Вы находитесь на странице: 1из 30
CLASSICOS, NEOCLASSICOS E KEYNESIANOS: UMA TENTATIVA DE SISTEMATIZACAO(*) Falar-se em Economia Classi- ca € algo corriqueiro, embora seu significado nao seja preci- so. E frequente seu uso para designar os ingleses que, do final do séc. XVIII aos meados do séc. XIX, procuraram siste- matizar as primeiras leis da Eco- nomia Politica, como Smith e Ricardo. Surge a duvida, ja ai, se Os fisiocratas devam ser con- siderados ‘‘classicos”: como os ingleses, elaboraram, com rela- tivo éxito, uma teoria de distri- buigao; chegaram a nogao de excedente econdmico; procura- ram formular uma teoria do va- lor e responsabilizaram a uma Pedro Cezar Dutra Fonseca(* *) classe social, — os trabalhado- res do setor primario, — pela criagao do valor e da riqueza. Joan Robinson preferiu chamar de classicos aqueles que “absor- yeram a concep¢ao de um mecanis- mo econémico baseado em classes, para fornecer uma anilise da dina- mica da nossa sociedade indus- trial”. (1). Este nao 6 o mesmo sentido do termo quando em- pregado por Hicks em seu famo- so artigo sobre Keynes e os classicos (2), sendo que é esta concepcao que os livros-textos de macroeconomia empregam quando se referem a “Escola Classica”. Apoiando em Key- () Agradeco a Achyles Barcelos da Costa e Nuno Renan L de Figueiredo Pinto, do Departamento de Ciéncias Econémicas - UFRGS, pelas sugestées e criticas. (**) Professor dos Departamentos de Ciéncias Econdmicas da UFRGS e da UNISINOS. (1) ROBINSON, Joan & EATWELL, Joan. Introdugao & Economia. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Cientfficos, 1978, p.12. (@) HICKS, J. Keynes e os classicos: uma interpretagéo Sugerida. In: SHAPIRO, E. Anilise Macroeconémica-Leituras Selecionadas. Sao Paulo, Atlas, 1978. p. 205-17. Perspectiva Econémica AnoXVI ie Vol. 11 n?30 1981 | P. 35-64 ] 36 nes, Hicks chamou de classicos aqueles economistas que acei- tavam a lei de Say, negando a possibilidade de existirem crises de superproducéo generaliza- das e duradouras; que afirma- vam haver leis inerentes a eco- nomia de mercado que, este sendo livre, automaticamente conseguir-se-ia equilibrio com pleno emprego. Estas duas con- cepgoes de ‘“classicos” nao coincidem: a de Hicks inclui os neoclassicos, para os quais nao ha lugar na definigao de Joan Robinson, onde classico é oposto do neoclassico. Para es- ta autora, Marx e Malthus po- dem ser considerados ‘‘classi- cos”, 0 que é impossivel para Hicks. A idéia de fazer uma sistema- tizagao, ‘‘pondo cada coisa no seu lugar”, nao é apenas discu- tir os diversos conceitos que os diferentes autores apresentam — algo, ademais, que pouco poderia acrescentar. Trata-se, principalmente, de trabalhar com estes dois conceitos apre- sentados, tentando compara-los e vendo em que pontos sao coincidentes e em que aspectos sao contradit6érios. Considera- se que esta nado é apenas uma discussao em torno de significa- do de palavras: estas nao sao meras abstracées, pois tem um significado concreto: o uso de- las traz consigo um posiciona- mento e, se 8e quer Sair apenas da aparéncia, do fenémeno, é necessario discutir a sentido em que sao empregadas. Nao ha a tentativa de se che- gar a um conceito final de clas- sico globalizante, estabelecen- do uma tipologia ou a constru- ¢ao de tipos ideais. Nao se pre- tende através de atributos pro- curar definir classico, neoclassi- co, etc. Sempre um sentido do termo € empregado tendo em vista outro, que é seu oposto. Assim, para Joan Robinson, classico é 0 oposto de neoclas- sico; para Keynes e Hicks, 0 oposto dos tedricos que se ocu- param da teoria da demanda efetiva. Nao 6, portanto, uma tentativa de classificar os di- versos autores com base em determinadas, caracteristicas, embora se considere que em uma ciéncia como a economia, onde mesmo as verdades sao discutiveis, nao se deve ter o pudor de falar em “‘correntes de pensadores”’ ou “‘escolas”’: afi- nal, € opondo uns aos outros, contrapondo modelos, conclu- sdes e posicionamentos que se os apreende. K OTICA DA DISTRIBUICAO Joan Robinson ao definir economista classico enfocou pelo lado da distribuigao. E fre- quente a utilizagao de ‘“‘Econo- mia Classica” para designar um grupo de economistas que, ao buscar uma teoria de distribui- gao para o produto nacional, dividiram-no em duas partes: uma, apropriada por aqueles que, por seu trabalho, o produ- ziram; outra, apropriada por classes, categorias ou grupos sociais nao diretamente respon- a RODLEMI, . |. saveis pela . A idéia que a isto preside € que aqueles que trabalham conseguem um pro- duto liquido que vai além do que por eles é apropriado, ou seja, produzem um excelente. Todos os classicos, no sentido em que aqui se esta utilizando o termo, trabalharam com a categoria “excedente econémico”’, procu- rando precisa-la. Se existe excedente, entre- tanto, 6 necessario que se bus- que as causas de sua existén- cia. E preciso saber quem o gera, quando ele é maior ou menor, que parte do produto vai para os que produzem e para os que nao produzem, como 0 ex- cedente é repartido entre os diversos grupos que dele se apropriam (como é dividido en- tre capitalistas e rétistas, por exemplo). Além disso, se a pro- dugao nao é apenas para uso, como para subsisténcia local em um feudo ou numa tribo indigena, mas para mercado, a analise deve ainda se tornar mais complexa: nao basta ape- nas produzir mas vender a pro- dugao, que vai ter um prego. Assim, as mercadorias, além de terem diferentes valores de uso, ou seja, qualidades diferentes para satisfazer as diferentes ne- cessidades humanas, naturais ou historico-sociais, devem pos- suir um valor de troca. Torna-se, 37 entao, necessaria uma teoria do valor. Os classicos buscaram os fundamentos do valor (de troca) no trabalho. Os trabalhadores, no processo produtivo, conse- guem nao apenas o necessario Para a sua reproduc4éo e de sua familia, mas criam um exceden- te. Smith, Ricardo e Marx deixa- ram isso explicito, muito embora as consequéncias que esta con- clusao impde nao foram trata- das da mesma forma pelos trés autores. Todos eles tem como predecessores os fisiocratas, que é onde a economia classica tem sua forma inicial mais aca- bada. Os fisiocratas atribuiram, em um primeiro instante, a terra a fonte do valor; mas isto nos primeiros passos da analise, que é bem mais complexa. Ten- do o nivel do produto como dado, passaram a estudar sua distribuigao entre as classes so- cias e sua circulagao (sao estes os aspectos que mais Quesnay se detém em seu Tableau Econo- mique). A terra como fonte do valor é apenas inicial, pois se considera duas classes no campo: os tra- balhadores (sejam assalariados, servos ou pequenos proprieta- rios) e os proprietarios. Os pri- meiros sao responsaveis pela criagao do excedente, ja que ao trabalharem sao capazes de produzir além do necessario pa- ra suas subsisténcias. Assim, conseguem produzir valores de 38 uso maiores do que os despen- didos no processo produtivo. Se os trabalhadores agricolas con- sumissem tudo aquilo que pro- duzem nao existiria excedente, sendo que este constitui-se em uma cesta de produtos agrico- las. Assim, gragas a fertilidade da terra, o trabalho gasto em seu Cultivo torna-se produtivo, ao contrario do trabalho empre- gado em outros setores de pro- ducgao. Turgot, por exemplo, afirma: “Uma vez que seu trabalho produz além das suas neces- sidades, pode o agricultor, com esse excedente que a natureza Ihe concedeu como simples dadiva afora o salario de seu labor, comprar o tra- balho dos outros membros da sociedade. Estes sO ganham a subsisténcia vendendo-lhe 0 trabalho; ele, ao contrario, obtém junto com a subsistén- cia uma riqueza independen- te e disponivel, que nao com- prou, mas vende. E portanto a Unica fonte das riquezas que, circulando, animam todos os trabalhos da sociedade, pois ele é a nica pessoa cujo traba- lho produz mais do que o salario do trabalho”.(3) Os fisiocratas chamam a es- tes trabalhadores de classe pro- dutiva, ou seja, responsavel pela criagao do excedente. Parte deste € apropriado pelos pro- prietarios de terra; os fisiocratas procuram legitimar esta apro- priagao com argumentos filos6- ficos, pois esta era entendida como manifestagao da propria ordem natural das coisas, que por sua vez emanavam de uma ordem providencial (divina). A outra parte do excedente vai para a cidade, mas agora em troca de bens e servigos. Estas profiss6es urbanas sao todas agrupadas sob o nome de “classe estéril’’, abrangendo comerciantes, industriais, ope- rarios, artesGes, profissionais li- berais, clero (nao proprietario de terra), etc. A cidade é, no esquema analitico fisiocrata, uma verdadeira classe social. Esta nao cria riquezas, apenas transforma matérias-primas vin- das do campo (a industrial) ou presta servicos que, embora ne- cessarios, nao sao responsaveis pela criagao do excedente (co- mércio e profissdes liberais). Assim, a cidade é esteril: nem é produtiva, como os trabalhado- res agricolas, nem € merecedo- ra sem trabalho de parte do exce- dente, como os proprietarios ru- rais. Smith, apoiado nos fisiocra- tas, procurou ampliar este es- quema tedrico para uma socie- dade industrial, Também tinha clara nogéo da existéncia do (3) TURGOT. Réflexions Sur La Formation et la Distribution. des Richesses. Paris, Daire, 1844. p.9-10. Apud MARX, K. Teorias da Mais-valia, histdria critica do pensamento econémico. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1980. V.1 p.30. excedente econdmico que, para ele, tinha origem no trabalho, tanto agricola como industrial. O valor adicionado pelos traba- Ihadores as matérias-primas divide-se em duas partes: “uma, lhes paga os salarios, e outra, 0 lucro do empregador sobre o inte- rio montante que adiantou em matérias-primas e salarios”. (4) E ainda: “Neste estado de coisas, 0 produto do trabalho deixa de per- tencer sempre por inteiro ao traba- lhador. Este, na maioria dos casos, tem de dividi-lo com o proprietario do capital, que o emprega”. (5) Repetindo: “Por isso, o valor que os trabalhadores adicionam as matérias-primas se reduz ai em duas partes: uma lhe paga os sala- rios, e a outra, o lucro do emprega- dor sobre o inteiro montante que adiantou em matérias-primas e sa- larios”.(6) O excedente, entretanto, nao é apropriado inteiramente pelos capitalistas, sob a forma de lu- cros, mas parte vai para os ren- tistas. Para Smith, isto esta liga- do a propriedade privada do solo: “Logo que a terra toda de um pais se torna propriedade privada, querem os proprietarios, como to- das as demais pessoas, colher onde nfo semearam, e exigem renda fundiaria até para os produtos na- turais do solo”.(7) E ainda: “Logo que a terra se torna propriedade @) Id pss. 6) Id peo. © Idpss. (2) Id. péo. (8) Id p63. 39 privada, o dono da terra exige participagao em quase todos os produtos que os trabalhadores nela podem produzir ou colher. Sua ren- da fundidria constitui a primeira dedudagao do produto do trabalho empregado na terra”.(8) Ricardo, apoiado em Smith, procurou desenvolver com maior precisao uma teoria de distribuigao. Considerou, como este, que o trabalho era fonte de valor e que os trabalhadores recebem salarios de subsisténcia. Com isso, sua parte na produ- ¢ao é mais ou menos fixa dadas certas condi¢6es historicas: uma cesta de mercadorias ne- cessarias para manter os traba- Ihadores e suas familias. O resto é€ o excedente, a ser disputado entre capitalistas e rentistas. Em um modelo simplificado, que serve como passo inicial da analise, Ricardo supde uma economia onde so se produz trigo: desta forma, salarios (cer- ta ragao em trigo), capital (as sementes para a proxima safra) e lucro sao fisicamente home- géneos. Assim, pode-se deter- minar uma taxa de lucro na agricultura que, via concorrén- cia, sera a mesma taxa de lucro da industria. Esta afirmagao fica melhor demonstrada em sua teoria sobre a renda da terra, apoiada na lei dos rendimentos 40 decrescentes, que havia sido formulada com precisao por Malthus. Para Ricardo, o aumento da populagao e a escassez de ali- mentos forgam para que se ocu- pe cada vez terra menos férteis. Ha varias qualidades de terra, e sao as de ultima qualidade que fixam os pregos dos alimentos. Nestas é@ preciso mais trabalho como que para ‘‘compensar” a fertilidade das terras melhores, © que eleva os custos de produ- ¢ao. Nao havendo diferentes pregos em um mesmo mercado, os proprietarios das terras mais férteis véem os precos de seus produtos subirem. Assim, cada vez mais a renda fundiaria au- menta, e a tendéncia é que au- menta cada vez mais, pois sem- pre sao incorporadas terras me- nos férteis. Nas terras de ultima categoria nao existe renda; par- te da producao vai aos trabalha- dores, um salario de subsistén- cia, e outra aos capitalistas, uma margem de lucro fixada pela concorréncia. Se nao exis- tisse este lucro, obviamente, es- tas terras nao seriam ocupadas. Somente quando as terras pio- res forem capazes de garantir certa taxa de lucro, com o au- mento da procura por alimen- tos, elas serao ocupadas. Ha que assinalar que o pro- duto por trabalhador cai a medi- da em que se ocupam terras de mais baixa qualidade. Na Ultima delas, nao havendo renda e os trabalhadores recebendo sala- rios de subsisténcia, esta baixa de produtividade corresponde a uma diminui¢gao da taxa de lu- cro. Logo, para Ricardo ha uma tendéncia a queda da taxa de lucro. Por outro lado, a alta do prego dos produtos agricolas faz com que o montante a ser despendido pelos capitalistas industriais em folhas de paga- mento se eleve, fazendo que haja uma transferéncia de renda da industria para a agricultura. Assim, enquanto cai a taxa de lucro eleva-se a renda da terra. Desta forma, para Ricar- do a luta fundamental na socie- dade se da entre capitalistas e rentistas; a luta é, portanto, en- tre os que se apropriam do ex- cedente. O aumento do preco dos alimentos encarece a cesta de mercadorias dos trabalhado- res e a folha de pagamento dos capitalistas, mas o salario real continua 0 mesmo. Havendo uma lei que determina salarios e outra que determina a renda da terra, os capitalistas recebem o que sobra: o lucro é, pois, um residuo. Marx seguiu a esta tradigao classica. Apoiou-se na teoria do valor trabalho, modificando-a; tratou de explicar a formagao do excedente e procurou siste- matizar uma teoria de distribui- ¢ao. Uma diferenga fundamen- tal entre Ricardo e Marx no que tange ao valor € a seguinte. Considera-se que na produgao de uma mercadoria utilizam-se maquinas e equipamentos, ma- térias primas e insumos, e traba- Iho(direto). Ricardo chamou ma- quinas e equipamentos de capi- tal fixo; matérias primas, insu- mos e trabalho de capital circu- lante. Marx prferiu fazer uma divisao pela Otica da proprieda- de: equipamentos, maquinas, matérias primas e insumos sao propriedade dos capitalistas; os trabalhadores, desprovidos de propriedade, vendem sua forca de trabalho. Os primeiros foram denominados capital constante, na medida em que apenas transferem valor aos produtos; © segundo, de capital variavel, pois cria valor. A forma propos- ta por Marx, isolando o trabalho direto de matérias-primas, permitiu-lhe chegar com mais precisao ao conceito de mais valia - ao contrario de Ricardo, que embora falasse em exce- dente econdmico nao especifi- cou claramente que se tratava de um trabalho nao pago. Desta forma, Marx deslocou 0 conflito essencial da sociedade, que era entre capitalistas e ren- tistas para Ricardo, passando agora para entre proprietarios e nao proprietarios. A discussao principal nao é mais como se reparte o excedente, mas como 0 produto é repartido entre “tra- balho necessario” (para manter a forga de trabalho) e “trabalho excedente”. O excedente dei- xou claramente de ser uma quantia de valores de uso, como propunham os fisiocratas, para ser um trabalho nao-pago, mais valia, esta considerada como a 41 forma especifica de excedente no modo capitalista de produ- Gao. Outro ponto comum que une os classicos, no sentido que este termo vem sendo emprega- do até aqui, 6 a concepcao de que o preco é determinado pela oferta, no Ambito da produgao e dos custos, cabendo a deman- da apenas a fixagao das quanti- dades. Em um regime de con- corréncia, para Ricardo, os pre- ¢os devem ser proporcionais as quantidades de trabalho ne- cessarias para a produgao de cada mercadoria. Os precos re- lativos sao como reflexos do dispéndio em trabalho (0 nivel absoluto de precos depende da quantia de moeda e de sua velo- cidade de circulagao com rela- ¢ao ao total da produgao, de acordo com a teoria quantitativa da moeda). Sao, portanto, de- terminados pelos custos de pro- dugao, mais uma taxa de lucro estabelecida pela concorréncia entre os capitalistas. A deman- da pode pressionar os precos para cima a para baixo, mas nao os determina. Assim, Ricardo di- feriu um “prego natural’, esta- belecido pelo valor trabalho, de prego de mercado, que é flexivel para baixo e para cima, de acor- do com a procura. Se a procura por uma mercadoria aumenta de forma permanente (uma mu- danga de preferéncias, por exemplo), 0 prego de mercado sera maior que o prego natural. Com isto, a taxa de lucro dos Capitalistas que o produzem se 42 eleva, atraindo novos investido- res. Isto levara a um aumento da quantidade ofertada seja por melhor aproveitamento da capa- cidade instalada ja existente, pela ampliagao desta capacida- de ou pela entrada de novos investidores. Desta forma, o pre- ¢o de mercado volta a se ajustar ao prego natural, havendo um ajustamento da quantidade. Fi- ca claro que neste raciocinio a demanda apenas explica flutua- ¢6es de precos (de mercado), mas nao os determina (o que se da no ambito da produg4o). Em Marx aparece a diferenga entre valor, prego de produgao e prego de mercado. As diver- sas firmas de um mesmo ra- mo possuem diferentes pre- Gos de produgao, de acordo com a maior ou menor intensi- dade de trabalho vivo que utili- zam com relagao ao capital constante. Marx chamou de composicao organica do capital a relagao entre capital constan- te e capital variavel. E de se esperar que esta relacao se ele- ve no tempo, ou seja, que a mecanizacao seja poupadora de mao de obra, 0 que eleva a produtividade do trabalho. Os precos de produgao sao mais elevados nas firmas de mais bai- xa composi¢ao organica do ca- pital, que utilizam mais trabalho vivo relativamente. O valor para Marx é social, ou seja, uma mé- dia quando consideradas todas as firmas conjuntamente. Um capitalista que produz com pre- ¢o de producao acima do valor sera punido; vendo diminuidos seus lucros, a concorréncia ten- dera elimina-lo. Desta forma, ha uma disputa constante entre os capitalistas (0 que da dinamis- mo ao sistema) para elevar a composi¢ao organica do capital e, desta forma, reduzir os pre- gos de producao frente ao valor estabelecido pelo mercado, que é a quantidade de trabalho so- cialmente necessario a produ- ¢ao de cada mercadoria. Em um sistema de perfeita concorrén- cia e apos todos os ajustamen- tos possiveis, a composi¢ao or- ganica do capital tenderia a se igualar entre todas as firmas, 0 que faria ser o prego de produ- ¢ao igual ao valor. O prego de mercado, tal co- mo para Ricardo, deixa se in- fluenciar pelas oscilagées de demanda. Subindo o prego de mercado por um aumento de demanda,a taxa de lucro eleva- da daquele ramo de producéo atrai novos capitalistas, incenti- va a ampliagado da capacidade instalada das ja existentes, que tendera ser utilizada plenamen- te. Isto elevera a quantidade ofertada, for¢ando o prego de mercado ser, novamente, um re- flexo do prego de produgao. Assim, a concorréncia entre os Capitalistas faz que haja uma tendéncia a iqualizagao da com- posicao organica do capital, for- cando que os precos de produ- ¢ao se igualem ao valor; os precos de mercado tendem a se igualar aos precos de produgao, depois dos ajustamentos do la- do da demanda. A designacao de classico, portanto, tem aqui um significa- do preciso. Quando Joan Ro- binson definiu classico levando em consideracao as classes so- ciais que sao incorporadas ao estudo, possivelmente tinha em mente todas estas caracteristi- cas que estao relacionadas com este tipo de abordagem - que nao s&o elementos dissociados, mas formam um todo coerente e organizado. Teoria do valor tra- balho, excedente econémico, classe produtiva, analise basea- da em classes, determinagao de precos pela oferta, etc. nao sao apenas atributos imputados a um grupo de economistas que se denomina por tradicao ‘‘clas- sicos”, mas sao elementos de todo um raciocinar econdmico. Este se op6e a outro raciocinar, o marginalista (e neoclassico). A economia marginalista compreende diversos autores do final do século XIX, como Jevons, Edgeworth, Pareto, Menger, Fischer, Wicksell e Wal- ras, embora este tenha apresen- tado um esquema analitico mais bem complexo e elaborado que os outros. Apesar das diferen- cas entre eles, pois cada um centrou seus estudos em aspec- tos as vezes nao explorados pelos outros, formam um con- junto de proposigdes e conclu- s6es que se opdem a tradigao fisiocrata-smithiano-ricardiano- marxista. Neste sentido, pro- 43 pdem nova abordagem ao valor, distribuigao e formagao de pre- Gos. Ao contrario dos classicos, que procuraram fazer uma teo- ria apoiada nas classes sociais, os marginalistas procuraram fa- lar em fatores de produgao. A producgao é entendida como o resultado da combinacao entre trabalho, capital e recursos na- turais, cada um dando uma con- tribuigao para a formacao do produto final. No sistema ae Walras existem recursos ini- ciais, de um lado, e produtos acabados, de outro. A contribui- ¢ao de cada fator a producao final corresponde, na teoria da distribuigao, a raridade em que sao empregados: cada um deles é€ mais produtivo quanto menos abundante for em relagao aos outros. Assim, a produtividade marginal de cada fator decresce a medida em que for mais em- pregado, uma vez mantidos os outros constantes. A teoria de distribuigao com base nestes argumentos apre- senta grande diferenga da clas- sica. Os salarios nao sao mais de subsisténcia, mas totalmente flexiveis para cima e para baixo; em um regime de perfeita con- corréncia, sem monopdlios ou sindicatos, eles devem se igua- lar ao valor da produtividade marginal do trabalho. A terra e ao capital também cabem remu- neragées especificas, que refle- tem o valor da produtividade marginal de cada um deles. A remuneracao se da indepen- 44 dente da propriedade, pois é algo intrinseco ao fator de pro- dugao. Nao existe, pois, explici- ta a categoria excedente econ6- mico, e a cada um cabe aquilo que marginalmente contribui a produgao. Com isto, o lucro dei- xou de ser residuo, como para os classicos, para ser remune- ragao do capital, da mesma for- ma que os salarios sao para o trabalho. Nao mais existe a no- Gao de ‘‘classe produtiva’”, e o produto é repartido seguindo as leis de um mercado livre. Quando aparece a nogao de excedente, este 6 associado a poupanga, ou seja, a parte da produgao que nao é destinada ao consumo. Como deixar de consumir causa desprazer, de- sutilidade, a poupanga é um sacrificio do consumo presente; o excedente surge por uma ra- 240 psicolégica, qual seja, a decisao de pessoas parcimonio- sas que sacrificam 0 consumo presente com expectativas de lucros futuros. Walras, para tomar um exem- plo tipico, supd6s uma sociedade de grande numero de produto- res e consumidores, todos dota- dos de recursos e rendas inicias desiguais, mas todos bem infor- mados e agindo cada um inde- pendente dos demais. Esta so- ciedade tem um certo nivel tec- nolégico dado, possui certa quantia dada de recursos paraa produgaéo e os consumidores possuem preferéncias para con- sumo, também consideradas da- das. A partir dai ha a tentativa de determinar um sistema de pre- ¢os e quantidades de equilibrio - ou seja, que uma vez alcanga- dos tendem a nao se alterar, a ser que algo anteriormente tido dado se modifique. Jevons, Menger e Bonh- Bawerk procuraram dar um fun- damento para os pregos com base na utilidade. Apoiados na filosofia utilitarista e hedonista de Benthan e Condillac, con- cluiram que no ser humano ha uma luta constante entre o pra- zer e a dor, entre a utilidade ea desutilidade. Assim, dada uma renda aos consumidores, eles procuram maximizar a satisfa- Gao que cada unidade moneta- ria pode Ihes dar, trocando por determindos bens (a poupanga é vista como um bem igual aos outros), dentro de um sistema de preferéncias. Na teoria mar- ginalista, a rigor, nao existem mercadorias (algo exterior ao ho- mem, com um valor de troca independente da vontade huma- na), mas bens (qualquer coisa que satisfaca necessidades, psi- colégicas ou reais). Os bens tém valor devido a utilidade que trazem quando consumidos, e seus precos dependem das pre- feréncias. O valor depende da utilidade marginal: produtos ra- ros, porque altamente procura- dos com relagao a oferta, de- vem ter altos precos. Assim, ao contrario dos clas- sicos, o valor nao é mais de troca, mas de uso: este é forma- do no mercado e nao no mo- mento da producao. Nao ha mais a diferenga entre valor, prego de produgao e prego de mercado, uma vez que o prego de mercado é um reflexo ime- diato do valor utilidade. No limi- te, a propria idéia de valor fica caduca, pois o que existem sao Os pregos. Para estes autores (Walras nao se enquadra exatamente entre eles, como se vera adian- te), 6 a demanda quem determi- na pregos, cabendo a oferta determinar quantidades. Dentro da analise ricardiana, como ja foi visto, se a demanda por uma mercadoria aumentasse de forma permanente, o prego de mercado ficaria acima do prego natural, elevando a taxa de lu- cro daqueles que o produzem e atraindo capitais para aquele ra- mo de produgao, ou incentivan- do as firmas ja existentes a am- pliar a capacidade instalada, ou utiliza-la plenamente. Isto oca- sionaria um aumento da quanti- dade ofertada, voltando o prego de mercado a se igualar ao valor (trabalho). No sistema margina- lista os pregos s4o flexiveis, a oferta é considerada fixa, dados os recursos disponiveis, que sao sempre plenamente utiliza- dos e com a tecnologia mais eficiente. Quem determina pre- Gos é, pois, a demanda. Alguns autores procuraram mostrar que a diferenga entre um sistema analitico ricardiano 45 e outro walrasiano estava asso- ciada a substituigao. Enquanto para Ricardo os coeficientes de produgao sAo fixos, dizia-se, pa- ra Walras as fungdes de produ- ¢ao sao continuas. Segundo Nell (9), “tal diferenga é nao sé exagerada, como também, em ulti- ma analise, é menos importante que as outras. Porque, por um lado, desvios na técnica sao possiveis nos sistemas Ricardianos, e, por outro lado, Walras, na yerdade, admitiu coeficientes técnicos fixos”. Para este autor, uma diferenga es- sencial € que no sistema walra- siano existe um fluxo circular de bens e servigos. Ha o mercado de bens e o de fatores e, em cada fluxo que sai de um ha uma contrapartida em resposta do outro; os mercados sao con- siderados analogos. Entretanto, argumenta Nell, no mercado de bens estes sao trocados por valores equivalentes, 0 que nao ocorre no de fatores; o salario representa uma contrapartida pela venda de trabalho; o lucro nao é contrapartida de coisa alguma - pois 6 uma remunera- ¢ao da propriedade, como afir- maa tradi¢4o classica. Em um sistema de tipo ricar- diano a taxa de lucro pode ser determinada, uma vez que sala- rios, capital e lucro sAo fisica- mente homogéneos, e a taxa de lucro af estabelecida (na agri- cultura) sera a mesma da eco- (9) NELL J. Teorias do Crescimento e Teorias do Valor. In: HARCOURT, G.C. & LAING, NF. Capital e Crescimento Econdmico. Rio de Janeiro, INTERCIENCIA 1978. p.164, 46 nomia. Sraffa, seguindo Ricar- do, procurou dar uma solugao definitiva para esta questao. Em um sistema walrasiano ha duvi- das que a taxa de lucro possa ser determinada, principalmente apos o artigo “The Production Function and the Theory of Capi- tal”, de Joan Robinson(10). Para Walras, ainda, os mercados sao estudados separadamente; a in- teragao entre eles vem depois, quando € buscado um equili- brio. Nao existem insumos no sentido proprio da palavra, mas fatores iniciais e bens finais. A propria idéia de ‘‘fator” agrupa na palavra capital coisas tao diferentes como maquinas, ins- talagées, matérias-primas, etc. Isto torna problematico falar que a taxa de lucro é igual a produtividade marginal do capi- tal, pois este 6 uma coisa fisica- mente heterogénea, sem uma unidade satisfatoria para que se possa medi-lo. Para Ricardo (e os classicos) a taxa de lucro pode ser determinada sem ha- ver qualquer maximizagao, e a interagao nao existe entre mer- cados, mas no proprio processo produtivo. Ha lugar para os insumos, e mercadorias entram na produgao de outras merca- dorias sem qualquer embarago para a analise. O Quadro | pretende fazer uma sintese do que foi exposto até aqui. De um lado tém-se os economistas classicos: fisiocra- tas, Smith e Ricardo. Deste par- tem trés “‘linhas” que o pensa- mento classico tomara: Marx (que inclui todos seus seguido- res), Sraffa (que representa a corrente neoricardiana) e S. Mill. Este representa todo um grupo de economistas, as vezes chamados de “vulgares’”, que pouco contribuiram para o aprofundamento do sistema analitico ricardiano, apesar de vulgarizarem, sistematizarem e divulgarem os principais postu- lados da economia classica. In- clui, neste sentido, homens co- mo J.B. Say e Senior e, sem duvida, entre eles é S. Mill o mais criativo; mas com este a prdpria teoria econémica classi- ca comegaa ser posta em ques- tao, havendo certas tentativas (infrutiferas) de buscar os fun- damentos do valor na utilidade. De outro lado tém-os os mar- ginalistas, que resolveram os problemas de S. Mill com a in- trodugao da categoria utilidade marginal, buscando os funda- mentos do valor em um fator psicoldgico e determinando os pregos pelo lado da demanda. Aparecem divididos de acordo com o local de estudo (fala-se em ‘Escola de Lousanne”, ‘‘Es- cola Autriaca’’, etc.). Pareto, embora italiano, foi convidado por Walras para ser seu suces- sor em Lousanne,local onde os estudos mais se preocuparam com o equilibrio geral, com a (10) Vid. tradugao em portugués em: HARCOURT, G.C. & LAING, NF. Op. cit. p.33-47. 47 VOISSY IOAN ASALNIS VUIANTYd NODId wavTD | J JHLYOMADAA SNOASE VaadaLVTIONI ANNVSNOT TIASMOIM SOGINN sOdv.Isa viogns =) E 5 SVLVUOOISIA sooIssy 19 NOOVE'd qH001 NOLMAN SV.LSITVNIOUVN OYSINGIALSIC Vd VOILO V ‘SV.LSITVNIDUVW 3 SODISSy10 — 1 ONavNd 48 teoria do bem estar e em dar a economia uma precisao mate- matica. Seus precursores mais proximos sao Condillac e Ben- than e, mais remotos, Newton (pelo mecanismo e por uma concepgao de método cientifi- co, que foi tentada ser transpos- to a economia), Locke, F. Bacon e D. Hume (seja pela concepcao de métodos de analise, seja pe- lo entendimento do mundo via sensacao, que resultara no he- donismo e na concepgao de utilidade). Com Marshall, finalmente, ha a tentativa de incorporar as cor- rentes classica e marginalista em um mesmo corpo teérico, denominado “‘Primeira Sinte- se Neoclassica’ - algo que ja havia sido iniciado por Walras. Procura-se fazer uma uniao en- tre as idéias sobre valor e for- magao de precos provindas de Ricardo (via S. Mill) com as de- senvolvidas pelos tedricos do valor utilidade. Isto consistiu na introdugao de prazos (curto, longo, secular) na teoria econé- mica. No longo prazo, novas firmas podem ser criadas, en- quanto outras podem cessar a producao; as ja existentes tem tempo suficiente para expandir a capacidade instalada. Assim, a quantidade ofertada pode se ajustar as pressGes de deman- da, permitindo que os precos sejam determinados pelos cus- tos de producao. Em um prazo muito curto, ao contrario, nao é possivel a ex- Pansao das instalagdes nem a entrada e saida de firmas; cabe, entao, aos pregos se ajustarem a variagdes na demanda. Como a oferta é dada, cabe a deman- da determinar pregos. Walras ja havia formulado um modelo em que o preco é deter- minado pela interagao entre oferta e demanda em um merca- do de perfeita concorréncia (um leil4o), 0 que resultaria em um ponto com precos e quantida- des de equilibrio. A determina- ¢ao destes nao é igual a Mar- shall e Walras, mas o primeiro, seguindo aquela formulagao, procurou sistematizar uma Teo- ria da Firma que desse funda- mentos a oferta, e uma Teoria do Consumidor que fundamen- tasse a demanda. Marshall entende sua Sintese Neoclassica como a conciliagao entre os classicos e os margina- listas. Seu posicionamento, en- tretanto, merece varias observa- cées. Com a (Primeira) Sintese Neoclassica, a teoria do valor de Ricardo, assim como a de distri- buigao, ficou descaracterizada; afora a consideragao de que no longo prazo os pregos sao de- terminados pelos custos, Mar- shall seguiu a tradi¢ao margina- lista. Em sua principal obra (11), deteve-se no estudo do comportamento do consumidor (11) MARSHALL, Atfred. Prinefpios de Economia. Rio de Janeiro, EPASA, 1946. e em sua influéncia nos precgos, assumindo a teoria do valor utili- dade, a qual deu brilhante siste- matizagao, as hipdteses da con- corréncia perfeita e, enfim, o que é mais importante, o méto- do de analise marginalista. Em- bora nao considerasse a econo- mia como ciéncia exata e des- confiasse do uso da matematica e da estatistica, nado fugiu do método de buscar a existéncia de duas forgas opostas que, mediante liberdade, chegariam a uma situacao de equilibrio - e que, além de equilibrio, é otimi- zadora. Marshall incorporou o conceito de marginal, o qual estende a diversas situacgées, e a idéia que este é decrescente quando sao adicionadas quanti- dades iguais e sucessivas a uma grandeza total, embaragando- se, inclusive, com este posicio- namento, ao estudar os rendi- mentos crescentes na industria. Assim, tentou-se incorporar Ricardo ao raciocinar marginalis- ta, e nao unir, ou entrosar, seu pensamento com ele. Ha quem nao faga diferenga entre neo- classico e marginalista; mas, se- ja como for, estes adotaram um subjetivismo incompativel com o raciocinar ricardiano; algo que ja aparece nas proprias categorias selecionadas para a analise e na definigao destas mesmas cate- gorias. Maria Aparecida Gran- 49 dene de Souza afirmou com exatidao que “Marshall acredita estar recuperando Ricardo por essa via (os custos de produgio determi- nando pregos no longo prazo), s6 que se trata de sua interpretagao do pensamento de Ricardo. O custo de produgio para Marshall esta minado de fatores subjetivos, basta ver a relacao entre capital e ‘espe- ra’. Desta forma, a nogao de custo de produgdo que apresenta é diver- sa da de Ricardo”.(12) Concluindo, pode-se afirmar que Marshall, embora tenha procurado conciliar as duas li- nhas que dividem o pensamento econémico quando enfocado pela 6tica da distribuigao, na verdade fundamentou a Escola Neoclassica que, no sentido até aqui utilizado, consolida a opo- sigao a Escola Classica iniciada pelos marginalistas. A OTICA DO N{VEL DO PRODUTO Todos os autores até aqui mencionados, que aparecem no Quadro I, com excegao de Marx e, em alguns momentos, de Sraffa, possuem diversos pon- tos em comum. De Smith e Wal- ras, de Ricardo a Bonh-Bawerk, de Say a Marshall, todos eles confiaram plenamente nos me- canismos da concorréncia para trazer situagdes de otimo social. (12) SOUZA, Maria Aparecida Grandene de. ALFRED MARSHALL. Um Estudo de Economia Politica. Teoria Econdmica - I. In: Perspectiva Econémica, (Ed. especial). S40 Leopoldo, UNISINOS, 1980. n.28. p.13. 50 Nao so procuraram fundamen- tar cientificamente as virtudes do sistema capitalista, como tentaram evidenciar que este possui leis internas capazes de assegurar equilibrio com pleno emprego. Todos defendem o laissez-faire; marginalistas e neo- classicos discordam de Smith, Say e Ricardo em aspectos es- senciais de teoria econémica, mas nao da filosofia individualis- ta, da concepgao de homo eco- nomicus, do método de analise (dedutivismo), da liberdade ple- na do comércio internacional como condic¢ao para trazer solu- ¢des benéficas para todos, da nao necessidade da interven- ¢ao do Estado na economia, enfim, tudo aquilo que se pode chamar de Doutrina Liberal e que, na esfera do pensamento, foi associado por Max Weber a Etica Protestante(13). Além desses aspectos ‘‘politi- cos” e “‘filosdficos’’, varios pon- tos os aproxima na analise eco- ndémica. O principal deles é, cer- tamente, considerar a impossi- bilidade de existirem crises de superproducao generalizadas e duradouras, ou seja, que tomem lugar na economia em todos os setores por um periodo consi- deravel de tempo. E bem verda- de que Ricardo considerou a possibilidade de crises; mas, discutindo com Malthus, que alertava para o subconsumo, nao vacilou em aceitar a lei de Say. Esta afirma, em um aforis- mo, que a oferta gera sua pro- pria demanda, ou sempre ha um preco (que é totalmente flexivel para baixo) que induz a compra da produgao: nunca haa forma- ¢ao de estoques involuntaria- mente pelas empresas. Say ad- mite uma economia de trocas, onde a oferta de uns constitui- se necessariamente deman- da de outros - de modo que, no longo prazo, a producao é igual ao proprio consumo. Marshall viveu em um periodo ja mais dificil, quando as crises eram bem mais frequentes, mas conti- nuou na defesa dos postulados classicos. Afirma Joan Robin- son que em Cambridge “Mar- shall costumava astutamente salvar sua consciéncia através da mengao de excegées; fazia-o, contudo, de tal forma que seus alunos continuavam acreditando na regra. Afirmava que a lei de Say - a oferta cria sua propria procura - deixa de funcio- nar sempre que ocorre um fracasso na confianga, 0 que gera queda nos investimentos e a contragio nos mercados. Esse fato era menciona- do incidentalmente de molde a nio perturbar a crenga geral no equili- brio sob o laissez-faire”.(14) Keynes chamou a todos es- ses de classicos: “A denomina- go de ‘economistas classicos’ foi (13) WEBER, Marx. A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo. Sao PAULO, Pioneira, 1967. (24) ROBINSON, Joan. O que aconteceu a Revolucao Keynesiana? In: KEYNES, Milo (coord). Ensaios sobre John Maynard Keynes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p.102. inventada por Marx para designar Ricardo, James Mill e seus Prede- cessores, isto é, para os fundadores da teoria que culminou com Ricar- do. Acostumei-me, cometendo tal- vez um solecismo, a inclui na ‘esco- la classica’ os continuadores de Ricardo, ou seja, os que adotaram e aperfeigoaram sua teoria, com- preendendo (por exemplo) J.S.Mill, Edgeworth e o Professor Pi- gou”.(15) Ao falar nos continuadores de Ricardo, Keynes nao esta tratando do que diz respeito a valor, distribuigao ou formagao de precgos: Edgeworth e Pigou, neste sentido, seriam apostos a teoria ricardiana. Segundo Key- nes estes autores sao classicos porque admitiram como dados os recursos produtivos e procu- raram demonstrar que, em uma economia de perfeita concor- réncia, eles sao totalmente em- Pregados. Tanto os que pela Otica da distribuigao e do valor podem ser considerados classi- cos como neoclassicos foram economistas que consideraram como dado o nivel do produto, cabendo a Economia Politica estudar sua distribuicao; eles discordam entre si sobre os fun- damentos da distribuigao, mas, nao esta como centro da anali- se: ‘‘(...) RICARDO se negou ex- pressamente a atribuir qualquer in- teresse ao montante do dividendo 51 nacional considerado independente da sua distribuigao. Assim, deter- minava corretamente a natureza da sua teoria. Porém seus sucessores, menos clarividentes, serviram-se da teoria classica em suas discussdes sobre a causa da riqueza”. (16) Keynes cita um trecho de uma carta de Ricardo a Malthus, escrita em 1820: “Na sua opiniao a Economia Politica é uma investi- gac4o sobre a natureza e as causas da riqueza - e eu penso que deveria chamar-se investigagao das leis que determinam a distribuigdo do pro- duto da industria entre as classes que concorrem para a sua forma- ¢ao. No se pode enunciar nenhu- ma lei respeitante a quantidades, mas pode-se formula-la com sufi- cientes exatiddo relativamente as proporcées. Cada dia mais me con- venco de que o primeiro estudo é vao e ilusério e que o segundo é 0 yerdadeiro objetivo da cién- cia”.(17) Assim, os classicos, para Keynes, opdem-se a outra cor- rente que se formou na historia do pensamento econdémico e que podem ser chamados de teéricos da demanda efetiva, ou do subconsumo. Ao contrario dos classicos, estes procuraram mostrar que no sistema econ6- mico que teve lugar apdos a Re- volugao Industrial ha uma per- manente defasagem entre a acumulac¢ao de capital, que se (15) KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dineiro. Rio de Janeiro/Lisboa, Fundo de Cultura, 1970. p.15. (16) Id p.l7. (7) Id. 52 da em altas taxas, e a capacida- de de formar demanda efetiva suficiente para que todos os recursos, homens e maquinas, sejam plenamente empregados. A principal discuyssao deixa de ser sobre distribuigao, mas oO montante do produto. Considera-se, entéo a existén- cia de ciclos e que a economia se desenvolve com eles: nao ha qualquer mecanismo inerente ao sistema econdémico que oO leve para equilibrios otimizado- res. Nao mais havendo a mao invisivel de Smith com a predo- monancia dos oligopdlios, cada vez mais a mao do Estado torna- se necessaria para ajustar a economia. Para Keynes, os classicos co- meteram um equivoco ao de- cantarem o homem parcimonio- so, sob a argumentagao de que a origem do investimento era a poupanga(a rentncia do consu- mo); ao contrario, é o investi- mento que expande o nivel de renda, e rendas altas explicam altas poupangas. No sistema econémico os gastos de uns sao as receitas de outros; a elevagao das poupangas é ne- cessariamente um desestimulo para o investimento; este de- pende de expectativas dos em- presarios, que sao incentivados a investir quando esperam que haja a venda da produgao, ou quando exista demanda sufi- ciente para que possa compra- la. Aspecto fundamental do pen- samento keynesiano € que o investimento é nao so parte da renda, mas sua origem. O au- mento da renda causa um au- mento no consumo, mas a taxas menores que o incremento da renda (propensao marginal a consumir é menor que um); as- sim, vao se formando poupan- cas cada vez maiores. Para que a economia nao enfrentasse problemas de demanda efetiva, conseguisse equilibrio, seria ne- cessario que os investimentos planejados anualmente pelos empresarios se igualasse com esta massa de poupanga forma- da; nao ha nada que garanta, entretanto, que isto acontega, pois poupanga e investimento dependem de diferentes fatores. Mas 0 investimento, ano a ano, deve ser forgado a se expandir em altas taxas para que se equi- libre com a poupanga, empre- gando todos os recursos dispo- niveis; sendo o investimento pri- vado interno (I) instavel, pois depende de expectativas, e o consumo (C) dependente dos incrementos da renda e nao a origem destes incrementos, res- tam os gastos do governo (G) e as exportagdes. Por estar em uma crise mundial, Keynes nao via perspectivas para estas, aconselhando que se devia ajei- tar a economia interna que o mundo ajeitaria a si proprio. Considera-se, ainda, que nos anos 20 ja a Inglaterra nao era mais a poténcia do século XIX, e que a disputa de mercados era bem mais acirrada, com o apa- recimento de novos paises in- dustriais. No campo da teoria moneta- ria também Keynes fez inova- codes significativas, criticando o posicionamento classico. Para estes havia uma nitida separa- cao entre o setor real e o mone- tario da economia, de modo que existiam sO variaveis reais, que a moeda apenas encobria (um véu, para utilizar a famosa expressao de Pigou). Todos os classicos defenderam a teoria quantitativa da moeda; Keynes, entretanto, procurou demons- trar que a moeda por si so tinha existéncia, e que parte da de- manda por moeda era fungao da taxa de juros (especulativa), em sua teoria da preferéncia pela liquidez. Fazendo a distingao entre o “real” e o ‘nominal’, estendeu estes conceitos ao mercado de trabalho: nestes os capitalistas se guiam pelos salarios reais, enquanto os trabalhadores pe- los salarios nominais, sofrendo de “ilusao monetaria”. As idéias de Keynes sobre demanda efetiva tiveram como precursor Malthus, embora al- guns “‘socialistas ut6picos” an- tes dele ja houvessem alertado para o problema; as idéias de Malthus sao em grande parte apoiadas em Sismondi (que, sem ser “‘socialista ut6pico”, foi do seu tempo o mais preocupa- do com o subconsumo). Antes deles, entretanto, os mercanti- (18) Id p.317-50. 53 listas atentaram para o proble- ma. Defenderam estes insisten- temente a balanga comercial fa- voravel, ou seja, um excesso de exportag6des sobre importacoes. Isto significa um aumento cada vez maior do investimento inter- no e a sustentacao do nivel de renda do pais via comércio in- ternacional. Keynes dedicou o capitulo 23 da “Teoria Geral” para estudar os mercantilistas, mostrando a validade de certos argumentos que haviam sico abandonados pelos liberais classicos no comércio interna- cional, que afirmavam as vanta- gens da especializagao como forma para se chegar ao melhor para cada pais individualmente - e, desta forma, o melhor para todos.(18) Os mercantilistas, por outro lado, sempre conside- raram que altas taxas de juros eram obstaculos ao aumento da riqueza e fizeram uma politica econdémica de expansao mone- taria e de grandes investimentos estatais (que, ademais, eram inevitaveis para os empreendi- mentos coloniais e para a solidi- ficagao dos Estados Nacionais nascentes, em uma época de disputas dinasticas). Os mer- cantilistas nunca imaginaram um modelo de tipo concorréncia perfeita no comércio internacio- nal; ao contrario, tinham como certa a existéncia de poténcias. Observa-se que eles nao fize- ram grandes obras de economia (o pensamento intelectual é 54 bem mais voltado a politica: Ma- quiavel, Hobbes, Bodin e ou- tros); mas, por outro lado, mes- mo que “‘intuitivamente” com- bateram o desemprego: a quei- xa fundamental na época é a falta de populagao, e a quanti- dade desta chega a ser associa- da a grandeza do pais. Em todo 0 periodo mercantilista o Estado nao é passivo: o Rei arma es- quadras, faz empreendimentos, coloniza novas terras, concede monopolios, estabelece regula- mentagoes, etc. No periodo nao houve crise de demanda efetiva e a intervengao estatal nao po- de ser subestimada (juntamente com as exportagdes € quem garante os investimentos), em- bora possa se considerar que no periodo anterior a Revolucao Industrial as crises de superpro- dugao pouco significado pos- sujam, dado o ainda baixo nivel tecnoldgico. Este excesso de demanda frente a capacidade de producgao é vista por Keynes como uma causa essencial da “Grande Inflagao” dos Séc. XVI e XVII que os autores, certa- mente apoiados nas analises classicas, sempre atribuiram a estrada do ouro americano que teria ocasionado um aumento do meio circulante. Sismondi atribui a desigual- dade das rendas a razao do subconsumo; criticou Say e afir- mou ser possivel a existéncia de crises de superprodu¢ao gene- ralizadas. Malthus fez critica veemente ao ‘‘espirito de pou- Panga”, aconselhando um au- mento dos gastos para que to- dos mantivessem e expandis- sem suas rendas. Ha uma discussao se Marx aceita ou nao a Lei de Say, embora a rejeigao seja dbvia. Isto se deve certamente a algu- mas passagens de ‘‘Introducao a Critica da Economia Politica” onde ele afirma: “Por outro lado, a producao produz consumo ao determinar 0 modo de consumo; e, ao criar 0 incentivo ao consumo, impulsiona a propria capacidade de consumir, sob a forma de necessi- dade”. E logo: “Por tudo isso, nada mais simples para o hegeliano do que considerar a produc4o e 0 consumo como idénticos. E isso nao apenas por ficcionistas sociais, mas até mesmo por economistas como Say, por exemplo. Este ulti- mo sustentou que, se considerar- mos a nacgio como um todo, ou a humanidade in abstracto - a produ- ¢ao sera simultaneamente consu- mo” (19). Mas ja em seguida, apoiado em Storch, Marx procu- ra mostrar o que lhe parece erros de Say. Em “O Capital’ ha certas Ppassagens que lembram a acei- tagao da lei de Say; mas nos capitulos iniciais, pois logo é abandonada quando a analise vai se complexificando. Para (19) MARX, K. Introdugao a Critica da Economia Politica. In: HOROVITZ, David.(org.). A Economia Moderna e o Marxismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1972, p.31-2. Marx, Say esqueceu que o di- nheiro medeia as trocas (M- D-M) e que a mercadoria, apdos passar pela forma dinheiro, nao é€ certamente igual a primeira. Ao falar nas crises periddicas do capitalismo e ensaiando uma teoria explicativa para elas, Marx afastou-se do que Keynes considera ‘‘economista classi- co’. Isto se da precisamente quando faz a distingao entre extorsao e realizagao de mais- valia: enquanto no processo produtivo o Capitalista busca extrair a maior mais-valia, a fim de aumentar seus lucros e fortalecer-se frente & concor- réncia, defronta-se, em seguida, com o problema de realizar esta mais-valia extorquida, 0 que se da pela venda no mercado. Neste sentido Marx continuou os “‘socialistas utépicos” e pro- curou fundamentar a ja vulgar afirmagao de que ‘‘o bem para um capitalista nao é o melhor para todos eles como classe”’ - © que é uma clara contestagao ao individualismo liberal classi- co (que, nesta dtica Keynesia- na, esta incluindo aqueles que, pelo lado da distribuigao e do valor, chamou-se neoclassicos). E no livro lil de “O Capital” onde se encontra a mais conhe- cida observagao de Marx sobre subconsumo: “Mas, no estado de coisas reinante, a reposigao dos capitais aplicados na producao de- pende, em grande parte, da capaci- 55 dade de consumo das classes, en- quanto a capacidade de consumo dos trabalhadores esta limitada pe- las leis do salario e ainda pela circunstancia de s6 serem empre- .gados quando o puderem ser com lucro para a classe capitalista. A razao ultima de todas as crises reais continua sendo sempre a po- breza e a limitagao do consumo das massas em face do impulso da produgao capitalista: o de desen- volver as forcas produtivas como se tivesse apenas por limite o poder absoluto de consumo da socieda- de”.(20) A teoria da demanda efetiva apoiada em argumentos marxis- tas foi desenvolvida por varios autores desta formagao, dos quais se destacam Rosa Luxem- burg e Kalecki. A primeira en- tende que Marx, embora nao desconsiderasse 0 problema, o subestimou: os capitalistas nao reinvestem imediatamente a parte nao consumida da mais- valia, © que ocasiona falta de demanda. Assim, ha a tentativa de busca de mercados para ga- rantir a taxa de lucro dos paises industriais, ocasionando uma busca por colénias. Amitiu ain- da que, se o capitalismo procu- ra formagées nao-capitalistas para sobreviver, a medida que penetra nestas incentiva para que nelas o capitalismo se de- senvolva: a colonizagao nao se da infinitamente, tornando o sis- tema historicamente inviavel. (20) ___________ 0 Capital; critica da economia politica, Rio de Janeiro, Civilizagao Brasileira, S.d. Livro 3, v.5. p.556. 56 Kalecki associou a crise de subconsumo @ oligopolozagao da economia; fazendo uma abordagem semelhante a de Keynes, pela dtica da demanda, introduziu nesta as classes so- ciais e, tal como Luxemburg, viu no lado dos capitalistas as maiores razOes para as crises. O consumo € dividido entre consumo dos capitalistas e dos trabalhadores; estes, entretan- to, ganham salarios de subsis- téncia, consumindo o que ga- nham; a instabilidade da econo- mia deve ser buscada no consu- mo dos capitalistas e em seus investimentos. Estes se realizam quando ha expectativas de lu- cro; assim, a demanda depende do consumo dos capitalistas e da taxa de lucro esperada por eles ao realizarem novos investi- mentos. Abalar a confian¢a dos capitalistas em um sistema libe- ral classico, onde nao existem gastos governamentais, signifi- ca baixar o investimento, o nivel de emprego e de renda; e, as- sim, 0 proprio lucro dos capita- listas. Kalecki afirma que a pr6- pria intervengcdo governamental, uma saida possivel para a crise e para manter a taxa de lucro, encontra barreiras entre os pré- prios capitalistas: uma vez des- coberto este ‘‘remédio” os em- presarios perdem poder politi- co, pois nao mais depende de expectativas suas a expansao do nivel de renda e de emprego. Por isso argumentou que sé no fascismo os empresarios con- cordam com a intervengao go- vernamental, pois neste ha for- tes fatores politicos que impe- dem uma “crise de confian- ga’’.(21) E de se notar que os econo- mistas de formacgao marxista en- caram o subconsumo como ine- rente ao proprio modo de pro- dugdo, e s6 com uma mudanga deste ha uma solucao para as crises. Os nao-marxistas, entre- tanto, viram de outra forma. Sis- mondi aconselhou o planeja- mento a intervencao estatal, maior justi¢a distributiva e mu- danga na mentalidade dos go- vernantes - sem, todavia, propor socialismo. Malthus pensou que se deveria incentivar os gastos dos que possuem altas rendas, como 0 consumo sofisticado da nobreza. Keynes retomou a idéia da intervengao estatal e do distributivismo, mas condenou o fascismo, 0 stalinismo e o nazis- mo que, a despeito de procura- rem uma Saida para crise, nega- ram certos valores que lhe eram essenciais: “Os regimes autorita- rios contemporaneos parecem re- solver o problema do desemprego a custa da eficiécia e da liberdade. E certo que o mundo nao suportara por muito mais tempo o estado de desemprego que, a parte curtos intervalos de excitagao, é uma con- sequéncia - e na minha opiniao uma consequéncia inevitavel, - do (21) KALECKI, Michal. Crescimento e Ciclos das Economias Capitalistas. Sao Paulo, HUCITEC, 1977. vid. artigo Os Aspectos Politicos do Pleno Emprego. capitalismo indiyidualista do nosso tempo; mas talvez a doenga possa ser curada por meio de uma analise correta do problema, sem sacrificio da eficiéncia e da liberdade”. (22) Entretanto, afirmou: “Creio, por- tanto, que uma socializacao algo ampla dos investimentos sera o unico meio de assegurar uma situa- ¢fo aproximada de pleno-emprego, 0 que nao implica a necessidade de excluir os compromissos e formu- las de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciati- va privada. Mas, fora disto, nao se vé uma razio evidente que justifi- que um socialismo de Estado envol- vendo a maior parte da vida econ6- mica da comunidade. Nao é a pro- priedade dos meios de producao que convém ao Estado assumir. Se este for capaz de determinar o montante global dos recursos desti- nados a aumentar esses meios e a taxa basica de remuneracgio de seus detentores, tera realizado tudo o que lhe correponde. De resto, as medidas necessarias de socializa- ¢40 podem ser introduzidas gra- dualmente sem alterar as contradi- ges generalizadas da sociedade”. (23) O quadro II pretente sintetizar de forma didatica a argumenta- Gao desenvolvida até aqui sobre as consideragées de Keynes so- bre o que significa ou nao eco- nomista classico. De um lado, temos os tedricos da demanda efetiva e do subconsumo, e de outro os classicos. Os primeiros (22) KEYNES, J.M. op.cit. 358. (23) Id p.356. 57 comegam com os mercantilis- tas, passando aos ‘‘socialistas uto6picos”; Sismondi aparece paralelo a estes, nao so por ser historicamente contemporaneo mas porque, tendo desenvolvi- do de forma mais completa a critica aos mecanismos automa- ticos de ajustamento do merca- do, merece destaque a parte. Com Sismondi a teoria da de- manda efetiva passa evoluir por duas linhas, estas definidas de acordo com as perspectivas dos autores de solucionar as crises via mudanga ou nao do modo de produgao. Tem-se de um la- do Marx, Rosa Luxemburg e Kalecki; de outro, Malthus, Key- nes e os péskeynesianos (como Joan Robinson e Hansen, em- bora a primeira pudesse ser in- cluida sem constrangimento ao lado de Kalecki). A outra linha é a dos classicos: Smith, Ricardo, Say, S.Mill, marginalistas e neo- classicos (Pigou, Marshall, Wal- ras, Edgeworth e outros) e os monetaristas. Nestes inclui-se todos aqueles que, como Hayek e Milton Friedman, pretendem fazer uma critica a teoria keyne- siana e aos neokeynesianos, reabilitando os velhos argumen- tos da Escola Classica (inexis- téncia de demanda de moeda por especulacgao, entender consumo como residuo e pou- panga dependente da taxa de juros e nao da renda, flexibilida- de total de precos e de salarios, inflagao explicada em termos monetareos, ineficiéncia de gastos do governo para expan- 58 QUADRO II- CLASSICOS E TEORICOS DA DEMANDA EFETIVA: A OTICA DO NIVEL DO PRODUTO TEORICOS DA - DEMANDA _EFETIVA CLASSICOS MERCANTI- LISTAS SMITH SOCIALIS - TAS uTO- SISMONDI RICARDO PICOS SAY | | MARX MALTHUS MARGINALIS-| TAS E NEO- CLASSICOS ROSA LU- es XEMBURG EES pés-xey- | ALE CK! NESIANOS SAMUELSON HICKS SEGUNDA SINTESE NEOCLASSICA MONETARIS-| . TAS dir nivel real de renda, equilibrio com pleno emprego, etc.). Aparecem, finalmente, Sa- muelson e Hicks como autores da chamada Segunda Neoclas- sica, ou seja, da tentativa de colocar-se Keynes e os classi- cos em um mesmo modelo tedri- co explicativo, onde as politicas econémicas de cada um sao utilizadas de acordo com a si- tuagao em que se encontra a economia. Da mesma forma que a Primeira Sintese Neoclassica, que pretendeu colocar Ricardo dentro do marginalismo argu- mentando que se tratava de uma uniao de pontos de vista, a Segunda tentou tornar Keynes um caso especial da Escola Classica. Isto consistiu em dei- xar de lado a questao da de- manda efetiva para se fixar em outros aspectos sugeridos por Reynes - mas que, isolados de outras porposig¢des suas, po- dem ser entendidos como dife- rentes do pensamento do autor. Joan Robinson denomina de “keynesianos bastardos” aque- les seguidores(!) de Keynes que o apreenderam via Sintese Neo- classica - em uma expressao ja consagrada(24). Um raciocinio frequente destes é que existiria uma poupanga que levaria a economia ao pleno emprego, 59 cabendo ao governo realizar in- vestimentos suficientes para trazer a tona esta poupanga; se isto acontece nao mais existem problemas de demanda efetiva e as proprias analises de Keynes estao ultrapassadas: pode-se, novamente, voltar aos modelos de equilibrio com pleno empre- go; os ciclos foram abolidos: “Apos a guerra a teoria de Keynes foi aceita como uma nova ortodo- xia sem que se houvesse repensado a velha teoria. Nos modernos livros-texto, o péndulo ainda se acha presente, tendendo ao ponto de equilibrio. As forgas de mercado alocam determinados fatores de producao entre usos alternativos; 0 investimento é um sacrificio em termos de consumo imediato e a taxa de juros serve como um des- conto efetuado pela sociedade so- bre o futuro. Repetem-se, intactos, os velhos slogans”.(25) Keynes encarou sua teoria como geral; somente em um caso especial a teoria classica poderia ser utilizada: quando to- dos os recursos fossem plena- mente empregados (a demanda suficiente para trazer a tona to- do o PNB potencial). Ora, isto nao é a regra nas sociedades modernas, pois nao ha mecanis- mo algum no sistema econémi- co que force que os investimen- tos planejados pelos homens de (24) Vid, pe, HOTSON, John H. The Fall of Bastard Keynesianism and the Rise of Legitimate Keynesianism. In: SCHWARTZ, Jesse. The Subtle Anatomy of Capitalism. Santa Monica, Goodyear Publishing, 1977. p. 328-45. (25) ROBINSON, Joan In: Reynes, M. Op.cit. p.105. 60 empresa coincidam exatamente com a poupanga socialmente formada. Os ‘‘bastardos”’ inter- pretaram de outra forma. Se- guindo o raciocinar marginalista imaginaram duas forgas opos- tas (duas fung¢des com a mesma variavel independente e com os sinais das derivadas primeiras opostas) que tendem, mediante |i- berdade, ao ponto de equilibrio. As situagées de equilibrio pas- sam a ser a regra geral; quando ha qualquer problema (como as “crises de confianga"” de Mar- shall), langa-se mao de algumas medidas keynesianas. Outros consideram o desemprego invo- luntario como algo possivel; mas aconselham um rebaixa- mento dos salarios reais para incentivar maiores investimen- tos, esquecendo que, segundo Keynes, esta € uma medida sempre desaconselhavel, pois 0 corte de salarios 6 sempre um corte dos gastos, e assim do investimento, da renda e do em- prego. Houve, finalmente, uma sim- plificagao exagerada da teoria keynesiana quando o modelo IS-LM, proposto por Hicks como um marco interpretativo, ficou sendo considerado a propria teoria de Keynes. Dentro deste modelo o investimento é consi- derado normalmente como fun- ¢ao da taxa de juros; Keynes considerou esta influéncia rela- tiva, pois o investimento é de- pendente de expectativas, ten- do levantado a hipotese, inclu- sive, da total inelasticidade do investimento com relagao a taxa de juros. Considerando a curva IS negativamente inclinada (que poderia ser vertical, se conside- ra a inelasticidade ja menciona- da), 0 equilibrio passa a depen- der da posigao da LM, se hori- zontal (‘‘regido keynesiana’”), vertical (‘‘regido classica’”’) ou positivamente inclinada. Se a IS for hegativamente inclinada e a LM horizontal somente a ‘“‘politi- ca fiscal” @ capaz de expandir o nivel de renda; a politica mone- taria afeta a taxa de juros. Sea IS for negativamente inclinada e a LM vertical (nao existe de- manda de moeda para especu- lagdo, s6 para transagdes), so- mente a politica monetaria eleva 0 nivel de renda; a politica fiscal expansionista apenas eleva os precos - como afirmam os clas- sicos e monetaristas. A regra geral, entretanto, é a IS ser ne- gativamente inclinada e a LM com inclinagao positiva; a politi- ca econémica adequada para atingir o equilibrio é, entao, usar tanto a politica monetaria como a fiscal: nao existe mais 0 sub- consumo, que passou a Ser Coi- sa do passado. Os ciclos sao estudados em outro “‘departa- mento” da economia e no longo prazo todas as hipdteses de concorréncia perfeita e de re- muneracao de acordo com as produtividades marginais sao retomadas. Isto levou Joan Ro- binson afirmar certa vez que a Revolugao Keynesiana necessita ainda ser levada a cabo, tanto no ensino da teoria econémica quanto na formacao da politica econémi- ca”.(26) CONCLUSAO As duas concepgées de eco- nomista classico, de J. Robin- son e de Keynes, trazem consi- go nao apenas pontos de vista diferentes, mas duas formas de raciocinio econdmico. Keynes, ao chamar de classicos aqueles que se preocuparam com a dis- tribui¢ao, referiu-se aos tedricos da microeconomia, que mantém dado o nivel da produgao e do emprego, passando a estudar distribuigao, alocag¢ao e compo- sigao desta. Os economistas que tém como variavel o quan- tum do PNB e do emprego, os ciclos e o nivel absoluto de pre- ¢os, podem ser considerados como tedéricos da macroecono- mia. Ha que considerar que esta sd se desenvolveu a medida em que foi caindo por terra a con- cepcao ortodoxa de que o otimo social era 0 somatdério dos Oti- mos privados, comum ao libera- lismo iluminista; para estes nao havia necessidade de uma ma- croeconomia no sentido prdéprio da palavra, pois todas as varia- veis das quais esta se ocupa eram determinadas tecnicamen- te, bastando o minimo de inge- réncia do governo para que re- sultasse a maior eficiéncia pos- sivel. Nao é@ de se estranhar, portanto, que, na concepgao de (26) Id p.110. 61 Keynes pensadores tao hetero- géneos fagam parte de um mes- mo grupo, como Walras, Mar- shall, Ricardo e Quesnay. Todos eles classicos, discordam entre si de como se da a distribuigao e de seus fundamentos - mas nao desta, em si, como centro da andalise, Mas esta divisao en- tre os que colocam a distribui- ¢ao como o aspecto essencial da economia politica, entre clas- sicos e neoclassicos, embora relegada a um segundo plano por Keynes, nao pode ser su- bestimada, pois também com- preende duas formas opostas de raciocinar econdémico. Qual- quer critica a Keynes, nao obs- tante, deve considerar seu mo- mento histérico e as preocupa- ¢gdes de suas analises, frente a maior crise de superprodugao e desemprego que ja se conhe- ceu. As duas visées, portanto, tra- zem diferentes posicionamentos nao so frente a teoria econdmi- ca, mas com relagao a politica econémica - que implica uma atuacao na realidade. Como am- bas sao usadas frequentemente e nem sempre é esclarecida a acepgao em que a palavra esta sendo usada, é necessario que se tenha claro a ambiguidade. Claro também deve ficar que ambas n@o sao excludentes. Ha autores que facilmente podem ser colocados em uma ou em outra concepgao. E 0 caso de Ricardo, por exemplo, que pode 62 ser considerado classico inde- pendente se a abordagem a mi- cro ou macroeconémica - apesar de serem duas coisas completamen- te distintas. Para outros autores, como Schumpeter, fica bem mais dificil. Os tedricos da de- manda efetiva dificilmente, pela Otica da distribuigao, com exce- ¢ao de Marx, podem ser vistos como classicos ou neoclassi- cos. E, por exemplo, o caso de Keynes. Nele nao existe uma teoria da distribuigao; as vezes, utilizava a proposigao da remuneracao de fatores de acordo com a _ produtividade marginal; a seguir, logo mostra- va a incoeréncia de se analisar a realidade segundo os postula- dos da concorréncia perfeita. Quanto a valor, parece que des- confiou de qualquer teoria. Se, por um lado, usava a linguagem marginalista (eficiéncia marginal do capital, propensao marginal a consumir), chegou a afirmar: “Por isso simpatizo com a doutrina pré-classica de que tudo é produzi- do pelo trabalho, ajudado pelo que antes era chamado de arte e agora se chama técnica (...). E preferivel considerar o trabalho, incluidos na- turalmente os servi¢os pessoais do @7) KEYNES, j.m. op.cit. p. 206. empreendedor e de seus colabora- dores, como o unico fator de produ- ¢4o0, operando dentro de um deter- minado ambiente de técnica, recur- sos naturais, equipamento de pro- dugao e demanda efetiva. Isso em parte explica por que podemos to- mar a unidade de trabalho como unica unidade fisica de que necessi- tamos em nosso sistema econémi- co, a parte as unidades de moeda e de tempo”.(27) A partir de Keynes houve, na verdade, duas sinteses. Uma, a Segunda Sintese Neoclassica, que tratou de incorpora-lo aos preceitos marginalistas e orto- doxos: ainda hoje se houve falar que Keynes era neoclassico, quando nao monetarista... A ou- tra sintese, desenvolvida por quem, como Joan Robinson, pode-se chamar de pdos- keynesianos; estes nao o colo- cam dentro dos esquemas te6ri- cos de seus antepassados, que Keynes tanto combateu: contenta-se em testar suas hi- poteses, arrebatar evidéncias para suas conclusées e dele utilizar tudo o que for valido e tiver consisténcia para explicar a realidade econdémica. 63 BIBLIOGRAFIA APEC. Ensaios Econémicos. 2.ed. Rio de Janeiro, APEC, 1974. BARBER, W.J. Uma Histéria do Pensamento Econémico. 2.ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. DENIS, H. Histéria do Pensamento Econémico, 2.ed. Lisboa, Horizonte, 1974. —_____________. A Formagio da Ciéncia Econémica. Lisboa, Hori- zonte, 1970. FONSECA, P.C.D. Keynes e Kalecki. Porto Alegre, DAECA, 1979. ____________. Teoria da Demanda Efetiva: uma Introdugao. Porto Alegre, Cadernos de Economia - Revista dos Alunos e Ex-alunos do Curso de Pds-Graduagao em Econo- mia/UFRGS, n.1, mai./79, p. 11-20. _______________. Sobre a Teoria Ricardiana da Distribuicao. Id., n.3, out./ dez./79, p.26-32. HICKS, J. Ensayos Criticos de Teoria Monetaria. México, CEMLA, /1971/. _____________. Pespectivas Econémicas; ensaios sobre moeda e crescimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1978. HOLLIS, M. & NELL, E.J. O Homem Econémico Racional; uma critica filosdfica da economia neoclassica. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. HOROVITZ, K.(org.) A Economia Moderna e 0 Marxismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1972. KALECKI, M. Crescimento e Ciclos das Economias Capitalistas. Sao Paulo, HUCITEC, 1977. __________.. Kalecki; economia. Sao Paulo, Atica, 1980. (sele- ¢ao de textos). KEYNES, J.M. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Lisboa, Fundo de Cultura, 1970. _______________. Keynes; economia. Sao. Paulo, Atica, 1978. (Selegao de textos). LEKACHMAN, R.(cooerd.) Teoria Geral de Keynes; trinta anos de debates. Sao Paulo, IBRASA, 1978. MARSHALL, A. Principios de Economia. Rio de Janeiro, EPASA, 1946. MARX, K. O Capital; critica da economia politica. Rio de Janeiro, Civilizagao Brasileira, s.d. 64 ________.. Teorias da Mais-valia; histdria critica do pensa- mento econdmico. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1980. NAPOLEONI, C. O Pensamento Econémico do Século XX. Rio de janeiro, Paz e Terra, 1979. —_______________.. Smith, Ricardo, Marx. Rio de Janeiro, Graal, 1978. NELL, E.J. Teorias do Crescimento e Teorias do Valor. In: HAR- COURT, G.C. & LAING, N.F. Capital e Crescimento Econémi- co. Rio de Janeiro, Interciéncia, 1978. O’CONNOR, J. Critica de la Ciencia Economica. Colection Ciencia, Desarollo y Ideologia Ed. Periferia. PASINETTI, L.L. Crescimento de Distribuigao de Renda; ensaios de teoria econdmica. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. QUESNAY, F. Quadro Econémico. 2. ed. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1966. RICARDO, D. Principios de Economia Politica e de Tributagao. Lisboa, Calouste Gulbenkian, s.d. RIMA, I.H. Histéria do Pensamento Econémico. Sao Paulo, Atlas, 1977. ROBINSON, J. Introdugao a Teoria Geral do Emprego. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1960. ___. Filosofia Econémica. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. _. Liberdade e Necessidade. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. ______. Em Estudo de Economia Marxista. Lisboa, Dinali- vro, 1977. _______. Contribuigdes 4 Economia Moderna. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. ROBINSON, J. & EATWEL, J. Introducao 4 Economia, Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Cientificos, 1978. ROJO, L.A. Keynes y el Pensamiento Macroeconémico Actual. Madrid, Tecnos, 1970. SAMUELSON, P.A. Foudations of Economic Analysis. New York, Atheneum, 1974. SCHUMPETER, J.A. Histéria da Analise Econémica. Rio de Janeiro, USAID, 1964. SHAPIRO, E. Analise Macroeconémica - Leituras Selecionadas. Sao Paulo, Atlas, 1978. SMITH, A. Investigacion de la Natureza y Causas de Riqueza de las Naciones. Barcelonam Bosh, com prefacio de 1933. SOUZA, M.A.G. de. Alfred Marshall: Um Estudo de Economia Politica. Perspectiva Economica; Teoria Econémica - |. Sao Leo- poldo, UNISINOS, 1980. n°.28. WEBER, M. A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo. Sao Paulo, Pioneira, 1967.

Вам также может понравиться