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A COMUNIDADE NEGRA RURAL DE PORTO Coris * ‘Osvaldo Martins de Oliveira” 1-INTRODUCAO © presente trabalho é uma sintese do relat6rio de identificago da commidade negra rural de Porto Coris. © referido relatério foi-me solicited pelo “Projeto ‘Mapeamento e Sistematizapto das Areas de Remanescentes de Quilombo”, da Fundagtio Caltural Palmares - MinC. © trabalho de campo que deu origem ao mesmo fora feito em duas etapas: uma em parte do més de outubro e outra em parte de novembro de 1997, A. ‘sprovagtio do relatério foi publicada no Disrio Oficial da Unido, a? 17, de 26/01/1998, sego 1, p, 121-123, com filero do Art, 68 do ADTC (Ato das Disposigses Constitucionais Transit6rias) © nos Arts. 215 © 216 Da Cultura, da Constituigso Federal de 1988. A aplicagdo dos artigos constitucionais citados tem por objetivo garmntir o pleno exercicio dos direitos culturais das populagses afto-brasileiras, especialmente no que conceme @ aplicago do artigo 68 que reconhece as comunidades remmescentes de quilombos que estejam ocupando as suas terras o direito a titular definitive, Os moradores de Porto Corts relacionam-se por lagos de parentesco e tragam sua genealogia a partir de um ancestral comum, o ex-eseravo Germano Alves Coelho, que ali se estabeleceu como homem livre, acompanhado por sua mie e sou imiio, onde dou origem a essa comunidade negra rural constitulda sobre um territério deixado por ele. O inicio do processo de mobilizayfo politica da commidade negra rural de Porto Corts deu-se com a formagio da Comisstio dos Atingidos pelo projeto de construgdo da barragem da Usina Hidrelétrica de Irapé, no rio Jequitinhonha, Nordeste de Minas Gerais, {que sera implementado pela CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais). As tguas dessa barragem, caso seja construida, stingirio terras de sete mmicipios (Botunirim, Berilo, Cristilia, Grito Mogol, Josen6polis, Leme do Prado e Turmalina) e iré afétar um "Trabalho apresentado na XXI Reunito da Associagtio Brosileira de Antropologie, de 05 a 09/04/1998, ‘ha Universidade Federal do Espirito Santo, “ Mestrando etn antropologia pelo Programe de Pos-Graduacio em Antropologia e Cincia Politica da Universidade Federal Fluminense, Niterdi - RJ. total de 47 comunidades existentes @ margem do rio Jequitinhonha, dentre elas a comunidade negra rural de Porto Coris, que tem uma situago absolutamente singular: contunidade de exelusividade negra, casamentos endogimicos, em que seus membros esto reféridos a uma procedéucia comum e & meméria social da resisténcia & escravidtio através de relatos de figa de seus anfepassados compartilhados no presente pelo conjunto dos moradores. Enquanto membros de uma comunidade negra rural que, desde os seus antepassados, resistiram & escravidti e as todas as formas de submissiio, os moradores de Porto Coris constréem uma identidade énica positiva de si mesmos ao definirem-se enquanto “remanescentes” de negros livres, isto é, do quilombo. A categoria quilombo sera analisada, neste trabalho, tendo como base tedrica os conceitos de ‘grupo étnico e etnicidade, que so entendidos, aqui, como aqueles fondmenos marcados pela dimenstio organizacional, seja no Ambito da mobilizagio politica, das particularidades na organizardo econdmica, da sua dimensio afetiva no que tange aos lagos de parentesco @ suas relades com um territério préprio. Etnicidade e grupo éinico so conceitos associados que s6 se aplicam a situagdes sociais de felagées entre grupos diferentes, definidos em termos de “és” e “eles”. Por ter langado mio da moméria histrico-social a commidade negra rural de Porto Coris ¢ ter observado seus modos de vida, sua mobilizagio politica e os termos sticos-racisis de autodefinigto que utilizam para ‘garantir seus direitos sobre um territ6rio que ocupam hé mais de um século, tenho boas razbes para analizar eesa comunidade como “rermanescente” de um quilombo iniciado polos trés ex-escravos j mencionados, que ousaram buscar a liberdade naquelas terras. 2-LOCALIZACAO E POPULAGAO DE PORTO Coris Porto Corts esté localizada a margem direita do rio Jequitinhonha, no rumicipio de ‘Leme do Prado, Estado de Minas Gerais, ha cerca de 25 km da sede do municipio. Os Povoados com estabelecimentos comerviais, telefone ¢ luz elétrica mais proximos stio Mandagaia © Posses, que distam, em média, 12 km, A estrada de terra que di acesso a Porto Coris, por onde trafegam veiculos automotores e permite o acesso parcial fora do Perfodo das chuvas, por eles chamado ‘‘o tempo das aguas”, s6 foi construida em 1991, pela prefeitura de Minas Novas. A criagiio de municipio de Leme do Prado ocorréu recentemente, no ano de 1995. Os moradores de Porto Coris se deslocam para as Jocalidades vizinhas a pé ou montados em lombos de animais como cavalo, égua, burro ou mula. O posto de atendimento médico fica a cerca de 80 km, na cidade de Turmalina. A parentela que vive no local 6 constitu(da de 12 familias © 65 pessoas, sendo que existe, ainda, a familia da professora da escola de primeira a quarta séries, que ali foi instalada no ano de 1991. Assim como outros moradores do Vale do Jequitinhonha, os de Porto Coris utilizam o trabalho tempordrio no periodo da safta da cana e do café no Estado de Sto Paulo, como uma estratégia de sobrevivéncia para.a autonomia do grupo na Posse e uso de suas terras, principalmente no contexto em que resistem ao assédio das Propostas de compradores interessados na aquisigfio de suas dreas e benfeitorias, Todas as 15 casas existentes no local foram construfdas com tijolos de barro cru, conhecidos como “adobe”, cobertas de tolhas de barr © 0 piso, posteriormente imentado em algims e6modos das casas, encontra-se feito também de terra socada. Ha também, ali, um templo da Congregag#o Crist no Brasil, cuja “doutrina” comegou a ser adotada por seus moradores a partir do ano de 1986. 3 - MEMORIA E ATUALIDADE DO QUILOMBO: etnicidade, parentesco ¢ territério na constituicao de Porto Corts. Antigamente, Porto Coris era denominado de “Rancho dos Porcos”, porque existia ali uma grande criagtio comunitéria desses animais, Posteriormente, o local recebeu de vizinhos a alcunha pejorativa e carregada de estigmas denominada chiqueiro dos porcos, contestada pelos moradores. “Eles tratavam aqui de chiqueiro dos porcos, mas ndo é. Isso @ porque eles criavam muitos porcos agui, esses mals velhos”. Os politicos da regio pretenderam mudar 0 nome da commmidade para Boa Sorte, mas este confindia-se com o nome de uma antiga fazenda do outro lado do rio Jequitinhonha. Os moradores ‘consideram que o nome mais adequado e significative é Porto Coris, devido ao fato de ali ter sido um ponto de travessia do Jequitithonha em canoas e considerado um porto, enquanto que Coris vem de uma alcuiha denominada Corl, que os descendentes de Germano atribuem a si mesmos. Coris constitui um entre outros vocébulos estranhos a ingua portuguesa, que eram utilizados apenas entre os filhos do Germano para impedir que os de fora entendessem o que estavam falando. Como essa alcunha se estendia a varios filhos do Germano ¢ eles tinham 0 costume de trabalhar em mutirfio entre eles com ‘moradores da vizinhanga, esses filtimos passavam pela manhd do outro lado do tio ¢ sritavam: ~"O, Corl! Vamos trabathar, Cort”. A alcunha sobre os moradores passou a designar a rea por eles ocupada de Porto dos Corts © posteriormente, sintotizada na expresso Porto Coris. A criagdo comunitéria de porcos merece uma ripida observario. Enquanto & margem do rio, conforme contam, tinha um grande “criame” de porcos, as grotas ¢ barras dos morros eram lugares de seus rogedos. chiqueiro dos porcos enquanto uma expresstio atribuida pelos de fora & essa commidade 6 um estigma; enquanto visto a partir do ponto de vista dos Corfs, o grande chiqueiro que existia ali reaviva a meméria hist6rica ® social da commidade de Porto Coris. A meméria dos antigos chiqueiros dos porcos e 0s chiqueiros existentes ainda hoje na commidade so marcas fisicas importantes na demonstragio da antighidade de Porto Coris. © fenémeno da etnicidade em Porto Corfs se manifesta contrapondo as marcas dos estgmas que Ibes fora atribufdo pelos grandes proprietérios de terras brancos, que mnca suporteram, desde a época da formagto dos primeiros quilombos, ver uma communidade negra rural viver livre em um teritério prOprio. Por isso, os seus vizinhos, desde a época do Germano, Ihes atribuem alounhas carregadas de preconceitos como a do “‘chiqueiro dos orcos”, insinuando, com isso, quo os nogros que ali vivem sejam sujos como os porcos, Os Coris, por seu lado, dio respostas enfiirecidas aos seus vizinhos ao serem tratados assim ¢ afirmam que nome do lugar ¢ Porto Corfs porque Coris cram seus pais e seus avés, que criaram as condigdes para a formagdo e sobrevivéncia da comuidade negra local. Neste sentido, a comunidade negra rural, “remanescente” do quilombo iniciado elo Germano, sua mie ¢ seu irmfo, se afirma como tal, negando uma identidade negativa, {hes atribuida de fora ¢ reivindicando uma identidade étnica positiva construida de dentro, evando em consideragtio os valores internos do grupo e os termos de auto-atribuigdo, Vivendo em uma situa social de relag6es interstnicas constantante ¢ de prossbes dos politicos e meios de comunicaglo da regio, om virtude do projeto de construgtio da barragem da CEMIG, os Corfe afirmam que niio respondem nenhuma pergunta ¢ nem ‘sssinam nenhum papel dirigido a eles por estranhos, temendo que esses sejam agentes da [ ft CEMIG. Em vista da defesa de sous direitos étnicos e teritoriais, passaram a manipular ¢ ‘empregar categorias étnicas, viabilizando, assim, a reelaboragtio de sua identidade étnica posigo nos que desejam negar esses seus direitos. O emprego de categorias étnico- raciais como preto, negro, quilombo, etc, freqiientemente levam & mobilizayo e organizagtio politica de uma comunidade negra rural, como resultado da interagio e ‘comunicapto entre os seus empregadores. Observando 0 emprego dessas categorias entre os moradores de Porto Coris, constatei que os dois mais velhos, que sto netos do Germano, afirmam que no 880 pretos, porque proto & a cor dos objetos e no da pessoa. ‘Também no se consideram negros, porque negros eram os cativos e todos ali sempre foram livres. Negro, na acepgtio deles, era o escravo que era propriedade de um senhor. O termo negro na regio era utilizado pelos senhores para dirigirem-se ao escravo ¢ os

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