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Greta MTT Teele 'm melo 8 realidacte do munelo, um ser mortal luta para sobreviver. Uma das armas relevantes nessa luta 6 a capacidade de saber como é 0 mundo, pelo menos quanto aos nichos onde esse ser precisa perdurar como organismo vive. Esse organising € uit ser ature erm meio & natureza, e nenhuma faculdade supranatural existe para darthe acessoa ‘qualquer saber. Por isso ele se vé abrigado a conjecturar, desde que nasce até quando morte, sobre as contingéncias da vida ~as pedras e as arvores do planeta onde vive, os outros organismos que também o habitarm, os seres da mesma espécie, com alguns dos quais se organiza em grupos ue s80 outtos tantos instrumentos de sobrevivéncla, e depois precisa conjecturar sobre os comportamentos dos outros, as formas culturais proprias de seu grupo dos outros, sobre a histérla que foi atravessacla por esses grupos, ¢ até mesmo sobre seu destino e o dos outros, 0 sentido de sua vida, 0 sentido da existéncla, Este livro ocupou-se apenas de ‘alguns dos aspectos mais basicos desse saber, comecando pela natureza deste Ldltimo, ou seja, das formas possivels de apreensio do mundo em que precisamos sobreviver. Esse saber, que multos ‘chamam ‘conhecer’, ¢ outros discutem ‘de que modo nasce da aprendizagem ‘do mundo e da vida, aparece ao senso ‘comum como cheio de certezas. € jose que asin seja pare alstingulr ‘entre os cursos de aco que podem ser ilhados com seguranga e aqueles, mais Incertos, que é preciso seguir com mais, REALIDADE E COGNIGAO ~~ aiFESP | | BIBLIOTECA CAMPUS exes] (San core SOLSUOE. DISCURSO EDITORIAL Coondenaeto Mikos Meira do Nascimeco Proj rife Diggramagio Hiden Rodegues Revo Joo Paulo Mento FUNDAGAO EDITORA Da UNESP t discuiso editorial Presidente d Covet ador introns Jose Casio Marques Neto Bair Eno slo Hernani Borafim Gucere “Aer Editorial Jofe Lels CT. Cacantnk Con Eder Acainies ‘Antonio Celso Perveisa (Clin Antonio Rabo Coelho leach BerwerthStucchi ‘Kexes Canara Maria do Rosia Lange Mort ‘Maria Encwaagio Bele Sposa Mari Helofea Martins Diss Maio Fernando Dologsct ‘Palo Joré Brando Sani Roberto André Kraenkel Eira Asionte Denise atehtan ogous, dtd tne ase ae, ‘Teeoue (1 3814550 “dang seas Reon deerme seaapge rence JNESP ml ing UES) “oe pminsacr Pe pmiganae Jo4o Paulo Monteiro REALIDADE E COGNICAO adh NESP Coprighe® Diaz oral 2008 ‘Nenana parte dest plicgio poder gravaln arszrnaaem seme elerCnios, Fetccopinds, reece por mwios meiniot om otro ier ‘sem atoiangho pind ators Dado meron ds Coogee mPa (C1) (Ch eae do i Brel) Montara, oie Pad aida cope / Joke Pano ‘Sto Pao: Dac ori batora Ua 206 ISBN AS 8659061 Dieu aor) ISIN 15.71326061 (itor bs Une) Logis 2 asta 3 Reade. Tad, Indie pars catlge ieitcos 1.Fison 100 dicorsafiiads susc ABSU +f SUMARIO NOTA INTRODUTORIA ... 1. Saber . 2, Consciéncia .. 3. Observacio 4, Causagio 5.Realidade .. 103 Conan. 151 [REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 157 Nova INTRODUTORIA Est LVR0 ancunEnTa a favor de uma ativudefiloséfica oposta, tanto as diversas formas de ceticismo, antigo ou contemporineo, como 3s diversas filosofias que procuram recusar 0 radical desalio cético a partir de pressupostos falsamente evidentes. Nao é prudente recusar esse desalio, tal como nio é razovel render-se a ele. Desafiar o desafiante é possfvel, mas apenas concedendo-Ihe a parte de raz0 gue the eabe, quando nos diz. que nada sabemos, apenas em um dos sentidos de “saber”, mas um sentido relevante que deve ~é a posigio aqui defendida —levar-nos a reconhecer a conjecturalidade da maior parte do que julgamos saber, ea preferibilidade de alguma forma de falibilismo, de aceitago da falibilidade de quase todas as nossas convicgées. Nesta breve nota inicial nfo serio apontados nomes de filésofos ou de “doutrinas” ~ o leitor irt encontrar alguns deles a0 Jongo do caminho constituido pela leitura dos cinco capitulos que se Ihe seguem, dedicados ao que considero serem alguns dos temas mais problemiticos da filosofia contemporinea. O esforgo feito aqui desde inicio para esclarecer os limites do saber humano, para assumir a falibilidade e conjecturalidade de qua- se todas as assercBes que podemos fazer sobre © mundo natural, sobre o mundo humano, sobre as outras pessoas e mesmo sobre a ReaLADe F cooNGho proprianatureza do sujeito do saber, destina-se a abrircaminho para adiscussio dos argumentos que podem ser apresentados como ex: plicativos de fendmenos como o da observagio e o da causagio, ede “mistérios” como o da natureza da realidade e o da natureza da pré- pria conseiéncia, As teorias filoséficas que este livro defende vio desde as mais entaizadas na tradigio da historia da filosofia, como a explicagio da inferéncia causal a partir da repetigio, passando pelas que combinam conviegdes mais comuns, como da objetividade da observagio, com concepsSes como a da “carga tedriea” subjacente a eada percepgio, até &s que se arriscam a chocar a maior parte dos leitores, como a concep¢io da consciéncia como apreensio de estados do organismo do préprio sujeito, ou a propria limitago da “certeza absoluta” apenas ‘20 momento presente, O conjunto visa sobretudo suscitar o debate filos6fico atual ~ sem desmerecer dos estudos de histéria da filosofia, que ocupam a maior parte do tempo dos profissionais da filosofia, ineluindo o autor da presente obra —e estimular 0 espitito critic de todos, estudantes ou professores, que se empenham em nunca resistir a sedlugio da reflexio filosdfica, (Os capitulos 2.5 sto verses modificadas de artigos jé publi- cados. O segundo retoma, amplia e atualiza “Corpo e Consciéncia", apresentaco em 2001 no coléquio A Mente, a Religito e a Ciénciae publicado em 2003 no volume com o mesmo titulo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, assim como no n° 33 da revista Discttrso,cla Universidade de S. Paulo. O terceiro (a partir da parte II) éuma ampliagio de “Impregnacionismo”, publicado em 1985 no n° 1do vol. 2 da revista Andlise, de Lisboa, O pentiltimo retoma e am- plia o niicleo central de “Strawson ea Causagio Visivel”, publicado novolume A Filosofia Analitica no Brasil, Papirus Editora, Campinas, 1995. © Ultimo reproduz, com pequenas alteragées, “Realismo ¢ Apreensibilidade”, texto aceite por trés revistas em 1993, tendo sai- 8 Nomnemoouroa do primeiro sua tradugo para o espanhol na revista mexicana Did- rnoia,n? 40, em 1994, e depois o original em lingua portuguesa, em 1995 non? 18 da revista Anilise e em 1996 no n® 5 da revista Ciéncia ¢ Filosofia, da Universidade de S. Paulo. Partes do primeiro capitulo, bem como da conclusio, foram utilizadas em conferéncias e debates em Portugal e no Brasil, mas nenhuma delas foi ainda publicada, 1. SABER Qo ropemos saneR? Talvez. hoje ninguém possa responder a essa célebre pergunta de Kant no sentido mais ambicioso do saber como “conhecimento”, seja em termos kantianos ~ o saber como conjunto dos juizos subjetiva ¢ objetivamente suficientes ~ seja nos termos predominantes durante parte do século XX ~ 0 conheci- mento como crenca verdadeira e justificada. Prefiro discutir um ou- tro conceito mais modesto, também tematizado na filosofia kantiana, © da “cognigio” como representacio consciente objetiva, mas sem tentar penetrar nas questées de psicologia cognitiva discutidas em. obras situadas na fronteira entre a ciéncia e a filosofia (por exemplo ‘Goxpsaan, 1986) AXessa famosa pergunta a filosofia contemporinea foi dando uma imensa variedade de respostas, em geral sem procurar distin- guirentre conhecimento (Wissen) e cognicio (Erkenntnis), todas elas buscando proclamar a vitéria da filosofia sobre 0 ceticismo radical ~ o qual, a essa pergunta sobre 0 que podemos saber, secamente res- ponde “nada” ~ procurando mostrar que afinal podemos,emalgum_ seutido do verse, saber alguma coisa, oferecendo uma receita ou método para achar 0 caminho ao fim do qual estaria a panela de ouro do saber. Quanto a mim, tenho duas conviegées principais, que confio no serem incompativeis entre si: primeiro, que tal recei- Reacioape e coaNcko ta simplesmente nunca foi encontrada, e talvez. nfo possa sé-lo, € segundo que o ceticismo tampouco constitu resposta aceit4vel & ‘pengunta kantiana. Desde Descartes até Wittgenstein, a filosofia tem procurado estabelecer um dominio seguro, a salvo da negagio eética, desde a pretensa autonomia do Eu pensante até & evidéncia de que vem de shaver uma comunidade lingiifstica, tornando impensfvel 0 ceticis- mo. Meu argumento inicial ser4 também para mim o principal: que Descartes tinha razio pelo menos ao dizer que inicialmente s6 devo aceitar as coisas que nio posso pér em diivida (Descartes, 1641) ~ ‘mas que aquilo que no posso pr em diivida é bastante menos do que supunha esse filésofo. Que a tinica certeza legitima é a sensagio do momento é uma assergio atribufda ao fisico Ernest Mach, e com- binando isto com o argumento cartesiano do génio maligno resulsa que nem mesmo posso tera certeza de que o contetido do presente momento consciente seja realmente uma sensagio. Esse contetida pode talvez.ser outra coisa, como por exemplo um devaneio da fan- tasia, ou qualquer outro tipo de ilusto de que eu possa estar sendo vitima, Diversos filésofos, especialmente Donald Davidson, questio- naram a legitimidade dessa atitude de “solipsismo metodoldgico”, ouseja, aatitude do filésofo que toma como ponto de partida a tese de que s6 real o préprio Eu, mas apenas nos termos da diivida merédica cartesiana, sem realmente acreditar que aio existem ou- twos sujeitos, ou que nio existe um mundo onde ele préprio vive a0 lado deles, Esta atitude metodolégica situase, de Descartes a Quine, no priprio cerne da reflexia filnsdfica contemporines. Esse questi- onamento daquela postura metodoldgica, questionamento com al- gumas raizes em Wittgenstein, afirma fundamentalmente aimpossi- bilidade de considerar o sujeito humano isolado, pois sempre 0 en: contramos no interior de um contexto lingtifstico ~ 0 que pressu- 2 Sane pSe, ou a comunidade de falantes wittgensteiniana, ou entio uma situagio dialégica onde a compreenséo miitua implica a verdade da ‘maior parte das assergées proferidas (0 “principio de caridade” de Donald Davidson (Davipson, 1984). Quso lembrar aqui que nada justifica isentar da dtivida eética a prépria existéncia da linguagem, ‘ou da comunicagio em geral, coisas que temos 0 mesmo direito de por em déwvida que Descartes, seguido de tantos outros, tinha de por em dividaaexisténcia do proprio mundo exterior. Se me pergunto “0 que sei realmente?” é apenas, contra os argumentos de Wingenstein, Davidson ¢ outros fildsofos do século XX, adorando aquela mesma perspectiva solipsista metodolégica de raiz cart poe além desse personagem que o ceticismo radical afirma poder «estar enganado em tudo, esse 20 qual chamamos “eu.” ou “sujeivo” = jana, que nada su- também apenas metodologicamente, sem supor que esses termos correspondam aalguma coisa “substancial” - para depois tentar pro- por respostas a algumas das principais questes da epistemologia contemporinea, Esse sujeito a0 qual me refiro é pressuposto pelo préprio ar gumento do ceticismo radical, como aquele que se deixa iludir pelas aparéncias, e no teria sentido manter esse argumento € negar (ou mesmo pr em déwida) que 0 sujeito, ou o que se The queira chamar, efetivamente pode errar em algumas de suas conviegées, indepen- dentemente de sua situagio lingtifstica, Se desde logo afirmamos {que esse sujeito s6 tem sentido como membro de uma comunidade de falantes estamos jé pressupondo a verdad daquilo precisamente que foi posto em divida, ¢ que © ceticismo radical nos desafia a mostrar que no pode encerrar qualquer ilusio: o mundo, navaral ou humano. ‘No vou aqui retomar os argumentos dos filésofos que discu- tiram, de diversas maneiras, 0 solipsismo metodolégico (entre os quais se contam, de perspectivas diferentes, Carnap ¢ Fodor), mas 13 Renupaoe e compo apenas adiantar desde j& que, se a tinica assergo imune & diivida cética é algo como “sou um sujeito que neste instante tem uma ex- perigncia”, meu argumento é desde logo condicionado, nfo apenas pela tese solipsista (“existo apenas eu”), mas por algo muito mais diffcil, que é chamado “solipsismo do momento presente” (“existo apenas cu neste instante de experiéncia”), deixando bem claro desde j4 que esse solipsismo também sé pode ser medolégico, e néo “metafisico”, ou qualquer outro tipo de tese que eu passa sustentar, ‘mesmo apenas perante mim préprio ~ e por razées mais fortes do que © solipsismo clissico, como adiante veremos. Lembremosacarta que umadamainglesa, a senhora Christine Ladd Franklin, teria escrito a Bertrand Russell, declarando-se solipsista e ao mesmo tempo muito decepcionada por “no haver outros” (RUSSELL, 1948: 196). O efeito irénico de Russell fere de ridfculo nfo apenas a figura de alguém que se considera a tinica pes- soa existente e se espanta precisamente por nio ser a tinica, mas também o discurso de alguém que diz a outrem (0 380, 0 préprio Russell) que é 0 tinico ser existente, ao mesmo tempo que reconhe- ce, implicita mas obviamente, a exist8ncia pelo menos da pessoa a quem esté escrevendo. O solipsista, portant, nfo pode dirigir-se a outrem e dizer “eu sou solipsista”, pois assim eairia em contradigio. ‘Mas em sua reflexio solitéria sobre o desafio cético ele tem todo 0 direito de pensar para consigo mesmo que, até melhor argumento, 0 Xinico ser que sabe que existe é ele mesmo e ninguém mais, Mas esse direito esta fora do aleance de quem lancar mio do solipsismo do momento presente, pois nesse caso o sujeito no pode nunca dizer norm a sipréprio algo como “sou um solipsistade momen to presente”, porque esse mondlogo pressupée algura tipo de dura- fo, on sucesso de distintos momentos, ¢ também neste caso 0 argumento cai numa contradigo. Ao pensar algo como “minha ex- periéncia do momento presente é a tinica indubitavelmente existen- “4 Sant tc”, fico impossibilitado de usar qualquer momento subseqiiente, que se supe no existir, para tomar consciéneia ...] de que sou um solipsista do momento presente. Esta situagSo parece ainda mais impossivel de sustentar do que a da notéria correspondente de Bertrand Russell. Podera isto ser usado como refutagio do eeticismo radical? Penso que nio, pois a tese central, na expressio de Mach ou qual- quer outra, permanece intocada, Continua a ser possivel um argu- mento do tipo “genio maligno”, ou “deménio cartesiano”, ou seja, continua a ser possivel que, por exemplo, haja um sujeito criado neste preciso instante, do qual simplesmente no faz sentido supor que tenha alguma experineia seno a deste momento em que inicia sua existéncia ~ e que além disso possa ser destruido no instante seguinte, resumindo-se toda a sua existéncia de sujeito a esse tinico momento de experiéncia. E conserva toda a legitimidade uma per gunta da forma “como sei que nio sou exatamente como esse sujei 10?” Quando afirmo que se isso, que sentido dou ao verbo “saber”? Para Bertrand Russell, em filosofia s6 é possivel sustentar as duas posigées mais extremadas: © chamado “justificacionismo indutivo” € 0 solipsismo do momento presente. A primeira destas duas posicdes filosdficas, segundo Russell, defende que “conhece- ‘mos ptinefpios de inferéncia nao dedutiva que justificam nossas cren- 6928", € paraa segunda “a totalidade do conhecimento limita-se aquilo que eu agora mesmo constato, com exclusio de meu passado e fut 10 provivel”. Varios dos mais importantes fildsofos do século pas- sado opuseram-se, explicitamente ou nfo, A primeira aleermativa, a posigio filoséfiva du prdpriv Russell ~ mas axé hoje ninguém ado- tou, sequer de modo implicito, a alternativa do solipsismo do mo- mento, Ninguém aceitou o desafio de Russell, que sobre esta segun- da posi¢io se recusava a acreditar que alguém pudesse honesta ¢ sinceramente escolher a segunda hipétese (id: 197; cf. p. 515). 18 usuicann # cosas Nio tenho qualquer idéia daquilo que a verve de Russell po- detia ter produzido, no caso de ele ter decidido desenvolver as ra- 2Bes de sua recusa do solipsismo do momento. Nosso fildsofo é famoso por ter dito, precisamente a propésito da carta de sua pretensa “solipsista”, que o solipsismo “€ descartado mesmo pelos que pre- tendem aceitilo”. No caso mais extremo do solipsismo, 0 do in tante presente, uma posstvel ironia russelliana seria, como sugeri acima, que por muito que quisesse o solipsista do momento nko poderia dizer nada a ninguém, nem sequer a si préprio. Mas vimos que Russell se limitou a dizer que essa posigio nfio pode ser seria- mente defendida, ¢ efetivamente no creio ser possivel encontrar alguém sio de juizo capaz de sustentar 0 contririo. A no ser, como venho vindo a sugerir, que se trate simplesmente de uma posicio metodolégica, ou seja, de um argumento filoséfico dizendo que, a rigor ¢ com certeza absoluta, s6 nfo é possivel duvidar, a cada ins- ante, que nesse preciso momento se est4 tendo uma experiéncia, ou um momento de conscigncia. Mais duvidosa é a legitimidade da conclusio russelliana de que os filésofos que rejeitarem seu fundacionismo, sua tese de que o conhecimento indutivo acerca do mundo concreto pode ser filoso- ficamente justificado, esto condenadosao mais absurdo solipsismo, simplesmente por nfo haver qualquer posigio intermédia, menos radical do que qualquer dos dois extremos referidos. Para ele, todos 0s fildsofos “estio reduzidos a essas duas hipdteses extremas, por se- rem as dinieas que sio logicamente defensivers” (id.: 196). claro que nenhum daqueles fildésofos que, de forma direta ou indireta, se opuseram 20 justificacionismo russelliano se viram. por isso obrigados a abragar 0 solipsismo radical, mesmo como urna atitude ow um argumento metodolégico. Talvez pudessem té-lo fei- to, como Carnap naquele seu solipsismo moderado a que também ‘chamava “solipsismo padrio”. Na sua obra principal, Carnap apre- 16 Saven senta sua prépria posigio filoséfica como “uma aplicagéo da forma ¢ método do solipsismo”, mas sem admitir a cese solipsista central, ¢ di a essa sua posistio o nome de “solipsismo metodolégico”, ex: pressZo esta que tomou emprestada de Driesch ¢ outros filésofos (Connar, 1928). O solipsismo metodolégico carnapiano foi ignorado por al- guns de seus sucessores, como Ernest Lepore, que no ensaio intitulado “Truth in Meaning” pretende que Jerry Fodor foi o pri maeiro a empregar essa expresso (Lepore, 1986), erro esse no qual Lepore persiste em seu verbete sobre a semantica da fungio conceptual numa enciclopédis filosdfica (GurENP1AN, 1994). Erro anilogo é cometido por Akeel Bulgrami no mesmo vo- lume organizado por Lepore, no artigo “Meaning, Holism and Use”, onde afirma que o termo “solipsismo” se deve a Hilary Putnam “e foi adotado por Fodor ¢ outros” (fd.: 108). No mesmo volume, William Lycan cita em seu artigo “Semantics and Methodological Solipsism” 0 artigo publicado por Putnam em 1975 com o titulo. “The Meaning of “Meaning”, bem como o de Fodor intitulado “Methodological Scepticism Considered as a Research Strategy in Cognitive Psychology” como suas préprias fonces relativamente a esse assunto (id.:246). HEA diferengas no uso dessa expresso nesses diferentes fild- sofos, mas nfo pode haver déwida de que seria disparatada a adogio, por qualquer deles, do solipsismo do momento precenta emsentide me. tafisico, talvez mais ainda do que no caso do solipsismo tradicional. Mas © uso metodolégico daquele solipsismo mais radical faz, ou pode fazer, tanto sentido como acontece no caso deste dltimo, nas obras dos filésofos agora referidos. Carnap, Fodor e Lycan, cada um Asua maneira, apenas procedem como se as tinicas certezas legitimas fossem as que estio ao alcance do sujeito cognoscente em seu mun= do interior de estados mentais ou sentimentos subjetivos. Analoga- ” ReaupaneF eosna¢ko mente, adotar o solipsismo do momento apenas como atitude me- todolégica de modo algum implica, por um instante sequer, real- mente duvidar de que se teve estados mentais no pasado, ou de que se é um sujeito cognoscente real que teve uma vida mais ou menos Ionga. Acontece simplesmente que essa maneira de investigar o que é saber, ou o que podemos tomar como auténtica cognicio, procede como se 0 %inico terreno sblido se limitasse ao espago fugaz de um. ‘inico momento de experiéncia, sendo tudo 0 mais io duvidoso como 0 era o caso da existéneia do mundo exterior para um solipsis- ta “clissico”, cartesiano ou de tipo anilogo. Pode parecer que essa espécie de atituce metodolégica imp3e 3 filosofia constrigdes mais pesadas do que as do solipsismo tradici ‘onal, mas o que temos aqui é uma impressio derivada de nossa pers~ pectiva habitual ~ a perspectiva que todos nés herdamos do carte- sianismo, A ideia de que é filosoficamente admissivel duvidar da existéncia do mundo que nos rodeia langou fundas raizes em nossos costumes intelectuais, mas por outro lado é frequente enearar nosso mundo interior como uma espécie de cogito intocivel, mesmo no caso daqueles que se consideram os mais anti-cartesianos. Mas 0 ceticis- ‘mo metodoldgico do momento presente nfo nos conduz a dividar da existéncia de coisa alguma, apenas procura examinar 0s critérios que podem permitir distinguir entre assergdes merecedoras de um, tipo especial de accitagio e aquelas que sto apenas conjecturais, para em seguida investigar 0 vasto dominio da conjecturalidade, const ‘tuido por nada menos do que todas as asserges que podemos fazer, excetuando apenas aquela que se limita a afirmar algo como “neste momento sou um sujeito tendo uma experiéncia”, para nese domi- nio recolocar alguns dos problemas clissicos da filosofia, ¢ talvez slgune outros reladivamente nowns E preciso queessa atitude metodoldgica, para adquirir consis- ‘@ncia, leve muito a sério mesmo 05 aparentemente absurdos argu- 18 Sanes mentos do solipsismo cético e radical. O desafio do ceticismo, aqui como em outras arenas, precisa ser enfrentado, e messe caso a alter~ nativa é clara: ou possuimos uma resposta niftida a esse desafio, isto 6 somos capazes de apresentar ao menos um exemplo de uma outra assergiio, além daquela relativa & experiéncia do momento e que até mesmo 0 cético precisa de aceitar, sob pena de se contradizer ~ gostaria bem de saber que outro exemplo seria esse ~ ou nfo temos essa possibilidade e nesse caso devemos admitir que, até melhor ar- sumento, sé aquela assergio “privilegiada” pode ser considerada su pracconjectural, ou seja, dotada de uma forgae evidéncia superiores 3s das assergdes hipotéticas. Ou seja, s6 pode ser considerada supra- conjectural uma assergGo que seja admissivel em termos tais que mesmo um auténtico eético radical, se existisse, se qualquer diivida em relagioa ela. incapax de ter A cada instante, ésimplesmente impossivel duvidar coerente- mente de que se esta tendo uma experiéncia, ou um momento de consciéncia, tanto para mim que estou tendo essa experiéncia como para qualquer eético que possamos imaginar que neste momento me desafia, pretendendo, se ele usar a linguagem de Francisco Sanches, que “nada se sabe? (SaNcHES, 1541). A resposta s6 pode ser que sei que estou tendo uma experiéncia, e 0 proprio desafio cético, cujo contetido é fundamentalmente a assergio de que posso sempre estar enganado em minhasassergées, implica inevitavelmente que estou de fato tendo ums experincia, porque o argumento e&ti- cog, precisamente, que posso estar enganado acerca de wma experién- cia, em meu juizo acerca dessa experiéncia ~ ou cairiamos no absur- do de admitir que alguém pode estar enganado acerca de algo que nem sequer existe. Por outro lado, o denafio eético lanca um outro importante pressuposto, que é 0 da possibilidade da verdade.Seriatotalmenteab- surdo pretender que sempre me engano, pois isto seria exemplo de » equpanr # cooncio ‘uma espécie de “dogmatismo negativo”, ¢ nio um ceticismo, solipsista ou no. Mas aqui trata-se apenas de uma possibilidade, nfo de uma realidade objetiva que possa constituir 6 contetido de uma assergio. ‘Oexemplo seminal da supra-conjeccuralidade continua sendo ape~ nas a assercio da experiéncia do presente instante, da qual seria ab- surdo sequer supor que pudesse ser apenas uma conjectura. Quando Popper apresenta sua tese de que todas as teorias possuem caricter conjectural, ele afirma explicitamente, no apenas que as teorias cientificas sio hipotéticas, mas também que “todo ¢ qualquer conhecimento objetivo é objetivamente conjectural”, num sentido amplo que abrange também todas “as nossas crengas subje- tivas pessoais” (Porrer, 1972: 80). Sua “abordagem critica” do pro- blema do conhecimento em geral leva-o a insistir no “caréter con- jectural e tedrico de todas as nossas observagdes, ¢ de todos os nos- sos enunciados observacionais”. Mas no caso da légica Popper abre umaexcegtio a sua ampla tese da conjecturalidade do conhecimento, evitando um “conjecturalismo” radical ao declarar que “todo o,n0s- so conhecimento ¢ impregnado de teoria ¢ quase todo possui um carfcter conjeccural”, sendo excetuadas apenas “as provas simples ¢ vilidas”, independentes de qualquer subjetividade (id.:79, 104). Ve- remos adiante que seria inadmissivel tomar como apenas conjectu- tis alguns prineipios Iégicos. Mas a l6gica, considerada em seu con- junto historicamente dado, s6 pode ser tomada como ctiagio do sujeito, portanto partilha da conjecturalidade, precisamente, da con- cepsiio acerca de uma determinada natureza do sujeito ~ nao dasin- ples exisrénrcia de um sujeito, a qual é condigio de sentido e portanto supra-conjectural. Nafrea da psicologia cognitiva, 0 tema do solipsismo do mo- mento tem um importante desenvolvimento, a partir de Russel ¢ ‘Tolman, nos ensaios de Engelmann, onde a nogio de “conseiéncia imediata”, a tinica passivel de um conhecimento absoluto, é a de a Sass uma consciéncia do momento que corresponde a um espago de tempo, no qual “diversas coisas ocorrem”, acrescentando-se, para alm do solipsismo, que “nas consciéncias inferidas dentre as ou- tras pessoas” a duracio do momento consciente pode ser medida, sendo denominada “presente psicolégico” ou “agora” (p. ex. ENGELMANN, 1997: 27-8 e ss). No caso de Carnap, 0 solipsismo metodoldgico (Canvar, 1928: 102 ss.) nfo é tfo inteiramente fiel a0 principio de parciménia como esse fildsofo pretende, na medida em que assume explicitamente a corrente da experiéncia como “dada”, e jf vimos devido aque razées. apenas a experiéncia de cada momento pode ser tomada como auiten- ticamente dada, O resto é construfdo, portanto conjectural. E todo 0 sujeito para além do momento, ow seja, 0 sujeito dz “corrente da ex- peritncia”, também s pode ser assumido como uma construgio. Para ter realmente uma “base mais reduzida” (p. 101), obe- decendo a um principio de economia ou simplicidade mais coe- rente, é preciso adoptar um solipsismo metodolégico (p. 102), mas um “solipsismo do momento” ou “solipsismo do instante presen- te” como 0 que jf vimos na citada obra de Russell (Russet, 1948: 196, 515), como um ponto de partida filosdfico que pressuponha ou postule o menos possivel, nfo necessariamente para investigar qualquer “construgio do mundo” carnapiana, mas fundamentalmente para enfrentar 0 desafio do ceticismo. ‘Uma atitude parcimoniosa deve portanto partir de um solipsismo radical, tomando como efetivamente dados apenas 0 su- jeivo Gle cuja natureza nada sabemos, apenas que “h4 sujeito”) ea experiéncia do instante presente, para sé depois disso opor a esse radicalismo uma filosofia da conjecturalidade. A corrente da expe- rigncia como conjunto nio é dada, pois postular nem que seja ape- znas um momento anterior ao presente é postular também um prin- cipio de ligagio entre as experincias. O passado no é mais dado que a Reaupabe #.COGNGHO 0 futuro, ¢ mesmo no presente o que é dado é apenas que hi um sujeito formulando um jutzo sobre uma experifncia, no que esse sujeito tenha tais ou tais qualidades, como a chose qui pense cartesian. ‘Tanto o pasado como 0 sujeito, e no apenas o mundo exterior, si0, construfdos e no podem ser tidos como “dados”. Em qualquer experiéncia presente ~ falar assim jé deriva de uma construgio, pois pressupde uma pluralidade de experiéncias, ¢ acada momento sé “esta” experiéncia é dada e nfo construida, mas € dbvio que para falar soja do que for sio precisos diversos pressu- postose construgdes — em qualquer experiéncia presente, dizia, pode ser tido como dado tudo 0 que for pressuposto por qualquer eritica possivel dessa experiéncia. Por mais cética e radical que seja essa critica, cla s6 pode ter sentido se pressupuser alguma coisa acerca dessa mesma experiéncia da qual se constitui como erftica. Qual- quer pretensiio de que possa haver critica da experiéncia que no pressuponha algo acerca dessa mesma experiéncia cai imediacamen- te no absurdo, pela manifesta impossibilidade de sequer comecar a dizer no que uma tal critica poderia consistir. ‘Assim, uma critica daquela tinica experiéncia a que nos limita- mos ao assumir 0 solipsismo metodolégico do momento devers pressupor acerca dessa mesma experiéncia, minimamente, quanto seja necessdrio pata ter sentido como critica. E navural que diferen- tes tipos de critica posculem diferentes “minimos deflacionistas” a respeito da experiéncia que é alvo de cada uma delas, mas talvez se possa sugerir que qualquer critica dessa experiéncia fimica que lance diividas céticas acerca de seu valor epistémico tera sentido se e so- mente se pressupuses, vs termos do que temos vindo a diseutir, pelo menos os seguintes itens ~ além da obviedade de que bé essa experigncia: Sa 1. Que ha tum sujeito que “vem” essa experiéncia, e & dotado, pelo menos, da capacidade de tla ~ ou, 0 que é0 mesmo, da capacidade de ser o sujeito dessa experiéncia, 2. Que averdlade de pelo menos um juizo dese sujeivo acerca de sua experiéncia éalgo possével, no sentido “redundante” ou deflacionista de verdade. 3. Que esse sujeito 6 capaz de captar nessa sua experiéncia aquele minimo de inteligibilidade (em sentido seméintico) que dé sentido A questo da verdade de seu juizo. 4. Que 0 contetido dessa experiéncia acerca do qual se pbe aquela questio nfo pode ser o que & ¢ ao =nesmo tempo iio sé-lo ~ ou seja, pelo menos uma forma simples e mini- ma de um principio de nféo-contradigio é indispensivel ‘para que haja sentido em qualquer critica ce qualquer ex: petidncia. Tal nio implica, como jé sugerfamos acima, qual quer conviegio “popperiana” acerca da supra-conjectura- lidade da Igica como um todo. 5. Por tikimo, se for eética a inspiracio da erftica da experin- ciaem questio, devemos screscentar, comojivimos, algu- ‘ma forma do principio de parciménia ~ cuja adogio fica implicita no desafio cético 4s pretenses cognitivas do su- jeito, pois tacitamente é exigido que o sujeito s6 considere cognisio 0 que satisfaz determinados critérios,e nada mais. ‘Mas esta quinta assercio é mais dificil de inchuir no rasto de uma critica dissociada da exigéncia radical do ceticismo. Este pequeno grupo de assereSes constitui um dominio que partilha da “supraconjecturalidade” da asser¢ao do solipsismo do momento, na medida em que esse conjunto é necessatio para confe- rir uma inteligibilidade satisfatéria A propria nosio de experiéncia B Reaumane s ociagho do momento apresentada por essa posigio metodolégics... Tudo 0 mais é simplesmente conjectura, ou postulagfio; tudo 0 mais é hipo- 1ético, ou construido, portanto sujeito a divida, sem poder ser dito incortigivel ou evidente no mesmo sentido em que essas assergdes devem ser consideradas como evidentes € incortigiveis, imunes a qualquer chivida eética. Poder esse pequeno grupo corresponder ao contetido da- quilo que Thomas Nagel apresenta como uma concepgio “austera” da razio,em seu recente A Ultima Palavra? Paraesse filésofo, umatal concepsio abrangeria (NAGEL, 1997: 17 ss.) apenas alguns prinespi- 08 Ibgicos “e pouco mais”, situando-se no extremo oposto 20 de concepgSes mais ricas da razio, que abrangem prineipios morais, etc. Essa expressio talvez corresponda a nossa pequens lista com> posta por um principio légico, um principio semintico, duas assergdes sobre 0 sujeito e a verdade, ¢ talvez um prinefpio de economia ou simplicidade. No entanto, esse conjunto de elementos dificilmente pode ser encarado como consticutivo de algo merecedor de ser cha- mado “raz” ou coisa equivalente, pois o conceito de uma razio s6 tem sentido se concebido como capacidade de um sujeito pleno — e nosso pequeno mticleo de “incor rigibilidades” é demasiado escasso para constituir propriamente o pleno conceito de um sujeito capaz de razio e de tudo o mais que tal acarreta. Este pequeno micleo inclui o pressuposto de um sujeito minimalista, mas todas as “facul- dads” deste sujcito, além da capacidade de ter a referida tinica expe- riéncia do momento a que nos restringe © solipsismo metodolégico aqui adotado, sio matéria de conjectura, ou seja, esto situadas fora do pequenn cireulo daquilo que é Keito considerar inseparivel de nosso sujeito minimo. Portanto, quem queira se opor as mais not6rias posigdes anti tacionalistas de nosso tempo, sejarn elas historicistas ou pés-moder- nas, terd de o fazer em estilo mais modesto do que o de Nagel, Cavell 4 Sine (Cavett, 1982: 229 ss), Bonjour (Boxyour, 1999: 9 ss) ¢ tantos ou twos, sem pretender dar “a tiltima palavra” a quem quer que seja, nem sonhar com qualquer fundamentagio cabal da “exigncia da razio", e muito menos reivindicar direitos especiais para a “rao, pura”, Por outro lado, no sector mais “desconstrucionista” da opi- aio filoséfica contemporinea, devem ealar-se as vozes que costu- mam afirmar que tudo é relative, ou que toda ¢ qualquer assercio depende da perspectiva de que é feita, ou que tudo depende da “his- t6ria”. Se a critica da experiéncia tem sempre como condigdes de sentido certas assergdes, as aqui formuladas ou outras, no é lieito pretender que elas s6 possam ser admitidas “perpectivisticamente”, 20 mesmo tempo que dever’ ser vedado fingir que elas podem dar a “ltima palavra” em nome da razio. Recusados tanto 0 “pés-modernismo” relativista como 0 “neo- iluminismo” racionalista, numa época em que tampouco se pode sonhar com o regresso ao “fundacionismo” de outras eras, nosso ricleo de “verdades imunes” — imunes tanto ao ceticismo radical como a qualquer desconstrugao historicista ~ pode desempenhar 0 papel, nlo de juiz.derradeiro, mas de “fiel da balanga” naquela esco- Iha entre conjecturas por meio da qual, esperamos, se pode constituir nossa racionalidade. Se “o mundo é minha conjectura”, como se tor- nou quase trivial dizer, também o sujeito, e no apenas o arundo exte- rior, deve ser questionado a partir do solipsismo metodolégico do ‘momento, reconhecidas como também conjecturais todes as imagens que dele possamos construir. © “realismo acerca do cogito” nio mere- ce mais ser preservado do que o realismo ingénuo acerca do mundo exterior: ‘Mas ficam vedados quaisquer “modos de fazer sujeitos”, pas- siveis de algum paralelo com os “modos de fazer mundos” de Nel- son Goodman (Goonan, 1978), que excluam de nossa construgio. © principio de nio-contradigio e as outras asserges incicadas, além 2 Reauioape cooNGAO do préprio principio de parcim@nia, pois se elas so condigdes de sentido de qualquer erftica da experiéneia nio podem também dei xar de ser consideradas vélidas para qualquer sujeito possfvel. A cons- trugio do sujeito segue a par coma do mundo, mas nenhuma cons- trugio de sujeito deve omitir os “principios” supra-conjectur dicados, como “regras” de seu atuar como sujeito, por sua vez, na construgio de seus objetos. Para ter sentido, a critica da experiéncia precisa sempre assu- mir esses principios e regras. Todos eles sto compativeis com a pos- tra metodolégica do solipsismo do momento presente. Mas no teriessa critica de assumir também uma ligacdo entre essa experién- cia dinica sobre a qual se debruga e outras experiéncias do mesmo sujeito? A admissio de experigncias de outros sujeitos violaria 0 solipsismo metodolégico carnapiano, mas o mesmo no sucederia com a admissio de outras experiéncias do mesmo sujeito. O proble- ma é que outras experiéncias do mesmo sujeito dificilmente seriam concebiveis como simmultineas daquela experiéncia momentinea que nossa atitude metodoldgica toma como alvo. Da perspectiva de ‘Carnap este problema nem se colocaria, pois a0 iniciar a elaboragio de seu sistema ele toma as experiéncias “simplesmente como ocor- rem”, adotando em rela¢o a tudo 0 mais uma “suspenso de juizo” declaradamente husserliana (p. 101). (Outras experigneias deveriam portanto ser experiéncias ante- lores do mesmo sujeito, € como vimos o testemunho da meméria pode ser falso, tendo pleno sentido chvidar da veracidade de qual- quer contetido mneménico - em forte contraste com o momento presente, do qual seria destituido de sentido esbogar sequer qual- quer diwida de que tem como contetido uma experincia. Nio hi critica possivel da assergio de que estou tendo uma experiéncia — a qualquer momento em que possa pensi-lo ~ mas faz. sentido supor a falsidade de tudo aquilo que tenho apenas na meméria. 2% Sauen Uma solugio aparentemente plaustvel seria lembrar que toda essa argumentagio est4 sendo gerada por um sujeita, e que deixar de assumir a validade desse sujeito equivale a renunciar & validade da propria argumentacio. Mas vejamos em que sentido e em que medi- daé legitimo assumir a validade do sujeito produtor dessa argumen- taco. Se 0 assumimos cartesianamente, como “coisa que pensa” a ser tomada como dada, estamos voltando 20 solipsismo “maxima lista” e ignorando a vantagem do solipsismo do momento em tet- mos de economia e simplicidade. O sujeito dessa argumentagio deve ser assumido como qualquer sujeito em geral, como uma constru- io conjectural em competi¢io com outras, a0 lado da hipétese do mundo exterior e quantas outras se quiser considerar. Essa argumentagio nfo pretende ser mais do que uma conjectura filoséfica plausfvel, talvez capaz de substituir com vanta- gem algumas de suas competidoras, sim, mas nio porque seja ela zmiesina evidente ou possuidora de qualquer virtude intelectual capaz de obrigar a uma aceitagio geral. Como qualquer hipétese ou argu- mento em filosofia, essa conjectura apresenta seu caso, submeten- do-se As contra-argumentagbes que vierem ~ e & claro que preparada para ripostar 0 que parecer adequado. Sua validade seré obtida no debate critieo, no logo A partida por qualquer prerenss apoditiviclad O que é apenas coerente, pois um de seus pontos principais & que cesta tiltima virtude pertence apenas A escassa meia diizia de assergdes furdamentais que propée. Cabe a outros argumentos tentar superi- la ou climinéla. Desta perspectiva, 0 solipsismo metodolégico serve apenas como uma “escada wittgensteiniana” ~ que enquanto tal se destina a ser jogada fora depois de utilizada - para nos aproximarmos dacom- preensio do sentido que é possivel atribuir a eada momento cons- ciente, para além da inevitivel mas superficial evidéncia da verdade incorrrigivel de que nesse momento estamos tendo uma experiéncia z Reaupane comer consciente. Muitos desses momentos de consciéncia apresentam- se-nos como aquilo a que chamamos observagdes. Mas como afir mar que fazemos observagéies, se & sempre possivel que o que nos apare- ce como tal seja outra coisa, uma iusto ou um sonho? Um caminho possivel é admitir que o cariter observacional desses atos conscien- tes é algo que conjecruramos € nfo algo que realmente sabemos, pelo menos iio do mesmo modo que sabemos que estamos tendo ‘uma experiéncia ou ato consciente, um momento ou instante de consciéncia, Aquilo de que temos consciéncia nio pode deixar de ser uma experiacia, num sentido muito amplo do termo, mas bem pode ser que nos enganemos ao julgar que ela é uma experiéncia olservacional,oude qualquer outra navureza especifica, ‘Admitir a conjecturalidade da cognicio & admitir que cada observagio que julgamos fazer, ou mesmo cada percepgio que si- pomos ter, ésimplesmente uma tentativa de explicagido da experincia desse instante. Também podemos dizer que éa reagio a um estfmu- lo, mas a nogo de estimulo depende de uma teoria psicoldgica, € ainda nio temos aqui o direito de tomar qualquer teoria psicolégica, ow de outta natureza, como por exemplo uma teoria acerca da cons- trugio do sujeito empfrico, enquanto distinto do sujeito epistémico, como ponto de apoio para nossa argumentagio. Quanto a nocio de cesxperiéncia, ela depende do argumento filoséfico em que venho in- sistindo: a Ginica assergo inquestionavel é a da experiencia do mo- ‘mento, logo o que estou tendo agora é indubitavelmente uma expe- siéncia, e dizer queela é uma observagio éuma maneira de explic#-la, de dar conta dela, de dizer por que ¢ como estou tendo essa expe- Explicar uma experiéncia como observagio desenha um ho- rizonte realista, apontanto para coisas existentes das quais a obser- vacio na qual consiste esta experiéncia é uma observacio. Mas 0 que importante para o sujeito ~ e para sua sobrevivéncia — niio sfo os 28 Sane conceitos das coisas, e sim as expectativas causais a respeito dessas coisas. Varios fildsofos se preocuparam com qualidades primarias © secundirias, depois com o espago e o tempo, ete. Mas 0 que é cognitivamente prioritario ¢ poder predizer que o choque desta coi- sa comigo, que antes produziuem mim efeito Y,vaivoltarafazélo em tai etaiseireunstincias, e nio poder dizer se essa coisa 6 sdlida ou sul, extensa ou duradoura, Estas qualidades sio essenciais, mas sio “auniliares” da inferéncia causal, como “contetidos das observages” ‘que permitem identifiear os agentes (e pacientes) causais que povoam ‘omundo natural. Desde Hume que sabemos da impossibilidade de conferir a cada inferéncia causal qualquer certeza em sentido forte: podemos sempre alirmar o contririo de cada conclusio causal, senclo sempre impossivel “tentar demonstrar sua falsidade” (Huwe, 1748: 109 ss). Para Quine, continuamos na mesma situagio de incerteza causal em, que Hume nos deixou Quive, 1969: 72). No entanto, renunciar a demonstragdes de verdade no renunciar a argumentos em favor da racionalidade das conclusties causais, se as encararmos em ter~ mos gerais,Se reconhecermos que o espago da conjecturalidade pode ser fonte de racionalidade, podemos alegar que cada conelusio eau- sal tomada isoladamente é sempre incerta, sendo posstvel a sua falsi- dade, mas que é inconcebivel o “erro causal em massa”, se assim Ihe quisermos chamar. Se um elevado mimero das conclusdes causais da humanidade fossem falsas a nossa espécie simplesmente no es- taria mais aqui — 0 erro em massa produziria a extingio em massa. Nem é preciso desenvolver este argumento em termos de evolugio darwiniana. Basta apontar que, se nos tiltimos tempos tivesse sido falsa a maior parte de nossas conclusdes causais, e dado o grande iimero dessas conclusdes que sio indispensiveis a nossa sobrevi- -véncia, a humanidade teria desaparecido da face da terra. Como ain- da estamos aqui, segue-se que 0 raciocinio causal, dado o mémero 2

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