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AVO E NETO CONTRA VENTO E AREIA Tinham ido & praia, porque estava uma manha bonita. A av6 vestia uma saia clara ¢ levava o neto pela mao. Ia muito contente, ¢ 0 seu coracao cantava, neto levava um balde, porque se propunha apanhar conchas ¢ biizios, como 4 fizera de outras vezes em que tinha ido a praia com a avé. s IrApraia com a avé era uma das melhores coisas que Ihe podiam acontecer nos dias livres. Por isso também ele ia contente, ¢ o balde dangava-lhe na mao. A praia estava como devia estar, com sol e ondas baixas. Quase nao havia vento, ¢ a 4gua do mar nao estava fria. Por isso 0 neto teve muito tempo de pro- curar conchas e bizios e de tomar banho no mar. A av6 sentou-se num rochedo, e 10 ficou a olhar 0 neto, por detras dos éculos. Nunca se cansava de olhé-lo, porque o achava perfeito. Se pudesse mudar alguma coisa nele, nio mudaria nada. Olhava para ele, também, para que nao se perdesse. A mie do neto confiava nela. Deixava-o a sua guarda, em manhis assim. A ayé sentia-se orgulhosa: ainda era suficientemente forte para ter alguém por quem olhar. Ainda era uma av6 util, 15 antes que viesse o tempo que mais temia, em que poderia tornar-se um encargo. para os outros. Mas na verdade essa ideia nao a preocupava muito, porque tencio- nava morrer antes disso. Estava uma manha tao boa que também a avé tirou a blusa ¢ a saia e ficou em fato de banho. Depois tirou os éculos, que deixou em cima de um rochedo, 20 € entrou no mar, atrés do neto, que nadava & sua frente, muito melhor ¢ mais depressa do que ela. — Nao te afastes, dizia a avd, um pouco ofegante. Volta para tris! B A avé fazia gestos com as maos, para que voltasse, 0 neto ria-se, mergulhava e nadava para a frente, e depois regressava, 20 encontro dela, A av6 no sabia mergulhar, mas deixava o neto mergulhar sozinho. Ele s4 tinha cinco anos, mas nadava como um peixe. No entanto nunca ia demasiado longe, nem mergulhava demasiado fundo, para nao assustar a av6. Sabia que ela era um bocado assustadiga,¢ ele gostava de protegé-la contra os medos. A avé tinha medo de muitas coisas: dos paus que podiam furar os olhos, das agulhas e alfineres que se podiam engolir se se metessem na boca, das janelas abertas, de onde se podia cair, do mar onde as pessoas se podiam afogar. A avé sava. Ele ouvia, mas nao ligava muito. $6 0 suficiente, Nio tinha medo. de nada, mas, apesar disso, gostava de sentir 0 olhar da avé. De vez em quando voltava a cabeca, para ver se ela Id estava sentada, a olhar para cle, Depois esquecia-se dela e voltava a ser o rei do mundo. a todos esses perigos e av Por isso se sentiam tio bem um com 0 outro. Quando saia com o neto, a avé tinha a sensagao de entrar para dentro de fotografias, tiradas nos mesmos lugares, muitos anos antes. Era uma sensacao de deslumbramento de absoluta seguranca, porque as coisas boas ja vividas ninguém as podia mudar: eram instantes absolutos, que durariam para sempre. Ourras vezes a avé pensava que a vida era como uma ligao ja tao sabida, tao aprendida de cor e salteada, que ela se sentia verdadeiramente mestra, Mestra em qué? Ora, em tudo ¢ em nada: nascimento, morte, amor, filhos, netos, tudo, enfim. A avé tinha a sensagao de entender o mundo. Embora lhe parecesse que 0 via agora desfocade. Sobretudo ao longe. Ah, meu Deus, tinha-se esquecido dos dculos, em cima do rochedo. Tinham de la voltar, ¢ depressa, a avé sem os éculos nao via nada. Mas quando chegaram ao local, nao estavam la. A avo no entendia como isso pudera acontecer. Nao teria sido naquele rochedo? ‘Teria a maré subido e uma onda os arrastara? Passara alguém que os levasse? Mas a ninguém aprovei tayam, e provavelmente nem tinha passado ninguém, a praia estava quase deserta, porque ainda nao era verao. Ora, ndo era grave, pensou a avo, quando se cansou de procurar. Arranjaria outras dculos. Caminhou com o neto a beira das ondas, e depois subiram para as dunas 4 procura de camarinhas' que a avé nao via, mas o neto apanhava logo. Passou muito tempo € nem deram conta de se terem afastado. O neto cada vez mais feliz, com o balde onde pusera os biizios acabado de encher com camarinhas. Apesar da falta dos éculos, pensou a avé,nao deixava de ser, como das outras vezes, uma manha perfeita. Até se levantar o vento. Na verdade nao se percebeu por que razio de repente o céu se toldou e se levantou cada vez mais vento. Deixou de se ver @ azul, debaixo de nuvens carregadas, a areia comegou a zunir em volta. O vento levantava a areia, cada vez mais alto, a areia batia na cara e era preciso semicerrar as palpebras para nio a deixar entrar nos olhos. — Que coisa, disse a ave, A manba acabara, ¢ agora iam depressa para casa. Estariam bem, em casa, jogando as cartas atris de uma janela fechada. Mas, de repente, a avé no sabia onde estava. As dunas eram altas e nio sabia que direc tomar, Caminharam ao acaso,voltanda as castas & praia. ‘Mas deveriam virar a esquerda ou & dircita? A avé nao sabia onde ficavam yo as casas, Nao se via nada na linha do horizonte, a nio ser as dunas. E, sem culos, a avd sentia-se perdida. ~ Déi-me o pé, disse o neto. Espetei um pico no pé. = Calga as sandilias, disse a avé. Calgaram ambos as sandalias, que tra- ziam na mao. ns —Ainda dai, disse o neta, Dai o pé. —D se a avé tirando-the outra ver a sandélia. E um esp nho, sim. Disse a avé que sem éculos via bem ao perto. Mas esté muito aver, enterrado © nio consigo tiri-lo. Em casa eu tiro, com um alfinete. Agora vamos depressa. 1 -Déio pé, disse o neto comecando a chorar. = Ja passa, disse a avi © vento levava-lhe a saia, a arcia batia-lhes nos bragos ¢ nas pernas, subia até & cara e queria entrar nos alhos. O neto esfregava os olhos, com as mios sujas de areia. © = Nao posso andar, disse ele, Dai a espinko. ~ Aavé no pode levar-te ao colo, disse ela, Nao tem os assos fortes. ». Ele chorava © escondia a cara na Arrastou-o alguns pasos, pela mi saia dela, para proteger os olhos do vento. = Nao posso andar, disse ele sentando-se ¢ tapando a cara com o chapéu. so Déio pé. = Eu levo-te um bocadinho, cedeu a avé, Mas s6 um bocadinho, Levantou-o nos bracos ¢ avangou contra 0 vento. Uns metros mais adiante, deviam chegar av fim das dunas e saberia a diregio das casas. © neto era muito pesado, mas a avé no se dava por vencida. Cami 5 nhava resoluta’, enterrando as sandilias na areia Agora o caminko entre as dunas comecava a su E depois dessa duna, havia ainda outra duna. A avé comecou a ter medo de estar perdida. Muitos anos atras, a avé perdera uma ctianga. A lembranca veio subi ww tamente ¢ ela no conseguia afastd-la. Scmpre quisera esquecé-la, mas de repente ¢la voltava, Mesmo em sonhos. Uma crianga ardendo em febre, ec ela correnda com ela nos bragos, através de um haspital labirintico. E depois os dias passavam e ela perdia a crianga Durante muito tempo, no soube onde estava, quando Ihe vieram dize vs que perdera a crianca. E agora estava outra vez perdida, com uma crianga nos bragos. Jétinha vivido algo-assim, A vida era s6-vento c arcia eela arrastando-se, Intando em vio, contra o vento a areia. no ns no us 0 Doiam-lhe os ossos, no aguentava carregar 0 peso dele. E se de repente ficasse 5 imobilizada, estendida no chio, como ja the sucedera mais da que uma vez? Aquel hémis' na coluna podia sair do lugar ¢ ela ficar sem conseguir mexer-se. E se isso acontecesse e ela ficasse al sem poder andar? E se a crianga se afastasse, sozinha, & procura de socorro, e se perdesse? Se cls perdesse a erianga? Pousou o neto, ¢ sentou-se a sew lado na areia. = Vamos descansar um pouco, disse cla ofegante. Pc a cabega no meu ombro, para fugir do vento. Apetecia-lhe chorar, mas niio podia dar-se por vencida, Ele estava 4 sua guarda e ela encontraria maneira de voltar a casa. Mas sentia-se perdida. © mundo era uma coisa sem direcées, ¢ desfocada JA vivera isso antes, Uma longa extensio de arcia, deserta. E cla tio desamparada como a crianga que levava, Ambas perdidas, no vento e na areia. - Avé, alha o co do senhor Lourenga! apontau de repente o neto, recomegando a andas, na diregio de um edo que corria para eles. = Louvado Deus, salvos. © café do senhor Lourengo iria aparceez, como um faral, no meio das dunas. Bastava seguir o- cio O neto esquecia o espinho e esquecia a dor no pé,e quase corria, alegremente, atras se a avé recomecando também a andar. Porque entio estariam do cia. Em breve se sentavam & mesa do café, ¢ viam o vento levantar a areia. Mas agora isso passava-sc [4 fora, do lado de ld da janela, A avé pediu um café ¢ o neto um chocolate quente. Sorriram um para o autra ¢ a mundo voltou a ser perfeito. Aflijo-me de mais e dramatizo as coisas, pensou a av. Afinal atravessémos 0 vento ¢ aarcia. E,amanhi de manha, vou ao oculista. Teun Gersto, “Ard exes comtea vento ¢ anes", nA Muther que Pramfeu a Chews e Ontras Mistiraae, Sextante, 4: ed, 2013 1. cammurinbuse pequenas bagas hrancas cle sabor agridace, cle um ipo de arbasto que se pode encontrar nas dunas. 2. resoluta deeerminada. 3. hérmia: camor mole, formado pela deslocagio de wma wscera. Teolinda Gersio nasceu em Coimbra, em 1940. Formou-se em Filologia GermSnica pela Universidade de Coimbra, tenda também estudado nas universidades de Tubingen e Berti Doutorou-se em 1976 e foi professora catedratica da Universidade Nowa de Lisboa até 1995. Recebeu diversos prémios pela sua abra literdria. Escreveu, entre outras obras, 0 Siléncio, Paisa- gem com Muiher e Mar ao Fundo, © Cavalo de Sol, A Anrore das Pafawas e A Cidade de Ulises,

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