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Peter Fry ' AS RELIGIOES AFRICANAS FORA DA AFRICA 0 CASO DO BRASIL > CENTRO DE ESTUDOS DOS POVOS E CULTURAS DE EXPRESSAO PORTUGUESA Universidade Catdlica Portuguesa *TEROA + 1998 Cx. Peter Fry Art. 15 . AS RELIGIOES AFRICANAS FORA DA AFRICA . O CASO DO BRASIL Peter Fry * «tas lembre-se, as tradicbes africanas sao agora brasileiras.» ‘(Aydano do Couto Ferraz citado por Landes, 1967) +O feiticeiro joga com o Amor, a Vida, © Dinheiro e a Morte, como os malabaristas dos circos com objectos de pesos diversos.» Goao do Rio, 1905) Introdugao Meu objetivo maior nesta licdo & de discutir © processo através do qual se constréi no Brasil um campo de actividade magico-religiosa chamado de afro- -brasileiro. Os seguidores destas religiGes, a sociedade envolvente € muitos intelectuais que sobre elas escreveram tendem a classificé-las de acordo com sua suposta proximidade a Africa, seja ela «nagé» (ioruba) ou «banto». £ assim que se produz uma tipologia que € bascada tanto nesta suposta origem étnica, quanto no grau de «pureza» ou «autenticidade» destas religiées. Desta forma, a tendéncia € de olhar mais para a Africa que para o Brasil. Mas 0 que quero argumentar é que a Africa, seja cla «nagé», seja ela «banto», por mais que possa corresponder a certas realidades histéricas ou contemporaneas do continente africano, é essencialmente uma Africa cujas significagdes so produzidas socialmente ao longo do processo da formacio da cultura brasileira. Esta questo se torna particularmente critica quando se trata dos aspectos considerados mais «individualistas» e menos destas religides: a magia a feiticaria. Enquanto uns querem atribuir a feitigaria 4 Africa «banto», outros a * Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil). 439 PETER H. FRY TER Coandonados Peter Fry atribuem & «impureza» e ao «sincretismo». Os intelectuais, por sua vez, tendem a endossar esta visio das coisas, ora omitindo uma discussao da feitigaria com- plementamente, ora banindo-a as regides da «patologia social» Discutirei as possiveis razdes dessas representacdes, sugerindo que uma andlise mais completa das celigiées chamadas de afro-brasileiras deve levar em conta tanto os aspectos «teligiosos» quando «mAgicos». Mas you argumentar sobretudo que, como as religiées “afro-brasileiras surgem, se reproduzem. e se transformam em solo brasileiro, ¢ como elas sio constitutivas do pracesso da formagao da cultura brasileira como um todo, a andlise deve ser voltada mais para o Brasil que para a Africa. Nao interessa tanto a Africa como ela é ou como ela era, mas as «Africas» no Brasil criadas. Falar sobre as «religiGes africanas» oo Brasil nfo é falar de uma curiosidade historica qualquer, nem sequer algo que exige a lupa da pesquisa de um Sherlock, Holmes antropolégico para enxergar. E falar sobre um campo religioso que se estende geograficamente do Oiapoque ao Chui ¢ socialmente das mais miseraveis favelas aos palacetes dos Jardins de Sao Paulo ¢ as cobecturas da Zona Sul do Rio de Janeiro. E isso nao representa nenhuma novidade. Escrevendo em 1896 sobre a cidade de Salvador da Bahia, Nina Rodrigues observou +A existéncia na Bahia de crengas fetichistas io profundas, de priticas vio regularmente constituidas como as da Africa; nao occultas e disfargadas, mas yivendo 4 plena luz do dia, de uma vida que tem ar de legalidade nas licen¢as poli- ciaes para as grandes festas annuaes ou candomblés; que conta com a toleraneia da opiniao publica manifestada na naturalidade com que a imprensa didria di conta dessas reunides como si se tratasse de qualquer facto da nossa vida normal; a exis- téncia de practicas que estendem a sua aco a espheras muito mais amplas do que aquellas em que se geraram; de crencas que sio adoptadas € seguidas pelas soidi- sant Classes civilizadas, mercé ja das alliangas contraidas com a culto catholico, jé no consorcio firmado com as practicas espixitas; esta existéncia, assim vivida € multi- forme, € coisa que est no animo publico € no pleno conhecimento de todos.” (Rodrigues, 1935; 15, 16.) Hoje em dia em franca contradicao As leis positivistas de Comte (ironica- mente um dos inspiradores tedricos da Republica do Brasil), essas religioes, em vez de cederem pecante a industrializacio ¢ crescente sofisticagio dos meios de producio, proliferam como nunca. O Batuque continua em Belém, a Casa de Minas em Sao Luis do Maranhao, ‘Toré em Sergipe, o Xango em Recife, 0 Candomblé na Bahia, a Macumba no Rio de Janeiro € Sio Paulo, o Batuque em Porto Alegre, ¢ €m toda esta extensio uma tentativa de estabelecer uma certa homogeneidade sobre toda esta gama de variacio, a Umbanda, progride sob a bandeira de «religiio verdadeitamente brasileira». Ecoando as palavras de Nina Rodrigues, agora na década de oitenta, fala Gilberto Velho: +Oficialmente a grande maioria da sociedade brasileira € constituida de cat6- licos figis Igreja de Roma. No entanto sio infindaveis e frequentes as situagées em 440 Peter Fry cados de «alienigenas». £ assim, que € possivel criticar 0 entusiasmo que muitos negros brasileiros manifestam pela musica reggae ou pelos blues que, ao meu yer, so tao potentes como aglutinadores de uma identidade negra positiva quanto as religides afro-brasileiras *. A posigio . Rodrigues oferece uma série de razées por esta shegemonia nagé», que vai desde o ntimero preponderante de esctavos de origem nagé na Bahia até a suposta «superioridade» da mitologia nagé em relagéo a dos demais grupos tribais, especialmente aqueles oriundos de Angola e do Congo, chamados no Brasil de bantos 6. Nesta época, cada orixd ja tinha um equivalente santo catélico e Nina Rodrigues percebe com toda razdo a semelhanca estrutural entre uns € outros, Pois tanto santos como orixis s4o intermedidrios entre os homens e um criador ocioso, seja cle Deus ou Olorum. Sugere que estas equivaléncias se deram no sentido de fazer 0 catolicismo compreensivel em termos do sistema «nagd» e vice- -versa. Autores subsequentes também aderem 3 nogio que a equivaléncia originou-se também do desejo dos escravos de esconderem suas divindades forte- mente reprimidas pelos senhores brancos, atrés da mascara dos santos catélicos. Rodrigues também observa que em certos candomblés, os fiéis mantinham clara a distingao entre © sistema catdlico € o sistema jeje-nag6, enquanto em outros, menos «tradicionais», havia uma certa confus4o entre uns ¢ outros, levando a uma verdadeira identificagao. No depoimento de Rodrigues fica claro que os candomblezeicos partici- param tanto do Candomblé como dos ritos catélicos, ¢ no terreiro onde Nina 4 Para uma andlise da obra de Nina Rodrigues € dos seus seguidores, veja Correa, 1982. 5 Para uma exiensa e erudita discussio da origem do teemo ~nagé, ver Santos, 1977. 6 £ claro que 0 tetmo -bantos refere de facto a uma familia linguistica, € que portanto significa pouco ou nada em termos culturais. No Brasil 0 termo fot adoptado para se referis aos negros oriundos de Angola e do Congo. A pripria palzvra candomblé ¢ de origem «banto- 443 Peter Fry Rodrigues pesquisou (0 de Gantois e hoje em dia um dos mais famosos € «tradicionais» de todo Brasil), «0 candomblé termina sempre por uma missa mandada dizer ao Senhor do Bonfim na dltima sexta-feira ¢ com um almoco final no domingo seguinte>. (Rodrigues, 1935; 161). Com estes dados Rodrigues argumentou que os negros candomblezeiros da Bahia nao cram de facto cat6licos — afinal como poderiam ser monoteista se se acreditasse que «ragas inferiores> poderiam no maximo atingir 0 politeismo? — mas é também possivel interpretar esses mesmos dados para sugerir que, nesta época, participar nos ritos tanto do candomblé como da Igreja de Roma era uma maneira de afirmar dois aspectos da identidade dos negros da Bahia, um apontado para a sua «africaneidade-, outro para a sua . Rodrigues descreve_a vida ritual dos terreitos em dois momentos, o que ele chama de sua «forma exterior € 0 «feitigon: “——XFomma exterior da vida ritual consistia das grandes festas anuais € dos ritos de iniciacdo de novos filhos de santo. Nao cabe aqui descrever em detalhe estes ritos 7, bastando observar que duraram muito tempo ¢ envolviam os iniciandos numa série de privagGes ¢ obrigagées para com seus orixis. Nos terreiros mais tradicionais de Salvador, © tempo de iniciagio € uma medida da importancia da filha ou do filho de santo na hierarquia do terreiro, € ha uma série de posicbes que podem ser galgados com o passar do tempo € a aquisicao do conhecimento dos segredos, Nestas cerim6nias (eram, € so, ptiblicas e concorridas), animais foram sacrificados ¢ a comida preparada para os orixds ¢ para os fiéis *. Cada membro do candomblé € associado a um orixd, € aqueles que sio iniciados devem «receber» através do transe € cumprir certas obrigacées de tempo em tempo. Acredita-se que € somente assim que se pode garantir said plena € felicidade em geral. Nao cumprit as obrigagées resulta em punicio. ‘Mas © pai de santo, segundo Rodrigues, ndo € s6 0 sacerdote destas festas publicas. da aflicio, deixando explicagées do através do artigo 157 do cédigo penal de 1890 1. Desta forma, sugeriria que era o em Salvador, no plano nacional, Rio € © locos da «leturpagio» enquanto a Bahia € associada definitivamente com a «religiéo verdadeiramente africana» 4. Mais uma vez, os antropélogos endossam a classificacao dos atores, descobrindo «boas razGes» para explicar essas diferencas notadas entre a Bahia € o Rio de Janeiro. Artur Ramos, por exemplo, ao mesmo tempo em que procura se diferenciar de seu mesire Nina Rodrigues, rejeitando 0 racismo deste, atribui a «inferioridade» dos cultos na Rio de Janeiro A presenca majoritaria de negros de suposta origem banto, pois «os melhores negros, sudaneses aristocratas, ficaram na Bahia». «Desse modo», escreve Dantas, «Artur Ramos |...], termina deixando filtrar seu racismo ao escalopar os negros segundo graus de inteligéncia que aparecem associados a caracteres fisicos» (Dantas, op. cit., 114). Roger Bastide vai procurar uma razdo sociol6gica para as diferencas entre Bahia € Rio, ou seja a industrializagio ¢ a urbanizacao. Segundo este autor, os negros, logo apés a abolicao, -formaram uma espécie de subprotetariado ¢ 0 desenvolvimento da urba-nizacio, que destruiu os antigos valéres sem lhes propiciar um névo sistema de valdres em substimicao, para éles se traduziu apenas numa intensificag’o do proceso de desagregacio social.» Bastide, 971; 406.) 4 macumba surgiu, segundo Bastide, de um «encontro» ¢ uma «fusdo» de crengas . Mas Bastide nota que a macumba no Rio se torna cada vez mais heterogénea e «individualizadas, perdendo assim a velha tradicio africana, Cada sacerdote (ou quase todos) inventa novas formas de ritual ou de novos espiritos; ¢ a concorréncia encarecida entre os grupos de cultos s¢ traduz, ja no como Bahia por maior fidelidade ao passado, mas por iniciativas ao contratio, esté- ticas ou doginiticas» (Bastide, op. cit; 408.) Desse modo, a macumba do Rio «acaba perdendo todo o cardcter religioso, Para terminar em espectaculos ou se prolongar em pura «magia negra» (Bastide, Op. cit.; 411). Mas quando Bastide viaja para 0 foco central da industrializagéo ¢ urba- nizagao do Brasil, para S40 Paulo, ele vé coisas até «piore. Aqui o culto € mais individualizado; *passou da forma coletiva para a forma individual, 20 mesmo tempo se degradando de religiio em magia. O macumbeiro, isolado, sinistro, temido como um formidavel feiticeiro, substitui, hoje, a macumba organizada.» (Bastide, op. cit.; 412.) Utilizando, assim, uma terminologia e filosofia dukheimiana, Bastide vé na solidariedade e 0 colectivo a religiio, e no individualismo a magia. Vé também o | contraste entre controle © harmonia nas relacdes sociais solidérias € 0 crime associado a «um relaxamento patolégico da solidariedade social» (Bastide, 9p. cit.; 415). Consulta os arquivos da policia e canclui que: 4 macumba ou a supersticéo limitam-se, pois, a demolir 0 fragil edificio da razio, 2 desprender os instimos primérios € preparar, dese modo, a atividade crimi. Rosa; a despertar os instintos sanguinérios ¢ também os instintos libricos.« (Bastide, 1973; 238.) Compara a macumba a0 candomblé ¢ argumenta que enquanto a primeira «tesulta no parasitismo social, na exploragio desavergonhada da credulidade das classes baixas ou no afrouxamento das tendéncias imorais, desde 0 estupro, até frequentemente, 0 assassinato, o segundo «permanece um meio de controle Social, um instrumento de solidariedade ¢ de comunhao» (Bastide, 1971; 413). © argumento de Bastide € sem ctivida complexo € subtil, mas sobressai na sua andlise uma visao muito especial da Africa, que nao difere muito da dos outros: autores que citamos. B uma Africa bastante idealizada, harménica e ausente de conflito. Assim, as caracteristicas negativas que Bastide enxerga na macumba Paulista podem ser atribuidas nao somente 4 «desintegeagio social como também a maciga presenga dos brancos no culto. Observando o minguar da tadicao afticana € a absorgdo de elementos «mégicos» importados por esses brancos de seus paises de origem, Bastide conclui: «O branco transforma a 454 As religides africanas fora da Africa. 0 caso do Brasil macumba nao somente introduzindo nela uma certa perversidade, como arras- tando-a para o lado da exploragio da credulidade popular» Bastide, 1973; 246). Mas, para ser justo com Bastide, € verdade que ele esta aqui usando os termos «preto» ¢ ebranco» como sindnimos do pré-capitalismo € 0 capitalismo, esse sendo, entio, 0 culpado maior: , lideradas pelos orixis identificados com os 15. Este termo é de Beatriz Dantas. 455 Peter Fry santos cat6licos. Como o Kardecismo prega que os espiritos evoluem, pensa-se os orixds como espiritos altamente evoluidos € os outros rumo A perfeigéo. E como 0 espiritos «encarnados» nos homens vivos s6 podem «progredim através da cari dade, a Umbanda adopta esta bandeira para afastar acusagdes da «exploragao da credulidade popular». As «sessées» ou «trabalhos» dos centros de Umbanda scriam orientados para a pritica da caridade para com a populagio mais ampla que 6s procura para resolver seus problemas do dia-a-dia. Desta forma, a Umbanda surge em contraposicao 4 Macumba procurando minimizar suas liga- ces com uma Africa associada com a «magia» ¢ «praticas grosseiras». Os centros que se identificam com 0 eitigo» ow que sio acusados de tais praticas vio constituir uma nova categoria, a Quimbanda Assim, no Sul do pais, desenvolvem concepgées a respeito da Africa con- tririas 4s do Nordeste. Na Bahia, os candomblés jeje-nagé se opdem aos candomblés de caboclo como Africa se ope a mistura brasileira ¢ como a verda- | deira religido se opde a «magia» € a exploracao. No Sul, a Africa € associada A | magia ¢ 4 «exploragdo» € associada com a Quimbanda. Para exemplificar estas transformacées, nada mais elucidativo que o destino de Ext, orixd do candomblé ¢ 0 diabo da Quimbanda No processo de estabelecimento de equivaléncias entre os orixiis € os santos cat6licos, © orixd ext foi logo identificado com o diabo da Igreja de Roma. Segundo Roger Bastide, essa correspondéncia representou uma «m4 com- preensio» da «erdadeira» natureza de Ext que seria mais um «trickster» ¢ inter mediario entre os orixas € os homens, uma espécie de Merciirio do candomble. E 0 facto é que nenhum ritual pode comegar antes de primeira fazer sacrificio (padé) a0 Ext: ¢ oferendas para as orixas sao frequentemente oferecidas para Ex no seu papel de mensageiro. Mas também segundo Bastide, endossando mais uma vez. a distincdo feita por Landes ¢ Cameiro entre os candomblés nagé € os outros, os candomblés mais tradicionais negam a natureza diabdlica do Exi, reclamando seu status africano de orixa e trickster, nada intrinsecamente ruim. +... a utilizagio diabolica de Ext € principalmente obra dos candombiés banto. Os candomblés tradlicionais que se recusam a trabalhar com a magis, ou, segundo a expresséo consagrada, ‘trabalhar 4 esquerda’, tomam todo o cuidado para > nao confundir Exu com o diabo. Entre eles € que encontramos, por conseguinte, (...}, a fisionomia verdadeica cesta dlivindadle caluniada.» (Bastide, 1978; 174, 175.) Juana Elbein dos Santos, na sua exegese sobre a religi qualquer semelhanga entre Exti € 0 Diabo, argumentando que é: nagé ignora +0 decano de todos os elementos. $ 0 principio dindmico que mobiliza 0 desenvol- vimento, 0 devir das existéncias individualizadas ¢ a cxisténcia de todas as unidades, do sistema.» (Santos, 197; 181.) Se olharmos para a constituigio da Umbanda ¢ da Quimbanda, vemos que Exd é no primeico caso apenas um espirito «subdesenvolvidor que precisa ser 456 As religiGes africanas fora da Africa, O caso do Brasit «doutrinado» para evoluir, enquanto, na Quimbanda, Ext e seu complemento feminino — Pombagira, sio espiritos cujo poder maléfico/magico € ressaltado. Do ponto de vista dos especialistas da Umbanda, Ext nao é uma entidade imoral mas sim amoral, no sentido que faz tudo que se pede em troca de uma oferenda ou despacho. Do ponto de vista da populacao

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