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O TRABALHO E A DEMOCRACIA ANTIGA E MODERNA (Os gregos no inventaram a escravidio, mas, em certo sentido, inventaram 0 trabalho livre. Embora a escravidio tenha chegado a niveis sem precedentes na Grecia cléssica, particularmente em Atenas, nio havia no mundo antigo nada de novo acerca do trabalho nio-livre ou da relagio entre senhor ¢ escravo. Mas 0 ttabalhador livre, com o status de cidadio numa cidade estraificada, especifica- mente 0 cidadao camponts, com a liberdade juridica ¢ politica implicita ea libera- so de virias formas de exploragio por coagio direta dos donos de terra ou dos Estados, cra cercamente uma formagio distintiva que indicava uma relagio tinica entre as classes apropriadoras e produtoras. Essa formagio «nica esté no centro de grande parte do que caracteriza a pélis grega e especialmente a democracia ateniense, Raros dlesenvolvimentos politicos ou culturais em Atenas ndo foram de alguma forma afetados por ela, desde os conflitos entre democratas ¢ oligarcas nas transagies da politiea democritica para a clissica da flosofia grega. As tradigGes politicas e culturais da Antiguidade clis- sca que chegaram até nés estéo, portanto, imbuidas do espitto do cidadio traba- Ihador e da vontade antidemocratica que ele inspirow e que informou os textos de grande flésofos. A condigao do trabalho no mundo ocidental modem, tanto na teoria quanto na prética, ndo pode ser inteiramente explicada sem que se busque na histéria da Antiguidade greco-romana a disposicio distintiva de relag6es entre as classes apropriadoras e produtoras na eidade-Estado gieco-romana. ‘Ao mesmo tempo, se a condigao social ¢ cultural do trabalho no Ocidente moderno remonta 3 Antiguidade eissica, temos muito a aprender com a rupcu- ta radical que, sob esse aspecto, separa o capitalism moderno da democracia ateniense, Isso ¢ verdade nao apenas no sentido dbvio de a escravido, depois de tum papel renovado e proeminente na ascensio do eapitalismo moderno, cet sido eliminada, mas também no sentido de o trabalho livre, apesar de se tornar a forma dominante, ter perdido grande parte do status politico ¢ cultural que tinha na democracia grege. Essa afirmago contraria nfo apenas a sabedoria convencional, mas também 3 ‘opiniao erudita, Nao se trata somente de haver algo profundamente antiintuitivo na proposi¢io de a evolugio das antigas sociedades escravagistas até o capitalismso liberal modenno ter sido marcada pele declinio do status do trabalho. Hé também. 157 Deiocucs corners 0 fato de que o trabalho livre nunca teve a importincia historia geralmente atri- buida & escravidio no mundo antigo. Quando chegam a tocar na questio do trabalho ¢ de seus efeitos culturais, os historiadores da Antiguidade dio prioridade absoluca A escravidao. E consenso geral que a escravidio foi responsive pela estag- nnagao tecnolégica da Grécia c da Roma antigas. A associagio de crubalho com «scravidio, segundo esse argumento, produzin um desprezo geral pelo teabalho na ceuleura grega antiga, No curto prazo, a escravidio aumentou a establidade da pélis democrética a0 unir cidadios ricos e pobres, mas causou no longo prazo 0 declinio do império romano — seja por sua presenca (como obsticulo a0 desenvol- vimento das forsas produtivas) ou por sua auséncia (% medida que o declinio na oferta de escravos impés pressbes terriveis sobre o Estado romano imperial). E, assim por diante, Nenhum desses efeitos determinativos ¢ atribuido ao trabalho livee, Nos parigrafos seguintes havers uma tentativa de recomar 0 equillbrio € considerar 0 que uma percepsio diferente do trabalho na Antiguidade pode nos informar sobre seu equivalente no eapitalismo moderno. ‘A DIALETICA DE LIBERDADE F ESCRMVIDIO Poucos historiadores teriam hesitado em identifcara excravidio como una ca teriatica essencial da orem social ds Grecia ancien, parcicularmente de Atenas, Mui «alvez afirmassem que a eseraviddo é, de uma forma ou de outra, caracerstia essen «ial e descrevessem a Atenas clissica como uma “economia escavagista”, uma “socie- dade excravagista’, ou como um exemplo do "modo escravagista de produigio" Ainda assim, nfo hd muito consenso quanto ao que significa caracerizar dessa forma soci dade ateniense, ou a0 que se pretende explicar com tal caractetizagio. Essas descrigbes no seriam tao problematicas se soubéssemos que o grosso da produedo groga foi ealizada por escravosee que adivisio entre as classes apropriadoras « produtoras correspondia de forma mais ou menos transpaiente & divisfo entre ‘uma comunidade juridicamente definida de homens livres, especialmente os cida- dios, ¢ uma classe trabalhadora de escravos submissos. Mas, como hoje em geral se accita que a produgto ao longo da histéria grega e romana sc baseava pelo menos ‘numa proporso igual do trabalho liveee da escravidéo, o papel da escravickio como chave de histéria antiga se torna uma questio mais espinhosa'. "orp ML Fly cece a Gtine Ron cme ncaa rit’ porge stars pedo: sesabreocalholive, rs poo enti etm cee “omnes anita cpg ‘alto ira mgd eal mo no exp qn a cde” Ut Shy and der eg. tases, "Dap. ban: Ein sa isl ronda Rida, es 199) ©. Meee eas “lor ins tian crenata o mando pg arin] oe Wwone exes” fone en combina decompanoe canes scslevc sos dpe infuse nia ec ss Agoda comet aim como deni de Si rot cdo ea ua “conoma caag cas Pepoiie de gure siucasaal sj fan inte de produ, man fem incl eet de ‘Gendois.omododeespaie quer squalene Terman ett st ct Sega em uel iguana pedro ros portend ee . aes dn Exes Uno Vr FINLEY Sse p90 *sinaiva mis heba ade AH. MJ ei macy, Ost 1957, TOS; aman sek net “putin (ie do Onin Cai Dine ann com an ais, na lice de AW ae, The pubons ers Oxo 938 tuo de gue Fey ee mene quando derre» Grr Ror camo sida cepa toque eat {oem pedeimenes na junto da or te ck oii» ad aa pane“ oli ‘Sltecine pio rminar mae qe said niacin Suey 8 160 Oramuiogapmincucn ssnen ODN sociedades a0 longo da histéria conhecida. Nao ¢ tanto o faro de a existéncia da excravidia ter definido de forma tao nitida a liberdade do cidadio, mas, pelo conttirio, o fato de o cidadio trabalhador, tanto na teoria quanto na prética, ter definido o cativeiro dos eseravos. ‘A liberagio dos agricultores da Atica das formas tadicionais de dependéncia in- centiyou o crescimento da eseravidio 2o exclu outas formas de trabalho nio-livc [Nesse sentido, demiocracia¢escravido em Atenas estiveram unidas de Forma inseparivel ‘Mas essa dialéten da liberdade e escravickio, que dé lugar central 20 trabalho livre n= produgio material, sugere algo diferente da proposigfo simples de que a democracia, ateniense tivesse fndamento na escravidao. E se reconhoemos que & liberdade do trabalho livre, assim como a escravidio dos escravos, foi uma caracteristica essencial, talveza mais distintiva, da sociedade ateniense, somos obrigados a considerar as formas plas quais essa curactristica nos ajuda a explicar muitas outta caracteristias distinci- vas da vida cultural, social, politica ¢ econdmica da democr Dar ao cidadio trabalhador 0 seu dircito é tio importance para a avaliagio da cescravidio quanto paraaavaliagio do tabalho live, Nenhum dos dois pode ser iatei- ramente compreendido fora da nexo que os une. "Tanco na Grécia como em Roma, sempre houve uma relagio dizeta entee a exensto da escravidio e a liberdade do campesinato, A Atenas democritica tinha escravos, Esparta tinha os bilotas. As oligirquicis Tesslia ¢ Creta tinkam o que se poderia chamar de servos. Fora da Iria romana (também neste easo a maioria da populagio fora da cidade de Roma ainda era formada de camponesss, mesmo no apogeu da esravido), mitas Formas de arrenda- mento ¢ meagio sempre predominaram sobre a escravidio. No Norte da Aftica © no Impétio Oriental, «eseretidio na agriculture nunca foi importante, Tanto nos reinos helenos como no Império Romano, a exravidfo sempre ve importincia menor nes sas regides dominadas por alguma espécie de Estado mondrquico ou tributirio, nos uais os camponeses nfo tinham a condigao civil que tinham na pélis. Se 0 crescimento excepcional da escravidio em Atenas resultou da liberagio do campesinato ateniense, assim também a ere da escravidéo no Império Romano foi acompanhada pela dependéncia crscente dos camponeses. Este ensaio io se prope a determinar 0 que é ciusi eo que éefeito; mas, de uma forma ou de outa, a chave paraa transigio da escrwvidio para a servidio ¢ tio relacionada com o statusdo campo és quanto com a candigso dos esravos: ou as classes proprietitzs precisavam depr- mira condigio dos pobres livres por causa da edugio na ofertadeescravos, ea eservidio dexava de ser produtiva como antes; ou © crescimento do governa mondrquico € imperial em Roma prodiviu. um declinio gradual do poder politico e militar dos cidados pobres e imps a eles wna carg cada vez mas insuportivel,ococrende assim. ‘uma Stransformagio estrutural” da sociedade romana que tornou os camponeses prest mais fell da exploragto e dessa forma reduziu a demanda de trabalho escravo’, Nos dois caso, a escravidio se reduz A medida que declinaacondigio civil do campesinato Tica primis apc wr ie CROIX, Cl Sra. 453-03 pt egunda, FINLEY, The di inary eco Pp Heep Epa anaes Foo Afar. 8D] 161 Quando, séculos mais tarde, 2 escravidio volta a ter um papel importance nas economias ocidentais, ela se inseriu num contexto muito diferente (com alguns impressionances efeitos ideoligicos sobre a ligagio entre escravidao e ra- cismo, que vou examinar no capitulo “Capitalismo ¢ emancipagéo humana..." A cescravidéo associada 3s plantagdes do sul dos Estados Unidos, por exemplo, no fazia parte de nenhuma economia agréria dominada por produtores cam- onescs, mas sim de uma agricultura comercial cm grande escala inserida num sistema internacional de comércio em expansio. A. principal forga mottiz no centro da economia mundial capitalista nfo foi o nexo entre senhor ¢ eseravo, xem do proprietério com o camponés,¢ sim do capital com o trabalho. O tra. batho assalarado livre se tomou a forma dominante num sistema de relagbes de propricdade cada vez mais polarizado entre a propriedade absoluta ¢ a falta ab- soluta de propriedades ¢ nesse sistema polarizado os escravos também deixaram de ocupar um grande espectro de fungées econdmicas. Ngo havia nada seme- thante a0 banqueiro Pasion ou ao funcionavio pblico escravo. © trabalho es- €ravo ocupava a posicio mais humilde e servil na economia de plantation, (GovERNANTES © PRODUTORES Qs historiadores geralmente concordam que a maioria dos cidadaos atenienses trabalhava para viver. Ainda assim, depois de colocar o cidadfo tra- balhador 2o lado do escravo na vida produtiva da democracia, eles nfo se inte- ressaram pelas conseqiiéncias dessa formagio tinica, desse trabalhador livre ¢ desse status politico sem preeedentes, Onde existe a tentativa de estabelecer ligag6es entre as fundagoes materiais da sociedade atenicnse e sua politica ou cultura (ea tendéncia dominante ¢ ainda a de separar a histdria politica e cul- tural grega de toda raiz social), € a escravidao que fica no centro do palco como, o grande fato determinante. Esse descaso ¢ realmente extraordinstio se consideramos a excepcionalidade da posigio da mio-de-obra livre ¢ 0 aleance de suas conseqiiéncias. Nao seria ‘exagero afirmar, por exemplo, que a verdadira earacteristica da polis como for- sma de organizagio de Estado € exatamente essa, a unifo de crabalho e eidadania ‘specifica da cidadania eamponcsa. A polis pertence cercamente ao que em geral se denomina, ainda que imprecisamente, a “cidade-Estado” dos gregos e, em termos amplos, dos romanos, bem como dos fenicios e etruscos ~ ou s¢ja, 0 pequeno Estado auténomo formado pela cidade eo campo que a contorna. Mas tal categoria deve ser ainda mais decomposta para identificarmos 0 que & mais distincivo da polis grega. Nas sociedades pré-capitalistas, em que os camponcses eram a principal classe produtora, a apropriagio ~ seja pelo proprietétio seja por meio do Estado ~ assu- mia a forma do que se poderia chamar de propriedade politicamence constituida, ‘ou seja,& apropriagio conquistada por varios mecanizmos de dependéncia politica juridiea, por coagio direta — trabalho imposto sob a forma ce divida, escravidio, servicio, rlagdes triburiias, impostor, corvéia e outras. Eo que acontecia nas civilizagoes avangadas do mundo antigo, nas quais a forma tipica do Estado era 162 Ormaauiora paca MTIEAE MODERN ‘uma variante do Estado “burocritico-redisteibutive”, ou “tsibutrio", no qual um corpo governante se superpunha is comunidades dominadas de produtores dire- 105 cuja mais-valia cra aproprizda pelo apaelho governante’ sas formas jéexistiam na Grécia antes do advento da pélis, nos reinos da dade ddo Bronze. Mas na Gréca surgiu um nova forma de organizagdo que uni proprieti- Fios e camponeses numa unidade civica e militar, Um padrio semelhante em linhas seraisvria a apanecer em Roma. A propria ideia de comnnidade eviewede cidedania, come algo diferente de win aparelho estatal ou de uma comunidade de governantes superpostos, era caracterstica da Grécia ede Roma; eindicava uma relagao inteira- ‘mente nova entre apropriadores ¢ produtores. Em particular 0 cidado campones, um tipo social espocifico das cidades-Estado gregas eromanas ~e ainda assim a nem todos os Estados gregos® — sepresencou um rompimento radical com todas as outras Gvilizagbes avangadas conhecidas do mundo antigo inclusive as formas de Estado anteriores a ele na Grecia durante a Idade do Bronze. A pills grega cuebrow 0 sgoral das sociedades estratifieadas de divisio centre gavernantese prod ‘oposigfo encre Estados apropriadores comunidades camporesas subjugadas. Na comunidade civica, 2 participagio do produtor ~ especialmense na democracia ateniense ~ significava um grau sem patalelos de liberdade dos modos cradicionais de exploragio, tanta na Forma de ‘brigagio por divide ou de servidio quanto na de impostos. Sob esis aspecto, a pélis democriciesviolou 0 que wm filésofo chinés (numa passagem que, com alguns refinamentos filoséficos, poderia ter sido esetita por Platéo) cerra vez descreveu como um prineipio universalmente reconhecido como direita “em todos os lugares sob o Céu”: Porque se devera pensar que aquele que conde o governo de um eeino tenha também ‘empo delavraro solo? A verdade é que alguns problemas sio préprios dos grandes, ‘outros, dos pequenos. Mesmo que se supona que um homen pudesse reunir em si todas as habilidades necessirins a rodas as profissSes, eee tivesse de fazer sorinho tudo ‘2. que usa, todos acabariam completamente exaustos de Fadiga. O dita & verdadeiro: “Alguns trabatham com a mente, outros com o corpo. Os que trabalham com a mente _governam, enquanto os que tabalham com o corpo so governados. Os que sio gover- nados produzem o alimento; os que governam sio alimentadas’." Pode-se mesmo afirmar que a pélis (numa definicfo bem geral para incluir a cidade-Estado romana'")representou a emergéncia de uma nova dindmica social na forma das relagoes de clas: Iso nfo quer dizer que a pélis tenha sido a primeira Api ad wap Ha Teapot xl, Ti Cit Train Baton eon Ps 1957. 4512: mah “in depict én fread for Sait Arn Uma Depa Hak 1976, Beng (Ek br O deamon dog No eae, Foes, 1976] * orp, shila Epa eessersde Cit dearer nine da iio cmp "MMENCHUS, er Tne Wy of Tg niet Ching Arte Wey), Carden Cig. "ua um enc den ee FINLEY, Pl mh ni Wl Cad 8, El. A poi ne deste Ro Jon, Zl 1985, 163 forma de Estado em que as relagdes de produgio entre aproprindores e produtores tenha tido papel central. A questio & pelo contritio, que essis elagdics assumiram tuma forma radicalmente nova A comunidad cfviea representou uma relagio dire- ada de ldgica propria de processo, entre proprietérios c camponeses como individuos ¢ como classes, separada da velha rlagio entre governantesc stiditos ‘A velha relacfo dicotdmica entre o Estado apropriador ¢ os siditos camponeses produtores foi prejudieada de algumna forma por todo © mundo greco-tomano, em. todos os lugares onde houvesse uma comunidadecivica unindo proprietirios e ear poncses, ot seja, onde os camponeses possuiam o stausdecidadios. Iso era verdade mesmo onde, tal como em Roma, 2 condigio eiviea dos eamponeses era relat mente restita. Havia, entretanto,diferengas sgnificativas entre as condigdes da aris- rocritica Roma e da democritica Arenas, Tantoem Atenas como em Roma, 0 satus politico ¢ jurédico do eampesinato impunha retrigBes 20s meios disponiveis deapro- ptiasio pelos proprietirios ¢ incentivou o desenvolvimento de alr palmente a escravidto, Mas na democracia ateniense o regime camponés era mais restttivo do que na Roma avstocritica ¢ marcou de forma muito mais decisiva 0 conjunto da vida cultural, politica e econBmica da democraci, chegando mesmo a ajustar 0 ritmo c os objetivos da guerra is exigéncias do pequeno agricultor ¢ sou calenditio agricola”, Na verdade, ainda que incentivasse © crescimento da escravi= dio, a democracia inibia ao mesmo tempo a concentragio da propriedade, limitan- oassimas formas em quese podia uilizara escravidéo, especialmente na agricultura. Em comparagio, embora o regime aistoeritico de Roma fosserestito de diver= sas formas pela condigio civics e militar do camponés, a cidade-Estado romana era , E mesmo Fustel de Coulanges atribuiria a turbukencia da Grécia antiga & suséneia de prineipios econémicos que teriam compelido ricos ¢ pobres a viver juncos em bons termos, como teriam feito “se, por exemplo, um tivesse necessida- de do outro — se 0s rieos nfo pudessem ter enriquecido sem convocar o trabalho dos pobres, ¢ se os pobres pudessem ter encontrado meios de vender o préprio, trabalho para os ricos”®*, Na realidade, “o eidadio encontrava pouicos empregos, tinha pouco a fazer; falta de ocupacio logo o tornava indolente. Como via ape- nas escravos a trabalhar, cle desprezava o trabalho”. E assim por diante. Nenhum desses eseritores desconhecia que 0s cidadios atenienses trabathavam. ‘como agricultores ou artestos. A questio nfo era tanto o fato de eles no traballa- rem, mas 0 de eles nio trabalharem o suficiente¢, acima de tudo, o ato de no servirem, Sua independéncia e o lazer de que desfrutavam para poder participar da politica foram a causa da condenagao da democracia grega. Para Mitford ¢ Baickh, ‘a purticipagio da multidio era um mal em si mesma. Para o mais liberal Pustel, 0 smal era que, na ausincia das formas tradicionais de eontrole politico, se faria necesséria uma espécie de disciplina econdmice tomnada possivel pela sociedade ‘moderna pela necessidade material que forga os trabathadores sem propriedade a vender sua forga de trabalho por um salirio. Em outras palavras, faltavam 0 Estae do e a economia burgueses modemnos. Mas, em todos esses exemplos, a indepen- dlénecia do cidadio trabalhador foi consistentemente traduzida como indoléncia dda ralé ociosa, ¢ com ela veio a predominincia da eseravidto, Os efeitos dessa revisio historica foram enormes, estendendo-se para muito além das motivagées antidemocriticas originais de historiadores como Micford. A. ralé ociosa cobtiu desde a deserigio da democracia de Hegel, na qual a condigao bbisica da politica democritiea era sexem 0s cidadios liberados da necessidade do trabalho © “que aquele que entre nds € executado por cidadios livres ~ 0 trabalho da vida di ralé ociosa no “modo escravista de produc”. navam entre todo © = deveria ser executado por escravos"™, até a inversio marxista da ROFCKH Rec Agu The le ony aoe 1842. p11 ‘TEL de COULANGES, ama Deis. Tie ca Ci, Carn Gy 337, as Cia ipa 50 Js Haman 9781 GEL G. FW. he Pia 9f ian Sve, No Vn, (12, 386 [A bans fd i EECA 8d 170 Ormnuoeavinocinssrs Entreranto, hé aqui um paradoxo, porque o interesse intelectual pela eseravidio «x1 muito menor em proporgio que o peso ideolégico aeibuido a cla®, Os ancide- ‘mocratas que levaram os escravos A sua posigio proeminente pelo uso do tema da ralé ocisa tinham interese muito menor em exploraro peéprio tema da escravidso do que ci desacreditar a multidio democritica. Do outro lado, 08 liberais que ivocaram 0 exemplo da Grécia antiga em defesa da reforma politica moderna esta- vvam ainda menos ansiosos em se deter no embarago representado pela escravidio, enquanto, dada a sua ambivaléncia em relagio & democracia, & cxtensio de direitos politicos & classe wabalhadora (por compacacio com o aperfeigoamento das institui- 564s representativas¢ das liberdades civis), também nao tinham tanto interesse em enfatizar 0 papel da multidio trabalhadora na democracia ateniense. resuleado foi uma curiosa imprecisfo em relagio & economia politica de ‘Atenas, tlvee ainda mais acentuada entre os liberais que enere os conservadorcs. George Grote, tefotmador politico e autor de uma celebrada histria da Grécia antiga, menciona apenas de passagem o trabalho dependente, e mesmo assim sa- bre os servos da Tessilia e de Creta, em lugar dos escravos de Atenas; 20 passo que seu amigo, J. S. Mill, inclinava-se menos a focalizar as caractersticas democrdticas da democtacia ateniense do que a clogia scus valores libentin a individualidade e a variedade da vida ateniense — em contraste com 0s espartanos nio-liberais, 2 ‘quem, na resenha da histéria de Grote que esereveu para a Edinburgh Review, cle descreveu como “as t6ris conservadores heredititios da Grécia’. Nenhuim desses cxemplos ajudou a esclarecer 2 posigio da escravidio ou do trabalho livre na An= tiguidade cissiea, (© smapatsio F 0 “EseiRiTo Do carrTAUsMo” Nao suspreende que a transigio da multiio mecénica para a ralé ociosa tenha ecortide no século XVIII (¢ especialmente na Inglaterra, apesar dos encOmios de Mitford consticuigéo inglesa). Segundo Thompso: (© século XVIII restemunhou uma mudanga qualittiva nas zelagdes de trabalho, Unva proporgio subscancal da forex de trabalhe ficou realmente mat livte da dsciplina do trabalho difrio, mais livre para escolher enice empregadorese ente teabalho cles, me= nos presa a uma posigio de dependéncia em todo 0 seu modo de vida do que hava sido saes ou do que viria a ser nas primeira décadas da disciplina da fibriea e da religi, “Teabalhando geralmente em suas prépras eases, possuinde ou alugando suas préprias ferramentas, rabalhando para pequenos emprogaclores, muitas vezes em horas iregi= lares em mais de um emprego, eles conseguiram fugit dos controles sacais da casa senhorial e ainda nio estavam sujeitos& disciplina de trabalho na fabrica. (© trabalho livre trouxe consigo um enfraquecimento dos velhos meias de discipli- a social.” tam amotogs he dos fandanca Hx do consent scriona Ande ve FINLEY, Anis Suen. GARLAND, Step 1-14 Me amb CANFORA, Linn, Hp Ceca, VB, p11. THOMPSON. 3882, 171 Drvccman coven ease A linguagem com que esses desenvolvimentos foram saudadlos pela classe do- tminante inglesa € préprialinguagem da ralé ocioss. Os trabalhadores pobres d Inglaterra, desprezando a “grande lei da subordinagio” ea tradicional deferéncia do servo para com o senhor,alrernavam-se entre “o clamor ¢ o motim’, “amadu- recendo para toda espécie de maus atos, soja a Tnsurrcigio piblica, ou 0 saque privado”,¢, “insolentes, preguigosos, ociosos e devassos(..) eles trabalham apenas dois ou tres dias da semana’: © mito da ralé ociosa ateniense é portanto, uma qucixa antiga de senhor contra servo, mas acrescida da urgéncia de uma nova ordem social na qual 0 trabalho assalariado ¢ sem propriedade ss tornava, pela primeira vez na histéria, 0 modo dominante de trabalho, No mesmo processo de desenvolvimento capitals- 12, 0 conceito de trabalho passava também por outras teansformagGes, Freqiiente- ence, se diz que o mundo moderno testemunhou a elevagio do trabalho a um stars cultural sem precedentes que deve muito 4 “ética protestante”, e 2 idéia calvinista do “Chamamento”. E, com ou sem a “Etica Procestante” de Max Weber, associagio do "espirito do capitalismo” com a glorificasio do trabalho tornou-se parte do saber convencional. Ainda assim, enquanto 0 capitalismo, com os imperatives do lucro e da produ- Lividade do trabalho, trouxe consigo disciplinas de trabalho mas igorosas, a glotfi- «aso do trabalho duro foi uma faca de dois gumes. A ideologia co trabalho teve um significado ambiguo para os trabalhadores, por justficae sus sujeigio ts disciplinas capitalistas pelo menos na mesina medida em que elewou o statu culeural desta Mas talvez 0 ponto mais importante tative a wransformagio do starts cultural do «vabalho que acompanhou a ascensko do capitaismo seja a confusdo entre trabalho «¢ produtividade, que observamos na discussio de Weber. Essa transformagio, como vimos, ji perceptivel na obra de John Locke e sua concepcio de "melhoramento” As virtudes do trabalho deixam de pertencer inequivocamente aos préprios traba Inadores. Passam a ser, acima de tudo, attibutor do capitlita © nio porque este twabalhe, mas porque utlia ariva e produtivamente sua propriedade, 20 contricio «a apropriagio pastiva do rentsta tradicional. A “glorificasio" do trabalho no “espl- Fito do capitaliemo” tem menos a ver como statusascendente do trabalhador do que com o deslocamento pelo capital da propriedade arrendads, A concepgio de “trabalho” como "melhoramento” e produtividade, quali- dades que pertencem menos aos trabalhadores que a0 capitalista que as acio- na, estd no centro da “ideologia burguesa" c se reproduz constantemente na linguagem da economia moderna, na qual os “produtores” no sio os traba- Ihadoses, mas os capitalists. Fla denwincis uma ordem econdmica em que @ produgfo se subordina a imperatives de mezeado e em que o mecanismo mo- tor éa competigio ¢ a maximizagio do lucro, nfo as coagGes “extra-econ6 as” da propriedade politicamence eonstitufda, mas os imperativos puramente “zconémicos” do mercado que exigem produtividade erescente do trabalho, iT ia a of Serco Conor tel ond Une Bei of Set ‘dn (1720 kom Toompoon, Canons 3 172 Ovnuroravesmener eons voneasy As relagées sociais ce propriedade que acionam esse mecanismo colocaram 0 trabalho numa posigio histérica Ginica. Submetido a imperatives econtmicos que io dependem direramente do statusjuridico ou politico, o tabalhador assalaria- do sem propriedade sé pode desfrurar no capicalismo da liberdade ¢ da igualdade juridicas, e até mesmo de todos os direitos politicos de um sistema de sufrégio tuniversal, desde que nio retire do capital o seu poder de apropriagio. E aqui que ‘enconttamos a maior diferenga entre a condigf0 do trabalho na antiga democra- cia ateniense ¢ no capitalismo moderno. TRAMALHO E DEMOCRACIA ~ 0 ANTIGO EO MODERNO. Na democracia capitalista moderna, a desigualdade ea exploragio socioccon6- micas coexistem com a liberdade e a igualdade civicas. Os produtores primérios io sio juridicamente dependentes nem destituidos de direicos politicos. Na anti- ‘gudemocracia, a identidade cfvica também cra dssociada do sarussocioecon6mico, nela a igualdade politica também coexistia com a desigualdade de classe. Mas permanece a diferenga fundamental. Na sociedade capitalisca, os produtores pri« arios io sujeitos a pressGes econdmicas independentes de sua condigao politica 0 poder do capitalista de se apropriar da mais-valia dos trabalhadores no depen- de de prvilégio juridico nem de condigSo clvica, mas do faro de os trabalhadores, no possuftem propriedade, 0 que as obriga a trocar sua forga de trabalho por um salirio para tor acesso aos meios de trabalho e de subsisténcia, Os trabalhadores estfo sujeicos tanto a0 poder do capital quanto 20s imperativos da competicio & da maximiragio dos lucros. A separagio da condigfo civica da sieuagio de classe nas sociedades capitalistas tem, assim, dois lados: de um, o dircito de cidadania rio é determinado por posigio socioeconémica = c, neste sentido, 0 capitalismo ccoexiste com a democracia formal =, de outro, a igualdade civica nfo afeta direta- mente a desigualdade de classe, ¢@ democracia formal deixa fundamentalmente intacta a exploragio de classe. Em comparagio, na demoeracia antiga havia uma classe de producores prima- js juridicamente livres e politicamente privitegiados, e que exam, 20 mesmo tempo, livres da necessidade de entrar no mercado para gacanti 0 acesso as condigécs de trabalho ¢ de subsisténcia, Sua liberdade civil nfo cra, como a do crabalhador assalariado moderno, neutralizada pelas pressGes econdmicasdo capitalisme, Como no capitalismo, o dircito de cidadania nio cra determinado pela condigio socioe- condimica, mas, a0 contritio do capitalismo, as relagSes entre classes eram deta e profindamente afetadas pela condigio civil. O exemplo mais dbvio & a divisio centre cidados ¢ escravos, Mas a cidadania determinava diretamente também de ‘outras formas as relagbes econémicas. ‘A cidadania democritica em Atenas significava que os pequenos produtores cestavam livres de extorsBes extraeecondmicas 3s quais os produtores diretos nas sociedades pré-capitalstas sempre foram submetidos. Por exemplo, estavam livres cas pilhagens, mencionadas por Hlesiodo, dos senhores “devoradores de presen- tes’, que usavam poderes jurisdicionais para saquear 0 campesinato; ou dla coagio dlireta da classe dominante espartana, que explorava os hiloras por meio do equi- 173 valente a unva ocupagio militar; ou das obrigagées feudais dos camponeses medie- ‘ais, sujcitos a0s poderesjutisdicionais dos senhores; ou dos impostos do absohi- tismo europen, em que a fungio publica era insteumento primério de apropriasao privadas € assim por diate. Enquanto os predutoresdiretos continuassem lives de imperativos puramente “econdmicos’, a propriedade politicamence constituida con- ‘inuatiaa ser um recurso luctativo, como instrument de apropriagio privada ot, alternativamente, como protegio contra a exploragio; ¢ nesse contexta, a condi civil do cidadso ateniense ers um bem valioso que tinha implicagdes cconémicas dlirets. A igualdade politica nao somente eoexistia com a desigualdade socioeco- némica, mas também a modificava substancialmente, ¢ a democracia era mais substantiva que “formal”, Na antiga Atenas, a cidadania tinha profundas conseqtiéncias para eampone- Ses eartesios;¢, evidentemente, uma mudanga da condigio juridiea dos escravos — ou das mulheres tansformado inteiramente a socicdade, No feudalismo, seria impossivel distibuir prvilégio juridico e direitos politicos sem transformar as relagdes sociais de propriedade existentes. Somente no eapitalismo se toro. Possivel deixar funcamentalmence incaetas as relagdes de propriedade entre capi tl erabalho enquanto se permitia a democratizagio dos direitos politica e civ, ‘Mas nunca foi dbvio que o capitalismo poderia sobreviver & democracia, pelo ‘menos nesse sentido “formal”. A medida que o erescimento das relagies de pro- riedade capicalistas comesou a separar propriedade de prvilégio, principalmente tonde o trabalho livre ainda nfo estava sueito as novas disciplinas do capitalismo industrial fala absoluta de propriedade, as classes dominantes de Europa pas saram a se preocupar muito com os perigos oferecides pela multidio trabalhado- ‘2. Durante muito tempo, parecia que a nica solugio seria a preservagio de algum tipo de divisto entre governantes e podutores, entre uma elite propriecria politi- ‘camente privilegiada ¢ uma multidio trabalhadora destitufda de dircitos. Desne- cessirio dizer, os direitos politicos também nio foram distribuides generosamente quando por fim se garantiu as clsses trabalhadoris 0 acesso 2 eles, depais de longas lutas populares que enfrentaram fortes resistencias. Nesse meio tempo, a antiga idéia grege fora derrotada por uma eoncepgto completamente nova de democracia. © momento ertico dessa tedefinigso, que teve 0 efcito (ea intengio) de dil significrda de democracia, foi a Fundagio dos Eseados Unidos, de que vou tratar no préximo capitulo. Ainda assim, por mais que as classes dominantes da Europa e dos Escados Unidos tivessem vemido. a extensio dos direitos politicos para a multidgo trabalhadora, no final, os direitos politicos na sociedade capitaistajé nfo tinham a impartincia que tinha a cidadania 2 antiga democracia. A conquista da democracia formal e do suftégio universal certamente representou um extorme avango hist6rico, mas no final 6 capitalism ofereceu uma nova solusio para 0 velho problema de governantes e produores. Ja ‘io cra mais necessétio corporificar a divisho entre privilégio e trabalho nusna divisio politica entre os governantes apropriadores eos siiditostrabalhadores, uma ver que a democracia poderia ser confinaela a uma esfera “politica” formalmente separads, enquanto a “economia” seguia regras propria. Se ji no era possivel 76 Omainoramsucnenmesesonei sestringir 0 tamanho do corpo de cidadios, o aleance da cidadania podia entdo ser fortemente limicado, mesmo sem 2 imposigio de limites constitacionais, O contraste entre a condigio do trabalho na antiga democracia e no capi- talismo maderno convida a algumas perguntas de grande imporcincia: num sistema em que o poder puramente “econdmico” substituiu o privilégio politi- 0, qual 0 significado de cidadania? O que seria necessério para se recuperar, num contexto muito diferente, a importincia da cidadania na antiga demo- cracia ¢ 0 status do cidadio trabalhador? 175

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