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——CAPITULO 3 PRINCIPIOS DE EDUCAGAO MUSICAL Uma visio de mtisica como uma forma de discurso impregnada de metéfora tem conseqiléncias importantes para a educag%o musical. Antes de comecar a de- talhd-las, apresento um resumo das principais abordagens dessa discusso. At€ esse ponto tenho tentado dar uma perspectiva sobre a natureza e 0 valor da misica e seu papel na sociedade. Tenho dedicado atengdio aquelas face- tas do discurso que a misica compartilha com outras formas e identificado trés modos pelos quais a misica funciona metaforicamente. Por meio do proceso da metafora, nés: 1. transformamos sons em “melodias”, gestos; 2. transformamos essas “melodias”, esses gestos, em estruturas; 3. transformamos essas estruturas simbélicas em experiéncias significativas. Quando tentamos descrever a terceira dessas transformagées, termos como “experiéncia estética”, “fluéncia” e “ponto culminante” parecem permutaveis. Esse forte senso de significado pessoal ocorre com freqiiéncia suficiente para motivar muitas pessoas a se colocarem na busca de experiéncias musicais. Além disso, essa terceira transformaciio metaférica somente é possivel quando abordada por meio das duas transformagées que a precedem. Somente quando sons sé tornam gestos, e quando esses gestos mudam para formas entrelagadas, a miisica pode relacionar e informar os contornos ¢ motivos de nossas experiéncias prévias de vida. Somente entio se toma possfvel “mapear” a forma simbélica da performan- ce musical sob a forma de sentimentos humanos. Esses processos metaféricos sio internos, invisiveis, mas podemos observar seus efeitos nas varias camadas da atividade musical. Chamo essas camadas materiais, expressio, forma e valor. Blas aparecerao novamente mais tarde. No capitulo anterior defendi que existem outras fungdes que orbitam em torno desses processos musicais centrais, ¢ que sao ligadas com expectativas 56. sociais e transmissao cultural. Podemos escolher como e quando nos envolver com miisica, e todos nés podemos usar a misica para diferentes propdsitos, inclusive como fundo para outros acontecimentos, para abrilhantar eventos so- ciais e para reforgo de grupos afins. Entretanto, a educagdo musical é um caso A parte, especialmente quando é estatutaria ou vai fazer parte da vida escolar de cada um. Uma educagiio em misica presume que os alunos t@m a possibilidade de acesso aos trés processos metaféricos. Somente dessa maneira somos capa- zes de vislumbrar 0 que chamo “espaco intermedidrio” — yma drea da liberda- de psicolégica potencial. Essa €, entiio, a visdo: mtisica permeando e expandindo nossas mentes, em cada nivel. Por que é, ento, que tal visio do que € miisica se perde, tio freqiientemente, ao longo da maneira pela qual a educagao musical é desen- volvida? Talvez porque seja particularmente dificil lidar com miisica dentro dos horérios monétonos das escolas e faculdades e porque os professores difi- cilmente se aproximem de sua natureza e valor diante da grande quantidade de alunos nas aulas em estiidios particulares. Existem também problemas de status ¢ de recursos. Assim como em relagao as demais artes, a mtisica € per- cebida como passivel de ser relegada aos cantos do curriculo e ao final das listas das opgGes de gasto. Mesmo assim, temos de estar seguros de que nao perdemos de vista 0 fato de que, mesmo nas melhores circunstancias, algo menos do que transagdes musicais podem estar acontecendo. Tenho visto a miisica ser.ensinada de forma nao musical em condigdes onde o tempo ¢€ os recursos eram mais que suficientes, e tenho visto a mtisica ser ensinada musi- calmente em condig6es nao promissoras. Esse nao é, certamente, um argu- mento para nfo oferecer & educacdo musical recursos, mas um reconhecimen- to de que recursos, somente, ndo bastam. Assim como é impertante compre- ender as qualidades essenciais da miisica, tem de haver um senso do que seja engajar-se em transagdes musicais vivas. Quero, agora, propor trés princ{pios simples de aco que, devidamente compreendidos e tomados seriamente, po- dem informar todo o ensino musical, seja nas salas de aulas em escolas e faculdades, em ensino instrumental em estiidios ou em ambientes menos for- mais. Esses princfpios tém sua origem na premissa bésica de que a mtsica é uma forma simbGlica, rica em potencial metaférico. PRIMEIRO PRINCIPIO: CONSIDERAR A MUSICA COMO DISCURSO Um dos objetivos do professor de miisica é trazer a consciéncia musical do Ultimo para o primeiro plano. Quando a miisica soa, seja 14 quem a faga e quiio simples ou complexos os recursos e as técnicas sejam, 0 professor musical est receptivo ¢ alerta, esté realmente ouvindo e espera que seus alunos fagani 0 iiés- mo. A menor unidade musical significativa € a frase ou o gesto, ndo um intervalo, tempo ou compasso. No trabalho de educadores eficazes, incluindo figuras hist6- ticas muito conhecidas ¢ influentes tais como Kodily, Orff ¢ Jacques-Dalcroze, 57 nao h4 nunca um momento em que a frase (definida-de forma ampla) nao seja concebida, modelada ou esperada. : O método especifico de ensino nao € t4o importante quanto nossa percep- sao do que a miisica € ou do que ela faz. Ao lado de qualquer sistema ou forma de trabalho, esté sempre uma questiio final — isso é, realmente, musical? Existe um sentimento que demanda cardter expressivo e um senso de estrutura naquilo que é feito e dito? ~__Olhar um eficiente professor de miisica trabalhando (em vez de um “treina- dor” ou “instrutor”) € observar esse forte senso dé intengiio musical relacionado com propésitos educacionais: as técnicas sao usadas para fins musicais, 0 conhe- cimento de fatos informa a compreensdo musical, A historia da musica e a socio- logia da misica sao vistas como acessiveis somente por meio de portas e janelas em encontros musicais especificos. E apenas nesses encontros que as possibilida- | des existem para transformar sons em melodias, melodias em formas e formas ém | eventos significativos de vida. ‘ O exemplo seguinte é de um professor trabalhando, alguém que esta ao menos tentando manter-se consciente desse primeiro principio: de que cuidamos da miisica como um discurso de muitas camadas. Confio que o leitor nos descul- pard pela natureza pessoal dessa ilustragao e do necessério detalhamento analitico que acompanha a descrigao. Para ser interpretado d m s m d a Exemplo musical 2. Meros materiais? _ 58 A misica do exemplo musical 2 veio 4 mente sem nenhum convite espe- cffico. Sua chegada foi nao s6 um alfvio como um desafio, pois eu tinha sido convidado para ser o conferencista na Organizagao Americana dos Educado- tes Kodaly (OAKE) em Provo, Utah, e precisava preparar-me para esse evento € para uma platéia diferente. Como se a melodia soubesse de meu trabalho na conferéncia, apresentou-se para mim em sol-fa. E talvez, nao surpreendente- mente, parecia ter um leve ar hiingaro. Nao ha, € claro, nada muito novo ou especialmente sutil hesse trecho musical. Visto de forma “ocidental” convencional, um acorde maior parece ser uma possfvel base tonal. A presenga do “1a” ajuda a estabelecer 0 foco tonal e implica uma escala pentatdnica de base. Isso também torna a melodia mais cantavel: o intervalo entre 0 “sol” e o “14” ajuda a suavizar uma parte vocal angulosa, As quatro linhas impressas so simetricamente organizadas, com uma repetigao entre a primeira e a terceira. Conclufmos no “dé” — certa- mente a ténica? O Ambito vocal limitado, as frases curtas e as repetigdes, tudo nos lembra o canto de criangas. Em resumo: parece que, inconscientemente, criei ou imitei o tipo de melodia muitas vezes presente no trabalho de Kodaly e entre os educadores influenciados por ele. Muitos membros da OAKE acre- ditariam, creio, que ouvir e cantar esse exercicio educativo ajuda a estabelecer em nossas mentes relagdes cruciais de intervalo e um sentido de tonalidade. Os motivos ritmicos repetitivos € simétricos sao facilmente lidos, e podem ser lembrados sem muito esforgo. Devemos recordar que qualquer forma de notagio musical é uma forma ) de andlise, e que qualquer andlise é, necessariamente, parcial e incompleta. | Analisar € tomar uma segdo especifica da experiéncia intuitiva amplae dire- | cionar nosso foco para esse Angulo escolhido. Por exemplo, enquanto cami- | nho no campus universitério, um arbusto surpreendentemente florido chama minha atencao. Durante o resto da caminhada, entiio, observo especialmente j 08 varios tipos de Arvores e arbustos, excluindo por um tempo a consciéncia das outras coisas, por exemplo, a variedade de pAssaros. O que os professores om geral tém de fazer é situar-se em alguma dimensio ou caracteristicas, \ concentrado-se no que Polanyi chama de “consciéncia subsidiéria” (Polanyi } ¢ Prosch 1975). E uma maneira de organizar e limitar as tarefas de sala de | aula, Tsso torna o ensino gerenciivel. Muitos esquemas curriculares contém | tentativas de focalizar as atividades recorrendo ao que se chama de “elemen- | tos” musicais, por exemplo, altura, duragao, dinamica, andamento, timbre, | textura ete. De certa forma, muitos desses “elementos” sfio realmente materi | ais sonoros € n&o nos envolvem em nenhum dos nfveis metaféricos. Essa é | apenas uma forma de analisar a experiéncia musical. Temos de ter cuidado } com isso, pois atendendo apenas a uma ou duas dimensies, talvez relagdes_| de altura e métrica, necessariamente colocamos as outras coisas em um plano / secundario, 59 Anilise é, de certa forma, sempre um processo de redugao, ¢ aqui € as- sim, na melodia sol-fa. Esse trecho escrito nao nos diz nada sobre 0 cardter expressivo potencial da miisica. No temos idéia sobre os relativos pesos de acentuagao ou da articulagiio da melodia; se ela se move suavemente ou de maneira destacada de um som a outro, se existem glissandos vocais entre os sons, se ha gradagGes de intensidade ou velocidade. E isso esta bem, desse modo. Nada aguga nosso senso de relagées tonais como o uso sensivel do sistema de alturas sol-fa. Com certeza, tais procedimentos analiticos so tio atraentes para os professores de musica na camada de materiais sonoros, que toda uma industria de testes de habilidades, materiais de treinamento auditivo e instrugdo seqiienciada tem sido criada — hoje em dia, freqiientemente com 0 uso do computador. Esses cortes analiticos, por si s6s, podem ser restritivos. Existe um estado anterior de resposta intuitiva, uma maneira de lidar com a mtisica que é, muitas vezes, feita por meio da andlise auditiva, em que os sons tem potencial para se tornar gestos ou mesmo perpassar os sentidos como imagens. Kenneth Grahme, lembran- do de sua inffincia, chama nossa atengo para o que ele chama de “pura, absoluta qualidade e natureza de cada nota em si mesma”, que é “somente apreciada pelo mal tocador”, algumas notas parecendo ser vermelhas, outras azuis ou como os sons de sinos ou de um exército marchando (Grahme 1973, publicado primeiro em 1895: 75). Nao s&io somente criangas pequenas que saboreiam a qualidade tonal de uma nota s6. Muitos compositores da metade do século XX, incluindo Karl-Heinz Stockhausen e John Cage, tentaram retornar a esse estado de graca da infancia, insistindo que comegamos pela novidade do som em si mesmo, libertando-nos das. respostas habituais e das conveng6es limitadas das “grandes” tradigdes. A audigao de sons como formas expressivas ocorre quando a filtragem ana- litica € substituida pelo minucioso exame intuitivo. Porque é em tais momentos de liberdade intuitiva que o “espaco intermediério” & aberto, tornando possivel o salto metaf6rico em diregao ao significado expressivo, Se sempre ou mesmo fre~ qiientemente insistimos em nomear as notas e os intervalos, identificando acor- des, lendo motivos ritmicos etc., podemos ficar parados no nivel material. Prova- velmente por essas raz6es, minha pequena melodia’parece ser insatisfatéria. Por- que é bem possivel tocé-la ou canté-la solfejando sem nenhum sentido de linha ou fluéncia. Qual ser o andamento dela? Deveria ter alguma luz e sombra de inten- sidade? Se ficarmos fixados na notag‘io dos intervalos, podemos ficar “gaguejan- do” a notagao, tal qual criangas pequenas, que algumas vezes léem palavras de uma forma afetada, com pouca idéia sobre o seu significado. Realmente, a platéia da conferéncia OAKE a princfpio leu essas notas de forma mecfnica. Mas um conjunto de palavras, que tinha vindo 4 minha mente antes, possivelmente sugeriu a transformagao do sentido da melodia, quando ela sobe e desce a partir de sua twiade de apoio. Essas palavras comegaram a sugerir a maneira da performance, da interpretago musical na camada da expresso, 60 A ser interpretadg Exemplo musical 3. A possibilidade de expressiio. 61 Um acompanhamento “bordio” agora entra em cena, ¢ podemos embarcar em algo mais do que um exercicio de leitura cantada. A repetic&o do bordao clara- mente marca o inicio das frases e confirma a duragaio das mesmas. Temos uma idéia das formas de arco da melodia por meio das palavras e das linhas de frasea- do editadas. Existe também uma dimensao implicita do andamento efetivo poten- cial. Qualquer performance dessa melodia tem de respeitar um andamento regular 0 suficiente para dar um sentimento de tamanho e massa, embora rapido 0 sufici- ente para comunicar um sentido de rolar, de movimentg inevitavel. Com palavras como essas, a mtisica tem de se mover para a frente, embora com uma impressio de peso e tamanho. Essa camada do significado musical, que chamo de expressdo, nao pode ser vivenciada se nos situamos somente e sempre nos intervalos ou valores rit- micos. Esses materiais sonoros devem ser presumidos dentro de um novo enfo- que. Podemos ter de esquecer 0 que sabemos sobre “d6” e “sol”, para poder dar © salto metaférico, para ouvir uma série prévia de nomes de notas como uma forma expressiva. Nao podemos galgar de intervalos para linhas expressivas. Embora as melodias sejam feitas de notas, uma atenc’o exclusiva As notas nos afasta das melodias. Elimportante observar que a expresstio musical nio é colada depois, como ~uma reflexdo posterior. O cardter expressivo esté implicito em muitos tipos de decisdes de performance, na escolha do andamento, nos niveis de acentuagio, nas mudangas de dinamica e na articulagdo — como 0 movimento de um som a0 outro som esta organizado. Tampouco a expresso musical deve ser con- fundida com “auto-expressao”.A expressiio musical inerente ndo est em nos- ‘so senso sobre nds mesmos, mas na percep¢ao do cardter da musica. Na forma das frases, no fluxo dos motivos tonais e ritmos, nas mudangas de timbre, acento, velocidade e niveis de intensidade, podemos encontrar similaridades entre 0 movimento da musica € a “emogao” humana. Como vimos no primeiro capitulo, entretanto, a expressividade da miisica, apesar de até certo ponto / imitativa, é também abstrata, Ela capta as semelhancas da experiéncia de Vida “sugestivamente, em vez de realizar uma cépia exata. Musica é um tipo de “realidade virtual”, as vezes mais vfvida do que a realidade “comum”. Um professor que ensina musicalmente compreende isso, ¢ tanto no ensaio como ha performance vai moldar e procurar formas expressivas no cantar e tocar de_ cus alunos. Deve, também, olhar cada performance de maneira holfstica, em vez de ficar satisfeito com a necessdria mas insuficiente fragmentagio que pode ocorrer durante 0 ensaio. Na preparacio para minha sesso em Utah, a pequena melodia come- gou quase a ter vida por si mesma. Parecia possuir sua propria forma de de- senvolvimento, e tornei-me um ctimplice, um copista, nessa évolugao. Por que teriamos de, necessariamente, assumir que o “d6” é o centro da gravida- de tonal? Por que nao criar uma pequena surpresa e por que nao — naquele momento — preenché-la com novas palavras que combinassem com essa mudanga estrutural? 62 A ser interpretado i Foe - ma es - ma_eu Exemplo musical 4. Boa forma? 63 A tltima linha é, agora, vista como um conjunto de desvio contra 0 back- ground ou “norma” de tudo que aconteceu antes (Meyer 1956). A melodia tornou-se ainda mais “hiingara” no cardter e, tomada junto com a nova parte do baixo, mostra-se modal, colocando em colisio dois mundos tonais. Quais- quer suposigées iniciais sobre o centro tonal sio desmontadas por essa mu- danga metaférica, pela transformagao inesperada. O borddo do acompanha- mento ressalta, dessa vez, os eventos, ¢ a mudanga harmé6nica parece requerer algum pormenor com uma énfase leve, talvez com um, tenuto em vez de uma ligadura. Esse tipo de metamorfose é a esséncia da forma musical. “Forma”, nesse sentido, realmente tem pouco a ver com os grandes blocos arquiteténicos ou formulas idiomaticas, como 0 rondé ou o blues de 12 compassos, mas, em vez disso, esta relacionada c com 0 efeito de dissolugao da estrutura e da quebra de xpectativas. Os rétulos de generalizagio da forma musical so, nada mais nada letios, que esquemas analiticos. Eles chamam a nossa atengaio para esquemas organizacionais gerais. Devemos ser cuidadosos, para nao confundir essas clas sificagGes com processos organicos percebidos intuitivamente em cada obra in- dividual e performance. Algum tempo atrés, numa visita a uma tniversidade canadense, encontrei uma pequena classe discutindo uma composigao recentemente escrita para clarineta e piano, cujo titulo agora me escapa. Eles tinham estudado essa peca e, depois que escutamos o disco, fizeram sua andlise: “€ uma forma terndria”. Eu, porém, a escutei de forma diferente, A clarineta comega na oitava abaixo. Sons fragmentados passam a se conectar ea assumir formas pequenas, indefinidas, ¢ depois gestos mais claros e mais seguros. Nesse processo, o instrumento trabalha & sua maneira, indo para sons mais agudos e mais fortes, até que uma linha melédica mais longa e mais firme & declamada. Nesse ponto, o piano toma a idéia emergente confiantemente a proclama. Esse é 0 ponto alto — possivelmente, o que foi pensado ser a segio B. O que segue € um processo de fragmentagdo progressiva, até que somos deixados com as incertezas da explosdo grave da clati- neta com a qual a peca comegou, Perguntado sobre o que pensara, disse algo semelhante a essas linhas. Depois de um certo tempo, um aluno falou: “Bi, € como eu costumava ouvir misica antes de entrar na universidade!” Processos dindmicos nZio podem ser reduzidos a f6rmulas. Nao devemos oprimit’ 0 exame ifituitivo recorrendo a uma andlise que empregue peneiras convencionais como filtros, as quais tanto deixam passar, como retém. “Fo! ma” remete, essencialmente, a coeréncia, a relacdes internas, a aspectos dis- tintos — 4 maneira pela qual a musica mantém sua articulacio, ao modo como hama nossa atencdo, Como jé vimos antes, quando uma piada esta livre da~ “bagagem analitica é, & sua propria maneira, um exemplo de “boa forma”, de idéias conduzidas a novas relagées, alterando nossas perspectivas habituais. Apreciar uma piada ou responder ao final alterado da melodia de Utah é uma tarefa essencialmente intuitiva. Forma, assim definida, relaciona-se diretamente 64 A ser interpretado rit, dim, Exemplo musical 5. Valor em performance. com o que Piaget chama de brincadeira construtiva, em que velhas imagens sao recombinadas de novas maneiras, metaforicamente transformadas em no- vas configuragGes. A resposta 4 forma musical é, fundamentalmente, um en- gajamento nesse processo. O professor que ensina misica musicalmente esté consciente disso. Acabei me afeigoando a essa pequena criagdo musical. Ela estava mu- dando minha vida! Entao trabalhei mais nela — ou, talvez melhor, com ela —, ampliando a estrutura com uma linha quase repetida, mas tendo ainda outra mudanga harménica que parecia ressaltar ainda mais fortemente o senso de movimento macico implicito nas palavras. O melisma sugerido e 0 ritenuto na Ultima aparigdo da palavra “girando” parecia refletir 0 esforgo desse “giro” final césmico. Se for executado com um peso ligeitamente maior — mais som, timbre mais escuro, tenuto —, entdo essa linha final pode ter um significado expressivo e estrutural mais poderoso. Na época em que devia comparecer 4 Conferéncia da Organizagio Ame- ticana dos Educadores Kodily, estava disposto a encontrar uma forma de per- formance controlada, expressiva e estruturalmente satisfatéria, na qual todos pudessem perceber um sentido de valor. Anteriormente denominei isso “sig- nificado para” (Swanwick 1979). Valor é a quarta camada, uma conseqiiéncia da terceira mudanga metaférica, em que a mUsica informa a “vida do senti- mento”. No primeiro capitulo referi-me a isso como uma nova experiéncia, que decorre da fusdo de muitas experiéncias passadas. No espago de 15 minu- tos ou algo assim, em Provo, Utah, acho que alguns de nés conseguimos atin- gir esse ponto. Uma certa sensacio de prazer espalhou-se no auditério quando os sons finais se dissiparam. A miisica fez seu trabalho. Isso pode nao ter sido uma experiéncia “culminante” para todos, mas para alguns de nés foi, com certeza, sentido como “fluéncia™ ou “estético”. (~ Gragas a um processo metaférico de trés estagios, um exercicio de leitu- ra a primeira vista potencialmente limitante tornou-se, para alguns, uma vali- da experiéncia musical. De uma maneira simples, tivemos a chance de entrar num mundo de significado musical. Estvamos engajados no discurso musi } cal. O professor de misica sempre procura por essas extensdes das possibil: \, dades de vida, por planos para a transformagfio de materiais sonoros para ca- | Fdter expressivo e para a integracao de gestos em forma. Nos também espera- mos — embora nao possamos nunca estar seguros de que isso se concretize — que os alunos possam ser “‘in-formados” pela experiéncia. Esse é 0 propésito | final da educacéio musical. \ SEGUNDO PRINC{PIO: CONSIDERAR O DISCURSO MUSICAL DOS ALUNOS Discurso —conversagio musical —, por definigo, nfio pode ser nunca um monélogo. Cada aluno traz.consigo um dominio de compreensio musical quando chega a nossas instituigdes educacionais. Nao os introduzimos na miisica; eles 66 sfio bem familiarizados com ela, embora nao a tenham submetido aos varios mé- todos de andlise que pensamos ser importantes para seu desenvolvimento futuro. Temos de estar conscientes do desenvolvimento e da autonomia do aluno, respei tar o que o psicélogo Jerome B: chama de * as naturais que tam a aprendizagem espontanea”: curiosidade; desejo de ser Competent imitar outros; necessidade de interagir socialmente. Nao podemos nv compreender tudo o que esta envolvido com esses aspectos. A curiosidade nao € despertada ditando-se informagées sobre a vida dos miisicos ot sobre hist6ria social, nem dizendo sempre aos alunos o que eles precisam ouvir, nem tratando um grupo musical como se ele fosse uma espé- cie de maquina. E preciso que haja algum espago para a escolha, para a toma- da de decis6es, para a exploragiio pessoal. Isso inclui a possibilidade de traba- lhar individualmente e em pequenos grupos. Existe alguma razao especial para que bons grupos musicais trabalhem sempre de forma coletiva? Os alunos, em pequenos grupos, trardo suas préprias interpretagdes e tomarao suas préprias decisées musicais em muitos niveis. les comecarao a se “apropriar” da miisi- ca por eles mesmos. A comperténcia nao 6 desenvolvida por meio de experiéncias confusas, mas pode ser melhorada por programas de estudo cuidadosamente seqiiencia- dos. Claro que técnicas e manuseio de materiais sonoros so importantes, mas sabemos que eles nao so a soma total da compreensao musical. Existem ou- tros assuntos, questdes sobre julgamento artistico mais importantes do que as nogées de certo e errado. O que poderia acontecer se tocdssemos uma passa- gem mais répida ou mais lentamente, mais forte ou mais fracamente, com mais ou menos legato? Como seria? _A imitagdo de outros sugere que tenhamos bons modelos: o aluno ouve outros musicos ou escuta suas composigdes? O professor € um modelo de comportamento musical sensivel? Seria também o maior reconhecimento do valor da interagdo social uma boa razo para organizar maior quantidade de pequenos grupos do que usualmente fazemos? As evidéncias sugerem que pode- se obter melhores resultados ensinando-se instrumentos em grupo em vez de exclusivamente, de um em um (Swanwick e Jarvis 1990; Thompson 1984). Certamente a pratica, estabelecida no Reino Unido e em outros locais, de ter alunos compondo em grupos de cinco ou seis, a lado de outras atividades em grupos maiores, organizadas de forma mais tradicional, tem ampliado a defi- nico e a extensdo da miisica escolar. Nesses ambientes, varios “sotaques” _tusicais sao introduzidos juntos. Idéias musicais e idiomas oriundos de fora da sala deaulaconvivem, si0 usados e avaliados " Dois elementos de organizacao curricular podem nos ajudar a respeitar 0 discurso musical e as diferencas individuais dos alunos._O primeiro deles € 2 idéia de integrar as experiéncias musicais. Vimos no capitulo anterior como os alunos dePapua-Nova Guiné entraram num novo mundo sonoro fazendo e tocando cftaras de sago. Suas respostas as gravagdes dos meisicos de uma tri- bo distante foram uma mistura de curiosidade e admiragaio. Essa musica estra- 67 nha comegou a “fazer sentido”. Fomos capazes de dar um salto imaginativo dentro dessa forma altamente especializada de discurso musical porque esti- vemos envolvidos, fazendo ¢ tocando citaras de sago. Ligar a atividade de composicao (definida muito amplamente e incluindo improvisago) com a performance e a apreciacio também permite que diferentes alunos se sobres- saiam de formas diferentes. Um desses grupos de Papua-Nova Guiné foi par- ticularmente inventivo com sua nova citara de sago. Outro encontrou uma nova perspectiva para a miisica em seu Ambito particular de interesse e valor. Outros tornaram-se mais seguros quanto a suas préprias composigées. Além disso, cada atividade curricular oferece diferentes possibilidades para a tomada de decisdes, que é uma faceta especffica da autonomia do aluno. Dife- Tentes atividades proporcionam diferentes tipos de possibilidades musicais, Tocar €m grupos muito grandes oferece pouico espags para julgamento pessoal. As pe: Soas podem ser impopulares na banda de mtisica se quiserem tocar em seu proprio andamento. Ao contrério, a composigio (invengao) oferece uma grande oportuni- dade para escolher nao somente como mas o que tocar ou cantar, e em que ordem temporal. Uma vez que a composigao permite mais tomadas de decisio ao partici- pante, proporciona mais abertura para a escolha cultural, A composicaio 6, portan- to, uma necessidade educacional, no uma atividade opcional para ser desenvol= vida quando 0 tempo permite, Ela dé ao aluno uma oportunidade para trazer suas proprias idéias & microcultura da sala de aula, fundindo a educacio formal com a “musica de fora”. Os professores, ent&o, tornam-se conscientes nio somente das tendéncias musicais dos alunos, mas também, até certo ponto, de seus mundos social e pessoal. Tanto a composigio quanto a performance, tomadas como atividades educacionais isoladas, nos limitam aquilo que podemos tocar ou cantar. Se a educagao musical formal existe para contribuir para o discurso musical atual ¢ contextualizado, ela precisa oferecer mais do que isso. Também no mundo fora das salas de aula ha a “conversagio” do pensamento musical de outras €pocas e lugares, gravado e em performances ao vivo. O acesso a essa literatu- ra deve também ser parte da experiéncia dos alunos na educagao formal. Com- Por, tocar ¢ apreciar: cada atividade tem sua parte a desempenhar. Dessa for- ma, as diferencas individuais dos alunos podem ser respéitadas — 0 segundo _-Drincipio. Pois todos nés, finalmente, eiicontramos ‘nossas formas criativas por meio da variedade do discurso musical. TERCEIRO PRINCIPIO: FLUENCIA NO INICIO E NO FINAL Se a miisica é uma forma de discurso, entao é andloga também, embora ndo idéntica, & linguagem. A aquisigzo da linguagem parece envolver muitos anos e, principalmente, vivéncia auditiva e oral com outros languagers*!, Temos *' Languagers: falantes, pessoas que falam. (N.T] 68 de olhar para o equivalente, para o engajamento com outros musicers”, muito antes de qualquer texto escrito ou outras andlises daquilo que ja se sabe intuiti- vamente. Essa é, claramente, a posigao de pessoas como Orff, Jacques-Dalcroze e Suzuki, e penso que também, até certo ponto, de Kodaly, para quem uma rica experiéncia de cantar de ouvido € um pressuposto para que a crianga comece a ler mtisica no Método Coral. Diferentemente de Kodaly, entretanto, nao acho que a capacidade de ler e escrever seja 0 objetivo final da educacao musical; é, simplesmente, um meio para um fim, quando estamos trabalhando com algu- mas misicas. Muitas vezes essa capacidade é desnecessdria. Em qualquer even- to (novamente de forma andloga A linguagem), a seqiiéncia de procedimentos mais efetiva é: ouvir, articular, depois ler e escrever, Devemos considerar como isso poderia afetar as primeiras liges de piano, 0 trabalho instrumental de sala de aula, ensaios de corais e bandas. Misicos de outras culturas diferentes das tradigdes classicas ocidentais so muito conscientes desse terceiro principio — de que a fluéncia musical precede a leitura e a escrita musical. E precisamente a fluéncia, a habilidade auditiva de imaginar a miisica, associada a habilidade de controlar um instru- mento (ou a voz), que caracteriza o jazz, a musica indiana, 0 rock, a musica dos steel-pans (do Caribe], uma grande quantidade de musica computadoriza- dae musica folclérica em qualquer pais do mundo. A notagio de qualquer tipo tem valor limitado ou nenhum para performers do sanjo coreano, para 0 con- junto texas-mexicano de miisica de acordedo, ou salsa, ou para a capoeira brasileira. Esses musicos tém muito para ensinar sobre as virtudes de tocar “de ouvido”, sobre as possibilidades da ampliagdo da memoria e da improvi- sagiio coletiva. Posso Ihe ensinar trés frases no tambor, e vocé pode aprender muito bem como tocé- as. Mas, tendo aprendido essas frases, vocé pode desenvolver um interesse por percussio de forma que, para onde quer que vd € onde quer que ouga alguém tocar um tambor, vocé se dirigiré a cle (ou a ela). Voc8, entio, aprenderd outros motivos de tambores além desses que Ihe ensinei. Em qualquer momento que ouga aghadza sendo tocada, vou ld e ouco outras, frases de tambor para adicionar Aquelas que jé sei. Dessa forma, miftha experiéncia se apro- funda. (O mestre dle tambores de Ghana, Godwin Agbeli, falando com Robert Kwami sobre fluén- cia musical nas tradigdes transmitidas de ouvido — Kwami 1989: 104.) ® Musicers: pessoas que fazem misica ou que & aprectam. [NT] ® Agbadza é uma danca popular do sudeste de Ghana, do povo anlo ewe. & executada em ocasiées sociais de varios tipos — em funerais, em durbars {cerimonia em paises africanos em que geralmente hé miisica, ddanga, cangbes e procissées] etc. Sua instrumentagao é um par de sinos sem badalos [o som é resultado da batida de um contra o outro), xequeré {uma cabaga coberta com contas coloridas] etrés tambores — kagan (pequeno), kia! (médio) © sago (mestre) 69 Tocar de ouvido apresenta muitas facetas. Philip Priest identificou ao menos nove. Inclui tocar (ou cantar) uma pega escrita em partitura, de mem6- ria, especificamente copiando a execugao de outra performance, mais comu- mente imitando um estilo de tocar escutado algum tempo antes, improvisando uma variagdo da misica lembrada, inventando dentro de uma clara estrutura guia — tal como uma seqiiéncia de acordes — e invencfo livre onde 0 execu- tante (ou cantor) tem a méxima liberdade de escolha e tomada de decisdes (Priest 1989). Alunos de qualquer tipo de educagdo musical formal devem, com certeza, ser capazes de se envolver ao menos com algumas dessas estra. tégias tio naturais. ‘Tomados conjuntamente, os trés principios podem ajudar a manter o en- sino musical em um bom caminho, a manté-lo “musical”, Consid musica como discurso, considerar 0 discurso musical dos alunos e enfz a fluéncia talvez seja mais eficaz em um amplo conjunto de situagdes de ensino do que o detalhamento da documentacao curricular. Esses cuidados ajudam a pensar sobre a qualidade da educagao musical, sobre como em vez de 0 que. PRINCIPIOS NA PRATICA: QUATRO EXEMPLOS 1- projeto Tower Hamlets Nesse ponto quero oferecer exemplos de educagao musical na prética, que ilustram os principios discutidos em funcionamento. O primeiro é baseado mum relat6rio do trabalho internacionalmente reconhecido de Sheila Nelson e seu gru- po, que atuaram em varias escolas primarias do leste de Londres durante o final da década de 1980. Fomos capazes de estudar e avaliar essa estrutura, o projeto de ensino de instrumentos de cordas Tower Hamlets, realizado de maneira sustenté- vel (Swanwick e Jarvis 1990: 9). O objetivo principal do projeto era ensinar ins- trumentos para criangas, de uma forma socialmente engajada, que desenvolvesse aspectos técnicos e musicais, respeitando 0 desenvolvimento pessoal de cada cri- anga. Em outras palavras, havia preocupacao com os dois primeiros principios. Durante sete semanas, até o final de 1989, foram observadas mais de 120 horas de ensino em 13 escolas, junto com outras sessées realizadas no Saturday Music Centre. As primeiras visitas nos permitiram fazer um piloto e modificar um plano de observaciio das atividades musicais baseado no mode- lo CLASP™ (Swanwick 1979). Nesse modelo, cinco atividades de sala de aula so identificadas. Essas atividades sio composi¢do, estudos de literatura (li- dar com as informagoes sobre misica), apreciagdo ou “audigdo” (de outros alunos, do professor ou de uma gravagiio), aquisi¢ao de técnica e performan- ce. Essas categorias formaram uma base para a observagdo e andlise das ses- °'© modelo CLASP foi traduzido por Alda Oliveira e Liane Hentschke como modelo (T)EC(L)A. As atividades ‘mais relevantes so composigao, apreciagao e performance/execugao, As demais, culas iniciais estao entre arénteses, literatura (L) e técnica (T), embora importantes, séo secundarias. [N.T] 70. sdes de musica. Decidimos registrar 0 que estavamos observando, mantendo um relato sistematico das diferentes atividades que constitufam cada sessio. As sessdes eram, também, ligdes completas para cerca de 25 alunos ou grupos menores, visando um trabalho mais técnico. Os resultados ofereceram uma impressao do desenvolvimento sistemati- co das habilidades técnicas ¢ auditivas — controle dos materiais sonoros. Isso era sempre relacionado com um forte senso de performance musical expressi- va e estruturada, e com a expressio e relagGes estruturais. Pode-se afirmar que a maioria dos eventos observados caiu nas categorias de aquisig&io de técnica ou de performance musical. + Composigdéo — geralmente como certa forma de improvisagao, ocor- reu freqiiente e regularmente entre as criangas, como uma parte natural de seu aprendizado instrumental. Por exemplo, os alunos eram insistentemente con- vidados a improvisar uma frase resposta para uma frase tocada pelo professor, € a invengio de motivos ritmicos fazia parte, muitas vezes, das ligdes de mt- sica, geralmente em forma de brincadeira ou com o espirito de um jogo. * Estudos de literatura — a oferta de informagées sobre misica, tais como definigdes de termos musicais e sinais, e itens de notagao como tonalidade, clave, pauta e dindmica, sempre ocorreram no contexto da atividade pratica. + Apreciagdo musical — nfo era prioridade nas principais sessdes do grupo, embora tenhamos escutado trés professores executando um trio para a classe. As criangas foram capazes de ouvir a si mesmas e a cada colega mais cuidadosamente nas chamadas aulas de suporte (aulas menores, geralmente para quatro a oito alunos). Nessas sessdes havia a demonstragao de uma nova pega pelo professor e uma performance ocasional de um aluno (ou de um Pequeno grupo de alunos) para o resto da classe, além do estimulo pata uma audio mais critica e analitica, por meio da performance de uma pega, com cada um tocando uma linha. * Aquisicao de técnica — 0 prinefpio da fluéncia em primeiro lugar era muito evidente como caracterfstica do programa, fortemente influenciado por Roland € Suzuki. O controle ffsico ou manipulativo era desenvolvido antes das habilidades de notagao. A técnica de arco era ensaiada antes da técnica de mio esquerda, ¢ tornava possivel ter um toque ritmico desde o inicio, enquanto a liberdade e a flexibilidade eram estimuladas por meio de golpes de arco levan- tado ¢ tremolo. A técnica de mao esquerda era baseada numa posigio natural- mente equilibrada do violino, e uma forma da mao era construfda com exercici- 08 para desenvolver fluéncia, tal como bater no tampo do violino em posigdes agudas, As bases da mudanga de posigao e vibrato eram logo apresentadas, por meio do desenvolvimento da mobilidade. A confianga ritmica era estimulada *® Event-sampie: um método de pesquisa observacional que documenta as mudangas nos eventos — a ocor- réncia de diferentes atividades. [N.T] ZL com palmas, palavras cantadas e varios jogos, em geral envolvendo movimento. © uso intensivo de cantos e solfejos ajudava a desenvolver habilidades de nota, Gao e discriminagao de altura * Performance — fazer miisica juntos era 0 foco essencial da estrutura, ¢ a presenca de bons pianistas permitia que, mesmo nos primeiros exercicios técnicos ¢ melodias nas cordas soltas, nascesse a vida musical, dando carter expressivo e estrutura ao mais simples dos materiais. Na maioria das aulas os resultados musicais éram evidentes. As criangas estavam adquirindo confianga e competéncia com os instrumentos, estavam can. tando e tocando, ouvindo cuidadosamente, trabalhando junto e valorando o fazer musical. Estavam obtendo acesso e contribuindo para a “conversagdio” que cha- mamos de miisica. Existia um claro cuidado da musica como uma forma signifi- cativa de discurso,— o primeiro principio. Quanto ao segundo princfpio, com um Yo estruturado e intensivo esquema de ensino poder-se-ia pensar que o discurso musical dos alunos talvez se tornasse submisso aos métodos e materiais do pro- grama. Na realidade, muitas das sessdes eam vivas e interativas, ¢ os alunos esta- vam envolvidos em tomar suas préprias decisdes, especialmente quando contri- bufam com idéias musicais, como improvisadores. Vale lembrar que esses alunos estavam todos no ensino fundamental; o mais velho tinha 11 anos. As pesquisas Tecentes confirmam resultados anteriores, Sbvios o suficiente para a maioria dos professores, e indicam que os sistemas de valores musicais de criangas pequenas tendem a nao ser fortemente desenvolvidos, como os dos adolescentes (Papapa- hayiotou 1998). Existe, portanto, maior aceitagao, entre alunos mais jovens, de uma selego mais ampla de idiomas musicais, incluindo aqueles encontrados nas escolas e apresentados em material de instrugao. Para eles, o tipo de mtisica que deve ser trazido para a sala de aula néio é um assunto téo crucial quanto para adolescentes e alunos mais velhos, Mesmo assim, nesse caso, 0 material do proje- to era variado e culturalmente rico. A impressio geral de um dos professores de cello, Virginia Bennett, co- incidiu profundamente com a nossa. Para ela, 0 objetivo da educacao musical era muito claro, ¢ estava substancialmente integrado no esquema do Tower Hamlet. Como ela afirmou: O propésito da miisica nao é, simplesmente, criar produtos para a sociedade. E uma experiéncia de vida vélida em si mesma, que devemos tornar compreensfvel e agradavel. E uma experiéncia do presente. Essas criancas esto vivendo hoje, e nao aprendendo a viver para o amanha. Devemos ajudar cada crianga a vivenciar a miisica agora. (Swanwick e Jarvis 1990: 40) 2 -O mestre do tambor Conversando com John Chernoff, o percussionista de Ghana Ibrahim Abdulai reflete sobre 0 processo de improvisacio (Chernoff 1979: 109-10). 72. Embora esse exemplo nao possa ser considerado ensino formal em nenhum sentido, gostaria de sugerir que a atitude de Abdulai é, essencialmente, aquela do professor que esté ensinando miisica musicalmente. Ele considera a misi- ca como discurso, respeita 0 discurso dos outros muisicos e dangarinos e, natu- ralmente, para ele a fluéncia musical é de suprema importancia. Dentro do discurso da miisica, observa-se como Ibrahim Abdulai esté preocupado com que os dangarinos ouvintes primeiro se orientem dentro de certas “normas” dos motivos do tambor. Abdulai esté consciente do segundo,nivel de metéfo- ra, em que os gestos familiares musicais sao transformados em novas relagées. Uma citagiio extensa parece ser pertinente: Se vocé encontra um estilo ¢ gosta dele, pode continuar tocando-o durante al- gum tempo, de forma que as pessoas possam ouvi-lo bem, antes que vocé faca algumi mudangas, Vocé no pode somente comegar nesse momento e depois mudar para outro estilo novamente. Nao é bom. Vocé deve tocar durante alguns minutos, e pode compa- rar 0s estilos 0 som da danga; pode pensar, “quero colocar esse estilo. Sera que ele é bom para essa danga?” Entéio vocé pode confiar no tema do tambor, pegar um estilo que combine e trazé-lo. Mas trazer 0 estilo novo pelo coragfo [isto &, por impulso] no € bom, Vocé estragard a danea. Vocé deve seguir meus pasos e tocar com respeito, Tocar com respeito?, perguntei. Sim. £ assim que toco tambor. Estou tocando com respeito. Nao toco grosseira- mente; presto atengao Aquilo que toco. Algumas vezes, quando voce sabe muito algu- ma coisa, pode fazé-Ia de forma grosseira e adicionar algo desnecessatio a ela. Eu nio fago isso, Se vocé esta tocando tambor, nao deve bater impulsivamente. Vocé pode trocar 0s estilos a qualquer momento ou somente continuar batendo um estilo particu- lar, se gosta dele, E de acordo com a danca. Notamos 0 “professor” trabalhando aqui. Ele quer que as pessoas “ou- gam bem”, antes de fazer mudangas no ritmo. Depois poderd levé-las a outras idéias musicais, a novas relagdes. Também esté alerta para o primeiro princf- pio, respeitando o discurso da miisica, e cuida daquilo que faz — “Presto atengAo aquilo que toco”. Isso é interligado com o segundo principio, consi- deracao pelos “alunos”. Ele realmente fica preocupado com 0 efeito de sua percussdo sobre aqueles que ouvem e dangam. Enquanto esti tocando tambor, ds vezes algumas pessoas também esto dangan- do. Ele olha seus pés e como elas os conduzem na danca. Observa o movimento do corpo € dos pés, e 0 modo como o dangarino faz os passos na danga, tocando o tambor de acordo com ele. Abdulai toca “com respeito” pela miisica e por aqueles que a ouvem. Toca, enquanto antecipa que aqueles que se envolvem com sua percussdo podem se relacionar com ela e encontrar 0 que Chernoff chama o poder de uma forma pes- soal (Chernoff 1979: 169). Toca com consciéncia da riqueza metaforica da mUsica. 73 3 - Misica numa escola escocesa Uma estagiaria est completando seu tiltimo ano de prética de ensino numa escola escocesa. Trabalha com uma classe pequena de secundaristas"*. Eles tm entre 16 ¢ 17 anos e vao, brevemente, prestar exames, cuijos resultados determina- ro seu acesso aos cursos universitdrios. O tema determinado é “fuga”, uma possivel receita para o tédio. Ela prepara os estudantes para abordar a fuga em dé menor de Bach, Livro I dos 48 preltidios e fugas. Explica rapidamente o principio’ organizacional da en- trada das diferentes “vozes” e toca no piano, de uma forma totalmente carac- terizada, as trés primeiras entradas do tema, 0 contra-sujeito ¢ os episédios que seguem. A cada fase os alunos sdo envolvidos no reconhecimento e no uso da terminologia daquilo que ela chama de sinais “distintivos” da peca. Seu entusiasmo pela miisica é patente. Ela realmente gosta dessa fuga em particular, e se preoctipa que cada um dos alunos encontre sua forma de enten- dé-la. O primeiro principio est4 totalmente evidente. Quanto ao segundo principio, existe, naturalmente, pouca oportunidade aqui para que os alunos tragam seu préprio discurso para a situacao. Mas eles podem fazé-lo na sesso seguinte, quando “inventario” sua propria mtsica. Nesse momento estaro percebendo a qualidade dangante e a textura fugato do terceiro movimento do segundo Concerto de Brandemburgo, de Bach, e também o retardo na entrada da terceira voz, 0 violino. Deverao ser convida- dos a fazer 0 segundo movimento metaférico: ouvir “melodias” em novas re- lagdes. E sero capazes de usar esse artificio de atrasar um evento esperado em novas composigées. Numa sesso dessa natureza nao existe, obviamente, oportunidade para desenvolver fluéncia musical, mas todos vamos embora com uma forte impressio auditiva da mtisica em nossas mentes, com alguma com- preensio dos processos composicionais e, principalmente, com um senso de valor e compromisso, absorvido parcialmente do professor, mas também da oportunidade de ouvir a misica como musica, sem qualquer comentério fala- do intromisso e simulténeo. 4 - Ensino no Brasil O quarto desses relatos ilustrativos é algo, novamente, muito pessoal. Devo enfatizar que estou descrevendo, aqui, uma série de atividades educati- vas que se relacionam entre si para esclarecer os trés princfpios em agao. O material especffico ou abordagem nfo est sendo defendido para ser usado por outros. Nao se trata de um “método”. Setenta e cinco alunos em Porto Alegre, sul do Brasil, fizeram-me sentir extremamente bem-vindo em setem- bro de 1997, e sou muito grato a eles. Envolveram-se muito entusidstica ¢ musicalmente durante um curso memordvel de uma semana, e todos fazem parte desse relato. * Alunos da high school. (N.T} 74 Partitura aproximada ‘A= Altura aguda indefinida (viangulos, sinos, chocathos ete.) B = instrumentos gravas sem altura definida G = Barras de melalimadeira, fautas eflauta doce = Violdes e outros insttumentos de cord tocando notas isoladas, Em cada inha instrumental deverd haver pelo menos um instrumento capaz de prolongar 0 som neste sina "Nota: A duragiio de cada compasso depende do regente. Assagure-se de enfatizar as dlfarengas entre fore etraco (fe) e entre sons curios, destacados e aqueles que continua soando. Tente diferentes andamentos. A Interpretagao pode ser dramatica, se voc’ quise, ou pode ser mais relaxeda, 2 for flta em urh andamento mais lente, com menos dindmicas extromas, aieuoaelsaer Ss 6 7 8 2 ale |e . I : may ‘ P Pe B ° : a f t t ce > ° . eee lene pe Pp D 2 . role fe P 16 w 1" ' t ‘ ‘ f o t ' o t P 49 20 21 22 23 24 25 2% 7B a ele ° tke © ot © - e P pip PP ' =] [tena 2 ‘ p P : once) a t | |e (once vencieinpois fe |e. 1 > ip . Exemplo musical 6. Compreendendo. 75. A primeira atividade nesse projeto é claramente dirigida pelo professor. Usando a terminologia do socidlogo Basil Bernstein, tornei a atividade mais solida pela escolha da seqiiéncia de ensino. Havia também uma forte categorizagao porque nao somente escolhi o contetido musical mas, na verdade — para melhor ou pior —, 0 compus. Essa composi¢ao nao é uma obra de estilo inovador, nem uma das mais originais e significativas j4 produzidas. Entretanto, é uma pequena contribuicao para 0 mundo do discurso musical, e teve uma fungi positiva no curso, além de servir tazoavelmente bem para ilustrar os princfpios que esto agora em discussio, a) Preocupado com a fluéncia musical e antes que nos prendamos & notacHio musical, preciso ter certeza de que o grande grupo de estudantes (todos professo- res de musica em alguma habilidade) pode produzir os tipos de sons que sio fundamentais nessa pega. Podem eles, a um sinal, executar juntos suave ou forte- mente um s6 som curto? Isso significa que, nesses instrumentos que tendem a tessoar (tridngulos, cimbalos etc.), os sons tém de ser iniciados mas também in- terrompidos. Essas técnicas fundamentais devem ser desenvolvidas pelos execu- tantes. E imperativo ouvir cuidadosamente. b) Olhando pela primeira vez a notacio, so identificados os sinais para forte ¢ fraco, notas sustentadas e abafadas, e sfio tocados os primeiros nove com- Passos. A contagem de tempos nao € uma opeaio, uma vez que cada compasso tem uma duracio diferente; as decisdes dependem do regente. O nono compasso tem um significativo siléncio. A preciso absoluta é importante para todos, ¢ a passa- gem é ensaiada até que os executantes estejam fluentes e, novamente, livres da notagio: fluéncia no inicio ¢ fluéncia no final. Essa passagem pode agora ser vivenciada como um pardgrafo, como um pensamento musical completo. ¢) O mais importante, na transformacao de “notas” em “melodias”, é que os sons sejam ouvidos € tocados em grupos, frases, gestos. No inicio, um monte de sons — muitos deles ressoando — preparam o caminho para o segundo, que parece mais vigoroso porque é logo interrompido. O efeito disso é que os compassos 1 e2 tornam- se um s6 gesto. O gesto € repetido nos compassos 3 ¢ 4, Nesse ponto fizemos o gesto ainda mais enfético no carter, como em geral so as repeti¢des. Nao posso supor que essa idéia simples e sua repeticao sejam novas. O inicio da Abertura Coriolano, de Beethoven, vem & mente, embora certamente nao estaremos envolvidos com ela. d) Indo mais adiante com a pega, temos, entio, de estar seguros de que os novos sinais de notag&o, que aparecem no compasso 10, possam ser executados Por todos. Podemos transformar essa “nota” particular em “melodia”, que é pas- sada de uma parte para outra entre os compassos 10 e 14, um gesto oscilante gentilmente entremeado por sons pontilhados. ¢) O efeito da reprise nos compassos 15 a 18 tem agora de ser decidido. Qual € a relagio desse conjunto inteiro de gestos com seu primeiro aparecimento? Deveria ter 0 mesmo peso e espagamento, como antes, ou ser mais ou menos enfatico? De uma maneira ou de outra, essa decisio influenciard 0 processo sinu- 080 em diregdo ao fim. Isso teria comegado, de certo modo, no compasso 15? Se foi assim, ent&o o movimento em diregio ao fechamento sera provavelmente gra- dual. Ou esses sao os tiltimos ¢ irregulares cumes de sons antes de uma ingreme 76 descida? Estamos agora profundamente engajados no primeiro princfpio — con- siderar a mtisica como discurso — e envolvidos com a segunda metéfora, o nivel de dindmica da forma musical. £) Agora dois ou mais regentes voluntarios assumem, siio capazes de esco- Iher diferentes andamentos e alteram a relativa duragdo de cada compasso. Essas so decisées que afetam consideravelmente o potencial expressivo. Uma veloci- dade maior dirige a coisa toda de modo que um sentido de urgéncia prevalece, especialmente nos compassos 19 a 24. Uma velocidade menor nos lembra um sentimento mais monumental ¢ tenebroso. g) Durante os dias subseqiientes, e entrelagando varias atividades diferen- les, pequenos grupos fizeram suas prdprias interpretagdes dessa partitura, uma delas somente para vozes. Eles também se tornaram compositores e inventaram pequenas pecas, usando notagées similares para que outros interpretem e execu- tem. Dessa forma, 0 segundo princ{pio, o da autonomia do aluno, veio a tona. Realmente, até certo ponto, isso aconteceu no compasso 26, quando um executan- te improvisador, na quarta linha instrumental, pegou o violdo e nés demos tempo suficiente para o que se transformou num episédio dangante. Devido as limitagGes inerentes ao trabalho nesse tipo de partitura, mesmo essa ultima atividade nao seria realmente suficiente, por si mesma, para assegurar a apli- cacdio do segundo principio. Entretanto, precisamos ver esse projeto em seu contex- to, Entre as varias atividades, aconteceram outros encontros musicais mais abertos, envolvendo resposta a palavras, arranjos auditivos para cangdes ¢ dramatizacao de musica, Essas aberturas permitem um grande ambito de estilos musicais, incluindo pecas atonais, jazz vocal e samba. Mesmo assim, a despeito das limitagdes impostas pela partitura, todos os trés princfpios foram mantidos em mente e guiaram o ensino: consideragio pelo discurso musical, consideracao com o discurso musical dos alu- nos e fluéncia musical antes da leitura. No Ambito do primeiro principio, as duas primeiras das trés mudancas metaf6ricas foram também evidentes. Fomos muito rapidamente de “notas” para “melodias”, e comecamos a ver “melodias” formando relagdes umas com as outras, dando ao trabalho uma forma, uma “vida propria” Quanto a transformacdo dessas estruturas simbélicas em novas experiéncias significativas, quem pode dizer? Para alguns de nés, isso pode ter acontecido. Lem- bro que, durante a mesma semana, os alunos trabalharam em grupos, reagindo a uma série de idéias expressivas, unindo-as em uma forma maior, uma atividade descrita em outro lugar (Swanwick 1994: 123 ss). Entre outras idéias, usaram ele- mentos musicais coletados durante essa sessiio com a partitura. Ao encontrar gestos similares poderosamente apresentados dentro da dinamica estrutura de uma perfor- mance musical gravada, houve lagrimas nos olhos. Concordamos, entdo, que nio havia nada mais a ser dito, e encerramos a sesso mais cedo. Esta, a terceira mudan- ga metaforica em significado pessoal, “significando para”, nfio pode ser prevista, e nao € sempre facilmente observada. Quando isso acontece, deslocam-se todas as declaragées alternativas sobre por que a musica é valiosa. Esse valor est na revela- ¢40 do motivo e da forma em nossas vidas, quer sejam pequenos ou grandes. Como vimos com Terence McLaughlin no primeiro capitulo, podemos “encontrar a nés ZL. mesmos vivenciando uma sintese ou fundindo muitos eventos, muitas memérias”. O poeta Australiano James McAuley colocou desta forma: A vida toma sua forma nos modos da danga e da miisica, As mios do artesdo tragam seus padrées, (McAuley 1965: 137) Implicito no ensino musical da mtisica esté um forte senso de vida tomando forma ou mesmo encontrando sua forma. E por isso que 0 primeiro dos trés prin- cipios ¢ tao crucial, que nés consideramos a miisica como discurso ¢ procedemos baseados na idéia de que ela pode fazer uma diferenca na maneira como vivemos «£00 s tefletir sobre nossa vida. Os outros dois principios, considera- ~¢40 com 9 discurso dos alunos ¢ promogiio da fluéncia musical, sao oriundos do primeiro. Esses principios parecem, para mim, fundamentais, e podem informar 0 trabalho de qualquer professor, em qualquer contexto, usando qualquer “método” escolhido, organizado de forma rigida ou flexivel. Porque o que importa, enfim, 6 a qualidade da experiéneia musical no “aqui e agora”, a possibilidade de que os alunos possam encontrar seus caminhos para entrar no dominio da metéfora, que, para eles, amplia e preenche “espaco intermediario”, rapaz vive numa favela em Salvador, Brasil, na drea do Candeal. Um ambicioso programa local, o Pracatum, objetiva facilitar 0 fazer musical e a educagio geral de jovens, ¢ isso tornou possivel para ele a organizagio de um grande grupo de adolescentes para fazer mtisica juntos com instrumentos nativos — tambores, sinos e chocalhos. Ele & um lider nato e um professor naturalmente talentoso. Esses meninos parecem capazes de segui-lo em sua imaginagdo musical, néo importando quio dificil isso se tome. O rapaz desenvolveu um sistema fluente ¢ articulado de sinais cle mao, por meio dos quais diferentes ritmos e mudangas na combinagdo dos instrumentos podem ser indicados. Enquanto ficam de pé nas filas, os meninos olham para ele e respondem com uma série de idéias musicais controladas rigidamente, porém altamente expressivas. Ele mistura esses gestos em formas nas quais as idéias so substituidas mas podem reaparecer, ¢ onde stbitos siléncios as vezes servem para emoldurar explosdes de incrivel energia ritmica. Algumas veves, durante a execugio da miisica, ele anda entre os adolescen- tes, mostrando gentilmente como e 0 que tocar, Muito raramente os repreende por nio estarem real ‘mente olhando, por nao estarem realmente ouvindo, Em sua maior parte essa regéncia musical é tio graficamente explicita que — como os melhores regentes sinf6nicos — tudo parece acontecer como um truque de “prestidigitagio”. Muito pou musica esti sendo produzida. A aplicago do primeiro principio esté fortemente evidente. O rapaz tem uma tremenda pre- ‘ocupacdo com a misica como discurso, como uma conversa significativa. Existe também alguma preocupagio com o discurso dos membros da banda. Muitos dos padrdes que eles tocam so oriun- dos do mundo verndculo da favela, da miisica de nua. Mas essas idéias so trabalhadas em formas musicais que abrem avenidas de novas experiéncias significativas para todos nés. Isso fica patente na intensa concentragao e forte senso de valor que invade a atividade inteira. Seu sonho para o futuro, ele me conta depois, fazer um trabalho musical perfeito e ampliado, palavras so ditas, e ninguém tenta falar enquanto a 78 Mais tarde ele me ensina padrdes basicos e, quando os tenho sob controle, ele ¢ um amigo elaboram outras idéias em instrumentos que estdo préximos. A fluéncia musical 6 0 que importa aqui. Essa mtisica nunca seré limitada pelos esquemas analiticos da notagao escrita. Mas é miisica e compartilha com outras miisicas 0 potencial da metéfora: “notas” tornam-se “melodias”, esses gestos ex- pressivos so inter-relacionados em novas formas ¢ essas formas podem ter 0 poder de encontrar nossas hist6rias, para trazer transformag6es na maneira como. construimos a “vida do sentimento” em nés mesmos e em outros, Pode nao ser inteiramente uma coincidéncia o fato de ser essa favela muito mais segura do que vérias outras, tanto para viver como para visitar. Como, entretanto, podemos saber onde os alunos estiio enquanto trabalham com 0 modelo de camadas metaféricas? Seré possivel nfo somente ensinar mu- sicalmente, mas também avaliar 0 trabalho dos alunos musicalmente? Nao so- mente é possivel, como essencial. Pois no deve haver nenhum ensino, em qual- quer sentido real da palavra, sem uma avaliacio sens{vel e compreensiva. E talvez lamentével que a avaliagao do aluno tenha se tornado um assunto politico, ligado 4 responsabilidade educacional. O ntimero crescente de ferramentas para a avali- agdio formal demonstra que esta niio € feita musicalmente e que nem sempre refle- te, de fato, uma perspectiva musical. No préximo capitulo espero mostrar como podemos melhorar isto. 79

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