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Psicologia Aplicada: a Heranga do Funcionalismo Busca da FDA — Objetivo: Coca-Cola Na noite de quinta-feira, 20 de outubro de 1909, agen- tes federais pararam um caminhao na rodovia perto de Chattanooga, Tennessee. Era a apreensao de uma droga, de acordo com uma lei recentemente decretada pela Food and Drug Administration (FDA). Seu objetivo era o carre- gamento de 40 barris e 20 galdes contendo uma substancia que o governo alegava ser venenosa € viciadora. O xarope nos galdes e barris era a base da Coca-Cola; o ingrediente mortal e viciante era a cafeina. Se considerado culpado, o diretor da empresa Coca- Cola estaria em sérias dificuldades. Nao fizeram economia preparando-se para o caso que finalmente foi a julgamento em 1911. A medida que a data se aproximava, os advogados da empresa perceberam que nao tinham nenhuma prova para demonstrar que a quantidade da cafeina no refrige- rante nao tinha efeitos prejudiciais sobre o comportamento humano ou sobre os processos de pensamento. Precisaram recrutar um psic6logo para conduzir um impressionante programa de pesquisa — e torcer para que os resultados provassem essa ideia. Primeiro, pediram a James McKeen Cattell, um dos psiclogos mais famosos dos Estados Unidos, mas ele nao estava interessado. Assim como também muitos outros. Mas um homem ficou ansioso para aceitar 0 que perce- beu ser uma grande oportunidade. Seu nome era Harry Hollingworth. Busca da FDA - O} Coca-Cola Rumo a Psicologia Pratica ’A Evolugao da Psicologia ‘Americana [As Influéneias Econémicas na Psicologia Aplicada Testes Mentais James McKeen Cattell (1860-1944) Testes Mentais Comentarios © Movimento dos Testes Psicolégicos Binet, Terman ¢ 0 Teste de QI ‘A Primeira Guerra Mundial e os Testes em Grupo As Idcias Extraidas da ‘Medicina e da Engenharia A Inteligéncia nas Diterentes Ragas ‘As Contribuigdes da Muther a0 Movimento dos Testes © Movimento da Psicologia Clinica Lightner Witmer (1867-1956) ‘A Biografia de Witmer ‘As Clinicas de Avaliacio Infantil Comentirios {A Profissao da Psicologia Clinica © Movimento da Psicologia Industrial-organizacional Walter Dill Scott (1869-1955) ‘A Biografia de Scott Publicidade e Sugestionabilidade Humana Selegao de Pessoal 189 190 Historia DA PsicaLocia MODERNA Comentarios © Impacto das Grandes Guerras Mundiais Os Estudos de Hawthorne e as Questoes Organizacionais As Contribuigoes da Mulher 4 Psicologia Industrial- organizacional Hugo Minsterberg (1863-1916) A Biografia de Mansterberg A Psicologia Forense ea ‘Testemunha Ocular A Psicoterapia A Psicologia Industrial Comentarios A Psicologia Aplicada nos Estados Unidos: Mania Nacional Comentarios “Trabalhar ali tinha dois motivos’, ele escreveu. “Preciso de dinheiro, e ali estava uma oportunidade de aceitar um trabalho para 0 qual havia sido treinado, incluindo nao sé © custo da pesquisa, mas também um salério satisfatério para cobrir meu tempo e servicos” (apud Benjamin, Rogers e Rosenbaum, 1991, p. 43). Na época, Hollingworth lecionava na Barnard College, em Nova York, recebendo um salario de subsisténcia, Sua €sposa, Leta Stetter, nado havia conseguido um trabalho Jecionando (por ser casada), e nao havia conseguido vender seus contos. Ela tinha esperanga de conseguir fazer um curso de pés-graduacdo, mas nao tinham condicées financeiras para paga-lo. Mas, gracas ao caso da Coca-Cola, ela foi in- dicada como diretora assistente do programa de pesquisa €, juntos, os Hollingworths passaram a ganhar 0 suficiente para pagar seu curso no programa de pés-graduacao. Entretanto, apesar do salario, Harry Hollingworth insistiu em elevados padrées éticos. Ele nao Seria acusado de achar somente as respostas que a empresa desejava, e a Coca-Cola aceitou suas exigéncias. Teria permissao para publicar os resultados, até mesmo se fossem prejudiciais para a empresa; Por sua vez, a empresa concordou em nao usar os resultados em propaganda, mesmo que fossem favoraveis. Os 40 dias de programa intenso, tao rigoroso e sofis- ticado quanto qualquer outro conduzido no laboratério mais equipado da melhor universidade, envolveu aproxi- madamente 64 mil medidas individuais. Os dados foram registrados com base em uma grande variedade de fungées motoras ¢ mentais avaliados com doses diferentes de cafeina. Nao foram encontrados efeitos prejudiciais ou declinios significativos no desempenho. A Coca-Cola ganhou o caso, embora a sentenga tenha sido derrubada posteriormente pela Suprema Corte, ¢ os efeitos disso sobre os Hollingworths e a psicologia como um todo foram profundos. Eles demonstraram que pesquisa experimental sdlida pode ser financiada por uma entidade corporativa de grande porte, sem ditar ow prejudicar os resultados. Um efeito mais duradouro foi saber que psic6lo- 80s podiam ter carreiras bem-sucedidas e financeiramente recompensadoras em psicologia aplicada, sem desafiar sua integridade profissional. Rumo a Psicologia Pratica Apsicologia funcional derivada da doutrina evolucionaria, rapidamente dominou os Estados Unidos no final do século XIX, CapiruLo 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANCA DO FUNCIONALISMO 197 sabe-se que a psicologia americana se orientou muito mais pelas ideias de Darwin, Galton @ Spencer do que pelos trabalhos de Wundt. Esse fenomeno historico foi singular, e até mesmo paradoxal. Wundt orientou muitos dos psicdlogos americanos da primeira geragao de acordo com sua forma de psicologia. No entanto, eles levaram consigo pouco de suas ideias. Quando esses discipulos de Wundt, esses novos psic6logos retornaram 208 Estados ‘Unidos, comegaram a estabelecer uma psicologia que tinha pouca semelhanca com aquela de Wundt. Desse modo, a nova ciéncia, assim como todos 0s seres vivos, estava mudando para se adaptar ao novo ambiente. A psicologia de Wunat e o estruturalismo de Titchener nao sobreviveriam por muito tempo em sua forma original no ambiente intelectual dos Estados Unidos - 0 Zeitgeist smericanoe, assim, evoluiram para o funcionalismo. Nao era formas praticas de psico- ogia: nao lidavam com o uso da mente e nao podia ser aplicada as exigéncias e problemas de dia-a-dia. A cultura americana era voltada ao pratico: as pessoas valorizavam 0 Ne fuacionava, “Precisamos de uma psicologia que seja pritica,” escreveu G. Stanley Hall. "Os pensamentos de Wundt jamais se aclimatarao aqui, pols so antag6nicos ao espirito e temperamento americanos” (Hall, 1912, p. 414) ‘Os novos psicdlogos americanos transformaram a forma de psicologia alema em wh padrio americano dinamico. Em vez. de estudarem a funcao da mente comegaram a ana- reat o seu funcionamento. Enquanto alguns psicélogos americans, em especial James, Angell e Cart, desenvolviam a abordagem funcionalista nos laborat6rios académicos, outros a aplicavam em ambientes fora das universidades. O movimento Tmo a psicologia pratica ocorria simultaneamente a fundacao do funcionalismo como escola de pensamen- to independente. (Os adeptos da psicologia aplicada inseriram sua psicologia no mundo real, nas escolas, nas fabricas, nas agéncias de publicidade, nos tribunais, nas clinicas de orientagao infantil e nos centros de satide mental, Desse modo, mudaram radicalmente a natureza da Psito- Jogia americana, assim como fizeram os fundadores académicos do funcionalismo. A lite- ratura especializada da época reflete os seus impactos. Por volta de 1900, 25% dos artigos de pesquisa publicados nas revistas americanas especializadas em psicologia abordavam a psicologia aplicada e menos de 3% tratavam sobre o método de introspeccao (O'Donnell, 1985). As abordagens de Wundt e Titchener, que acabavam de criar a “nova” psicologia, estavam rapidamente sendo superadas por uma psicologia ainda mais atual. Mesmo Ti- tchener, o grande psicélogo estruturalista, reconheceu essa transformacao avassaladora na psicologia americana. Em 1910, escreveu: “Se naquela época pedissemos a alguém que reshisse em uma frase a tendéncia da psicologia nos titimos 10 anos, ele responderia: a psicologia definitivamente voltou-se para a aplicactio” (apud Evans, 1992, p- 74). A Evolucdo da Psicologia Americana A psicologia evoluiu e prosperou nos Estados Unidos. Seu entusiasmado desenvolvimento entre 1880 e 1900 foi um marco na histéria da ciéncia «= Em 1880, nao existiam laborat6rios nos Estados Unidos; em 1900, existiam 47 € eram mais bem equipados do que os alemaes. «Em 1880, nao existiam publicagées americanas especializadas em psicologia; em 1895, existiam trés. 192 HisTORIA DA PsicOLOGIA MoDERNA * Em 1880, para estudar psicologia, os americanos tinham de ir para a Alemanha; em 1900, a maioria optava pelos programas de pés-graduacao domésticos; nessa €poca ja havia cerca de 40 programas de doutorado nas universidades dos Estados Unidos. * De 1892 a 1904, foram concedidos mais de 100 titulos de Ph.D. em psicologia, numero superior ao de outras ciéncias, perdendo apenas para a quimica, a z00lo- gia ea fisica. * Em 1910, mais de 50% de todos os artigos de psicologia publicados foram escri- tos em alemao ¢ somente 30% em inglés. Em 1933, 52% dos artigos publicados eram em inglés e apenas 14% em alemao (Wertheimer e King, 1994). * A publicacao britanica Who's Who in Science, de 1913, afirmava que os Estados Unidos dominavam o campo da psicologia e contavam com os principais psicolo- gos do mundo (84), ntimero maior que o de alemaes, ingleses e franceses somados (Benjamin, 2001; Joncich, 1968; Wertheimer e King, 1984).! Passados pouco mais de 20 anos do inicio da psicologia na Europa, os psicélogos americanos assumiram indiscutivel lideranga na area. Em seu discurso como presidente da APA, em 1895, James McKeen Cattell declarou: Nao ha precedentes na hist6ria comparaveis ao desenvolvimento académico da psicologia nos Estados Unidos, ao longo dos tiltimos cinco anos. (...) A psicologia é matéria obrigatoria nos curriculos de graduacio (...) e, hoje, entre 0s diversos cursos universitarios, concorre com as outras grandes ciéncias, em ntimero de estudantes interessados e na quantidade de trabalhos originais realizados. (Cattell, 1896, p. 134) O ntimero crescente de estudantes interessados em psicologia ¢ a quantidade de labo- ratérios aumentaram rapidamente. Os 41 laboratérios de pesquisa existentes nos Estados Unidos em 1900 representavam a maioria dos existentes no mundo. Nos paises europeus no existiam mais do que 10 laboratérios (Benjamin, 2000a). Assim, a psicologia avanga- va nas salas de aula, nos laboratorios experimentais ¢ no mundo real. © pablico de um modo geral ficou avidamente interessado na nova disciplina. Estudantes comecaram a afluir para os cursos de graduagao e pés-graduacao. Revistas populares dedi- cavam artigos para as novas descobertas da promissora disciplina... e aguardavam empol- gantes aplicacdes praticas na educacao, indtistria e medicina. (Fuller, 2006, p. 221) A psicologia fez sua estreia diante de um avido publico americano na Feira Mundial de Chicago, em 1893. Em um programa semelhante ao do laboratério antropométrico de Galton, na Inglaterra, os psic6logos organizaram exibicdes de equipamentos de pesquisa e um laboratério de testes onde o visitante podia ter medida a sua capacidade sensorial mediante o pagamento de uma pequena taxa. As pessoas estavam maravilhadas. Artigos em revistas e jornais sobre a feira aplaudiam o laboratério de psicologia, 0 qual continha a maior colegao de instrumentos e equipamentos jamais vistos juntos nos Estados Unidos, como uma exibicdo da maior contribuigao educacional. (...) O fato de 1 No final do século XX, o inglés havia se tornado o idioma dominante nos encontros internacionais e na publicacoes especializadas. © periddico da APA, Psychological Abstracts, jé no publica mais nada que nao seja em inglés (Draguns, 2001). CapiTuL 8 PSICOLOGIA APLICADA: & HERANGA DO FUNCIONALSMO 193 que 05 psic6logos tiveram uma exibicao oficial pela primeira vet uma feira interna- “onal demonstrou que a disciplina finalmente havia recebido reconhecimento popular. (Shore, 2001, p. 72, 83) Uma exibicdo ainda mais ampla foi montada em 1904, na Feira Comercial de Loui- siana, em St. Louis, Missouri, que contou com a participagao de varias “estrelas” e alguns jos principais conferencistas da época, como F. B. ‘Titchener, C. Lloyd Morgan, Pierre ianet, G. Stanley Hall e John B. Watson. Uma exibigao de psicologia popular como essa hao contaria com 0 apoio de Wundt e, obviamente, evento semelhante jamais ocorreria ha Alemanba. A popularizacao da psicologia refletia o temperamento americano. Essa tendéncia transformou a psicologia de Wundt em psicologia funcional ¢ transportou-a muito além das fronteiras do laboratorio experimental. ‘Assim, os Estados Unidos acolheram a psicologia com grande entusiasmo e rapida- mente a introduzitam nas salas de aulas das universidades ¢ no cotidiano das pessoas. Hoje, seu campo de atuacao é muito mais abrangente do que seus fundadores podiam imaginar ou desejar. As Influéncias Econémicas na Psicologia Aplicada Embora 0 Zeitgeist americano - 0 espitito intelectual € 0 temperamento da epdca — aju- dasse a impulsionar 0 surgimento da psicologia aplicada, outras forgas contextuais mals praticas também foram responsaveis pelo seu desenvolvimento. No Capitulo 1, discutimos sobre o papel dos fatores econdmicos na mudanga do enfoque da psicologia americana, da pura pesquisa para a aplicacaio. Proximo do final do século XIX, enquanto 0 namero de Iaboratrios de psicologia aumentava, a quantidade de ‘doutorados em psicologia crescia ainda mais rapidamente. Muitos desses novos doutores, principalmente os desprovidos de fonte de receita independente, eram forcados a buscar 0 sustento fimanceiro fora das universidades, como no caso de Harry Hollingworth ¢ seu trabalho para a Coca-Cola. Ele nao foi 0 nico, j4 que outros pioneiros da psicologia aplicada fizeram 0 mesmo por questdes financeiras. Mas isso nao quer dizer que eles nao encontrassem motivacao nesse tra- balho pratico ou nao considerassem desafiador. A maioria encontrava estimulo e também reconhecia que 0 comportamento humano eas atividades cognitivas podiam ser estudados com a mesma efetividade, tanto no ambiente do mundo real como nos Jaboratérios académi- cos, Eainda alguns psicblogos optaram por trabalhar nas areas aplicadas apenas porque assim © desejavam. O fato € que muitos psicdlogos da primeira geracao da psicologia aplicada nos Estados Unidos foram levados a abandonar os sonhos da pesquisa experimental puramente académica por nao haver outra forma de escaparem das dificuldades financeiras. ‘A situacdo era ainda mais critica para os psicologos que lecionavam nas universidades menos privilegiadas da regio do meio-oeste ¢ do oeste. Por volta de 1910, um terco dos psiclogos americanos ocupava essas posicOes ¢, a medida que esses ntimeros cresciam, jumentavam as presses para que lidassem com os problemas praticos e, assim, provassem 3 direcao das universidades e ao poder legislativo ‘estadual que 0 novo campo da psicolo- gia era dotado de valor financeiro. Em 1912, C. A. Ruckmick fealizou uma pesquisa entre os psicdlogos dos Estados Unidos e concluiu que a psicologia nas faculdades universidades estava desvalorizada, apesar da sua popularidade entre os estudantes. Os cursos contavam com poucos recursos 194 Historia DA PsicaLocia Moers € 0s laboratérios estavam mal equipados, com poucas perspectivas de melhoria. Havia a sensacdio de que a tinica forma de aumentar a previsao orcamentéria dos departamentos ¢ 05 salarios do corpo docente era demonstrando aos administradores e politicos que a ciéncia da psicologia era capaz de ajudar a curar os males da sociedade, G. Stanley Hall aconselhou um colega do meio-oeste a fazer com que a influéncia da psicologia fosse sentida “fora da universidade, evitando, assim, que alguém ou algum partido irresponsé- vel ou sensacionalista a criticasse no legislativo”. Cattell pressionou os colegas para que “fzessem aplicagdes praticas ¢ desenvolvessem a profisséo da psicologia aplicada” (apud O'Donnell, 1985, p. 215, 221). ‘A solucéo era clara: valorizar a psicologia, aplicando-a. Mas aplicd-la em qué? Feliz- mente a resposta logo ficou evidente. As matriculas nas escolas ptiblicas aumentavam significativamente e, entre 1870 e 1915, passaram de 7 para 20 milhdes. Os gastos do governo com as escolas piiblicas durante esse perfodo aumentaram de 63 para 605 milhdes de délares (Siegel e White, 1982). A educagao tornou-se um grande negécio, chamando a atencao dos psicdlogos. Hall declarou que “um dos campos principais e de imediata aplicacao da psicologia era a educa¢’o” (Hall, 1894, apud Leary, 1987, p. 323). Até mesmo William James, que nao podia ser considerado um adepto da psicologia aplicada, escreveu um livro intitulado Talks to teachers, tratando sobre o uso da psicologia nas salas de aula (James, 1899). Em torno de 1910, mais de um ter¢o dos psicdlogos americanos expressavam 0 interesse na aplicagao da psicologia aos problemas da educacdo. Trés quartos dos que se denominavam psic6logos aplicados ja estavam trabalhando na rea. A psicologia comecava a encontrar © seu espaco no mundo real. Discutiremos neste capitulo as carreiras e contribuigées de quatro contribuintes da psicologia aplicada que introduziram a nova ciéncia em outras areas, como na educacao, no comércio e na inddstria, nos centros de testes psicolégicos, no sistema judiciario € nas clinicas de satide mental. Esses psic6logos foram orientados por Wundt, em Leipzig, para se tornarem académicos, mas todos se distanciaram de seus ensinamentos quando jniciaram as carreiras nas universidades americanas. S40 exemplos notaveis de como a psicologia americana foi mais influenciada por Darwin e Galton do que por Wundt, e de como a abordagem deste foi remodelada ao ser transplantada para o solo americano. Testes Mentais espirito funcionalista da psicologia americana também esta bem representado na vida eno trabalho de James McKeen Cattell, que promoveu uma abordagem pratica com a aplicagdo de testes no estudo dos processos mentais. Sua psicologia concentrava-se no estudo das capacidades humanas e nao do contetido da consciéncia e nesse aspecto ele esta bem préximo dos funcionalistas. James McKeen Cattell (1860-1944) Cattell nasceu em Easton, na Pennsylvania. Obteve o grau de bacharel em 1880, na La- fayette College, onde seu pai era diretor. Seguindo 0 costume da época de cursar a pos- Capiruto 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA D0 FUNCIONALEMO 195 graduacao na Europa, partiu primeiro pata 8 University of Gottingen e em seguida para Leipzig, a fim de estudar com Wilhelm Wundt. Um trabalho sobre filosofia rendeu-the uma Dolsa de estudos para cursar a Johns Hopkins University, em 1882. Naquela época, interessava'se mais pela filosofia ¢, quando cursava © primeiro semestre, a universidade nao Sfereeia cursos de psicologia. Aparentemente, Cat- vil interessou-se pela psicologia em virtude das proprias experiéncias com as drogas. Ee experimentou varias substancias, como o fhaxixe, a morfina, o 6pio, a cafeina, 0 cigarro © © chocolate e descobriu interesses tanto pessoals come profissionais. Algumas drogas, mais especificamente 0 haxixe, debxavam-no muito euférico e diminuiam-lhe a depressao, Ele “acumentou em uma revista os efeitos das drogas no 5% funcionamento cognitivo. “percebia-me fazendo brilhantes descobertas cientificas e filos6ficas e meu Unico receio era de nao me lembrar dos fatos pela manha.” Mais tarde, escreveu: “Perdi o inte- resse pela leitura ¢ leio sem prestar muita atencdo. Levo muito tempo para escrever uma palavra. Estou muito confuso!” (apud Sokal, 1981, p. 51, 52). Todavia Cattell nao estava Eesim tao perturbado, j4 que fora capaz de reconhecer a importancia psicologica de diver” gas drogas ¢ de observar o proprio comportamento e estado mental com grande interesse. “'sentia-me como se fosse duas pessoas: uma, © ‘observador e a outra a que estava sendo observada” (apud Sokal, 1987, p- 25). No segundo semestre de Cattell na Johns Hopkins, G. Stanley Hall comegou a lecio- nar psicologia ¢ entéo decidiu vmatricular-se nas aulas de laboratorio de Hall. Escolheu como tema de pesquisa o tempo de reagho ~ 0 TeriP necessario para a realizagao de diferentes atividades mentais ¢ 0s resultados dese trabalho reforcaram seu desejo de se tornar psicdlogo. © retorno de Cattell & Alemanha, em 1883, para voltar a estudar com Wunat é objeto ge muita especulacio na hist6ria da psicologia € 508 Jendas sao outro exemplo de como os dados histéricos podem ser distorcidos. Cattell afirma ter aparecido na University of Leipzig e anunciado corajosamente para ‘Wundt: “Herr professor, o senor precisa de um assistente ¢ essa posicao deve ser minha” (Cattell, 1928, p. 545). E ainda Cattell deixara bem claro a Wundt que ele mesmo escolheria sev projeto de pesquisa e que seria sobre @ psicologia das diferencas individuais, t6pico de menor importancia na psicologia wund- Hana, Dizalenda que Wundt teria descrito Cattell e 0 seu projeto como ganz Americanisch (tipicamente americanos), observacao profética, se for verdadeisa. © interesse pelas dife- rengas individuais, consequéncia natural do ponto de vista evolucionista, passara desde cntgo a seruma caracteristica da psicologia america mas nao da psicologia alema ‘Além disso, dizem que Cattell teria dado a ‘Wundt sua primeira maquina de escrever, nna qual teria escrito a maioria de seus livros Por causa desse presente, Cattell teria sido cagoado pelos colegas por ter “prestado um sério desservico (...)¢ ter permitido a Wundt produzir o dobro do que teria escrito sem @ maquina” (Cattell, 1928, p. 545). ‘Uma pesquisa cuidadosa realizada com as carta® © as revistas de Cattell colocou em divida essas historias (veja Sokal, 1981). Os relatos de Cattell escritos muitos anos depois nao coincidem com os registros da sua Correspondéncia e das revistas da epoca dos acotr tecimentos. Wundt tinha grande respeito Por Cattell ¢ 0 indicara como assistente do Taboratorio, em 1886. Nao hé evidéncias de que Cattell desejasse estudar as diferengas individuais naquela época. Ele teria ensinado Wundt a utilizar uma maquina de escrever e nao Ihe dado uma. Nao faltava autoconfianga a Cattell, como discipulo de Wundt, como demonstrado nas suas cartas para seus pais. “Suponho que iio vao me considerar vaidoso quando digo que sei mauito mais a respeito [de tempo Ge reacao] do que [Wundt] (...) tenho certeza de 196 Historia DA PsiCOLoGiA MODERNA que meu trabalho € muito mais valioso do que o realizado por Wundt e seus discipulos(...) Professor Wundt parece gostar de mim e valoriza minha inteligéncia fenomenal” (apud Benjamin, 2006a, p. 64-65). ‘Apés obter o doutorado, em 1886, Cattell retornou aos Estados Unidos para lecionar psicologia na Bryn Mawr College e na University of Pennsylvania. Depois, seguiu para a Inglaterra a fim de ser professor da Cambridge University, onde conheceu Francis Galton. Os dois compartilhavam o interesse pelas diferencas individuais e Galton, entao no auge da fama, “apresentou a [Cattell] uma proposta cientifica ~a medigao das diferencas psico- légicas entre as pessoas” (Sokal, 1987, p. 27). Cattell admirava a diversidade de interesses de Galton e sua énfase na medi¢ao e na estatistica. Por influéncia de Galton, Cattell tornou-se um dos primeiros psicélogos ameri- canos a destacar a quantificacao, a classificacao e a grada¢ao, embora pessoalmente fosse um “analfabeto em matemética” ¢ muitas vezes cometesse erros primdrios de adicao e subtracao (Sokal, 1987, p. 37). Cattell desenvolveu 0 método amplamente utilizado de clas- sificagao por ordem de mérito (apresentado mais adiante neste capitulo) e foi o primeizo psicélogo a ensinar a anilise estatistica dos resultados experimentais. Wundt nao adotava as técnicas estatisticas, portanto foi por influéncia de Galton que Cattell enfatizou a estatistica que viria a caracterizar a nova psicologia americana. Essa énfase também explica por que os psicdlogos americanos comecaram a estudar grupos maiores de pessoas em vez de apenas um individuo, como fazia Wundt. Um historiador comenta: O rapido crescimento da estatistica, por volta de 1900, ofereceu aos psicdlogos exatamen- te 0 tipo de instrumento quantitativo com que sonhavam para sustentar a credibilidade cientifica. Surge, entao, uma relagao sinergética: as novas técnicas estatisticas proporcio- naram possibilidades de pesquisas inéditas, enquanto as elevadas aspiragGes dos psicolo- gos impulsionavam o desenvolvimento de novas técnicas estatisticas adequadas para as tarefas que buscavam realizar. (Richards, 1996, p. 26) ‘A exibico dos dados em forma de graficos era usada com frequéncia por Galton, Ebbinghaus, Hall e 0 psicdlogo americano Thorndike, nas tiltimas décadas do século XIX. © estatistico britanico Karl Pearson, que apresentou a formula para calcular 0 coeficiente de correlacao, elaborou, em 1900, o teste do qui-quadrado. Ambas as técnicas acabaram sendo mais aplicadas na psicologia americana do que na Inglaterra. Em 1907, John Edgar Cover, psicélogo da Stanford University, foi aparentemente o primeiro a defender 0 uso de grupos experimentais ¢ de controle (Dehue, 2000; Smith, Best, Cylke e Stubbs, 2000). ‘Além da estatistica, Cattell interessou-se também pelo trabalho de Galton sobre a eugenia (veja no Capitulo 6). Defendia a esterilizacao dos delinquentes e dos chamados defeituosos, além de ser a favor da oferta de incentivos para as pessoas inteligentes ¢ sau- daveis que se casassem entre si. Prometeu dar a cada um de seus sete filhos mil dolares, caso se casassem com filhos ¢ filhas de professores universitarios (Sokal, 1971). Em 1888, Cattell tornou-se professor de psicologia da University of Pennsylvania, indicacao arranjada por seu pai. Sabendo que uma cadeira bem-remunerada em filosofia estava para ser criada na universidade, 0 velho Cattell convenceu 0 reitor da faculdade, um velho amigo seu, a dar o posto a seu filho, © velho Cattell pressionava o filho para publicar mais artigos, a fim de melhorar sua teputacao profissional e até mesmo para viajar a Leipzig para obter uma carta de recomendacao de Wundt. Disse ao reitor que a familia era abastada e por isso a remuneracdo nao era importante. E assim, Cattell acabou sendo contratado por um salario extremamente baixo (O'Donnell, 1985). Mais tarde, Cattell Capituto 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO 197, chegou a afirmar ter sido essa a primeira cadeira em psicologia no mundo, mas a sua indicacdo, na realidade, fora para filosofia. Ficou na University of Pennsylvania apenas trés anos ¢, em seguida, tornou-se professor de psicologia e chefe de departamento da Columbia University, onde permaneceu por 26 anos. Por causa da sua insatisfacaio com a publicagao de Hall, American Journal of Psychology, Cattell criou a Psychological Review, em 1894, juntamente com J. Mark Baldwin. Adquiriu de Alexander Graham Bell a revista semanal Science, que estava quase indo a falencia. Cinco anos depois, tornov-se a revista oficial da American Association for the Advancement of Science - AAAS [Associagdo Americana para o Progresso da Ciencia]. Em 1906, Cattell instituiu uma série de livros de referéncia, incluindo 0 American men of science ¢ Leaders in education. Bm 1900, adquiriu a Popular Science Monthly e, em 1915, vendeu 0 nome, mas continuou a publicé-la com 0 titulo de Scientific Monthly. Langou outro semanirio, School and Society, em 1915. O enorme trabalho de organizagao € edicao dessas publicacoes tomava grande parte do seu tempo e, como era de se esperar, houve um declinio da sua produtividade na pesquisa psicologica. Durante a permanéncia de Cattell na Columbia, mais doutorados foram concedidos em psicologia do que em qualquer outra instituicao de pés-graduacao dos Estados Unidos. Ele incentivava o trabalho independente ¢ dava bastante liberdade para os alunos condu- zirem as proprias pesquisas. Acreditava que o professor devia manter certa distancia dos problemas da universidade e fot morar a uma distancia de 65 quilémetros do campus Instalou um laboratério e um escritorio editorial na sua casa e visitava © campus apenas alguns dias por semana. Esse afastamento foi um dos fatores que ocasionaram tensao na relacao entre Cat- tell e a administragao da universidade. Ele exigia maior participacio do corpo docente, argumentando que 0s professores ¢ nao os administradores € que deviam tomar muitas dag decisbes em relacdo 4 administracdo da universidade. Para esse fim, ajudou a fundar a American Association of University Professors — AAUP [Associagao Americana de Pro- fessores Universitarios}. Era considerado pela administragao da Columbia uma pessoa de pouco tato e descrito como dificil, “grosseiro, irremediavelmente desagradavel ¢ sem generosidade” (Gruber, 1972, p. 300). Em trés ocasides entre 1910 e 1917, os curadores da universidade chegaram a pen- sar em forcar Cattell a se aposentar. © golpe decisivo foi desferido na época da Primeira Guerra Mundial, quando Cattell escreveu duas cartas para os parlamentares dos Estados Unidos, protestando contra 0 envio de soldados para a guerra, Essa posicdo era muito impopular, mas Cattell permaneceu inflexivel. Foi demitido em 1917, acusado de desteal- dade aos Estados Unidos. Ele processou a universidade por caltinia e, embora houvesse recebido 40 mil ddlares (soma bastante substancial para a época), nao foi reintegrado. Isolou-se dos amigos ¢ escreveu folhetos, satirizando a administragao da universidade. Homem amargo no final da vida, Cattell fez muitos inimigos e jamais voltou para a vida académica, Dedicou-se as suas publicagdes e a AAAS e outras sociedades intelectuais. Em relag&io @ psicologia, seus esforgos promocionais elevaram a nova ciéncia a um patamar mais alto na comunidade cientifica. Em 1921, Cattell realizou uma das suas ambigoes: promover a psicologia aplicada como um negécio. Organizou a Psychological Organization [Organizacao Psicological, com as ages adquiridas pelos membros da APA, objetivando oferecer servicos psicologi- cos para a inthistria, a comunidade psicol6gica ¢ ao pablico em geral. No inicio, 0 negocio foi um fracasso, pois, nos primeiros dois anos de existéncia, a empresa lucrou 51 dolares. Enquanto Cattell foi o presidente, a situacao nao melhorou. Entretanto, por volta de 1969, 198 HistORIA DA PsiCOLOGIA MopeRNA a Psychological Corporation lucrou § milhoes de délares em vendas e foi comprada pela editora Harcourt Brace que, 10 anos mais tarde, registrou um faturamento de 30 milhdes de délares da empreitada iniciada por Cattell, Testes Mentais Em um artigo publicado em 1890, Cattell empregou a expressao testes mentais ¢, durante © periodo em que trabalhou na University of Pennsylvania, administrou varios desses tes. tes a seus alunos. Declarou: “A psicologia nao ser4 capaz de atingir a certeza e a exatidao Glas ciéncias fisicas a menos que se baseie nos fundamentos da experiéncia e da medicao. Um passo nessa diresio pode ser dado, aplicando.se uma série de testes e mensuracoes Cisntais a um grande ndimero de pessoas’ (Cattell, 1890, P. 373) Era exatamente isso que Cattell estava tentando fazer. Ele continuou o seu Programa de testes na Columbia, cole- tando dados de diversos calouros. desenvolvidos mais tarde pelos psicélogos, due eles aplicam tarefas mais complexas cient nattiade met. On testes Catiell, ansien cima oy de Galton, lidavam Como Titchener obtivera resultados semelhantes no seu laboratério, Cattell concluiu que testes desse tipo nao apresentavam prognésticos validos do desempenho universitdrio ou, trabalho como organizador, executivo e administrador de ciéncia e da pratica psicolégicas Feome articulador da ligacdo entre a psicologia e as Principais comunidades cientificas, Tornou-se 0 embaixador da psicologia, lecionando, editando revistas e promovendo « aplicacao pratica na area, Caviruno 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HIERANGA DO FUNCIONALSMO 199 1910 relaciona 19 psicblogas, representando cerca de 10% dos psicologos mencionados (O'Donnell, 1985). Cattell também contribuiu para o desenvolvimento da psicologia por intermédio dos seus alunos. Durante 0 periodo em que esteve na Columbia, orientou mais estudantes de pos-graduacao do que qualquer outro nos Estados Unidos. Muitos desses alunos, inclusive Robert Woodworth (Capitulo 7) eB. L. Thorndike (Capitulo 9), destacaram-se no CAMP Com seu trabalho a respeito dos testes mentais, da mensuragao das diferencas individuais ¢ com a promocdo da psicologia aplicada, Cattell reforgou ativamente 9 movimento fun- Gonalista na psicologia americana, Quando faleceu, 0 historiador E. G. Boring escravett aos filhos de Cattell, dizendo: “Na minha opiniao, seu pai realizou mais até mesmo que William James, por dar a psicologia americana esse ponto de vista peculiar e torné-Ta dife- renclada da psicologia alema, da qual se originou” (apud Bjork, 1983, p. 105). 0 Movimento dos Testes Psicoldgicos Binet, Terman eo Teste de QI Embora Cattell tenha cunhado a expressdo testes mentais, o primeiro teste verdadelrarent® psicolégico de habilidade mental foi desenvolvido por Alfred Binet (1857-1911). Psicélogo prance autodidata e muito rico, Binet publicou mais de 200 artigos e livros, além de escre- vyer quatro pegas que foram encenadas em teatros de Paris. Com medicoes mais complexas do que as selecionadas por Cattell, Binet produziu uma medigao efetiva das habilidades cognitivas humanas, marcando, assim, 0 inicio do teste de inteligéncia moderno.? Testes mentais: testes de habilidade motora e capacidade sensorial; 0s testes de inteligéncia usam medi¢ées mais complexas de habilidade mental. Binet discordava da abordagem de Galton e Cattell, que consistia na aplicagdo de testes de proceso sens6rio-motor para medir a inteligencia. Para ele, @ avaliagdo das fungdes cognitivas como a meméria, a atencao, 2 imaginacao e a compreensao, propor clonava medidas de inteligéncia mais adequadas. Chegou a essa conclustio baseado na pesquisa que realizou em casa, com suas duas filhas mais novas. Primelt®, administrou os nesmnos tipos de testes sens6rio-motores utilizados por Galton e Cattell ¢ descobriu que ‘o desempenho das suas filhas eta semelhante ao dos adultos, tanto nos resultados como na rapidez das respostas. Foi entio que passou a utilizar os testes de habilidade cognitiva para esses tipos de tarefa, pois descobriu diferencas significativas entre os resultados das meninas comparados com 0s dos adultos. Em 1904, por causa de uma necessidade pratica, surge a oportunidade de Binet proval o seu ponto de vista. ministro da educasao frances criow uma comissio Para estudar a | Eebora alfred Binet seja mais conhecido pelo wabalho a respeito dos testes de inteligenciay lambs realizou muitas pesquisa nas das da psicologia do desenvolvimento experimental educacional social (Nicolas ¢ Ferrand, 2002). 200 HisTORIA Da PSICOLOGIA MaDERNA capacidade de aprendizagem das criangas que apresentavam dificuldades na escola. Binet e Théodore Simon (um psiquiatra) foram nomeados para fazer parte da comissao e, juntos, pesquisaram quais eram as tarefas intelectuais que a maioria das criangas estaria apta a dominar nas diversas faixas etarias. A partir da identificagao dessas tarefas, desenvolveram um teste de inteligéncia composto de 30 problemas apresentados na ordem crescente por nivel de dificuldade. O teste concentrava-se em trés fungdes cognitivas: 0 julgamento, a compreensio ¢ 0 raciocinio. ‘Trés anos mais tarde, revisaram ¢ ampliaram o teste ¢ introduziram o conceito de idade mental, definida como a idade em que a crianga com habilidade mediana é capaz de realizar tarefas especificas. Por exemplo, se uma crianga com a idade cronolégica de 4 anos desempenhasse bem todos os testes dominados pelas criangas da média de amos- tragem de cinco anos, seria atribuida a ela a idade mental de 5 anos. Idade mental: idade na qual as criancas podem realizar certas tarefas tipicas da idade. Em 1911, 0 teste foi revisado pela terceira vez, mas, depois da morte de Binet, os Es- tados Unidos passaram a dominar 0 avango nos testes de inteligéncia. Os testes de Binet foram mais bem-aceitos nesse pais do que na Franga, onde os esforgos no desenvolvimento dos testes de inteligéncia em larga escala foram reconhecidos somente depois da década de 1940. O teste de Binet foi traduzido do francés para o inglés e apresentado para os psic6- logos americanos em 1908, por Henry Goddard, um aluno de Hall que trabalhava com criangas portadoras de deficiéncia mental de uma escola particular em Vineland, Nova Jersey. Goddard chamou sua traducao do teste de Escala de medida de inteligéncia Binet- Simon. Nos trabalhos relacionados com o teste de inteligéncia, ele também introduziu a palavra grega moron, que significa “lento”, Em 1916, Lewis M. Terman, que também estudou com Hall, desenvolveu a versao que desde entao passou a ser o padrao de testes. Terman deu-Ihe o nome de Stanford-Binet, em homenagem A universidade 4 qual era afiliado, e adotou o conceito do quociente de inte- ligéncia (QD (a medicao do QI, 0 qual é definido como a proporgao entre a idade mental © a cronolégica, foi desenvolvida inicialmente pelo psicdlogo alemao William Stern). A escala Stanford-Binet passou por diversas revises e continua a ser amplamente utilizada. Quociente de inteligéncia (QI): numero que representa a inteligéncia de uma pessoa, ebtido com a multiplicacao da idade mental por 100 e com a divisao do resultado pela idade cronolégica. A Primeira Guerra Mundial e os Testes em Grupo Em 1917, no dia em que os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, a Socie- ty of Experimental Psychologists [Sociedade dos Psicdlogos Experimentais] de Titchener CaptruLO 8 PSICOLOGIA APLICADA: & HERANGA DO FUNCIONALISMO 201 realizava um encontro na Harvard University. O presidente da APA, Robert Yerkes, pediu ao grupo que buscasse uma forma de a psicologia contribuir com © esforco de guerra. citehener recusot-se a participar, alegando ser cidadao britnico. Ele literalmente levan- tourse ¢ sai da sala, Ievando consigo a cadeira, para nao se envolver em nen hur debate sobre a guerra. A razdo mais provavel para a sua falta de entusiasmo em discutir o assunto é que ele no gostava da ideia de aplicar a psicologia aos problemas praticos, temendo que a area trocasse “a ciéncia pela tecnologia” (O'Donnell, 1979, p. 289). ‘Com a mobilizagao do exército americano, os lideres militares enfrentavam a dificuldade de avaliar o nivel de inteligencia de um grande néimero de recrutas, para classifica-los € ot bait as tarefas mais adequadas a cada um. O Stanford-Binet era um teste de inteligéncia individual e exigia uma pessoa altamente treinada para aplica-lo corretamente. Obvia~ mente, era impossivel aplicar o teste para avaliar tantas pessoas em tao pouco femPo- ° cxército necessitava de um teste mais simples e que fosse aplicado coletivamente. Com a patente de major do exército, Yerkes reuniu um grupo de 40 psicdlogos para desenvolver um teste de inteligéncia de aplicagao em grupo: Examinaram varias propos- tas: nenhuma delas comportava uso geral e selecionaram para utilizar como base o teste preparado por Arthur S. Otis, um ex-aluno de Terman. A contribuigao mais importante de Otis para os testes de inteligéncia foi a criacdo da questao de miltipla escolha. Entao, grupo de Yerkes preparou o Exército Alfa ¢ 0 Exército Beta (Beta era a ‘versaio para os anal- fabetos para os que nao falavam inglés, cujas instrugdes nao eram passadas oralmente nem por escrito, mas por demonstragao ou m{mica). © desenvolvimento do programa seguia lentamente e as ordens formais para efetiva- mente iniciar a aplicac4o dos testes nos soldadios foram dadas somente trés meses antes do término da guerra. Finalmente, mais de 1 milhao de soldados foram testados, mas 0 cxéreito nao precisava mais dos resultados. Embora o programa nao tenha surtido muito efeito direto sobre o esforco de guerra, foi muito importante no campo da psicologia. A publicidade valorizou a importancia da psicologia ¢ 08 testes do exército serviram como prototipos para o desenvolvimento de outros. © trabalho dos psic6logos durante a guerra também incentivou o desenvolvimento & 2 aplicacio dos testes em grupo para a avaliacao das caracteristicas da personalidade. Antes disso, houve apenas algumas tentativas timidas de avaliar a personalidade humana. No final do século XIX, o psiquiatra alemao Emil Kraepelin, que fora aluno de Wundt, usow co que chamou de “teste de livre associacao”, em que a pessoa respondia a uma palavra de ceymulo com o primeiro termo que Ihe viesse mente (tEcniica Criada originalment® Po® Galton). Em 1910, Carl Jung desenvolveu um método semelhante, seu teste de associagao de palavras, para identificar complexos de personalidade nos seus pacientes (Capitulo 14). Essas duas visGes referiam-se a testes de personalidade individuais. Quando 0 exército expressou o interesse em isolar os soldados neurdticos, Robert Woodworth elaborou a Ficha de dados pessoais, uma autoavaliagdo em que os entrevistados recebiam instrugdes para in dear og sintornas nervosos que apresentavam. Assim como o Bxército Alf ¢ © Exército iBeta, a Ficha de dados pessoais serviu como prototipo de futuros testes em BruPO: (Os testes psicoldgicos vericeram a propria batalha na guerra — 0 sucesso de aceitaco do piiblico. Logo, milhares de trabalhadores, criangas em idade escolar e vestibulandos cram submetidos as baterias de testes, cujos resultados determinariam o cusso de suas Claas, Na década de 1920, até 4 millndes de testes de inteligencia eram vendidos anual- mente, a maioria para escolas ptiblicas. Em 1923, foram vendidas mais de meio milhao de exemplares do Stanford-Binet de Terman. Nos Estados Unidos, o sistema educacional piiblico foi reorganizado com base no conceito do quociente de inteligéncia e os resultados 202 HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA de QI passaram a ser o critério mais importante para definir a colocagao do aluno, bem como para determinar 0 seu desenvolvimento. Por volta da década de 1920, Luella Cole e Sidney Pressey, marido e mulher psicélogos, criaram 47 testes diferentes. No total, mais de 12 milhdes dos seus testes foram aplicados em alunos para determinar 0 nivel de funcionamento cognitivo (Petrina, 2001). Por fim, muitos psic6logos acabaram encontrando empregos lucrativos para desenvolver e aplicar testes psicoldgicos. Alguns psicdlogos mais arrojados pensaram até em usar os testes para descobrir potenciais jogadores de beisebol. O famoso jogador Babe Ruth concordou em ser testado no laboratério de psicologia da Columbia University e, em um esforgo para estabelecer as caracteristicas que faziam dele um fenémeno, foi avaliado seu desempenho nas tare- fas que envolviam habilidade motora e sensorial. A tentativa nao obteve éxito, mas um historiador comenta: A fé que a psicologia era uma ciéncia capaz de descobrir a base do grande numero de acer- tos de hittings* comprova o sucesso dos psicdlogos em estabelecer a identidade pablica da disciplina e a f6 do piiblico esclarecido na capacidade de a ciéncia oferecer respostas para todas as suas dividas. (Fuchs, 1998, p. 153) Uma epidemia de testes varreu os Estados Unidos, mas, na ansia de atender a urgente demanda comercial e educacional, era inevitavel que surgissem testes inadequados e mal elaborados que ofereciam resultados insatisfatorios. Um exemplo claro foi o teste de inte- ligéncia publicado em 1921 pelo respeitado inventor Thomas Edison. Ele simplesmente juntou uma série de perguntas que acreditava serem faceis de responder. Por exemplo: * Qual o maior telescépio do mundo? * Qual o peso do ar em uma sala de 6 x 9 x 3m? * Qual a cidade americana lider na produgao de maquinas de lavar roupa? As perguntas poderiam parecer simples para o génio Thomas Edison, mas nao para os 36 colegas da pés-graduacao em quem ele aplicou o teste. Eles responderam correta- mente apenas algumas perguntas, levando Edison a emitir o seguinte comentario: “Em se tratando de pessoas que frequentaram a faculdade, acho-as surpreendentemente igno- rantes. Parece que néo sabem nada” (apud Dennis, 1984, p. 25). O teste de Edison fora alvo de grande publicidade, sendo que em um tinico més o The New York Times publicou 23 artigos sobre ele, o que contribuiu significativamente para a desmoralizacao dos testes perante o ptiblico e para 0 declinio do prestigio cientifico da psicologia. O descuido e a imprecisao do trabalho de Edison e de outros levaram as grandes organizacées a abando- narem os testes psicolégicos. * Obeisebol é um dos esportes mais populares dos Estados Unidos ¢ essa jogada consiste em rebater a bola com 0 basiao, resuliando em um bom lance de ataque. (NT) CariTULO 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO 203 As Ideias Extraidas da Medicina e da Engenharia ‘A fim de dotar de credibilidade cientifica e autoridade a recém-iniciada empreitada, os psiclogos criadores dos testes de inteligéncia adotavam a terminologia de outras discipli- nas mais antigas, como a medicina e a engenharia. O objetivo era convencer as pessoas de que a psicologia era tao legitima, cientifica e fundamental quanto as demais ciéncias ha tempos estabelecidas. Os psicdlogos descreviam as pessoas testadas nao como sujeitos, mas como pacientes. Afirmavam serem os testes analogos aos termémetros, que naquela época estavam disponiveis somente para os médicos. Apenas 0s treinados adequadamente podiam usé-lo, assim como somente as pessoas treinadas podiam aplicar os testes psico- logicos. Os testes eram promovidos como se fossem méquinas de raio X, que permitiam ao psicélogo enxergar dentro da mente, para dissecar 0s mecanismos mentais dos seus pacientes. “Quanto mais [os psicdlogos] falassem como os médicos, mais 0 ptiblico se dis- punha a atribuir-lhes status semelhante” (Keiger, 1993, p. 49). Comparag6es com a engenharia também eram citadas. Mencionaram-se as escolas como fabricas de educacao e os testes como forma de medir 0 produto fabricado (0 nivel de inteligéncia dos alunos). A sociedade era comparada a uma ponte € os testes de inteligencia eram ferramentas cientificas para preservar-lhe a firmeza, detectando os elementos mais fra- cos — os cidadaos mediocres que seriam removidos da sociedade e institucionalizados. A Inteligéncia nas Diferentes Racas © fortalecimento do movimento dos testes psicolégicos fez parte de uma grande polémica social que permanece até hoje. Em 1912, Goddard, que traduziu o teste de Binet, visitou a Ellis Island, em Nova York, ponto de entrada de milhées de imigrantes europeus. Ele acreditava ser o teste um instrumento de selecdo titil para evitar a entrada de pessoas “mentalmente fracas” nos Estados Unidos. Havia muita gente preocupada que os médicos que examinavam 0s recém-chegados em Ellis Island estivessem falhando em “impedir a entrada de pessoas mentalmente deficientes no pais” (Richardson, 2003, p. 143). Goddard acreditava que os médicos nao estavam identificando mais do que 10% das pessoas com atraso mental. Ele propés que psicdlogos realizassem os exames utilizando sua traducao do teste de inteligéncia de Binet. Na primeira visita 4 central de triagem na Ellis Island, Goddard selecionou um jovem que Ihe pareceu mentalmente deficiente e confirmou 0 diagnéstico, aplicando o teste de Binet com a ajuda de um intérprete. Embora o intérprete salientasse que o rapaz nao era capaz de responder as perguntas por ser recém-chegado ao pais ~ ¢ 0 teste nao era ade- quado para pessoas nao familiarizadas com a lingua inglesa e com a cultura americana — Goddard discordou (Zenderland, 1998). Os testes subsequentes aplicados nas populagoes de imigrantes (cujo nivel de inglés era inferior em relacao ao utilizado nos testes) revelaram, de acordo com os resultados de testes de Goddard, que a maioria — 87% dos russos, 83% dos judeus, 80% dos htingaros ¢ 79% dos jtalianos — era débil mental, com idade mental inferior a 12 anos (Gould, 1981). Esses resulta- dos foram usados mais tarde como argumento para a criacao de uma lei federal que restringia a entrada de imigrantes de grupos raciais e étnicos considerados de pouca inteligéncia. ‘A ideia das diferencas na inteligéncia entre as ragas recebeu apoio adicional em 1921, quando os resultados daqueles testes aplicados nos soldados durante a Primeira Guerra 204 Historia D4 PsICOLOGIA MODERNA Mundial foram divulgados. Os dados mostraram que a idade mental dos recrutas e, por generalizacao, de toda a populacao branca, era de apenas 13 anos. Posteriormente, os dados mostraram que o QI dos negros e dos imigrantes originarios de paises da regiao do Mediterraneo ¢ da América Latina era inferior ao dos brancos. Somente os imigrantes do norte da Europa tinham 0 QI igual ao dos brancos. Essas constatacées provocaram debates entre os cientistas, politicos ¢ jornalistas. Como qualquer governo democratico conseguiria sobreviver se os cidadaos fossem tao esttipidos? Os grupos dotados de QI baixo devem ter direito ao voto? O governo deve recusar a entrada de imigrantes de paises cuja populacio seja dotada de QI baixo? A nogao da igualdade entre as pessoas tem sentido? O conceito das diferencas raciais na inteligéncia ja existia nos Estados Unidos desde a década de 1880, e muitas exigéncias foram feitas para o estabelecimento de quotas de imigracao para paises do Mediterraneo e da América Latina. A no¢ao de inferioridade da inteligencia do negro americano também era amplamente aceita, mesmo antes do surgi- mento dos testes de inteligéncia. Um sonoro e articulado critico dessa ideia era Horace Mann Bond (1904-1972), um intelectual afro-americano ¢ reitor da Lincoln University, da Pensilvania. Bond, que obte- ve 0 titulo de doutorado em educa¢ao da University of Chicago, publicou varios livros ¢ artigos nos quais argumentava que qualquer diferenca observada nos niveis de QI entre brancos ¢ negros devia ser atribuida ao fator ambiental e nao ao hereditario. Sua pesquisa comprovou que os resultados obtidos nos testes de inteligéncia pelos negros dos estados do norte eram melhores do que os dos brancos dos estados do sul, constatacao que enfraque- ceu bastante a teoria de que os negros eram geneticamente inferiores (Jackson, 2004). Muitos psicdlogos responderam a essa polémica alegando a distorcao dos testes, mas felizmente, com o tempo, a controvérsia desapareceu. Ela foi reavivada em 1994 com a Publicagao de The bell curve (A curva do sino) (Hernstein e Murray, 1994), um livro que afirma, com base nos resultados dos testes de inteligéncia, que os brancos eram mais inte- ligentes que os negros. A predominancia da evidéncia mostrava dessa vez que os testes de inteligéncia pesquisados com mais seriedade nao sao distorcidos significatiyamente por causa da cultura (Rowe, Vazsonyi e Flannery, 1994; Suzuki e Valencia, 1997). Mais tarde, S2 peritos em testes gerais endossaram essa conclusao, afirmando: “Os testes de inteligéncia nao sao distorcidos em virtude de aspectos culturais contra afro-americanos ou pessoas de outra nacionalidade falantes de inglés nos Estados Unidos. Ao contrario, 0s resultados do teste de QI prognosticam igual e precisamente todos os americanos, inde- pendentemente da raga e da classe social” (Gottfredson, 1997, p. 14). Um relatério preparado pelo Board of Scientific Affairs [Comité de Assuntos Cienti- ficos] da APA concorda que os testes de habilidade cognitiva utilizados atualmente nao disctiminam grupos de minoria, mas refletem, em termos quantitativos, a discriminacao criada pela sociedade ao longo do tempo (Neisser et al., 1996). As Contribuicées da Muther ao Movimento dos Testes Constatamos até agora que, na maior parte da histéria da psicologia, a mulher foi proibida de seguir a carreira académica. Por isso, muitas psic6logas buscaram emprego no campo da apli- cacao, especialmente em profissoes assistenciais, como a psicologia clinica e de consultoria, a orientagao infantil e a psicologia escolar. As mulheres ofereceram significativas contribuicoes nessas areas, principalmente no desenvolvimento e na aplicacao dos testes psicoldgicos. Cariruto 8 PSICOLOGIA APLICADA A HERANGA po FUNCIONALISMO, 205 Florence L. Goodenough recebeu 0 Ph.D., em 1924, da Stanford University. Ela desenvol- yeu o Teste do desenho da figura humana (hoje denominado Teste de Goodenough-Harris), um. teste nao-verbal muito utilizado pare ‘criancas. Foi pioneira na elaboracao de testes ¢ trabalhou por 20 anos no Institute for Child Development [Instituto de Desenvolvimento Infantil], da University of Minnesota, Publicou uma analise detallhada do movimento clos testes psicol6gicos (Goodenough, 1949) e escreven diversos trabalhos relacionados com psicologia infantil. ‘Maude A. Merrill James, diretora de uma clinica psicologica infantil na California, escreveu, juntamente com Lewis Terman, 2 revisdio de 1938 do Teste de inteligencia Stanford- Binet, conhecido como 0 teste ‘Terman-Merrill. Thelma Gwinn Thurstone (Ph.D. em 1927 da University of Chicago) casou-se com 2 psicGlogo L. L. Thurstone ¢, assim como diversas ‘mulheres que trabalham com 0S maridos, teve suas contribuigdes menosprezadas e desa- creditadas. Ela ajudou a desenvolver a bateria de Testes das habilidades mentais primdrias, um teste de inteligéncia em grupo, © foi professora de educacdo da University of North Carolina, além de ter sido diretora do jaboratério psicométrico. Seu marido a descreveu como um “genio na elaboracao de testes” (Thurstone, 1952, P- 317). Psyche Cattel, filha de James McKeen Cattell, obteve 0 doutorado em educacao da Harvard University, em 1927. Suas contribuigdes para o movimento dos testes incluem @ ‘ampliagao da faixa etaria inferior “io Stanford-Binet, criando a Bscala de inteligencia infantil “ie Cattell, que permitia testar criancas @ partir de até trés meses de idade. ‘A longa carreira de Anne Anastasi (1908-2001) na Fordham University acabou trans- formando-a em autoridade nos testes psicologicos. Foi precoce, ingressando na faculdade com 15 anos e recebendo o doutorado com 21. Decidiu tornar-se psicéloga por infiuencia de um professor, Harry Hollingworth. Anastasi escreveut mais de 150 livros € artigos, incluin- do um livro didatico famoso sobre testes psicologicos (Anastasi, 1988, 1993). Em 1971, foi presidente da APA ¢ recebeut diversas homenagens profissionais, inclusive a Medalha Nacional da Ciencia. Uma pesquisa apontou Anastasi como a mais destacada psicdloga dos paises de Kingua inglesa (Gavin, 1987). Sua primeira posicaio academica apos receber 9 Ph.D. na Columbia University em 1930, foi a de orientadora em psicologia, na Barnard College, pelo salério anual de 2.400 délares (0 equivalente, hoje, 2 33.600 délares). Em. 31947, passou a fazer parte do corpo docente da Fordham University € aposentou-se como professora emérita em 1979 (Reznikoff e Procidano, 2001). ‘Um ano depois que Anastasi se cas com 25 anos de idade, foi diagnosticada com cancer cervical. O tratamento fez com que nao conseguiu ter filhos. Contudo, via o cancer como “uma das principals razdes pare seu sucesso. Mulberes de sua getacdo frequente- mente tinham que escolher entre ‘maternidade e a carreira. A escolha havia sido feita por ela, e agora ela estava livre para se concentrar na sua carrera sern conflitos ou culpa” (Hogan, 2003, p. 267)- ‘Apesar do éxito da mulher em 4reas como a aplicacao de testes, o trabalho com a psicologia aplicada as coloca em desvantagem profissional. Os empregos em instituigoes nao-académicas raramente proporcionam tempo, suporte financeiro ou assisténcia de estudantes graduados para a realizagao de pesquisas ¢ a elaboracdo de artigos académicos, que sao os principals meios para se atingir a yisibilidade profissional. Nos ambientes da psicologia aplicada, como em ‘ama empresa comercial ou erm Uma clinica, as contribuicoes Ge um profissional raramente S20 reconhecidas fora dos limites da organizacao. Desse modo, o enorme desenvolvimento da psicologia aplicada nos Estados Unidos a hneranca da escola funcionalista = chow oportunidades de emprego Para as mulheres mas, ‘a0 mesmo tempo, exclutu-as do ambiente da psicologia académica geral, na qual vinham sendo desenvolvidas as teorias, aS pesquisas ¢ as escolas de pensamento. 206 HisTORIA DA PSICOLOGIA MaDERNA Diversos psicélogos académicos tinham uma imagem negativa do trabalho aplicado, considerando-o inferior e desprezivel. As areas da aplicagao como 0 aconselhamento, por exemplo, eram menosprezadas como “trabalho de mulher”. Historias publicadas a respeito da psicologia tendem a desvalorizar a psicologia aplicada e as contribuigdes de diversas mulheres pioneiras que trabalharam em. hospitais, clinicas, empresas, institutos de pesquisa e agéncias militares e governamentais. £ interessante observar que nenhuma mulher foi eleita presidente da American Association of Applied Psychology [Associacaio Americana de Psicologia Aplicada], apesar de, por volta de 1941, um terco dos seus mem- bros serem mulheres (Rossiter, 1982). Também naquela época, cerca de metade dos cargos de psicélogo em organizacoes clinicas e educacionais era ocupada por mulheres (Gilgen, Gilgen, Koltsova e Oleinik, 1997). 0 Movimento da Psicologia Clinica Enquanto Cattell mudava para sempre a natureza da psicologia americana ao aplicé-la para medir as capacidades mentais, um discipulo de Cattell e Wundt estava aplicando a psico- logia para medir e tratar comportamento anormal. $6 17 anos depois de Wundt definir e fundar a nova ciéncia da psicologia, encontramos um de seus antigos discipulos utilizando a psicologia de uma maneira pratica, incompativel com as intencdes de Wundt. Lightner Witmer (1867-1956) Lightner Witmer ensinava psicologia na University of Pennsylvania, cargo que ocupou apés Cattell ter ido para Columbia University. Descrito como briguento, antissocial e con- vencido (Landy, 1992), Witmer inaugurou um campo que chamou de psicologia clinica. Em 1896, abriu a primeira clinica de psicologia do mundo. O tipo de psicologia praticado por Witmer em sua clinica nao era a psicologia clinica como a conhecemos atualmente. Ele ndo adotava a psicoterapia, técnica que “detestava’”” e que ndo conhecia muito bem (Taylor, 2000, p. 1.029). Em vez disso, estava interessado em avaliar e tratar os problemas de aprendizagem e comportamento das criancas em ida- de escolar, uma Area especializada da aplicacao e hoje denominada psicologia escolar. A psicologia clinica contemporanea como especializagao lida com uma ampla gama de disttirbios psicolégicos, desde os mais leves até os mais profundos, e de pessoas de todas as idades. Apesar de Witmer ter sido fundamental no desenvolvimento da psicologia cli- nica e de usar esse termo livremente, 0 campo tornou-se muito mais abrangente do que ele imaginava. Witmer ofereceu 0 primeiro curso universitario de psicologia clinica e criou a primei- ra revista especializada na Area, Psychological Clinic, que editou durante 29 anos. Ele foi mais um daqueles pioneiros da abordagem funcionalista da psicologia que acreditavam no uso da nova ciéncia para ajudar as pessoas a resolverem os problemas e nao para estu- dar o conteddo das suas mentes. Cariruio 8 PSICOLOGIA APLICADS: & HERANGA DO FUNC sONALISMO, 207 ABiografia de Witmer Nascido em 1867 na Filadélfia, Witmer era flo de um prospero farmacéutico que acte- ditava na importancia da educacao. Formou-se na University of Pennsylvania em 1884 € jecionou historia e inglés em uma escola particular na Filadélfia, antes de retornar Part 5 universidade a fim de cursar direito. Naquela época, aparentemente nzo demonsttava sateresse em seguir a carreiza na psicologia, mas mudou de ideia por tazoes praticas. Pro- curava um cargo remunerado come assistente e um dos disponiveis era no departamento Ge psicologia de Cattell. Esse € mais um exemplo da influéncia do Zeitgeist econdmico. ‘Um bidgrafo de Witmer declarou: © verdadeiro ingresso de Witmer na psicologia fot decorrente, em parte, da necessidade extremamente realista de receita adiclonal que seria obtida por meio de um cargo de assistente. (McReynolds, 197, p. 34) Witmer comecou a trabalhar nas pesquisas sobre a5 diferencas individuais no tempo de reagao € esperava obter 0 Ph.D. na Pennsilvania, mas Cattell tinha outros planos. Ele admirava tanto Witmer que o escolheu como se Jucessor. Era uma oportunidade mar- ante para o jovem, mas havia uma condisa0: Witmer devia seguir para Leipzig, a im Ge fazer o doutorado sob a orientagao de Wundt Em virtude do grande prestigio que the fenderia um Ph.D. na Alemantha, ele concordow Witmer estudou com Wundt e Kiilpe e fol colega de classe de Titchener. Nao ficou impressionado com os métodos de pesquisa ‘de Wundt, aos quais chamava de desleixados. Contou que Wundt fazia Titchener repetit uma observacao “porque 0s resultados abtidos por Titchener nao eram como os que le ‘Wundt, previta” (apud O’Donnell, 1985, p 39) Mais tarde, Witmer afrmou nao ter extraido nada, a ndo ser o titulo, da sua experiencia em Leipzig. Wundt nao permitia que Witmer continuasse o trabalho sobre o tempo de reacao iniciado por Cattell e restringiu seus estudos 4 pesquisa introspectiva dos elemen- tos da consciéncia. ‘Mesmo assim, Witmer obteve sua titulacao e retornou para ocupar @ sua nova posi- cao na University of Pennsylvania, no verao ‘de 1892, e, no mesmo ano, Titchener, que tambem recebera a graduacao, foi para Comell ‘University. Esse também foi o ano em que cutro aluno de Wundt, Hugo Miinsterberg, fo! Jevado por William James para Harvard University, ¢ em que Hall fundou a APA, tendo Witmer como um dos s6cios-fundadores. Assim, observa-se o espirito funcionalista aplicado comecando a tomar conta da psicolo- gia americana. ‘Durante dois anos, Witmer trabalbou como psicologe experimental, conduzindo pes- quisas e apresentando trabalhos sobre a5 diferencas individuais e a psicologia da dor. Ao mesmo tempo, buscava uma oportunidade para aplicat a psicologia no comportamento anormal. A chance surgiu em marco de 1896, em consequéncia de uma situagao criada pelas circunstancias econdmicas da época: o aumento das verbas para a educagao publica. Diversos conselhos estaduais de educacao estavam estabelecendo departamentos uni- versitérios de pedagogia para oferecer orientacOes a resPene dos métodos e principios do ensino. Os psicélogos eram procurados para oferecer CumO® de especializacao em educagao fe cutsos para professores de escolas pablicas due almejassem graduacao mais avancada. Os psicélogos foram pressionados a transferir o enfoque experimental da pesquisa de Jaboratorio a fim de buscar formas de ensinar os alunos 2 S° tornarem psicdlogos educacio- ais, Os departamentos de psicologia beneficiaram-se consideravelmente desse aumento 208 HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA repentino de alunos porque na época, assim como hoje, 0 orgamento do departamento era totalmente dependente do ntimero de matriculas. Witmer ministrou alguns dos cursos estabelecidos para professores de escolas ptiblicas na University of Pennsylvania. Em 1896, uma dessas professoras, Margaret Maguire, pediu uma orientagaio a Witmer a respeito de um aluno de 14 anos que tinha dificuldades para aprender a soletrar, embora se conduzisse bem em algumas outras matérias. Sera que a psicologia era capaz de ajudar? Witmer disse: “Parece-me que, se a psicologia tiver algum valor para mim ou para qualquer outra pessoa, tem de ser capaz de ajudar um professor em um caso de deficiéncia desse tipo” (apud McReynolds, 1997, p. 76). Witmer montou uma clinica provis6ria, iniciando, assim, o trabalho que realizaria pelo resto da vida. Alguns meses depois, Witmer preparava cursos sobre métodos de tratamento de criangas com deficiéncia mental, cegas ¢ com distarbios. Publicou um artigo na revista Pediatrics, intitulado “Practical work in psychology” (“O trabalho pratico na psicologia”), em que recomendava a aplicacao da psicologia nas questdes praticas © lado pratico da psicologia merece séria atencio dos psicdlogos profissionais. A pratica da psicologia pode tornar-se uma atividade tao bem definida, constituida de uma classe de profissionais instrufdos, quanto ¢ a pratica da medicina. (apud McReynolds, 1997. p. 78) Witmer apresentou um trabalho sobre esse tema na reuniao anual da APA, usando pela primeira vez a expresso “psicologia clinica”. Em 1907, criow a revista Psychological Clinic, a primeira, e durante muitos anos a tinica, publicagao na 4rea. Na primeira edicdo, Witmer propés a criagdo da profissdo de psicologia clinica. No ano seguinte, criou um jnternato para criancas com retardo e disturbios e, em 1909, expandiu sua clinica univer- sitdria, transformando-a em unidade administrativa separada. Witmer permaneceu na University of Pennsylvania, lecionando, promovendo ¢ pra- ticando sua psicologia clinica. Aposentou-se da universidade em 1937 ¢ faleceu em 1956, com 89 anos, 0 iiltimo dos membros do pequeno grupo de psicdlogos que se reuniu com G. Stanley Hall, em 1892, para fundar a APA. . As Clinicas de Avaliacdo Infantil Sendo 0 primeiro psicdlogo clinico do mundo, Witmer nao tinha exemplos nem prece- dentes para os seus casos, entao, foi elaborando 0 diagnéstico e o tratamento, conforme as necessidades. “Devido falta de qualquer principio de orientagao, foi necessdrio envol- ver-me diretamente no estudo dessas criangas, criando métodos proprios, a medida que prosseguia com o tratamento” (Witmer, 1907/1996, p. 249). No seu primeiro caso — 0 garoto com dificuldades para soletrar -, Witmer avaliou a crianca quanto a inteligéncia, ao raciocinio e a capacidade de leitura, campo em que cons- tatou sua deficiéncia. Realizou a analise exaustiva dos dados e concluiu que o menino sofia de amnésia visual-verbal. Embora a crianga fosse capaz de se lembrar das figuras geométricas, apresentava dificuldades com as palavras. Witmer desenvolveu um intenso programa de ajuda que proporcionou alguma melhoria, mas o paciente nunca se tornou fluente em leitura ¢ em soletracao de palavras. ‘As criancas encaminhadas a clinica de Witmer apresentavam diversos problemas, alguns dos quais identificados por ele como hiperatividade, dificuldade de aprendizagem CariTULO 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO 209 ¢ baixo desempenho motor ¢ oral. Quando adquiriu mais experiéncia € se sentiu mais confiante, desenvolveu programas-padrdo de avaliacao e tratamento e aumentou o quadro de pessoal da clinica, contratando mais médicos, assistentes sociais € psicdlogos. Witmer reconhecia que os problemas fisicos afetavam o funcionamento cognitivo ¢ emocional; assim, pedia aos médicos que examinassem as criancas para determinarem se a desnutriga0 ou as deficiéncias visual ¢ auditiva consistiam em fatores contribuintes pata as dificuldades dos pacientes. Depois desse exame, os psicOlogos testavam-nos € os entrevistavam, © os assistentes sociais preparavam o histérico a respeito da formacao familiar de cada um. No inicio, Witmer acreditava que os fatores genéticos fossem os principais responsa- veis pelos distirbios cognitivos e comportamentais. Mais tarde, porém, percebeu que os fatores ambientais eram mais importantes. Ele prognosticou a necessidade de proporcionar diversas experiéncias sensoriais, logo nos anos iniciais da vida da crianca, antecipando a criactio de programas de tratamento e aperfeicoamento, como o programa Head Start* Acreditava no envolvimento da familia e da escola no tratamento dos pacientes, alegando que, seas condigdes da casa e da escola fossemn melhoradas, comportamento da crianga também mudaria para melhor. Comentarios Varios psic6logos logo seguiram 0 exemplo de Witmer. Por volta de 1914, quase 20 clinicas de psicologia jé operavam nos Estados Unidos, a maioria seguindo os padrdes da sua clinica. ‘Além disso, seus ex-alunos disseminaram a sua abordagem e passaram para as novas gera- goes tudo que aprenderam a respeito do trabalho clinico. A influéncia de Witmer atingiu } Area da educagio especial. Seu aluno Morris Viteles ampliou o trabalho, estabelecendo uma clinica de orientagao vocacional, a primeira desse tipo nos Estados Unidos. Outros seguidores de Witmer aplicaram a sua abordagem clinica em pacientes adultos, A Profissao da Psicologia Clinica Além dos esforcos de Witmer na aplicacao da psicologia para avaliar ¢ tratar 0 compor- tamento anormal, dois livros deram impulso ao campo. Clifford Beers, um ex-paciente com problemas mentais, escreveu A mind that found itself (1908), que fez muito sucesso € chamou a atengdo para a necessidade de tratar com mais humanidade as pessoas mental- mente doentes, A obra Psychotherapy (Psicoterapia) (1909), de Hugo Miinsterberg, também teve grande repercussao e descrevia as técnicas de tratamento de varios distirbios men- tais, Miinsterberg promoveu a psicologia clinica, descrevendo métodes especificos para © auxilio a pessoas perturbadas. ‘A primeira clinica de orientacao infantil foi fundada em 1909 por um psiquiatra de Chicago, William Healey. Em seguida, varias clinicas desse tipo surgiram, oferecendo o = Uma espécie de programa de assisténcia & crianga, que atualmente abrange ndo apenas as dificuldades de aprendiza- gem, como também as de cunho social. (NT) 210 HistORIA DA PSICOLAGIA MODERNA tratamento precoce dos distuirbios infantis, a fim de evitar a evolucao para estados mais Sraves na vida adulta. Essas clinicas empregavam a mesma abordagem adotada nas outras Criadas pelos seguidores de Witmer: a combinagio do trabalho de médicos, psic6logos, psi- quiatras e assistentes sociais para avaliar todos os aspectos do problema de um paciente. As Ideias de Sigmund Freud foram fundamentais para 0 avanco da psicologia clinica €acabaram conduzindo o campo muito além dos limites da clinica de Witmer. A psicand- lise freudiana tanto fascinou como enfureceu segmentos dominantes da psicologia, bem como o puiblico americano. Os conceitos de Freud proporcionaram aos psic6logos clinicos as suas primeiras técnicas psicolégicas de terapia. Apesar de tudo, a psicologia clinica avangou lentamente como profissio. Mesmo em 1918, nove anos depois da visita de Freud aos Estados Unidos, ainda nao havia programas dle pés- graduacao em psicologia clinica. Em uma teuniao de psicélogos imteressados na Area, realizada em 1918, Henry Goddard levantou a questao 4 qual ele mesmo respondeu: “O que faz 0 psicdlogo clinico? Af é que esta — ninguém sabe" (apud Routh, 2000, p. 237). Mesmo por volta de 1940, a psicologia clinica ainda era uma parte menor da psicolo- gia. Havia poucas instituicdes para o tratamento de adultos com distiirbios e, consequen- temente, poucos empregos para psicdlogos clinicos, Os programas de treinamento para novos psicdlogos clinicos eram limitados. O trabalho do profissional raramente ia além da administracdo de testes. Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, em 1941, a situacaio mudou. Esse foi o impulso que faltava para transformar a psicologia clinica em uma area especializada, aplicada e dindmica. O exército estabeleceu progra- mas de treinamento para centenas de psicélogos clinicos comandados para tratarem os disttirbios emocionais dos soldados. Depois da guerra, a necessidade de psicélogos clinicos aumentou ainda mais. A Vete- rans Administration — VA [Administragao dos Veteranos] (hoje, Department of Veterans Affairs [Departamento de Assuntos dos Veteranos]) viu-se responsdvel por mais de 40 mil veteranos de guerra diagnosticados com problemas psiquiatricos. Mais outros trés milhdes necessitavam de orientaco vocacional e pessoal para ajud4-los na retomada da vida civil. Cerca de 315 mil veteranos aguardavam 0 auxilio para se ajustarem as deficiéncias fisicas resultantes dos ferimentos de guerra: Havia uma demanda excessiva de profissionais da satide mental que ultrapassava de longe a oferta. Para ajudar a atender a essas necessidades, a VA criou programas de graduacao de nivel universitario € pagou as mensalidades aos estudantes de pos-graduacdio que desejassem trabalhar nos hospitais ¢ nas clinicas da VA. Em virtude da especificidade desses progra- mas, 0s psic6logos clinicos passaram a tratar de um tipo diferente de paciente. Antes da guerra, a maior parte do trabalho era dedicada as criangas com problemas de delinquéncia ede ajuste, mas as necessidades dos veteranos de guerra trouxeram pacientes adultos com problemas emocionais ainda mais profundos. O Department of Veteran Affairs continua a ser o maior empregador de psicélogos dos Estados Unidos, Atualmente, os psicdlogos clinicos estao empregados em centros de satide mental, esco- las, empresas e clinicas particulares. A psicologia clinica € a maior area de especializacao aplicada, com mais de um terco de todos os estudantes de pés-graduacao matriculados Nos programas clinicos. Varias grandes divis6es da APA dedicam-se as questées da satide mental nos ambientes académicos e aplicados e 70% dos membros da APA trabalham nas areas direcionadas aos servicos de satide. Mais de um terco de todos os membros da APA atuam em consultérios particulares e 44% dos novos Ph.D. esttio empregados em hospitais, centros assistenciais e organizagées de clinicas particulares (Fowler, 2002; Smith, 2002b). CAPITULO 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO 211 0 Movimento da Psicologia Industrial-organizacional Outro aluno de Wundt, em Leipzig, Walter Dill Scott, deixou o universo da pura psicolo- gia introspectiva para aplicar a nova ciéncia 4 publicidade ¢ aos negécios. Scott dedicou a maior parte da sua vida adulta a melhoria do mercado e do ambiente de trabalho, pro- curando identificar métodos para os grandes empresdrios motivarem os funciondrios € os consumidores. Walter Dill Scott (1869-1955) 0 trabalho de Scott reflete a preocupacao da escola da psicologia funcionalista com as questdes préticas. Um historiador da psicologia declarou: ‘Ao deixar Wundt e Leipzig e retornar 4 Chicago da virada do século, as publicagdes de Scott passaram da teorizacdo germanica para a praticidade americana. Em vez de explicar a motivacdo os impulsos em geral, Scott dava orientacoes de como influenciar pessoas, inclusive os consumidores, 0 puiblico em palestras ¢ os trabalhadores. (Von Mayrhauser, 1989, p. 61) Scott também colecionou uma lista impressionante de primeiras posigdes. Ele foi * a primeira pessoa a aplicar a psicologia a selecao de pessoal, & administracao e & publicidade, e 0 autor do primeiro livro nessa area; * o primeiro com 0 titulo de professor de psicologia aplicada; * 0 fundador da primeira empresa de consultoria em psicologia; € « 0 primeiro psicdlogo a receber do exército americano a medalha de honra por servigos prestados. A Biografia de Scott Nasceu em uma fazenda proxima a cidade de Normal, em Illinois, e em certa ocasiao, enquanto 0 jovem Scott arava a terra, ocorreu-Ihe a ideia da melhoria do ambiente de traba- Iho. Seu pai frequentemente estava doente e assim o garoto de 12 anos era responsavel por grande parte da administragao da pequena fazenda da familia. Um dia, depois de arar um trecho do solo para o plantio, parou no final dos sulcos para os cavalos descansarem um pouco e avistou a distancia os prédios do campus da Illinois State Normal University. De repente percebeu que, se almejava obter uma vida melhor, no podia mais perder tempo. Fle perdia 10 minutos a cada hora de aragem para os cavalos descansarem! Esses minutos somados totalizavam cerca de uma hora e meia por dia, tempo que poderia usar para estu- dar, Entao, Scott decidiu carregar consigo livros para ler durante qualquer intervalo. Para pagar a mensalidade da faculdade, colhia e enlatava amoras, recuperava ferros dis- torcidos para vender, além de fazer biscates. Guardava parte do dinheiro € 0 resto gastava 212 HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA em livros. Com 19 anos, matriculou-se na Illinois State Normal University e comegou sua longa jornada para longe da fazenda. Dois anos depois, conseguit uma bolsa de estudos para frequentar a Northwestern University, em Evanston, Illinois, e dava aulas particulares para ganhar um dinheiro extra. Fez parte do time de futebol americano da universidade e, nessa época, conheceu Anna Marcy Miller, com quem viria a se casar. Ele também escolheu sua carreira € resolveu tornar-se missionério para servir na Chi- na, embora isso significasse mais trés anos de estudo. Quando se formou no seminério teolégico de Chicago e estava pronto para partir, soube que a China nao mais aceitava missionarios, pois estava lotada. Foi entdo que seus interesses se voltaram para a psicolo- gia. Fizera um curso de psicologia de que gostara muito e lera um artigo em uma revista a respeito do laboratério Wundt, em Leipzig. Com as bolsas de estudo, as aulas particulares e a vida simples que levava, economizara alguns milhares de dolares, 0 suficiente para adquirir a passagem para a Alemanha e para se casar. Em 21 de julho de 1898, Scott e sua noiva partiram. Enquanto ele estudava com Wundt, Anna Miller Scott trabalhava no seu Ph.D. em literatura na University of Halle, cerca de 30 quilémetros distante. Muitas vezes eles se encontravam apenas nos fins de semana. Ambos receberam 0 doutorado dois anos depois. Scott passou a fazer parte do corpo docente da Northwestern University como orientador de psicologia e pedagogia, j4 mostrando sua tendéncia de aplicar a psicologia aos problemas educacionais. Alguns anos depois, seus interesses mudaram, ao ser procurado por um executivo publicitario, pedindo para que tentasse aplicar a psicologia nos antincios, com o intuito de Ihes aumentar a eficacia. Essa ideia despertou o seu interesse. Acompanhando o espirito do funcionalismo americano, o caminho de Scott distanciava-se da psicologia wundtiana a medida que encontrava formas para empregar a psicologia nas questées da vida real. Scott escreveu The theory and practice of advertising (1903), 0 primeiro livro a respeito do assunto e, em seguida, outros livros e artigos para revistas. Sua pericia, reputacao e 0s contatos na comunidade empresarial ampliaram-se rapidamente. Ele também voltou sua atengdo para os problemas administrativos e de selecao de pessoal. Em 1905, foi pro- movido a professor e, em 1909, comegou a lecionar publicidade na escola de comércio da Northwestern University. Em 1916, foi indicado professor de psicologia aplicada e dire- tor do departamento de pesquisas das habilidades em vendas da Pittsburgh's Carnegie ‘Technical University. Quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, em 1917, Scott ofereceu ao exército suas habilidades para ajudar na selecao dos soldados. No inicio, Scott e suas propostas nao foram bem-aceitos, porque nem todos estavam convencidos do valor pratico da psicologia. O general do exército com quem Scott tinha de lidar ficou furioso e expressou sua desconfianca de professores, “Ele disse que era sua funcio enxer- gar que 0s professores universitérios nao conseguiam progredir e que nés estavamos na guerra com os alemaes ¢ ndo tinhamos tempo a perder com experiéncias” (Scott, apud Von Mayrhauser, 1989, p. 65). Scott acalmou o homem irado, levou-o para almocar ¢ 0 convenceu do valor das suas técnicas de selecao. Aparentemente, Scott conseguiu provar seu ponto de vista e, posteriormente, 0 exército acabou concedendo-lhe uma medalha pelos servicos prestados. Depois da guerra, Scott fundou a propria empresa (com o nome bem “criativo” de ‘The Scott Company) para prestar servigos de consultoria as empresas que desejassem auxilio na selegdo de pessoal e na melhoria da eficacia do trabalhador. Também foi reitor da Northwestern University, entre 1920 e 1939. O saguao da universidade foi batizado de Salao Scott, em homenagem a Walter Dill Scott ¢ Anna Miller Scott. CariTuto 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO 213 Publicidade e Sugestionabilidade Humana ‘A marca da formagio de Scott na psicologia experimental de Wundt, baseada na fisiologia, € sua tentativa de estendé-la para o dominio da pratica sao patentes em seus trabalhos a respei- to da publicidade. Por exemplo, ele observou que os drgdos humanos dos sentidos so a janela da alma. Quanto mais sensagdes recebemos de um objeto, mais 0 conhecemos. ‘A fungao do sistema nervoso € fazer-nos perceber a visio, a sonoridade, o sentimento, 0 sabor ¢ outras caracteristicas dos objetos presentes no nosso ambiente. O sistema que ndo reage ao som ou a qualquer outra qualidade sensitiva € deficiente. ‘A publicidade as vezes 6 comparada ao sistema nervoso do mundo dos negécios. Um antincio de instrumentos musicais incapaz de despertar a sensacao sonora é deficiente. ‘Assim como 0 sistema nervoso € organizado de forma a nos proporcionar todas as sensagoes possiveis de cada objeto, 0 antincio deve despertar na mente do consumidor diferentes tipos de imagens. (apud Jacobson, 1951, p. 75) Scott alegava que 0 consumidor pode ser facilmente influencidvel porque, muttas vezes, nao age racionalmente. Considerava a emocao, a simpatia ¢ o sentimentalismo fatores que aumentam a sugestionabilidade do consumidor. Também acreditava, como era comum naquela época, que a mulher era mais sugestionavel do que o homem. Aplicando sua lei da sugestionabilidade, recomendava as empresas que usassem comandos diretos para vender 0 produto, como, por exemplo, Use 0 sabdo X, Ble também promoveu 0 uso dos cupons porque faziam com que os consumidores tomassem uma atitude direta~ como recortar o cupom do jornal, preenché-lo com nome ¢ endereco e remeté-lo para a empre- sa, a fim de receber uma amostra gratis. Essas técnicas foram adotadas com entusiasmo pelos publicitarios e, em torno de 1910, seu uso ja era generalizado Selecdo de Pessoal Para a selecdo dos melhores funcionarios, principalmente entre o pessoal de vendas, exe- cutivos e militares, Scott criou escalas de classificacado € testes em grupo para medir as caracteristicas das pessoas j4 bem-sucedidas nessas ocupag6es. Assim como Witmer na psicologia clinica, Scott nao tinha como se basear em algum trabalho anterior, Procurou os oficiais do exército e os gerentes das empresas, pedindo-Ihes que classificassem seus subordinados pela aparéncia, pelo porte, pela sinceridade, pela pro- dutividade, pelo carater e pelo valor profissional para a organizacao. Em seguida, classificou os candidatos as vagas de acordo com as qualidades consideradas necessérias para o bom desempenho da fungio, procedimento semelhante ao adotado atualmente. Scott desenvolveu testes psicologicos para medir a inteligéncia € outras habilidades, mas, em vez de avaliar os candidatos individualmente, criou testes para aplicacao em grupo. Quando ha grande ntimero de candidatos para ser avaliado em pouco tempo, os testes em grupo sdo mais eficientes e mais econdmicos. Esses testes eram diferentes dos que estavam sendo desenvolvidos por Cattell e outros psicélogos da aplicaciio. Scott néo apenas media a inteligéncia geral, como também se interessava em saber como a pessoa empregava sta inteligéncia. Em outras palavras, dese- java saber como 0 individuo processava as informacoes € como a inteligencia funcionava 214 HisTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA no mundo cotidiano. Ele definiu a inteligéncia nao em termos de habilidades cognitivas especificas, mas em termos praticos como julgamento, rapidez e precisao. Essas sao carac- teristicas necessarias para a realizacao de um bom trabalho. Ele comparava os resultados dos testes dos candidatos com os de funciondrios bem-sucedidos e nao se preocupava com a indica¢ao que esses resultados pudessem dar a respeito dos elementos mentais. Comentarios Scott, assim como Witmer, nao é alvo de muita atencao da historia da psicologia ¢ ha diversas razSes para esse relativo descaso. Assim como muitos psicdlogos da aplicacao, Scott nao formulou teorias, nao fundou uma escola de pensamento nem teve discipulos leais para dar continuidade ao seu trabalho. Conduziu pouca pesquisa experimental e nao publicou muito nas principais revistas. Seus trabalhos para as empresas do setor privado € para 0 exército eram direcionados a problemas muito especificos. Muitos psicélogos académicos, principalmente 0s que ocupavam posicées de titular nas principais univer- sidades e contavam com laboratérios bem financiados, menosprezavam 0 trabalho dos psicdlogos da aplicacao, pois acreditavam que eles pouco contribuiam para 0 progresso da psicologia como ciéncia. Scott € outros psic6logos que trabalhavam com psicologia aplicada contestavam essa nocao. Nao viam conflito entre a aplicagdo da psicologia e o seu avango como ciéncia. Os psic6logos da aplicacao alegavam que, ao trazer a psicologia aos olhos do puiblico, conseguiam demonstrar o seu valor, ¢ assim as pesquisas psicolégicas nos laboratérios académicos passavam a ser mais reconhecidas, Dessa maneira, os pioneiros da psicologia aplicada refletiam o espirito funcionalista americano, com a tarefa de transforma-la em um instrumento utilitario. 0 Impacto das Grandes Guerras Mundiais A Primeira Guerra Mundial provocou um aumento monumental no escopo, na popularida- de e no crescimento da psicologia industrial-organizacional. Vimos que Scott voluntariou- se para prestar servicos ao exército americano e desenvolveu uma escala de classificago para a selecao de capitaes do exército, com base nos testes que criara para a categorizacao de lideres nas empresas (veja na Tabela 8.1). No final da guerra, j4 havia avaliado a qua- lificagao profissional de trés milhdes de soldados, e esse trabalho foi amplamente divul- gado como um exemplo do valor pratico da psicologia. Depois da guerra, houve grande demanda por parte do comércio, da industria e do governo pelos servicos dos psicdlogos industriais para a reorganizacao dos seus procedimentos de pessoal e a preparacao de tes- tes psicolégicos para a selecao de funcionarios. A Primeira Guerra Mundial também exerceu grande impacto na psicologia indus- trial europeia (Viteles, 1967). Psicélogos ingleses e alemaes também colaboraram com o esforgo de guerra nas suas nacoes, desenvolvendo técnicas para a selegao de pessoal do exército e ajudando no projeto de equipamentos militares, como o aparelho de telemetria Depois da guerra o interesse pela psicologia industrial continuou a crescer. Em 1921, foi fundado na Inglaterra o National Institute of Industrial Psychology [Instituto Nacional Capitulo 8 — PSICOLOGIA APLICADA: A HERANCA DO FUNCIONALISMO 215 de Psicologia Industrial] . Institutos semelhantes de psicologia aplicada foram criados nas principais cidades da Alemanha e diversas corporagdes organizaram os proprios labora- torios de psicologia. ‘A Administragao do Trabalho Alem foi estabelecida na década de 1920 para desen- volver e aplicar testes psicolégicos com 0 objetivo de combinar pessoas que solicitavam emprego ao tipo de trabalho que se qualificavam mais, ¢ a maioria das empresas alemas de grande porte estabeleceram seus proprios departamentos de testes psicolégicos (Meskill, 2004). O exército alemao também estava aplicando ativamente testes psicologicos para fins de selecao. Em 1941, dois anos apés 0 inicio da guerra, os militares tinham cerca de 500 psicdlogos desenvolvendo e aplicando testes psicolégicos (veja Highhouse, 2002) ‘A Segunda Guerra Mundial empregou psicologos no trabalho de guerra, para a rea- lizacao de testes, selecdo e classificacao de soldados. Além disso, nesse perfodo, as armas de guerra (como as aeronaves de alta velocidade) haviam se tornado tao complexas que a sua operacdo exigia pessoal altamente qualificado. A necessidade de identificar soldados com capacidade para aprender as qualificac6es exigidas levou os psicblogos a aperfeicoarem os procedimentos de selecao € treinamento. Essas necessidades da guerra geraram uma ova especialidade dentro da psicologia industrial, muitas vezes chamada de psicologia da engenharia, engenharia humana, engenharia dos fatores humanos ou simplesmente ergonomia. Os psicdlogos da engenharia trabalham em conjunto com os engenheiros de sistemas de armamento, fornecendo informacoes acerca da capacidade e da limitactio humanas. Seu trabalho exerce influéncia direta no projeto de equipamentos militares, para adequé-los as habilidades de quem 0s for manusear. Hoje, os psicdlogos da engenha- tia nao trabalham apenas com equipamentos militares, como também com produtos de consumo, como teclados de computador, mobilidrio de escritérios, eletrodomésticos € visor de painéis de automéveis. Oo Jabela 6.1 Escala de Classificagao de Scott Essa escala de classificagao foi elaborada por Walter Dill Scott para ajudar na avaliacao de oficiais subordinados. Cada avaliador registra 0 nome do oficial mais representativo de cada atributo em cada nivel de competéncia. I. Qualidades Fisicas Mais alto 15 Complei¢ao, postura, elegancia, Médio 15 expressio, vigor, resistencia. Avalie as Alto 9 impressdes causadas pelo funcionario Baixo 6 nesses aspectos. Mais baixo 3 Il. Inteligéncia Mais alto 15 Precisdo, facilidade de aprendizagem; Alto 12 capacidade de compreender rapidamente Médio 9 © ponto de vista do superior, de emitir ordens Baixo 6 claras ¢ inteligentes, de avaliar uma nova Mais baixo 3 situacao e de tomar uma decisao sensata em uma crise. Ill. Lideranca Mais alto 15 Iniciativa, poder, autoconfianga, Alto 12 determinagao, tato, capacidade de Médio 9 216 HISTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA influenciar as pessoas e de obter e Baixo 6 controlar a sua obediéncia, Mais baixo 3 lealdade e cooperagao. IV. Qualidades Pessoais Mais alto 15, Esforco, seguranca, lealdade; disposicao Alto 12 para arcar com as consequéncias dos Médio 9 proprios atos; livre de vaidade e egoismo; Baixo 6 prontidao e capacidade de colaboracao. Mais baixo 3 V. Valor Geral para o Trabalho Mais alto 40 Conhecimento, capacidade e Alto 32 experiéncia profissional; éxito Médio 24 como administrador e orientador; Baixo 16 capacidade de obter resultados. Mais baixo 8 Os Estudos de Hawthorne e as Questées Organizacionais O enfoque inicial dos psicélogos industriais durante a década de 1920 consistia na selecao e na colocacao dos candidatos — a escolha da pessoa certa para a posi¢ao mais adequada. Em 1927, 0 programa da area ampliou-se consideravelmente com 0 programa de pesqui- sa inovador conduzido pela Western Electric Company, na fabrica de Hawthorne, em Illinois (Roethlisberger e Dickson, 1939). Esses estudos ultrapassaram o limite da selecao e da colocacao de pessoal, abordando problemas mais complexos das relagdes humanas, como a motivacao e o moral. A pesquisa comecou investigando diretamente os efeitos do ambiente fisico de trabalho = como as condi¢des de iluminacao e temperatura — sobre a eficiéncia dos funcionarios. Os resultados surpreenderam os psicdlogos e dirigentes das fabricas, pois constataram que os aspectos sociais e psicolégicos do local de trabalho eram muito mais importantes do que as condigées fisicas. 3 Por exemplo, pesquisadores conduziram 20 mil entrevistas com trabalhadores e verificaram que nao era a substancia das entrevis- tas, mas o proprio fato de serem entrevistados (i.e., receberem atengao, serem analisados, pesquisados, observados e ouvidos) que diminuia sua resisténcia e os tornava mais déceis e “melhor ajustados.” (Lemov, 2005, p. 6S) Em outras palavras, sé 0 fato de serem questionados ou observados no trabalho, como parte do programa de pesquisa, persuadiu muitos trabalhadores que a administracao se impor- tava com eles, que seus patrdes estavam realmente interessados neles como individuos e n&o simplesmente como dentes de engrenagem substituiveis na grande maquina industrial. Os estudos de Hawthorne levaram os psicdlogos a explorarem 0 aspecto social e 0 aspecto psicolégico do ambiente de trabalho, incluindo o comportamento da lideranga, a formagao de grupos informais de trabalho, as atitudes dos funcionarios, os padrdes de comunicagao entre os subordinados e seus superiores, além de outros fatores capazes de influenciar a motivacdo, a produtividade e a satisfagao. Os lideres empresariais logo aca- Caviruio 8 PSICOLOGIA APUCADA: A HERANGA DO FUNCIONAUSMO 217 haram reconhecendo e aceitando @ influéncia dessas forcas no desempenho profissional. Hoje, os psicdlogos estucdam os diferent tipos de organizacio, seus estilos corganizacionais ede comunicasio, bem. como stias estrus sociais formais e informais. Reconhecendo 3 importancia da varidvel organizacional, a Division of Industrial Psychology [Divisao de Psicologia Industrial] da APA passou @ S° Chamada de Society for Industrial and Organi- cational Psychology (Sociedade de Psicologia Industrial e Organizacionab. ‘As Contribuicdes da Mulher a Psicologia Industrial-organizacional A psicologia industrial-organizacional, em termos profissionais, historicamente tem ofereci- do oportunidades de carreira para 2s ‘mulheres. A primeira pessoa a obter 0 Ph.D. na rea foi Lillian Moller Gilbreth (1878-1972), que recebeu 0 titulo em 1915 na Brown University. Ela promoveu, em conjunto com o se ‘marido, Frank Gilbreth, a andlise do ‘temmpo-movimento Como uma técnica para melhorar © desempenho no trabalho. No entanto, muitos empresatios daquela época nao aceitavam a presens? de psicdlogas nos escritorios ¢ nas fabricas. 2g, quando Lillian e Prank escreveram livro sobre a eficiéncia industrial, o editor recusourse a mencionar o nome dela na CaP justificando que afetaria & credibilidade go livio, Seu proprio livro sobre a psicologia gerencial foi publicado somente quando ela concordou que seu nome aparecesse COTO L_M. Gilbreth, em vez de Lillian Gilbrethy ale- gou-se que o empresario nao compraria 0 livro se visse 0 Rome de uma autora na capa. Ela superou essa e outras barreitas © conseguiu obter uma longa carreira de sucesso (Kelly e Kelly, 1990). Sua imagem chegou ote a ser estampada em um selo postal americano. ‘Nana Berliner, a anica aluna de Wundt, foi outra pioneira na psicologia industrial. Ela foi pata Leipzig, apresentou-se a ‘undt e disse que desejava estudar com ele, mesmo sabendo que ele nunca aceitara wma mulher como aluna. Aparentemente surpreendido pela sua postura impositiva, Wundt concordou (Guthrie e Wesley, 1991). Berliner, depois, Papathou como psicéloga industrial no Japao © escreveu. ‘um livro sobre a publicidade nos jornais japoneses. Realizou uma pesquisa de mercado na ‘Memanha e, em seguida, emigrou para 08 Estados Unidos para lecionar na Pacific Uni- versity, em Oregon, onde conduziu uma pesquisa sobre optometria € deficiéncias visuais que afetam a aprendizagem- ‘tualmente, mais da metade dos candlidatos @ ph.D. em psicologia industrial-organi- zacional € de mulheres. Hugo Miinsterberg (1863-1916) Hugo Mansterberg, um estereotipo de professor alemdo, durante certo tempo foi um fenome- rno de sucesso na psicologia americana e mais ginda perante os olhos do piblico. Escreve® ceatenas de artigos para revistas populares © cerca de 20 livros em areas aplicadas come a psicologia clinica, industrial ¢ forenss ‘Visitava frequentemente a Casa Branca come convidado dos presidentes Theodore Noosevelt e William Howard Taft, MinsterDers, foi uum influente conselheiro de lideres governamentais ¢ empresariais, mantendo relac&es com ricos e famosos como 0 Kaiser Wilhelm, da Alemanha, 0 magnata do aco Andrew Carnegie, 0 fil6sofo Bertrand Russell, vilém de varios intelectuais e estrelas do cinema- 218 HisTORIA DA PsiICOLOGIA MoerNa Durante algum tempo, Miinsterberg foi professor honorario da Harvard University, além de ter sido eleito tanto para a presidéncia da APA como da American Philosophical Association [Associagao Americana de Filosofia]. Foi fundador da psicologia aplicada nos Estados Unidos ¢ na Europa e também um dos dois tinicos psicélogos até hoje acusados de espionagem. Miinsterberg era descrito como um “propagandista criativo da psicologia aplicada” (O'Donnell, 1985, p. 225). Segundo o seu bidgrafo, Miinsterberg também foi um agente de publicidade bem-sucedido, “dotado de um instinto extraordindrio para o sensaciona- lismo. [Sua] vida pode ser interpretada como uma série de promogées de si mesmo, da sua ciéncia e da sua patria-mae [a Alemanha]" (Hale, 1980, p. 3). Ele era extremamente egocéntrico e pretensioso. O filésofo George Santayana o des- creveu como “pomposo” e “extremamente egoista.” Miinsterberg certa vez disse a San- tayana, durante uma viagem transatlantica, que era surpreendente ver quantas pessoas esto viajando neste navio s6 porque eu estou aqui” (apud Benjamin, 2006b, p. 419). No final da vida, Miinsterberg havia se tornado alvo de desptezo € do ridiculo, retrata- do em charges e caricaturas de jornais, uma vergonha para a universidade em que havia trabalhado varios anos, e “uma das pessoas mais odiadas dos Estados Unidos” (Benjamin, 2000b, p. 113). Ao morrer, em 1916, poucas palavras elogiosas foram proferidas para homem que um dia fora um gigante da psicologia americana. A Biografia de Miinsterberg Em 1882, com 19 anos, Miinsterberg deixou Danzig, sua terra natal, na Alemanha (hoje Gdansk, na Polnia), e seguiu para Leipzig, com a inten¢ao de cursar a universidade de medicina. Mas, quando fez um curso de psicologia com Wilhelm Wundt, mudou seus planos de carreira. Ficou entusiasmado com a nova ciéncia, mais especificamente com as oportunidades promissoras que a pesquisa e a pratica da medicina nao ofereceriam. Fez 0 doutorado com Wundt, recebendo 0 titulo em 1885, e formou-se médico dois anos depois, na University of Heidelberg, na expectativa de que ambas as graduagdes aumentariam sua capacitacdo para a carreira na pesquisa académica. Aceitou lecionar na University of Freiburg e instalou um laboratério na sua casa, com financiamento proprio, porque a universidade carecia de instalac6es adequadas. Miinsterberg escreveu artigos a respeito do seu trabalho experimental na psicofisica, que Wundt criticou porque a pesquisa abordava 0 contetido cognitivo da mente em vez de os estados do sentimento. Mesmo assim, seu trabalho atraiu muitos seguidores e, logo, alunos de todas as partes da Europa procuravam aos bandos 0 seu laboratério. Ele parecia trilhar o caminho correto para assegurar a cadeira de professor universitario e a reputagao de respeitavel pesquisador. William James seduziu Minsterberg, desviando-o desse caminho mediante a oferta de tornar-se um diretor muito bem pago do laboratorio de psicologia da Harvard. James langou mao de elogios, dizendo para Miinsterberg que a Harvard era a maior universidade americana e que necessitava de um génio para dirigir 0 laborat6rio. Munsterberg preferia permanecer na Alemanha, porém a sua ambicao o fez sucumbir a tentagao, levando-o a aceitar a oferta de James. A transigao da Alemanha para os Estados Unidos, bem como da psicologia experimental pura para a aplicada, foi dificil. Primeiro, Miinsterberg nao aprovava a disseminacao das especializacées na psicologia aplicada e criticou os administradores da universidade por Capitulo 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALSMO 29 pagarem tao mal os pesquisadores que eles eram forcados a assumir atividades praticas. Em um artigo publicado na revista americana ‘Atlantic Monthly (1898) atacou colegas que estavam aplicando 0 conhecimento da psicologia 3 educacdo, ou que utilizavam questio- nnirios € outras técnicas de medida mental (Benjamin 2006b). Ao fazer isso, ele alienow muitos psicélogos influentes, incluindo Cattell, Criticou os psicdlogos americanos que ceereviam pata o pablico em geral, ministravam cursos pagos para lideres empresariais a fereciam seus servigos mediante remuneragdo. No ‘entanto, ndo passou muito tempo até que ele mesmo agisse de modo idéntico. Depois de passar 10 anos em Harvard, talvez percebendo que nenhuma universidade ajema jamais the ofereceria uma cadeira de titular, esx seu primeiro livro em inglés. ‘\merican traits (1902) consistia em uma andlise ps olégica, social e cultural da sociedade americana, Escritor répido e talentoso, Minsterberg era capaz de ditar para a sua secretaria tum livro de 400 paginas em um més. A ealorosa aceitacao de seu Livro encorajou-o a direcionar Of trabalhos seguintes para 6 ptiblico em geral e nao para os colegas da area, Esses artigos logo se tornaram matéria principal das publicacdes populares ‘ado das revistas especializadas em psicologia pandonou a pesquisa psicofisica sobre © contetido da mente para dedicar-se a busca de solugées para os problemas cotidianos. Seus artigos abordavam 0s julgamentos nos tribu- mais. o sistema judiciério criminal, a publicidade dos produtos de consumo geral, a orien- tacao vocacional, a psicoterapia e a satide mental, a educacao, as questdes relacionadas & tnatistria e a0 comércio € até mesmo a psicologia na industria cinematografica. Preparou cursos de administragdo e aprendizagem Por correspondéncia e gravou filmes sobre testes snentais, exibidos em todos os cinemas dos Estados Unidos. Miasterberg jamais fugiu de uma polémica. Durante © julgamento sensacionalista de um criminoso, administrou 100 testes mentals 2 assassino confesso de 18 pessoas, que acusava um lider sindical de té-lo contratado para assassind-las. Com base nos resul- tados do teste, Minsterberg anunciou, mesmo antes de o jtiri chegar ao veredicto, que @ confissio do assassino acusando o lider sindical era verdadeira. Quando 0 juri absolveu 0 eler sindical, o prejuizo na reputacao de MunsterDerg foi enorme e um jornal apelidou-o de “Professor Monster-work”” Em 1908, Miinsterberg envolveu-se no episodio do movimento de proibicao da venda de bebidas alcoélicas. Posicionava-se contrario & proibicao, citando seus conhecimentos como psicélogo € expressando a visdo de que © consume moderado de bebida alcodlica seria até benéfico. Os fabricantes alemdes e americano’ de cerveja, incluindo Adolphus Busch e Gustave Pabst, ficaram satisfeitos por contarem com ‘0 apoio de Miinsterberg e geram contribuigdes generosas para financiar seus esforcos de melhorar a imagem da ‘slemanha perante os Estados Unidos, Em um infeliz © suspeito espaco curto de tempo, Busch teria doado SO mil délares para a proposta de Miinsterberg de criagao do Museu ‘Alomao, apenas algumas semanas depois da publicacao ‘do seu artigo denunciando a proi- bicdo. Essa coincidéncia foi alvo de muita atencao da midia jornalistica. “vg ideias de Miinsterberg sobre a mulher também exam polémicas. Fle até aceitava a ideia da presenga da mulher nos cursos de pés-graduagdo, como os exemplos de Mary whiton Calkins (Capitulo 7) ¢ Ethel Puffer, sua assistent® de laboratério, mas acreditava que esse trabalho exigia demais da mulher. Dizia que ela nao devia ser educada para @ a orreira profissional, pois isso a afastava do lar, nem devia lecionar em escolas ptiblicas, j4 que eta um fraco exemplo para os meninos. ‘slém disso, nao devia ser convocada para fazer parte de um fari, pois nao tinha capacidade para tomar decisdes racionais, observa- gao que virou manchete de diversos jornais estrangeiros. 220 Historia DA PSICOLOGIA MODERNA O reitor da universidade Harvard e a maioria dos seus colegas condenavam sua ten- déncia de emitir comentarios sensacionalistas para a imprensa a respeito de questoes polémicas ¢ além disso reprovavam seu interesse pela psicologia aplicada. O reitor de Harvard advertiu-o que evitasse responder as perguntas dos repérteres e o aconselhou a “dedicar-se a algum curso sistematico com atividades externas interessantes, ausentan- do-se de Cambridge entre sexta 4 noite e segunda de manha para uma mudanca de ares e de ideias” (apud Benjamin, 2000b, p. 119). A tensao nas relages atingiu o auge quando Miinsterberg defendeu publicamente a sua patria, a Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial. A opiniao publica americana posicionava-se totalmente contraria aquele pais. A Alemanha era a agressora na guerra que ja havia ceifado milhdes de vidas, mas Miinsterberg, ainda um cidadao alemao, defendia abertamente 0 seu pais. Os jornais acusavam-no de ser agente secreto, espido ou oficial de alta patente do exército alemao e exigiam a sua demisso de Harvard. Um jornal londrino chamou-o de um dos agentes americanos do Kaiser. Seus vizinhos suspeitavam que os Pombos que a sua filha alimentava no quintal no fundo de casa carregavam mensagens para outros espides. Um ex-aluno da Harvard ofereceu a doacao de 10 milhées de dolares a universidade se Miinsterberg fosse demitido. Ele ofereceu demitir-se pelo pagamento imediato de 5 milhoes de délares, criando uma situacao constrangedora para a universi- dade (Spillmann e Spillmann, 1993). Os colegas o humilhavam e ele recebia ameacas de morte pelo correio. O ostracismo eo violento ataque ptiblico acabaram com o seu 4nimo. Todavia, em 16 de dezembro de 1916, 0s jornais noticiavam as possiveis conversacoes de paz na Europa. “Até a primave- ra teremos paz", ele disse a esposa (Miinsterberg, 1922, p. 302). Seguiu a pé pela imensa camada de neve para dar a aula da manha e chegou ao saguao da universidade exausto Minsterberg deu a aula “por cerca de meia hora e pareceu hesitar; no momento seguinte esticou o brago direito na direcdo da mesa como se quisesse se endireitar” (New York City Evening Mail, 16 dez. 1916). Caiu morto sem pronunciar uma tinica palavra, atingido por um infarto fulminante. A Psicologia Forense e a Testemunha Ocular A psicologia forense trata da relacao entre a psicologia ea lei. Miinsterberg escreveu artigos de revista abordando temas como a prevengao do crime, o uso de hipnose no interrogat6- tio dos suspeitos, a aplicacao de testes mentais para detectar os culpados e a honestidade questionavel da testemunha ocular. Nutria um interesse especial por esse tiltimo tema, mais especificamente pela falibili- dade da percepcao humana no testemunho de um crime e na subsequente reconstituigao da cena. Conduziu pesquisas com simulagdes de crimes nas quais, imediatamente apés presenciarem a cena, as testemunhas deviam descrever 0 que havia ocorrido. Elas divergiam nos detalhes, embora a cena ainda estivesse fresca em suas mentes. Miinsterberg questionava a exatidao desse testemunho no tribunal se o evento em questao houvesse ocorrido meses antes. ? Agradecemos ao Dr. Ludy T. Benjamin Jr. por nos fornecer essa informagio baseada na sua pesquisa a respeito dos trabathos de Miinsterberg na Biblioteca Publica de Boston. CAPITULO 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO | 221 Em 1908, publicou On the witness stand, descrevendo os fatores psicolégicos que podem influenciar o resultado do julgamento, dentre eles: as falsas confissdes, © poder Ga sugestiio no interrogat6rio da testemunha pela outra parte e o uso de medicoes fisio- ogicas (batimento cardiaco, pressao sanguinea e reacao dermatol6gica) pata detectar os estados emocionais alterados dos suspeitos e acusados. O livro foi reimpresso em 1976, quase 70 anos ap6s a publicacao, por causa do ressurgimento do interesse nas questdes que levantara (jn Loftus, 1979; Loftus ¢ Monahan, 1980). A American Psychology-Law Society [Sociedade Americana de Psicologia Forense] foi fundada naquela época como uma divisao da APA para promover a pesquisa basica e aplicada na psicologia forense. APsicoterapia © livro de Miinsterberg, Psychotherapy (Psicoterapia), publicado em 1909, enfocava uma rea diferente da psicologia aplicada. Miinsterberg tratava os pacientes em seu laboratorio, @ nao em uma clinica, e jamais cobrava pelos servicos. Alegava que essa posi¢ao propor” cionava-Ihe certa autoridade ¢ ele se sentia com liberdade para dar orientagdes diretas aos pacientes de como agir para melhorar. Acreditava que a doenca mental era realmente um problema de desajuste comportamental e nao atributvel a conflitos inconscientes subjacen- tes, como afirmava Sigmund Freud. “Nao existe o subconsciente”, afirmava Minsterberg (apud Landy, 1992, p. 792). Quando Freud visitou a Clark University em 1909, a convite Ge G. Stanley Hall, Miinsterberg saiu do pais para evitar um confronto, Retornou somente depois de Freud voltar para a Europa. ©O tratamento terapéutico de Minsterberg consistia em incitar as ideias perturbadoras do paciente para fora da consciéncia, suprimindo-Ihe os comportamentos indesejaveis ou probleméticos e encorajando-o a esquecer as dificuldades emocionais. Ele tratava do alcoolismo, da dependéncia de drogas, das alucinac&es, da obsessao, das fobias dos dis- tirbios sexuais. Usou a hipnose durante um tempo, mas desistiu quando uma paciente chegou a ameagé-lo com uma arma. A historia novamente chamou a atencao da midia e o reitor de Harvard exigiu que Miinsterberg evitasse hipnotizar mulheres. Seu livro a respeito da psicoterapia contribuiu muito para divulgar o campo da psicolo- gia clinica, mas nao foi bem recebido por Witmer, que instalara sua clinica na University of Pennsylvania varios anos antes. Witmer jamais chegou a alcangar nem nunca alme- jou o tipo de aclamacao publica alcangada por Miinsterberg. Em um artigo que escreveu @ publicou na sua revista, Psychological Clinic, Witmer queixava-se de que Minsterberg havia “depreciado” a profissao, apregoando a cura como se estivesse em uma feira livre. Referia-se a Miinsterberg como um pouco melhor do que os curandeiros da f€ por causa da “maneira elegante como o professor de psicologia da [Harvard] viajava pelo pats, afir- mando ter tratado em seu laboratdrio de psicologia centenas de casos desse ou daquele tipo de distirbio nervoso” (apud Hale, 1980. p. 110) A Psicologia Industrial Minsterberg também foi promotor da psicologia industrial. Comegou a trabalhar nessa frea em 1909 com 0 artigo intitulado “Psychology and the market” (“A psicologia ¢ o mer- 222 HISTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA cado”), que abrangia diversas 4reas em que a psicologia podia contribuir: a orientacao vocacional, a publicidade, a administragao de pessoal, os testes mentais, a motivacao fun- cional e os efeitos da fadiga e da monotonia no desempenho da funcao. Trabalhou como consultor de diversas empresas, além de realizar muita pesquisa pr- tica para essas organizacoes. Publicou suas descobertas em Psychology and industrial effi- ciency (Psicologia e a eficiéncia industrial) (1913), obra escrita para 0 publico em geral, que acabou se tornando campea de vendagem. Minsterberg afirmava que a melhor maneira de aumentar a eficacia no trabalho, a produtividade e a satisfacao era selecionando tra- balhadores para as fungdes de acordo com suas habilidades mentais ¢ emocionais. De que forma? Desenvolvendo técnicas psicol6gicas de selecao adequadas, tais como testes mentais e simulacoes de trabalho, para avaliar 0 conhecimento, a qualificacao ¢ a habili- dade do candidato. Minsterberg conduziu pesquisas sobre as mais diversas ocupacdes, como a de capitao de navio, motorneiro, telefonista e vendedor, para mostrar que suas técnicas de selecao melhorariam o desempenho profissional. Suas pesquisas também demonstraram que a conversa durante o trabalho € prejudicial. A solugao proposta nao era a proibigao da conversa entre os trabalhadores, 0 que podia provocar a hostilidade, mas reorganizar 0 ambiente de trabalho de forma que dificultasse as conversas. Sugeriu aumentar a distan- cia entre as méquinas na fabrica ou separar as mesas dos funcionarios do escritério com divisorias (um precursor dos “cubiculos” usados nos escrit6rios atuais). Comentarios Miinsterberg nao formulou qualquer teoria, nao fundou uma escola de pensamento nem conduziu pesquisas académicas depois de tornar-se um psicdlogo aplicado. Sua pesquisa serviu aos propésitos empresariais, sendo funcional ¢ visando a ajudar de alguma forma as pessoas. Embora houvesse estudado 0 método introspectivo com Wundt, criticou os colegas que nao se dispunham a usar outros métodos psicoldgicos ¢ descobertas para melho- tia da humanidade. A principal ideia que caracterizou a carreira pitoresca e polémi¢a de Miinsterberg foi a énfase no aspecto utilitario da psicologia. Apesar do seu temperamento germAnico, foi a quintesséncia do psicélogo funcional americano, refletindo e exibindo © espirito do seu tempo. A Psicologia Aplicada nos Estados Unidos: Mania Nacional A contribuicao da psicologia durante a Primeira Guerra Mundial colocou a psicologia “em evidéncia e nas manchetes” (Cattel, apud O'Donnell, 1985, p. 239). Hall declarou que a guerra “deu um tremendo impulso a psicologia aplicada. Essa heranga, como um todo, faz bem para a psicologia (...) [nds] devemos tentar nao ser excessivamente puristas” (Hall, 1919, p. 48). Algumas revistas especializadas, como a Journal of Experimental Psychology, interromperam a publicacao durante o perfodo da guerra, mas a Journal of Applied Psycho- logy persistiu. Em 1918, quando a guerra terminou, a psicologia aplicada adquirira muito mais respeito dentro da profissdo. Thorndike disse: “A psicologia aplicada constitui um trabalho cientifico. Exercer a psicologia atendendo as empresas, 2 industria ou 20 exército Capitulo 8 — PSICOLOGIA APLICADA: A HERANCA D0 FUNCIONALISMO 223 é mais dificil do que servindo a outros psicblogos e, intrinsecamente, exige maior talento” (apud Camfield, 1992, p. 113). ‘A psicologia académica também se beneficiou do sucesso da psicologia aplicada duran- te o perfodo da guerra. Pela primeira vez, houve emprego suficiente e apoio financeiro para 0s psicdlogos universitarios. Novos departamentos de psicologia foram criados, novos edificios e laboratorios construidos, houve mais verba para os salarios dos professores © nuimero de associados da APA triplicou, passando de 336 em 1917 para mais de 1.100 em 1930 (Camfield, 1992). Mesmo assim, muitos psicélogos académicos desprezavam a psicologia aplicada. Lewis Terman, que desenvolveu o teste de inteligéncia Stanford-Binet, lembra-se de que “muitos psicélogos da linha antiga menosprezavam todo 0 movimento dos testes, (...) Raramente me sentia um psicdlogo” (Terman, 1961, p. 324). Em 1919, a APA, controlada pela divisdo académica da psicologia, mudou as exigén- cias para a admissdo de novos membros. Os candidatos a ingressarem na APA necessi- tam ter publicado alguma pesquisa experimental. Realmente, essa medida eliminava a possibilidade de associactio de varios psicélogos da aplicacao e, certamente, da maioria de psiclogas, para quem as oportunidades de emprego limitavam-se, na maior parte, a0 trabalho aplicado. ‘Apesar dessa atitude negativa em relagao a psicologia aplicada por parte de muitos psi- c6logos universitarios, sua popularidade disparou e ela se tornou uma espécie de “mania nacional” (Dennis, 1984, p. 23). As pessoas passaram a crer que 0 psicOlogo era capaz de resolver tudo, desde a crise no casamento até a insatisfacao profissional, além de vender qualquer item, desde o automével até o creme dental. Novas revistas promoviam a area ea mais popular era The Modern Psychologist (O Psicdlogo Moderno) e a outra, com o titulo ainda mais sugestivo, Psychology: Health, Happiness, Success (Psicologia: Satide, Felicidade e Sucesso) (Benjamin e Bryant, 1997). Em 1923, um editorial do The New York Times observou que a “nova psicologia abria caminho em uma 4rea atras da outra da atividade humana, sempre mostrando o seu valor” (apud Dennis, 2002, p. 377). © crescente clamor por solugdes para os problemas reais conduziu cada vez mais psi- célogos da pesquisa académica para as areas da psicologia aplicada, Na edicao de 1921 da ‘American Men of Science de Cattel, mais de 75% dos psicdlogos mencionados declararam realizar trabalho aplicado; em 1910 0 numero era de 0% (O’Donnell, 1985). As reunioes da filial de Nova York da APA no inicio da década de 1920 mostraram substancial aumento do ntimero de trabalhos relacionados com as quest6es aplicadas desde os dias que antece- deram a guerra (Benjamin, 1991). Todavia, em torno da década de 1930, perfodo da depressao econémica mundial, a psicologia aplicada tornou-se alvo de ataque por nao cumprir suas promessas, Os maiores empresdrios reclamavam que os psiclogos industriais nao solucionavam todos os males corporativos. Por exemplo, experiéncias malsucedidas com a aplicagao de testes de selecao mal elaborados provocaram a contratag4o de trabalhadores improdutivos. Talvez as expectativas tanto dos psicélogos como dos seus clientes fossem altas em demasia, todavia, independentemente da razao, 0 desencanto com a psicologia aplicada se instalara. Grace Adams, aluna de Titchener, emitiu uma critica ptiblica e notéria. Em “The decline of psychology in America” (“O declinio da psicologia nos Estados Unidos”), arti- go publicado em uma revista popular, Adams afirmava que a psicologia “sacrificara suas taizes cientificas em nome da popularidade e prosperidade do proprio psicdlogo” (apud Benjamin, 1986, p. 944). O The New York Times e outros jornais influentes criticavam os psicologos por supervalorizarem suas habilidades e serem incapazes de amenizar o mal- estar decorrente da depresstio econdmica. A fama da psicologia declinava e sua imagem 224 HistORIA DA PsICOLOGIA MODERNA somente foi recuperada depois de 1941, quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial. Desse modo, testemunhamos novamente a guerra como uma influéncia contextual na evolugao da psicologia. A Segunda Guerra Mundial (1941-1945) proporcionou um diferente conjunto de pro- blemas para a psicologia, reviveu ¢ expandiu a influéncia no campo. No total, 25% dos psicdlogos americanos estavam diretamente envolvidos no esforco de guerra e outros contribuiram de forma indireta por meio de pesquisas ¢ trabalhos. As psicdlogas nao tiveram muitas oportunidades de trabalhar na guerra; algumas foram aconselhadas a realizarem trabalho voluntario comunitario. Dos 1.006 psicélogos que serviram as forcas armadas americanas, somente 33 eram mulheres (Gilgen et al., 1997). Ironicamente, a guerra ressuscitou a psicologia alema, que sofreu drastico declinio depois que o regime nazista expulsou todos os psicdlogos judeus de seus empregos. As necessidades do exército alemao criaram outra demanda de psicélogos para auxiliar na selegao de oficiais, pilotos e comandantes de submarinos. Desde o fim da guerra, a psicologia americana experimentou um drastico surto de crescimento com os progressos mais significativos ocorrendo nas areas da aplicacao. A psi- cologia aplicada superou a psicologia académica voltada para a pesquisa que prevalecera durante tantos anos. Nao era mais verdade que a maioria dos psicdlogos trabalhava nas universidades, conduzindo pesquisas experimentais. Antes da Segunda Guerra Mundial, quase 70% dos doutorados foram em psicologia experimental. Por volta de 1984, esse numero caiu para 8% (Goodstein, 1988). Antes desta guerra, 75% de todos os psicdlogos com doutorado trabalhavam no meio académico. Em torno de 1996, esse ntimero caiu para 34% (Borman e Cox, 1996). E, hoje, aproximadamente 65% de todos os psicdlogos trabalham em Areas aplicadas (Benjamin e Baker, 2004). Como consequéncia, houve uma transferéncia de poder dentro da APA e os psic6lo- gos aplicados (especialmente os clinicos) assumiram a posicaio de comando. Em 1988, um grupo de membros académicos e voltados a pesquisa se revoltou e fundou a propria orga- nizacao, a American Psychological Society — APS [Sociedade Americana de Psicologia]. Comentarios A natureza da psicologia americana mudou muito desde os anos em que Hall, Cattel, Witmer, Scott e Miinsterberg estudaram com Wilhelm Wundt na Alemanha e trouxeram a psicologia alema para os Estados Unidos. A psicologia nao mais se restringe a salas de aula, biblioteca e laboratério, mas se estende para diversas areas da vida cotidiana. Hoje, os psicélogos da aplicacao trabalham com testes, psicologia educacional e escolar, psicologia clinica e aconselhamento, psicologia industrial-organizacional, psicologia forense, psicolo- gia comunitaria, psicologia do consumidor, psicologia ambiental e populacional, psicologia da satide ¢ reabilitacao, servicos a familia, psicologia do esporte e do exercicio, psicologia militar, psicologia da m{dia, além de lidarem com 0 comportamento do viciado, a religiao, a cultura e questdes de grupos minoritarios. Se a psicologia permanecesse concentrada nos elementos mentais ou no contetido da experiéncia consciente, nao existiria nenhuma dessas 4reas de aplicacao. As pessoas, as ideias e os acontecimentos descritos nos Capitulos de 6 a 8 referentes a escola de pensamen- to funcionalista forcaram a psicologia americana a ultrapassar 0 limite do confinamento no laboratério de Wundt em Leipzig. CAPITULO 8 PSICOLOGIA APLICADA: A HERANGA DO FUNCIONALISMO 225 Consideremos esses fatores: « ateoria de Darwin acerca da adaptacao ¢ da fungao © a mensuracdo de Galton das diferencas individuais 9 enfoque intelectual americano na praticidade e na utilidade + 2 mudanca dentro dos laboratérios de pesquisa académica, do contetido para a fungao, provocada por James, Angell, Carr e Woodworth * 08 fatores socioecondmicos ¢ o poder da guerra ‘Todas essas forcas se entrelagaram para dar surgimento a uma cléncia da psicologia ativa, assertiva, cativante e influente que mudou as nossas vidas. Esse movimento geral da psicologia americana em busca da pratica foi reforgado pela escola de pensamento que vein a seguir na evolucao da psicologia — a escola conhecida como behaviorismo. Temas para Discussao 1, O que o julgamento da Coca-Cola e a pesquisa de Hollingworth significaram para a psicologia? 2. Por que as abordagens a psicologia defendidas por Wundt e Titchener nao deram certo nos Estados Unidos? 3. Como a psicologia cresceu e se desenvolveu nos Estados Unidos entre 1880 e 1900? Dé exemplos especificos. 4, De que modo as forcas econdmicas influenciaram a evolucao da psicologia aplicada? Vocé acha que, sem elas, a psicologia aplicada teria se desenvolvido nessa €poca? 5. De que forma o trabalho de Cattell alterou a natureza da psicologia america- na? Como ele promoveu a psicologia para o publico em geral? 6. Compare as abordagens de Cattell e Binet no desenvolvimento dos testes mentais, Descreva 0 impacto da Primeira Guerra Mundial no movimento dos testes. 7. Descreva o impacto que a Primeira Grande Guerra teve no movimento dos testes. 8. Defina os conceitos de idade mental e QI. Como eles sao calculados? Por que algumas organizagoes abandonaram o uso dos testes psicol6gicos na década de 1920, apesar de sua popularidade? 10, Como analogias com medicina e engenharia emprestaram autoridade cien- tifica aos testes de inteligencia? 11. Como os testes foram usados nos Estados Unidos para apoiar a ideta de dife- rengas raciais de inteligéncia e a suposta inferioridade dos imigrantes? 12. Em sua opiniao, os testes de inteligencia sao preconceituosos contra os mem bros dos grupos minoritarios? Defenda seu ponto de vista. 226 HISTORIA DA PSICOLOGIA MODERNA 13. Discuta o papel da mulher no movimento dos testes. Por que a mulher estava em desvantagem profissional? 14. De que forma os trabalhos de Witmer e de Miinsterberg influenciaram o crescimento da psicologia clinica? 15. Qual a diferenga entre a viséo de Witmer e de Miinsterberb sobre a psicologia clinica? 16. Discuta a importancia de Scott e Miinsterberg na origem da psicologia indus- trial-organizacional. 17. De que modo os estudos de Hawthorne e a guerra afetaram a psicologia industrial-organizacional? 18. Qual foi o papel da mulher no desenvolvimento da psicologia industrial organizacional? 19. Descreva as contribuigdes de Miinsterberg para a psicologia forense. 20. Por que os pontos de vista francos de Miinsterberg muitas vezes nao se tor- naram populares entre outros psicélogos? Como ele se tornou uma figura desprezada entre o publico em geral? 21. Compare o crescimento e a popularidade da psicologia aplicada nas décadas de 1920 e de 1930 e no perfodo desde o final da Segunda Guerra Mundial. Sugestées de Leitura Benjamin Jr., L. T. Harry Kirke Wolfe: Pioneer in psychology. Lincoln: University of Nebraska Press, 1991. Aluno de Wundt ¢ Ebbinghaus, Wolfe fundou o laboratério psicolégico da University of Nebraska, orientou geragdes de estudantes e desempenhou importante papel no movimento do estudo infantil. Fuchs, A. H. Psychology and “The Babe”. Journal of the History of the Behavioral Sciences, n, 34, p. 153-165, 1998, Descreve um exemplo de aplicacao da psicologia no esporte; © maior jogador de beisebol, Babe Ruth, foi testado no laboratorio de psicologia da Columbia University para avaliar a sua habilidade de rebatida da bola, na esperanca de que essas medidas quantitativas pudessem resultar em testes para a identificacao de provaveis jogadores de destaque. Kunda, D. P. The concept of suggestion in the early history of advertising psychology. Journal of the History of the Behavioral Sciences, n. 12, p. 347-353, 1976. Discute as pri- meiras teorias psicolégicas sobre a publicidade e a sugestionabilidade propostas por Walter Dill Scott e outros, Lancaster, J. Making Time — Lilian Moller Gilbreth: A life beyond “Cheaper by the Dozen.” Boston: Northeastern University Press, 2004. Uma biografia envolvente da psicdloga e engenheira que enfatizou o componente humano do trabalho ambiental e desafiou © papel tradicional das mulheres. Landy, F. J. Hugo Miinsterberg: victim or visionary? American Psychologist, n. 47, p. 787-802, 1992. Analisa as contribuicoes de Miinsterberg para a psicologia aplicada. McReynolds, P. Lightner Witmer: His life and times. Washington, DC: American Psycho- logical Association, Descreve a vida e a carreira de Witmer e 0 desenvolvimento da sua clinica na University of Pennsylvania. CapiruLo 8 PSICOLOGIA APLICADA: & HERANGA DO FUNCIONAUSMO 227 Sokal, M. M. (Ed.). The origins of the Psychological Corporation. journal of the History of the Behavioral Sciences, n. 17, p. 54-67, 1991. Traga 0 desenvolvimento da The Psychological Corporation como 0 maior empreendiment da psicologia aplicada americana. spillmann, J.; Spillmann, L. The rise sant fall of Hugo Miinsterberg, Journal of the History of the Behavioral Sciences, n. 29) P. 322-338, 1991. Descreve a vida de Muinsterbers, eu laboratorio de psicologia em Harvard e suas contribuicées para as psicologias forense ¢ industrial. Von Mayrhauser, R. T. Making intelligence functional: Walter Dill Scott and applied psychological testing in World War I Journal of the History of the Behavioral Science, i. 28, p. 60-72, 1989. Descreve os esforsos de Scott, Thorndike e outros na construcao dos testes de inteligencia em grupo. Zenderland, L. Measuring minds: Henry Herbert Goddard and the origins of American intelligence testing, Nova York: Cambridge University Press, 1998, Analisa as contribuigoes de Goddard a0 movimento dos testes de inteligencia ¢ sua ampla aplicagio nos Estados Unidos.

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