Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Sumário
Introdução .................................................................................. 2
O que são os desertos da vida? ................................................. 4
Para sermos provados por Deus .............................................. 31
Para sermos disciplinados por Deus ........................................ 60
Para aprendemos como viver em Canaã ................................. 78
Considerações Finais .............................................................. 114
Referências: ............................................................................ 118
Sobre o Autor ......................................................................... 119
POR QUE PASSAMOS POR
DESERTOS?
Gladston Cunha
2 Por que passamos por desertos? 3 Por que passamos por desertos?
Quem nunca passou por um momento difícil na vida? das dificuldades da vida e como Deus usa tais dificuldades para
Quem nunca viveu um sofrimento tão intenso, a ponto de Esta reflexão se baseia na história do povo de Israel,
um deserto? permitiu que Israel passasse por um deserto real. Tal
problemas existem. A nossa vida neste mundo é e será Especificamente, nossa reflexão enfocará sobre um
marcada por aflições (Jo 16.33). momento muito especial desta jornada, no qual Deus revelou
democrático do que os problemas. Eles atingem a todos e não oito.
jovem, cristão ou ateu, homem ou mulher. Todos os seres produzir em você o entendimento necessário para perceber
humanos passaram por problemas e dificuldades em sua vida. que o sofrimento ou os desertos da vida, por mais dolorosos
Assim como é comum passarmos por problemas na que possam ser, são também uma maneira de Deus nos
passando por isso”? “Por que isso agora? Quem já não se fez Que Deus abençoe sua leitura.
esta pergunta?
Gladston Cunha
4 Por que passamos por desertos? 5 Por que passamos por desertos?
esperam, a convicção de fatos que se não vêem” (Hb 11.1). precioso. Lá no fundo é porque consideramos todas essas
Não é um salto no escuro, como dizia Soren Kierkegaard, mas coisas como sendo resultado de nosso trabalho, esforço e
um salto no claro nos braços de Deus. É tirar os olhos da determinação. Se nossa família é feliz e estável, é porque nos
realidade triste, do aparente silêncio divino, da dificuldade de esforçamos para isso. Investimos tempo e dinheiro em
manutenção da vida e ver o agir de Deus, que é a realidade passeios e diversão. Fazemos o máximo para estar juntos e
maior de tudo o que existe. Francis Schaeffer definiu fé como valorizamos isso.
“acreditar nas promessas específicas de Deus; não mais Até quando o assunto é a nossa espiritualidade, temos
voltado as costas para elas, não mais chamando Deus de a tendência de achar que somos totalmente e unicamente os
mentiroso, mas levantando as mãos vazias da fé”2. É desse responsáveis por seu desenvolvimento. Como se o estar cheio
tipo de fé que precisamos no deserto da vida. do Espírito Santo fosse como fazer um bolo de sacolinha. Basta
Mas, por que a Bíblia usa o deserto como símbolo para misturar um pouco disso e um pouco daquilo e pronto.
os problemas da vida? Eu vejo duas razões para isso. Esquecemos que a plenitude do Espírito de Deus em nós é
A primeira razão é o aspecto da solidão e do abandono também um ato soberano de Deus.
do qual já falamos. Ainda que não tenhamos coragem de Então, chega uma hora que a nossa soberania tem que
admitir isso, a grande verdade é que achamos que somos ser colocada a prova. Às vezes, imagino Deus dizendo consigo
donos do nosso próprio nariz. Se não declaramos isso mesmo: “__ Bom, se Fulano acha que pode viver sem mim e
abertamente, o vivemos no dia a dia. que é o dono de sua vida, vou permitir que ele sinta com é
Quantas vezes deixamos de agradecer o alimento, a difícil ser o dono de sua vida, para aprender que sem mim ele
vida, a saúde, o trabalho, a família e tudo aquilo que nos é nada pode fazer” (Jo 15.5).
Parece estranho pensar em Deus dessa maneira. Um
Deus que é amor nunca pensaria dessa forma. Mas quem disse
2
SCHAEFFER, Francis August. Verdadeira Espiritualidade. São Paulo. Cultura
que é falta de amor permitir que seu filho aprenda uma lição
Cristã. 1999. p.14
8 Por que passamos por desertos? 9 Por que passamos por desertos?
Josué e Calebe (Nm 14.20‐23,30). A geração que a sucedeu para descobrir ‘por quê?’ Jesus
Algumas pessoas dão ao pecado um poder mais Aquele que não poupou o seu próprio
Filho, antes, por todos nós o entregou,
devastador do que ele realmente tem. De uma maneira
porventura, não nos dará graciosamente
especial, aqueles que têm Jesus Cristo como Senhor e Salvador
com ele todas as coisas? Quem intentará
são chamados para olhar com fé para a sua obra consumada.
acusação contra os eleitos de Deus? Quem
O pecado não tem poder sobre a vida daqueles que nasceram
os condenará? Quem nos separará do
de novo (Rm 6.14). Cristo pagou por todos eles na cruz.
amor de Cristo? Será tribulação, ou
Ora, se Cristo pagou um preço altíssimo para nos remir angústia, ou perseguição, ou fome, ou
e o fez de uma vez para sempre, não podemos imaginar que nudez, ou perigo, ou espada?(Rm 8.31‐35)
16 Por que passamos por desertos? 17 Por que passamos por desertos?
Ao escrever isso, lembro‐me de meu avô. Seus últimos Por que ou Para que?
meses de vida foram marcados por lapsos de memória,
dificuldade de locomoção, dificuldades para falar e comer. Até “Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão
viveu sua vida para a família e para Deus pode terminar a vida “Não tente entender o que não há explicação, pois se não
há explicação pra quê entender”.
assim? Mas sempre ouvi de meu avô uma bela confissão da Saneva Desrosiers
sua fé e esperança: “Eu estou preparado para encontrar o meu
Senhor”. Foi assim que ele passou por seu último deserto até “Deus, por que estou passando por isso?” “Oh, Senhor!
entrar na Canaã Celestial. Não foi seu fim aquele deserto Por que o Senhor levou o meu filho?” “Por que eu tenho que
derradeiro, mas a sua vitória. E, assim o é para todos os que sofrer tudo isso, Cristo!” Você se identificou com estas
confiam em Deus. declarações?
Concluindo nossa definição para os desertos da vida, Como já dissemos, todos nós somos ávidos por
dizendo: os desertos são momentos na vida de aparente conhecer as causas, os motivos e as razões de tudo o que
solidão e silêncio de Deus e de total escassez de satisfação acontece ao nosso redor. Declarações como estas acima são
pessoal, não como resultado de pecado, mas do bom propósito uma tentativa humana de compreender o ponto de vista de
de Deus para os seus filhos. Deus para os desertos da vida.
Numa perspectiva, considero procedentes e
extremamente humanas tais declarações. Afinal, somos
humanos. Sofrer dói. Ver nossa família ser destruída pela
morte de alguém que amamos é uma dor muito intensa e
forte. Não foi fácil para aquela mulher ter que encarar 12 anos
20 Por que passamos por desertos? 21 Por que passamos por desertos?
Deixe‐me dizer uma coisa: Deus não tem obrigação de espiritual. Lembre‐se de Jó. Ele entendeu que tanto o bem
dizer a quem quer que seja o que ele pretende fazer. Ele não quanto o mal vinha de Deus (Jó 2.10). Mas também estava
tem a responsabilidade de satisfazer a minha curiosidade. disposto a argumentar com Deus. Ele disse:
Deus é Deus! Por isso, cuidado! Não ascenda a ira de Deus Gostaria de saber onde encontrá‐lo;
contra você em meio aos desertos da vida. O deserto já é gostaria de ir até o lugar onde ele está,
movimentos é a glória de Deus. Nunca descri disto. Outros mais altos do que a terra, assim são os
pastores diziam simplesmente: “Deus quis assim”! Esta meus caminhos mais altos do que os
vossos caminhos, e os meus pensamentos,
resposta era ainda mais vazia. O pior é que por trás da
mais altos do que os vossos pensamentos.
aparente piedade, percebia que alguns também não se
(Is 55.8,9).
sentiam satisfeitos em dar tais respostas e ficavam inquietos
Perceba que não é uma questão de Deus não querer
em seu interior.
compartilhar suas razões só porque ele é soberano, mas é
Aprendi com meu professor de Aconselhamento
porque nós não somos capazes de compreender a grandeza de
Pastoral que respostas prontas são sempre inúteis. Não dá
seu pensamento. O finito não pode compreender o Infinito. O
para dizer para uma mãe que chora ao lado do caixão do filho:
humano não compreende o divino e suas razões. Por isso, a
“Deus quis assim”! Particularmente, não ficaria surpreso se
Palavra diz: “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR,
uma mãe dissesse: “É, mas ele errou”! Lamento que alguns
nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a
líderes ao invés de consolar os que sofrem tentam agir como
nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as
advogados de Deus. Deus não precisa de advogado, mas as
palavras desta lei” (Dt 29.29).
pessoas precisam de consolo. Afinal, o mesmo Deus que faz a
Se é assim, creio que o mais sensato a se perguntar é:
ferida é o Deus que a fecha (Os 6.1).
“Para que, Senhor, estou passando por este deserto”? Quando
Foi aí que aprendi que Deus não quer que eu fique
usamos “para que” temos em mente a ideia de finalidade. Não
alucinado, tentando entender suas motivações. Ele diz em sua
queremos conhecer as razões, mas desejamos entender a
Palavra:
finalidade do deserto, ou seja, o que Deus vai fazer conosco lá
Porque os meus pensamentos não são os
no final.
vossos pensamentos, nem os vossos
caminhos, os meus caminhos, diz o
28 Por que passamos por desertos? 29 Por que passamos por desertos?
“Para que” é uma pergunta sensata, porque de um acontecendo com ela era porque não estava agradando a
modo ou de outro ela nos será respondida. Mas, a partir do Deus.
momento que eu entendo que tudo o que acontece na minha Então, disse para ela: “__ Angélica, a questão é outra.
vida tem uma finalidade, inclusive os desertos, eu posso com a Deus permitiu que você passasse por tudo isso para que você
ajuda de Deus minimizar a ansiedade e a angústia, entendesse que não é você quem controla a sua vida”. Ao
aprendendo qual é a sua boa, perfeita e agradável vontade terminar de falar, Angélica começou a chorar e disse: “__
para minha vida. Pastor, a ficha caiu. É exatamente isso. Eu não controlo minha
Quando agimos assim, conseguimos ler de maneira vida. Já perdi a alegria de continuar vivendo. Seria melhor que
mais clara os acontecimentos. Permita‐me contar uma Deus tirasse a minha vida. Quantas vezes, já pedi isso a ele. Eu
experiência de uma senhora que acompanhei. Vou chamá‐la não sei mais o que fazer”. O deserto de Angélica era mais sério
de Angélica. Angélica era uma jovem senhora, casada e que do que ela imaginava, mas agora ela tinha uma direção mais
tinha dois filhos. Ao longo de três anos, conversamos sobre clara a seguir.
seus problemas, que giravam em torno do casamento e da Se os desertos da vida fossem resultado de pecado
questão financeira. Angélica sempre se mostrou muito segura seria muito fácil. Bastaria arrepender‐se, orar, confessar e
de si mesmo e muito determinada em fazer as coisas da abandonar o erro, que o deserto acabaria. Mas como não é
maneira correta, porém nada dava certo. Até que um dia assim, os desertos só acabam quando chegamos ao fim, ou
Angélica enfrentou uma situação aparentemente muito seja, o entendimento do que Deus quer de nós. Somente
simples, mas que mexeu muito com ela. Na tarde do dia quando Deus completa em nós o propósito do deserto, é que
seguinte à sua experiência, ela me procurou e contou o que tudo chega ao seu fim.
havia acontecido. Então, com confiança ela disse que iria Israel caminhou por deserto por quarenta anos.
tomar algumas posições na sua vida, pois tudo o que estava Quando Deus cumpriu o que havia prometido a partir de seus
30 Por que passamos por desertos? 31 Por que passamos por desertos?
motivos, ele fez o povo entrar em Canaã. E qual foi a finalidade Para sermos provados por Deus
do deserto para o povo de Israel?
É sobre isso que quero refletir agora. Já que a história “Bem‐aventurado o homem que suporta, com
perseverança, a provação; porque, depois de ter sido
de Israel é um exemplo para a construção de nossa própria
aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor
história, gostaria de entender “para que” Deus conduziu o prometeu aos que o amam”.
Tiago (Tg 1.12)
povo pelo deserto, durante aqueles quarenta anos. À luz da
experiência de Israel, desejo entender “para que” servem os “Eu os chamei por minha graça e os atraí por minha
misericórdia: eu os fiz passar por várias provações. Eu os
desertos da vida. Assim, espero encontrar uma resposta para a
inundei de maravilhosas consolações, dei‐lhes a
pergunta que não quer calar: “Para que passamos por perseverança e coroei a sua paciência”.
Thomas de Kémpis
desertos”?
Ao escrever as próximas páginas, imagino que você
conheça a história do povo de Israel. Talvez você se lembre de
que quando Israel chegou ao Egito, a “nação” não passavam
de setenta pessoas (Gn 46.27). Mas, depois de quatrocentos e
trinta anos, tronou‐se uma numerosa nação (Êx 12.41). Alguns
cálculos falam de aproximadamente três milhões de pessoas, a
partir da contagem de homens adultos (Êx 12.37).
Submetido à escravidão (Êx 1.8‐11), o povo clamava
pela libertação ao Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. E, ele
ouviu o clamor de seu povo e lembrou‐se da aliança feita com
seu amigo Abraão e renovada com a sua posteridade (Êx 3.7‐9
32 Por que passamos por desertos? 33 Por que passamos por desertos?
cf. Gn 15.12‐16). Moisés foi o escolhido para a missão de Quantas vezes nós não somos assim? É fácil criticar os
conduzir o povo à terra da peregrinação de Abraão. Deus agiu israelitas! Afinal, pensamos nós, se Deus tivesse feito metade
com poder, sinais e prodígios como nunca se viu. Dez pragas daqueles mesmos sinais em nossos dias, não haveria uma só
no Egito, o Mar Vermelho aberto ao meio, a Nuvem e a Coluna pessoa que duvidasse de seu poder.
de Fogo que conduziam o povo são alguns exemplos deste É incrível ver pela televisão como pessoas lotam
poder. Além destes primeiros sinais, Deus manifestou tantos templos em busca de sinais e prodígios. Não nego que Deus
outros diante dos olhos de todo o povo. Porém, as ainda manifeste‐se com sinais e realize milagres em nossos
demonstrações de rebeldia foram tantas que levou Deus a dias, porém, fico alarmado que em nossos dias as muitas
qualificar a nação como “povo de dura cerviz” (Êx 32.9). pessoas buscam os milagres de Deus e que poucas pessoas
Talvez a expressão não faça sentido para algumas buscam o Deus dos milagres.
pessoas, mas sua ideia é semelhante à expressão popular O que me preocupa é que os milagres nunca foram
brasileira “queixo duro”, usada para descrever um cavalo que suficientes para a conversão de pessoas. Foi assim com Israel
não obedece aos comandos dados com as rédeas. no deserto e foi assim com Israel dos dias de Jesus. O próprio
Israel era assim, não dobrava o pescoço e não se Cristo disse sobre as pessoas de Cafarnaum:
deixava conduzir. Era um povo arrogante, cheio de razão e que Tu, Cafarnaum, elevar‐te‐ás, porventura,
gostava de fazer as coisas do seu jeito. Mas foi o povo que até ao céu? Descerás até ao inferno;
Sodoma do que para contigo (Mt Por isso, tantas pessoas, até mesmo aquelas que se
11.23,24). dizem religiosas, têm tanta dificuldade em encarar os desertos
Philip Yancey faz um questionamento muito sério sobre da vida, pois pensam que Deus existe para fazer e multiplicar
milagres. Ele escreve: os milagres em sua vida. Incredulidade não é apenas uma
Será que uma erupção de milagres atitude de descrença, é muito mais uma atitude de
sustentaria a fé? Provavelmente não; pelo
desobediência contumaz contra Deus. É isso que algumas
menos não sustentaria o tipo de fé em que
pessoas não conseguem entender, pois fazem campanhas,
Deus parece estar interessado. Os israelitas
correntes, batizam‐se e congregam numa comunidade cristã a
são uma grande demonstração de que os
fim de obter o favor divino (leia‐se milagres), mas vivem
sinais só conseguem nos tornar viciados
desordenadamente em pecado. Não é isso que Deus quer.
em sinais, não em Deus.6
Não quero entrar nos desdobramentos destas
Creio que vivemos numa geração de viciados em questões, mas quero fazer você refletir que não somos
milagres e sinais, mas sem nenhum compromisso com Deus. melhores do que Israel. Se os mesmos sinais daqueles dias
Uma espécie de fé na fé ou fé no milagre, que a cada fossem feitos hoje, diante dos nossos olhos, continuaríamos
para a vida. As pessoas continuam incrédulas em Deus, mas Se você pensa que Deus te ama somente se Ele fender
acreditam em milagres. os céus e descer de lá em glória e falar cara a cara contigo,
quero dizer que você está equivocado quanto a Deus e ao seu
amor por você.
Como Israel, também somos pessoas difíceis de
6
YANCEY, Philip. Decepcionado com Deus. 4 ed. São Paulo. Mundo
aprender. Há um ditado que diz: “Não se ensina truque novo a
Cristão.1997. p.32
36 Por que passamos por desertos? 37 Por que passamos por desertos?
cavalo velho”. É meio rural, mas extremamente atual e Recordar‐te‐ás de todo o caminho pelo
correto. As pessoas religiosas acham que sabem tudo o que qual o SENHOR, teu Deus, te guiou no
precisam saber sobre Deus e sobre a vida. Elas se esquecem deserto estes quarenta anos, para te
humilhar, para te provar, para saber o que
que a vida é um constante aprendizado. Dizer que sabemos
estava no teu coração, se guardarias ou
tudo é uma atitude arrogante e que nos impede de aprender.
não os seus mandamentos. Ele te
Precisamos pedir a Deus um coração tratável e um
humilhou, e te deixou ter fome, e te
desejo de aprender mais dele, da vida e de nós mesmos. Mas
sustentou com o maná, que tu não
lembre‐se, que ao pedir isso, Deus providenciará as
conhecias, nem teus pais o conheciam,
oportunidades para você aprender de maneira prática aquilo para te dar a entender que não só de pão
que pediu. Paciência, domínio próprio entre outras virtudes da viverá o homem, mas de tudo o que
vida cristã, só se aprendem na prática, na vivencia do procede da boca do SENHOR viverá o
cotidiano. homem. Nunca envelheceu a tua veste
Voltando a caminhada de Israel, devido ao desprezo sobre ti, nem se inchou o teu pé nestes
diante de sua conquista (Nm 13.33), Deus declarou que faria Esta declaração inicial é profunda e inquietante. Moisés
ficar naquele deserto todos que saíram do Egito, com exceção afirma que para ser provado por Deus é que o povo de Israel
de Josué e Calebe (Nm 14.1‐35). Durante quarenta anos o foi conduzido pelo deserto. Esta declaração é profunda,
povo rodeou a terra que era deles, prometida por herança à porque o povo considerava o deserto como castigo, na
Abraão, Isaque e Jacó. Mas não entraram. realidade a morte daqueles que saíram do Egito é que foi o
Próximo do fim de toda aquela jornada, Deus falou ao castigo. Aqueles quarenta anos foram anos de provação. Dia
povo por boca de Moisés: após dia Deus provava o seu povo.
38 Por que passamos por desertos? 39 Por que passamos por desertos?
Aqueles quarenta anos no deserto foram a realização em sua longanimidade, não dando a todo o povo um fim
do propósito de Deus, em manifestar a sua paciência e a sua comum – a morte.
misericórdia sobre sua nação escolhida. O Senhor ouviu a O ponto alto desta misericórdia está no fato de que
intercessão de Moisés. Deus queria destruir todo o povo ali Deus guiou o povo (v.2). O povo não estava sozinho. Deus
mesmo, mas Moisés clamou pela misericórdia de Deus que estava com ele em todos os momentos. É impossível guiar a
não inocenta o culpado e Ele o atendeu, tanto manifestando distância.
sua misericórdia quanto a sua justiça (Nm 14.11‐23). Certa vez, eu me perdi numa estrada secundária, no
Imagino que a cada dia, a cada morte, a cada situação meio de uma floresta de eucalipto. As referências que me
difícil, aquelas pessoas paravam para refletir. Pois, a promessa deram eram muito confusas. E os caminhos dentro da floresta
era da justiça de Deus fazer cair os ingratos e a misericórdia de eram exatamente iguais. Para piorar, anoiteceu e começou
Deus sustentar o restante do povo. chover. É desesperador não saber para onde ir. Em meio a
Não mexe com você a visão de milhares de pessoas toda a situação, surgiu um senhor à cavalo. Disse para ele que
morrerem ao longo de quarenta anos, por não temer e confiar estava perdido. Então, ele disse: “Venha atrás de mim, que
em Deus? E, nem mesmo os tremendos e portentosos vou mostrar o caminho certo”. Fui atrás dele, peguei a estrada
milagres foram suficientes para despertar neles o mínimo de principal e segui viagem. Ele me guiou de perto. Ele não disse
temor devido aquele que é o supremo Senhor de todas as para onde ir, mas me levou por onde havia de ir. Foi
coisas. exatamente assim que Deus guiou Israel no deserto.
Por estas e outras coisas não consigo enxergar o Deus manifestou sua presença com o povo através da
deserto como um lugar de castigo, mas como um lugar de nuvem durante o dia e da coluna de fogo à noite (Êx 13.21,22).
misericórdia. Lembre‐se: misericórdia é não receber aquilo que Séculos mais tarde, o povo reconheceu que este gesto de Deus
mereço. O próprio Deus se coloca no lugar de seu povo e cede era um ato de misericórdia: “Todavia, tu, pela multidão das
tuas misericórdias, não os deixaste no deserto. A coluna de
40 Por que passamos por desertos? 41 Por que passamos por desertos?
nuvem nunca se apartou deles de dia, para os guiar pelo
caminho, nem a coluna de fogo de noite, para lhes alumiar o O antigo nosso coração ainda tortura
caminho por onde haviam de ir” (Ne 9.19). E o fardo de maus dias nos traz amargura.
Os desertos são conhecidos pela grande oscilação de Senhor, dá a nossas almas assustadas
temperatura que ocorre entre o dia e a noite. Mas, durante o A salvação para a qual foram criadas.
dia, lá estava a nuvem do Senhor, refrescando o calor da
caminhada. E, nas noites mais geladas, Deus mostrava o seu Se nos estende o cálice pesado e amargo
cuidado aquecendo o sono de cada um. Desta maneira, Deus Do sofrimento, cheio até a borda,
mostrava não só a sua presença, mas também o seu cuidado. Nós o tomaremos gratos e sem tremor
Isso me faz lembrar um poema escrito por Dietrich Das tuas mãos plenas de bondade e amor.
Bonhoeffer, intitulado “Por bons poderes”, escrito no ano
novo de 1945. Bonhoeffer passou por seu próprio deserto. Ele Mas se ainda quiseres dar‐nos alegrias
foi um dos líderes do movimento que ficou conhecido como Como este mundo e o brilho dos seus dias,
Igreja Confessante, um movimento cristão de resistência ao Então nos lembraremos do passado,
nazismo. Em abril de 1943, Bonhoeffer foi preso pelo Reich. Na E entregaremos nossa vida ao teu cuidado.
prisão, ele escreveu esse poema, demonstrando sua confiança
no cuidado divino e sua esperança de dias melhores, apesar de Faz com que chamejam as velas cálidas e claras,
toda dor e sofrimento. Bonhoeffer escreveu: Que tu mesmo trouxeste para as nossas trevas.
Por bons poderes fielmente cercado, Permite, se possível, que outra vez nos encontremos!
Maravilhosamente protegido e consolado – É a tua luz que brilha na noite, bem o sabemos.
Assim com vocês estes dias desejo passar
E com vocês num novo ano entrar. Quando se espalhar profundo o silêncio,
42 Por que passamos por desertos? 43 Por que passamos por desertos?
Faz com que ouçamos aquele som intenso aprender, que Deus está sempre presente ao nosso lado, até
Do mundo que invisível se estende ao nosso redor, quando menos imaginamos. No dia mais quente ou na noite
De todo o teu povo que a ti está rendendo louvor. mais fria, nós não estamos sozinhos.
Voltando à declaração de Moisés, percebemos que
Por bons poderes maravilhosamente protegidos, Deus declara abertamente qual foi a sua finalidade ao levar o
Esperamos consolados o que nos será trazido povo para o deserto. Deus queria provar o povo (v.2). Israel
Deus está conosco de noite e de manhã, estava sendo provado pelo Senhor e o deserto foi o lugar
E com toda certeza a cada novo amanhã.7 desta provação.
A palavra traduzida por provar (em hebraico, massâh)
O deserto de Bonhoeffer teve fim quando, no dia 9 de tem em seu sentido a ideia de verificar a qualidade de algo ou
abril de 1945, foi enforcado pelas Forças Nazistas no campo de alguém por meio de situações difíceis. O termo não possui
concentração de Flossenbürg, apenas três semanas antes da qualquer ideia de induzir ao erro. Isso quer dizer que, Deus
tomada de Berlim pelo Exército Soviético e a rendição do não levou o povo para o deserto querendo vê‐lo sofrer ou para
Exército Alemão. Bonhoeffer viu aquele novo ano começar, induzi‐lo ao pecado, mas para que o povo pudesse revelar as
mas não o viu terminar. suas qualidades e virtudes. É claro que, em meio a provações,
Apesar de tudo, ele não duvidou do consolo, da se eu não demonstro minhas virtudes, demonstro meus vícios.
proteção e da renovação constante de todas as ações Por esta causa, as provações têm a ver com caráter.
providenciais em seu favor. Os “bons poderes” de Deus o Numa obra clássica intitulada “Provação”, Enoch Pond
cercavam, ele cria nisto. É justamente isso que precisamos escreveu: “o grande designo da provação parece ser, equipar
aqueles que estão neste contexto para a formação e o
7
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão: Cartas e Anotações
Escritas na Prisão. São Leopoldo. Sinodal. 2003. p.556,557.
44 Por que passamos por desertos? 45 Por que passamos por desertos?
momento no qual mostramos para todos quem realmente prestar aquela voluntária obediência que
oportuna feita pelo autor da Carta aos Hebreus. Ele escreveu:
“Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte
9
CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura – Hebreus. São Paulo.
8
POND, Enoch. Probation.Bangor. Duren & Thatcher.1837. p.17. Edições Paracletos. 1997. p.136.
46 Por que passamos por desertos? 47 Por que passamos por desertos?
Isso fez de Jesus alguém que realmente pôde oferecer‐ “Todo caminho do homem é reto aos seus próprios olhos, mas
se em nosso lugar. Como isso pode se aplicar a nós? Assim o Senhor sonda os corações” (Pv 21.2). Se “o” homem não
como Jesus viu em suas provações uma oportunidade de sabe discernir entre as suas próprias motivações, isso não é
obedecer a Deus e conseguiu fazê‐lo fielmente, é possível um problema para Deus. Davi reconheceu que esse era um
também para nós fazer o mesmo. E, é isso que Deus espera de problema real para ele, por isso orou ao Senhor: “Sonda‐me, ó
nós. Também, esse é o objetivo da provação. Deus, e conhece o meu coração, prova‐me e conhece os meus
Refletindo sobre isso, Garry Smalley escreveu que pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia‐me
provações “são exercícios para fortalecer meu caráter que me pelo caminho eterno” (Sl 139.23,24).
transformam cada vez mais na criatura gloriosa que Deus quer Deus sabia que o coração de Israel tinha uma tendência
que eu seja”.10 para a idolatria, que sua cerviz era dura e que aqueles
O texto de Deuteronômio diz que Deus tinha também quarenta anos no deserto, do ponto de vista humano, seriam
outra intenção no coração ao provar Israel: “saber o que frustrantes. Deus não queria revelar as intenções do coração
estava no teu coração, se guardarias ou não os seus de Israel para si mesmo, mas queria que Israel conhecesse a
mandamentos” (v.2). Para que Deus precisa disso? Essa sua própria disposição para com o Senhor, seu Deus.
questão é que incomoda muitas pessoas, pois se Deus é Isso mesmo, os desertos são instrumentos de Deus
onisciente, ele sabe tudo o que está em nosso coração. Por para nos mostrar quem realmente somos. Penso que o pecado
que, então, provar os corações nos desertos? Eu creio num fragmentou nossa existência. Muitas vezes, vivemos numa
Deus onipotente, onipresente e onisciente. Ele é todo espécie de esquizofrenia e, por isso, acabamos por nos tornar
poderoso e não há limites para o seu poder. Salomão disse: três pessoas em uma: somos aquela pessoa que pensamos ser,
somos aquela pessoa que as outras pessoas pensam que
somos e somos aquela pessoa que Deus tem certeza que
10
SMALLEY, Garry. A Felicidade só Depende de Você. Rio de Janeiro.
somos.
Thomas Nelson. 2008. p.190.
48 Por que passamos por desertos? 49 Por que passamos por desertos?
aquele momento fatídico e de intenso orgulho, escrevendo: Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu, Homem fico na terra, luz dos olhos teus,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos! Terra, melhor que o Céu! Homem maior que Deus!11
Arda em chamas o chão; rasguem‐te a pele os ramos;
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas! todos os pontos de apoio do ego humano. Israel tinha que
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
11
E se, em torno ao teu corpo encantador e nú, BILAC, Olavo Brás Martins dos Guimarães. Alvorada do Amor. In:
BARBOSA, Osmar. Bilac: Tempo e Poesia. Rio de Janeiro. Edições de Ouro.
Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,
1965. p.134‐135.
12
Agora que és mulher, agora que pecaste! COOPERS, Leonard J. ‘ānâ. IN: HARRIS, R. Laird, et alli. Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo. Vida Nova.
Ah! bendito o momento em que me revelaste. 1998. p. 1147.
52 Por que passamos por desertos? 53 Por que passamos por desertos?
incômoda. Eles não tinham como plantar e colher, pois eram faminto, isto é, ter necessidade de pão e
como nômades. Sem falar que o terreno era impróprio para o de alimentação ordinária, mas também no
plantio. fato dele alimentá‐los com o maná, o qual
14
não conheciam nem os seus pais.
Deus prometeu que iria sustentar o povo com pão.
Imagino que eles esperaram por pão (Ex 16.4). Na manhã Todos os dias, Israel era confrontado com o seguinte
seguinte aquele dia, as pessoas perceberam que havia algo fato: “Não sou eu quem provê meu próprio alimento – é Deus!”
mais no orvalho. Não sabiam o que era. Uns aos outros Todos os dias, tanto os fieis quanto os incrédulos, comiam o
ninguém conhecia aquilo. Nunca tinham visto algo assim. E, miraculosa. Roupa nos fala sobre proteção. Elas nos protegem
durante toda a peregrinação o prato principal na alimentação do frio e do calor. Porém, também tem um forte apelo sobre o
diária de Israel foi maná. Imagino que as donas de casa nosso amor pessoal. Muitas pessoas pensam que a roupa que
israelitas possuíam uma série de receitas à base de maná. Dele vestem determina quem elas são. Isso não é algo novo. Desde
eles se alimentaram, juntando cada dia o suficiente para o passado, uma roupa dizia quem era quem e fazia distinção
aquele dia, mas houve quem colhesse para o dia seguinte (Ex entre as pessoas, sendo um produto que despertava desejos e
16.16‐19). Afinal, ‘quem me garante que amanhã terá mais’? – outros sentimentos (Gn 37.3,4; Jz 14.12,13).
foi o que alguns pensaram. Porém, no dia seguinte estava tudo Só no Brasil, a indústria da moda faturou a cifra de 22
estragado. Deus dava o maná suficiente para cada dia. bilhões de dólares, no ano 2000. As pessoas não compram
Delitzsch argumentam (Dt 8.3):
A humilhação no deserto consistiu não
14
meramente no fato de Deus deixar o povo KEIL, Karl Friedrich; DELITZSCH, Franz. Biblical Commentary on the Old
Testament. Vol. 3. Edinburg. T. & T. Clark. 1869. p. 330.
56 Por que passamos por desertos? 57 Por que passamos por desertos?
status na sociedade. Ou, pelo menos, é o que a mídia as faz As suas vestes não se gastaram na durante
Para sermos disciplinados por Deus tomadas também não. O castigo muito menos. A vara passou
longe. Até que o choque aconteceu.
“A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela”. Um choque pode ser fatal para um adulto, quanto mais
Salomão (Pv 22.15) para uma criança. Tudo o que fizemos com ela foi para evitar o
pior. Graças a Deus o pior não aconteceu. Júlia aprendeu que
“A vida do discípulo necessita de uma severa disciplina”. não se deve brincar com tomadas, algo que algumas crianças
Dietrich Bonhoeffer
não tiveram o privilégio de aprender.
Creio que este é o cerne da disciplina: evitar que o pior
Quando não temos a experiência da paternidade (ou
aconteça. Mas o que é o pior? O pior não é o choque, mas suas
maternidade) é difícil entender porque aqueles amigos que já
consequências. Espiritualmente falando, o pior não é o
são pais falam de como é difícil disciplinar seus filhos. Então,
pecado, mas a sua consequência. Paulo disse: “o salário do
achamos que eles complicam de mais, por isso é tão difícil. Até
pecado é a morte” (Rm 6.23). Entendo que Paulo está se
que os nossos filhos chegam e descobrimos que é mais fácil
referindo à perdição eterna e não à morte física. O pecado
disciplinar os filhos dos outros que os nossos próprios.
conduz ao afastamento de Deus (Is 59.2).
Nossa primeira filha é muita experta. Com dez meses já
Se você é um cristão verdadeiro, que experimentou o
estava andando de um lado para o outro. Já mexia em tudo,
novo nascimento e recebeu o Espírito de Cristo, como selo de
inclusive no que não devia. Aliás, principalmente no que não
propriedade divina, creia que a sua salvação está garantida.
devia. Eu e minha esposa passamos algumas situações com
Porém, isso não o livra dos juízos temporais de Deus. Nesse
Júlia e as tomadas de nossa casa. Fizemos de tudo o que
estava ao nosso alcance para impedi‐la de mexer com as
tomadas. As conversas não adiantaram. Os protetores de
62 Por que passamos por desertos? 63 Por que passamos por desertos?
caso, o pior é estar nas mãos de um Deus vivo e irado16 (Hb Voltemos à ideia de disciplina. Há um grande problema
10.3). em nossos dias com a palavra disciplina, ela é sempre vista
A Confissão de Fé de Westminster descreve esta como algo negativo. Para muitos, disciplina tem a ver com
condição, dizendo: castigo, maus tratos, agressão e espancamentos. É fato que
Eles, porém, pelas tentações de Satanás e algumas pessoas quando falam de disciplina têm em mente
do mundo, pela força da corrupção neles todos esses elementos e os executam, seja em sua família ou
restante e pela negligência dos meios de trabalho.
preservação, podem cair em graves
Infelizmente, não poucos de nós trazem consigo uma
pecados e por algum tempo continuar
marca de uma “disciplina” distorcida. Talvez você mesmo se
neles; incorrem assim no desagrado de
lembre de uma surra com uma mangueira de jardim, com uma
Deus, entristecem o seu Santo Espírito e de
sandália de couro, um arreio de cavalo ou coisas deste tipo.
algum modo vêm a ser privados das suas
Quantas pessoas vivem traumatizadas por situações de
graças e confortos; têm os seus corações
endurecidos e as suas consciências feridas; selvageria cometidas por aqueles que deveriam velar por sua
prejudicam e escandalizam os outros e integridade física e emocional? Infelizmente, a maioria dos
atraem sobre si juízos temporais.17 agressores eram os pais.
Quando Deus disciplina os seus, seu desejo é que Conheci uma pessoa que dizia: “Deus não é pai! Deus é
entendam que o pecado é um perigo real, pois o homem se Deus”! Ao indagar sobre, descobri que sua visão sobre o
coloca numa condição de rebeldia contra aquele que é Pai, conceito PAI estava relacionada à figura paterna familiar – um
Criador e Senhor de sua vida. Cuidado com o pecado! homem violento, cruel, beberrão. Ela não conseguia relacionar
Deus com a figura paterna. Levou algum tempo até que ela
16
Recomendo a leitura de “Pecadores nas mãos de um Deus irado”, de pode, finalmente, chamar Deus de PAI.
Jonathan Edwards.
17
Confissão de Fé de Westminster. São Paulo. Cultura Cristã. 1997. XVII.3
64 Por que passamos por desertos? 65 Por que passamos por desertos?
com uma criança”19, ou seja, um adulto treinando uma necessário, castigo ou punição. É assim em várias esferas da
criança, daí o significado de educação no grego clássico. Em vida. Não seria diferente na esfera espiritual.
seu uso no Novo Testamento, em apenas duas passagens (Lc Deus disciplinou Israel no deserto aplicando tanto o
23.16;22), a palavra é usada para retratar castigo. O restante aspecto positivo quanto o aspecto negativo da disciplina.
do Novo Testamento usa o termo no sentido de ensino e Moisés escreveu: “Sabe, pois, no teu coração, que, como um
instrução (At 7.22; 22.3). O próprio Deus é descrito como um homem disciplina a seu filho, assim te disciplina o Senhor, teu
tutor ou professor no mesmo contexto de Hebreus (Hb 12.9). Deus” (Dt 8.5).
Já o termo mastigon tem em sua origem uma ideia de O motivo de Israel estar no deserto não era o pecado.
castigo severo e doloroso. Mastigon fala de sofrimento e Provação não tem nada a ver com pecado. Porém, o povo não
aflição causada por outro, daí o tradutor bíblico usar uma viveu santamente no deserto, pecou contra Deus e foi
palavra tão pesada como açoitar, utilizada também em outros castigado. Sendo assim, Deus aplicou no deserto toda a sua
textos do Novo Testamento (cf. At 5.40; 22.19), e relacioná‐la pedagogia e disciplina para ensinar a Israel a sua vontade. O
com a disciplina que vem de Deus. deserto foi uma grande sala de aula, na qual Deus ensinou o
A partir do texto de Hebreus, penso que na pedagogia povo como viver disciplinadamente.
divina há dois aspectos para a disciplina: um positivo e um Mais uma vez, encontramos o caráter humano sendo
negativo. O positivo tem a ver com a orientação para evitar o moldado pela ação de Deus. Já falamos sobre isso
erro e o negativo tem a ver com a conseqüência do erro. anteriormente, mas é preciso voltar a este tema e considerar
Ambas possuem um elemento similar – a dor. Afinal, não há sobre aquele que é o referencial ou o molde a partir do qual
aprendizado sem esforço, repetição, correção e, quando somos moldados em nosso caráter – DEUS.
Algumas expressões são emblemáticas com respeito a
19
FÜRST, D. PAIDEUO. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário esta questão, nas Escrituras. Entre elas, podemos citar:
Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo. Vida Nova.
“Portanto, santificai‐vos e sede santos, pois eu sou o SENHOR,
2000. p.649
68 Por que passamos por desertos? 69 Por que passamos por desertos?
vosso Deus” (Lv 20.7 cf. 1 Pe 1.16) e, “Portanto, sede vós qualificar a Escritura e a sua utilidade, apontam para um
perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48). Deus é aspecto didático.
o padrão de santidade e perfeição. Aliás, Ele é sempre o Deus trabalha os seus filhos usando sua Palavra. Mas
padrão para toda ação, pensamento, sentimento e vontade como a Palavra de Deus está ligada à sua disciplina? O que é
humanas. Afinal, fomos criados à sua imagem e semelhança, a pecado? O Catecismo Maior de Westminster responde:
fim de refletir de maneira finita aquilo que ele é infinitamente. “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus,
É certo que o pecado entrou na criação de Deus e ou a transgressão de qualquer lei por Ele dada como regra, à
maculou sua obra‐prima – o homem. Tudo que há no homem criatura racional”20. Em outras palavras, pecado é tudo que
é contrário ao seu criador e está em desacordo com a natureza fica aquém ou vai além daquilo que é a vontade de Deus
santa de sua criação original, até que seja restaurado pelo revelada nas Escrituras.
criador. Jesus chamou isso de “nascer de novo” (Jo 3.3). Voltemos para o povo de Israel. O começo da
Mesmo com o novo nascimento, o homem ainda luta caminhada teve um momento singular – a renovação na
contra si mesmo no propósito de viver para Deus (Rm 8.18; Gl aliança no Sinai (Ex 19; 20). Ali, Deus ordenou ao povo um
5.16). Daí, Deus revelar sua vontade, de maneira que o resumo da sua vontade, conhecida com os Dez Mandamentos
homem pudesse conduzir sua vida em conformidade com ela. (Ex 20.1‐17). Isso aconteceu num contexto sombrio de raios,
Que maneira melhor de fazer isso do que escrevendo? trovões, escuridão e fumaça (Ex 19.16,18). O povo ouviu os
Ora, se Deus é o referencial para que o nosso caráter Dez Mandamentos da própria boca de Deus. A potente voz de
seja moldado, a Escritura é o manual que Deus usa para isso. Deus gerou temor e muito tremor nos israelitas, ao ponto de
Não foi por acaso que Paulo escreveu a Timóteo: “Toda a pedirem para que Deus falasse apenas com Moisés e este
Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção, para a educação na justiça...” (2
20
Catecismo Maior de Westminster. São Paulo. Cultura Cristã. 1999. P/R
Tm 3.16). Perceba que todos os termos usados por Paulo para
24.
70 Por que passamos por desertos? 71 Por que passamos por desertos?
Moisés lembrou bem ao povo: “... como um homem que o possa magoar. O temor de Deus cria
(Dt 8.5). Por que castigamos nossos filhos? Porque eles correm afastar do Criador. É um temor nobre que
brota do amor”21.
risco de morte. Já contei acerca do choque que minha filha
Temor de Deus não é ter medo de Deus. Existem
levou. E, em quantas outras situações de risco ela se coloca a
pessoas por aí que tem pavor em pensar em Deus, pois para
cada momento. Uma vez que somos disciplinados por Deus,
elas Deus é ao mesmo tempo o juiz, a testemunha e o
tanto positiva quanto negativamente, isso gera em nosso
carrasco. Pensando nisso, Nietzsche disse: “... esse Deus devia
coração algo importantíssimo para nossa sobrevivência –
morrer! O homem não suporta a vida de semelhante
temor.
testemunha".22
Aqui vale conversar um pouco sobre o temor a Deus. O
Isso nos faz pensar que o temor de Deus está
salmista disse: “O temor do SENHOR é o princípio da
intimamente relacionado com que Deus é e com o que ele faz.
sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam...” (Sl
Calvino disse:
111.10a). Se eu desejo viver de maneira sábia a minha vida,
Pois Deus tem em si a dignidade de Pai e
mesmo que enfrentando um grande deserto, só poderei fazê‐
de Senhor. E assim, quem o queira cultuar
lo com temor de Deus em mim. Mas, o que é o temor de
devidamente, diligenciará por mostrar‐se
Deus?
não só ser‐lhe filho obediente, mas
Um autor escreveu, certa vez:
também servo obsequioso. A obediência
“O temor de Deus é filial. É o temor de nos que se rende como seu Pai, o Senhor,
afastar do Pai que nos criou e que nos
mediante o Profeta, denomina honra; o
ama, de ofender a Deus que, por amor,
sempre nos perdoa. O filho que ama o pai 21
AMARAL, Luciano do. Dons de Santificação do Espírito. 10 ed. São Paulo.
não quer ficar longe dele nem fazer algo Loyola. 2003. p.18.
22
NIETZSCHE. Assim falava Zaratustra. p.215.
74 Por que passamos por desertos? 75 Por que passamos por desertos?
Por que Israel deveria temer a Deus? Porque ele era de Deus. Ou Israel aprenderia por “bem” ou por “mal” que seu
seu Pai e seu Senhor. Porque foi ele quem libertou a nação do único bem estava em Deus. Se seria de uma maneira ou outra,
Vermelho. Porque foi esse Deus quem saciou a sede do povo e Pensemos em nós. Deus nos permite passar por um
o fartou na hora da fome. É preciso dizer mais alguma coisa? deserto. Ele tem como propósito disciplinar alguma área de
A disciplina exercida por Deus, como o Pai amoroso, nossa vida. Ele vai nos ensinar, segundo a sua Palavra, o que
visa conduzir seus filhos a este tipo de sentimento para com devemos fazer e como devemos fazer a sua vontade. Isso
ele. Deus não deveria ser visto como um perigo iminente. O implica que, quando passamos por desertos, devemos fazer da
Para aprendemos como viver em Canaã Desde o início, o desejo do coração de Deus foi que
Israel tornasse uma bênção para todos os povos (Gn 12.3 cf.
“... e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no 18.17‐19). Por isso, Deus disse ao povo na renovação da
Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por aliança no Sinai: “Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a
mim”.
Paulo de Tarso (Gl 2.19) minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha
propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a
“Apressa‐te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação
uma vida”. santa...” (Ex 19.5,6).
Sêneca
Israel seria a nação que adoraria ao Deus vivo e
verdadeiro, também seria responsável por ensinar às nações
da terra os caminhos e os mandamentos do Senhor. Israel
Depois de quarenta anos de uma árdua, e também
representaria na terra o Dono Absoluto de todas as nações,
abençoada jornada, Israel estava às portas de Canaã. Pode
mas para isso precisaria ser santa, separada dos erros e
parecer estranho dizer que a jornada foi abençoada, mas
defeitos das demais nações da terra, vivendo em justa
diante de tudo o que vivos até aqui, não há como não
comunhão uns com os outros e num santo relacionamento
reconhecer esta verdade. Israel foi prodigamente abençoado
com o seu Deus.
no deserto, pois Deus o estava preparando para uma bênção
Contudo, os quatrocentos e trinta anos de Egito foram
maior ainda – Canaã.
suficientes para macular a compreensão de Israel acerca de
Falamos sobre Deus moldando o caráter do povo
certo e errado, bem e mal, justo e injusto. Entretanto, no
através das provações, o educando através da sua Lei e o
deserto o caráter do povo foi moldado, a verdade da Lei foi
corrigindo quando sua Palavra era desobedecida. Qual o
ensinada na prática e um conhecimento diferenciado acerca
objetivo final de tudo isso? Canaã.
do Deus que é Pai e Senhor foi aplicado em sua vida, a fim de
80 Por que passamos por desertos? 81 Por que passamos por desertos?
no deserto em Canaã. Afinal, é no deserto que aprendemos não tem promessa de vida fácil. Tem, isto
sim, a certeza do socorro nas dificuldades e
viver em Canaã.
aflições.24
Temos falado do deserto como uma metáfora para as
Moisés descreveu a terra, dizendo (v.7‐10): “... o
dificuldades da vida. Quero, então, tomar da experiência de
Senhor, teu Deus, te faz entrar numa boa terra, terra de
Israel a realidade de Canaã e usá‐la metaforicamente aqui.
ribeiros de águas, de fontes, de mananciais profundos, que
Logo, Canaã fala acerca dos momentos alegres, felizes e
saem dos vales e das montanhas; terra de trigo e cevada, de
abundantes da vida (Ex 3.8).
vides, figueiras e romeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel;
Como essa ideia de aprender no deserto como viver em
terra em que comerás o pão sem escassez, e nada te faltará
Canaã é diferente da pregação de nossos dias! As pessoas
nela; terra cujas pedras são ferro e de cujos montes cavarás o
querem Canaã, mas não querem o deserto. Desejam as
cobre. Comerás, e te fartarás, e louvarás o SENHOR, teu Deus,
bênçãos, mas não querem nada com a provação, a Lei e a
pela boa terra que te deu”.
correção. Querem apenas os louros da vitória, mas não
Tais palavras soaram como alívio aos corações de todas
querem saber das batalhas.
as pessoas que, ao longo de uma caminhada de quarenta anos,
Escrevendo acerca de ser cristão e sobre a vida eterna
viram seus pais, amigos e entes queridos perecendo dia após
em Cristo, Gottfried Brakemeier, disse:
dia naquele deserto pavoroso, que parecia não ter fim.
A vida eterna possui antes um sentido
O que me chama minha atenção é o seguinte fato:
qualitativo. É sinônimo de vida plena,
resistente, realizada e por isso cheia de Deus havia dito quanto tempo duraria a caminhada pelo
que lhe havia feito a promessa. Por isso, também de um, aliás sentimento e vontade”.25 Este retorno só é possível pela ação
já amortecido, saiu uma posteridade tão numerosa como as soberana de Deus.
estrelas do céu e inumerável como a areia que está na praia do Refletindo sobre o que Hoekema escreveu, podemos
mar” (Hb 11.8‐12). afirmar que arrependimento é reconhecer que tudo o que
Perceba que Deus não disse primeiro qual era o fizemos por nós mesmos não tem valor algum diante de Deus.
objetivo da promessa, mas disse qual era a condição para o É reconhecer nossa completa inabilidade em lidar com as
cumprimento da promessa. E, na maioria das vezes [para não coisas da alma e do Espírito, o que demonstra da maneira mais
dizer todas às vezes], o cumprimento das promessas de Deus escrachada possível a total decadência humana diante de seu
possui condições que mexem conosco, de todas as maneiras Criador. Por isso, a conversão é sempre uma circunstância
possíveis, pensáveis e impensáveis. dramática.
Um exemplo: A promessa da vida eterna. Quando Pensando nos dramas possíveis da conversão foi que
Pedro, no sermão de Pentecostes, apresenta a promessa de Cristo disse: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim
salvação, dizendo: “Arrependei‐vos, e cada um de vós seja trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem
batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.
pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38). Para Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria
recebemos o dom do Espírito [que aqui fala da aplicação da casa”(Mc 10.34‐36).
obra redentora de Cristo] é necessário que nos arrependamos. Certa vez ouvi um relato acerca da conversão de um
Anthony Hoekema descreve arrependimento como sendo “o jovem muçulmano. Ele se convertera ao Senhor Jesus. Como
retorno consciente da pessoa regenerada, para longe do resultado, seu pai ordenou a sua morte e comissionou o irmão
pecado e para perto de Deus, numa completa mudança de
vida, manifestando‐se numa nova maneira de pensamento,
25
HOEKEMA, Anthony. Salvos pela Graça. São Paulo. Cultura Cristã. 1997.
p.133.
86 Por que passamos por desertos? 87 Por que passamos por desertos?
irmão mais novo. Mas a retratação seria exigida por meio de nem os poderes, nem a altura, nem a
profundidade, nem qualquer outra criatura
torturas, que envolvia até eletrochoque. O resultado disso foi
poderá separar‐nos do amor de Deus, que
que o jovem não negou a Cristo, mas tornou‐se uma espécie
está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm
de zumbi. Os choques comprometeram sua fala, sua mente e
8.34‐39).
outras habilidades. Mas sempre que se encontra com um dos
Os textos citados acima, com frequência, são usados
cristãos que lhe pregaram o evangelho, ele sorri.
para falar das aflições que os cristãos enfrentam. Paulo disse
A promessa da vida eterna em Cristo não nos exime das
que é como se a cada dia tivéssemos que encarar a morte, por
dificuldades e dos desertos. E, nem fala apenas de vitórias e
amor a Cristo (Rm 8.36). Contudo, a certeza do amor de Deus
alegrias. Jesus mesmo disse: “No mundo, passais por aflições;
por nós e a palavra de ânimo de Jesus são mais que suficientes
mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33). Paulo,
para renovar a fé nas promessas de Deus, que nos advém da
seguindo o ensino do Mestre, disse:
salvação.
Quem nos separará do amor de Cristo?
O que aprendemos é que as dificuldades da vida
Será tribulação, ou angústia, ou
existirão até o fim. Porém, o tesouro da salvação será sempre
perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo,
nosso. Os desertos são terríveis, mas a certeza da vitória de
ou espada? Como está escrito: Por amor de
ti, somos entregues à morte o dia todo, Cristo, como símbolo e antecipação da nossa própria vitória, é
aquele que nele crê. Ele disse: “quem crê em mim tem a vida E estou bem certo que é poderoso!
eterna” (Jo 6.47). Assim como foi com Israel será conosco. Guardará, pois, o meu tesouro
Até o dia final.26
Enfrentaremos os desertos, mas crendo que a terra prometida
Uma vez que aprendemos crer em Deus com esta
está bem ali, a nos esperar. Por isso, podemos dizer como o
convicção, será mais fácil viver, quer na terra prometida quer
salmista: “Bendito seja o Senhor que, dia a dia, leva o nosso
no deserto. Penso que era esta a ideia que Moisés tinha em
fardo! Deus é a nossa salvação” (Sl 68.19).
mente quando proferiu as palavras de Deuteronômio 8 ao
Se quisermos entender os desertos da vida, como
povo.
sendo o ambiente em que Deus nos prepara para receber e
Depois daqueles quarenta anos, às portas da Terra
habitar na terra prometida, precisamos responder a uma
Prometida, Moisés dá as últimas orientações ao povo. Era o
pergunta: Qual é o resumo de tudo?
momento de recapitular tudo o que foi aprendido ao longo da
O sábio Salomão disse: “De tudo o que se tem ouvido, a
caminhada. Nesta recapitulação dos anos do deserto, uma
suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque
verdade foi enfatizada por Moisés: “Não te esqueças do
isto é o dever de todo homem” (Ec 12.13). Tudo na vida é uma
Senhor” (v.11).
questão de obediência ou desobediência a Deus, de crer ou
Os especialistas falam da memória humana como um
não crer na Palavra de Deus. A grande questão de Deus com o
processo complexo, que envolve uma série de sistemas físico‐
povo era: “Até quando me provocará este povo e até quando
químicos. Por várias razões, é possível que alguns
não crerá em mim, a despeito de todos os sinais que fiz no
meio dele?” (Nm 14.11). O resumo de tudo é: crer em Deus. É
26
WHITTLE, D.W.; NELSON, J.H. A Certeza do Crente In: Hinário Novo
essa fé verdadeira no Deus verdadeiro que nos faz expressar,
Cântico. Cultura Cristã. São Paulo. 1999.
90 Por que passamos por desertos? 91 Por que passamos por desertos?
seja, alguns acontecimentos da vida se perdem para sempre, os teus rebanhos, e se aumentar a tua
como se nunca tivessem acontecido. Temos a tendência de prata e o teu ouro, e ser abundante tudo
quanto tens, se eleve o teu coração... (Dt
codificar, armazenar e recuperar em nossa memória aquilo
8.12‐14)
que teve muito significa e relevância em nossa vida.
Como é paradoxal esta situação! As bênçãos de Deus
Quando penso nestas coisas, questiono a fala de
nos fazem esquecer dele. Não as bênçãos propriamente, mas a
Moisés: Como é possível esquecer‐se de quem te fez tanto
maneira como lidamos com elas. Moisés expõe o pressuposto
bem? A nossa vontade é esquecer quem nos fez mal. Não
por detrás de nossa maneira leviana em lidar com as bênçãos
desejamos carregar a lembrança de quem nos ofende,
de Deus, dizendo: “A minha força e o poder do meu braço me
maltrata e fere.
adquiriram estas riquezas” (v.17).
Mas, se Moisés alertou o povo para essa possibilidade
Tudo pertence a Deus. Poder, honra, glória, domínio
foi porque ela existia. Afinal, uma coisa é você lembrar‐se de
são do Senhor. Ele é o dono. E, por ser dono dá a quem quer o
Deus quando as coisas estão mal. Outra coisa é lembrar‐se de
quer bem entender. Davi disse algo maravilhoso sobre esta
Deus quando as coisas estão bem. É como se Deus existisse
verdade: “Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo,
apenas para resolver nossas pendências e estabilizar
na tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a
novamente a nossa pacata e sossegada vidinha.
tudo dar força” (1 Cr 29.12). Em outras palavras, se hoje você
O que Moisés está mostrando para Israel é isso: uma
está num grande deserto, é por Deus que você está. Mas, se
vida tranquila e sossegada não pode ser pretexto para
hoje você está usufruindo do leite e do mel, das bênçãos da
esquecer‐se do Senhor. Moisés disse:
Terra Prometida e nem se lembra mais do deserto, é também
... para não suceder que, depois de teres
por Deus que você se encontra desta forma.
comido e estiveres farto, depois de haveres
edificado boas casas e morado nelas;
92 Por que passamos por desertos? 93 Por que passamos por desertos?
Há uma parábola de Jesus que ilustra muito bem essa Então vi no meu sonho que, ao sair do
realidade. Ela narra a experiência de um agricultor que teve deserto, logo viram à frente uma cidade, e
John Bunyan. O livro de Bunyan é uma alegoria da vida cristã e pérolas, pedras preciosas e tudo o mais. E,
além disso, nessa feira sempre se vêem
de sua jornada à Cidade Celestial. Nele o peregrino Cristão é
mágicas, engodos, jogos, brincadeiras,
orientado por um homem chamado Evangelista que, a única
palhaços, mímicos, ilusionistas e velhacos
maneira de ver‐se livre do fardo que carregava era seguir o
de toda a sorte. Ali também se vêem, e
caminho estreito para a Cidade Celestial. Em uma das etapas
sem motivo, furtos, assassinatos,
da peregrinação, após ter passado pelo Vale da Humilhação e
adultérios, perjúrios, tudo bem tingido de
da Sombra da Morte, descrito como um grande e terrível vermelho sangue.27
deserto, ele encontra‐se novamente com Evangelista, que o
orienta acerca do que estava por vir. Evangelista diz: 27
BUNYAN, John. O Peregrino. São Paulo. Mundo Cristão. 1999. p.122,123
94 Por que passamos por desertos? 95 Por que passamos por desertos?
A descrição da Feira das Vaidades é um resumo de tudo A obediência a Palavra de Deus é a demonstração mais
aquilo que teremos que encarar depois que vencemos os marcante de que nós o amamos como Deus e o reconhecemos
desertos. Teremos que lidar com os nossos prazeres, com como Pai. É a nossa resposta direta ao seu amor para conosco.
nossos desejos, vontade e emoções. É uma grande ilusão É impossível amar a Deus e não obedecê‐lo. Isso se torna ainda
pensar que não existem desafios e lutas na Terra Prometida. mais complexo, quando experimentamos este amor
Uma palavra do profeta Samuel ao povo nos ajuda a caminhando ao nosso lado, nos desertos da vida. É
definir vaidade. Ele diz: “... não vos desvieis de seguir o exatamente esse amor que nos aquece na noite fria e nos
SENHOR, mas servi ao SENHOR de todo o vosso coração. Não refrigera nos dias maus. A simples obediência aos
vos desvieis; pois seguiríeis coisas vãs, que nada aproveitam e mandamentos e juízos de Deus é a maneira mais humana de
tampouco vos podem livrar, porque vaidade são” (1 Sm dizer a ele: eu te amo.
12.20,21). Vaidade é deixar de seguir a Deus para seguir o O apóstolo João expressou isso de maneira belíssima:
próprio coração. Pois, quando deixamos de dar ouvidos à voz “Pois amar a Deus é obedecer aos seus mandamentos. E os
de Deus daremos crédito à voz de nosso coração, que nos seus mandamentos não são difíceis de obedecer” (1 Jo 5.3 ‐
conduzirá por aquilo que alegra os nossos olhos. Viveremos NTLH).
com os olhos em coisas vãs e passageiras, ao invés de Além de obedecer a Palavra de Deus, outra atitude é
vivermos fitando o que é eterno. necessária para não esquecer‐se de Deus: contar os seus
Esquecer‐se de Deus é um perigo real diante da Feira poderosos feitos. Moisés orientou o povo para que não se
das Vaidades. Por isso, é preciso lembrar‐se do Senhor. Para esquecesse que foi o Senhor quem o libertou, ou não palavra
Moisés, lembrar‐se do Senhor é o mesmo que obedecer à sua do próprio líder de Israel:
Palavra. Voltemos à recomendação de Moisés: “Guarda‐te não ... que te tirou da terra do Egito, da casa da
te esqueças do SENHOR, teu Deus, não cumprindo os seus servidão, que te conduziu por aquele
influenciar mais profundamente o coração misericórdia. Mas, ela é percebida em atos e eventos de Deus
de uma criança como as obras em nossas vidas. É a maneira misericordiosa de Deus em lidar
maravilhosas que Deus fez nos tempos conosco em meio aos desertos da vida é que nos fazem
antigos.28
recobrar o ânimo. É nesse momento que Jeremias reconhece a
Imagine você a revolução que teríamos se, de fato,
bondade de Deus (v.25,26,27). Entende que somente Deus
nosso coração fosse influenciado pelos poderosos feitos de
pode sustentá‐lo e, por isso, ele pode confiar e esperar no
Deus. Talvez, os desertos não seriam tão aterrorizantes.
Senhor (v.24).
Mas, por que devemos nos lembrar dos poderosos
Quer estejamos caminhando num grande deserto ou
feitos de Deus? Creio que há pelo menos três razões para nos
desfrutando de um tempo de refrigério, necessitamos de nos
lembrar dos poderosos feitos de Deus. Primeira razão é para
lembrar dos poderosos feitos de Deus em nossa vida. Assim,
ter nossa esperança renovada. O profeta Jeremias não viveu
nossa esperança estará sempre renovada. E nós estaremos
um deserto real, mas experimentou a dureza de um deserto
preparados para o que vier acontecer conosco.
existencial quando da queda de Jerusalém. Sua tristeza, pesar
Faça um exercício mental agora. Lembre‐se do que
e lamento aponta para o grande sofrimento que teve que lidar
Deus já fez em sua vida. Traga a memória o dia da sua
naquela ocasião. Mas, foi neste contexto que ele disse uma
conversão [se você ainda não teve um encontro pessoal com
das mais belas frases das Escrituras: “Quero trazer à memória
Cristo, este é o momento]. Reflita sobre a perda de alguém
o que me pode dar esperança” (Lm 3.21).
amado e como Deus te sustentou para elaborar e superar o
É neste momento que o profeta se lembra das
luto. Lembre‐se das decisões difíceis da vida que fizeram você
misericórdias do Senhor (v.22). A misericórdia é algo abstrato.
chorar e de como Deus enxugou cada lágrima. Você perceberá
Nós não apalpamos, cheiramos, vemos ou provamos a
que em todos os momentos Deus estava lá ao seu lado, afinal
Deus está presente até em nosso sofrimento.
28
SPURGEON, Charles Haddon. Sermones Del Año de Avivamiento. 2 ed.
Carlisle. El Estandarte de La Verdad. 1996. p.31.
100 Por que passamos por desertos? 101 Por que passamos por desertos?
Falando sobre a confiança em Deus em meio ao Algumas vezes isso acontece por não termos um parâmetro
sofrimento, Ronaldo Lidório citou uma canção de Gana, que claro para seguir diante de uma determinada situação.
diz: O apóstolo Paulo ensinou algo sobre isto à Igreja de
Não vivemos para celebrar o sofrimento; Corinto (1 Co 10.1‐14). Falando sobre a vida cristã e a maneira
nem para chorar; correta de vivê‐la, ele evocou o exemplo da jornada israelita
Mas quando ele vier choraremos; pelo deserto. Paulo evocou tanto os exemplos positivos
... no sofrimento há Deus;
quanto os negativos, para que os coríntios tivessem a
Não cremos na dor sem Deus;
percepção da vontade de Deus para a vida de cada crente.
Não cremos na dor sem Deus.29
Quero destacar duas falas de Paulo. Na primeira ele
O cristianismo [pelo menos, o cristianismo histórico]
disse: “Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim
não tem uma visão tão negativa do sofrimento, como outras
de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram”
religiões. Também não valoriza o sofrimento pelo sofrimento.
(v.6). Que coisas más o povo cobiçou? Os versos seguintes
Mas, crê que Deus está conosco mesmo nos mais difíceis
falam de quatro pecados: idolatria; imoralidade; por Deus à
momentos da vida. De fato, não cremos na dor sem Deus. Isso
prova e murmuração.
nos traz esperança.
Todo pecado é uma afronta a Deus. Entretanto, estes
Outra razão para trazer à memória os poderosos feitos
pecados parecem ter caído na predileção humana quando o
de Deus, é para entender quais atitudes devemos tomar. Ser o
assunto é afrontar a Deus. Olhar o caminhar de Israel no
mesmo sempre, não é um atributo que pertencente ao ser
deserto é testemunhar que estes pecados estavam lá e que
humano. Somos inconstantes. Agimos segundo o momento.
suas consequências foram devastadoras.
Muitas vezes, sem pensar nas consequências de nossos atos.
Não há porque cobiçar aquilo que já demonstrou ser
danoso para a vida espiritual de tantas pessoas, correto? Sim!
29
LIDÓRIO, Ronaldo. Liderança e Integridade. Belo Horizonte. Editora
Mas a prática tem dito o contrário. É comum ver pessoas que
Betânia. 2008. p.18.
102 Por que passamos por desertos? 103 Por que passamos por desertos?
consideraram que as cidades e seus moradores eram Aprender com o passado pode ser árduo,
gigantes na terra, mas havia um com eles que era maior que Melhor aprender essas lições valiosas hoje
que procurar por centavos no deserto
todos os gigantes juntos. Infelizmente, eles não se atentaram
escaldante de amanhã.32
para isso.
Por fim, uma terceira e última razão para nos lembrar
Ao ler as Escrituras, o que percebo é que a única
dos poderosos feitos de Deus, é para nunca esquecer que
finalidade de um gigante é ser vencido (Js 13.12; 1 Sm 17.48‐
Deus está no controle. Moisés disse: “Antes, te lembrarás do
53; 2 Sm 21.15‐22 cf. 1 Cr 20.4‐8). Não há tentação ou
SENHOR, teu Deus, porque é ele o que te dá força para
provação invencível, nem deserto intransponível, mas há um
adquirires riquezas; para confirmar a sua aliança, que, sob
Deus que promete fazer de seus amados mais que vencedores
juramento, prometeu a teus pais, como hoje se vê” (Dt 8.18).
sobre todas essas coisas (Rm 8.35‐39).
O objetivo de Moisés era orientar o povo, para que
Resumindo, o que Paulo está esclarecendo é que todas
este não se deixasse levar por sua soberba e orgulho. Tanto o
as tentações e provações no deserto são: humanas,
orgulho quanto a soberba são sentimentos conhecidos pela
proporcionais à força de cada um e vencíveis. Assim como foi
humanidade desde a queda. Eles tiveram uma presença
com Israel será também conosco. Porém, nós temos o seu
decisiva na escolha de Adão e Eva. Já falamos sobre isso,
exemplo para orientar nossas escolhas e direcionar nossa
anteriormente. Lembre‐se: Nossos primeiros pais queriam ser
caminhada. Como disse Paulo: “Tudo isso aconteceu com os
mais do que aquilo para o qual haviam sido criados. Eles foram
nossos antepassados a fim de servir de exemplo para os
seduzidos pelas palavras da serpente. Por causa do orgulho
outros, e aquelas coisas foram escritas a fim de servirem de
eles perderam sua santidade e integridade originais,
aviso para nós” (1 Co 10.11 – NTLH).
Charles Swindoll escreveu algo muito apropriado sobre
32
SWINDOLL, Charles. Dia a dia com os Heróis da Fé. São Paulo. Mundo
o aprendizado com o passado. Ele escreveu:
Cristão. 2007. P.92
106 Por que passamos por desertos? 107 Por que passamos por desertos?
macularam a imagem de Deus em suas vidas (Gn 3). Tudo teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e
porque eles queriam ser mais do que eram e do que pudiam ficarei livre de grande transgressão” (Sl 19.13).
ser. O sentimento oposto ao orgulho e à soberba é a
Argumentando acerca da queda B. A. Demarest disse: humildade. Ser humilde não é ser pobre materialmente.
É mais exato afirmar que, confrontada pela Existem muitos pobres materialmente que são extremamente
escolha entre submeter‐se à vontade de orgulhosos. Biblicamente, ser humilde é reconhecer quem
Deus e asseverar de modo ilícito sua Deus é e quem nós somos. Tal humildade colocará cada coisa
própria vontade, Eva escolheu essa última
em seu devido lugar, organizando a vida humana na
alternativa, que, por sua vez, manifestou‐
perspectiva de Deus. Daí a recomendação apostólica:
se no ato de comer do fruto proibido.
“Humilhai‐vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para
Primeiro Eva e depois Adão violaram o
que ele, em tempo oportuno, vos exalte” (1 Pe 5.6).
mandamento divino, revelando, assim, a
João Calvino comenta este verso, dizendo:
sua decisão de se tornarem independentes
de Deus e forjarem sozinhos o seu futuro.33 “Ele [Pedro], entretanto, exorta todos os
piedosos para se submeter à autoridade de
A soberba e o orgulho nunca fizeram bem ao homem.
Deus... mas, como nós estamos
Quaisquer atitudes baseadas nestes sentimentos estão
comumente acostumados ao medo, com o
fadadas à ruína. Pois como disse o sábio Salomão: “A soberba
receio de que nossa humildade possa ser
precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18).
uma desvantagem para nós, e que outros
Por isso, Davi orou ao Senhor: “Também da soberba guarda o
possam por esta razão crescer mais
insolentes; Pedro opõe‐se a esta objeção, e
promete eminência para todo o que se
33
DEMAREST, B. A. A queda do homem. In: ELWELL, Walter A.(ed.) humilhar. Porém, ele acrescenta, “em
Enciclopédia Histórico‐Teológica da Igreja Cristã. vol. III. São Paulo. Vida
Nova. 1990. p. 222,223. tempo oportuno”, para que, ao mesmo
108 Por que passamos por desertos? 109 Por que passamos por desertos?
qual Cristo, que é soberano tudo, não exemplos: um mar que se abre, pão que cai do céu, homens
clame: é meu!35 que andam sobre as águas, mortos que ressuscitam. Afinal, o
Quer goste quer não, Deus é o soberano senhor de Deus que criou o mundo é suficientemente capaz de intervir
todas as coisas. Tudo está sob o seu controle. Isso é algo que em sua criação mudar o comportamento desta criação de
devemos aprender nos desertos da vida. No deserto, todas as acordo com a sua vontade.
34
Calvin, John. Commentary on the First Epistle of Peter. Albany. Books for
the Ages. 1998. p.134.
35
KUYPER, Abraham apud. CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro da. In:
RAMOS, Leonardo, et alli. Fé Cristã e Cultura Contemporânea. Viçosa.
36
Ultimato. 2009. p.57 LEWIS, C.S. The Problem of Pain. New York. Simon & Schuster. 1996. p.30
110 Por que passamos por desertos? 111 Por que passamos por desertos?
dos seus milagres. Falar de milagres é falar de um Deus que orações.37
está absolutamente no controle de tudo. Já que Deus está no controle de tudo e já mostrou isso
vida não é diferente. A manutenção da vida, o pão de cada dia, agora, já na terra prometida, somos desafiados a não nos
manifestações da intervenção da poderosa mão de Deus em Como já vimos, tal esquecimento é perigoso e possível.
37
LUCADO, Max. Dias Melhores Virão. Rio de Janeiro. Thomas Nelson.
2007. p.19
112 Por que passamos por desertos? 113 Por que passamos por desertos?
Senhor dizer: “Eu me preocupo com o seu bem”. Afinal, a terra Por isso, podemos orar como o salmista: “Foi‐me bom ter eu
prometida é o lugar para usufruir, de modo especial, as passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Sl
bênçãos de Deus. Ela é um lugar de gratidão e louvor. É um 119.71).
lugar de lembrar de quem Deus é e do que ele é capaz de
fazer.
Se você acaba de vencer um deserto. Ou, se você já
avista o fim de sua atual tribulação. Ou ainda, se você há
muito tempo já não sabe o que é um deserto na vida, tenha
sempre em mente: “Até aqui o Senhor me ajudou! Glórias
sejam dadas ao seu nome pelos séculos dos séculos”.
Não deixe de ser grato a Deus. Não se esqueça de
nenhum só de seus benefícios (Sl 103.2). O Deus que permitiu
aquele longo e escaldante deserto em sua vida é o que hoje te
faz forte, fiel e feliz.
Tudo o que somos é fruto de nosso aprendizado. Não
aprendemos algo para não usar, mas para colocar em prática
em nossa vida. Deus não te deu um tempo de aprendizado no
deserto somente para você cumprir um determinado
currículo. Deus quer a sua resposta prática diante da vida
como um todo. Deus quer a sua obediência irrestrita, sua
devoção completa, um amor incondicional e uma gratidão
absoluta. Tudo isso se aprende no deserto e se vive em Canaã.
114 Por que passamos por desertos? 115 Por que passamos por desertos?
a Israel no deserto e nos dá folga em meio às nossas
Considerações Finais
tribulações. Orar pedindo folga é salutar, mas orar pedindo o
término da tribulação é uma perda de tempo e falta de
Quando penso nas coisas que falamos anteriormente,
maturidade.
fico a questionar comigo mesmo: “Será que nossas orações
Por que falta de maturidade? Simples. Cristãos
não estão erradas?” É muito comum ouvir em nossas Igrejas,
maduros entendem que Deus molda o nosso caráter em meio
grupos familiares e reuniões de oração, alguns motivos de
aos desertos e tribulações da vida. Eles sabem que Deus está
oração para que Deus cesse as tribulações na vida de alguém.
no controle de tudo até o fim. Eles crêem que Deus fará o
Dois textos vêm a minha mente. O primeiro: “Esperei
melhor por ele sempre. Tal maturidade vem da experiência.
confiantemente pelo SENHOR; ele se inclinou para mim e me
Como disse Paulo: “E não somente isto, mas também nos
ouviu quando clamei por socorro” (Sl 40.1). Enfatizamos que
gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação
Deus ouviu o clamor por socorro do salmista, livrando do
produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a
lamaçal no qual estava. Mas, pouco falamos da espera
experiência, esperança” (Rm 5.3,4). Logo, o cristão maduro
confiante do salmista.
sabe que todo deserto possui começo, meio e fim. Esse
Num cristianismo em que a tribulação é sempre vista
conhecimento lhe dá experiência e esperança. Afinal, esse
como a manifestação do mal, não é de se admirar que poucos
conhecimento é algo que foi experimentado e comprovado.
estejam dispostos a passar pela prova de sua fé e confiança no
Ele sabe que Deus estará ao seu lado. Por isso, ele está certo
Senhor. Logo, é mais fácil orar: “Socorro, Senhor”!
de que tudo vai acabar muito bem.
Outro texto que fala comigo, diz: “Em meio à
Pensando nisso, quero deixar apenas duas
tribulação, invoquei o SENHOR, e o SENHOR me ouviu e me deu
considerações para que você possa refletir, sobre a maneira
folga” (Sl 118.5). Entendo que dar folga é amenizar a
como você ora a Deus durante os desertos:
tribulação e não tirá‐la por completo. Creio que Deus deu folga
116 Por que passamos por desertos? 117 Por que passamos por desertos?
Referências: Sobre o Autor
BRAKEMEIER, Gottfried. Por que ser cristão? São Leopoldo. Sinodal. 2004.
BUNYAN, John. O Peregrino. São Paulo Mundo Cristão. 1999.
Gladston Cunha é pastor
CALVIN, John. Commentary on the First Epistle of Peter. Albany. Books for
the Ages. 1998. presbiteriano há 8 anos, formado em
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. 3 vol. São Paulo. Cultura Teologia pelo Seminário Rev. Denoel
Cristã. 2006. N. Eller (BH). Graduado em Teologia
CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER. São Paulo. Cultura Cristã. 1999 pela Escola Superior de Teologia da
CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo. Cultura Cristã. 1997 Universidade Presbiteriana Mackenzie
ELWELL, Walter A.(ed.) Enciclopédia Histórico‐Teológica da Igreja Cristã. (SP). Mestre em Teologia Pastoral
vol. III. São Paulo. Vida Nova. 1990. pelo Centro de Pós‐graduação
HINÁRIO NOVO CÂNTICO. São Paulo. Cultura Cristã. 1999. Andrew Jumper (SP). Doutorando em
HOEKEMA, Anthony. Salvos pela Graça. São Paulo. Cultura Cristã. 1997. Ministério pelo Andrew Jumper/
KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento – 1 Coríntios. São Reformed Theologial Seminary. É
Paulo. Cultura Cristã. 2004. muito bem casado com a Michele e o
RAMOS, Leonardo, et alli. Fé Cristã e Cultura Contemporânea. Viçosa. super‐pai da Júlia. Desde 2007 moro
Ultimato. 2009.
em Guarapari(ES), onde pastoreia a 1ª
LEWIS, C.S. The Problem of Pain. New York. Simon & Schuster. 1996. Igreja Presbiteriana de Guarapari
LIDÓRIO, Ronaldo. Liderança e Integridade. Belo Horizonte. Editora
Betânia. 2008.
Contato:
LUCADO, Max. Dias Melhores Virão. Rio de Janeiro. Thomas Nelson. 2007.
Conte‐me o que você achou do livreto.
SPURGEON, Charles Haddon. Sermones Del Año de Avivamiento. 2 ed.
e‐mail: gcunha@ipb.org.br
Carlisle. El Estandarte de La Verdad. 1996.
SWINDOLL, Charles. Dia a dia com os Heróis da Fé. São Paulo. Mundo
Cristão. 2007.