TEOLOGIA
RELACIONAL
Suas origens
Seus ensinos
Suas consequéncias
Augustus Nicodemus Lopes
fs
PUBLICACOES EVANGELICAS SELECIONADAS
Caisa Postal 1287 — 01059-970 - Sao Paulo, SP
www.editorapes.com.brContetido
APTeSENtACHO vs sesesesseeseeseeseeeseceeseeneees 5
Introdugaéo
I. Raizes Historicas ..
1. A Filosofia Grega .
2. Arminianismo . .13
3. Socinianismo ...... . 16
4. Teologia do Processo . .
5. Teismo Abert0 on. ccsssssesessesseeee 22
Il. As Principais Idéias da Teologia
Relacional
1. Liberdade Libertaria .
2. O Ser de Deus
a. A Soberania de Deus .
b. A Onisciéncia de Deus .........
c. A Onipoténcia de Deus.........
d. A Imutabilidade de Deus.....
e. O Amor de Deus...
3. A Suposta Influéncia Grega na
Teologia Crista...
III. Avaliagao....
Conclusao... sees
Obras Citadas ....ccseessssestesseeseseeneseeaeeApresentagao
Foi com plena consciéncia das minhas
limitagGes que aceitei o desafio do irmao Bill
Barkley de escrever, de forma resumida e facil
de ler, uma descrigo e andlise das principais
idéias da Teologia Relacional, movimento que
apés um inicio conturbado e polémico nos
arraiais brasileiros, retraiu-se, contudo, néo antes
de espalhar suas sementes sabe-se 14 aonde.
Muitos ainda indagam acerca deste movi-
mento e da polémica que ele acendeu. Dai a
necessidade deste pequeno livro, escrito espe-
cialmente para aqueles que nao estéo muito
familiarizados com a linguagem e os conceitos
teoldégicos.
O autor deste optisculo é devedor ao que
escreveram Héber Campos, Valdeci Santos,
John Piper, John Frame e outros autores cujas
obras estao citadas no final. Simplesmente li
novamente parte dessas obras e procurei sin-
tetiz4-las aqui, entremeando os conceitos com
minhas pr6prias observagées. Sou também
devedor a Russell Shedd, Luiz Alberto Sayao,
Eros Pasquini, Norma Braga e outros autores
evangélicos, cujas declaragdes contrarias 4
Teologia Relacional por meio de e-mails, blogs,
5entrevistas e artigos, me forneceram informa-
des e idéias. Nao preciso ainda dizer que estou
familiarizado com as fontes primérias, com os
escritos dos principais proponentes da Teolo-
gia Relacional no Brasil e no exterior.
O que o leitor tem em maos é uma modes-
tissima contribuigéo para este assunto polé-
mico. Existem no mercado obras completas e
detalhadas que tratam do mesmo com quase-
-exaustao. A presente obra almeja apenas
servir de introdugdéo aos que desejam se
aprofundar no assunto.
Se conseguirmos que 0 leitor entenda os
principais pontos da Teologia Relacional e os
motivos pelos quais devemos rejeité-la, este
optsculo tera cumprido a sua missao.
Sao Paulo, janeiro de 2008.
Augustus Nicodemus Lopes, Ph.D.
Pastor Auxiliar da Igreja Presbiteriana
de Santo Amaro/SPIntrodugao
A Teologia Relacional chegou faz pouco
tempo ao Brasil, trazida por lideres evangélicos
arminianos que, a principio, nao manifestaram
abertamente sua aderéncia a essa suposta novi-
dade teol6gica. Embora 0 fato seja negado por
seus lideres maiores, a Teologia Relacional é
idéntica nos pontos principais ao Teismo
Aberto, movimento que surgiu nos Estados
Unidos em décadas passadas, cujos defensores
sao em maior ntimero e j4 assumiram aber-
tamente suas perspectivas.
A reacao da maioria do ptiblico evangé-
lico brasileiro foi de desconfianca e rejeicaéo
quando as idéias da Teologia Relacional
comegaram a ser publicadas, especialmente a
idéia de que Deus nao conhece o futuro e que,
na verdade, esta construindo no presente esse
futuro com base nas decis6es livres dos homens
— decisées essas que Ele nao conhece de
antemao.
Creio que hd varias razdes para a Teologia
Relacional nao ter conseguido aceitagéo ampla
entre os evangélicos, mesmo entre os armi-
nianos. Menciono algumas delas.Primeira, embora as diferentes denomi-
nacgoes evangélicas e as linhas teolégicas nelas
contidas divirjam em muitos aspectos,
arminianos e calvinistas, batistas, pentecostais
e presbiterianos ainda aderem as grandes
verdades histéricas do cristianismo. A onis-
ciéncia de Deus é uma delas. Portanto, todas
essas denominagées e linhas teoldégicas se
sentiram atingidas.
Segunda, logo que os defensores da Teolo-
gia Relacional sairam do armario para declarar
abertamente as suas crencas usando a Internete
blogs, foram enfrentados por dezenas de
blogueiros conservadores que responderam,
comentaram e questionaram as posic6es
colocadas nos blogs relacionais. Travou-se
uma intensa disputa teolégica na chamada
“blogosfera,” com dezenas de novos blogs
sendo abertos, tomando partido contra ou a
favor da Teologia Relacional. Apés acalorado
periodo de discusséo, os tedlogos relacionais
recuaram efecharam seus blogs—oupelo menos,
0s mais importantes.
Terceira, muito cedo as editoras evangéli-
cas puseram no mercado livros que combatem
claramente o Teismo Aberto ou Teologia
Relacional. O primeiro foi da Editora Vida,
Teismo Aberto, do batista reformado John
Piper. A Vida é uma editora pentecostal e o
prefacio foi escrito por um pastor metodista.Depois, a Cultura Crista colocou no mercado
dois novos titulos, Nao Sei Mais em Quem
Tenho Crido, uma coletanea de artigos de R. C.
Sproul, John MacArthur e outros, organizada
por Douglas Wilson, e Nao Ha Outro Deus por
John Frame, pastor presbiteriano. Todas essas
obras exp6em as idéias formadoras dos con-
ceitos da Teologia Relacional ou Teismo Aberto
econfrontam essas idéias com os ensinamentos
biblicos, chegando 4 conclusao de que se trata
de um desvio fundamental do conceito biblico
sobre Deus. Além desses livros, é importante
mencionar, como ja foi dito na apresentacao, os
artigos de Héber Campos “O Teismo Aberto:
Um Ensaio Introdutério” e de Valdeci Santos,
“A Teologia Relacional,” ambos na revista
Fides Reformata.
Quarta, a rejeicdo da Teologia Relacional
por uma parte significativa da denomina¢ao
de um dos seus maiores defensores, levando a
uma ciséo com saida de pastores e igrejas, foi
uma espécie de balde de agua fria no movi-
mento, fazendo com que seus lideres optassem
por uma postura de menor visibilidade e
retragao, pelo menos por enquanto.
De qualquer forma, as idéias da Teologia
Relacional foram langadas como sementes no
meio evangélico e ainda nao se sabe qual o seu
futuro. Espera-se somente que nao dé frutos.
Dada a radicalidade das idéias da TeologiaRelacional e a influéncia de seus proponentes
no Brasil, nao custa colocar nas m4os dos leitores
evangélicos mais material sobre o assunto.I. Raizes Histéricas
A Teologia Relacional nao é uma teologia
nova, uma espécie de progresso e avancgo em
nosso conhecimento de Deus e do homem. Na
verdade, ela é uma apresentacgéo requentada
de varias idéias antigas, conhecidas da Igreja
Cristé, algumas delas inclusive condenadas
como heréticas. O que ela tem de novo é que
virou um movimento teolégico composto de
escritores e tedlogos, primeiro nos Estados
Unidos, e depois aqui, unidos em torno dos
pontos comuns e dispostos a persuadir a
Igreja Crista a abandonar seu conceito tradi-
cional de Deus e a convencé-la que esta “nova”
visio de Deus é evangélica e biblica.
Entre as influéncias formadoras da teolo-
gia Relacional mencionamos o arminianismo,
0 socinianismo e a Teologia do Processo.
1. A Filosofia Grega
Em nossa busca pelas influéncias for-
madoras da Teologia Relacional, podemos
comecar bem longe, com a filosofia grega. E
aqui temos um ponto de ironia: os teélogos
relacionais acusam os cristéos tradicionais de
Ilterem sido influenciados pela filosofia grega
em sua concepgao de Deus, quando na verdade,
eles foram muito mais influenciados.
Os filésofos gregos levantaram muitas
perguntas de natureza vital, como a origem de
todas as coisas, a natureza do universo e assim
por diante. Eles especularam praticamente
sobre tudo. Algumas das idéias da Teologia
Relacional tém uma impressionante seme-
Ihanga com as especulagées filosdficas dos
gregos.
A primeira é o livre-arbitrio libertério. Na
filosofia grega, encontramos desde os mais
antigos fildsofos a idéia de que o arbitrio
humano € completamente independente de
forcas externas e internas e, portanto, total-
mente livre em tomar decisdes. Isso ocorre
porque o mundo e a hist6ria séo governados
pelo acaso.
Segunda, a limitacao de Deus. Na filosofia e
na mitologia gregas encontramos igualmente
0 conceito da limitagao dos deuses. Os deuses
da mitologia grega, cantados na Odisséia e na
Iliada de Homero, s40 concebidos como seres
finitos e limitados, que nao governam o mundo
de acordo com sua vontade, mas espreitam os
homens e suas decis6es, intervindo algumas
vezes. Os deuses dos fildésofos gregos nao séo
seres pessoais e com planos e propésitos, mas
principios impessoais, limitados pelo mundo,
12por vezes destacados e distantes deles, como o
Demiurgo de Platao ou o “Primeiro Movedor”
de Aristételes.
Terceira, 0 conceito de um futuro aberto e
indeterminado. Na filosofia grega encontramos
aidéia de um mundo aut6nomo, funcionando
por si mesmo, jd que nao havia deuses que
determinassem seu curso, e visto que as deci-
soes humanas eram imprevisiveis.
Essas idéias acima podem ser encontradas
em filésofos como Tales, Epicuro, Platao e
Aristételes, para mencionar alguns.
Aqui nos lembramos das palavras de
Paulo acerca dos filésofos e inquiridores da sua
época, que nunca realmente chegaram ao
verdadeiro conhecimento de Deus através do
seu raciocinio e argucia:
..esta escrito: destruirei a sabedoria dos sabios €
aniquilarei a inteligéncia dos instruidos. Onde
est4 o sdbio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor
deste século? Porventura, nao tornou Deus louca
asabedoria do mundo? (1 Cor. 1:19-20).
2. Arminianismo
A maior influéncia na Teologia Relacio-
nal, sem divida, é 0 arminianismo. Podemos
afirmar inclusive que ela é um desenvolvi-
mento légico do arminianismo, ou ainda,
o arminianismo levado 4s suas Gltimas
13conseqtiéncias. Alguns dos principais
defensores da Teologia Relacional declaram
abertamente que tém uma divida para com a
tradigao metodista wesleyana, que é clara e
explicitamente arminiana.
Para nossos leitores que nao estado familia-
rizados com 0 termo “arminiano”, lembramos
que se trata de uma leitura da Biblia baseada
na interpretacao de Jacé Arminio (1560-1609),
holandés, professor de teologia, e de seus
seguidores, chamados de Remonstrantes. Em
linhas gerais, Arminio desejava defender o
pleno livre-arbitrio do ser humano diante da
soberania de Deus. Seus seguidores formula-
ram uma compreensao do plano de salvagao
que incluia os seguintes pontos: (1) O pecado
de Adio afetou sua descendéncia, mas nao ao
ponto de anular o livre-arbitrio. Os homens
sao pecadores, mas ainda podem escolher
livremente entre o bem eo mal; (2) Deus nunca
predestinou ninguém para a salvacao ou per-
digéo; quando a Biblia usa termos como
“predestinacao” e “eleigéo”, os mesmos devem
ser entendidos como presciéncia de Deus,
Seu conhecimento antecipado daqueles que
haveriam de crer em Jesus Cristo; portanto, a
eleigdéo de Deus é condicionada a fé do homem;
(3) Cristo morreu na cruz por todos os homens,
para dar a cada um deles a oportunidade do
perdao de pecados quando escolherem a
14Cristo pela fé; os que se recusarem a crer em
Cristo, seréo condenados ao inferno eterno,
mesmo que Cristo tenha pago o prego pelo
pecado deles; (4) O homem pode usar seu
livre-arbitrio para resistir ao chamado do
evangelho. Ele pode dizer “nao” reiteradas
vezes As intengdes de Deus de salvé-lo e per-
der-se para sempre, contrariando a vontade de
Deus; ou seja, Deus pode desejar salvar
alguém, mas esse desejo pode ser frustrado
pela recusa do homem; (5) Os que escolheram
crer em Cristo e foram perdoados e salvos,
eventualmente podem tomar uma decisao
contraria, voltar atras e cair da graca salvadora,
e se perder para sempre.
O ponto central do arminianismo € que a
salvagéo depende da decisio humana. E o
homem, com seu livre-arbitrio, quem decide
o seu futuro e, portanto, o futuro da raca
humana. A salvac4o foi preparada por Deus
mas ela sé é eficaz se o homem decidir aceita-la.
A Teologia Relacional concorda com
praticamente todos os pontos da interpreta-
cao arminiana da salvacgéo com excecao
daquele que fala da presciéncia de Deus, que
Deus anteviu a escolha dos que haveriam de
ser salvos. Isso veremos em mais detalhes adi-
ante. O que precisa ficar claro aqui é que a
Teologia Relacional é fruto do arminianismo,
uma espécie de desenvolvimento légico do
1Smesmo. O que tem impedido os arminianos
evangélicos de chegarem ao ponto de negar a
onisciéncia de Deus é que, mesmo de forma
incoerente, a sustentam lado a lado com o
livre-arbitrio humano. Por uma ironia pro-
videncial, é essa incoeréncia que os tém
mantido dentro dos parametros do cristia-
nismo evangélico. Os arminianos que
abracaram a Teologia Relacional deixaram
para tras o arminianismo evangélico classico,
romperam esses limites e experimentam a
rejeigao nao somente dos calvinistas, como
também dos préprios arminianos.
3. Socinianismo
Esse é 0 nome que se da a outra corrente
teolégica do século XVI originada nas idéias
dos italianos Lélio Socinio (1525-1562) e seu
sobrinho Fausto Socinio (1539-1604). Esses
tedlogos negavam em seus escritos a deidade de
Cristo, Sua morte vicdria na cruz e a imputacao
da Sua justica aos pecadores arrependidos. Suas
idéias eram tao heréticas que foram condenadas
pelos catélicos e pelos protestantes.
O ponto que nos interessa aqui é a crenca
deles acerca da onisciéncia de Deus. Pois existe
uma semelhanca notavel entre ela e aquilo que
os teélogos relacionais acreditam. Em linhas
gerais, Lélio e Fausto argumentaram que os
16calvinistas estavam, a principio, logicamente
corretos em dizer que 0 conhecimento que
Deus tem do futuro se baseia no fato que o
proprio Deus havia determinado tudo 0 que
vai acontecer. Deus sabe as coisas que vao
acontecer porque Ele mesmo determinou
essas coisas. Todavia, eles prosseguiram a
argumentar que os arminianos estao corretos
quando dizem que é inadmissivel pensar que
Deus determinou tudo que vai acontecer, pois
isso anula a liberdade humana. Logo, para que
se possa realmente preservar a plena liber-
dade do homem, é preciso negar nao somente
que Deus preordenou as decisées livres de
agentes livres, mas também que Deus conhece
de antemao quais serao tais decisdes. E assim,
os socinianos foram além do calvinismo e do
arminianismo, negando a soberania de Deus
(calvinistas) e também a Sua presciéncia
(arminianos).
E exatamente esse o ensino da Teologia
Relacional quanto a presciéncia de Deus. Ser
herdeiros de uma heresia antiga condenada
tanto por catdlicos como por protestantes é
bastante inc6modo, de forma que quando os
tedlogos relacionais nado negam essa relacdo, se
calam sobre o socinianismo. Eles querem dar a
entender que a teologia deles é uma novidade,
um avanco teoldgico, um progresso em nosso
entendimento de Deus. Na verdade, trata-se da
17antiga heresia do socinianismo, reapresentada
com ares de modernidade.
A semelhanga é notavel, até mesmo nos
detalhes. Os socinianos diziam queaonisciéncia
de Deus significava que Deus conhecia tudo 0
que era possivel de ser conhecido. Como as
decisées livres dos seres humanos eram im-
possiveis de serem conhecidas - exatamente
porque eram livres — Deus nao podia ter
conhecimento delas. Os tedlogos relacionais
argumentam da mesma forma, redefinindo a
onisciéncia de Deus de maneira similar. Nas
palavras de Ricardo Gondim, renomado
pregador pentecostal e principal defensor da
Teologia Relacional no Brasil:
Na Teologia Relacional (TR) 0 conceito de
onisciéncia compreende a afirmacao de que Deus
conhece tudo 0 que é passivel de conhecimento, ou
que pode ser conhecido. Assim, na TR nao
redimensionamos a onisciéncia divina, apenas o
nosso conceito de futuro. Se dissermos que todo o
futuro jd esta completamente determinado,
absolutamente realizado, entao Deus conhece todo
o futuro. Se dissermos que Deus chamou homens e
mulheres para construirem um novo futuro, e que
este futuro ainda nao existe, podemos dizer que
este futuro nao pode ser conhecido. Torna-se neces-
sario enfatizar: o futuro nao pode ser conhecido nao
porque Deus seja limitado, mas porque ainda nao
existe, Insisto: nisto nao limitamosa Deus. Apenas
afirmamos que Ele amorosamente nos convocou
18para sermos arquitetos do amanha.'
Resta pouca divida que o entendimento
da onisciéncia de Deus da Teologia Relacional
é uma forma moderna da antiga heresia
sociniana. E necessario ressalvar, todavia, que
ndo estou acusando seus defensores de todos
os erros de Lélio e Fausto Socinio. Isso explica,
por outro lado, por que a Teologia Relacional
foi tao rejeitada pelos evangélicos de hoje, a
semelhanga dos catdlicos e protestantes de
entao. E um fato curioso, para dizer o minimo,
que Lélio Socinio escreveu varias cartas a
Calvino e a Melancton, expondo suas idéias,
e ambos as rejeitaram veementemente, por
considerarem que as mesmas estavam total-
mente em desacordo com as Escrituras.
4. Teologia do Processo
Existe também uma semelhanga visivel
entre a relagao de Deus com o tempo defen-
dida pela Teologia Relacional e aquela da
Teologia do Processo. Everdade que os tedlogos
relacionais criticam a Teologia do Processo;
todavia, nao conseguiram se distanciar o
suficiente para evitar a sua influéncia.
1 A Teologia Relacional e a Onisciéncia Divina, R.
Gondim.
19De acordo com 0 cristianismo classico, o
Deus eterno criou o tempo e vive fora dele.
Dessa forma, ele pode contemplar simulta-
neamente o passado, o presente e o futuro,
como se fossem janelas ou telas abertas
diante dEle. A Teologia do Processo nega esse
conceito e defende que a realidade esta em
processo de mudanga constante e que Deus
evolui e progride dentro dessa realidade. Os
tedlogos relacionais admitem que Deus vive
no tempo, mas discordam que isso faca parte
essencial da Sua existéncia. Afirmam que
Ele optou por viver no tempo para poder Se
relacionar de forma amorosa e significativa
com Suas criaturas.
Todavia, apesar das criticas 4 Teologia do
Processo, a Teologia Relacional afirma que
Deus vive dentro do tempo, sujeito ao passar
do tempo e as mudangas que isso proporciona.
Ao final, temos de lidar com um Deus que,
a nossa semelhanga, aprende e evolui com
o passar do tempo e nao pode saber com
exatidao o que nos aguarda no futuro.
Concluindo as suas observag6es e os seus
comentarios sobre Deus e Seu conhecimento
do futuro em relacgdo a este ponto Valdeci
Santos diz:
Logo, tanto Deus como o homem se encontram
presos ao tempo e ambos evoluem e aprendem das
20experiéncias ocorridas dentro do mesmo.’
Ha varias outras semelhancas da Teologia
Relacional com a Teologia do Processo, que lhe
antecede por algumas décadas. Entre elas esta
a critica de que a teologia crista classica foi
influenciada por idéias da filosofia grega
quanto 4 formulacéo da doutrina de Deus.
Tedlogos do processo, como Hartshorne, acu-
sam o Deus do teismo classico de ser estatico,
Ppassivo, inerte, sem qualquer relagéo com o
tempo e, portanto, irrelevante para o ser
humano, como resultado da sintese de idéias
biblicas com a metafisica grega da perfeigao
estdtica. Os tedlogos relacionais fazem exata-
mente a mesma critica, como veremos mais
adiante.
A Teologia do Processo também defende
uma reformulagao da doutrina classica a res-
peito de Deus. A onisciéncia de Deus deve ser
entendida como Seu conhecimento de tudo
que pode ser conhecido — menos 0 futuro, que
ainda nao aconteceu. A onipoténcia de Deus é
entendida como poder perfeito, mas Deus nao
tem monop6lio dele. Ele tem todo o poder
possivel a um ser. Néo que Seu poder seja
ilimitado. Ele é somente o maior. Portanto,
Deus nunca pode determinar um evento, ou
? Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2007, p. 48.
21que alguma coisa acontega irreversivelmente.
Seu poder é coercivo, nunca determinativo.
Todas essas idéias sio também defendidas
pelos tedlogos relacionais.
A Teologia Relacional, portanto, nao é
uma teologia nova e original, um avango, um
progresso em nosso conhecimento de Deus,
mas a reapresentacao de idéias heréticas, anti-
gas e modernas, produzida de forma a ganhar
a aceitacao dos evangélicos brasileiros. Nao é
nem mesmo o resultado da reflexao livre de
tedlogos e pensadores brasileiros, pois sua
divida ao Teismo Abertoamericano, 4 Teologia
do Processo também americana e ao socinia-
nismo italiano revelam mais uma vez que a
originalidade em termos teolégicos e as teolo-
gias autéctones continuam sendo uma utopia
de livres pensadores que parecem desconhecer
a historia do surgimento das idéias teolégicas.
5. Teismo Aberto
Conforme mencionamos no inicio desse
estudo, a Teologia Relacional é uma versao
brasileira do “open theism,” a teologia da
abertura de Deus ou simplesmente teismo
aberto. Digo que é uma versio “brasileira”
porque seus proponentes sao brasileiros e nao
porque seja uma teologia autéctone. Como ja
vimos, ela é totalmente dependente de idéias e
22conceitos estrangeiros, como o préprio teismo
aberto também 0 é.
O teismo aberto, como movimento, teve
inicio em décadas recentes, embora seus con-
ceitos sejam bem antigos e enraizados igual-
mente na filosofia grega, no arminianismo, no
socinianismo e na teologia do processo. Ela
ganhou popularidade através de escritores
norte-americanos como Greg Boyd, John
Sanders e Clark Pinnock. Nos Estados
Unidos, as idéias do teismo aberto provoca-
ram a divisao de uma denominagao e muita
polémica em diversos seminarios evangélicos.
Chegou mesmo a afetar a Evangelical Theolo-
gical Society (Sociedade Teolégica Evangélica),
da qual Clark Pinnock e outros séo ainda
membros.
Embora os defensores da Teologia Rela-
cional no Brasil insistam que ha diferengas
entre ela e o teismo aberto, na realidade, se
existirem, sAo poucas e insignificantes. As duas
teologias afirmam basicamente os mesmos
pontos fundamentais. Alids, os principais
defensores do teismo aberto se referem ao
mesmo, as vezes, como Teologia Relacional,
a exemplo de Clark Pinnock, citado por
Valdeci Santos:
A versao do teismo relacional chamada “teismo
aberto” é uma teologia em busca de um Deus
23pessoa, que se encontra dinamicamente conectado
ao mundo.?
Outro defensor, Greg Boyd, escreveu um
capitulo do livro publicado em 1993, Trinity
in Process: A Relational Theology of God
(“Trindade em Processo: Uma Teologia
Relacional de Deus”). Os pontos defendidos
por ambas as teologias sao os mesmos, embora
aqui e alisejam qualificados de forma diferente.
Portanto, é praticamente impossivel
afirmar que a Teologia Relacional é uma
produgao brasileira de pensadores indepen-
dentes. Trata-se de versio de um movimento
que tem sido combatido e resistido pelos
evangélicos, calvinistas e arminianos, em
outros continentes.
3 Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2004, p. 33.Il. As Principais Idéias da
Teologia Relacional
Neste capitulo apresentaremos de forma
resumida algumas das principais idéias de-
fendidas pelos proponentes da Teologia
Relacional, além daquelas mencionadas de
passagem no capitulo anterior. E importante
salientar que nao ha plena unanimidade entre
eles em todos os pontos. Todavia, os que serio
aqui citados representam de maneira geral o
pensamento deles.
1. Liberdade Libertdria
O conceito mais importante de todos para
a Teologia Relacional é seu entendimento do
livre arbitrio. Esse entendimento nao é muito
bem definido por eles. Antes, éassumido como
uma coisa definida e estabelecida, mesmo que
o termo “livre-arbitrio” n&o apareca na Bibliae
mesmo que nao se possa provar biblicamente
esse entendimento.
Em linhas gerais, os tedlogos relacionais
entendem o livre-arbitrio como sendo a liber-
dade plena e absoluta do ser humano em tomar
25decisées e fazer escolhas em qualquer diregéo
moral, sem que sejam a isso influenciados por
fatores externos, como a vontade de Deus ou
Sua onisciéncia, ou internos, como uma natu-
reza pecaminosa. E a liberdade de tomar uma
deciséo e depois fazer o contrario. Somente
dessa maneira é que 0 homem € verdadei-
ramente livre e dessa forma ele determina o
acontecimento dos eventos futuros.
Os tedélogos relacionais acreditam, junto
com 0s arminianos, que a vontade humana tem
um poder intrinseco para escolher com a
mesma facilidade entre o bem e o mal. Para
eles, o homem recebeu de Deus uma liberdade
genuina que tem a ver com todas as areas da
vida, especialmente na area de escolhas morais,
entre o bem e o mal, liberdade essa que per-
manece mesmo apos o pecado ter entrado no
mundo e Adao ter se tornado pecador.
O ponto mais importante a destacar aqui é
que para os tedlogos relacionais essa liberdade
implica em independéncia quanto 4 vontade
de Deus. Ou seja, os seres humanos esto livres
da influéncia de qualquer determinacdo da
parte de Deus. Nao ha nada que venha de fora
do homem que interfira nas agdes que ele
venha a realizar. A vontade humana é livre no
sentido de que ela nao sofre qualquer inter-
feréncia externa ou interna.
Assim, para os tedlogos relacionais, 0
26homem é capaz de determinar o seu proprio
destino por suas préprias decisoes. Nada de
fora ou de dentro dele pode determinar o seu
destino. O ser humano, por causa disso, torna-
-se senhor de si mesmo e do que lhe acontece.
E Deus? Fica reduzido a um mero expectador,
torcendo para que o homem tome decisées que
estejam de acordo com Sua vontade. Ou, para
usar a figura de Ron Highfield, “a semelhanca
de um tocador de jazz, Deus improvisa,
responde e Se ajusta quando Suas criaturas
livres tomam decisées”.
E importante notar aqui que o enten-
dimento da teologia reformada calvinista
quanto ao livre-arbitrio e a liberdade do
homem. Apenas Adio teve livre-arbitrio. Apés
a queda, o arbitrio (vontade) humano esta de
tal modo influenciado pelo pecado que nao
pode escolher livremente entre o bem e o mal.
Se deixado 4 sua propria escolha, o homem
seguira sua inclinagéo para o mal. As Escri-
turas ensinam claramente que nascemos em
iniqtiidade e em pecado (Sal. 51:5), que nos
desviamos de Deus desde 0 ventre (Sal. 58:3),
que por nascimento somos espiritualmente
mortos e portanto incapazes de querer fazer 0
bem, muito menos escolhé-lo e realiz4-lo (Joao
3:5-7; Gén. 6:5; Gén. 8:21; Ecl. 9:3; Jer. 17:9;
Mar. 7:21-23; Rom. 8:7-8; 1Cor. 2:14).
Portanto, a liberdade libertéria é uma
27iluséo, que procede de uma compreensao
inadequada da depravagéo humana apés o
pecado. Os tedlogos relacionais acabam sendo
no minimosemi-pelagianos, isto é,acreditando
que o pecado nAo afetou tanto assim o homem,
a ponto de prejudicar-lhe a livre escolha
moral. Os calvinistas, partindo da doutrina da
depravacao total, entendem que nao existe
mais livre-arbitrio, emborao homem continue
responsavel diante de Deus por suas escolhas,
como agente moral.
Como diz Héber Campos:
A teologia reformada enfatizaa nogao de liberdade
humana, mas nao coma tonalidade libertaria. Ela
trata da liberdade de agéncia, em que todos os
homens sao responsaveis por seus atos, pois esses
atos nunca sao feitos contra a vontade deles. Eles
agem sempre porque querem e porque lhes agrada
da forma que fazem. Eles nunca agem
contrariamente as inclinagdes de seu ser mais
interior, o coragao. E por causa do seu conceito
libertario de liberdade que esses tedlogos
(relacionais) negam plenamente certos principios
do Teismo Classico.*
2. O Ser de Deus
E aqui na doutrina de Deus que os tedlogos
‘Fides Reformata, vol. IX, n° 2, 2004.
28relacionais se afastam mais e mais dos armi-
nianos evangélicos e do cristianismo classico.
O ponto central pode ser resumido dessa
forma. Para que o homem seja realmente livre,
no sentido explicado na seco anterior acima,
Deus Se autolimitou a partir do momento em
que criou o mundo. Ele é soberano, onipotente
eoniscienteem Simesmo. Mas, soberanamente,
Deus escolheu esvaziar-Se desses atributos para
que pudesse ter um relacionamento genuino com 0
ser humano livre. Deus jamais poderia Se
relacionar verdadeiramente com o ser humano
se de alguma forma lhe impusesse qualquer
tipo de influéncia, determinagdes ou vontade
que o impedisse de agir livremente, da forma
que quisesse. Por esse motivo, Deus abriu mao
de Sua soberania, de Sua onisciéncia e de Sua
onipoténcia. Como resultado, Ele Se tornou
mutavel, vulneravel, desconhecedor do futuro
e passivel de falhas e frustracdo.
E por esse motivo que os defensores dessa
teologia a chamam de relacional. O relaciona-
mento com as Suas criaturas é tao importante
que Deus resolveu Se anular e limitar por
amor a elas.
Todavia, nao encontramos qualquer
trago desse auto-esvaziamento de Deus Pai
na Biblia. O que encontramos é a kenosis, 0
auto-esvaziamento de Deus Filho, conforme
Paulo descreve em Filipenses 2:5-11:
29Tende em vés 0 mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em
forma de Deus, nao julgou como usurpag¢ao 0 ser
igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhancga de homens; e, reconhecido em
figura humana, asi mesmo se humilhou, tornando-
-se obediente até 4 mortee morte de cruz. Pelo que
também Deus 0 exaltou sobremaneira e Ihe deu
o nome que esté acima de todo nome, para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na
terrae debaixo da terra, etoda lingua confesse que
Jesus Cristo € Senhor, para gléria de Deus Pai.
Aqui estamos em terreno seguro. Deus
Filho encarnou, tornou-Se um de nds. Sem
davida, motivado por amor a Seus eleitos, mas,
acima de tudo, pela gléria do Pai. Esse é 0
tinico sentido em que as Escrituras falam do
esvaziamentto, anulacao e limitagéo de Deus —
quando a Segunda Pessoa da Trindade volun-
tariamente assumiu a plena humanidade na
Pessoa de Jesus Cristo. A idéia de Deus Pai ter
aberto mAo de Seus atributos incomunicaveis e
Se esvaziado de Seus poderes é completamente
estranha a Biblia, que s6 conhece a humilha-
cao de Deus Filho. Inferir das passagens em
que Deus fala e age como se fosse homem, em
que Ele € descrito em figuras da realidade
terrena, como nuvens, fogo, arbusto, vento,
etc., que o proprio Pai também se esvaziou é ir
além do que as Escrituras nos autorizam.
30Mas, insistem os tedlogos relacionais,
Deus de fato Se anulou. E essa auto-anulacgao
afetou Seus atributos, conformeacreditam eles,
especialmente a Sua soberania, Sua onisciéncia,
Sua onipoténcia e Sua imutabilidade, 4 excegao
de Seu amor, 0 maior de todos 0s atributos.
a. A Soberania de Deus
Os tedlogos relacionais nfo negarao que
Deus é soberano, mas dar4o outra interpreta-
Gao a esse conceito. Para eles, Deus exerceu a
sua soberania quando escolheu conceder as
Suas criaturas uma liberdade genuina, plena,
no sentido libertdrio. Essa foi uma escolha
soberana de Deus, que ao fazer isso, limitou a
Sua proépria liberdade e vontade. Deus esco-
Iheu soberanamente dar plena liberdade ao
homem para que eles participem com Deus da
criagéo de um futuro aberto, nao um futuro
determinado como créem os reformados
calvinistas.
Assim, Deus desistiu de ter controle
completo das decisées que séo tomadas. Ele
abriu m4o de Sua soberania por causa do livre-
-arbitrio humano. E nisso que residea soberania
de Deus, nao em determinar o futuro, mas em
deixar que ele seja determinado pelas escolhas
humanas. Ou seja, ao final, a soberania é do
homem, com sua plena liberdade e total inde-
pendéncia da vontade de Deus.
31Assim, nao existe nada determinado. Nao
existe historia ja feita e escrita. A histéria, para
os tedlogos relacionais, nao € a realizacéo no
tempo de um plano estabelecido soberana-
mente por Deus desde a eternidade. A histéria
esta sendo construida no presente pelas agdes
e decisdes das pessoas, chamadas de artesaos e
engenheiros do futuro. O futuro é totalmente
aberto e imprevisivel. Para eles, se a histéria ja
esta determinada, entao a liberdade humana é
uma ilusdo cruel. Portanto, a conclusdo é que
Deus nao conhece o futuro, visto que o mesmo
ainda nao aconteceu.
As Escrituras, entretanto, nos ensinam a
absoluta soberania de Deus, nao uma sobera-
nia limitada por causa da liberdade humana.
Elas nao apenas ensinam que Deus predes-
tinou os que quis para a salvacao, mas que todos
os eventos, grandes ou pequenos, acontecem
como o resultado da Sua vontade e de Seus
decretos. Deus reina sobre os céus e a terra com
absoluto controle e nada acontece fora do seu
eterno propésito (cf. 1Crén. 29:10-12). Nenhum
dos seus planos pode ser frustrado (J6 42:1-2);
antes, ele faz o que lhe apraz (Sal. 115:3,6;
Dan. 4:35) e 0 que ele determina vem infalivel-
mente a acontecer (Is. 14:24,27). E exatamente
Sua soberania absoluta que o faz ser Deus,
diferente dos deuses pagaos (Is. 46:9-11). Sua
palavra nunca retorna para Ele vazia, mas
32cumpre todo o Seu propésito (Is. 55:11). Nada
Lhe é impossivel (Jer. 32:17; Mat. 19:26). Deus
nao precisa abrir mao de Sua soberania para
se relacionar de maneira amorosa, verdadeira
e significativa com o homem. Alias, é somente
porque Ele € o que é — soberano, que esse
relacionamento vale a pena. O deus da Teolo-
gia Relacional é totalmente diferente do Deus
da Biblia.
b. A Onisciéncia de Deus
Conformea Teologia Relacional, por causa
da Sua autolimitagéo e do esvaziamento de
Sua soberania, Deus sé conhece o que ja se
passou € 0 que estd acontecendo no presente. As
coisas futuras, que aconteceréo mediante atos
livres de Suas criaturas, 4s quais Ele concedeu
plena liberdade, Lhe sao desconhecidas. Deus
nao sabe que alternativas eles escolherao. O
futuro é ainda indefinido. Portanto, nao se
pode dizer que Deus conhece o futuro e que
seja onisciente.
Em resumo, como coloca Héber Campos,
para a Teologia Relacional:
1) O conhecimento que Deus tem de todas as
coisas nao é estabelecido na eternidade; Ele
aprende com o tempo, jd que esta dentro dele com
o homem.
2) A Sua presciéncia nao é exaustiva, porque Ele
Se autolimita; o conhecimento que Deus tem do
futuro nao se devea Sua antevisao, mas a previsOes
33baseadas em Seu vasto conhecimento da
humanidade.
3) O futuro no esta totalmente seguro. Ele esta
abertoe pode tomar direcées inesperadas, mesmo
para Deus, pois depende das escolhase alternativas
a serem tomadas pelos homens.°
E aqui quea Teologia Relacional vai muito
mais além do arminianismo evangélico
classico.
Num certo sentido, podemos dizer que os
defensores da Teologia Relacional sao armi-
nianos coerentes, que levaram as teses do
arminianismo 4s Ultimas conseqiiéncias
logicas. Os arminianos classicos sempre
defenderam o pleno livre-arbitrio do homem
sem negar que Deus conhece o futuro. Alias,
eles precisam enfatizar que Deus conhece o
futuro, pois é dessa forma que explicam os
textos biblicos sobre a predestinacdo. De
acordo com eles, Deus anteviu na eternidade a
deciséo daquelas pessoas que futuramente
haveriam de livremente escolher crer em
Cristo e entao os predestinou para a salvagao.
Portanto, no arminianismo classico, a pre-
destinagao é resultado da presciéncia de Deus
e nao de um decreto soberano de Sua vontade.
Pois se Deus decreta quem vai ser salvo, 0
homem no é livre para escolher.
5 Fides Reformata, vol. IX, n° 2, 2004, p. 38.
34Os tedlogos relacionais perceberam que
transformar a predestinagéo em presciéncia,
como os arminianos sempre fizeram, nao era
suficiente para garantir a liberdade do homem.
Pois se Deus conhece de antemao as decisdes
humanas, elas ainda nao sao decis6es livres. Se
Deus sabe qual decisaéo tomarei daqui a dez
minutos, essa deciséo nao mais € uma decisao
livre, pois ja € conhecida por Deus. Assim,
entenderam que tinham de ir mais longe e
negar nao somente a soberania de Deus, como
também Sua presciéncia e onisciéncia.
Partindo desse ponto, fizeram uma refor-
mulagéo completa da doutrina classica de
Deus, mantendo termos teolégicos como
soberania, onipoténcia e onisciéncia, mas
redefinindo-os quanto ao contetido. Essa
redefinigaéo teve como objetivo salvaguardar a
todo custo a liberdade plena e a autonomia do
homem quanto a Deus. Acharam que era
preferivel sacrificar a soberania, a onisciéncia
e a onipoténcia de Deus do que de alguma
forma limitar a liberdade humana.
E bom lembrar que o arminianismo
classico nunca negou a onisciéncia divina.
Conforme Valdeci Santos afirma, Arminio
escreveu de certa feita:
Oquarto decreto, salvar certas pessoas em particular
e condenar outras, baseia-se na presciéncia de
Deus. Pois Deus sabe desde a eternidade quais
35pessoas deveriam acreditar de acordo com
administragao dos meios que servirao ao arre-
pendimento ea fé por meio da graca precedente e
quais deveriam perseverar por meio da graca
subseqiiente e também quais nao deveriam nem
crer nem perseverar.®
Nao é de se admirar que muitos lideres
arminianos se opuseram as idéias da Teologia
Relacional quando estas comegaram a ser ven-
tiladas nos circulos evangélicos brasileiros.
Na verdade, nao se trata de uma discussao entre
arminianos e calvinistas, como os lideres da
Teologia Relacional por vezes tém tentado fazer
parecer, mas entre a Teologia Relacional e os
arminianos e calvinistas, entre os que negam a
onisciéncia de Deus e os que a afirmam.
Nao pode haver qualquer divida, para os
que tém apreco pela Biblia, que o Deus que Se
revelou nela conhece todas as coisas, inclusive
decisdes humanas que ainda nao foram toma-
das (1 Sam. 23:10-12). O Seu conhecimento das
coisas que ainda nao aconteceram é o que faz
distinto dos deuses pagaos (Is. 42:9; Is. 44:6-9;
46:9-11; 48:5-8). E por esse motivo que os
profetas podiam prever o futuro com exatidao,
pois Deus lhes revelava Seus planos e Sua
vontade (Is. 45:11-13; Dan. 2:28-29). Oscristaos
sabem que Deus conhece suas oragdes antes
6 Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2007, p. 35.
36mesmo que elas saiam de seus labios (Mat. 6:8)
e descansam quanto 4 vida eterna sabendo que
Deus, desde a eternidade, os conheceu e pre-
destinou (Rom. 8:28-29; 1 Ped. 1:2). O deus
relacional é bem distinto daquele adorado por
Davi: “Os teus olhos me viram a substancia
ainda informe, e no teu livro foram escritos
todos os meus dias, cada um deles escrito e
determinado, quando nem um deles havia
ainda” (Sal. 139:16).
ce. A Onipoténcia de Deus
O ensino da Teologia Relacional de que
Deus Se autolimitou ao criar o ser humano
com plena liberdade afeta também a Sua
onipoténcia. Os cristéos sempre afirmaram que
Deus € 0 Todo-Poderoso, que faz com que
todas as coisas cooperem para o bem daqueles
que o amam (Romanos 8:28). Isso inclui os
males temporais — como doengas, desemprego,
catastrofes naturais — e até os males morais. Ao
mesmo tempo, de uma forma que nao sabe-
mos explicar, Deus nao é responsdvel pelo
pecado e pela perversidade que existe no
mundo.
A Teologia Relacional tenta resolver o
problema da teodicéia, isto é, da existéncia do
mal em um mundo governado por um Deus
bom e todo-poderoso, simplesmente negando
Seu poder e capacidade para impedir o mal.
Enquanto que os reformados confessam que a
37origem e a permanéncia do mal no mundo é
um mistério da soberana vontade de Deus, e
que Deus usa inclusive o mal para a promocdo
do bem final, os tedlogos relacionais tentam
achar uma saida logica para o dilema afirmando
que o mal que existe no mundo é resultado
somente de forcas humanas e naturais sobre as
quais Deus nao tem poder determinativo ou
inibidor. Veja o que disse Bruce Ware, citado
por Héber Campos, sobre esse assunto:
Quando a tragédia entra em sua vida, por favor,
nao pense que Deus tem alguma coisa a ver com
ela! Deus nao quer que a dor e o sofrimento
aconteg¢am, e quando estas coisas acontecem Ele
Se sente tao mal sobre isso quanto aqueles que
estao sofrendo. E nao pense que, de algum modo,
essa tragédia deva cumprir algum bom propésito
final. Pode muito bem naocumprir! O malacontece
todas as vezes que Deus nao deseja, e freqiien-
temente ele nao serve para qualquer bom propésito.
Mas quandoa tragédia realmente ocorre, podemos
confiar que Deus est4 conosco e nos ajuda a
reconstruir 0 que foi perdido. Afinal de contas, de
uma coisa sabemos com certeza, e esta é que Deus
éamor. Assim, embora Ele nao possa impedir que
os muitos males acontegam, ele estara conosco
quando os males acontecerem.’
Ou seja, ele tenta “livrar a pele de Deus”
argumentando que Ele simplesmente nao pode
* Fides Reformata, vol. XII, n° 1, 2007, p. 35.
38fazer coisa alguma a nao ser lamentar, sofrer e
ajudar a recomecar. Foi exatamente a mesma
coisa que Ricardo Gondim escreveu por
ocasido do tsunami que varreu a costa da Asia
em 2004:
Nao, Ele nao péde evitar a catastrofe asidtica.
Assim, sinto que a morte de milhares de pessoas,
machucou infinitamente mais 0 coracaéo de Deus
do que o meu — o sofrimento € proporcional ao
amor. O pouco que conheco sobre Deus e sobre
Seu carater me indica que ha muitas lagrimas no
céu.®
Em outras palavras, quando Deus sobe-
ranamente Se esvaziou e criou seres humanos
totalmente livres para tomar decisdes em
qualquer diregao, Ele estava, na verdade,
correndo um grande risco. Esse risco é 0 de
nao ver as coisas que Ele gostaria que acon-
tecessem, de ver as criaturas morais que Ele
criou usarem da sua liberdade para ir contra o
que o proprio Deus desejava e queria que
ocorresse, e de ver a natureza que Ele criou se
levantar em catastrofes descontroladas, as
quais Ele nao pode prever e muito menos
evitar.
Em que, entéo, Deus é onipotente?
Segundo os tedlogos relacionais, a onipoténcia
* Asia— Quem Deus ouviu primeiro?, R. Gondim.
39de Deus, 4 semelhanga de Sua soberania, con-
siste apenas no poder de criar criaturas livres
e independentes, que escrever4o a hist6ria e
determinarao o futuro.
Essa visdo é completamente oposta ao que
a Biblia nos ensina sobre Deus. Para comegar,
um dos Seus titulos mais comuns é 0 “Todo-
-Poderoso,” El-Shaddai em hebraico, que foi
traduzido na Septuaginta como pantokrator,
aquele que tem todo o poder e mais tarde na
Vulgata como omnipotens, donde vem nosso
termo em portugués, “onipotente” (cf. Gén.
17:1; 28:33 35:11; 43:14; 48:3; 49:25; Ex. 6:3;
Num. 24:4, 16; Rute 1:20s; Jo 5:17; 6:4,14;
8:3,5; 11:7; 13:33 15:25; 21:15,20; 22:3,17,
23,25s; 23:16; 24:1; 27:2, 10s, 13; 29:55; 31:2,
35; 32:8; 33:4; 34:10, 12; 35:13; 37:23; 40:2;
Sal. 68:14; Is. 13:6; Ez. 10:5; Joel 1:15; Mat.
26:64; Mar. 14:62; Luc. 22:69; 2 Cor. 6:185
Apoc. 1:8; 4:8; 11:17; 15:3; 16:7, 14; 19:6,15;
21:22). Nao ha absolutamente nada na Biblia
que sugira que o poder de Deus é limitado.
d. A Imutabilidade de Deus
Os tedlogos relacionais também nao
negaraéo que Deus é imutavel. Todavia, para
eles, a imutabilidade de Deus consiste em que
Ele néo muda em Sua esséncia, enquanto que
reavalia e muda em Suas experiéncias, emogoes
eacées. Veja o que disse Richard Rice, um dos
40defensores da Teologia Relacional, citado por
Héber Campos:
As intengdes de Deus nao sao absolutas e
invaridveis; Ele nao decide irrevogavel e
unilateralmente o que fazer. Quando Deus deli-
bera, Ele evidentemente leva em conta uma
variedade decoisas, inclusiveas atitudes e respostas
humanas. Uma vez que Ele formula os Seus
planos, eles ainda esto abertos a revisao.?
Resumindo, a citagéo abaixo de Bruce
Ware, também citado por Héber Campos,
sintetiza muito bem o que pensam os tedlo-
gos relacionais sobre esse auto-esvaziamento
de Deus. Trata-se de um apelo que acaba
encontrando abrigo no coragado de muitos
arminianos despreparados e desavisados.
Deus é um Deus de amor e como tal Ele respeita
vocé e seus desejos. Ele nao é aquele que “for¢a”
a sua passagem sobre outro. Assim sendo, Deus
no esta interessado em planejar o seu futuro em
seu lugar, deixando que vocé dé uma palavra
naquilo que vocé faz com sua vida! Nao, na verdade
muita coisa do seu futuro ainda nao est4 planejada,
e Deus esta esperando que vocé tome as suas
decisGes e escolhao seu curso de acao de forma que
Ele saiba como fazer melhor os Seus préprios
planos. Naturalmente Ele quer que vocéO consulte
no processo, embora 0 que vocé decidir é sua
* Fides Reformata, vol. IX, 2004, p. 50.
4lescolha, nao dEle. O que Deus quer é que vocé e
Ele trabalhem juntos tragandoo curso de sua vida.
E vocé pode estar certo de que Ele fara tudo o que
estiver em Seu poder para ajuda-lo a ter a melhor
vida que lhe seja possivel.'”
Os tedlogos relacionais denunciam que a
concepcao da imutabilidade de Deus adotada
pela cristandade desde seus primérdios nao é
biblica. Ela fot corrompida pelos grandes
tedlogos e concilios cristaos que elaboraram no
inicio da histéria da Igreja as suas principais
doutrinas e depois ratificada pelas grandes
Confissdes reformadas. Segundo os tedlogos
relacionais, o Deus da teologia crista classica
€ distante, fixo e imével, e por conseguinte,
apatico, insensivel e impassivel diante do
sofrimento humano.
Nao podemos deixar de admitir que
formulacées teoldgicas acerca do ser de Deus
sempre serao deficientes pela propria natu-
reza do Seu ser e pelas limitagdes da nossa
linguagem. Algumas podem até mesmo ser
inadequadas e abertas a compreensdes equi-
vocadas. Como por exemplo, a formulacao da
Confissao de Fé de Westminster sobre Deus,
que diz que Ele é
«um espirito purissimo, invisivel, sem corpo,
1 Fides Formata, vol. IX, n° 2, 2004, p. 44.
42membros ou paixées; é imutavel, imenso, eterno,
incompreensivel, onipotente, onisciente,
santissimo, completamente livre e absoluto...
Os conceitos de inércia, apatia e insensi-
bilidade nao aparecem nessa formulagdo e
seria um erro tentar 1é-los nas entrelinhas.
Dificilmente os tedlogos de Westminster
teriam adotado essa visao. Existe uma diferenga
muito grande entre imutabilidade e insensi-
bilidade. Além disso, lembremos que estamos
falando de um ser que consegue ser imutavel
e sensivel ao mesmo tempo, soberano e res-
peitador da vontade de suas criaturas.
O Deus da Biblia Se revelou como “Eu
Sou o que Sou” (Ex. 3:15), Aquele que é, erae
ha de vir (Apoc. 1:8; 21:6), que nado muda com
os anos (Sal. 102:25-27; Mal. 3:6),arochaeterna
(Is. 26:4; Deut. 32:4) que nao Se arrepende do
que faz (Nim. 23:19; 1 Sam. 15:29). O conselho
de Deus permanece firme; Seu intento certa-
mente sera cumprida (Deut. 32:39; Sal. 33:115
Is. 43:13). Nao ha como reinterpretarmos
essas passagens de forma a aceitarmos que
Deus muda Seus planos, intengdes e que
realmente Se arrepende do que fez, como se nao
soubesse de antem4o os resultados de Suas
agoes.
Muitas das expressdes biblicas que falam
do arrependimento de Deus, de Suas mudan-
cas de planos e de Suas emogoes e sentimentos,
43quando analisadas no contexto em que apare-
cem e levando-se em contra o ensino total das
Escrituras, s4o claramente entendidas como
manifestagdes de Deus 4 semelhanga do
homem, para poder ser entendido. Elas podem
ser consideradas como adaptag6es e acomo-
dagoes da linguagem biblica, naquilo que se
costuma chamar de antropopatismos. Da
mesma forma que a Biblia fala de Deus como
se Ele fosse um ser humano, tendo olhos,
pés, m4os, boca e ouvidos — antropomorfismos —
ela também emprega o mesmo tipo de
linguagem quanto as atitudes e sentimentos
de Deus.
Se os tedlogos relacionais vao tomar lite-
ralmente os antropopatismos deveriam
também, por coeréncia, tomar literalmente os
antropomorfismos. Se Deus Se arrepende e
muda de idéia, Ele também tem coragao (literal),
olhos que choram Seu arrependimento e
ouvidos (literais) que ouvem, impotentes,
clamor dos aflitos. Mas, nao o fazem, pois
evidente que essa linguagem é figurativa.
Todavia, essa constatagdo nao nos deveria
levar a pensar em Deus como absolutamente
imével, fixo, apatico, impassivel, insensivel.
O que precisamos admitir é que de uma
maneira que nao conseguimos formular
dentro da convencao de nossa logica, Deus é
perfeitamente imutavel e completo ao mesmo
oO oO
44tempo em que é capaz de agir e sentir. E
preciso ainda admitir que as emogoes de
Deus nao sao exatamente idénticas as nossas.
Nossas emocées sao fruto de nossa natureza
humana, que além de limitada, é pecaminosa.
A resolucao desse quebra cabecas esta longe de
ser encontrada, e n4o vai ser negando a imu-
tabilidade de Deus, tao claramente ensinada
na Biblia, que os tedlogos relacionais vao sair
dessa encruzilhada.
e. O Amor de Deus
Para os tedlogos relacionais, 0 atributo
mais importante e fundamental de Deus é 0
amor. Todos os demais estéo subordinados a
este. Para eles, o amor é a esséncia da realidade
divina, a fonte basica da qual se originam todos
os atributos de Deus.
Eles entendem Deus exclusivamente
como sendo um Pai que Se preocupa, com
atributos de amor e receptividade, generosi-
dade e sensibilidade, abertura e vulnerabili-
dade, que Se aventura no mundo, reage ao que
lhe sucede, Se relaciona com os homens e
interage dinamicamente com eles.
Isto significa que Deus é sensivel e Se
comove com os dramas de Suas criaturas. Foi
por amor que Deus resolveu entrar em um
relacionamento genuino e significativo com
Suas criaturas, e com esse fim, Se autolimitou
45e auto-esvaziou de Seus atributos, conforme
vimos acima.
Entretanto, ao declarar que o atributo
mais importante de Deus é 0 amor, a Teologia
Relacional perde o equilibrio entre as quali-
dades de Deus apresentadas na Biblia, dentre
as quais o amor é apenas uma delas. E impossivel
negar que Deus é amor. Todavia, afirmar
somente isso é ficar aquém da revelacao biblica
como um todo. Pois Deus também é verdade,
justiga, luz e santidade.
Esse erro foi cometido por outros no pas-
sado. Varios tedlogos, filésofos e estudiosos
defenderam um ou outro atributo mais
importante em Deus, como por exemplo,
Duns Scotus (infinitude), Gordon Clark
(asseidade), Cornelius Jansenius (veracidade),
Saint-Cyran (onipoténcia), Socinianos
(vontade), Hegel (razao), Jacobi, Lotze,
Dorner e outros (personalidade absoluta) e
Ritschl (amor).
Outros, mesmo nao apontando um atri-
buto mais importante como os acima, puseram
énfase em um unico atributo de Deus, como
Barth sobre “amor na liberdade”, Buder e
Brunner na “pessoa”, e Moltmann na “futuri-
dade”. Quando, por exemplo, os tedlogos
relacionais destacam o amor de Deus acima
de Sua onisciéncia, estao cometendo o mesmo
erro que outros tedlogos ja fizeram antes deles,
46com outros atributos de Deus.
Nao podemos negar de forma alguma
que Deus é sensivel e Se comove com Suas
criaturas. N4o poderia ser diferente, diante da
revelacao biblica. O nao podemos € tomar a
sensibilidade, a ternura e o amor de Deus para
anular Sua onisciéncia, Sua onipoténcia, Sua
imutabilidade e Sua soberania, todos igual-
mente revelados na mesma Biblia.
3. A Suposta Influéncia Grega na
Teologia Crista
Os defensores da Teologia Relacional
alegam que estao agindo para resgatar a dou-
trina biblica de Deus, a qual foi corrompida
pelos Pais da Igreja e pelos Concilios que
definiram as grandes doutrinas basilares da
cristandade nos seus primeiros séculos.
Essa corrup¢4o aconteceu através de
mestres e doutores que tinham idéias neo-
platénicas. O neoplatonismo é uma filosofia
religiosa que surgiu cerca de 240 anos antes de
Cristo, baseada nas idéias da filosofia do
pensador grego Plato. Para os neoplaténicos,
o maior bem se relaciona a Deus, que é total-
mente transcendente e espiritual. Deus é 0
principio nico e absoluto de todas as demais
coisas.
O principal] acusado de ter trazido idéias
47neoplaténicas para dentro da teologia crista é
Agostinho de Hipona, um dos mais influentes
tedlogos e fildsofos cristéos, que havia sido
neoplaténico antes de sua converséo ao
cristianismo. Essa acusagaéo é uma versao
requentada daquela dos liberais do século
XVIII e mais tarde dos neo-ortodoxos.
Segundo os tedlogos liberais, neo-ortodo-
xos e relacionais, Agostinho teria usado como
moldura de seu raciocinio teoldgico concep-
gGes gregas que acabaram por afetar a idéia
de Deus. Uma das principais distorgées foi
quando a Sua imutabilidade, conforme vimos
acima. A semelhanga dos neoplaténicos,
Agostinho cria em Deus como transcendente,
o Unico, totalmente imutavel. E como o Ideal
Perfeito de Platéo, Deus nao podia mudar,
pois entéo deixaria de ser perfeito. Foi essa
crenga que levou Agostinho a falar de Deus
como imutavel, fixo, insensivel, separado do
mundo, atemporal. Essa forma de imutabi-
lidade, dizem os tedlogos relacionais, sobreviveu
como se fosse a concepg¢ao biblica e ortodoxa
até hoje.
Deus passou a ser concebido como imével,
fixo, distante, tendo ja determinado tudo que
acontece, sem jamais mudar de idéia, planos ou
intengdes, sem ter emogoes, e relacionando-Se
de maneira fria e distante com o ser humano
que havia criado. Algo completamente ao
48