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Para Tio Zezé, que se foi há poucos dias,

depois de 50 anos formando com Tia Lêda


um dos casais mais felizes com que convivi

Feliz ou sempre?
Eu choro em casamentos. Choro em bodas de pra- difícil sermos donos de nós mesmos. O amor é feito
ta, de ouro. Choro até em cena de casamento de no- de matéria sutil, e seu alicerce é justamente a impos-
vela, mesmo que nunca tenha visto algum capítulo. sibilidade de "ter" o outro. Quando o outro não está ga-
Choro porque acho bonito, porque o coração acredita. rantido, fazemos mais por ele. É sempre tempo de cul-
Mas sou cuidadosa com o casamento. tivar a delicadeza.
Casei-me uma vez. Entrei feliz ao som dos Beatles. Muitos só entendem isso depois que se separam.
Durou 30 meses - o tempo dos contratos de aluguel Aí entra o raciocínio do meu irmão: numa segunda
- e a separação foi para mim uma alegria maior. Ad- vez, erra-se menos. Quem já se separou certamente
mito que minha experiência foi um caso à parte. sabe o que é viver sozinho. E é preciso saber viver só
Aquela relação não teria ido longe, independente- para viver bem a dois .
. mente do formato. Quem vive só se mobiliza para resolver seus pro-
, Mas, se a cada dia mais pessoas se casam, a cada dia blemas, não fica à espera de que o outro o faça. Quem
mais casais se separam. Meu irmão costuma dizer vive só cultiva hábitos próprios, conjuga os verbos
que o segundo casamento é o que dá certo. Entendi no singular. O plural é lucro. É fundamental preservar
isso depois que me separei. Logo me apaixonei por a independência, ou a relação se torna um depositá-
um homem que também havia sido casado. Vive- rio das mazelas e dos problemas mútuos.
mos uma união em casas distintas e, como reza o ri- Deve haver um jeito de reservar o melhor de nós
tual que não fizemos, a morte nos separou. Mas a ex- para o outro e guardar o pior para nós mesmos. Pre-
periência anterior ajudou no cuidado que tivemos servar pequenos mistérios que nos mantêm interes-
um com o outro nessa segunda chance. Aprendi lições santes. Há uma alquimia no exercício da conquista,
que o tempo vem confirmando. do cuidado, da atenção.
Muita gente se casa para os outros, não para si É preciso cuidar do amor como planta frágil que é.
mesmo. Prefiro o amor silencioso e quieto: um senti- Água demais, sol de menos, muito tempo no canto er-
mento que não foi feito para todo mundo frequentar. rado da varanda: tudo isso pode fazer murchar o que
Casamento é a tentativa de fortalecer um laço que antes era exuberante. Para florir, cada planta tem seu
tem a fragilidade como essência - e aí mora a sua jeito. Como cada relação tem seus mistérios e idios-
magia. Deve-se tomar cuidado com a armadilha de ter sincrasias.
que ser para sempre. A obrigação é inimiga do desejo. Não tenho dúvida: o amor é feito de presenças e
Ignorar a promessa de eternidade talvez seja um bom faltas. E é na falta que se apura a vontade de estar
começo para quem quer ficar junto o resto da vida. junto. Acordar juntos é gostoso; acordar com sau-
Para uma relação; levam-se problemas, histórias, dade também. É que outra essência do amor é a li-
medos, frustrações. Mas não é essencial casar-se com berdade: é preciso espaço para ele crescer confortável.
a fila de banco que o outro teve que frequentar, nem E assim a possibilidade de ver a pessoa amada se
com a irritação depois de um dia de trabalho. É im- apaixonar de novo deixa de ser ameaça para ser sorte:
portante dar colo, mas não se pode ser colo o tempo pode ser por você a paixão. O encantamento que re-
todo. Dividimos com o outro as coisas difíceis na nasce muitas vezes.
intenção de que elas se dissipem, não na de que au- Amor pede rotina. Mas pede a suavidade de não fa-
mentem de tamanho. Se for somar, que sejam as zer tudo sempre iguaL Pede o cultivo da intimidade
alegrias. sem excessos. Amor é construção. Um tijolo a cada
Casamento não é nem pode ser fusão. Um mais dia. É um trabalho que não termina nunca. Talvez
um continua sendo igual a um mais um. Cuidado seja esse o real significado da expressão "Felizes para
com a vontade de ser dono da outra pessoa - já é tão sempre".

130 IEncontro * (ris Guerra é publicitária e blogueira

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