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TEOLOGIA RELACIONAL Suas origens Seus ensinos Suas consequéncias Augustus Nicodemus Lopes fs PUBLICACOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caisa Postal 1287 — 01059-970 - Sao Paulo, SP www.editorapes.com.br Contetido APTeSENtACHO vs sesesesseeseeseeseeeseceeseeneees 5 Introdugaéo I. Raizes Historicas .. 1. A Filosofia Grega . 2. Arminianismo . .13 3. Socinianismo ...... . 16 4. Teologia do Processo . . 5. Teismo Abert0 on. ccsssssesessesseeee 22 Il. As Principais Idéias da Teologia Relacional 1. Liberdade Libertaria . 2. O Ser de Deus a. A Soberania de Deus . b. A Onisciéncia de Deus ......... c. A Onipoténcia de Deus......... d. A Imutabilidade de Deus..... e. O Amor de Deus... 3. A Suposta Influéncia Grega na Teologia Crista... III. Avaliagao.... Conclusao... sees Obras Citadas ....ccseessssestesseeseseeneseeaee Apresentagao Foi com plena consciéncia das minhas limitagGes que aceitei o desafio do irmao Bill Barkley de escrever, de forma resumida e facil de ler, uma descrigo e andlise das principais idéias da Teologia Relacional, movimento que apés um inicio conturbado e polémico nos arraiais brasileiros, retraiu-se, contudo, néo antes de espalhar suas sementes sabe-se 14 aonde. Muitos ainda indagam acerca deste movi- mento e da polémica que ele acendeu. Dai a necessidade deste pequeno livro, escrito espe- cialmente para aqueles que nao estéo muito familiarizados com a linguagem e os conceitos teoldégicos. O autor deste optisculo é devedor ao que escreveram Héber Campos, Valdeci Santos, John Piper, John Frame e outros autores cujas obras estao citadas no final. Simplesmente li novamente parte dessas obras e procurei sin- tetiz4-las aqui, entremeando os conceitos com minhas pr6prias observagées. Sou também devedor a Russell Shedd, Luiz Alberto Sayao, Eros Pasquini, Norma Braga e outros autores evangélicos, cujas declaragdes contrarias 4 Teologia Relacional por meio de e-mails, blogs, 5 entrevistas e artigos, me forneceram informa- des e idéias. Nao preciso ainda dizer que estou familiarizado com as fontes primérias, com os escritos dos principais proponentes da Teolo- gia Relacional no Brasil e no exterior. O que o leitor tem em maos é uma modes- tissima contribuigéo para este assunto polé- mico. Existem no mercado obras completas e detalhadas que tratam do mesmo com quase- -exaustao. A presente obra almeja apenas servir de introdugdéo aos que desejam se aprofundar no assunto. Se conseguirmos que 0 leitor entenda os principais pontos da Teologia Relacional e os motivos pelos quais devemos rejeité-la, este optsculo tera cumprido a sua missao. Sao Paulo, janeiro de 2008. Augustus Nicodemus Lopes, Ph.D. Pastor Auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro/SP Introdugao A Teologia Relacional chegou faz pouco tempo ao Brasil, trazida por lideres evangélicos arminianos que, a principio, nao manifestaram abertamente sua aderéncia a essa suposta novi- dade teol6gica. Embora 0 fato seja negado por seus lideres maiores, a Teologia Relacional é idéntica nos pontos principais ao Teismo Aberto, movimento que surgiu nos Estados Unidos em décadas passadas, cujos defensores sao em maior ntimero e j4 assumiram aber- tamente suas perspectivas. A reacao da maioria do ptiblico evangé- lico brasileiro foi de desconfianca e rejeicaéo quando as idéias da Teologia Relacional comegaram a ser publicadas, especialmente a idéia de que Deus nao conhece o futuro e que, na verdade, esta construindo no presente esse futuro com base nas decis6es livres dos homens — decisées essas que Ele nao conhece de antemao. Creio que hd varias razdes para a Teologia Relacional nao ter conseguido aceitagéo ampla entre os evangélicos, mesmo entre os armi- nianos. Menciono algumas delas. Primeira, embora as diferentes denomi- nacgoes evangélicas e as linhas teolégicas nelas contidas divirjam em muitos aspectos, arminianos e calvinistas, batistas, pentecostais e presbiterianos ainda aderem as grandes verdades histéricas do cristianismo. A onis- ciéncia de Deus é uma delas. Portanto, todas essas denominagées e linhas teoldégicas se sentiram atingidas. Segunda, logo que os defensores da Teolo- gia Relacional sairam do armario para declarar abertamente as suas crencas usando a Internete blogs, foram enfrentados por dezenas de blogueiros conservadores que responderam, comentaram e questionaram as posic6es colocadas nos blogs relacionais. Travou-se uma intensa disputa teolégica na chamada “blogosfera,” com dezenas de novos blogs sendo abertos, tomando partido contra ou a favor da Teologia Relacional. Apés acalorado periodo de discusséo, os tedlogos relacionais recuaram efecharam seus blogs—oupelo menos, 0s mais importantes. Terceira, muito cedo as editoras evangéli- cas puseram no mercado livros que combatem claramente o Teismo Aberto ou Teologia Relacional. O primeiro foi da Editora Vida, Teismo Aberto, do batista reformado John Piper. A Vida é uma editora pentecostal e o prefacio foi escrito por um pastor metodista. Depois, a Cultura Crista colocou no mercado dois novos titulos, Nao Sei Mais em Quem Tenho Crido, uma coletanea de artigos de R. C. Sproul, John MacArthur e outros, organizada por Douglas Wilson, e Nao Ha Outro Deus por John Frame, pastor presbiteriano. Todas essas obras exp6em as idéias formadoras dos con- ceitos da Teologia Relacional ou Teismo Aberto econfrontam essas idéias com os ensinamentos biblicos, chegando 4 conclusao de que se trata de um desvio fundamental do conceito biblico sobre Deus. Além desses livros, é importante mencionar, como ja foi dito na apresentacao, os artigos de Héber Campos “O Teismo Aberto: Um Ensaio Introdutério” e de Valdeci Santos, “A Teologia Relacional,” ambos na revista Fides Reformata. Quarta, a rejeicdo da Teologia Relacional por uma parte significativa da denomina¢ao de um dos seus maiores defensores, levando a uma ciséo com saida de pastores e igrejas, foi uma espécie de balde de agua fria no movi- mento, fazendo com que seus lideres optassem por uma postura de menor visibilidade e retragao, pelo menos por enquanto. De qualquer forma, as idéias da Teologia Relacional foram langadas como sementes no meio evangélico e ainda nao se sabe qual o seu futuro. Espera-se somente que nao dé frutos. Dada a radicalidade das idéias da Teologia Relacional e a influéncia de seus proponentes no Brasil, nao custa colocar nas m4os dos leitores evangélicos mais material sobre o assunto. I. Raizes Histéricas A Teologia Relacional nao é uma teologia nova, uma espécie de progresso e avancgo em nosso conhecimento de Deus e do homem. Na verdade, ela é uma apresentacgéo requentada de varias idéias antigas, conhecidas da Igreja Cristé, algumas delas inclusive condenadas como heréticas. O que ela tem de novo é que virou um movimento teolégico composto de escritores e tedlogos, primeiro nos Estados Unidos, e depois aqui, unidos em torno dos pontos comuns e dispostos a persuadir a Igreja Crista a abandonar seu conceito tradi- cional de Deus e a convencé-la que esta “nova” visio de Deus é evangélica e biblica. Entre as influéncias formadoras da teolo- gia Relacional mencionamos o arminianismo, 0 socinianismo e a Teologia do Processo. 1. A Filosofia Grega Em nossa busca pelas influéncias for- madoras da Teologia Relacional, podemos comecar bem longe, com a filosofia grega. E aqui temos um ponto de ironia: os teélogos relacionais acusam os cristéos tradicionais de Il terem sido influenciados pela filosofia grega em sua concepgao de Deus, quando na verdade, eles foram muito mais influenciados. Os filésofos gregos levantaram muitas perguntas de natureza vital, como a origem de todas as coisas, a natureza do universo e assim por diante. Eles especularam praticamente sobre tudo. Algumas das idéias da Teologia Relacional tém uma impressionante seme- Ihanga com as especulagées filosdficas dos gregos. A primeira é o livre-arbitrio libertério. Na filosofia grega, encontramos desde os mais antigos fildsofos a idéia de que o arbitrio humano € completamente independente de forcas externas e internas e, portanto, total- mente livre em tomar decisdes. Isso ocorre porque o mundo e a hist6ria séo governados pelo acaso. Segunda, a limitacao de Deus. Na filosofia e na mitologia gregas encontramos igualmente 0 conceito da limitagao dos deuses. Os deuses da mitologia grega, cantados na Odisséia e na Iliada de Homero, s40 concebidos como seres finitos e limitados, que nao governam o mundo de acordo com sua vontade, mas espreitam os homens e suas decis6es, intervindo algumas vezes. Os deuses dos fildésofos gregos nao séo seres pessoais e com planos e propésitos, mas principios impessoais, limitados pelo mundo, 12 por vezes destacados e distantes deles, como o Demiurgo de Platao ou o “Primeiro Movedor” de Aristételes. Terceira, 0 conceito de um futuro aberto e indeterminado. Na filosofia grega encontramos aidéia de um mundo aut6nomo, funcionando por si mesmo, jd que nao havia deuses que determinassem seu curso, e visto que as deci- soes humanas eram imprevisiveis. Essas idéias acima podem ser encontradas em filésofos como Tales, Epicuro, Platao e Aristételes, para mencionar alguns. Aqui nos lembramos das palavras de Paulo acerca dos filésofos e inquiridores da sua época, que nunca realmente chegaram ao verdadeiro conhecimento de Deus através do seu raciocinio e argucia: ..esta escrito: destruirei a sabedoria dos sabios € aniquilarei a inteligéncia dos instruidos. Onde est4 o sdbio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século? Porventura, nao tornou Deus louca asabedoria do mundo? (1 Cor. 1:19-20). 2. Arminianismo A maior influéncia na Teologia Relacio- nal, sem divida, é 0 arminianismo. Podemos afirmar inclusive que ela é um desenvolvi- mento légico do arminianismo, ou ainda, o arminianismo levado 4s suas Gltimas 13 conseqtiéncias. Alguns dos principais defensores da Teologia Relacional declaram abertamente que tém uma divida para com a tradigao metodista wesleyana, que é clara e explicitamente arminiana. Para nossos leitores que nao estado familia- rizados com 0 termo “arminiano”, lembramos que se trata de uma leitura da Biblia baseada na interpretacao de Jacé Arminio (1560-1609), holandés, professor de teologia, e de seus seguidores, chamados de Remonstrantes. Em linhas gerais, Arminio desejava defender o pleno livre-arbitrio do ser humano diante da soberania de Deus. Seus seguidores formula- ram uma compreensao do plano de salvagao que incluia os seguintes pontos: (1) O pecado de Adio afetou sua descendéncia, mas nao ao ponto de anular o livre-arbitrio. Os homens sao pecadores, mas ainda podem escolher livremente entre o bem eo mal; (2) Deus nunca predestinou ninguém para a salvacao ou per- digéo; quando a Biblia usa termos como “predestinacao” e “eleigéo”, os mesmos devem ser entendidos como presciéncia de Deus, Seu conhecimento antecipado daqueles que haveriam de crer em Jesus Cristo; portanto, a eleigdéo de Deus é condicionada a fé do homem; (3) Cristo morreu na cruz por todos os homens, para dar a cada um deles a oportunidade do perdao de pecados quando escolherem a 14 Cristo pela fé; os que se recusarem a crer em Cristo, seréo condenados ao inferno eterno, mesmo que Cristo tenha pago o prego pelo pecado deles; (4) O homem pode usar seu livre-arbitrio para resistir ao chamado do evangelho. Ele pode dizer “nao” reiteradas vezes As intengdes de Deus de salvé-lo e per- der-se para sempre, contrariando a vontade de Deus; ou seja, Deus pode desejar salvar alguém, mas esse desejo pode ser frustrado pela recusa do homem; (5) Os que escolheram crer em Cristo e foram perdoados e salvos, eventualmente podem tomar uma decisao contraria, voltar atras e cair da graca salvadora, e se perder para sempre. O ponto central do arminianismo € que a salvagéo depende da decisio humana. E o homem, com seu livre-arbitrio, quem decide o seu futuro e, portanto, o futuro da raca humana. A salvac4o foi preparada por Deus mas ela sé é eficaz se o homem decidir aceita-la. A Teologia Relacional concorda com praticamente todos os pontos da interpreta- cao arminiana da salvacgéo com excecao daquele que fala da presciéncia de Deus, que Deus anteviu a escolha dos que haveriam de ser salvos. Isso veremos em mais detalhes adi- ante. O que precisa ficar claro aqui é que a Teologia Relacional é fruto do arminianismo, uma espécie de desenvolvimento légico do 1S mesmo. O que tem impedido os arminianos evangélicos de chegarem ao ponto de negar a onisciéncia de Deus é que, mesmo de forma incoerente, a sustentam lado a lado com o livre-arbitrio humano. Por uma ironia pro- videncial, é essa incoeréncia que os tém mantido dentro dos parametros do cristia- nismo evangélico. Os arminianos que abracaram a Teologia Relacional deixaram para tras o arminianismo evangélico classico, romperam esses limites e experimentam a rejeigao nao somente dos calvinistas, como também dos préprios arminianos. 3. Socinianismo Esse é 0 nome que se da a outra corrente teolégica do século XVI originada nas idéias dos italianos Lélio Socinio (1525-1562) e seu sobrinho Fausto Socinio (1539-1604). Esses tedlogos negavam em seus escritos a deidade de Cristo, Sua morte vicdria na cruz e a imputacao da Sua justica aos pecadores arrependidos. Suas idéias eram tao heréticas que foram condenadas pelos catélicos e pelos protestantes. O ponto que nos interessa aqui é a crenca deles acerca da onisciéncia de Deus. Pois existe uma semelhanca notavel entre ela e aquilo que os teélogos relacionais acreditam. Em linhas gerais, Lélio e Fausto argumentaram que os 16 calvinistas estavam, a principio, logicamente corretos em dizer que 0 conhecimento que Deus tem do futuro se baseia no fato que o proprio Deus havia determinado tudo 0 que vai acontecer. Deus sabe as coisas que vao acontecer porque Ele mesmo determinou essas coisas. Todavia, eles prosseguiram a argumentar que os arminianos estao corretos quando dizem que é inadmissivel pensar que Deus determinou tudo que vai acontecer, pois isso anula a liberdade humana. Logo, para que se possa realmente preservar a plena liber- dade do homem, é preciso negar nao somente que Deus preordenou as decisées livres de agentes livres, mas também que Deus conhece de antemao quais serao tais decisdes. E assim, os socinianos foram além do calvinismo e do arminianismo, negando a soberania de Deus (calvinistas) e também a Sua presciéncia (arminianos). E exatamente esse o ensino da Teologia Relacional quanto a presciéncia de Deus. Ser herdeiros de uma heresia antiga condenada tanto por catdlicos como por protestantes é bastante inc6modo, de forma que quando os tedlogos relacionais nado negam essa relacdo, se calam sobre o socinianismo. Eles querem dar a entender que a teologia deles é uma novidade, um avanco teoldgico, um progresso em nosso entendimento de Deus. Na verdade, trata-se da 17 antiga heresia do socinianismo, reapresentada com ares de modernidade. A semelhanga é notavel, até mesmo nos detalhes. Os socinianos diziam queaonisciéncia de Deus significava que Deus conhecia tudo 0 que era possivel de ser conhecido. Como as decisées livres dos seres humanos eram im- possiveis de serem conhecidas - exatamente porque eram livres — Deus nao podia ter conhecimento delas. Os tedlogos relacionais argumentam da mesma forma, redefinindo a onisciéncia de Deus de maneira similar. Nas palavras de Ricardo Gondim, renomado pregador pentecostal e principal defensor da Teologia Relacional no Brasil: Na Teologia Relacional (TR) 0 conceito de onisciéncia compreende a afirmacao de que Deus conhece tudo 0 que é passivel de conhecimento, ou que pode ser conhecido. Assim, na TR nao redimensionamos a onisciéncia divina, apenas o nosso conceito de futuro. Se dissermos que todo o futuro jd esta completamente determinado, absolutamente realizado, entao Deus conhece todo o futuro. Se dissermos que Deus chamou homens e mulheres para construirem um novo futuro, e que este futuro ainda nao existe, podemos dizer que este futuro nao pode ser conhecido. Torna-se neces- sario enfatizar: o futuro nao pode ser conhecido nao porque Deus seja limitado, mas porque ainda nao existe, Insisto: nisto nao limitamosa Deus. Apenas afirmamos que Ele amorosamente nos convocou 18 para sermos arquitetos do amanha.' Resta pouca divida que o entendimento da onisciéncia de Deus da Teologia Relacional é uma forma moderna da antiga heresia sociniana. E necessario ressalvar, todavia, que ndo estou acusando seus defensores de todos os erros de Lélio e Fausto Socinio. Isso explica, por outro lado, por que a Teologia Relacional foi tao rejeitada pelos evangélicos de hoje, a semelhanga dos catdlicos e protestantes de entao. E um fato curioso, para dizer o minimo, que Lélio Socinio escreveu varias cartas a Calvino e a Melancton, expondo suas idéias, e ambos as rejeitaram veementemente, por considerarem que as mesmas estavam total- mente em desacordo com as Escrituras. 4. Teologia do Processo Existe também uma semelhanga visivel entre a relagao de Deus com o tempo defen- dida pela Teologia Relacional e aquela da Teologia do Processo. Everdade que os tedlogos relacionais criticam a Teologia do Processo; todavia, nao conseguiram se distanciar o suficiente para evitar a sua influéncia. 1 A Teologia Relacional e a Onisciéncia Divina, R. Gondim. 19 De acordo com 0 cristianismo classico, o Deus eterno criou o tempo e vive fora dele. Dessa forma, ele pode contemplar simulta- neamente o passado, o presente e o futuro, como se fossem janelas ou telas abertas diante dEle. A Teologia do Processo nega esse conceito e defende que a realidade esta em processo de mudanga constante e que Deus evolui e progride dentro dessa realidade. Os tedlogos relacionais admitem que Deus vive no tempo, mas discordam que isso faca parte essencial da Sua existéncia. Afirmam que Ele optou por viver no tempo para poder Se relacionar de forma amorosa e significativa com Suas criaturas. Todavia, apesar das criticas 4 Teologia do Processo, a Teologia Relacional afirma que Deus vive dentro do tempo, sujeito ao passar do tempo e as mudangas que isso proporciona. Ao final, temos de lidar com um Deus que, a nossa semelhanga, aprende e evolui com o passar do tempo e nao pode saber com exatidao o que nos aguarda no futuro. Concluindo as suas observag6es e os seus comentarios sobre Deus e Seu conhecimento do futuro em relacgdo a este ponto Valdeci Santos diz: Logo, tanto Deus como o homem se encontram presos ao tempo e ambos evoluem e aprendem das 20 experiéncias ocorridas dentro do mesmo.’ Ha varias outras semelhancas da Teologia Relacional com a Teologia do Processo, que lhe antecede por algumas décadas. Entre elas esta a critica de que a teologia crista classica foi influenciada por idéias da filosofia grega quanto 4 formulacéo da doutrina de Deus. Tedlogos do processo, como Hartshorne, acu- sam o Deus do teismo classico de ser estatico, Ppassivo, inerte, sem qualquer relagéo com o tempo e, portanto, irrelevante para o ser humano, como resultado da sintese de idéias biblicas com a metafisica grega da perfeigao estdtica. Os tedlogos relacionais fazem exata- mente a mesma critica, como veremos mais adiante. A Teologia do Processo também defende uma reformulagao da doutrina classica a res- peito de Deus. A onisciéncia de Deus deve ser entendida como Seu conhecimento de tudo que pode ser conhecido — menos 0 futuro, que ainda nao aconteceu. A onipoténcia de Deus é entendida como poder perfeito, mas Deus nao tem monop6lio dele. Ele tem todo o poder possivel a um ser. Néo que Seu poder seja ilimitado. Ele é somente o maior. Portanto, Deus nunca pode determinar um evento, ou ? Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2007, p. 48. 21 que alguma coisa acontega irreversivelmente. Seu poder é coercivo, nunca determinativo. Todas essas idéias sio também defendidas pelos tedlogos relacionais. A Teologia Relacional, portanto, nao é uma teologia nova e original, um avango, um progresso em nosso conhecimento de Deus, mas a reapresentacao de idéias heréticas, anti- gas e modernas, produzida de forma a ganhar a aceitacao dos evangélicos brasileiros. Nao é nem mesmo o resultado da reflexao livre de tedlogos e pensadores brasileiros, pois sua divida ao Teismo Abertoamericano, 4 Teologia do Processo também americana e ao socinia- nismo italiano revelam mais uma vez que a originalidade em termos teolégicos e as teolo- gias autéctones continuam sendo uma utopia de livres pensadores que parecem desconhecer a historia do surgimento das idéias teolégicas. 5. Teismo Aberto Conforme mencionamos no inicio desse estudo, a Teologia Relacional é uma versao brasileira do “open theism,” a teologia da abertura de Deus ou simplesmente teismo aberto. Digo que é uma versio “brasileira” porque seus proponentes sao brasileiros e nao porque seja uma teologia autéctone. Como ja vimos, ela é totalmente dependente de idéias e 22 conceitos estrangeiros, como o préprio teismo aberto também 0 é. O teismo aberto, como movimento, teve inicio em décadas recentes, embora seus con- ceitos sejam bem antigos e enraizados igual- mente na filosofia grega, no arminianismo, no socinianismo e na teologia do processo. Ela ganhou popularidade através de escritores norte-americanos como Greg Boyd, John Sanders e Clark Pinnock. Nos Estados Unidos, as idéias do teismo aberto provoca- ram a divisao de uma denominagao e muita polémica em diversos seminarios evangélicos. Chegou mesmo a afetar a Evangelical Theolo- gical Society (Sociedade Teolégica Evangélica), da qual Clark Pinnock e outros séo ainda membros. Embora os defensores da Teologia Rela- cional no Brasil insistam que ha diferengas entre ela e o teismo aberto, na realidade, se existirem, sAo poucas e insignificantes. As duas teologias afirmam basicamente os mesmos pontos fundamentais. Alids, os principais defensores do teismo aberto se referem ao mesmo, as vezes, como Teologia Relacional, a exemplo de Clark Pinnock, citado por Valdeci Santos: A versao do teismo relacional chamada “teismo aberto” é uma teologia em busca de um Deus 23 pessoa, que se encontra dinamicamente conectado ao mundo.? Outro defensor, Greg Boyd, escreveu um capitulo do livro publicado em 1993, Trinity in Process: A Relational Theology of God (“Trindade em Processo: Uma Teologia Relacional de Deus”). Os pontos defendidos por ambas as teologias sao os mesmos, embora aqui e alisejam qualificados de forma diferente. Portanto, é praticamente impossivel afirmar que a Teologia Relacional é uma produgao brasileira de pensadores indepen- dentes. Trata-se de versio de um movimento que tem sido combatido e resistido pelos evangélicos, calvinistas e arminianos, em outros continentes. 3 Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2004, p. 33. Il. As Principais Idéias da Teologia Relacional Neste capitulo apresentaremos de forma resumida algumas das principais idéias de- fendidas pelos proponentes da Teologia Relacional, além daquelas mencionadas de passagem no capitulo anterior. E importante salientar que nao ha plena unanimidade entre eles em todos os pontos. Todavia, os que serio aqui citados representam de maneira geral o pensamento deles. 1. Liberdade Libertdria O conceito mais importante de todos para a Teologia Relacional é seu entendimento do livre arbitrio. Esse entendimento nao é muito bem definido por eles. Antes, éassumido como uma coisa definida e estabelecida, mesmo que o termo “livre-arbitrio” n&o apareca na Bibliae mesmo que nao se possa provar biblicamente esse entendimento. Em linhas gerais, os tedlogos relacionais entendem o livre-arbitrio como sendo a liber- dade plena e absoluta do ser humano em tomar 25 decisées e fazer escolhas em qualquer diregéo moral, sem que sejam a isso influenciados por fatores externos, como a vontade de Deus ou Sua onisciéncia, ou internos, como uma natu- reza pecaminosa. E a liberdade de tomar uma deciséo e depois fazer o contrario. Somente dessa maneira é que 0 homem € verdadei- ramente livre e dessa forma ele determina o acontecimento dos eventos futuros. Os tedélogos relacionais acreditam, junto com 0s arminianos, que a vontade humana tem um poder intrinseco para escolher com a mesma facilidade entre o bem e o mal. Para eles, o homem recebeu de Deus uma liberdade genuina que tem a ver com todas as areas da vida, especialmente na area de escolhas morais, entre o bem e o mal, liberdade essa que per- manece mesmo apos o pecado ter entrado no mundo e Adao ter se tornado pecador. O ponto mais importante a destacar aqui é que para os tedlogos relacionais essa liberdade implica em independéncia quanto 4 vontade de Deus. Ou seja, os seres humanos esto livres da influéncia de qualquer determinacdo da parte de Deus. Nao ha nada que venha de fora do homem que interfira nas agdes que ele venha a realizar. A vontade humana é livre no sentido de que ela nao sofre qualquer inter- feréncia externa ou interna. Assim, para os tedlogos relacionais, 0 26 homem é capaz de determinar o seu proprio destino por suas préprias decisoes. Nada de fora ou de dentro dele pode determinar o seu destino. O ser humano, por causa disso, torna- -se senhor de si mesmo e do que lhe acontece. E Deus? Fica reduzido a um mero expectador, torcendo para que o homem tome decisées que estejam de acordo com Sua vontade. Ou, para usar a figura de Ron Highfield, “a semelhanca de um tocador de jazz, Deus improvisa, responde e Se ajusta quando Suas criaturas livres tomam decisées”. E importante notar aqui que o enten- dimento da teologia reformada calvinista quanto ao livre-arbitrio e a liberdade do homem. Apenas Adio teve livre-arbitrio. Apés a queda, o arbitrio (vontade) humano esta de tal modo influenciado pelo pecado que nao pode escolher livremente entre o bem e o mal. Se deixado 4 sua propria escolha, o homem seguira sua inclinagéo para o mal. As Escri- turas ensinam claramente que nascemos em iniqtiidade e em pecado (Sal. 51:5), que nos desviamos de Deus desde 0 ventre (Sal. 58:3), que por nascimento somos espiritualmente mortos e portanto incapazes de querer fazer 0 bem, muito menos escolhé-lo e realiz4-lo (Joao 3:5-7; Gén. 6:5; Gén. 8:21; Ecl. 9:3; Jer. 17:9; Mar. 7:21-23; Rom. 8:7-8; 1Cor. 2:14). Portanto, a liberdade libertéria é uma 27 iluséo, que procede de uma compreensao inadequada da depravagéo humana apés o pecado. Os tedlogos relacionais acabam sendo no minimosemi-pelagianos, isto é,acreditando que o pecado nAo afetou tanto assim o homem, a ponto de prejudicar-lhe a livre escolha moral. Os calvinistas, partindo da doutrina da depravacao total, entendem que nao existe mais livre-arbitrio, emborao homem continue responsavel diante de Deus por suas escolhas, como agente moral. Como diz Héber Campos: A teologia reformada enfatizaa nogao de liberdade humana, mas nao coma tonalidade libertaria. Ela trata da liberdade de agéncia, em que todos os homens sao responsaveis por seus atos, pois esses atos nunca sao feitos contra a vontade deles. Eles agem sempre porque querem e porque lhes agrada da forma que fazem. Eles nunca agem contrariamente as inclinagdes de seu ser mais interior, o coragao. E por causa do seu conceito libertario de liberdade que esses tedlogos (relacionais) negam plenamente certos principios do Teismo Classico.* 2. O Ser de Deus E aqui na doutrina de Deus que os tedlogos ‘Fides Reformata, vol. IX, n° 2, 2004. 28 relacionais se afastam mais e mais dos armi- nianos evangélicos e do cristianismo classico. O ponto central pode ser resumido dessa forma. Para que o homem seja realmente livre, no sentido explicado na seco anterior acima, Deus Se autolimitou a partir do momento em que criou o mundo. Ele é soberano, onipotente eoniscienteem Simesmo. Mas, soberanamente, Deus escolheu esvaziar-Se desses atributos para que pudesse ter um relacionamento genuino com 0 ser humano livre. Deus jamais poderia Se relacionar verdadeiramente com o ser humano se de alguma forma lhe impusesse qualquer tipo de influéncia, determinagdes ou vontade que o impedisse de agir livremente, da forma que quisesse. Por esse motivo, Deus abriu mao de Sua soberania, de Sua onisciéncia e de Sua onipoténcia. Como resultado, Ele Se tornou mutavel, vulneravel, desconhecedor do futuro e passivel de falhas e frustracdo. E por esse motivo que os defensores dessa teologia a chamam de relacional. O relaciona- mento com as Suas criaturas é tao importante que Deus resolveu Se anular e limitar por amor a elas. Todavia, nao encontramos qualquer trago desse auto-esvaziamento de Deus Pai na Biblia. O que encontramos é a kenosis, 0 auto-esvaziamento de Deus Filho, conforme Paulo descreve em Filipenses 2:5-11: 29 Tende em vés 0 mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, nao julgou como usurpag¢ao 0 ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhancga de homens; e, reconhecido em figura humana, asi mesmo se humilhou, tornando- -se obediente até 4 mortee morte de cruz. Pelo que também Deus 0 exaltou sobremaneira e Ihe deu o nome que esté acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terrae debaixo da terra, etoda lingua confesse que Jesus Cristo € Senhor, para gléria de Deus Pai. Aqui estamos em terreno seguro. Deus Filho encarnou, tornou-Se um de nds. Sem davida, motivado por amor a Seus eleitos, mas, acima de tudo, pela gléria do Pai. Esse é 0 tinico sentido em que as Escrituras falam do esvaziamentto, anulacao e limitagéo de Deus — quando a Segunda Pessoa da Trindade volun- tariamente assumiu a plena humanidade na Pessoa de Jesus Cristo. A idéia de Deus Pai ter aberto mAo de Seus atributos incomunicaveis e Se esvaziado de Seus poderes é completamente estranha a Biblia, que s6 conhece a humilha- cao de Deus Filho. Inferir das passagens em que Deus fala e age como se fosse homem, em que Ele € descrito em figuras da realidade terrena, como nuvens, fogo, arbusto, vento, etc., que o proprio Pai também se esvaziou é ir além do que as Escrituras nos autorizam. 30 Mas, insistem os tedlogos relacionais, Deus de fato Se anulou. E essa auto-anulacgao afetou Seus atributos, conformeacreditam eles, especialmente a Sua soberania, Sua onisciéncia, Sua onipoténcia e Sua imutabilidade, 4 excegao de Seu amor, 0 maior de todos 0s atributos. a. A Soberania de Deus Os tedlogos relacionais nfo negarao que Deus é soberano, mas dar4o outra interpreta- Gao a esse conceito. Para eles, Deus exerceu a sua soberania quando escolheu conceder as Suas criaturas uma liberdade genuina, plena, no sentido libertdrio. Essa foi uma escolha soberana de Deus, que ao fazer isso, limitou a Sua proépria liberdade e vontade. Deus esco- Iheu soberanamente dar plena liberdade ao homem para que eles participem com Deus da criagéo de um futuro aberto, nao um futuro determinado como créem os reformados calvinistas. Assim, Deus desistiu de ter controle completo das decisées que séo tomadas. Ele abriu m4o de Sua soberania por causa do livre- -arbitrio humano. E nisso que residea soberania de Deus, nao em determinar o futuro, mas em deixar que ele seja determinado pelas escolhas humanas. Ou seja, ao final, a soberania é do homem, com sua plena liberdade e total inde- pendéncia da vontade de Deus. 31 Assim, nao existe nada determinado. Nao existe historia ja feita e escrita. A histéria, para os tedlogos relacionais, nao € a realizacéo no tempo de um plano estabelecido soberana- mente por Deus desde a eternidade. A histéria esta sendo construida no presente pelas agdes e decisdes das pessoas, chamadas de artesaos e engenheiros do futuro. O futuro é totalmente aberto e imprevisivel. Para eles, se a histéria ja esta determinada, entao a liberdade humana é uma ilusdo cruel. Portanto, a conclusdo é que Deus nao conhece o futuro, visto que o mesmo ainda nao aconteceu. As Escrituras, entretanto, nos ensinam a absoluta soberania de Deus, nao uma sobera- nia limitada por causa da liberdade humana. Elas nao apenas ensinam que Deus predes- tinou os que quis para a salvacao, mas que todos os eventos, grandes ou pequenos, acontecem como o resultado da Sua vontade e de Seus decretos. Deus reina sobre os céus e a terra com absoluto controle e nada acontece fora do seu eterno propésito (cf. 1Crén. 29:10-12). Nenhum dos seus planos pode ser frustrado (J6 42:1-2); antes, ele faz o que lhe apraz (Sal. 115:3,6; Dan. 4:35) e 0 que ele determina vem infalivel- mente a acontecer (Is. 14:24,27). E exatamente Sua soberania absoluta que o faz ser Deus, diferente dos deuses pagaos (Is. 46:9-11). Sua palavra nunca retorna para Ele vazia, mas 32 cumpre todo o Seu propésito (Is. 55:11). Nada Lhe é impossivel (Jer. 32:17; Mat. 19:26). Deus nao precisa abrir mao de Sua soberania para se relacionar de maneira amorosa, verdadeira e significativa com o homem. Alias, é somente porque Ele € o que é — soberano, que esse relacionamento vale a pena. O deus da Teolo- gia Relacional é totalmente diferente do Deus da Biblia. b. A Onisciéncia de Deus Conformea Teologia Relacional, por causa da Sua autolimitagéo e do esvaziamento de Sua soberania, Deus sé conhece o que ja se passou € 0 que estd acontecendo no presente. As coisas futuras, que aconteceréo mediante atos livres de Suas criaturas, 4s quais Ele concedeu plena liberdade, Lhe sao desconhecidas. Deus nao sabe que alternativas eles escolherao. O futuro é ainda indefinido. Portanto, nao se pode dizer que Deus conhece o futuro e que seja onisciente. Em resumo, como coloca Héber Campos, para a Teologia Relacional: 1) O conhecimento que Deus tem de todas as coisas nao é estabelecido na eternidade; Ele aprende com o tempo, jd que esta dentro dele com o homem. 2) A Sua presciéncia nao é exaustiva, porque Ele Se autolimita; o conhecimento que Deus tem do futuro nao se devea Sua antevisao, mas a previsOes 33 baseadas em Seu vasto conhecimento da humanidade. 3) O futuro no esta totalmente seguro. Ele esta abertoe pode tomar direcées inesperadas, mesmo para Deus, pois depende das escolhase alternativas a serem tomadas pelos homens.° E aqui quea Teologia Relacional vai muito mais além do arminianismo evangélico classico. Num certo sentido, podemos dizer que os defensores da Teologia Relacional sao armi- nianos coerentes, que levaram as teses do arminianismo 4s Ultimas conseqiiéncias logicas. Os arminianos classicos sempre defenderam o pleno livre-arbitrio do homem sem negar que Deus conhece o futuro. Alias, eles precisam enfatizar que Deus conhece o futuro, pois é dessa forma que explicam os textos biblicos sobre a predestinacdo. De acordo com eles, Deus anteviu na eternidade a deciséo daquelas pessoas que futuramente haveriam de livremente escolher crer em Cristo e entao os predestinou para a salvagao. Portanto, no arminianismo classico, a pre- destinagao é resultado da presciéncia de Deus e nao de um decreto soberano de Sua vontade. Pois se Deus decreta quem vai ser salvo, 0 homem no é livre para escolher. 5 Fides Reformata, vol. IX, n° 2, 2004, p. 38. 34 Os tedlogos relacionais perceberam que transformar a predestinagéo em presciéncia, como os arminianos sempre fizeram, nao era suficiente para garantir a liberdade do homem. Pois se Deus conhece de antemao as decisdes humanas, elas ainda nao sao decis6es livres. Se Deus sabe qual decisaéo tomarei daqui a dez minutos, essa deciséo nao mais € uma decisao livre, pois ja € conhecida por Deus. Assim, entenderam que tinham de ir mais longe e negar nao somente a soberania de Deus, como também Sua presciéncia e onisciéncia. Partindo desse ponto, fizeram uma refor- mulagéo completa da doutrina classica de Deus, mantendo termos teolégicos como soberania, onipoténcia e onisciéncia, mas redefinindo-os quanto ao contetido. Essa redefinigaéo teve como objetivo salvaguardar a todo custo a liberdade plena e a autonomia do homem quanto a Deus. Acharam que era preferivel sacrificar a soberania, a onisciéncia e a onipoténcia de Deus do que de alguma forma limitar a liberdade humana. E bom lembrar que o arminianismo classico nunca negou a onisciéncia divina. Conforme Valdeci Santos afirma, Arminio escreveu de certa feita: Oquarto decreto, salvar certas pessoas em particular e condenar outras, baseia-se na presciéncia de Deus. Pois Deus sabe desde a eternidade quais 35 pessoas deveriam acreditar de acordo com administragao dos meios que servirao ao arre- pendimento ea fé por meio da graca precedente e quais deveriam perseverar por meio da graca subseqiiente e também quais nao deveriam nem crer nem perseverar.® Nao é de se admirar que muitos lideres arminianos se opuseram as idéias da Teologia Relacional quando estas comegaram a ser ven- tiladas nos circulos evangélicos brasileiros. Na verdade, nao se trata de uma discussao entre arminianos e calvinistas, como os lideres da Teologia Relacional por vezes tém tentado fazer parecer, mas entre a Teologia Relacional e os arminianos e calvinistas, entre os que negam a onisciéncia de Deus e os que a afirmam. Nao pode haver qualquer divida, para os que tém apreco pela Biblia, que o Deus que Se revelou nela conhece todas as coisas, inclusive decisdes humanas que ainda nao foram toma- das (1 Sam. 23:10-12). O Seu conhecimento das coisas que ainda nao aconteceram é o que faz distinto dos deuses pagaos (Is. 42:9; Is. 44:6-9; 46:9-11; 48:5-8). E por esse motivo que os profetas podiam prever o futuro com exatidao, pois Deus lhes revelava Seus planos e Sua vontade (Is. 45:11-13; Dan. 2:28-29). Oscristaos sabem que Deus conhece suas oragdes antes 6 Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2007, p. 35. 36 mesmo que elas saiam de seus labios (Mat. 6:8) e descansam quanto 4 vida eterna sabendo que Deus, desde a eternidade, os conheceu e pre- destinou (Rom. 8:28-29; 1 Ped. 1:2). O deus relacional é bem distinto daquele adorado por Davi: “Os teus olhos me viram a substancia ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sal. 139:16). ce. A Onipoténcia de Deus O ensino da Teologia Relacional de que Deus Se autolimitou ao criar o ser humano com plena liberdade afeta também a Sua onipoténcia. Os cristéos sempre afirmaram que Deus € 0 Todo-Poderoso, que faz com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que o amam (Romanos 8:28). Isso inclui os males temporais — como doengas, desemprego, catastrofes naturais — e até os males morais. Ao mesmo tempo, de uma forma que nao sabe- mos explicar, Deus nao é responsdvel pelo pecado e pela perversidade que existe no mundo. A Teologia Relacional tenta resolver o problema da teodicéia, isto é, da existéncia do mal em um mundo governado por um Deus bom e todo-poderoso, simplesmente negando Seu poder e capacidade para impedir o mal. Enquanto que os reformados confessam que a 37 origem e a permanéncia do mal no mundo é um mistério da soberana vontade de Deus, e que Deus usa inclusive o mal para a promocdo do bem final, os tedlogos relacionais tentam achar uma saida logica para o dilema afirmando que o mal que existe no mundo é resultado somente de forcas humanas e naturais sobre as quais Deus nao tem poder determinativo ou inibidor. Veja o que disse Bruce Ware, citado por Héber Campos, sobre esse assunto: Quando a tragédia entra em sua vida, por favor, nao pense que Deus tem alguma coisa a ver com ela! Deus nao quer que a dor e o sofrimento aconteg¢am, e quando estas coisas acontecem Ele Se sente tao mal sobre isso quanto aqueles que estao sofrendo. E nao pense que, de algum modo, essa tragédia deva cumprir algum bom propésito final. Pode muito bem naocumprir! O malacontece todas as vezes que Deus nao deseja, e freqiien- temente ele nao serve para qualquer bom propésito. Mas quandoa tragédia realmente ocorre, podemos confiar que Deus est4 conosco e nos ajuda a reconstruir 0 que foi perdido. Afinal de contas, de uma coisa sabemos com certeza, e esta é que Deus éamor. Assim, embora Ele nao possa impedir que os muitos males acontegam, ele estara conosco quando os males acontecerem.’ Ou seja, ele tenta “livrar a pele de Deus” argumentando que Ele simplesmente nao pode * Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2007, p. 35. 38 fazer coisa alguma a nao ser lamentar, sofrer e ajudar a recomecar. Foi exatamente a mesma coisa que Ricardo Gondim escreveu por ocasido do tsunami que varreu a costa da Asia em 2004: Nao, Ele nao péde evitar a catastrofe asidtica. Assim, sinto que a morte de milhares de pessoas, machucou infinitamente mais 0 coracaéo de Deus do que o meu — o sofrimento € proporcional ao amor. O pouco que conheco sobre Deus e sobre Seu carater me indica que ha muitas lagrimas no céu.® Em outras palavras, quando Deus sobe- ranamente Se esvaziou e criou seres humanos totalmente livres para tomar decisdes em qualquer diregao, Ele estava, na verdade, correndo um grande risco. Esse risco é 0 de nao ver as coisas que Ele gostaria que acon- tecessem, de ver as criaturas morais que Ele criou usarem da sua liberdade para ir contra o que o proprio Deus desejava e queria que ocorresse, e de ver a natureza que Ele criou se levantar em catastrofes descontroladas, as quais Ele nao pode prever e muito menos evitar. Em que, entéo, Deus é onipotente? Segundo os tedlogos relacionais, a onipoténcia * Asia— Quem Deus ouviu primeiro?, R. Gondim. 39 de Deus, 4 semelhanga de Sua soberania, con- siste apenas no poder de criar criaturas livres e independentes, que escrever4o a hist6ria e determinarao o futuro. Essa visdo é completamente oposta ao que a Biblia nos ensina sobre Deus. Para comegar, um dos Seus titulos mais comuns é 0 “Todo- -Poderoso,” El-Shaddai em hebraico, que foi traduzido na Septuaginta como pantokrator, aquele que tem todo o poder e mais tarde na Vulgata como omnipotens, donde vem nosso termo em portugués, “onipotente” (cf. Gén. 17:1; 28:33 35:11; 43:14; 48:3; 49:25; Ex. 6:3; Num. 24:4, 16; Rute 1:20s; Jo 5:17; 6:4,14; 8:3,5; 11:7; 13:33 15:25; 21:15,20; 22:3,17, 23,25s; 23:16; 24:1; 27:2, 10s, 13; 29:55; 31:2, 35; 32:8; 33:4; 34:10, 12; 35:13; 37:23; 40:2; Sal. 68:14; Is. 13:6; Ez. 10:5; Joel 1:15; Mat. 26:64; Mar. 14:62; Luc. 22:69; 2 Cor. 6:185 Apoc. 1:8; 4:8; 11:17; 15:3; 16:7, 14; 19:6,15; 21:22). Nao ha absolutamente nada na Biblia que sugira que o poder de Deus é limitado. d. A Imutabilidade de Deus Os tedlogos relacionais também nao negaraéo que Deus é imutavel. Todavia, para eles, a imutabilidade de Deus consiste em que Ele néo muda em Sua esséncia, enquanto que reavalia e muda em Suas experiéncias, emogoes eacées. Veja o que disse Richard Rice, um dos 40 defensores da Teologia Relacional, citado por Héber Campos: As intengdes de Deus nao sao absolutas e invaridveis; Ele nao decide irrevogavel e unilateralmente o que fazer. Quando Deus deli- bera, Ele evidentemente leva em conta uma variedade decoisas, inclusiveas atitudes e respostas humanas. Uma vez que Ele formula os Seus planos, eles ainda esto abertos a revisao.? Resumindo, a citagéo abaixo de Bruce Ware, também citado por Héber Campos, sintetiza muito bem o que pensam os tedlo- gos relacionais sobre esse auto-esvaziamento de Deus. Trata-se de um apelo que acaba encontrando abrigo no coragado de muitos arminianos despreparados e desavisados. Deus é um Deus de amor e como tal Ele respeita vocé e seus desejos. Ele nao é aquele que “for¢a” a sua passagem sobre outro. Assim sendo, Deus no esta interessado em planejar o seu futuro em seu lugar, deixando que vocé dé uma palavra naquilo que vocé faz com sua vida! Nao, na verdade muita coisa do seu futuro ainda nao est4 planejada, e Deus esta esperando que vocé tome as suas decisGes e escolhao seu curso de acao de forma que Ele saiba como fazer melhor os Seus préprios planos. Naturalmente Ele quer que vocéO consulte no processo, embora 0 que vocé decidir é sua * Fides Reformata, vol. IX, 2004, p. 50. 4l escolha, nao dEle. O que Deus quer é que vocé e Ele trabalhem juntos tragandoo curso de sua vida. E vocé pode estar certo de que Ele fara tudo o que estiver em Seu poder para ajuda-lo a ter a melhor vida que lhe seja possivel.'” Os tedlogos relacionais denunciam que a concepcao da imutabilidade de Deus adotada pela cristandade desde seus primérdios nao é biblica. Ela fot corrompida pelos grandes tedlogos e concilios cristaos que elaboraram no inicio da histéria da Igreja as suas principais doutrinas e depois ratificada pelas grandes Confissdes reformadas. Segundo os tedlogos relacionais, o Deus da teologia crista classica € distante, fixo e imével, e por conseguinte, apatico, insensivel e impassivel diante do sofrimento humano. Nao podemos deixar de admitir que formulacées teoldgicas acerca do ser de Deus sempre serao deficientes pela propria natu- reza do Seu ser e pelas limitagdes da nossa linguagem. Algumas podem até mesmo ser inadequadas e abertas a compreensdes equi- vocadas. Como por exemplo, a formulacao da Confissao de Fé de Westminster sobre Deus, que diz que Ele é «um espirito purissimo, invisivel, sem corpo, 1 Fides Formata, vol. IX, n° 2, 2004, p. 44. 42 membros ou paixées; é imutavel, imenso, eterno, incompreensivel, onipotente, onisciente, santissimo, completamente livre e absoluto... Os conceitos de inércia, apatia e insensi- bilidade nao aparecem nessa formulagdo e seria um erro tentar 1é-los nas entrelinhas. Dificilmente os tedlogos de Westminster teriam adotado essa visao. Existe uma diferenga muito grande entre imutabilidade e insensi- bilidade. Além disso, lembremos que estamos falando de um ser que consegue ser imutavel e sensivel ao mesmo tempo, soberano e res- peitador da vontade de suas criaturas. O Deus da Biblia Se revelou como “Eu Sou o que Sou” (Ex. 3:15), Aquele que é, erae ha de vir (Apoc. 1:8; 21:6), que nado muda com os anos (Sal. 102:25-27; Mal. 3:6),arochaeterna (Is. 26:4; Deut. 32:4) que nao Se arrepende do que faz (Nim. 23:19; 1 Sam. 15:29). O conselho de Deus permanece firme; Seu intento certa- mente sera cumprida (Deut. 32:39; Sal. 33:115 Is. 43:13). Nao ha como reinterpretarmos essas passagens de forma a aceitarmos que Deus muda Seus planos, intengdes e que realmente Se arrepende do que fez, como se nao soubesse de antem4o os resultados de Suas agoes. Muitas das expressdes biblicas que falam do arrependimento de Deus, de Suas mudan- cas de planos e de Suas emogoes e sentimentos, 43 quando analisadas no contexto em que apare- cem e levando-se em contra o ensino total das Escrituras, s4o claramente entendidas como manifestagdes de Deus 4 semelhanga do homem, para poder ser entendido. Elas podem ser consideradas como adaptag6es e acomo- dagoes da linguagem biblica, naquilo que se costuma chamar de antropopatismos. Da mesma forma que a Biblia fala de Deus como se Ele fosse um ser humano, tendo olhos, pés, m4os, boca e ouvidos — antropomorfismos — ela também emprega o mesmo tipo de linguagem quanto as atitudes e sentimentos de Deus. Se os tedlogos relacionais vao tomar lite- ralmente os antropopatismos deveriam também, por coeréncia, tomar literalmente os antropomorfismos. Se Deus Se arrepende e muda de idéia, Ele também tem coragao (literal), olhos que choram Seu arrependimento e ouvidos (literais) que ouvem, impotentes, clamor dos aflitos. Mas, nao o fazem, pois evidente que essa linguagem é figurativa. Todavia, essa constatagdo nao nos deveria levar a pensar em Deus como absolutamente imével, fixo, apatico, impassivel, insensivel. O que precisamos admitir é que de uma maneira que nao conseguimos formular dentro da convencao de nossa logica, Deus é perfeitamente imutavel e completo ao mesmo oO oO 44 tempo em que é capaz de agir e sentir. E preciso ainda admitir que as emogoes de Deus nao sao exatamente idénticas as nossas. Nossas emocées sao fruto de nossa natureza humana, que além de limitada, é pecaminosa. A resolucao desse quebra cabecas esta longe de ser encontrada, e n4o vai ser negando a imu- tabilidade de Deus, tao claramente ensinada na Biblia, que os tedlogos relacionais vao sair dessa encruzilhada. e. O Amor de Deus Para os tedlogos relacionais, 0 atributo mais importante e fundamental de Deus é 0 amor. Todos os demais estéo subordinados a este. Para eles, o amor é a esséncia da realidade divina, a fonte basica da qual se originam todos os atributos de Deus. Eles entendem Deus exclusivamente como sendo um Pai que Se preocupa, com atributos de amor e receptividade, generosi- dade e sensibilidade, abertura e vulnerabili- dade, que Se aventura no mundo, reage ao que lhe sucede, Se relaciona com os homens e interage dinamicamente com eles. Isto significa que Deus é sensivel e Se comove com os dramas de Suas criaturas. Foi por amor que Deus resolveu entrar em um relacionamento genuino e significativo com Suas criaturas, e com esse fim, Se autolimitou 45 e auto-esvaziou de Seus atributos, conforme vimos acima. Entretanto, ao declarar que o atributo mais importante de Deus é 0 amor, a Teologia Relacional perde o equilibrio entre as quali- dades de Deus apresentadas na Biblia, dentre as quais o amor é apenas uma delas. E impossivel negar que Deus é amor. Todavia, afirmar somente isso é ficar aquém da revelacao biblica como um todo. Pois Deus também é verdade, justiga, luz e santidade. Esse erro foi cometido por outros no pas- sado. Varios tedlogos, filésofos e estudiosos defenderam um ou outro atributo mais importante em Deus, como por exemplo, Duns Scotus (infinitude), Gordon Clark (asseidade), Cornelius Jansenius (veracidade), Saint-Cyran (onipoténcia), Socinianos (vontade), Hegel (razao), Jacobi, Lotze, Dorner e outros (personalidade absoluta) e Ritschl (amor). Outros, mesmo nao apontando um atri- buto mais importante como os acima, puseram énfase em um unico atributo de Deus, como Barth sobre “amor na liberdade”, Buder e Brunner na “pessoa”, e Moltmann na “futuri- dade”. Quando, por exemplo, os tedlogos relacionais destacam o amor de Deus acima de Sua onisciéncia, estao cometendo o mesmo erro que outros tedlogos ja fizeram antes deles, 46 com outros atributos de Deus. Nao podemos negar de forma alguma que Deus é sensivel e Se comove com Suas criaturas. N4o poderia ser diferente, diante da revelacao biblica. O nao podemos € tomar a sensibilidade, a ternura e o amor de Deus para anular Sua onisciéncia, Sua onipoténcia, Sua imutabilidade e Sua soberania, todos igual- mente revelados na mesma Biblia. 3. A Suposta Influéncia Grega na Teologia Crista Os defensores da Teologia Relacional alegam que estao agindo para resgatar a dou- trina biblica de Deus, a qual foi corrompida pelos Pais da Igreja e pelos Concilios que definiram as grandes doutrinas basilares da cristandade nos seus primeiros séculos. Essa corrup¢4o aconteceu através de mestres e doutores que tinham idéias neo- platénicas. O neoplatonismo é uma filosofia religiosa que surgiu cerca de 240 anos antes de Cristo, baseada nas idéias da filosofia do pensador grego Plato. Para os neoplaténicos, o maior bem se relaciona a Deus, que é total- mente transcendente e espiritual. Deus é 0 principio nico e absoluto de todas as demais coisas. O principal] acusado de ter trazido idéias 47 neoplaténicas para dentro da teologia crista é Agostinho de Hipona, um dos mais influentes tedlogos e fildsofos cristéos, que havia sido neoplaténico antes de sua converséo ao cristianismo. Essa acusagaéo é uma versao requentada daquela dos liberais do século XVIII e mais tarde dos neo-ortodoxos. Segundo os tedlogos liberais, neo-ortodo- xos e relacionais, Agostinho teria usado como moldura de seu raciocinio teoldgico concep- gGes gregas que acabaram por afetar a idéia de Deus. Uma das principais distorgées foi quando a Sua imutabilidade, conforme vimos acima. A semelhanga dos neoplaténicos, Agostinho cria em Deus como transcendente, o Unico, totalmente imutavel. E como o Ideal Perfeito de Platéo, Deus nao podia mudar, pois entéo deixaria de ser perfeito. Foi essa crenga que levou Agostinho a falar de Deus como imutavel, fixo, insensivel, separado do mundo, atemporal. Essa forma de imutabi- lidade, dizem os tedlogos relacionais, sobreviveu como se fosse a concepg¢ao biblica e ortodoxa até hoje. Deus passou a ser concebido como imével, fixo, distante, tendo ja determinado tudo que acontece, sem jamais mudar de idéia, planos ou intengdes, sem ter emogoes, e relacionando-Se de maneira fria e distante com o ser humano que havia criado. Algo completamente ao 48

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