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PSICOSSOMATICA SALTO, RENDA E CHICOTE PERCEPCAO a een ated De eee ote Coenen) CO urn irc) CIS tee Oe eae Re cooled Peni SCTE ANEICAN Z QUANDO DOENGAS NEUROLOGICAS SAO CONTAGIOSAS Psicologia + psicanalise * neurociéncia searento SEU CEREBRO PODE AJUDAR VOCE A TER UM ANO NOVO MAIS FELIZ E possivel apropriar-se do sentimento duradouro de satisfacao e responsabilizar-se por ele. Pesquisas recentes oferecem pistas interessantes para uma vida mais plena e equilibrada ESPECIAL O QUE FAZ UM JOVEM SE TRANSFORMAR EM TERRORISTA COLEGAO Uma ponte entre os laboratorios e as salas de aula ~ essa 6a proposta da revista NEUROEDUCACAO, que divulga com seriedade e em linguagem acessivel conhecimentos da neurociéncia e da psicologia cognitiva que podem ser aplicadas na escola. PACOTE COM DE R$ 57,60 POR R$ 46,00 ACESSE E COMPRE (EEsegmento wwwlojasegmento.comibr W carta da editora Felicidade aos solavancos ma das principais pressdes que a cultura nos im- Us a obrigacdo de ser feliz @ qualquer custo ‘emocional, psiquico e fisico — e de preferéncia jd Empenhados em cumnprir essa tarefa, as vezes sufocados por modelos prontos do que é ou no adequado, corre: mos o risco de nos perder em idealizacoes e posterga- Wes. No So poucos os que restringem a possibilidade de bem-estar, deixando-a para “algum dia”, em condigdes, controladas ~ quando tirarférias, chegar 0 fim de sema- nna, comprar isso ou aquilo, passar no concurso, viver um grande amor, mudar de emprego ou fizer aquela sonhada Viagem... Enquanto isso, 0 presente se esvai. Volta e meia, entre um anseio e outro, somos felizes aos solavancos. Passada a euforia da festa, do domingo, do objeto novo recém-adquirido ou do encontro com a pessoa amada, fica a sensago de que tudo se foi rapido demais, possivel- mente porque no “durante” ja sofrfamos pelo que havia passado ou pelo que estava por vr. Parece uma armadilha: se a gente segura a felicidade, ela se perde. Desconfio da apologia simplista da alegria pronta. Tendo a pensar num modelo mais complexo, marcado por elaboragSes capazes de quebrar 0 ciclo de repetigdes sem espaco para a criatividade — ainda que isso implique nao estar feliz, mas poder olhar o softi- mento de frente e suporti-lo, levando em conta o dbvio que deixamos de lado: a dor nao fica para sempre. Aliés, nem a alegria. Inumeros estudos e observagdes clinicas tém mos- trado que o processo de aquisicao de autonomia trans- corre no tempo € no espaco (sem promessas de passes de magica e, em geral, a duras penas); estd intimamente relacionado a identificagao do desejo de fazer um “pacto, com a satide”. Um caminho eficiente é refugiarse na- quilo que nao necessariamente traz bem-estar imedia- to, mas ajuda a construir esse estado mental, Para isso, um diferencial importante é o comprometimento com © que de fato faz bem. De preferéncia sem imposicao de chegar a um ponto para ser feliz ou esperar que a satisfacdo seja algo linear, perpétuo, que nos coloque em estado de gozo constante. O bom é que em algum ni- vel, mais ou menos consciente, a gente desconfia, int presente que no é de fora para dentro que vem o bern- -estar— 0 movimento é interno, subjetivo. Nao tem a ver simplesmente com 0 que acontece, mas como vivemnos a situaco. A gente sabe disso ~ mas esquece. Até por- que exige maturidade reconhecer que estamos no centro de nossas préprias vidas, somos protagonistas e cabe a cada um, de forma intransferivel, a decisao consciente de suportar desfrutar o que jé temos. Nesse sentido, a gratido funciona como um pode- roso instrumento para a ampliagdo de espagos de feli- cidade em nosso psiquismo. Afinal, para agradecer, € preciso reconhecer que temos recursos dos quais nem sempre nos damos conta. E os aspectos que nos agra- dam existem, persistem — apesar das faltas, constantes ¢ inevitaveis Que venha 2016! Boa leitura, feliz ano novol GLAUCIA LEAL, editorachefe gdaucaleal @edtorasegmentocombr & sumario | janeir UP iereke Raa Roney Pec eres ener eer atos. Longe de serem matadores Soom cee Pe) Fisgado por Jana Hauschild errr: uns: Cee ea Dees GL tee cy er cared Cee eed eee eee o 2016 capa 14 Sim, seu cérebro pode ajudar vocé a ter um. ano novo mais feliz Pesquisas recentes nas areas de psicologia e neurociéncia ‘oferecem pistas interessantes sobre como é possivel apropriar: se da propria satisfacao ¢ responsabilizarse por ela, no apenas no nivel cognitive, mas também do ponte de vista psiquico 22 “Sinto tudo e nao tenho nada?” por Helly Caram Aguida O sofrimento fisico e mental marca o fendmeno psicossomatico, convocando profissionais da sade a considerar suas implicagdes e as do paciente no proceso de adoecimento 44 Medir e avaliar por Claudio Simon Hutz ‘Técnicas de psicometria podem ser ttels, mas h4 risco de levarem a interpretacSes equivocadas 50 Saltos, rendas e outros fetiches por Olaf G. Schmidt Preferéncia erética por objetos inanimados ou pés, latex ou algemas, ; partes do corpo, como mostra quanto 0 desejo €enigmatico 56 Alzheimer e Parkinson podem ser contagiosos? por Diana Kwon Cientistas investigam a reacio toxica envolvida em doencas neurodegenerativas marcadas por aglutinagées e malformacées de proteinas para determinar 0 risco de transmissa0 secdes 3 CARTA DA EDITORA 6 PALAVRA DO LEITOR 8 ASSOCIACAO LIVRE Notas sobre tualdades, psicologiae psicanilise 1 NA REDE, (© que ha para ver eler na internet 22 NEUROCIRCUITO Novidades nas reas de psicologia e neurociéncia 60 GRANDES EXPERIMENTOS DA PSICOLOGIA Oust crt do goria invistvel por Daniela Ovadia ho 64 LANCAMENTOS colunas 12 PSICANALISE ‘por Christian Ingo Lenz Dunker 66 UMIAR Coisa de louc or Sidarta Ribeiro (05 ARTIGOS PUBLICADOS NESTA EDIGRO SKO. nas bancas Estresse e relaxamento, duas faces da os FAZ ADOECER mesma revista QUANDO O De um lado € possivel entender como os efeitos do estresse se instalam, se acu- mulam e os danos que causam ao corpo e a mente. Do outro, de que forma podemos lidar com as pessoas do dia a dia e aliviélas, A edicao especial 53 de Mente e Cérebro ¢ assim: duas capas, dois termas que se encontram e se complementam, Em Quando 0 cansaro nos fz adoecer reportagens ¢ artigos escritos por especalistas trazem, por exernplo, informagGes sobre sindrome de burnout (esgotamento relacionado ao trabalho que, em casos extremos, pade levar & morte), além de estudos recentes a respei- to de como percebernos a realidade de forma distorcida quando estamos toma- dos por excesso de compromissos, pressao constante para lidar com metas € prazos, e de que maneira a vida nas grandes cidades pode ser prejudicial. Na ‘metade oposta, Descansaré teraptutico, textos abordam os efeitos benéficos para a sate fisica e psiquica do contato com a natureza, da inclusto de atividades lkdicas na rotina, a importancia do riso e dos momentes de siléncio no dia-a-dia. Una ediglo caprichada que vale por duas. Jé nas bane: no site Aciéncia da violéncia Para estudiosos que se empenham em entender a mente de terroristas, uma das maiores dificuldades ¢ aproximar-se dessas pessoas e ouvir o que elas t#m a dizer. Na iltima viagem da psicéloga americana Anne Speckhard a0 Libano, hd alguns anos, o Hezbollah Ihe ofereceu uma entrevista com um dos principals membros da organizagao. A pesquisadora da Universidade Livre de Brunelas, ra Bélgica, teve de decidir se saltava ou no para dentro de um carro para ser transportada a um local ndo revelado do encontro. A jornalista Nasra Hassan, funciondria da Organizaczo das Nagdes Unidas (ONU), que entrevistou cerca cde 250 membros do Hamas Jihad, foi exposta a um perigo semelhante em Gaza. Ainda assim, muitos estudiosos consideram essencial o contato com os terroristas para tentar entender seu funcionamento mental e encontrar formas, de combater a viol€ncia. Leia mais no texto A ciéncia do terror, publicado no site wwwmentecerebro.com.br Acompanhe a @mentecerebro no Instagram Saba com ante qu ert ead pana apa & www.mentecerebro.com br NOTICIAS Notas sobre fats relevantes nas dre de psicologi,psicandlise e neurociéncia, AGENDA Programagdo de cursos, congresos © erento. DE RESPONSARILIDADE DOS AUTORES E NKO EXPRESSAM NECESSARIAMENTE A OPINIKO DOS EDITORES, Janeiro 2016-mentecérebro§ Presidente: Edison Carl ‘etna Carolna Marine, Mar aril ta Maes Raber Bares Dieter eta Raber Bar08 to ef: Cuca Le! Stbedhors Ferranda esis Rico Eitor da are joto Naresl Sites sagas jlbara Sues (eaaszo) Calabar Dose Marne fae, Mara Si Vase Rsrdo Josen (ese), Lu Cafes Leceoman Kann A trade) Procersamento de Imager: Plo Csr Slpsdo Prosugo grafen Sey Lulz dos Santos ‘end ait: Cntye Male ‘coMuNIcACkO Girne: lm topes Shnr@edtonsegmentacombr sei reionaie: Brea ~Sone Bando (Gi) 3371.04) 9973.430¢ Sena@edtorseprertscombr Prant-Marea Of (@njsnaratsn 5267207 urna Gedtorasegmentecomby ‘TEeNOLOGIA ‘Geren: Palo Cordero Cd ‘loge de nde MaRKenNc/weR Deora: Cardia Martinez ‘Caer Fabiana Cama reno Ls Mani DesenoledorJoratas Moraes Brito ‘aia webs ce Cro Lacerda lucas Aero da Soa ordenador de cg © ‘signet Cabrel Andrade Geren: Mariana Monné rene asiatura: Ara Lica Souza ‘Verdes gover: Clava Sates nda lemarkting ative, ‘Seid Onandon! Pinaneeino ‘Aral: Resl Sartos CContas a pager Simone Melo Frtuearanta Wey Put Recursos haranos: ula Barbosa Pareamenta: Cine Maer {Cones a eecer Vina Crrapato Mente «cerebro & uma plc ‘ens dsEltra Segment cor Coed estrangere freed por publages sob ana de Scenic American onan Spektrum dor Wissenschat VeragspeselichatSevopst 35 (atat Hedelberg Amana Etch: Cutten Kaneker (Crore edb neg Hanon © Gerhard ages Dietore ernie: Matos Boslee Thomas Bleck MENTE E CEREBRO ON-UNE Viste nosso ste epertipe de eee eu mentacerebrocome icaboot commenecrebro twite-com mentzcebro Inetagrar: @mentecrebo neDagho Comertinos sobre ocntesdo ‘oral sogesbes, citer te Irate ens. lsceomectadtorncgrentacom br tel 301950 fx 130595610 carts pra eta Mant Cheb: us Cunha ago, 412 Wander Sho PaulgSP cepesezia01 ‘Caras mensagens deve trazer fonome ew cnderejo do sul Porrazcesdeesparo ou clarezt, as poder ser publeadas de foxma vedi. PuBUCIOADE ‘Anunce na Mente Cero fk com Spblce mas guaifeado to Bast ‘lnir@edtorsegmentacombr CeNTRALOE [ATENDIMENTO AO LETTOR Pars inemagee sabe a eet, eee earn reimprecso de bon slraae de rremiodecrmparse ots sero 0 Paul (1) 30588666 De sega ea 85 81004 185 ‘tendimerio@eston ‘wmdterasegmeniacombr Nova astnaturns poder ser solctudes plo ste Central de Ateneo 20 Untor Nevers atasados podem ser ‘aletadoe 3 Cntr de Atendimerto ao Lstor peloemsi Informa sbrepromortes, creos reprints ¢projeos espe terargmenta.come stor Segmenio Bua Chao, 412— andar Se Paui/SP = CEP O5421001 ‘wnt edtrasegmenta comb sca0 296, jan de 2016, Issn taorise2 Dieibuigse nacional DINAP S.A fa Drea Shien 178 dy palavra do leitor v A MINHA VEZ. A revista de dezembro, Cuide Fx (32 de voct ¢ mude seu mundo, veio alas ‘em tima hora! Nao por acaso folheei minha edicao no can- sativo caminho que faco de volta para casa. Preocupada ‘com as compras dos presen- tes de Natal, com os tantos eventos de fim de ano e pasando cada vez mais tempo no tra- balho, percebi que 2015 terminava sem que eu olhasse para a pessoa que muito precisava da minha atengio: ‘eu mesma! Obrigada a Mente e Cérebro por esse texto de capa, que me fez refletir sobre a essencial diferenca entre o que é urgente eo que é importante na vida. Um feliz ano-novo a toda a equipe! Flavia Carolina — Belo Horizonte, MG EUEO OUTRO Eu sou adepta do equillbrio entre o doar-se e o gostar-se. Hoje penso no outro na mesma proporcao que em mim. Isso me faz bem! Simone Karina Kirschner da Costa, via Facebook ACEU ABERTO ‘Todo tratamento que pode fazer bem também pode fazer ‘mal, ou seria indcuo. Na escolha do terapeuta, é necessi- riaa mesma cautela que temos quando escolhemos um médico. Da mesma forma que um remédio tem efeitos colaterais, uma terapia equivocada pode fazer mais mal do que bem. (Sobre a coluna Efeitos iatrogenicos da psicandlise, de Christian Dunker, da edi¢io 275) Lourdes Cristina, via Facebook DIVERSIDADE § [>== © texto Qual é caaies 0 seu genera, nos seu género? faz pensar no sofrimento de pessoas transgé- neros diante de HESS discriminagdes e esterestipos e na | hone | necessidade ur- gente de reconstruirnossos conceitos para sermos, entdo, capazes de abracar a diversidade para além de umdiscurso _terminou. Até quando sera que haverd dedos para anéis politicamente correto, que ninguém mais quer usar? Débora Luz Squilante ~ Batatais, SP ‘Audrey Sena Bueno — Osasco, SP A coluna escrita por Sidarta As matérias da edi¢ao especial 52, Ribeiro tem o dom de tra- Psicologia da alimentagao, estao duzir em sabias palavras os excelentes. O conteudo aborda problemas do mundo. A da _assuntos importantes e interessan edigdo 274, Os anéis e os de- tes, com destaque para os artigos dos, sobre uma das religies Compulsio ¢ obesidade e Alimentos que recinem mais seguidores para o cérebro. Além de outros te- no mundo, ocatolicismo, nos _ mas que so de suma importancia mostra como a hipocrisia paraa sade fisica e mental. Gostei permeia todas as esferas da muito, parabéns! nossa sociedade, inclusive a Edison Eduardo — religido. O discurso nao determina a prética. Nunca de- Conceigaio de Macabu, Rj (CONCURSO CULTURAL: ESCREVA E GANHE UM LIVRO! LIMIAR PSICOLOGIA DA ALIMENTACAO “Mande sua opnide sobre um dos artigos desta edicio para oe mallredacaorneceditorasegmento.com br ou uma sugestio econcorraa um fro. Prlmitao deesparo, toramosa lberdade de selecionareeditarascartasreebidas. premiado deste més Fliva Caro ~Bele Horzonz, MIG. CURSOS Especializacgdo YANK Aperfeicoamento Faga sua inscrigéo online www.sedes.org.br Destinade a: Psicdlogos, pedagoges, médicos, psiquiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, professores e outros profissionals Cursos nas Greas de: A Atencdo Grupal acs Cuidadores da Infancia, Adolescéncia, Arte Terapia, Drogas, Eutonia, Familia, Formagéo em Psicandlise, Gerontologia, Gestalt Terapia, Jung, Laban - Arte do Movimento, Orientacéo Profissional, Para Além da Contratransferéncia, Por que Adoecemos?, Psicandlise, Psicanélise com Crianga, Psicodinamica, Psicodrama, Psicologia Clinica e Antroposofia, Psicologia do Esporte, Psicologia Juridica, Psicologia Social des Organizacées, Psicopatologia, Psicopedagogia, Psicossomatica Psicanalitica, Psicoterapia Breve Psicanalitica, Psicoterapia Psicanalitica de Casal e Familia, Relacao Pais Bebé, Sadde Mental e Reforma Psiquiatrica, Saude Mental Relacionada ao Trabalho (SMRT), Winnicott e Violencia Doméstica: INFORMACOES PARA INSCRICOES. ote seni Rua Ministro Godoy, 1484 - Perdizes 5015-900 - SP/SP - Tel: (11) 3866-2730 [aay www.sedes.org.br / sedes@sedes.org.br [dada > ESPETACULO MULTIMIDIA Texto sobre Nise da Silveira reune teatro, musica e danga no Masp APRESENTADA NO MUSEU DE ARTE DE SAO PAULO, MONTAGEM TEM COREOGRAFIA DE ANA BOTAFOGO E PARTICIPACAO DE MONJA COEN, FERREIRA GULLAR E JOSE CELSO MARTINEZ CORREA niciada em 2012 com a montagem Nise da Silveira —Senhora das imagens, a Tilogia do inconscient, drigida por Daniel Lobo, se encerra com Nise da Silveira — Guerreira da paz, em temporada no Museu de Arte de S20 Paulo (Masp). O espeticulo traz 0 proprio Lobo no papel da psiquiatra e algumas cola- boragies especiais: coreografia da bailarina ‘Ana Botafogo e participagdo multimiia de Monja Coen, do poeta Ferreira Gullar e do ator e diretor José Celso Martinez Correa, O texto relembra momentos marcan- tes da biografia de Nise, antes e depois de ela iniciar o conhecidoe revolucionario trabalho de arte ocupacional com os inter- nos do centro psiquidtrico do Engenho de Dentro (hoje Instituto Nise da Silveira), no Rio de Janeiro, nos anos 50 € 60. Um dos temas centrais € a fundamental troca de correspondéncias que ela manteve com o psiquiatra Carl Jung, que a incen- tivou a encontrar sentido nas milhares de telas produzidas por seus “clientes”, como ela preferia chamar os pacientes do hospital. Varios desses trabalhos ~ que inspiraram os movimentos criados por Ana Botafogo ~ sao projetados ao longo do espetéculo, que coincidentemente ocorre no museu onde Nise articulou ha décadas uma exposicao das esculturas pinturas de seus “camafeus”, como ela chamava os clientes que desenvolveram obras de valor artistico, reconhecidas por Ferreira Gullar ¢ outros criticos de arte. Monja Coen interpreta a “voz do incons- ciente” que interage com a protagonista.O texto trata de aspectos importantes da vida da médica, como a prisdo politica, os anos que passou vivendo na clandestinidade e © questionamento dos tratamentos com eletrochoque, que Ihe custaram a antipatia de muitos colegas de profissao. Uma das primeiras mulheres a se formar em me- dicina no pals, Nise é reconhecida como uma das mais importantes personalidades brasileiras do século 20. “Ela buscou um processo mais humanitée tio de cura, um olhar para o seu semelhante que nao fosse tao duro, cientfico, mas de amor a0 préximo, com ‘emogao de lidar’, termo que ela mesma utilizaria a0 final da Vida para defini seu trabalho”, diz Lobo, que entrou em contatocom o trabalho eahistéria da psiquiatra durante uma pesquisa para terpretar um personagem com esquizofrenia Ahistéria da alagoana recebe, na montagem, um desfecho digno dos significados primiti- Vos e universais que ela observava na obra de seus clientes: urn inusitado encontro da psiquiatra com indios e suas priticas xama- nicas — uma bela metafora para o titulo do = espetaculo, “guerreira da pai [Nise Svein Guerra da Pas. Masp Auto Masp Un eer Avenida Pla, 1578, Cerquea Cesar So Paulo, Sita cesthado, 21h. Domingo, 19h. RS 60. Infermaces: (11) 32513644 e wanccuturanise cm, De 2 de jane a 17 de abe ‘OATORE DIRETOR Dari! Lobo em ‘cena, come Nise. Abaxo,& esquerda, 2 priquiatra:apaizonada por gros, la investi também ra terapia com animais;&direit, Monja Coen, que Intarpreta a “vex do inconeciente” livre a O° iw Os @ o Oo n Yn © — associac¢ao livre © ATOR Johnny Massaro vive adolescente com imesistvel deseo de provocar incndios ’ Em busca do pai ausente Q Pe a a fe ace tees Ty or Penta ie re en meee re cam Ty Peni aruetey eee eee uma familia que segue em frente depois que o patriarca xando apenas uma carta de suictdio ee eee a peo es eer] ee ore Peer et ta a ajuda de um: > TEATRO Um caso de piromania Dict aa Manuel diagno etosin de won {omos mentais (DSM) como a provocacao deliberada proposital de incéndios, a piromania ¢ marcada pela enorme atracio por assistir objetos queimando. Cara de ‘fogo, em cartaz no CCBB do Rio de Janeiro, se aprofunda no cotidiano de urn joven com o transtorno, interpretado pelo ator Johnny Massaro, Filho de pais e mies apaticos, que nao conversam entre si nem com os filhos, o silencioso adolescente Kurt tem © habito de capturar pequenos animais ¢ incineré-los. © fascinio pelo fogo e destruicao torna-se mais intenso de- pois quea ima, com quem o jovem mantém uma confusa relagdo incestuosa, traz um namorado para o cotidiano da familia. Vencedor do prémio Kleist, o texto do dramaturgo alemo Marius von Mayenburg recebe sua primeira adap- taco no Brasil CCarade toga Centro Cultural Banco do Brac (CCBB) Rio—Testo3. Rua Primero de Margo, 6, Cento, Rio de janeiro. De quita a domingo, 8s 19430. RS 10 InformasBes (21) 38082020, De 624 dejan, eee ee eee Ce) Cee ee ee ea ees eee ce Ears See ere ats eer een Paes >» © que ha para ver e ler | na rede Retratos da bipolaridade iagnosticada com transtomo bipolar, a artista Liz [Obert decidiu revelar,er suas palavras,a dualidade de sua vida. Fotografou-se em momentos de euforia ¢ também de depressao e escreveu como se sentia em cada foto. Em pouco tempo, passou a fotografar outros na mesma situago, que também relataram o que sen tiam no momento de cada clique, dando origem a série {fotografica Dualities.“Quero que as pessoas vislumbrem tum pouco da vida de quem lida com um transtomo ainda muito mal compreendido”, diz Liz. O titulo do ensaio toma-se evidente nao apenas na oposigao extrema das imagens, mas nos termos que os fotografados usaram para se descrever. Nao raro “eriativo”, “produtivo", “espléndido” aparecem nas fotos de momentos de bem-estar. “Sem esperanca” talvez seja a descrigz0 mais coum das imagens em que aparecem reclusos. PROJETO DUALITIES: a anata Liz Obert repetrou pessoas com otranctorno em 73'S 5 seus melhores e pies das ~ abaixo das imagens, os fotografados descrevem A Série completa estd disponivel no site da artista: § ‘como se sentiam ne momento da foto ‘wwwlizobert.com, 6 CENTRO UNIVERSITARIO < SAOCAMILO Camilo ¢ Pés-Graduagao INET ett 2 Se ae emcIe Te EE Tet ty eee fees ter aaa ee ate) ae aot cen etry coment) ae eer oat areas Pony a een ee rotary a et eee Peet eee ee eee ty Rei gence} Rarer tu > psicandalise inconsciente a céu aberto Alzheimer VEJO EM MINHA MAE, PARA MANTER-SE COMO SUJEITO; IRRITACAO, CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER, AGRESSIVIDADE, DEPRESSAO E ISOLAMENTO PARECEM SER OS ULTIMOS BASTIGES DO DESEJO DE FICAR dir eat Tae inha mae esté com Alzheimer. Ela, que se separou de meu pai ha muito anos, foi pega, de novo, pelo alemdo. Nao é exatamente igual 420 filme “Para sempre Alice”. Nao ha um desespero permanente de que se esta perdendo as faculdades men- tais, porque também o diagndstico 6 esquecido. Imagino que existam muitos percursos de apagamento. E ‘suponho que tais trajetos mantenham alguma relagzo com a vida que se levou até entdo. Hughling Jackson foi oneurologista que mostrou como nas doengas degenerativas do cérebro perdemos as fungdes mentais na ordem inversa aquela pela qual as adquirimos. Se andamos primeiro falamos depois, primeiro vird a perda da fala, depois a da motilidade. Este principio pode ser reconduzido até 2 embriogénese. © que por iltimo se forma é 0 que primeiro se perde. Minha m&e consegue reconstruir de- talhes de uma conversa ocorrida ha 40 anos, mas nao lembra onde esta a chave do armirio. Nao sei se o princl- pio de Jackson funciona para nossas conquistas desejantes também. Na clinica, acompanhei muitas vezes esse doloroso processo de in- versio gradual, no interior da qual va- mos cuidando mais e mais de nossos pais, até que em irdnica troca, eles se tornam equivalentes de nossos filhos. De um lado a negacao dos filhos que querem manter seus pais no lugar ‘em que eles sempre estiveram, e com isso, continuarem a serem filhos. Do outro a luta pela autonomia e inde- pendéncia, que vejo em minha mae, para manter-se como sujeito. O ato de guardar as contas de banco ou 0 dinheiro na bolsa torna-se um simbolo da soberania ameacada. A irrtagao a agressividade, a depressao e 0 iso- lamento parecem os tiltimos bastides do desejo de ficar. No caso do Alzheimer esta luta se dé aos solavancos. Depende do dia, depende da hora, parece tudo nor- mal. No segundo seguinte a mesma pergunta se repete sete ou oito vezes. ‘Como se a pessoa vivesse uma espécie de bolha temporal que, uma vez des- continuada, a posiciona diante de um novo reinicio. Isso pode dar marge a uma sequéncia repetida de boas novas ‘ou2 uma intermindvel tortura em tor- no de lembrancas penosas. As pontes que se abrem entre os abismos tempo- rais de existéncia sao garantidas pelos sentimentos. Na auséncia das ultimas palavras ena perda do pentiltimo con- texto, o sentimento desencadeia uma espécie de continuidade do humor. Ela Ie nossas faces, e responde ao nosso cenho, mesmo que no se lembre dos motivos ou raz6es. Ela nos perde de uma vez e nds a perdemos 20s poucos. Ela nos recupera como se nada tivesse acontecido. Nés pressentimos a dor de sua partida, mais uma vez, também nna sua presenca Tudo seria um pouco menos in- quieto para todos se pudéssemos compartilhar a forma como ela sofre. Se ela pudesse contar a incrivel his- Aéria que esta vivendo. Mas tudo que ela consegue é dizer que a cabeca no € mais a mesma e anda “meio ‘esquecida’. Lembro-me de meus pa lentes que com o “mundo caindo as vezes s6 conseguem dizer que se sentem um pouco “desconfortaveis” na vida. Esse sofrimento mudo, sem meméria, deslocado de suas palavras, sem consciéncia de seu progresso ou evolugao, & a iltima histéria da qual fomos privados. Por outro lado, nao sei se gostaria mesmo de ouvi-larecla- mando, a plenos pulmées, da trapaca que a vida lhe impés. 2 CHRISTIAN INGO LENZ DUNNER, psicandlista, professor tuar do Instituto de Psicologia da Universidade de Sto Paulo (USP). } i i 3 = NISE DA Tre GUERREIRA DA PAZ . r ( = ,SIM, SEU capa capa Mas, afinal, que estado ¢ esse tio alme- jado? “A felicidade pode ser entendida como 2 combinago entre o grau e a frequéncia de emocbes positivas; 0 nivel médio de satisfacao que obtemos durante um longo periodo e a auséncia de sentimentos nega- s, tais como tristeza € raiva’, responde a psicloga Susan Andrews, doutora em psicologia transpessoal pela Universidade de Greenwich, na Inglaterra, que fundou no Brasil, em 1992, o Instituto Visdo Futuro, do qual ¢ coordenadora. A instituicao, mantida com base numa visio humanista de maxima utilizagao dos recursos, cooperacao e equill- brio com a natureza, fica numa comunidade autossustentavel em Porangaba, no interior de Sto Paulo, Para a psicéloga, formada na Universidade Harvard, autora de A ciéncia de ser feliz ~ Conheca os caminhos préticos que frazem berr-estare alegria (Agora, 2011), essa definigao marca a felicidade como uma carac- teristica estavel, e nao como uma flutuacao momentanea; logo, ndo seria caracterizada apenas como a falta de emocbes desagra- davels, mas também como a presenca de sentimentos prazerosos. Do latim, felix, felis, queria dizer, original- mente, “fértil”, “capaz de produzirfrutos”. Em inglés, happiness ten raiz no nérdico arcai co, happ, que no dialeto de orige quer dizer “boa sorte”. E muito provavel que o vocabulo esteja vinculado a expresso antiga hapt up in bed, que significa estar protegido, seguro. Curiosamente, quando estamos realmente entregues a sensagdo de bem-estar, sem a ansia incomoda de reter essa sensacdo, mas simplesmente permitindo-nos ficar bem, ¢ como se estivéssemos livres de qualquer vul- nerabilidade —inteiros e centrados. Talvez seja justamente essa experiéncia de paz e centra- mento que diferencie afelicidade, uma vivéncia interna, dos momentos de alegria, ou mesmo da euforia, exteriorizada e fugaz. No entanto, antes de pensar na satisfacao, parece ser importante levar em conta a ques- tao do desprazer. Afinal, por que sofremos? Em linhas gerais, € possivel considerar que 0 sofrimento nasce de um movimento mental ROTINA PARA ORGANIZAR A VIDA Pense sobre as experiéncias mais importan- tes que viveu. Muitos se recordam do dia do casamento, do nascimento dos filhos, de uma viagem especial ou da primeira vez que saltou de paraquedas. E pouco provavel que alguém se lembre da ultima vez que esco- vou os dentes. No entanto, estudos suge- rem que as trivialidades do dia a dia podem contribuir bastante com a sensagao de ter um propésito para si mesmo. Por mais que esse conceito soe como algo sentimental, perceber que a vida tem algum sentido € fundamental para nosso bem-estar. Pesqui- sas associam esse sentimento com flexibili- dade, satide mental, sucesso no trabalho e longevidade. A psicologia fala de trés aspec- tos da experiéncia: significado, propésito e coeréncia. Em outras palavras, a vida ganha relevancia quando nos sentimos importan- tes ¢ enxergamos um objetivo, pois temos a sensacao de pertencimento, de fazer parte de algo que nos transcende. Os dois. primeiros elementos tém sido amplamente estudados. No entanto, experimentos sobre a coeréncia comecaram somente em 2013, quando os psicélogos Jason Trent, Saman- tha Heintzelman e Laura King, da Universi- dade de Missouri relataram na Psychological Science que até mesmo um padrao visual simples pode favorecer a sensacio de um significado maior. Segundo o artigo, 77 voluntarios obser- varam 16 fotografias de arvores ordenadas de forma aleatéria ou conforme as esta- goes do ano. Aqueles que visualizaram as imagens com o padrao sazonal relataram encontrar mais sentido na vida do que os outros, o que foi medido de acordo com as respostas que haviam preenchido num questionario logo apds a tarefa visual. Ou- tros 229 participantes visualizaram trés grupos de palavras por alguns segundos; algumas eram semanticamente relacionadas, outras nao. Os que trabalharam com conjuntos de termos coerentes e viram alguma ligaclo entre os elementos disseram encontrar maior significado na vida do que os que observaram palavras aleatorias. ‘Samantha Heintzelman e Laura King escreveram no ano passado, num artigo na American Psychologist, que a tendéncia humana é encontrar um significado na vida. “Entdo, combinando essas duas linhas de pensamento, de que procurar sentido ¢ algo comum e de que isso pode ser extraido da coeréncia, comecamos a indagar quais seriam os aspectos do cotidiano com essa carac- teristica”, diz Samantha. Uma resposta pode ser a ro- tina, Em um trabalho apresentado em fevereiro na reu- nigo anual da Society for Personality and Social Psycho- logy, pesquisadores solicitaram aos voluntérios que resolvessem cinco labirintos. Para alguns, as solugdes eram semelhantes, 0 que tendia a induzir ao habito. Em seguida, 0s participantes responderam a perguntas so- brea vida. Os que haviam se familiarizado pouco antes com a resolucio da tarefa claramente expressaram maior sensacdo de conforto. As cientistas relataram também na conferéncia que aqueles que disseram fazer *praticamente a mesma coisa todos os dias”, de acordo ‘com um levantamento sobre o cotidiano deles, acredi- tavam que a vida tinha mais sentido. Anocao de que encontramos um maior significado ‘em habitos e trivialidades é um pouco surpreendente, segundo as cientistas. “Essa n3o é a maneira como historicamente temos pensado sobre o significado da vida, 0 que nos deixa um pouco perplexos”, comenta Heintzelman. Ela argumenta que, muito além de arvo- res, grupos de palavras e labirintos complicados, po- demos encontrar sentido ao manter a casa arrumada, uma programacao didria ou jantares semanais com os amigos. importante também, de tempos em tempos, questionar nossas escolhas (como trabalho e relacio- namentos) e reafirmar nossos compromissos ~ ou revé-los. A coeréncia de uma vida ordenada também ajuda a estabelecer quais s40 nossos objetivos, pro- pésitos e os significados que queremos dar 3 nossa vida. (Por Matthew Hutson, jornalista) janeiro 2016 + mentecsrebro 17 i 3 58 : Hy Be be H Hi y Hl > capa O QUE FAZ SEU DINHEIRO Muitos grandes pensadores jd advertiram: a felicidade nao depende de bens materiais. E a ciéncia confirma esse conselho — pessoas com mais dinheiro nao s30 necessariamente mais felizes. No entanto, a maneira como gastamos nossas reservas faz diferenca. Uma pesquisa revela algumas estratégias que podem aju- dar a aumentar a satisfacao em longo prazo. Investir em experiéncias, por exemplo, & mais satisfatério que adquirir mercadorias. Muitos estudos comprovam que gastar com restaurantes, cursos, concertos ou viagens, por exemplo, contribui mais para a felicidade duradoura do que adquirir bens. Um artigo publicado no inicio deste ano pelo psicélogo Thomas D. Gilovi che seus colegas da Universidade Cornell mostra que 1 beneficios podem estar relacionados com 0 fato de que momentos como esses envolvem interacbes sociais e tendem 2 ampliar nossas oportunidades de identificagao, permitinde o enriquecimento de nossa subjetividade. “Em termos de ‘dinheiro bem gasto’, as experiéncias so as que mais pontuam nas medidas de felicidade”, diz Gilovich. E importante também planejar com tranquilidade as experiéncias. Antecipar mentalmente uma recom- pensa no raro pode proporcionar mais alegria do MAIS VELHO, MAIS SABIO, MAIS FELIZ ss medida que tervelhecermos. Um estudo de 2010 com mais de 340 mil adultos americanos mostra que o sentimento geral de contentamento e Muitas pesquisas indicam que ficamos mais ale 7161. _satsfcao com ava atinge o pico nos anos dourados: Classificagao do bem-estar (escala de 0-10) RENDER que a gratificagtio em si. Num estudo em andamen- to, Gilovich analisa exatamente essa questao, soli- citando aos voluntdrios que descrevam seu estado mental antes ¢ depois de adquirir bens. Ele observa que o planejamento e a antecipacao das compras resultam em maior sensacao de bem-estar e entu- siasmo do que esperar as mercadorias chegarem, 0 que, em geral, causa tenso e impaciéncia. Os cien- tistas sugerem: tente atrasar a gratificacao. A aproxi- magao de uma recompensa imediata (sexo, drogas, alimento favorite) costuma aumentar os niveis de dopamina, um neurotransmissor que traz a sensagdo de bem-estar; quando recebemos o que desejamos, porém, a quantidade dessa substancia tende a baixar Gilovich acredita que essa danca dopaminérgica en- tra em jogo quando adquirimos presentes para nos mesmos, jé que o prazer de buscar satisfacao imedia- ta € passageiro, Por isso, insiste que adiar algumas compras até determinada data ou ocasiao especial nos permite absorver mais prazer da experiéncia por causa da tenso acumulada. Isso vale também para criangas. Ou seja: oferecer frequentemente presentes (asi mesmo ou aos outros) sem motivo pode trazer pouco beneficio. (Por Bret Stetka, jornalista). duplo: 0 apego (aquilo que consideramos, em geral equivocadamente, ser a causa de nossa felicidade) e a aversio (0 que vemos como razao do softimento). Nos dois casos, hd distorcao da percepgo em relagao ao que nos faz bem. £ muito frequente imaginarmos que, se fossemos mais ricos, tivéssemos as- ilado cognitivamente mais informacoes, fOssemos mais jovens ou mais bonitos, se- riamos mais felizes. O que a ciéncia mostra, porém, é que nao é bem assim que funciona, Dinheiro, por exemplo, costuma ser forte- mente associado a felicidade em nossa socie- dade, mas parece que na pratica a relacao nao € to simples. O pesquisador Ruut Veenho- vven, da Universidade Erasmus de Roterd3, na Holanda, constatou que populagdes de paises ricos tender a ser mais felizes do que as de palses pobres. Mas aten¢ao: quando a renda média anual chega a determinado patamar que comtempla a satisfacao de necessida- des de alimentacao, moradia, seguranca e emprego, qualquer renda extra nao parece tornaras pessoas realmente mais satisfeitas. Alem desse parimetzo, dinheiro e felicidade simplesmente se desconectam e no é poss!- vel estabelecer a relacao significativa entre o quanto a pessoa tem de dinheiro e seu indice de satisfacao com a vida. O economista Ri- chard Easterlin, da Universidade da Califérnia do Sul, levantou a hipétese de que, sea renda de cada habitante do planeta fosse aumenta- da, isso poderia ampliar a felicidade de todos. Essa relac2o, no entanto, nao se confirmou. Ele constatou também que, acima da linha de pobreza, a possibilidade de o dinheiro atrair mais felicidade € bastante relativa: alm do ponto em que necessidades basicas s4o aten- didas, mais riqueza nao garante acréscimo de satisfagdo. © trabalho de Easterlin, um cldssico das ciencias sociais, se traduz num conceito importante: menos € mais. Mesmo uma vida de intensa estimulagao sensorial profundamente agradével, em luga- res luxuosos, plena de mimos, ndo garante a felicidade. Afinal, quanto mais uma experién- cla prazerosa for repetida, menos satisfacao traré ao longo do tempo. Coisas maravilhosas fo sentidas assim na primeira vez em que acontecem, mas sua fascinagao se dissipa com a repetico. Para constatar isso, basta pensar em como é prazerosa a primeira mordida em um chocolate para quem adora esse alimento € qual sensago traz comer a quinta barra do mesmo doce ~ certamente a satisfacao se dissipa Entre outros, os estudos desenvolvidos pelo psicélogo Edward Diener, professor da Universidade de illinois, mostram que a procura da felicidade por meio de objetos externos nos afasta de desfrutar 0 momento presente, o que tende a diminuir nosso grau de satisfagdo, como se “nos distraisse” de nés mesmos. Ele faz uma comparaco com a dependéncia quimica, que garante prazer 1 inicio, mas, ao longo do tempo, obriga a pessoa a obter mais daquela substancia para que se sinta bem — ou para que nao fique tao mal. Numa sequéncia classica de estudos muito interessantes publicada pelo periédico cientifico Journal of Psychopharmacology, os pesquisadores Philipe Brickman (psicologo ja falecido), 0 sociélego Dan Coates e a psi- UMA AGENDA MAIS INTELIGENTE \ {A Felicidade nao pode ser forcada, muito menos de uma hora para outra. Negar sentimentos como raiva ou angiistia & preju dicial para a mentee 0 corpo. O melhor é cultivar o bem-estar, © que favorece a saiide do corpo e dos relacionamentos. Uma alternativa eficaz pode ser reforcar as probabilidades de alcangar a satisfagao planejando o tempo destinado a atividades prazero- sas, Mas como fazer isso? Um estudo publicado em dezembro de 2014 na Emotion relata como os pesquisadores transformaram em conceito 2 ideia de “priorizar a positividade”. Eles pediram a 233 adultos de diversas idades que assumissem essa postura intencionalmente em seu cotidiano e, posteriormente, os submeteram a varios testes. Os resultados mostram que os individuos que seguiram essa abor- dagem diziam estar mais satisfeitos com a vida em geral que os participantes do grupo de controle que apenas responderam as avaliagdes. Além disso, os primeiros relataram emocGes positivas mais frequentemente e menos sintomas depressivos. Aqueles que priorizaram a positividade com planos concretos (como incluir naa rotina atividades prazerosas) demonstraram também mais recursos psicolégicos e sociais, como resiliéncia, atencao plena e relacionamentos positives. “E importante sair do automatico e refletr sobre aquilo que traz satisfagao e alegria, procurando arrumar tempo para esses eventos na sua vida dia”, observa a psicéloga Lahn |, Catal no, da Universidade da California em San Francisco, coautora do estudo. “Para alguns, isso significa reservar regularmente alguns momentos para jardinagem ou culinéria; para outros, se aproxi- mar dos amigos ou praticar umn esporte, por exerplo.” Essas ativi- dades podem ser dificels para pessoas que lutam contra a depres- fo, mas se alinham com a nocio de que nao é possivel forcar a felicidade, mas abrir espagos para o que faz bem e desfrutar de dias que incluem coisas que dao prazer. (Por Tori Rodriguez) janeiro 2016 - mentecsirebro 19 ata emcee > capa INSPIRA, EXPIRA. Nos tiltimos anos, inumeros estudos revelaram os beneficios da meditagao para 0 cérebro—e 0 res tante do corpo. Pesquisas feitas no Departamento de Medicina da Universidade Chulalongkorn, em Bangcoc, na Tailandia, por exemplo, mostraram que pessoas que nao praticavam meditacio e 0 fizeram por apenas seis semanas vivenciaram uma significativa diminuigao do nivel de cortisol. Pesquisa conduzida por Vincent Giampapa, ex-pre: sidente do Conselho Americano de Medicina An tienvelhecimento, revelou que a pritica meditativa regular pode diminuir em até 47% os niveis exces- _ pela primeira vez por apenas 20 minutos durante sivos de cortisol. Estudantes chineses da Universi- cinco dias, experimentaram reducao também de dade de Tecnologia de Dalian, que fizeram apritica _ansiedade, de confusto, raiva e até depressio, céloga Ronnie janoff-Bulman acompanharam tanto pessoas que haviam sido sorteadas [i F- WA] =a yl os FAZER O BEM ficaram paraplégicos. O trabalho revelou uma conclusao inusitada: uma semana depois de cente feliz 6 mais propensa a agir de terem sofrido um acidente, os pacientes se [RWaeMmnertens ate mostravam revoltados € ansiosos; apés trés BCC Teac meses, voltavam a experimentar momentos Peer! s. de felicidade; um ano depois, aqueles que See ee ied ganharam na loteria no eram mais felizes do que antes de receber o premio. Talvez em alguma escala isto jé tenha acontecido com vocé: comprou uma roupa eM MESIETEGMER sas acdes podiam ser grandes ou pequenas, ligarlindo, ganhouo celular que tanto queria Jae ean neee ou se casoucom a pessoa que amava—e isso eee eet eet fez muito feliz. No entanto, passadoalgum (MERC E ete ane Raat tempo, parece inevitével que a intensidade [Ea da satisfagao inicial no se mantenha. O s po ea posto também vale. Para a maioria das pes- PE eee a iret soas, quando acontece algo que as entristece A profundamente ocorre 0 mesmo: passado © momento da dor, nosso estado de Animo tende a se equilibrar. A subita melhora ou piora de humor provocada por fatos da vida [Uae aE See ino persiste, pois tendemos a nos acostumar Pereira as circunstancias evoltamos aum nivel basal [i aero de felicidade, que varia de uma pessoa para (NUE Renee outra, em decorréncia de fatores variados Peer como heranga genética, tragos de personali- [JE Meeee rae Tee dade e com oquanto nos responsabilizamos [JERE MEETS por nds mesmos e nossas escolhas. 20 Um fato importante a ser considerado & que a felicidade duradoura nao € um presen- te que cai do céu por obra do acaso. Trata-se, na verdade, de uma constructo subjetiva: 0 bemrestar nao reside naquilo a que ternos acesso ou naquilo que vivenciamos, mas em como fazemos isso. Nao é novidade que somos hoje, em geral, mais ricos e sauda- veis do que eram nossos pais e avés ~ mas nem por isso estamos mais satisfeitos e, nfo raro, caimos na armadilha de acreditar que seremos mais felizes se tivermos mais = dinheiro, tempo, prazer, reconhecimen- to... Iludir-se com ideias prontas de que © bem-estar esté diretamente associado a acumular bens materiais, atingir metas profissionais ou conquistar a pessoa amada pode trazer um grande desapontamento. Claro que tudo isso ¢ importante, mas nao determinante para a felicidade. A boa noticia € que é possivel se apropriar do sentimento de satisfacao e responsabilizar-se por ele ~ no apenas no nivel cognitivo, mas também no Ambito psiquico © que fazer, ent’o? Nao ha “manuais de felicidade” ou solugdes ma- gicas, mas pesquisas recentes nas areas de psicologia e neurociéncia oferecem algumas pistas interessantes (veja quadros ao longo do artigo). Pesquisadores da area da psicologia po- sitiva sdo os principais defensores da ideia de que € possivel aumentar 0 nosso nivel de prazer com a vida. Eles reconhecem que ha fatores sobre os quais nao temos tanta (ou nenhuma) influéncia ~ como genética, responsavel por algo em tomo de metade de todo 0 nosso potencial paraa satisfac, eas condigbes externas que favorecem ou prejudi- cama expresstio dessa carga hereditéria. Mas ha espaco de manobra. Pesquisadores da chamada ciéncia hedénica sugerem urna “for- mula para felicidade": F ~C + C+ AV, onde Felicidade = Genes + Condigoes externas + Atividades volitivas (ou aces intencionais). A psicéloga Sonja Lyubomirsky, professora da Universidade da California, ganhadora do prémio Instituto Nacional de Satide Mental dos Estados Unidos em 2008, esclarece que essas ultimas sdo determinadas pela vontade, resultado de uma escolha, Sao as que mais apresentam possibilidades para aumentar e A FLOR DA PELE Pesquisadores do Ins tituto de Pesquisas do Toque, na Universidade de Miami, descobriram que algumas poucas se- manas de massoterapia podem reduzir os niveis excessivos de cortisol, co horménio do estres- se, em até 30%. Além disso, provoca aumento dos neurotransmisso- res do bem-estar (sero- tonina, que cresceu até 28%) e do prazer (do pamina, que aumentou mais de 30%). A pratica melhora também o funcionamento mental. Pesquisas feitas por Sy- bil Hart mostraram que criangas da pré-escola — especialmente aquelas consideradas mais “temperamen- tals" — que receberam 15 minutos de massagem regularmen- te se sairam melhor em testes de desempenho cognitivo e revelaram um aumento na atencio, Uma vez que o cortisol inibe 0 funcionamento do centro de meméria e aprendizado no cérebro, o hipocampo, a diminuicdo de cortisol favorece © desempenho mental. E vale fazer automiassagem, dando atencao especial ao rosto, a0 pescoso, as axilas, as virilhas @ a5 joelhos, regides onde se localizam muitos linfonodos, beneficiando assim o corpo todo. i sustentar o sentimento de bem-estar. Ela res- salta que persistir no compromisso conscien- te de buscar experiéncias quenos fazem bem predispde o funcionamento mental a buscar saidas criativas. Tendemos a nos familiarizar com aquilo que fazemos de forma atenta e significativa, criando sentidos e espacos psiquicos para essas experiéncias. “Costu- mamos subestimar atividades intencionais, mas elas s30 poderosas, podem deflagrar mudancas importantes em nossa qualidade de vida — mas é preciso comprometer-se como projeto de ser uma pessoa mais feliz", afirma Sonja Lyubomirsky. 3 janeiro 2016 -mentecsirebro 21 » COMPORTAMENTO Como escutar melhor ESPECIALISTAS EM COMUNICACAO INTERPESSOAL ENUMERAM ALGUMAS ATITUDES QUE PODEM NOS TORNAR EMOCIONALMENTE MAIS DISPONIVEIS Por que muitas vezes ndo ouvimos o que as pessoas de quem mais gostamos tém a dizer? Os motivos podem ser varios: falta de interesse genuino nos sentimentos alheios ou crengas quenos levam a pensar que j“sabernos o que coutrotemafalar ou comose sentesio alguns deles. Especialistas em comue nicagdo interpessoal e em escuta dio sugestdes sobre como podemos nos tornar emocionalmente mais dispont- vels e manter didlogos mais produtivos com quem amamos. G. Questionar suposicdes. Nao raro temos “certeza” do que se passa na cabeca de alguém. De acordo com © psicélogo John Stewart, autor de (UsMe: communicating in moments that ‘matier (Voce e eu: comunicaga0 nos momentos que importam), 0 eérebro € predisposto a aceitar informagoes que concordam com suas nodes preconcebidas. De forma que, quando acreditamos que ja “sabemos” © que © outro quer dizer, dificilmente 0 ouve mos na realidade. “Nao acho que seja possivel deixar de imaginar 0 que 0 outro pensa, isso faz parte de nds", diz Stewart, No entanto, afirma, podemos balancear essa parcialidade. Uma ma- neira écultivando interesse genuino em conhecer 0 que o outro sente ou pensa. Verificar as proprias hipéteses durante a conversa —dizer, por exemplo, “ento voc’ quer dizer...” ou “vocé acredita que...” ~e deixar que o outro confirme 22 ‘ou cortija melhora comunicagao e cria condigBes para um dilogo verdadeiro, @. Buscar compreender a perspectiva do outro. “O lado surpreendente do interesse genuino éque ele nos impede de sermos defensivos”, diz Stewart. Perguntar-se, por exemplo, por que ‘seu parceiro fica frustrado se voce pro- crastina lavar alouca ou a roupaé mais eficaz do que concluir de saida queeleé ‘excessivamente caprichoso ejulga voce desleixado. Ao mudar a perspectiva, vocé pode descobrir que a baguna pode fazer seu companheiro se sentir estressado, desorganizado, como sea vida estivesse fora de controle. Dessa perspectiva, é mais vantajoso mudar algumas atitudes, organizando-se um pouco mais, ou continuar a oferecer motives para que 0 outro tenha esses sentimentos? Uma boa maneira de exercitaro cuidado com o outro ¢ fazer perguntas abertas, como “Pode falar mais sobre isso?", uma das favoritas de Stewart. Qu “Como isso fez vocé se sentir?”, “Pode dar mais detalhes para me ajudar a entender?”. G..Tentarndojulgar. Nao raronos torna- mos tio arraigados em nossas préprias ‘crengas e opiniges que nos fechamos ou nao ouvimos mais nada de ninguém, mesmo dos mais préximos. “Mas, agin- doassim, perderios mensagens impor- tantes”, diz 0 pesquisador Philip Tirpak, instrutor de estudos de comunicagao do Colégio da Comunidade da Virginia do Norte e presidente da Associag30 Internacional de Escuta (ILA, na sigla ‘em inglés), de apoio a pesquisas sobre ‘ouvirde maneira eficaz. “A primeira cok sa a fazer é tentar ndo interpretar o que ‘© outro diz. Procure, de verdade, deixar a pessoa falar", ele recomenda. “Ouca ‘a mensagem inteira, sem interrupcdes. ‘Apenas escute.” Quando fizer isso, val perceber que, mesmo discordando de alguns t6picos ou objetivos comuns, ser mais facil se colocar no lugar do ou- tro —ou sea, exercitar a empatia, “Esse sentimento tem aver com compartilhar cexperiéncias. Embora possamos nao identificar muita coisa em comurn em alguns casos, no contexto geral somos muito mais parecidos do que imagina- mos”, diz Tirpak G@ Respeitar os proprios limites. “Escutar alguém de verdade requer humildade e curiosidade. Nenhuma dessas caracteristicas pode ser simula- accom sucesso”, afirma Stewart. Uma pessoa em situacao deestresse ou com pressa, exemplifica, provavelmente no vai conseguir realmente permanecer presente e com interesse na conversa, principalmente se for sobre um tema dificil. Nesses momentos, sugere Tirpak, “nao hé nada de errado em apenas dizer ‘Entendo que isso é muito importante para voce e quero prestar atencao, Podemos esperar um pouco? Preciso de algum tempo”. “p neurocircuito 1 Janeiro 2016 -mentecérebro 28 PP psicossomatica “Sinto tudo e nao tenho nada?” © SOFRIMENTO FiSICO E MENTAL MARCA O FENOMENO PSICOSSOMATICO, CONVOCANDO PROFISSIONAIS DA SAUDE A CONSIDERAR SUAS IMPLICAGOES, O PAPEL DO PACIENTE NO PROCESSO DE ADOECIMENTO E EVENTUAIS DESDOBRAMENTOS. ‘A PROPRIA CLINICA ABRE E AMPLIA ESSA DISCUSSAO por Helly Caram Aguida AAUTORA HELLY CARAM AGUIDA é médica, ‘mestre em crurglageral pela Santa “ fro com Intestino preso e com essas do- res hd mais de 20 anos. £ como se tivesse algo se movimentando dentro de mim, querendo sair, mas ndo sai. Minha barriga fica estufada, cheia de gases... No aguento mais. Isso est acabando comigo, afeta toda a minha vidal” Essas palavras, em tom de desabafo, sao ditas por Maura, no desenrolar de sua primeira consulta comigo. Visivelmente desgastada, 2 advogada elegante, de 41 anos, confessa estar cansada de fazer exames, procurar intimeros espe- istas, seguirtodas as prescri¢des e continuar sofrendo ce ouvindo as mesmas coisas: “Voce ndo tem nada sério"; “A sindrome do intestino irritével (SII) ¢ assim mesmo, de dificil tratamento”; “E apenas uma disfuncio, nada : mais que isso”. Por fim, ela me questiona: “Terei que ¢ simplesmente aceitar e me conformar? Sinto tudo e nao = tenho nada? Como assim, doutora? ”. raa3Ss Ben tua emf waco cemate mato > psicossomatica Como pode haver auséncia diante da presenga insistente e perturbadora de sintomas que Casos como esse exemplificam os desa- fios cada vez mais frequentes com os quais deparamos na pritica clinica didria. Diante desses questionamentos, o que responder? Como abordar o dilema da ambivalencia do “sentir tudo e nfo ter nada"? Maura me fez pensar, especialmente nos possiveis signifi cados de palavras como apenas, nada, tudo. ‘Ao afirmar que o paciente apresenta alteragBes funcionais, 0 médico se refere 8 exclusdo de doenga orginica, apés extensa investigacao diagnéstica. Ao dizer “é apenas uma disfungio”, “nada sério”, a referéncia & © campo bioldgico. Entretanto, a exclusio de lestes dos 6rgdos e sistemas organicos nao deve implicar um reducionismo na concepgao dda desorganizag0 somatica —na verdade, psi- ‘cossomitica, Tampouco minimizar a comple- xidade da condicao clinica de pacientes como Maura. Tals situagdes demandam a revisao de conceitos e perspectivas de abordagem clinica e terapéutica envolvidos no proceso do adoecimento, com a inclusio da subjetivi- dade, que ultrapassa as fronteiras do cléssico modelo biomédico cartesiano (marcado pela dicotomia mente-corpo). Sabe-se que a maior parte dos quadros dis- funcionais nao apresenta uma causa claramen- te definida, Multiplos fatores esto envolvidos na fisiopatologia desses distirbios, inclusive aspectos psicossociais. Nesse sentido, 0 de- senvolvimento tecnolégico ¢ das pesquisas ‘em neurociéncia permitiu avangos no campo da psiconeuroimunologia, com grande contri- buicdo a compreensio das intimase reciprocas associagGes entre mente e corpo. As vertentes psicofisiol6gicas, ainda que fundamentadas ‘em evidéncias biolégicas, abrem caminho para uma interlocugdo entre profissionais da medici- 1a, psicologia, psicandlise. Muitas vezes, € utile precioso informaro pacien- tearespeitoda plasticidade do cérebro, de suas cone- xGes com drgdos e sistemas, do corpo, sobre os registros cconscientes einconscientes, dameméria, com 0 intuito aesotentant de proporcionar relacoes a fee “demonstraveis" e, entio, lesorganizam e “aceitavels", entre cérebroe assolam 0 corpo? 26 ‘organismo, mentee corpo, psiquismo e soma, dor fisicae psiquica. No caso da sindrome do intestino ir- ritavel, de fato, ndo se observa alteragao metabélica ou estrutural da viscera. O papel do sistema nervoso central e autonomo € preponderante na funcao intestinal, através de importantes conexdes que modulam as atividades motoras e sensoriais do intestino. Diante de alterades nesses sistemas regula: dores, ocorrem as disfungoes de motilidade, assim como aumento da percepco dos mo- vimentos peristalticos. Porisso, 0s principais sintomas sio dor, desconforto, distensao abdominal, podendo haver constipacao, diar- reia ou alternancia entre ambos, em variados niveis de intensidade e comprometimento da satide fisica e mental. Considerando a situago de Maura, ela acordava de madrugada por causa da dor, sentia algo se movimentando dentro do abdome, sem possibilidade de evacuacio, de alivio. Em sua peregrinacao pelos consul- torios médicos, a dor, “apenas” de cardter funcional, foi se tornando algo sem impor- tancia, sem remédio, sem solugio, associa- do ao nada. Como lidar com a sensacao de nulidade, coisa nenhura, quando se sente “tudo”? E possivel encontrar alivioe consolo nessa condico, mesmo com a exclusto de algo grave? Como pode haver auséncia dian- te da presenca insistente e perturbadora de sintomas que desorientam, desorganizam e assolam o corpo? ‘Outra paciente, Lidia, de 38 anos, de inicio se identificava como “um caso dificil e complicado” de Sil. Ela se mostrava apreen- siva e com muito medo do diagndstico. Pesquisou sobre o assunto e ficou apavo- rada diante da condic&o debilitante vivida por muitas pessoas com a sindrome. Lidia contou ter perdido o emprego por causa de sua dificuldade de concentra¢ao no trabalho, J4 que tinha fortes célicas abdominais que precediam as idas frequentes a0 banheiro. Seus sintomas nao melhoravam com medi camentos ¢ restrighes dietéticas. “Sinto-me num beco sem saida, a caminho do caos. Eu sei que isso tudo tem a ver com meu emocional, sou muito nervosa, tudo que eu tenho é por causa da minha ansiedade.” E, por fim, disse: “Sou a responsével por estar assim, toda estragadal”. Fiquel impactada € perguntei o porqué de uma afirmagao to contundente. Ela disse que sempre F ouviu de todos & sua volta ~ parentes, colegas, médicos, psicélogos ~ que "isso 6 psicol6gico, emocional, psicossomitico; isso € por causa do seu estresse, de sua ansiedade”. Eu me pergunto: isso 0 qué? Qu o que ¢ isso? Percebo que saber d’iss0 no a ajudou a compreender 0 que isso significa. © caso de Lidia aponta o surgimento de outro sintoma: se sentir responsivel por estar “toda estragada” — a opress3o da culpa, que adoece ainda mais o corpo eaalma. Esse é um aspecto que demanda atengao e cuidado. Lidia carregava um rétulo, o estigma de ser “um caso dificil e complicado”, uma pessoa problemitica, doente, mas sem doenga alguma, “ape- nas” com disturbio funcional, “nada” além disso. Hé mais angiistia e sofrimento medida que as possibilidades de extirpa- fo da causa e da tdo esperada cura se tornam cada vez menos tangiveis. Na verdade, muitas pessoas sofrem com a cronicidade de suas dores, seus desarranjos e disfungdes e vive & procura do porque de seus transtornos. Quando 0 médico se da conta do esgotamentode suas possibilidades terapéuticas eda provavel in- fiuéncia de fatores psiquicos, ¢ possivel que faca encaminhamentos para profissionais -¢.a satide mental. Aquestiio ¢como.o proprio duvida, no caminho da compreensao do Emédico concebe a necessidade e 0 papel do fenémeno psicossomético importa ini £ acompanhamento psicolégico. mente associar psique e soma, para que se Como 0 foco é buscar e tratar “a causa”, _possa ligar, integrar, constituir a unidade i muitos encaminhamentos se resumem a _ psicossomiética, representativa do que possa ¥indicagdes para esse fim, sem que se com- ser humano, ainda que disfuncional. = preenda ao certo como a psicoterapia pode ‘Georg Groddeck, médico contemporaneo j ajudaracombater ador “no corpo”, quenao de Freud, profundamente interessado na 2 “do corpo”. Nao raramente ha a crenca _teoria psicanalitica e em suas implicagdes Ede que, se a entao procurada e misteriosa _terapéuticas também nas doengas organicas, E causa € psicologica, jd nao é do fisico, 6“da_j4 apontava de forma critica os impasses do Ecabeca”; nao é somatico, é psiquico; nfo é —pensamento causalista, & procura de causas Edo corpo, éda mente; ndoé do médico,édo _internas ou externas. “Apés uma divisdo J psicdlogo! Permanece a dicotomia, a cisdo, assim tdo nitida, nos jogamos com verda- = coma mesma sutileza que diferencia os con- _deira fiiria sobre as causas externas, isto é: Ltetidos dos termos psico-soma e psicossoma. os bacilos, os resfriamentos, 0 excesso de £ Apresenca do hifen traz apenas assoclacio, comida, de bebida, 0s acidentes de trabalho Benquanto sua auséncia, integragzo. Sem _ e sabe-sela mais 0 qué. E a causa interna foi janeiro 2016 -mentecsirebro 27

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