coniunto de leis ¢ ruques poétices foi deseo. bento, riconalizado, ocasionando 2 fatalidade do. secimento de muitos alunos-de-poesia que passam por poctas, determinand ainda a fundacio de um nto oficial. Ait poesia de um povo se faz acade: mica e viea letra morta. Quem poder salvia? Um vagabundo. Um pocta que nto seja sério, Umma poesia nacional stingida por qualquer modal dade de formalismo So pode ser Salva por um boe: ‘mio, am lice, um desrespeitacord orden, um er dior de owvido sincronizado & invengio popular e indiferente 4 licio dos mestres* Bela formulacao, mas quanta emocionalidade! Tanta particularizagio nos priva da universalidade do fend. meno. £, Sitwell, seguindo certa vez uma insinuacio encontrada em Nietzsche, chegou a propor fosse a poesia “uma animalizagio de De cio se encontraria, rutilante, o anjo bébado. JH Affonso Avila, em entrevista a0 Jornal do Bri- sil’, pontua seu pensamento no polo oposto ao de Paulo Mendes Campos. Depde: "Nao sou um poeta que caltiva 2 inspiracao. A inspiracao & mais um esta- do de espirito conseqdiente a uma série de rellexdes, de sentimentos, de experiéncias. Nao me julgo um. poeta inspirado. Sow um pocta mais construtive. Tra balho mais com a palavra pensica do que com uma wwra sentida” Depois de lembrar que sua poesia se desdebra ‘numa linha bem construtivista’, reflete: "Talvez, no fundo, 2 poesia sefa, como eu mesmo chamo um dos poemas de meu proxime livro, a légica do ero”. F Positiva a sua concepcio, no jogo opositivo poesia/ “A prosa 6 normalmente, um discurso légico, ia € um discurso com seqdenckt sintomdtica’ Bem, todas os dois sto discursos. Um 6 dis- curso mais objetivo eo verso & um discurso mais Trat- 63 PALAS ATHENA, iador de linguagem. F cle, coisa. Bu jf disse em texto que 0 poeta Para sentir o grau de reflexio do poeta Affonso Avila, vejamos 0 seu conoeito de tempo: “Nao acredl- fo que 0 tempo seja uma invengao da memoria. 1 um tempo interior, que mistura pasado, presente ¢ fururo. Entdo esse tempo interior, de que fala Berg. son, € um tempo fora da cronologia. Ha o tempo cronolégica, 0 tempo histérico, 0 tempo Ge hoje. Mas, © tempo € imponderivel. © tempo ago € 36 de um homem, o tempo € de uma memoria coletwva. Sou apenss presenca, um elo nessa mem6ria que vem, de longe. A vida € infinita” © Luear Do INconrormismo — O primeiro artigo que escrevemos sobre « poesia de Joao Cabral de Melo Neto imitulava-se Bsictica le Descartes, e foi public do em 1967. Em 1990, traduzimos /ntroducio ao Mé- todo ce Paul Valery, de André Maurois (Campinas, Pontes, 1990), para o qual escrevemos a introducao initulada Valery © 2 Poesia como Festa cs Inteligén- Git. Vé-se, portanto, que manifestanos wma continu dade de estudo da poesia que se aproxima das idéias expostas por Affonso Avila Fica-nos um sabor de aporia, ao compararmos a apologética de Paulo Mendes Campos aos poetas oémios a0 rigor constnntivista de Affonso Avila em relacio & fabricagao do poema, o seu tanto descom- prometide com 6 aparato ideol6gico /emocional,fon- (e, para muitos, da. propria inypiraca0. Por su vex, Avila puxa outra aporia quando, cultor da tradigto moderna da montagem pottica a luz da mzio, se tor ‘nou, entre nos, um dos mais autorizadas estudiosos € rojuvenescedores do barroco, escola das vores aladas, ‘Tudo isso prova & abundincia que o seino da po- sia € um campo infinko, Tanto que se apresenta 20 leitor, desde remotas eras, como 0 territ6rio da polis- semia (mntikipla significagao) € da multivocidade (di: versidade de enunciados), Seu simbolo mais rico € 0 la metamorfose. Tamos dizer que o inimigo mais ical dt palavra pottica € 0 conceito. Mas ai despr zariamos o forte desempenho das miximas, que po- voum a8 mais apuradas antologias dos grandes poe tas € toda a escalada da gnomica. A palavra-chave que une 2 experiencia tao contro- vertida dos dois poetas mineiros encontra-se na crd- nica 9 Anjo Bébaco: inconformismo. Nowe 1. Concepto de la Poosi 153, 2.CE Pale Mendes Campos, O Aro Babedo, Ri, Sebié, 1949, igs. 204 207, ld oe, pag. 205. 4.1 bi, 69s. 204-205. 5.Afiones Silo, Joral do Brasil, Suplemente ldéios, n° 509, de 29.08.96. El Colegio de México,1945, ods 152- That- 64 FLASHES: ATURDIMENTO. AFICGAO DE EVANDRO AFFONSO FERREIRA GuitHerme Resstom © Aish, como sabemos, vale 4 fotografia para iluminar um ambiente onde a. luz natural nao € suficiente, Todo mundo conhece o incdmodo, tio intenso quanto fugaz, que o claro, produz em nossas retinas; pois essa €a mesma sensi- ‘cho que transparece da leitira cos minicontos de Evan- dro Ferreira, O escritor parece nos atirar, em poucas linhas, num turbilhaio em que seguimos desfocados a1é 0 fim, quando eniao *emergimos” do seu univer so ficeional. E de que trata esse universo? Sao retratos, instan- ineos (sempre a idéia recorrente de um momento que s¢ exvai) de gente humilde, brasileinos desarraic gados € sem qualificacao profissional, que tém de se arrumar com as sobras do mercado de trabalho. Mas nada de populismo: aqui nao ha chance para a comi- seracto ou para a consciéncia pesada de nossas letras de chumbo; pelo contrario, 0 resultado é qua Pre 0 glotesco € 0 patético da classe alguma, Tomemos o primeito conto, Vertigens, como exem- pio: um sujeito desarvorado se lamenta part outro (que vamos descobrir, pela forma com que é tratado, ser um médico) do seu oficio de camelé que trabalha em pernas-de-pau num viaduto, trabalho com o qual, afinal, jf se acostumara. Num ripide eshoce, e com grande forca de narrador, * tor, nao me diga, que notic nos dar conts pressio, apenas pelo desabafo do ‘no meio daquele ingrazéu todo, ib, dou- ssima, ..” podemes do virtuosistno do eseritos, de seu léxi- das interjcicdes que cadenciam seu tex- to tinico: o desumparo insélito € entreguc inteiro ao leitor. © arremate € 2 impossibilidade de continuar do a vida com seu “instramento de trabalho", por causa de uma labirintte.. Pela lacuna da fala do meédico (que nao interessa), © narrador-personagem wai desvelando 0 seu desen sentido, se fiz desenxabido, canto que, antes de res- Em Frugeiact: em que o prot novamente temos um “diilogo", jonista vai contando ao seu iaterlo~ curor de como tem de corer ¢ do que precisa para evitar os perealgos da. profissio. Mas isso € © que menos importa, Na verdide, trata-se de uum desayafo vyexado, com 0 qual o narrador habilmente nos ilude: uum lixeiro fora a um encontro com uma eventual can didata a namorada e tenta justificar seu mau-cheiso: *ndo arranjei tempo nem prt uma chuveirada, pub, voeé tem razio, ficou pior a emenda do que o sone- to’. A frustrago, outra vez, dé o tom. Fice evidente a maestria de Evandro no trato do fluso de consciéncia, com o belo O vaivém do tnipe- x4, Cuids de um artista de circo aposentado (© da mais dificil © emocionante arte circense, 0 trapézio) que recorda, com rancor € nostalgia, os anos de gl6- fia ca “ativa’. Desvalido, provavelmente esquecido mum asilo, podemos quase que ver um esgar travado ‘em sua face; “.. velho como a sé de Braga, minha tunica facanha é embalar certas lembrancas nesta ca- deira de balanco que 96 sai daqui da varanda em dia de temporal/ventania, essas coisas’. Pungente, a pe- quena epifania se fecha com o singelo aposto que em duas palavras, diz tudo: “essas coisas”. Da prosa epigramitica do autor, afeita a um Trevi- san, a um Carver, a um Monterro30, muito mais se poderia falar: de economia de meios com que inter- elk ¢ traga o leitor para as suas historieras de gente = quase sempre velhos ¢/ou incapazes de sc haver com a vitla ~ que nao queremos mais ver na miséria deste pais de miseriveis; da sintaxe peculiar, com s cnomaiopéias, singulartssimos adjetivos © neologis- mos (experimente 0 leitor tirar uma s6 palavra, para ver como desmorona todo um conto), estamos junto a umn dos raros cultores nacionais do mot juste tlau- bertiano!). Masa imagem mais forte que me resta, ¢ ‘que gostaria de panilhar com 0 leitor, ¢ 4 do aturdi- meato, da necessicade urgente de pequenas coisas ¢ vidas insignificantes que precisim ser contadas por- que sto 0 rio de tudo; mini-flasies; que como quis Joyce € ratilicou Clarice, estio mais perto do caracio cagem da Tt- 65 TRES MINICONTOS VERTIGEM Profissdo funambulesca, sim, senhior, doutos, concordo, € um pouco perigosa também, ‘mas jd perdi o medo de caminhar por assim dizer desnivelado dos demais transeuntes do viaduto onde trabalho hit vinte anos: sim, muitos so os dias em que a rouquidia é tanta que 2 vos. do expingolado aqui quase que nao sai do outo lado do megafone; desculpe, doutor, mio ouvi direito, também, depois de tantos anes no meio daquela ingrizéu todo, ih, doutor, nao me diga, que noticit péssima, pendurar as chuteiras, digo, as pemas de pau logo agora, pub, tanta doenca no mundo... kibisintite... poxa © VAIVEM DO TRAPEZISTA. Tribalhei 20 € tantos anos fazendo piructas no at, comendo sisco de vida, 6 sucesso pleno dum salto dependia tamhém das maos firmes, frias de quem me esperava pendurado de cabeca pr baixo do lado oposo, vida emocionante, nto nego, apesar de nunca ter cometido a loucura/suicidio de praticar 6 salto triplo sem nada embaixo, trabalhe/ nisso um bocado de tempo, hoje, nao, escumurrengado, velo como a sé de Braga, minha tinica facanha € embalar certas lembyrancas nesta cadeira de balango {que 56 sai daqui da varanda em dia de temporal/ventania, essas coisas. FRAGRANCIA, Sim, voce tem razao, € preciso muito preparo fisico, se a gente no for atleta do consegue de jeito nenhum correr ¢ jogar ac mesmo tempo saco ptastico atafulhado de lixo em cima do caminhaio em movimento; sim, voct tem razio, estoura, semana passada um saco xendengue, catrapust, stourou na cabeca dum colega; sim, vocé tem razao, exagerei na seiva de alfazema, perdio, mas fiquei com medo de chegar atrasado justamente neste nosso primeiro encontro, ‘no arranjei tempo nem pra uma uh, voce tem ruzao, ficou pior a emenda do que o soneto. huveirad, Evandro Affonso Ferreira Evaro Avronto Fennana é publictdrio © exciton Sey prineio ve decent (que indui os rabalhos acima} se chama Cotrémbics!, serd pubicado pela ediowe Topbooks ¢ estara nas livaras ainda reste primero wines Guntime Ressrow 6 cco Hexic. That 67 EPIFANIAS ee eee Gerorce Barcat Observem o homem. [Sempre ocupado, mesmo enquanto domme. Sonhar; relaxar; procurar a profundidade para esquecer/recontar, compreender ou criar; ima curtis ou curar as dores Dormir também é um fazer. Fazer, dar existéncia a algo, é esculpir no tempo as formas ct matéria, a vida das palavras € lembrangas, 0 calor dos gestos ¢ relacies, 0 sabor do silencio. O miirmore dessas esculturas vem de um lugar muito pero daqui: 0 infinto. Uma das forgas da alma, 6 infinito desoculta 0 remédio escondido na planta; a pedagogia imersa ; a energia elétrica, na queda dagua; © Widro, na areia: 08 poemas, na lua, na cidade € nas cri nas rugas solires do campones; 0 cireulo, no expaco; a amizade oculta na paixdo... A energia que faz do infinito a forca da criagao € a beleza Outras forcas da alma S1o © corpo, a imagina- cdo ea paciéncia, a meméria © a perseveranga, a raz4o, os desejos ¢ os sentimentos, a civilizacio, dimensdes do espaco © do cotidiano. Aci MMM (ul) Mas 0 pensamento nio € uma forga; € a sura sempre nova delas todas e da qual surge da menos do que a vontade, Fazer € p Decidir € desocultar) © voc8s verdio Mortos-vivos, sc 0 infinito mao estiver entre as suas n Geonce Barcar & professor de Associacio Palas Athene. Tat 68 ANTOLOGIA DO EXTASE Phere Weil Nest obs, © autor reine tesernunhas de cis, mostrando coma & pease tecnplegtica, alemear a expe iis € espistul AACEITACAO DE Si MESMO E AS IDADES DA VIDA Roce Ged Este lisro é duplo, Na prim fala do.conkiecimerto da auto-sceitasao, No segundo, ta do proceso de enrcthecimente fe mover caminhis para a plena experiencia dds tercese tke MINHA TERRA E MEU POVO. WV Dalai (ein expetes a Este ive autobiogsien, ¢50 rsanos de exo de Tenzin G lama, reb «prime: chines, 40 mesino tempo que descreve 3 nature, reign © os costumes singe fo nos prime so, NIV Dalai BUTOH - DANCA VEREDAS D’ALIMA Mawes Batacchi © datob Eur universe de expressio emi ase fonma ¢ vida se entielicam ninm degre 5 vetes slencioso, Danga que resgata a sensi Illa i 1 ofigial do see hunts, Putob apregea que na vesldeirs dana de € Alma pu inspiraco da Alma, TRANSDISCIPLINARIDADE bration © auwrabonla, nest ob tansdiscplion dade, cup base € 0 recomtacim so hi eopacy nem tempo calurus pave als que permitamjulgar chierarquizir como Inais coretos ou venaceicos ~cemplexcs de cexplcicies e de convivenia coma realcade eet oe? j *OUADORESESTUA DAESIGRA node que acto ta Silva Talles Num estilo poctico, Forudones ypirinuats a STiiria ea coletirea da tats d= ueles que catalina ox mis ato ans do serhumano, Moss, Davi, Bact, Maomée Jess de Nez HOLISTICA - UMA NOVA VISA FABORDAGEMDOREAL (fit Bem wat PA Com grarse habiliade,¢ autor vai mostra do possiveis rots para reencontrar a iota: dade ¢ a unicade inerentes 40 macro € a0 (MENTE ZEN, MENTE DE PRINCIPIANTE ica obia do muse Suki, singulie& ex ‘usonlindilt pel Sinplicidade e belez, ret Ae os ensmameniosmaisiniportantesdo Zen, SAN JUAN DE LA CRUZ, (Q POETA DE DEUS Frei Pas 1 OD Considerado um cissico da literanien es: pantola, os paemas de Sie Joao da Crz etn wlores que resgatam rina confit ¢ possbilidudles de Hincearao ‘CO-EDIGOES: EDUSP-Ealitora da Universidade de Sie Paulo ‘¢ Féitora Palas Athena DIALOGOS DOS MORTOS Versio bilinste greno/ponugués Taducio, iamxiue ¢ nots Hensique G. Munich Esa é 2 primein tidicio complet dle Lucizno de Samiaata, diretamente do gic cise or um expecilita e pesqatsudor de api experienc Pidloges dow motos, fits Faitora da PUCSP ¢ Filitors Palas Athena. HyFNos NEL Dodivino: tmagens v conceites NY2- Reflenies stbre a natureza Publieagao do Centro de Estudos Departamento cle Tilosolia ca PUG-SP ‘Goendemigao cht Prof Dr Rachel Galle de Andre Aniigiidade Crega Literatura, religido, astrologia, ‘ futebol, infantis : g as, N quer live ar ia cilera Qa Quem 1é vai k:
  • Вам также может понравиться