CONTRAPONTOHERBERTO HELDER:
A VISAO DO CORPO NO ESPACO DA OBRA
Por MARIA ESTELA GUEDES
O livro, alias poema, « er gow MY
os flancos suados das casas
contorcendo-se
no fundo
da luz,
onde o dia faz uma ressaca onde
gira a noite com o seu tronco de planetas.»
As casas sao mostradas como se fossem corpos, neste caso, suados. O suor evidencia as energias
libertas, alias a situagao ja de si implica forte actividade fisica, com aspectos dolorosos — contorcendo-se.
Se o outro crescia dentro da terra e agora as casas se contorcem de dor, facil sera deduzir que o corpo
se rompera em breve numa ferida donde algo podera nascer.
As membranas corporais néo apenas deixam coar a luz, como deixam coar o som e, no caso do
suor, a agua. Ou seja, 0 corpo apresenta-se poroso, lugar sem fronteiras, espago de multiplas travessias:
o mundo surge a maneira de alimento, que o corpo devora. Apdés a digestao, a gestao, ou a maturacgéo,
algo de novo saira do corpo. Isto 6, o lugar do sujeito vai anulando quaisquer diferencas entre exterior
e interior. Por isso a paisagem assume configuragéo anatémica e o corpo é descrito a partir de relagées
estabelecidas com elementos do reino vegetal ou sideral. Tudo isso forma um corpo com o qual o humano
estabelece um eixo de comunicag&o: o funcionamento de ambos é semelhante. Tal semelhancga e interde-
pendéncia torna-se flagrante quando nos aparece a imagem da arvore, elemento onde convergem a noite
e os planetas: a noite é€ uma 4rvore, cujo tronco se apresenta coroedo de estrelas. A estrutura arbores-
cente do universo é frequente em H. H. Do mesmo modo, sera arborescente a estrutura do corpo e
sobretudo a do poema. Nao esquegamos que o corpo da vis&o herbertiana é fundamentalmente a visio
do corpo poético: ° poema da a imagem do corpo césmico e humano, ele é o jugar das mais primarias e
poderosas energias vitais.A metafora herbertiana estende analogicamente os tentaculos ao somatério de todas as coisas
visiveis. Ver instaura o espago da luz—da lucidez —, dos «dias dpticos»: o poeta abrange com o olhar
a totalidade do mundo conhecido, quer no que toca aos campos siderais quer no que toca aos terrestres
e humanos. Dada a amplidéo da imagem visual (H. H. é muito mais um poeta do excesso que da escassez),
havera necessidade de espago para a movimentagdo- da palavra poética: 0 longo poema, longo verso, longa
frase. Na Ultima’ citagdo feita, por exemplo, verifica-se que a frase necessita, para respirar, da extensdo
de sete versos, o que néo é muito representativo, pois outros poemas ha, na «Poesia Toda» ou em
«Cobra», constituidos por uma Unica frase. Os doze textos que constituem «