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JAN WATT A ASCENSAO DO ROMANCE ESTUDOS SOBRE DEFOE, RICHARDSON E FIELDING Tradugdo: HILDEGARD FEIST Sou grato William Kimber and Co. por me permitir citar um trecho de Mavthew's London (A Londres de Mayhew), de Peter Quen- nell; agradeco também aos editores da Review of English Studies ¢ dos Essays on Criticism por me deixarem utilizar — sobretudo nos capi- tulos 1, 3.¢ 8 — material originalmente publicado em suas paginas. 'Nio posso deixar de mencionar a competéncia e a dedicagio de Cecilia Scurfield e Elizabeth Walser, que se incumbiram da datilografia e da criptografia; e sou profundamente grato pela ajuda financeira, entre outras, que recebi do St. John’s College, em Cambridge, do Common- wealth Fund of New Yorke do presidente da University of California ‘A maioria das fontes é mencionada nas notas bibliogréficas, mas devo mencionar o grande estimulo que no inicio de minha pesquisa foi aleitura de Fiction and the reading public, de Q. D. Leavis. Minhas outras dividas sio extensas. Mrs. A. D. M. de Navarro, Erie Twist ¢ Hugh Sykes Davies interessaram-se pelo trabalho desde o inicio; sou {rato @ eles e aos muitos estudiosos em varios campos de interesse que Jeram ¢ eriticaram os diversos rascunhos que resultaram no presente livro: miss M. G. Lloyd Thomas e miss Hortense Powdermaker, Theo- dore Adorno, Louis B. Wright, Henry Nash Smith, Leonard Broom, Bertrand H. Bronson, Alan D. MeKillop, Ivor Richards, Talcott Par- sons, Peter Laslett, Hrothgar Habakkuk ¢ John H. Raleigh. Devo muito a eles ¢ também aqueles que numa posigdo mais formal porém igualmente amistosa orientaram meus estudos em virios momentos e lugares: a Louis Cazamian e ao falecido F. T. Blanchard, com os quais trabalhei por um breve periodo; e sobretudo a John Butt, Edward Hooker e George Sherburn, cujo estimulo criterioso. combinado com uma erftica irrefutavel, pouparam-me muitos esforgos infrutiferos. LP.W, University of California, Berkeley, Fevereiro de 1956 10 1 O REALISMO E A FORMA ROMANCE Ainda nio ha respostas inteiramente satisfatérias para muitas das perguntas genéricas que qualquer pessoa interessada nos roman- cistas de inicios do séeulo XVIII poderia formular. O romance é uma forma literaria nova? Supondo que sim, como em geral se supde, e que se iniciou com Defoe, Richardson e Fielding, em que o romance difere da prosa de fiegio do passado, da Grécia, por exemplo, ou da [dade Média, ou da Franga do século XVII? E hé algum motivo para essas diferengas terem aparecido em determinada época e em determinado local? Nunea ¢ facil abordar questdes tio amplas, muito menos res: pondé-las, e neste caso elas sio particularmente dificeis, pois a rigor Defoe, Richardson ¢ Fielding nao constituem uma escola literdria. Na vyerdade suas obras apresentam {20 poucos indieios de influéneia rect roca e sio de natureza to diversa que A primeira vista parecia que nossa curiosidade sobre o surgimento do romanee dificilmente encon- traria alguma satisfagao além daquela oferecida pelos termos “genio” e “acidente”, a dupla face desse Jano do beco sem saida da historia lite- réria. Certamente niio podemos descarté-los; por outro lado mio nos sio de grande valia. Assim, o presente estudo toma outra diregao: con- siderando gue 0 surgimento dos trés primeiros romaneistas ingleses na ‘mesma geragio provavelmente nfo foi mero acidente e que seu genio 55 Poderia ter criado a nova forma se as condigfes da época fossem favo- riveis, este trabalho procura identificar tais eondigbes do ponto de vista literdrio e social € descobrir como beneficiaram Defoe, Richardson e Fielding, Para tal exame precisamos inicialmente de uma boa definigao das caracteristicas do romance — uma definigao bastante estrita para u aes exeluir pos de narrative anteriores ¢ contudo bastante ampls para abranger tudo que em geal se classifica como romance. Quanto «isso ‘os romancistas nio nos ajudam muito. E verdade que Richardson e Fielding se consideravam eriadores de uma nova forma litera eviam cz sua obra uma ruptura com a fcelo antiga; porém nem eles nem ‘seus contemporiineos nos forneceram o tipo de caracterizagio do novo enero do qual precisamos, na verdade sequerassinalaram a divers. Gade de sue lego madandorthe o nome — 0 terme “romance” #8 ¥ ansegrou no final do séeulo XVII, [Gragasa sua perspectiva mais ampla 6s historiadores do romance conseguram contruir multe mais parn determinar as pecullardades da nora forma. Em resumo consderaram o realism” a diferenea - sencial entre a obra ds romancstas do inicio do svulo XVIII ea ego anterior, Diante desse quadro — escritores distintos que tém em co- mum 0 “realismo” — o estudioso sente a necessidade de maiores expli- _eagBes sobre © propio termo, quando menos porque usi-lo slestri Imente como uma earactristica essencal do romance podera sugerit gue todos os escrtoese as formas lterdrias anteriores persegulam 0 —> J[As principais associagies criticas do termo “realismo” sio com a escola dos realistas franceses. Como definigio estética a palavra “réa- lisme” foi usada pela primeira vez em 1835 para denotar a “wvérité hu- ‘maine de Rembrandt em oposigio a “idéalité poétique” da pintura neodlissica; mais tarde consagrou-o como termo especificamente lites, rério a fundagio, em 1856, do Réalisme, jornal editado por Duranty.1 Infelizmente a utilidade do termo em grande parte se perdeu nas azedas controversias sobre os temas “vulgares" e as “tendéncias imo- rais” de Flaubert ¢ seus sueessores. Em conseqiiéncia a palayra "rea. lismo” passou a ser usada basicamente como ant6nimo de “idealismo” fe neste sentido — que na verdade reflete a posigao dos inimigos dos realistas franceses — permeou boa parte dos estudos crfticos ¢ histiri 60s do romance [Comumente se considera a pré-histdria do género ape nas uma questio de tragar a contimuidade entre toda a fioedo anterior que retratava a vida vulgar} a hist6ria da-matrona de Efeso € "‘realista”” Porque mostra que o apetite sexual supera a tristeza de esposa; € 0 fa bliau ow a picaresca sio “realistas” porque, ao apresentar o comporta- mento humano, privilegiam motivos econmicos ou carnais. De acordo ‘com a mesma premissa, considera-se que o auge dessa tradicZo estii nos romaneistas ingleses do século XVII e nos franceses Furetiére, Scarron ¢ Lesage: 0 “realismo" dos romances de Defoe, Richardson e Fielding ¢ 12 intimamente associado ao fato de Moll Flanders ser ladra, Pamela ser hipécrita e Tom Jones ser fornicador. (Entretanto esse emprego do termo “realismo” tem o grave defeito de esconder 0 que é provavelmente a caracteristica mais original do género romance. Se este fosse realista s6 por ver a vida pelo lado mais feio nfo passaria de uma espécie de romantismo as avessas; na. ver dade, porém, certamente procura retratar todo tipo de experiéneia hu- mana e nao sé as que se prestam a determinada perspectiva literiria: seu realismo nao est na espécie de vida apresentada, e sim na maneira ‘como a apresenta. Evidentemente tal posigho se assemelha muito a dos realistas franceses, os quais diziam que, se seus romances tendiam a diferenciar- ‘se dos quadros lisonjeiros da humanidade mostrados por muitos <6 0s éticos, sociais e literdrios estabelecidos, era apenas porque const tujam o produto de uma anilise da vida mais desapaixonada e cientt- fica do que se tentara antes! Nao hé evidéncia de que esse ideal de obje- ti lade cientifica séja desejavel e com certeza no se pode concre- izi-lo: no entanto & muito significativo que, no primeiro esforgo siste- mitico para definir os objetivos ¢ métodos do novo género, os realistas franceses tivessem atentado para uma questo que o romance coloca de modo mais agudo que qualquer outra forma literdria — 0 problema da correspondéncia entre a obra literdria e a realidade que ela imita. ‘Trata-se de um problema essencialmente epistemolgico e, assi rece provavel que a natureza do realismo do romance — no XVIIL ou mais tarde — pode se ehucidar melhor com a ajuda de profis sionais voltados para a andlise dos conceitos, ou seja, 0s filésofos, I Por um paradoxo que s6 surpreenderi a neéfito, 0 termo “rea: tismo” aplica-se em filosofia estritamente a uma visio da realidade posta & do uso comum — a visto dos eseolisticos realistas da Idade Média segyndo os quais as verdadeiras “realidades” slo os universais, classes ou abstragies, ¢ nfo os objetos particulates, eoneretos, de per ccepeio sensorial. A primeira vista isso parece inttil, pois no romance, mais que em qualquer outro género, as verdades gerais s6 existem post res; entretanto a prépria estranheza da posicao do realismo escolistico serve pelo menos para chamar a atengdo para uma caracteristica do Tomance que ¢ aniloga ao atual significado filos6fico do “realismo” © género surgiu na era moderna, cuja orientagio intelectual geral se 13 afastou devisivamente de sua heranga clissica © medieval rjeitando — ou pelo menos tentando rejeitar — os universais.? © (Certamente 0 moderno realismo parte do principio de que o indi- viduo pode descobrir a verdade através dos sentidos: tem suas origens em Descartes ¢ Locke e foi formulado por Thomas Reid em meados do século XVIII.’ Mas a idéia de que 0 mundo exterior € real e que 0s sentidos nos dio uma percepeto verdadeira desse mundo nao eselarece ‘muito o realism lterario; como praticamente todas as pessoas em to- das as épocas se viram forgadas, de um modo ou de outro, a tirar al- ama conclusio sobre o mundo exterior a partir da prOptia experién- cia, a literatura em certa medida sempre-esteve sujeita & mesma inge- inuidade epistemolsgica] Além disso os principios caracteristicos da epistemologia realista © as controvérsias a eles ligadas sto em geral demasiado especializados na natureza para ter grande relaglo com a literatura. A importincia do realismo filosbfieo para o romance & muito ‘menos especifica; trata-se da postura geral do pensamento realista, dos métodos de investigagdo utilizados, do tipo de problema levantado. ‘A postura geral do realismo filos6fico tem sido critica, antitradi- cional e inovadora; seu método tem eonsistide no estudo dos particu- lares da experincia por parte do pesquisador individual, que, pelo ‘menos idealmente, esté live do conjunto de suposigbes passedas € con- viegBes tradicionais; e tem dado particular importincia & semantic ao problema da natureza da correspondéncia entre palavras e real dade. Todas essas peculiaridades do realismo filos6fico tém analogias com 0s aspectos especificos do género romance — analogias que cha- mam a atengio para o tipo caracteristico de correspondéncia entre vida ¢ literatura obtida na prosa de ficgio desde 0s romances de Defoe ¢ Richardson, (@) A grandeza de Descartes reside sobretudo no método, na firme eterminagio de nio aceitar nada passivamente; e seu Discurso sobre 0 método (1637) e suas Meditacées contribuiram muito para a concepcao ‘moderna da busca da verdade como uma questo inteiramente indivi- dual, logicamente independente da tradi¢2o do pensamento e que tem ‘maior probabilidade de @xito rompendo com essa tradigao. “® O romance é a forma literéria que reflete mais plenamente essa reorientagio individualista e inovadora.(As formas literSrias anteriores refletiam a tend@ncia geral de suas cultufas a conformarem-se & prética “4 6 | | + tradicional do principal teste da verdade: os enredos da epopéia clis- sica e renascentista, por exemplo, baseavam-se na Historia ou na ff- boulae avaliavam-se 0s méritos do tratamento dado pelo autor segundo uuma concep¢io de decoro derivada dos modelos aceitos no genero. O primeiro grande desafio a esse tradicionalismo partiu do romance, cujo ‘ritério fundamental era a fidelidade & experi@neia individual — a quel Esempre tinicae, portanto, nova. Assim, o romance é 0 veieulo Titeririo FBgico de uma cultura que, nos Gltimos séeulos, conferiu um valor sem precedentes a originalidade, & novidade™ Essa énfase na novidade esclarece algumas das dificuldades cr ficas que o romance apresenta. Ao avaliarmos uma obra de outro gé- nero, em geral é importante eas vezes essencial identificar seus mode- los literarios; nossa avaliagio depende muito da andlise da habilidade do autor em manejar as convengées formais adequadas, Por outrolado, {certamente prejudiea o romance o fato de ser em algum sentido uma “Tnitago de outra obra literdria e parece que a razdo € a seguinte: jé que 6 romaneista tem por fungdo primordial dar a impressdo de fieli- dade & experiéncia humana, a obediéncia a convencoes formais preesta- belecidas s6 pode colocar em risco seu sucesso, Comparado a tragédlia ‘ou A ode, o romance parece amorfo — impressio que provavelmente se deve ao fato de que a pobreza de suas convenes formais seria 0 prego de seu realismo:| Eniretanto a auséncia de convengdes formais no romance no tem importincia diante de sua recusa aos enredos tradicionais. Eviden- temente oenredo nto é uma coisa simples e nunca é fil determinar 0 sgrau de sua originalidade; todavia a comparagdo entre o romance e a formas literdrias anteriores revela uma diferenga importante! Defoe Richardson sto 0s primeiros grandes escritoresingleses que no extra ram seus enredos da mitelogia, da Histéria, da lenda ou de outras fon- tes literdrias do passado. Nisso diferem de Chaucer, Spenser, Shakes- Peare e Milton, por exemplo, que, como os esritores gregose romanos, ‘em geral uilizaram enredos tradicionais; eem dltima analiseo fizeram Porque accitavam a premissa comum de sua época segundo a qual, sendo a Nattreza essencialmente completa e imutivel, seus relatos — biblics. lendérios ou histéricos — constituem um repert6rio defnitivo Gaesperiéneia humana Esse ponto de vista persistiu até 0 século XIX; os adverstirios de Balzac, por exemplo, utilizaram-no para ridicularizar sua preoeupagao com a realidade contemporinea e— achavam eles — efémera. Ao mes mo tempo, contudo, desde o Renascimento havia uma tendéncia cres- 15 cente a substituir @ tradigo coletiva pela experiéneia individual como Arbitro decisivo da realidade; e essa transigao constituiria uma parte importante do panorama cultural em que surgiu © romance. E significativo o fato de a corrente partidaria da originalidade ter encontrado sua primeira grande expressio na Inglaterra ¢ no século XVIII; a propria palavra “original” adquiriu nessa época sua acep¢zo moderna gragas @ uma inverstio semfintica que constitui um paralelo da mudanga do sentido de “‘realismo”. Vimos que da convie¢do medieval sobre a realidade dos universais 0 “realismo” acabou por indiear uma conviegio sobre a percepciio individual da realidade através dos senti dos: da mesma forma o termo “original” — que na Idade Média signi ficava “o que existiu desde 0 inicio” — passou a designar o “nto deri- vado, independente, de primeira mao”; quando, em suas Conjectures * onoriginal composition (Conjeturas sobre a composicio original) (1759) — obra que marcou época —, Edward Young saudou Richardson como “um génio moral ¢ original’’,* 6 termo podia ter 0 elogioso sen~ tido de “novo em carter ou estilo”. 0 uso de entedos nfo tradicionais no romance constitui uma ‘manifestacio mais antiga e provavelmente independente desse enfoque. Quando comegou a escrever ficgo, Defoe nao deu grande atengfio & teoria critica predominante em sua época, a qual ainda se inclinava para os enredos tradicionais; ao contrario, deixou a narrativa fluir es- pontaneamente a partir de sua propria concepco de uma conduta plausivel das personagens. |E com isso inaugurou uma nova tendéne! na ficgdo: sua total subordinago do enredo ao modelo da meméria autobiogriifica afirma a primazia da experiéncia individual no romance da mesma forma que 0 cogito ergo sum de Descartes na filosofia. ~" Depois de Defoe, Richardson ¢ Fielding continuaram, cada qual ‘asua maneira, o que se tornaria a pratica geral do romance, 0 uso de ‘enredos nfo tradicionais, ou inteiramente inventados ou baseados par- cialmente num incidente contempordneo. Nao se pode dizer que algun: eles conseguin realizar plenamente essa interpenetracio de enredo, personagem e finalidade moralizante encontrada nos melhores exem- plos da arte do romance. Convém lembrar, no entanto, que a tarefa ‘io era facil, ainda mais numa época em que a imaginagao criadora so podia se expressar sob forma literdria evocando um modelo individual e extraindo um significado contemporineo de um enredo que em si nfo constitufa novidade. 16 () | Bra preciso mudar muitas outras coisas na tradiglo da ficgdo ‘para que 0 romance pudesse incorporar percepgao individual da reali dade com a mesma liberdade com que 0 método de Descartes e Locke permitia que seu pensamento brotasse dos fatos imediatos da conscién- cia. Para comegar os agentes no enredo € o local de suas acdes deviam. ser situados numa nova perspectiva literdria: 0 enredo envolveria pes- soas especificas em circunstancias especificas, ¢ nao, como fora usual ‘no passado, tipos humanos genérices atuando num cenério basica- ‘mente determinado pela conven¢ao literaria adequada. Essa mudanga na literatura foi andloga a rejeigio dos universais © énfase nos particulares que caracterizam 0 realismo filosbfico, Aris- ‘bteles talver tivesse concordado com a premissa basica de Locke, se- ‘gundo a qual os sentidos sio “os primeiros a introduzir idéias parti- ‘culares e a abastecer o armario vazio" da mente.’ Mas teria prosse- guido, insistindo em que 0 exame de casos particulares era de pouea setventia; a miss2o intelectual do homem consistia em combatero fluxo inexpressivo da sensagdo e adquirir um conhecimento dos universais que constitui a realidade definitiva e imutavel.* Esse enfoque generali- zador confere & maior parte do pensamento ocidental até 0 século XVIL uina forte semelhanga que supera todas as suas miltiplas diferencas: da mesma forma, quando o Philonoas de Berkeley afirmou, em 1713, ‘que “uma méxima universalmente accita a de que tudo que existe é particular,” ele estava expressando a tendéneia moderna oposta que dé certa unidade de perspectiva e método ao pensamento posterior a Descartes, Mais uma vez ns novascorrentos osSficas eax rferenkes cara terstins formats do romance cram contri a opinitlterdra pred. ian, Pei iniio do século XVII ainda Geterminava a tradigdo crn a forte referénciaclssca pelo geral e universal o objeto ade- guado da literatura continuava sendo quod semper qityd wbique eb omnibus ext, Tal prferduea era especialmente proounciada na cor TenteneoplatGnja, que sempre fora fore na literatura de fice © ad- anita erescente tnportncia a cfte ltrtea ena etéien de mado feral Em seu teu onthe freedom of wit and humour Ensaio sobre a Bead deep e homer (70), por ee, Shalt ex presou enatieamente a ayersto dessa ecola de pensamento& particu. laridade na literatura e na arte: eee phi Aviad da nauren de tl ordem que singe todas xs que ‘ia fora arts de un carter org pre, Gun 0 etttamente 17 observado, fara o assunto parecer diferente de tudo que existe no mun: do. Mas esse efeto 0 bom poeta eo bom pintor diligentemente procuram evita. Eles detestam a minudéncia e temem a singularidade.* E prosseguiu: simples pintor de rostos, ria verdade, tem poueo em comum com 0 poeta; contudo, como o simples historiador, copia o que v# e minuciosa ‘mente traga cada feigld e cada marca estranha. E concluiu, arrogante: “E diferente com homens inventivos". Entretanto, apesar da determinagio de Shaftesbury, uma teri déneia estética contréria, favoravel & particularidade, logo comegou a se firmar, em grande parte gragas & aplicagio da abordagem psicol6- gica de Hobbes e Locke. Lord Kames foi talvez 0 porta-voz. mais direto dessa tendéncia. |Em seus Elements of Criticism (Elementos da critica) (1762) declarou que ““termos abstratos ou gerais no produzem bons resultados numa composi¢ao destinada & distragio; porque € somente com objetos particulares que as imagens podem se formar’? © prosse- {guiu, dizendo que, ao contrésio da opinigo geral, 0 atrativo de Shakes- Peare reside no fato de que “‘cada item de suas deserigbes & particular, como na natureza” Nesse aspecto, como também na questo da originalidade, Defoe ¢ Richardson estabeleceram a caracteristica diregio literéria da forma romance muito antes de a teoria critica fornecer qualquer fundamento. Nem todos concordaréo com Kames que “cada item” das descrigdes de Shakespeare € particular; mas a particularidade da descrigao sempre {oi tida como elemento tipieo do estilo narrativo de Robinson Crusoe © Pamela. Na verdade a primeira bidgrafa de Richardson, mrs. Bar- bbauld, deserevew seu génio em termos de uma analogia que tem figu rado constantemente na controvérsia entre generalidade neocléssica ¢ ‘particularidade realista. Sir Joshua Reynolds, por exemplo, expressou sta conviecao neoclissica declarando preferir ‘‘as grandes idéias ge- rais” da pintura italiana A ‘verdade literal e (...) & mimuciasa exa- tidio” da escola holandesa;"® cabe lembrar que os reslistas franceses seguiam a "vérité humaine” de Rembrandt e nao a “idéalité podtique” da escola clissica, Mrs. Barbauld acuradamente indicou a posigdo de Richardson nesse conflito ao eserever que seu biografado tinha “o aca ‘bamento preciso de um pintor holandés (...) contente de produzir efei- tos com a paciente labuta da mimicia”."' Na verdade tanto ele como Defoe nao se perturbaram com o desdém de Shaftesbury e, como Rem: brandt, estavam’ contentes de ser “simples pintores de rosto e histo: riadores”. 18 [0 conceit de particularidade reatista na literatura é algo geral demais para que se possa demonstri-lo concretamente: tal demonstra ‘io demanda que antes se estabelega a relagio entre a particularidade realista e alguns aspectos espeetficos da técnica narrativa. Dois desses aspectos silo de especial import&ncia para o romance: caracterizagao e apresentagio do ambiente; certamente o romance se diferencia dos outros géneros ¢ de formas anteriores de fiegao pelo grau de atengio que dispensa & individualizagio das personagens ¢ a detalhada apre- sentagio de seu ambiente] © {Fitosoficamente a abordagem particularizante da personagem se traduz no problema de definir a pessoa individual. Depois que Descar- {es conferiu importincia suprema aes processos de pensamento na consciéncia do individuo, os problemas filosoficos relacionados com a identidade pessoal despertaram grande atengic Na Inglaterta, por exemplo, Locke, o bispo Butler, Berkeley, Hume e Reid debateram a questo, ea controvérsia até foi parar nas paginas do Spectator. {O paralelo entre a tradigao do pensamento realista e as inovagdes, formais dos primeiros romancistas € evidente: fil6sofos e romancistas dedicaram ao individuo particular maior atengio do que este recebera até entio| Entretanto a grande atengio que © romance dispensou & articularizagio da personagem é um tema tio amplo que considera- remos apenas um de seus aspectos mais maledveis: a maneira pela qual © romancista tipicamente indica sua intengdo de apresentar uma perso= ‘nagem como um individue particular nomeando-a da mesina form ‘que os individuos particulares sio nomeadas na vida real. Logicamente o problema da identidade individual tem intima re- ago com o status epistemol6gico dos nomes préprios; assim, nas pala- vras de Hobbes, “os nomes proprios trazem & mente uma ‘iniea coisas 8 universais lembram muitas a todos”.”” Os nomes proprios tém exa- tamente a mesma fungo na vida social: sio a expressio verbal da ide! tidade particular de cada individuo. Na literatura, contudo, foi 0 ro ‘mance que estabeleceu essa fungi. Nas formas literérias anteriores evidentemente as personagens ‘em geral tinham nome préprio, mas o tipo de nome utilizado mostrava ‘que © autor nfo estava tentando erid-las como entidades inteiramente individualizadas. Os preceitos da critica clissica ¢ renascentista con- cordavam com a pritica literdria, preferindo nomes ou de figuras histo 9 I vicas ov de tipos. De qualquer modo os nomessituavam as prsonagens no contexto de um amplo conjunto de expectativas formadas basic monte a parir da Hteratura passada,e nfo do contexto da vida co tempordmen, Mesmo-na comedia, onde em geral as personagens no tram histriea, mas sim ineentadas, os nomes devia set "caracters flow", como nos di Avistteles,"etenderam a permanecer como tl mnuito depois de surgimento do romaice “Tips mals antigo de prsa de fceho também tendiam a utlizir rnomes préprioseavacterstices, ou nio particularese de algum modo {realstas; momen que. eomo os de Rabelais, Sidney ov Bunyan, deno- tava qualidades particulars ov que, como os de Lyly, Aphra Behn ou murs. Manfey,tinham conotagtesestrangeras,arcaias ou ltrdras que excufam qualquer sugesto de vida real e contemporines, Con- firma ocariter basieamente iterdrio econvercional dstes noms pr prio fato de que em goral eam um s6— mr. Badman ou Ev- hues 1 a0 contrvio des pessoas reas, as personagens de fcgZo mio finham nome e sobrenome Maes primeiros romancistas romperam com a tad ¢ bat zaram suai personagens de modo a sugerr que foseem encaradas como tndividuonpartculaes no contexto socal contemporaine, Defoe uss 0s romes propos de modo displicent As ves conraditGro; portm ra Tamente ecole nomes convencionais ou extravagantes/— uma possvel ‘excegio, Roxana, ¢ um pseudénimo bem explicado —; ¢ a maioria de seus protagonistas, como Rebinson Crusce ou Moll Flanders, (fm no nese alcumhas completose realists. Richardson prossegulu nessa pri tea, porém fo muito mals euidadsoe deu nome e sobrenome a todas as suns personagens pritelpais, bem como & maotia das secund8ras ‘Também se dtrontou com vm problema menor, port nBo desprovido de importineia, na elaboragao de um romance: eeother nomes suti- mente adequados ¢sugestves, ainda que parecam banas e realists, ‘Asim as eonotagBes romfnticas de Pamela esbarram no sobrenome comum de Andrews; Clarissa Hariowe e Robert Lovelace sio batizados sdequadamente: ena verdade quase todos os nomes prOprios de Ric chardson, de mrs, Sinclair a sir Charles Grandison, parecem autEnticos t condizentes com a personalidad de seus portadores. ‘Como ascinalov um erie contemporineo, Fielding batizou suas personagens "no com grandiloguentes nomes fantéstics, mas com mes ue, embora as vezes tonham alguma relagdo com 8 persona gem, possuem uma terminago mals modema”® Heartiee,Allwory ESquare,cerlamente verstes modernizadas do nome de um tipo, n4o dnam de fer convincentes; mesmo Western ou Tom ones sugerem 20 que o autor visava tanto ao tipo geral como ao individuo particular. 150, contudo, ndo contradiz.o presente argumento, pois com certeza hha concordaincia geral quanto ao fato de que os nomes de Fielding e na verdade toda a construcdo de suas personagens constituem uma rup- tura com o tratamento habitual dessas questbes no romance. Nao que, ‘como vimos no easo de Richardson, no haja lugar no romance para rnomes préprios que de algum modo sfio adequados 2 personagem em ‘questio, porém essa adequagio nao deve interferir na fungdo primor: dial do nome: mostrar que a personagem deve ser vista como uma pes- soa particular, e niio como um tipo. Na verdade parece que Fielding compreendeu isso quando esere- ‘yeu set iltimo romance, Amelia: sua preferéncia neoclassica por no- ‘mes de tipes encontra expresso apenias em personagens menores como Justice Thrasher e Bondum, o meirinho; ¢ todas as personagens princi pais — os Booth, miss Matthews, o dr. Harrison, 0 coronel James, 0 sargento Atkinson, o capitio Trent e mrs. Bennet, por exemplo — tm rnomes usuais na época. Na verdade ha alguma evidéncia de que, como certos romancistas modernos, Fielding recolheu esses nomes ao acaso numa lista de contemporineos — todos os sobrenomes mencionados ‘cima constam de uma relagio de assinantes da edigo de 1724 da His~ tory of his own time (Historia de seu tempo), de Gilbert Burnet, edi ‘do que, como se sabe, 0 autor de Tom Jones possuta.!* De qualquer modo,|é certo que Fielding fez considerdveis e eres- centes concessdes ao costiime inaugurado por Deloe e Richardson de batizar as personagens com nomes habituais em sua época. Alguns r0- mancistas do final do séeulo XVIII, como Smollett e Sterne, nem sem- pre seguiram esse costume, que, no entanto, se fixou mais tarde como parte da tradigio do género; e, conforme Henry James assinalou com relagtio ao fecundo clérigo mr. Quiverful, de Trollope,"” o romancista s6 pode romper com a tradigdo destruindo a erenga do leitor na reali- dade literal da personagem. aN Locke definiu a identidade pessoal como uma identidade de cons- iéncia a0 longo de um periodo no tempo; o individuo estaya em con- tato com sua identidade continua através da lembranga de seus pensa- mentos e atos passados. Hume retomou essa localizagio da fonte da identidade pessoal no repertbrio das lembrancas: "Se nio tivéssemos meméria, nunca teriamos nogio de causalidade nem, conseqilente- 2 mente, daquela eadeia de causas ¢ efeitos que constitui nosso self ou pessoa.” Essa posit € tipica do romance; muitos romancisia, de Sterne a Proust, exploraram a personalidade conforme € defisidy se interpenetragio de sua pereepeae passada e presenter O tempo é uma categoria essencial em outra abordagem similar Porém mais superficial do problema da definigao da individualidage de qualquer objeto,{0 “principio de individuagao” aceito por Locke ers a da existéncia num local particular do ‘espago e tempo: pois, como es- ‘ereveu, “as idéias se tornam gerais separando-se delas as cireunstiseies de tempo e lugar", portanto se tornam particulares s6 quando esses duas circunstincias sao especificadas. Da mesma. forma as personagens do romance s6 podem ser individualizadas se esti situadas num con texto com tempo e local particularizados) ‘Na Grécia ¢ em Roma a filosofia’e a literatura receberam pro- funda influéncia da concepgao platénica segundo a qual as Formas ou lagias eram as realidades definitivas por tris dos objetos concretos do mundo temporal, Essas formas eram concebidas como atemporals ¢ ‘mutiveis ¢, assim, refletiam’ a premissa bisica do sua civilized em eral: nfo aconteceu nem podia acontecer nada cujo significado fang ‘mental nfo fosse independente do fluxo do tempo. Tal premisse ¢ aig ‘metralmiente oposta 4 concepgio que se impés a partir do Renasei- mento segundo a qual o tempo é no sé uma dimensto erecal do ‘mundo fsico como ainda a forga que molda a historia individual ecole, tiva do homem. Em nada o romance é tio caracteristico de nossa cultura como na forma pela qual reflete essa orientagio tipiea do pensamente moderna E. M, Forster considera o retrato da “vida através do tempo" some g fungao distintva que o romance acrescentou & preocupagio tie aoe tiga da literatura pelo retrato da “vida através dos valores"? Spengler atribuio surgimento do romance & necessidade que o homem moderne “ultra-histérico” sente de uma forma literdria capaz de abordar "s te, talidade da vida"; mais recentemente Northrop Frye vé a “alianca entre tempo e homem ocidental” como a caracteristica definidora do Tomance comparado com outros géneros.™ ~» (4 examinamos um Aaspecto da importancia que o romance atri- bui.a dimensto tempo:sua ruptura com a tradigtolitraris anteron ag confianga que coincidéncias, e 2 {sso tende a dar ao romance uma estrutura muito mais coesa. Ainda imais importante, talvez, é efeito sobre a earacterizagio da insisténcia, do romance no processo temporal. O exemplo mais evidente e extremo € 0 romance de fluxo de consciéncia, que se propde apresentar uma citagto direta do que ocorre na mente do individuo sob o impacto do fluxo temporal; em geral, porém, mais que qualquer outro género lite- Fatio, o romance se interessou pelo desenvolvimento de suas persona. ‘gens no curso do tempo. Por fim, a desericio detalhada que o romance faz das preocupagées da vida cotidiana também depende de seu poder sobre a dimensio tempo: T. H. Green mostrou que grande parte da vida do homem tendia a ser quase inacessivel A representagdo literéria devido a sua lentidio;*/@ fidelidade do romance A experiéncia coti- diana depende diretamerite de seu emprego de uma escala temporal mais minuciosa do que aquela utilizada pela narrativa anterior. © papel do tempo na literatura antiga, medieval e renascentista certamente difere muito do que tem no romance. A restriglo da agto da tragédia a 24 horas, por exemplo, a decantada unidade de tempo, na verdade equivate a uma negaglo da importincia da dimensio tem. poral na vida humana; pois, de acordo com a concepgao da realidade pelo mundo clissico — subsistindo em universais atemporais —, im- plica que a verdade da existéncia pode se revelar inteiramente no es- ago de um dia como no espago de uma vida toda. As decantadas per- sonificagdes do tempo como o carro alado ou o sombrio ceifeiro revelam ‘uma concepeao essencialmente similar. Concentram a atengao nao no {luxo temporal, mas na morte, que é atemporal; cabe-Ihes a fungto de ‘minar nossa percep da vida cotidiana a fim de que nos preparemos ara cnearar a eternidade. Na verdade essas personificagBes se asseme- Tham & doutrina da unidade do tempo por serem funidamentalmente ehist6ricas e, portanto, tipicas da menor importncia atribuida a di mensio temporal na maioria das obras literrias anteriores ao ro- mance. A nogo de pasado histérico em Shakespeare, por exemplo, & ‘muito diferente da concepgao moderna. Tréia e Roma, os Plantageneta € 08 Tudst, nada esté suficientemente longe para diferir muito do pre- sente ou entre si. Nesse aspecto Shakespeare reflete a concepgiio de sin época: morrera trinta anos antes de o termo “‘anaeronismo” ser usado na Inglaterra pela primeira vere ainda estava muito preso & concep- Go medieval da Histéria, segundo a qual, no imporia 0 periodo, a roda do tempo revolve os mesmos exenipla eternamente apliciveis Essa concepedo a-histrica esté ligada a uma surpreendente falta de interesse pelo detalhamento do tempo minuto a minuto e dia a dia 2B — falta de interesse que levou o esquema temporal de tantas pegas de Shakespeare e de muitos de seus predecessores, a partir de Esquilo, a aturdir editores eeriticos. Ne fiegio mais antiga a atitude com rela- G40 a0 tempo é bastante parecida; a seqiiéncia de acontecimentos situa- se num continuum de tempo ¢ espaco muito abstrato ¢ atribui bem pouca importancia ao tempo como um fator dos relacionamentos hu- ‘manos. Coleridge apontou a “maravilhosa independéncia e a verda- ira auséncia imaginativa de todo espago ou tempo particular em The faerie queene (A rainha das fadas)";2" ¢ a dimensio temporal das ale- sgorias de Bunyan ou das narrativas épicas também é vaga ¢ nio parti cularizada. Logo, porém, a moderna nogio de tempo comegou @ permear muitas areas de pensamento. O final do século XVII assistiu ao surgi- ‘mento de um estudo da Historia mais objetivo e, por conseguinte, de uma compreensio mais profunda da diferenca entre pasado e pre- sente.® Newton ¢ Locke apresentaram uma nova anilise do process temporal; este se tornou um sentido de duragao mais lento e mecd- nico, determinado com precisto suficiente para medir a queda dos ob- Jetos ou a sucesso dos pensamentos. . [Esses novos enfoques refletem-se nos romances de Defoe. Sua ficgto a primeira que nos apresenta um quadro da vida individual zuma perspectiva mais ampla como um processo histérico e numa visto ais estreita que mostra o processo desenrolando-se contra o pano de fundo dos pensamenios e agbes mais efémeros. E verdade que as esca- las de tempo de seus romances as vezes sto contraditrias em si mes- mas e em relagdo a sua suposta ambientagko histérica, mas o simples fato de existirem tais objegdes certamente constitui um tributo A ma- neira como leitor sente o arraigamento das personagens na dimensio temporal,[Evidentemente nto pensaramos em levantar as mesmas ob- Jegdes quanto a Arcadia de Sidney ou The pilgrim’s progress (A jor- nada do peregrino); a realidade temporal nfo se evidencia o suficiente para permitir qualquer tipo de discrepaincias. Em Defoe essa realidade se evidencia. Em seus melhores momentos ele nos convence inteira- ‘mente de que sua narrativa se desenrola em determinado lugar e em determinado tempo, e ao lembrarmo-nos de seus romances pensamos basicamente naqueles momentos intensos da vida das personagens, encadeados de maneira a compor uma perspectiva biogrifica com cente. Percebemios um sentido de identidade pessoal que subsiste atra- vés da duragdo.e no entanto se altera em fungdo da experiéncia. Essa percepedo é mais intensa em Richardson, que teve 0 cu dado de situar 0s fatos de sua narrativa num esquema temporal de uma 4 riqueza de detalhes sem precedentei: 0 sobrescrito de cada carta nos informa o dia da semana e muitas vezes a hora do dia; ¢ isso compse ‘uma estratura objetiva para o detalhe temporal ainda maior das pr6 prias cartas — sabemos, por exemplo, que Clarissa faleceu numa quinta-feira, 7 de setembro, as dezoite horas e quarenta minutos. O empregoda forma epistolar também leva oletor a sentir que realmente participa da ago, com uma intensidade até entio inédita. Richardson sabia, conforme escreveu no “Prefacio” de Clarissa, que as “situagies criticas(..) com o que se pode chamar de descrigdes reflexies instan- taneas” prendem melhor a atengio; ¢ em muitas eenas o ritmo da nar- rativa diminui, gragas a deserigGes minuciosas, aproximando-se bas- ‘ante daquele da experiéncia real. Nessas cenas Richardson conquistou para o romance o que a téenica do “close-up” de D. W. Griffith fez para o cinema: acreseentou uma nova dimensio & representaglo da realidade Fielding tratou 0 problema do tempo em seus romances a partir de uma posigao mais exterior e tradicional. Em Shamela zomba do tempo presente utilizado por Richardson: Mrs. Jervis © eu estamos na cama, a porta nio esti trancada; se meu ppatrdo chegar (...)escuto-o chegar i porta. Vés que eserevo no presente, ono dizo pastor Williams. Bem, ele est na cama, entre n6s.2 Em Tom Jones ele indicou sua intengao de ser muito mais seletivo que Richardson ao trabalhar a dimensio tempo: Prstendemos (...) perseguir © método daqueles escritores que declaram rovlar as revolugdes dos paises, e nfo imitar 0 histariador dificil ¢ pro- lixo que, para preservar a regularidade de sua seqUéncia, julga-se na dobrigagio de encher tanto papel com o detalhe de meses e afios em que naia digno de nota oeorreu quanto 0 que se utliza para épocas notiveis ‘emque as maiores cenas se desenrolaram no paleo da vida humana.” Paralelamente, contudo, Tom Jones introduziu uma inovagao interes- sante no tratamento do tempo em obras de fice. Fielding parece ter usado um almanaque, esse simbolo da difusio de uma nogao objetiva do tempo pela imprensa escrita; salvo ligeiras excegdes, praticamente todos os fafos de seu romance possuem uma coeréncia cronolégica nio 6 em relugo uns aos outros & época em que ocorren cada estigio da viagem cas varias personagens de West Country a Londres, mas tam- ‘bém em relagio a consideragées externas como as fases adequadas da Lua e a programagio da revolta jacobita de 1745, ano em que presumi- vyelmente transcorre a agio.*? 25 ) LNo presente contexto, como em muitos outros, 0 espago & neces sariamente 0 correlativo do tempo. O caso individual e particular log- camente é definido com relagiio a duas coordenadas: espaco e tempo. Como Coleridge assinalou, psicologicamente nossa ida de tempo esti “sempre misturada com a idéia de espago”." Na verdade para muitos propésites as duas dimensées sto insepardveis, como sugere 0 fato de 45 palavras “presente” e "minuto" poderem referr-se a qualquer di rensio; © a introspecgio mostra que nio conseguimos facilmente vi Sualizar um momento particular da exist@ncia sem situéclo também em “eu contexto espacial. ‘Na tragédia, na comédia © na narrativa o lugar era tradicional- mente quase to genéreo e vago quanto o tempo, Como nos informa Johnson, Shakespeare “nao considera a diferenga de tempo ou local ¢ a Arcadia de Sidney ét20 solta no espago quanto os limbos bo8mios do paleo elisabetano, E verdade que na picaresca, bem como em Bu ryan, ha muitas descigoesfiscas, vividas e partieularizadas; slo, con- tudo, incidentais e fragmentirias. Defoe parece ser o primeiro dos es- critoresingleses que visualizou o conjunto da narrativa como se esta se desenrolasse num ambiente fisico real] Seu cuidado com a descrigao do ambiente ainda é intermitente, mas os detathes vvidos conquanto oca- sionais suplementam a continua implicagio de sua nazrativa © n0s Ievam a relacionar muito mais completamente Robinson Crusoe ¢ Moll Flanders a seus respectivos meios do que faziamos com as personagens de fiegao anteriores, Essa firmeza da ambientagio destaca-se particu larmente na maneira como Defoe trata os objetos méveis do mundo sico: em Moll Flanders hi muito linho e ouro, enquanto a ilha de Ro- binson Crusoe estécheia de roupas eferramentas, {Noramente no centro do desenvolvimento da téenica da narrativa realista, Richardson levou o processo ainda mais fonge,J Em ‘seus To- ‘ances faz poucas descrigdes do cendrio natural, porém dispensa con- siderdvel atengdo aos interiores. As residéncias de Pamela em Lincoln shire e Bedfordshire sto prisdes bastante reais; Grandison Hall & des- crito com numerosos detalhes: ¢ algumas descrigées de Clarissa ante- cipam a habilidade de Balzac em construir 9 cenario do romance de modo a conferir-ihe forga dramitica — a mansio Harlowe torna-se um ambiente fisico e moral terrivelmente real. Nesse aspecto também Fielding se afasta um pouco da particula- ridade de Richardson, Nio nos apresenta interiozes eompletos, ¢ suas freqientes descrigdes de paisngens so bastante convencionais. No en- 26 “Felaciona irti tanto Tom Jones contém a primieira mansio gética da historia do ro- manee;® e Fielding é tio cuidadoso com a topografia da ago quanto com a eronclogia; cita © nome de muitos lugares percorridos por Tom Jones em sua viagem a Londres ¢ fornece varios indicios da localizaga0 deoutros. Em g2ral, portanto, embora no haja no romance do século XVIII nada que se iguale aos capitulos iniciais de Le rouge et le noir (O vermelho e o negro) ou Le pére Goriot (O pai Goriot) — os quais indi- cam de imediato a importincia que Stendhal e Balzac conferem a0 ‘meio ambiente em seu retrato total da vida —, sem dvida a busca da verossimilhanea levou Defoe, Richardson e Fielding a iniciar aquele poder de “colocar o homem inteiramente em seu eensario fisico”, 0 que Para Allen Tate constitui a caracteristica distintiva do género roman- €;% ea consideriivel extensto de seu sucesso nilo constitui o menor dos fatores que os distinguem dos ficcionistas anteriores e explicam sua importncie na tradi¢Zo da nova forma. oO ‘Parece que todas as caracteristicas téenicas do romance descritas, cima contribuem para a consecugio de um objetivo que 0 romancista compartilha com o filésofo: a elaboragio do que pretende ser um relato auténtico das verdadeiras experitncias individuais. Tal objetivo envol- via muitas cutras rupturas com as tradigbes da fice, além das ja men- jonadas. A mais importante talvez— a adaptagio do estilo da prosa a fim de dar uma impressio de absoluta autenticidade — tamb amente com uma das énfases metodol6gicas dist do realismo filos6fico-| ~~" Assim como foi 6 ceticismo nominalista com relagiio & linguagem que comesou a minar a atitude dos realistas escolisticos diante dos uuniversais, assim também 0 moderno realismo logo se defrontou com 0 problema semantico, Nem todas as palayras representam objetos reais ou no'os sepresentam da mesma forma, e portanto a filosofia se viu diante do problema de definir sua ligica. Os capitulos finais do terceiro livro do Essay concerning human understanding (Ensaio sobre o enten- dimento humano), de Locke, constituem provavelmente a evidéncia mais importante dessa eorrente no século XVII. Muitos dos comenté- rios sobre c uso adequado das palavras excluiriam boa parte da litera- ‘ura, pois, como Lacke constata com tristeza, ‘a elogténeia, tal qual 0 sexo frégil’, implica um prazeroso engano.”” Por outro lado é interes- a sante notar que alguns dos “abusos de linguagem”’ especificados por Locke — como a Tinguagem figurativa, por exemplo — constituiram ‘uma caracteristica da narrativa de fieglo, porém sfio muito mais raros na prosa de Defoe ¢ Richardson do que em qualquer ficcionista an- terior. 'A tradigio estilistice da fiegio mais antiga no se preocupara tanto com a correspondéncia entre palavras e coisas quanto com as bolecas extrinsecas que 0 uso da retorica podia conferir & descrigto e ago. A Aethiopica de Heliodoro estabelecen a tradigo da ornamen- tagio lingDistica na narrativa grega e a tradigdo prosseguiu: no eufuis- mo de John Lyly e Sidney e nos conceitos elaborados, ov “phébus”, de La Calprenéde e Madeleine de Scudéry. Assim{ mesmo que os novos Ficionstastivessem rejeitado a yelha tradigio de mistorar pocsia ¢ prosa — tradigZo seguida até em narrativas totalmente dedicadas a re- tratar uma vida desprezivel, como 0 Satyricon, de PetrOnio —, ainda restaria a forte expectativa literdria de que usariam a linguagem como tuma fonte de interesse em si mesma e no como um simples veiculo referencial,] De qualquer modo evidentemente a tradiglo critica cléssica em geral nfo via utilidade na descriglo realista despojada que tal emprego da linguagem implicaria, Quando 0 nono Tatler* (1709) apresentow a “Description of the morning” (Deserigio da manha) de Swift como uma obra em que o autor ‘segue um caminho inteiramente novo e des- creve as coisas tal qual ocorreram”, 0 tom era irGnico. A suposigtio implicita de eseritores ¢ criticos cultos era a de que a habilidade de um autor se revelava nio na fidelidade com que fazia suas palavras corres- ponderem aos respectivos objetos, mas na sensibilidade literéria com 4que seu estilo refletia o decoro ingiistico adequado ao assunto. Assim, é natural que devamos nos voltar para escritores externos aos circulos intelectuais para buscar nossos exemplos mais antigos da narrativa de ficgio elaborada numa prosa praticamente restrita a um emprego,des- critivo e denotativo da linguagem.(Também é natural que muitos eseri- tores cultos tenham atacado Defoe e Richardson por sua forma canhes traeem geral descuidada. Por certo suas intengbes basicamente realistas demandayam algo muito diferente dos padroes estabelecidos da prosa literéria. E verdade que 0 movimento em diregéo a uma prosa clara ¢ fécil no final do século XVII contribuiu muito para a eriagao de um modo de expresso (9) The Tatler: periécic excita, eta ¢ pubcado na Inglaterra, etre 1709 1711, por Richard Steele com a claboragte de Joseph Addison. (N.T.) 28 bem mais adequado ao romance realista do que aquele que existia antes; enquanto a concep¢do lockeana da Tinguagem comeyava a re- fetir-se na teoria litera — John Dennis, por exemplo, baniu as ima- gens em determinadas circunstincias por julgé-as nao realistas: “Ne- ‘nhum tipo de imagem pode expressat a dor. Se um homem se lamenta por similes, eu rio ou durmo".® Nao obstant2 a norma da prosa no periodo augustano* continuava sendo literdria demais para ser a voz natural de Moll Flanders ou Pamela Andrews: e embora a prosa de ‘Addison, por exemplo, ou de Swift seja bastante simples e direta, sua ordenada economia tende a sugerit mais um resumo sucinto que um relato completo. Assim,|quando Defoe e Richardson romem com os cinones do estilo da prosa, devemos considerar sua atitude nflo como uma falha incidental, e sim como 0 prego que tinham de pagar para manter-se fidis ao que descreviam, Em Defoe essa fidelidade & sobretudo fsiea, em Richardson ébasicamente emocional, mas em ambos sentimos que 0 propésito primordial consiste em fazer as palavrastrazerem-nos seu ob- jeto em toda a sua particularidade concreta, mesmo que isso Ihes custe “repetigbes, parénteses, verbosidade. Evidentemente Fielding nfo rom- ‘peu com as tradigdes do estilo da prosa augustana ou com a abordagem dia 6poce. Mas pode-se dizer que isso depde contra a autenticidade de suas narrativas. Ao ler Tom Jones nfo imaginamos que estamos esprei- tando uma nova exploraglo da realidade; a prosa imediatamente nos informa que as operagdes exploratérias ferminaram hé muito tempo, que podemes nos poupar 0 trabalho, e nos fernece um relato selecio- nado e claro das descoberts. s "Aqui hé uma curiosa antinomia.|Por ur lado Defoe e Richard- son inflevelmente aplicam a posigdo realista@estrutura da linguagem € da prosa, desprezando outros valores literdries. Por outro lado as vir- tudes estilisieas de Fielding tendem a inter‘erir em sua técnica de romaneista, porque uma evidente selesto de visto destréi nossa con- fianga na realidade do relato ou pelo menos desvia nossa atengdo do contetido da narrativa para a habilidade do narrador. Parece haver tuma contradiglo inerente entre os valores literirios_antigos e perma- nentes eatéeniea narrativa caracteristica do remancé, ‘Sugere isso um paralelo com a fiegho francesa. Na Franga a po- sigio eritca classica, com sua Enfase na elegineia e na concisio, per (9) Avgustano: referente ao periodo neelissico daliteratara ingles, na primeira retade do sSeulo XVIII 0 refinament e a profusto de grandes esritoreslembeavam a pose de August, e impezador romano (N. T:) 29 maneceu incontestada até o advento do Romantismo, Em parte por isso, talvez, a ficgio francesa desde La princesse de Cléves (A princesa de Cléves) até Les liaisons dangereuses (As ligagbes perigosas) perma- rece & margem da principal tradigio do romance. Apesar de toda a sua acuidade psicologica ¢ de sua habilidade literéria, é elegante demais para ser auténtica. Nesse aspecto madame de La Fayette e Choderlos de Laclos so 0s opostos de Defoe ¢ Richardson, cuja prolixidade tends a constituir uma garantia da autenticidade de seu relato, cuja prosa visa exclusivamente ao que Locke definiu como o objetivo proprio da linguagem, ‘‘transmitir 0 conhecimento das coisas”,” e eujos romances ‘como um todo pretendem no ser mais que uma transcrigdo da vida real —nas palavras de Flaubert, “le réel écrit” [Parece, portanto, que a fungio da linguagem é muito mais refe- rencial no romance que em outras formas literdrias; que o género fun- ciona gragas mais & apresentagZo exaustiva que 4 concentragie ele- gante. Esse fato sem davida explicaria por que o romance é 0 mais tra- duzivel de todos 05 géneros; por que muitos romancistas incontestavel mente grandes, de Richardson e Balzac a Hardy e Dostoiévski, muitas, ‘eres escrevem sem elegancia ¢ algumas vezes até com declarada vulga- ridade; e por que o romance tem menos necessidade de comentario hist6rico e literdrio que outros géneros — sua convengio formal obri- 0-0 fornecer suas proprias notas de pé de pagina, n [Até aqui tratamos das principais analogias entre o realismo na filosofia e na literatura. Nao as consideramos perfeitas: a filosofia € uma coisa e a literatura ¢ outra,| Tampouco as analogias dependem da hipétese de a tradicio realista na filosofia ter suscitado o realismo no Fomance. Provavelmente houve certa influéncia, sobretudo através de Locke, cujo pensamento permeia o século XVIII[Entretanto, se existe ‘uma relagio caissal de alguma importancia, provavelmente é bem me- nos direta: tanto as inovacoes filoséficas quanto as literdrias devem ser das Como manifestagies paralelas de ima mudanga mais ampla iguela vasta transformagdo da civilizagao ocidental desde 0 Renas- ccimento que substituiu a visio unificada de mundo da [dade Média por outra muito diferente, que nos apresenta essencialmente um conjunto fem evolugio, mas sem planejamento, de individuos particulares vi- vendo experiéncias particulares em épocas ¢ lugares particulares> D) % Aqui, no entanto, estamos interessados numa concepgfio muito mais limitada, na extensio em que « analogia com o realismo filos6- fico ajuda a isolar e definir o estilo narrativo especifica do romance. ‘Tem-se dito que este 6 a soma das técnicas literdrias através das quais 0 romanee imita a vida seguindo os procedimentos adotados pelo rea- lismo filos6fico em sua tentativa de investigar e relatar a verdade. Tais procedimentos absolutamente nao se restringem A filosofia; na verdade tendem a ser adotados sempre que se investiga a relago entre qualquer deserigdo de um fato e a realidade. Assim{ pode-se dizer que o romance imita a realidade adotando procedimentos de outro grupo de especia listas em epistemologia, o jari de um tribunal. As expectativas deste, como as do leitor de um romance, coincidem sob muitos aspectos: ambos quetem conhecer “todos os particulares” de determinado caso = a época ¢ 0 local da ocorréncia; ambos exigem informagves sobre a identidade das partes envolvidas e nto aceitarao provas relativas a gente chamada sir Toby Belch ou mr. Badman — menos ainda referentes a ‘uma Chloe sem sobrenome e “to comum quanto o ar”; também es- peram que as testemunhas contem a hist6ria ‘com suas préprias pala- vras". Na verdade o jGri adota a “visto circunstaneial da vida”, /que, segundo T. H. Green, é a caracteristica do romance, 2 © método narrativo pelo qual © romance incorpora essa visto citeunstancial da vida pode ser chamado seu realismo formal; formal porque aqui o termo “realismo" no se refere a nenhuma doutrina ou ropésito literério especifico, mas apenas a um conjunto de procedi- ‘mentos narrativos que se encontram to comumente no romance e tio raramente em outros géneros literdrios que podem ser considerados ‘ipicos dessa forma. Na verdade o realisme fornal & a expresso narra- tiva de uma premissa que Defoe e Richardson aceitaram ao pé da letra, ‘mas que esti implicita no género romance de modo geral: a premissa, ‘ou convengio biisica, de que o romance constitui um relato completo & auténtico da experiéncia humana ¢, portanto, tem a obrigagio de for- Aecer ao leitor detalhes da histéria como a individualidade das agentes envolvidos, os particulares das épocas ¢ locais de suas ages — detalhes que sio apresentados através de um emprego da Finguagem muito mais referencist do que é comum em outras formas literdrias, Como as regras da evidéncia, 0 realismo formal obviamente nao passa de uma convengio; e nao hi razdo para que o relato da vida hu- ‘mana apresentado através dele seja mais verdadeiro que aqueles apre~ sentados através das convengdes muito diferentes de outros géneros literdrios. Na realidade a impressio de total autenticidade do romance pode suscitar certa confustio quanto a esse aspecto: e a tendéncia de 3) alguns realistas naturalisas de esquecerem que a transcrigto fiel da realidade nao leva necessariamente & eriagio de uma obra fiel & ver- dade ou dotada de permanente valor literério sem dévida 6 em parte responsivel pela aversio generalizada que hoje em dia se vota ao rea- lismo e suas obras. Tal versio, entretanto,tanfbém pode suscitar uma confusto critica, levando-nos a0 erro oposto; no devemos deixar que nossa pereepgdo de certas falhas nos objetives da escola realista dim nua a considerdvel extensio em que o romance geral — tanto de Joyce como de Zola — emprega os metos iterfrios aqui denominados realismo formal. Tampouco devemos esquecer que, embora seja ape: nas uma convengto, o realisma formal, como todas as convengSes it ririas, tem suas vantagens especificas | H diferengas importantes no frauiem que as diferentes formas literarias imitam a realidade; e 0 rea. lismo formal do romance permite uma imitagao mais imediata da expe- riéncia individual situada num contexto temporal e espacial do que utras formas literarias. Por conseguinte’ as eonvengdes do romance exigem do piblico menos que a maioria das convengOes litedrias; isso om certeza explica por que a maioria dos letores nos dois itimos sé- culos tem encontrado no romance a forma literdria que melhor satsfaz seus anseios de uma estreita correspondéneia entre a vida e a arte. ‘Tampouco as vantagens da correspond8nciaestrita e detalhada com a vida real oferecidas pelo realismo formal se limitam a contribuir para a popularidade do romance; como veremos, elas também se relacionam com suas qualidades literdrias mais caracteristcas Evidentemente no sentido mais estrito Defoe e Richardson no descobriram o realismo formal, apenas o aplicaram de maneira mais completa do que os escrtores que os antecederam. Como Carlyle assi- nalou,! Homero, por exemplo, inha em comum eom eles esea “elarera devvisio” que se manifesta nas descrigdes "detalhadas, extensas e del ciosamente acuradas”, abundantes em suas obras; ¢ na fcgio poste. lor, de O asmo de ouro a Aueassin e Nicolette, de Chaucer a Bunyan, 1d muitos trechos que mostram as personagens, suas apdes ¢ seu am. biente com uma particularidade tio auténtica quanto a de qualquer romanee do séeulo XVII. Contudo hi uma diferenga importante: em Homero ta prosa de fico mais antiga esses trechos sto relativamente Taros e tendem a destacar-se da narrativa geral; a estrutura literéria total nao ere orientada no sentido do realismo formal, eo enredo sobro- tudo — em geral tradicional e quase sempre muito improvivel — es- tava em conilito direto com suas premissas. Mesmo quando declara- ram perseguir um objetivo inteiramente realista, como foi 0 caso de ‘muitos autores do séeulo XVII, os escitores mais antigos no eram sine 32 ceros}La Calprenéde, Richard Head, Grimmelshausen, Bunyan, Aphra Behn, Fureiére,© para mencionar apenas alguns, afiemaram que sua fggdo corespondia a verdade; contudo mao so mais cenvincenes do gue a maioria dos havidgrafos meievais, que fizeram dectaragtes se mnelhantes. Ezn nen dos casos o propsita da verossimithanga se Femara o bastante para levar a rejegho foal de qualquer convengt0 indo realista que dominasse 0 ero. Por motivos que examinaremos no capitulo seguinte, Defoe Ri- chardson tinham com relaglo 4 convengSes literdrias uma indepen nc sem precedentes que pod ter interlerido em suas inte terdade literal. Lamb nto poderia ter escrito com relagio a nenhuma fiegto anterior a Defoe. emt termios muito semelhantes aos que Hazlitt usou ao attr de Richardson:"""E como lr ma evidéneia na corte de justia" Se isso € bom ov mau & uma questdo aberta; Defoe © Ri ‘hardson difieilmente mereceriam sua fama se nfo tvessem outros mé- fils, muito malores. Entretanto, nto hé divida de que a evolucto de tim método narrativo capaz de car tal impressto & a manifes mais evidente daquela mutacto da prosa de ieglo que denominaros romance;|a importincia historica de Defoe e Richardson reside na ma- tira repentina e completa com que deram vida an que pode ser const derado.6 minimo denominador eomum do género romance come um todo: seu realismo formal.

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