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1 Por que passamos por desertos?

Sumário 

Introdução .................................................................................. 2 

O que são os desertos da vida? ................................................. 4 

Para sermos provados por Deus .............................................. 31 

Para sermos disciplinados por Deus ........................................ 60 

Para aprendemos como viver em Canaã ................................. 78 

Considerações Finais .............................................................. 114 

Referências: ............................................................................ 118 

Sobre o Autor ......................................................................... 119 

POR QUE PASSAMOS POR   
 
 
DESERTOS?  

Gladston Cunha

 
2 Por que passamos por desertos?  3 Por que passamos por desertos? 

Introdução  Este  livro  é  justamente  uma  reflexão  sobre  estas 

  perguntas,  com  o  objetivo  de  esclarecer  a  nossa  visão  acerca 

Quem  nunca  passou  por  um  momento  difícil  na  vida?  das dificuldades da vida e como Deus usa tais dificuldades para 

Quem  nunca  enfrentou  um  momento  de  grande  tribulação?  fazer de nós pessoas melhores, segundo o seu bom propósito. 

Quem  nunca  viveu  um  sofrimento  tão  intenso,  a  ponto  de  Esta  reflexão  se  baseia  na  história  do  povo  de  Israel, 

pensar que era o fim? Quem nunca se sentiu caminhando por  mais  precisamente  sobre  a  sua  jornada  pelo  deserto.  Deus 

um deserto?  permitiu  que  Israel  passasse  por  um  deserto  real.  Tal 

Creio  que  todos  desejam  uma  vida  sem  problemas.  experiência serve de analogia para nossa própria jornada, por 

Como  isso  seria  bom!  Infelizmente,  a  realidade  é  outra.  Os  nossos desertos pessoais.  

problemas  existem.  A  nossa  vida  neste  mundo  é  e  será  Especificamente,  nossa  reflexão  enfocará  sobre  um 

marcada por aflições (Jo 16.33).   momento muito especial desta jornada, no qual Deus revelou 

Os  problemas  estão  aí  e  se  manifestam  de  diversas  seu propósito de maneira clara à nação israelita. Este episódio 

maneiras,  formas  e  intensidades.  Não  existe  nada  mais  encontra‐se registrado no Livro de Deuteronômio, no capítulo 

democrático do que os problemas. Eles atingem a todos e não  oito.  

fazem distinção entre negro ou branco, rico ou pobre, idoso ou  Minha  oração  é  que  a  leitura  deste  texto  possa 

jovem,  cristão  ou  ateu,  homem  ou  mulher.  Todos  os  seres  produzir  em  você  o  entendimento  necessário  para  perceber 

humanos passaram por problemas e dificuldades em sua vida.   que  o  sofrimento  ou  os  desertos  da  vida,  por  mais  dolorosos 

Assim  como  é  comum  passarmos  por  problemas  na  que  possam  ser,  são  também  uma  maneira  de  Deus  nos 

vida,  também  é  comum  perguntarmos.  “Por  que  eu  estou  abençoar.  

passando por isso”? “Por que isso agora? Quem já não se fez  Que Deus abençoe sua leitura. 

esta pergunta?   
Gladston Cunha 
4 Por que passamos por desertos?  5 Por que passamos por desertos? 

O que são os desertos da vida?    Onde  está  Deus  quando  mais  precisamos  dele?  –  é  o 


  sentimento  e  a  indagação  que  passa  por  nossa  mente  e 
“Recordar‐te‐ás de todo o caminho pelo qual o SENHOR, 
coração.  Os  nossos  olhos  não  conseguem  enxergar  a  mão 
teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos...” 
 (Dt 8.2)  invisível  da  providência  em  ação.  Isso  acontece,  porque  os 
 
nossos olhos estão presos as circunstâncias que nos rodeiam. 
“O deserto, no entanto, não é o destino final. É um estágio 
na jornada."    Esquecemos a orientação do apóstolo Paulo: “andamos por fé 
Ivan Illitch 
e não pelo que vemos” (2 Co 5.7). 
 
  O  apóstolo  não  quer  nos  conduzir  a  uma  atitude 
  A  palavra  deserto  vem  do  latim  desertus,  e  significa 
alienada,  que  não  reconhece  a  realidade  dos  problemas.  Ao 
originalmente  abandonado.  É  juntamente  esta  a  ideia  que 
contrário,  ele  quer  que  aqueles  que  crêem  em  Cristo 
temos quando pensamos em deserto, um lugar abandonado e 
coloquem  seus  olhos  em  Deus,  entendendo  que  Ele  está 
esquecido  por  todos.  O  deserto  é  um  lugar  inóspito  onde  a 
presente,  ainda  que  tal  presença  não  possa  ser  percebida 
luta  pela  vida  é  uma  constante  e  a  morte  é  uma  realidade 
pelos  olhos  humanos.  Como  disse  João  Calvino:  “Na  verdade 
sempre presente. 
vemos,  mas  através  de  óculos  escuros,  o  que  significa  que 
  Às  vezes,  falamos  deste  tipo  de  lugar  como  sendo  um 
descansamos na Palavra em lugar da realidade”.1  
lugar  abandonado  por  Deus.  E,  é  justamente  assim  que  nos 
  Enxergar  Deus  nos  desertos  da  vida  é  um  ato  de  fé. 
sentimos  quando  enfrentamos  os  desertos  da  vida.  Nós  nos 
Mas  o  que  é  fé?  Há  tantos  conceitos  de  fé  por  aí.  Mas,  eu 
sentimos  esquecidos  por  Deus.  Abandonado  por  aquele  que 
estou falando daquele tipo de fé que agrada a Deus (Hb 11.6), 
deveria fazer algo por nós. Olhamos ao redor e o que vemos é 
definida  pelas  Escrituras  como  “a  certeza  de  coisas  que  se 
solidão e silêncio. Como se os céus se fechassem e Deus saísse 
de férias, deixando‐nos a mercê de nós mesmos e dos nossos 
problemas.  1
 CALVINO. João. Comentário à Escritura Sagrada – 2 Coríntios. São Paulo. 
Edições Paracletos. 1995. p.109. 
6 Por que passamos por desertos?  7 Por que passamos por desertos? 

esperam,  a  convicção  de  fatos  que  se  não  vêem”  (Hb  11.1).  precioso.  Lá  no  fundo  é  porque  consideramos  todas  essas 
Não é um salto no escuro, como dizia Soren Kierkegaard, mas  coisas  como  sendo  resultado  de  nosso  trabalho,  esforço  e 
um  salto  no  claro  nos  braços  de  Deus.  É  tirar  os  olhos  da  determinação. Se nossa família é feliz e estável, é porque nos 
realidade triste, do aparente silêncio divino, da dificuldade de  esforçamos  para  isso.  Investimos  tempo  e  dinheiro  em 
manutenção  da  vida  e  ver  o  agir  de  Deus,  que  é  a  realidade  passeios  e  diversão.  Fazemos  o  máximo  para  estar  juntos  e 
maior de tudo o que existe. Francis Schaeffer definiu fé como  valorizamos isso. 
“acreditar  nas  promessas  específicas  de  Deus;  não  mais  Até quando o assunto é a nossa espiritualidade, temos 
voltado  as  costas  para  elas,  não  mais  chamando  Deus  de  a tendência de achar que somos totalmente e unicamente os 
mentiroso,  mas  levantando  as  mãos  vazias  da  fé”2.  É  desse  responsáveis por seu desenvolvimento. Como se o estar cheio 
tipo de fé que precisamos no deserto da vida.  do Espírito Santo fosse como fazer um bolo de sacolinha. Basta 
  Mas, por que a Bíblia usa o deserto como símbolo para  misturar  um  pouco  disso  e  um  pouco  daquilo  e  pronto. 
os problemas da vida? Eu vejo duas razões para isso.  Esquecemos  que  a  plenitude  do  Espírito  de  Deus  em  nós  é 
A primeira razão é o aspecto da solidão e do abandono  também um ato soberano de Deus.  
do  qual  já  falamos.  Ainda  que  não  tenhamos  coragem  de  Então, chega uma hora que a nossa soberania tem que 
admitir  isso,  a  grande  verdade  é  que  achamos  que  somos  ser colocada a prova. Às vezes, imagino Deus dizendo consigo 
donos  do  nosso  próprio  nariz.  Se  não  declaramos  isso  mesmo:  “__  Bom,  se  Fulano  acha  que  pode  viver  sem  mim  e 
abertamente, o vivemos no dia a dia.  que  é  o  dono  de  sua  vida,  vou  permitir  que  ele  sinta  com  é 
Quantas  vezes  deixamos  de  agradecer  o  alimento,  a  difícil ser o dono de sua vida, para aprender que sem mim ele 
vida,  a  saúde,  o  trabalho,  a  família  e  tudo  aquilo  que  nos  é  nada pode fazer” (Jo 15.5).  
Parece  estranho  pensar  em  Deus  dessa  maneira.  Um 
Deus que é amor nunca pensaria dessa forma. Mas quem disse 
2
 SCHAEFFER, Francis August. Verdadeira Espiritualidade. São Paulo. Cultura 
que é falta de amor permitir que seu filho aprenda uma lição 
Cristã. 1999. p.14 
8 Por que passamos por desertos?  9 Por que passamos por desertos? 

sozinho,  principalmente  quando  age  em  rebeldia  contra  as  nos ajudar. Somos muito pequenos para determinar o rumo de 


suas ordens? Como pais amorosos, mantemos uma distância e  nossa vida. E o deserto reforça este ensino. 
permitimos  que  ele  faça  o  que  acha  que  é  capaz.  Mas,  ao  Uma segunda razão para falarmos de deserto como um 
menor sinal de perigo, entramos em cena para ajudá‐lo.  símbolo para as dificuldades da vida, está no fato de o deserto 
Neste  sentido,  a  solidão  do  deserto  é  um  excelente  ser um lugar de escassez. Essa escassez começa com a chuva. 
instrumento  de  Deus  para  nos  ensinar  algo  sobre  a  nossa  Há pouca chuva no deserto, logo há pouca umidade e tudo o 
pequenez  e  incapacidade.  Se  lembrarmos  da  experiência  de  que vive no deserto tem que sobreviver com o pouco. 
Israel,  vamos  compreender  isso.  Todas  as  vezes  que  o  povo  Lembre‐se  que  os  animais  e  plantas  que  existem  nos 
tentou  tomar  o  controle  da  situação,  ele  se  deu  mal.  O  desertos  são  adaptados  à  vida  nestes  lugares  inóspitos.  E, 
episódio do bezerro de ouro é um exemplo (Êx 32).   lidam com essa escassez todos os dias.  
Moisés se demorava em voltar do monte (v.1). O povo  Se  para  os  judeus  a  fartura  era  símbolo  da  bênção  de 
tinha  que  continuar  a  jornada,  mas  precisava  de  alguém  ou  Deus,  a  escassez  do  deserto  era  símbolo  de  maldição.  Em 
alguma coisa para guiá‐lo (v.1). O resultado disso foi a fundição  Isaías  encontramos  uma  declaração  muito  séria  de  Deus 
de  um  bezerro  de  ouro,  que  foi  colocado  no  lugar  de  Deus  contra Judá, na qual Ele promete fazer da nação um deserto, 
como  o  libertador  do  povo  (v.8).  O  povo  pecou  contra  Deus.  pois ela não produzia frutos agradáveis a Deus, a despeito de 
Isso  fez  com  que  três  mil  homens  pagassem  com  a  sua  vida  todo o cuidado do Senhor com ela (Is 5.1‐7). 
pelo o erro que o povo havia cometido (v.28).  O  símbolo  do  deserto  como  lugar  de  escassez  serve 
Desse episódio tiramos uma lição sobre o deserto como  para lembrar‐nos da dificuldade de satisfação pessoal. É difícil 
lugar de solidão: não somos os senhores de nossa vida. Se não  satisfazer os desejos pessoais num deserto.  
somos  senhores  da  nossa  vida,  não  temos  o  controle  das  O  povo  de  Israel  experimentou  isso.  Houve  quem 
circunstâncias, logo, estamos à mercê de nossas escolhas e de  desejasse  comer  os  pepinos,  os  alhos  e  as  cebolas  da 
suas  conseqüências,  a  menos  que  Deus  entre  em  cena  para  escravidão e não os tinha (Nm 11.5). 
10 Por que passamos por desertos?  11 Por que passamos por desertos? 

É incrível como o ser humano se acostuma com o que é  Os  antigos  documentos  da  Igreja  definiam  pecado 


fácil.  Amamos  a  comodidade.  Quanto  mais  fácil  melhor.  Por  como  sendo  “qualquer  falta  de  conformidade  com  a  lei  de 
outro  lado,  somos  bombardeados  por  toda  parte  com  Deus,  ou  qualquer  transgressão  dessa  lei”.3  Os  cristãos  do 
sugestões  de  que  devemos  ter  isso  ou  aquilo  para  que  nossa  passado  davam  mais  ênfase  à  consequência  imediata  do 
vida seja ainda melhor. A ideia é simples: quanto mais, melhor.  pecado (falta de conformidade/transgressão da lei de Deus) do 
Em linhas gerais, o que estão dizendo para as pessoas é: Uma  que  às  consequências  secundárias  (a  maldição  contra  o 
vida feliz e próspera é uma vida de onde tudo é abundante e  pecado). Leia Dt 11.26‐28. 
tranquilo.   A  preocupação  de  cada  pessoa  em  relação  a  Deus,  no 
Tirar tudo o que garante nosso conforto pessoal é uma  que  diz  respeito  ao  pecado,  deve  ser  não  entristecê‐lo  (Ef 
forma de Deus nos fazer reavaliar o que é prioritário em nossa  4.30).  Porém,  a  prática  de  vida  de  algumas  pessoas  é 
vida. Foi o que aconteceu com Israel, com Jó, com Paulo e com  diferente.  Elas  evitam  o  pecado  para  não  “perder  a  bênção”. 
tanto outros ao longo da história humana.   Esta é uma motivação errada. 
Gostaria  de  buscar  com  você  uma  definição  para  os  Quando  pecamos,  perdemos  a  alegria  da  salvação  (Sl 
desertos da vida. Poderíamos iniciar nossa definição, dizendo:  51.12),  enfrentamos  as  consequências  de  nosso  pecado  (1  Cr 
Os  desertos  da  vida  são  momentos  de  aparente  solidão  e  21.1‐17) e somos passíveis da maldição de Deus (Is 1.18‐20). O 
silêncio de Deus e total escassez de satisfação pessoal.   pecado  é  algo  terrível.  Ninguém  pode  negar  isso.  Mas  não 
Mas,  qual  é  a  relação  entre  os  desertos  e  o  pecado?  creio  que  o  pecado  em  si  é  o  motivo  de  ser  dos  desertos  da 
Existe  em  nossos  dias  uma  ideia  de  que  se  uma  pessoa  tem  vida. 
problemas  financeiros,  problemas  de  saúde,  de 
relacionamento,  perda  de  emprego  e  etc,  é  porque  ela  está 
em pecado. O pecado é visto muito mais como um empecilho 
3
 Breve Catecismo de Westminster. São Paulo. Editora Cultura Cristã. 1996. 
para a bênção de Deus do que como uma falta contra Deus. 
P/R 14.  
12 Por que passamos por desertos?  13 Por que passamos por desertos? 

É  muito  comum  que  as  pessoas  confundam  as  hoje sobre o nosso sofrimento e o dos outros. Isso mostra que 


provações  com  as  consequências  do  pecado.  a  nossa  visão  é  equivocada  e  não  consegue  ir  além  de  nossa 
Necessariamente, uma coisa não tem nada a ver com a outra.  pequenez e insignificância.  
A caminhada de Israel deve ser vista como um meio usado por  Philip  Yancey  argumenta  que  Jesus  usou  daquele 
Deus,  para  revelar  algo  o  povo.  Ela  não  foi  uma  punição  momento  para  redirecionar  a  visão  de  seus  discípulos  para  o 
propriamente  dita  do  pecado.  O  pecado  de  Israel  foi  punido  foco correto. Ele escreve: 
com a morte da geração que saiu do Egito, com a exceção de  Os  discípulos  estavam  olhando  para  trás, 

Josué  e  Calebe  (Nm  14.20‐23,30).  A  geração  que  a  sucedeu  para  descobrir  ‘por  quê?’  Jesus 

passou por uma grande prova – o deserto.    redirecionou  sua  atenção  para  frente, 


respondendo  a  uma  pergunta  diferente: 
Dizer  que  os  desertos  da  vida  nada  têm  a  ver  com  o 
‘Com que finalidade?’. Sua resposta: ‘Nem 
pecado  é  muito  confortador  e  libertador.  Primeiro,  porque 
ele  pecou  nem  seus  pais,  mas  isto 
libera o coração humano da busca por um motivo ou culpa. É 
aconteceu para que se manifestem nele as 
incrível  como  somos  fascinados  por  motivos,  como  se  4
obras de Deus’.  
tivéssemos  que  conhecer  a  causa  de  tudo  o  que  acontece. 
Os desertos não são o resultado do meu pecado ou do 
Amamos  colocar  a  culpa  em  algo.  Temos  quase  que  uma 
pecado de outro. Não há a necessidade de se auto‐martirizar 
fixação doentia por isso. 
por causa de um deserto, dizendo: Eu estou passando por isso, 
Isso  nos  faz  lembrar  o  encontro  de  Jesus  com  aquele 
porque  pequei!  Também  não  há  porque  se  lançar  numa  caça 
cego  de  nascença  (Jo  9).  Os  discípulos  de  Jesus,  ávidos  por 
as bruxas interior ou no passado.  
causas, motivos e razões (assim como muitos de nós), fizeram 
aquela  pergunta  célebre:  “Mestre,  quem  pecou,  este  ou  seus 
pais,  para  que  nascesse  cego”  (Jo  9.2).  Este  questionamento 
4
  YANCEY,  Philip.  O  Jesus  que  eu  nunca  conheci.  São  Paulo.  Editora  Vida. 
era tão preconceituoso quanto as considerações que fazemos 
p.167 
14 Por que passamos por desertos?  15 Por que passamos por desertos? 

A segunda razão que tornar essa verdade confortadora  seus  servos  recorrentemente  estarão  sofrendo  com  a 


e  libertadora  reside  na  eficácia  da  obra  redentora  de  Cristo.  consequência  de  seus  pecados.  Afinal,  “todo  aquele  que  é 
Paulo escreve:   nascido de Deus não vive na prática do pecado” (1 Jo 3.9). “O 
E  a  vós  outros,  que  estáveis  mortos  pelas  seu  prazer  está  na  lei  do  Senhor”  (Sl  1.2).    Por  isso,  ele 
vossas  transgressões  e  pela  incircuncisão  reconhece o seu pecado, o confessa e o deixa (Pv.28.13). Essa 
da  vossa  carne,  vos  deu  vida  juntamente  confissão  está  baseada  no  fato  de  que  todos  os  pecados  já 
com  ele,  perdoando  todos  os  nossos 
foram perdoados e o escrito de dívida já foi anulado.  
delitos;  tendo  cancelado  o  escrito  de 
Além  disso,  aquele  que  é  nascido  de  Deus  deve  ter 
dívida,  que  era  contra  nós  e  que  constava 
sempre  em  seu  coração  a  certeza  que  o  Pai  não  o  vê  mais 
de  ordenanças,  o  qual  nos  era  prejudicial, 
como um pecador. Deus nos  vê já glorificados (Rm 8.30), por 
removeu‐ o inteiramente, encravando‐o na 
meio da obra de Cristo, seu filho e nosso Senhor. 
cruz;  e,  despojando  os  principados  e  as 
potestades,  publicamente  os  expôs  ao  Por isso, o apóstolo acrescenta:  

desprezo,  triunfando  deles  na  cruz.  (Cl  Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se 

2.13‐15)  Deus  é  por  nós,  quem  será  contra  nós? 

Algumas  pessoas  dão  ao  pecado  um  poder  mais  Aquele  que  não  poupou  o  seu  próprio 
Filho,  antes,  por  todos  nós  o  entregou, 
devastador  do  que  ele  realmente  tem.  De  uma  maneira 
porventura,  não  nos  dará  graciosamente 
especial, aqueles que têm Jesus Cristo como Senhor e Salvador 
com  ele  todas  as  coisas?  Quem  intentará 
são chamados para olhar com fé para a sua obra consumada. 
acusação contra os eleitos de Deus? Quem 
O pecado não tem poder sobre a vida daqueles que nasceram 
os  condenará?  Quem  nos  separará  do 
de novo (Rm 6.14). Cristo pagou por todos eles na cruz. 
amor  de  Cristo?  Será  tribulação,  ou 
Ora, se Cristo pagou um preço altíssimo para nos remir  angústia,  ou  perseguição,  ou  fome,  ou 
e  o  fez  de  uma  vez  para  sempre,  não  podemos  imaginar  que  nudez, ou perigo, ou espada?(Rm 8.31‐35) 
16 Por que passamos por desertos?  17 Por que passamos por desertos? 

Nesta  mesma  linha  de  pensamento  João  afirma:  “se  o  Por isso, se você que está lendo este livro agora e está 


nosso coração nos acusar, certamente, Deus é maior do que o  passando  por  um  deserto,  saiba  que  não  é  uma  questão  de 
nosso  coração  e  conhece  todas  as  coisas.  Amados,  se  o  culpa ou de pecado. O motivo do deserto não é o que você fez 
coração não nos acusar, temos confiança diante de Deus” (1 Jo  ou  que  os  outros  fizeram.  Entenda  que  este  deserto  é  um 
3.20,21).  Assim,  a  palavra  de  Paulo  é  mais  uma  vez  momento  de  Deus  para  a  sua  jornada  nesta  vida.  Ele  te 
confirmada:  “Já  nenhuma  condenação  há  para  os  que  estão  permitiu  passar  por  isso.  Mas  lembre‐se:  É  apenas  um 
em Cristo Jesus” (Rm 8.1).  momento. 
Isso não quer dizer que o cristão que não confessa seus  Neste  livro  vamos  chamar  este  momento  de  deserto, 
pecados  não  será  castigado  ou  sofrerá  as  consequências  de  pelos  motivos  que  apresentei  acima.  Entretanto,  poderia 
seus  atos.  Mas  reforça  o  fato  de  que  Deus  é  perdoador  e  chamá‐lo por outros nomes. As Escrituras usam outros nomes 
misericordioso,  ao  mesmo  tempo  em  que  é  justo  e  não  também. Elas o chamam de tribulação (Sl 9.9; 46.1; 2 Co 1.4), 
inocenta o culpado (Na 1.3).  provação (Tg 1.2,3; 2 Pe 2.9) e tentação (1 Co 10.13; Hb 3.8). 
Confesso que, às vezes, a linha que separa a provação e  Outra metáfora é a tempestade (Lc 8.23‐26) ou ainda o Vale da 
o  castigo  é  muito  tênue.  O  que  diferencia  é  a  consciência  do  Sombra  da  Morte  (Sl  23.4).  Independente  da  metáfora  que 
pecado  cometido.  Não  são  acusações,  quer  do  coração  quer  você  usar  ou  do  nome  que  você  der,  este  momento  da  vida 
de  Satanás,  mas  a  realidade  do  Espírito  Santo  que  nos  reservará  dificuldades,  dores  e  sofrimentos.  Porém,  esteja 
incomoda  com  o  fato  de  sermos  filhos  de  Deus  e  estarmos  sempre certo de que não será o fim. 
conscientemente  em  pecado.  Jonas  é  um  exemplo  muito  Mesmo  porque,  aquele  que  está  em  Cristo  passou  da 
conhecido  sobre  consciência  do  pecado.  Ele  entendeu  que  a  morte  para  a  vida  (Jo  5.24).  A  morte  é  lucro  (Fp  1.21).  Em 
tempestade  era  fruto  de  sua  desobediência  (Jn  1.12).  O  ser  Cristo,  morrer  e  permanecer  vivo  são  a  mesma  coisa  (Jo 
lançado no mar e o estar dentro do peixe foram o castigo pelo  11.25).  
pecado cometido contra Deus. 
18 Por que passamos por desertos?  19 Por que passamos por desertos? 

Ao escrever isso, lembro‐me de meu avô. Seus últimos  Por que ou Para que? 
meses  de  vida  foram  marcados  por  lapsos  de  memória,   
dificuldade de locomoção, dificuldades para falar e comer. Até  “Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão 

que  entrou  num  quadro  vegetativo,  sendo  alimentado  por  maravilhosas que eu não poderia saber”. 


(Jo 42.3) 
sonda  e  deitado  imóvel  sobre  uma  cama.  Como  alguém  que   

viveu sua vida para a família e para Deus pode terminar a vida  “Não tente entender o que não há explicação, pois se não 
há explicação pra quê entender”. 
assim?  Mas  sempre  ouvi  de  meu  avô  uma  bela  confissão  da  Saneva Desrosiers 

sua fé e esperança: “Eu estou preparado para encontrar o meu   
Senhor”. Foi assim que ele passou por seu último deserto até  “Deus, por que estou passando por isso?” “Oh, Senhor! 
entrar  na  Canaã  Celestial.  Não  foi  seu  fim  aquele  deserto  Por  que  o  Senhor  levou  o  meu  filho?”  “Por  que  eu  tenho  que 
derradeiro,  mas  a  sua  vitória.  E,  assim  o  é  para  todos  os  que  sofrer  tudo  isso,  Cristo!”  Você  se  identificou  com  estas 
confiam em Deus.  declarações? 
Concluindo  nossa  definição  para  os  desertos  da  vida,  Como  já  dissemos,  todos  nós  somos  ávidos  por 
dizendo:  os  desertos  são  momentos  na  vida  de  aparente  conhecer  as  causas,  os  motivos  e  as  razões  de  tudo  o  que 
solidão  e  silêncio  de  Deus  e  de  total  escassez  de  satisfação  acontece  ao  nosso  redor.  Declarações  como  estas  acima  são 
pessoal, não como resultado de pecado, mas do bom propósito  uma  tentativa  humana  de  compreender  o  ponto  de  vista  de 
de Deus para os seus filhos.  Deus para os desertos da vida. 
  Numa  perspectiva,  considero  procedentes  e 
    extremamente  humanas  tais  declarações.  Afinal,  somos 
humanos.  Sofrer  dói.  Ver  nossa  família  ser  destruída  pela 
morte  de  alguém  que  amamos  é  uma  dor  muito  intensa  e 
forte.  Não foi fácil para aquela mulher ter que encarar 12 anos 
20 Por que passamos por desertos?  21 Por que passamos por desertos? 

ininterruptos  de  hemorragia  (Mc  5.25‐34).  Paulo  não  ficava  Isto me faz lembrar Teresa de Lisieux, conhecida como 


rindo  para  o  seu  espinho  na  carne  (2  Co  12.7‐10).  Nem  o  Santa  Teresinha  do  Menino  Jesus.  Conta‐se  que  esta  mulher 
próprio Jesus encarou a cruz sem uma agonia tão intensa, ao  tinha  o  desejo  sincero  de  buscar  a  santidade  e  cria  que 
ponto suar sangue (Lc 22.44).  somente por meio do sofrimento era possível ascender a esta 
Que  o  cristianismo  tenha  uma  visão  mais  positiva  do  posição. Em sua cabeça, ela tinha uma ferida cheia de vermes. 
sofrimento,  tudo  bem.  Mas  daí,  imprimir  uma  visão  Quando  um  desses  vermes  caia,  ela  o  pegava  e  o  recolocava 
sadomasoquista  ao  cristianismo  é  uma  coisa  totalmente  em  seu  lugar.  Ela  carinhosamente  chamava  esses  vermes  de 
diferente.  O  sadismo  é  o  prazer  no  sofrimento  do  outro,  “meus anjinhos”.  
enquanto o masoquismo é o prazer no seu próprio sofrimento.  Não é assim que o cristianismo entende o sofrimento. 
O  cristianismo  não  enaltece  a  dor  e  o  sofrimento  em  si,  mas  Sofrimento  pelo  sofrimento  não  tem  sentido  e  nem  utilidade 
também  não  os  despreza.  A  fé  cristã  entende  que  há  um  para a fé cristã. Paulo disse com toda a propriedade possível: 
propósito no sofrimento.   “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias 
Infelizmente,  nossa  sociedade  possui  um  interesse  tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a 
macabro  e  doentio  por  sofrimentos  e  tragédias.  Ela  gosta  de  perseverança,  experiência;  e  a  experiência,  esperança”  (Rm 
falar das desgraças da vida. Tem gente que, ao pegar o jornal,  5.3,4).  Ele  não  apresenta  o  sofrimento  como  um  fim  em  si 
já  abre  nas  páginas  policiais.  E,  seguindo  esta  tendência,  mesmo,  mas  enfatiza  a  sua  finalidade.  Para  o  apóstolo,  o 
muitos líderes religiosos anunciam o sofrimento como a marca  sofrimento  tem  a  capacidade  de  gerar  a  esperança  na  vida 
do  cristianismo  autêntico.  Por  outro  lado,  outros  líderes  daquele  que  foi  justificado  por  Deus,  em  Cristo.  Assim,  estes  
proclamam  um  evangelho  sem  sofrimento  nenhum.  podem  passar  pelos  desertos  da  vida  com  esperança.  Em 
Entretanto,  ambos  lidam  com  o  sofrimento  extremo  para  outras  palavras,  para  o  cristianismo  o  sofrimento  é  um  meio 
satisfazer sua sinistra insanidade.  ordenado por Deus, para conduzir os seus filhos à esperança.  
22 Por que passamos por desertos?  23 Por que passamos por desertos? 

Voltando  aos  questionamentos  iniciais,  mesmo  divino e soberano que rege absolutamente o meu viver e que 


considerando‐os  procedentes  e  humanos,  penso  que  são  não precisa pedir licença para virar a minha rotina de cabeça 
também  inúteis.  Parece  contraditório,  mas  não  é.  Se  num  para baixo. 
primeiro momento temos a perspectiva humana, no segundo  Contudo,  devemos  reconhecer  que  também  é 
temos  a  perspectiva  divina.  Quantas  vezes  nos  esquecemos  extremamente  confortador  saber  que  ele  está  no  controle  e 
que Deus é soberano absoluto  sobre todas as  coisas! Ele não  que  absolutamente  nada  sairá  errado  naquilo  que  ele  tem 
precisa  nos  informar  seus  motivos  e  razões  para  fazer  algo.  para  mim.  Logo,  já  não  é  tão  inquietante  pensar  em  Deus 
Conhecer  a  vontade  de  Deus  não  implica  em  mudarmos  tal  agindo  soberanamente  em  nossa  vida,  pois  estamos  seguros 
vontade.  Nós  não  somos  capazes  de  demovê‐lo  de  seus  em suas mãos. 
propósitos.   Entendendo  isso,  qual  é  o  nosso  objetivo  ao 
Imagine  se  Deus  tivesse  que  apresentar  suas  razões  questionarmos  a  Deus  com  os  nossos  “por  quês”?  Pense 
todas  as  vezes  que  fosse  fazer  algo.  Seria  como  pedir  licença  comigo.  Quando  usamos  “por  que”,  o  nosso  interesse  é 
aos homens para que ele pudesse ser Deus. Neste sentido, as  conhecer ou entender as razões e os motivos das coisas. Israel, 
palavras de A. W. Pink ganham mais sentido. Ele escreve: “Que  por  várias  vezes,  questionou  a  Deus  com  os  seus  “por  quês”: 
Deus reina soberano no céu é geralmente reconhecido; que ele  “Por que saímos do Egito?” (Nm 11.20), “E por que nos traz o 
reina soberano no mundo é quase universalmente negado – se  SENHOR a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas 
não direta, indiretamente”.5   mulheres e nossas crianças sejam por presa?” (Nm 14.3) e “Por 
É  inquietante  pensar  sobre  estas  coisas,  afinal  todo  o  que  nos  fizestes  subir  do  Egito,  para  que  morramos  neste 
nosso  sentimento  de  controle  e  de  segurança  sai  de  nossas  deserto” (Nm 21.5). Deus não lhes deu nenhuma resposta. Ao 
mãos. Além disso, também é inquietante saber que há um ser  contrário,  em  alguns  momentos  a  ira  de  Deus  se  ascendeu 
contra o povo (Nm 21.6). 
5
 PINK, Arthur W. Deus é Soberano. São José dos Campos. Fiel. 1997. p.9  
24 Por que passamos por desertos?  25 Por que passamos por desertos? 

Deixe‐me dizer uma coisa: Deus não tem obrigação de  espiritual.  Lembre‐se  de  Jó.  Ele  entendeu  que  tanto  o  bem 
dizer a quem quer que seja o que ele pretende fazer. Ele não  quanto  o  mal  vinha  de  Deus  (Jó  2.10).  Mas  também  estava 
tem  a  responsabilidade  de  satisfazer  a  minha  curiosidade.  disposto a argumentar com Deus. Ele disse:  
Deus  é  Deus!  Por  isso,  cuidado!  Não  ascenda  a  ira  de  Deus  Gostaria  de  saber  onde  encontrá‐lo; 

contra  você  em  meio  aos  desertos  da  vida.  O  deserto  já  é  gostaria  de  ir  até  o  lugar  onde  ele  está, 

difícil, debaixo da ira de Deus é pior ainda. Lembre‐se de Israel.  para  levar  a  ele  a  minha  causa  e 


apresentar  todas  as  razões  que  tenho  a 
O título deste livro é “Por que passamos por desertos”? 
meu favor. Gostaria de saber o que ele me 
Quando  pensava  no  título,  cheguei  a  mudá‐lo  algumas  vezes. 
diria  e  como  me  responderia.  Será  que 
Porém,  percebi  que  este  título  aguçaria  sua  curiosidade,  pois 
Deus usaria todo o seu poder contra mim? 
ele  é  exatamente  o  questionamento  que  fazemos,  quando 
Não! Estou certo de que ele me ouviria. (Jó 
estamos enfrentando nossos desertos. Mais que isso, percebi 
23.3‐6 ‐ NTLH) 
que seria a oportunidade de orientar pessoas sobre a maneira   
correta  de  se  dirigir  a  Deus,  em  meio  a  momentos  de  Creio  que  a  grande  questão  não  é  se  posso  ou  não 
tribulação.  posso  inquirir  a  Deus  ou  argumentar  com  Ele,  mas  é  como 
Eu quero que você tenha em mente uma coisa: o Deus  fazê‐lo.  O  perigo  é  cair  na  murmuração  e  na  rebeldia.  Então, 
soberano da Escrituras não é um ser fatalista e distante. Deus  como  podemos  argumentar  com  o  Senhor  sem  pecar  contra 
é  um  ser  pessoal  e  infinito,  mas  que  se  relaciona  conosco.  O  Ele? 
que precisamos aprender é como dialogar com ele. Não ficarei  Durante  minha  própria  caminhada,  por  vezes  me 
assustado se você disser: Eu posso dialogar com Deus?   peguei enchendo Deus com os meus “por quês” e sempre sem 
Tenho  ouvido  muitos  pregadores  que  ensinam  uma  resposta.  Quando  conversava  com  alguns  líderes  e  pastores 
resignação total diante dos problemas da vida. Tal resignação  expondo  meus  dilemas,  alguns  diziam:  “É  para  a  glória  do 
pode  ser  um  empecilho  para  a  reflexão  e  o  crescimento  Senhor”!  Pessoalmente,  creio  que  tudo  é  para  glorificar  a 
26 Por que passamos por desertos?  27 Por que passamos por desertos? 

Deus. A finalidade suprema da vida humana e de todos os seus  SENHOR,  porque,  assim  como  os  céus  são 

movimentos  é  a  glória  de  Deus.  Nunca  descri  disto.  Outros  mais  altos  do  que  a  terra,  assim  são  os 

pastores  diziam  simplesmente:  “Deus  quis  assim”!  Esta  meus  caminhos  mais  altos  do  que  os 
vossos caminhos, e os meus pensamentos, 
resposta  era  ainda  mais  vazia.  O  pior  é  que  por  trás  da 
mais altos do que os vossos pensamentos. 
aparente  piedade,  percebia  que  alguns  também  não  se 
(Is 55.8,9). 
sentiam  satisfeitos  em  dar  tais  respostas  e  ficavam  inquietos 
Perceba  que  não  é  uma  questão  de  Deus  não  querer 
em seu interior. 
compartilhar  suas  razões  só  porque  ele  é  soberano,  mas  é 
Aprendi  com  meu  professor  de  Aconselhamento 
porque nós não somos capazes de compreender a grandeza de 
Pastoral  que  respostas  prontas  são  sempre  inúteis.  Não  dá 
seu pensamento. O finito não pode compreender o Infinito. O 
para dizer para uma mãe que chora ao lado do caixão do filho: 
humano  não  compreende  o  divino  e  suas  razões.  Por  isso,  a 
“Deus  quis  assim”!  Particularmente,  não  ficaria  surpreso  se 
Palavra  diz:  “As  coisas  encobertas  pertencem  ao  SENHOR, 
uma  mãe  dissesse:  “É,  mas  ele  errou”!  Lamento  que  alguns 
nosso  Deus,  porém  as  reveladas  nos  pertencem,  a  nós  e  a 
líderes ao invés de consolar os que sofrem tentam agir como 
nossos  filhos,  para  sempre,  para  que  cumpramos  todas  as 
advogados  de  Deus.  Deus  não  precisa  de  advogado,  mas  as 
palavras desta lei” (Dt 29.29). 
pessoas precisam de consolo. Afinal, o mesmo Deus que faz a 
Se é assim, creio que o mais sensato a se perguntar é: 
ferida é o Deus que a fecha (Os 6.1).  
“Para que, Senhor, estou passando por este deserto”? Quando 
Foi  aí  que  aprendi  que  Deus  não  quer  que  eu  fique 
usamos “para que” temos em mente a ideia de finalidade. Não 
alucinado, tentando entender suas motivações. Ele diz em sua 
queremos  conhecer  as  razões,  mas  desejamos  entender  a 
Palavra:  
finalidade do deserto, ou seja, o que Deus vai fazer conosco lá 
Porque  os  meus  pensamentos  não  são  os 
no final.  
vossos  pensamentos,  nem  os  vossos 
caminhos,  os  meus  caminhos,  diz  o 
28 Por que passamos por desertos?  29 Por que passamos por desertos? 

“Para  que”  é  uma  pergunta  sensata,  porque  de  um  acontecendo  com  ela  era  porque  não  estava  agradando  a 
modo  ou  de  outro  ela  nos  será  respondida.  Mas,  a  partir  do  Deus.  
momento que eu entendo que tudo o que acontece na minha  Então, disse para ela: “__ Angélica, a questão é outra. 
vida tem uma finalidade, inclusive os desertos, eu posso com a  Deus permitiu que você passasse por tudo isso para que você 
ajuda  de  Deus  minimizar  a  ansiedade  e  a  angústia,  entendesse  que  não  é  você  quem  controla  a  sua  vida”.  Ao 
aprendendo  qual  é  a  sua  boa,  perfeita  e  agradável  vontade  terminar  de  falar,  Angélica  começou  a  chorar  e  disse:  “__ 
para minha vida.  Pastor, a ficha caiu. É exatamente isso. Eu não controlo minha 
Quando  agimos  assim,  conseguimos  ler  de  maneira  vida. Já perdi a alegria de continuar vivendo. Seria melhor que 
mais  clara  os  acontecimentos.  Permita‐me  contar  uma  Deus tirasse a minha vida. Quantas vezes, já pedi isso a ele. Eu 
experiência  de  uma  senhora  que  acompanhei.  Vou  chamá‐la  não sei mais o que fazer”. O deserto de Angélica era mais sério 
de  Angélica.  Angélica  era  uma  jovem  senhora,  casada  e  que  do  que  ela  imaginava,  mas  agora  ela  tinha  uma  direção  mais 
tinha  dois  filhos.  Ao  longo  de  três  anos,  conversamos  sobre  clara a seguir.  
seus  problemas,  que  giravam  em  torno  do  casamento  e  da  Se  os  desertos  da  vida  fossem  resultado  de  pecado 
questão financeira. Angélica sempre se mostrou muito segura  seria  muito  fácil.  Bastaria  arrepender‐se,  orar,  confessar  e 
de  si  mesmo  e  muito  determinada  em  fazer  as  coisas  da  abandonar  o  erro,  que  o  deserto  acabaria.  Mas  como  não  é 
maneira  correta,  porém  nada  dava  certo.  Até  que  um  dia  assim,  os  desertos  só  acabam  quando  chegamos  ao  fim,  ou 
Angélica  enfrentou  uma  situação  aparentemente  muito  seja,  o  entendimento  do  que  Deus  quer  de  nós.  Somente 
simples,  mas  que  mexeu  muito  com  ela.  Na  tarde  do  dia  quando Deus completa em nós o propósito do deserto, é que 
seguinte  à  sua  experiência,  ela  me  procurou  e  contou  o  que  tudo chega ao seu fim. 
havia  acontecido.  Então,  com  confiança  ela  disse  que  iria  Israel  caminhou  por  deserto  por  quarenta  anos. 
tomar  algumas  posições  na  sua  vida,  pois  tudo  o  que  estava  Quando Deus cumpriu o que havia prometido a partir de seus 
30 Por que passamos por desertos?  31 Por que passamos por desertos? 

motivos, ele fez o povo entrar em Canaã. E qual foi a finalidade  Para sermos provados por Deus 
do deserto para o povo de Israel?    
É sobre isso que quero refletir agora. Já que a história  “Bem‐aventurado o homem que suporta, com 
perseverança, a provação; porque, depois de ter sido 
de  Israel  é  um  exemplo  para  a  construção  de  nossa  própria 
aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor 
história,  gostaria  de  entender  “para  que”  Deus  conduziu  o  prometeu aos que o amam”. 
Tiago (Tg 1.12) 
povo  pelo  deserto,  durante  aqueles  quarenta  anos.  À  luz  da 
 
experiência  de  Israel,  desejo  entender  “para  que”  servem  os  “Eu os chamei por minha graça e os atraí por minha 
misericórdia: eu os fiz passar por várias provações. Eu os 
desertos da vida. Assim, espero encontrar uma resposta para a 
inundei de maravilhosas consolações, dei‐lhes a 
pergunta  que  não  quer  calar:  “Para  que  passamos  por  perseverança e coroei a sua paciência”. 
Thomas de Kémpis 
desertos”? 
 
 
Ao  escrever  as  próximas  páginas,  imagino  que  você 
   
conheça a história do povo de Israel. Talvez você se lembre de 
que  quando  Israel  chegou  ao  Egito,  a  “nação”  não  passavam 
de setenta pessoas (Gn 46.27). Mas, depois de quatrocentos e 
trinta anos, tronou‐se uma numerosa nação (Êx 12.41). Alguns 
cálculos falam de aproximadamente três milhões de pessoas, a 
partir da contagem de homens adultos (Êx 12.37). 
Submetido  à  escravidão  (Êx  1.8‐11),  o  povo  clamava 
pela libertação ao Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. E, ele 
ouviu o clamor de seu povo e lembrou‐se da aliança feita com 
seu amigo Abraão e renovada com a sua posteridade (Êx 3.7‐9 
32 Por que passamos por desertos?  33 Por que passamos por desertos? 

cf.  Gn  15.12‐16).  Moisés  foi  o  escolhido  para  a  missão  de  Quantas vezes nós não somos assim? É fácil criticar os 
conduzir o povo à terra da peregrinação de Abraão. Deus agiu  israelitas! Afinal, pensamos nós, se Deus tivesse feito metade 
com  poder,  sinais  e  prodígios  como  nunca  se  viu.  Dez  pragas  daqueles  mesmos  sinais  em  nossos  dias,  não  haveria  uma  só 
no Egito, o Mar Vermelho aberto ao meio, a Nuvem e a Coluna  pessoa que duvidasse de seu poder. 
de  Fogo  que  conduziam  o  povo  são  alguns  exemplos  deste  É  incrível  ver  pela  televisão  como  pessoas  lotam 
poder.  Além  destes  primeiros  sinais,  Deus  manifestou  tantos  templos  em  busca  de  sinais  e  prodígios.  Não  nego  que  Deus 
outros  diante  dos  olhos  de  todo  o  povo.  Porém,  as  ainda  manifeste‐se  com  sinais  e  realize  milagres  em  nossos 
demonstrações  de  rebeldia  foram  tantas  que  levou  Deus  a  dias,  porém,  fico  alarmado  que  em  nossos  dias  as  muitas 
qualificar a nação como “povo de dura cerviz” (Êx 32.9).  pessoas  buscam  os  milagres  de  Deus  e  que  poucas  pessoas 
Talvez  a  expressão  não  faça  sentido  para  algumas  buscam o Deus dos milagres.  
pessoas,  mas  sua  ideia  é  semelhante  à  expressão  popular  O  que  me  preocupa  é  que  os  milagres  nunca  foram 
brasileira “queixo duro”, usada para descrever um cavalo que  suficientes para a conversão de pessoas. Foi assim com Israel 
não obedece aos comandos dados  com as rédeas.   no deserto e foi assim com Israel dos dias de Jesus. O próprio 
Israel  era  assim,  não  dobrava  o  pescoço  e  não  se  Cristo disse sobre as pessoas de Cafarnaum:  
deixava conduzir. Era um povo arrogante, cheio de razão e que  Tu,  Cafarnaum,  elevar‐te‐ás,  porventura, 

gostava  de  fazer  as  coisas  do  seu  jeito.    Mas  foi  o  povo  que  até  ao  céu?  Descerás  até  ao  inferno; 

Deus escolheu para ter um relacionamento íntimo e pessoal. O  porque,  se  em  Sodoma  se  tivessem 


operado os milagres que em ti se fizeram, 
povo ao qual Deus revelou seus oráculos e suas Palavras (Rm 
teria  ela  permanecido  até  ao  dia  de  hoje. 
3.2).  O  povo  do  qual  nasceu  o  Messias,  o  Príncipe  da  Paz,  o 
Digo‐vos,  porém,  que  menos  rigor  haverá, 
Leão da Tribo de Judá, a Raiz de Davi – Jesus Cristo (Sl 2.2; Is 
no  Dia  do  Juízo,  para  com  a  terra  de 
9.6; Ap 5.5). 
34 Por que passamos por desertos?  35 Por que passamos por desertos? 

Sodoma  do  que  para  contigo  (Mt  Por  isso,  tantas  pessoas,  até  mesmo  aquelas  que  se 
11.23,24).  dizem religiosas, têm tanta dificuldade em encarar os desertos 
Philip Yancey faz um questionamento muito sério sobre  da vida, pois pensam que Deus existe para fazer e multiplicar 
milagres. Ele escreve:   os  milagres  em  sua  vida.  Incredulidade  não  é  apenas  uma 
Será  que  uma  erupção  de  milagres  atitude  de  descrença,  é  muito  mais  uma  atitude  de 
sustentaria  a  fé?  Provavelmente  não;  pelo 
desobediência  contumaz  contra  Deus.  É  isso  que  algumas 
menos não sustentaria o tipo de fé em que 
pessoas  não  conseguem  entender,  pois  fazem  campanhas, 
Deus parece estar interessado. Os israelitas 
correntes, batizam‐se e congregam numa comunidade cristã a 
são  uma  grande  demonstração  de  que  os 
fim  de  obter  o  favor  divino  (leia‐se  milagres),  mas  vivem 
sinais  só  conseguem  nos  tornar  viciados 
desordenadamente em pecado. Não é isso que Deus quer. 
em sinais, não em Deus.6 
  Não  quero  entrar  nos  desdobramentos  destas 

Creio  que  vivemos  numa  geração  de  viciados  em  questões,  mas  quero  fazer  você  refletir  que  não  somos 

milagres  e  sinais,  mas  sem  nenhum  compromisso  com  Deus.  melhores  do  que  Israel.  Se  os  mesmos  sinais  daqueles  dias 

Uma  espécie  de  fé  na  fé  ou  fé  no  milagre,  que  a  cada  fossem  feitos  hoje,  diante  dos  nossos  olhos,  continuaríamos 

momento precisa ser satisfeita com doses ainda mais fortes de  incrédulos  em  Deus  e  desejando  ser  satisfeitos  em  nossos 

“poder”.  Contudo,  as  pessoas  continuam  vazias  de  sentido  caprichos sem o mínimo de temor que é devido ao Senhor.  

para  a  vida.  As  pessoas  continuam  incrédulas  em  Deus,  mas  Se você pensa que Deus te ama somente se Ele fender 

acreditam em milagres.   os  céus  e  descer  de  lá  em  glória  e  falar  cara  a  cara  contigo, 
quero dizer que você está equivocado quanto a Deus e ao seu 
amor por você.  
Como  Israel,  também  somos  pessoas  difíceis  de 
6
  YANCEY,  Philip.  Decepcionado  com  Deus.  4  ed.  São  Paulo.  Mundo 
aprender. Há um ditado que diz: “Não se ensina truque novo a 
Cristão.1997. p.32 
36 Por que passamos por desertos?  37 Por que passamos por desertos? 

cavalo  velho”.  É  meio  rural,  mas  extremamente  atual  e  Recordar‐te‐ás  de  todo  o  caminho  pelo 

correto.  As  pessoas  religiosas  acham  que  sabem  tudo  o  que  qual  o  SENHOR,  teu  Deus,  te  guiou  no 

precisam  saber  sobre  Deus  e  sobre  a  vida.  Elas  se  esquecem  deserto  estes  quarenta  anos,  para  te 
humilhar, para te provar, para saber o que 
que  a  vida  é  um  constante  aprendizado.  Dizer  que  sabemos 
estava  no  teu  coração,  se  guardarias  ou 
tudo é uma atitude arrogante e que nos impede de aprender. 
não  os  seus  mandamentos.  Ele  te 
Precisamos  pedir  a  Deus  um  coração  tratável  e  um 
humilhou,  e  te  deixou  ter  fome,  e  te 
desejo de aprender mais dele, da vida e de nós mesmos. Mas 
sustentou  com  o  maná,  que  tu  não 
lembre‐se,  que  ao  pedir  isso,  Deus  providenciará  as 
conhecias,  nem  teus  pais  o  conheciam, 
oportunidades  para  você  aprender  de  maneira  prática  aquilo  para te dar a entender que não só de pão 
que pediu. Paciência, domínio próprio entre outras virtudes da  viverá  o  homem,  mas  de  tudo  o  que 
vida  cristã,  só  se  aprendem  na  prática,  na  vivencia  do  procede  da  boca  do  SENHOR  viverá  o 
cotidiano.   homem.  Nunca  envelheceu  a  tua  veste 

Voltando  a  caminhada  de  Israel,  devido  ao  desprezo  sobre  ti,  nem  se  inchou  o  teu  pé  nestes 

pela  Terra  Prometida  (Nm  14.31)  e  à  incredulidade  do  povo  quarenta anos (Dt 8.2‐4). 

diante  de  sua  conquista  (Nm  13.33),  Deus  declarou  que  faria  Esta declaração inicial é profunda e inquietante. Moisés 

ficar naquele deserto todos que saíram do Egito, com exceção  afirma que para ser provado por Deus é que o povo de Israel 

de  Josué  e  Calebe  (Nm  14.1‐35).  Durante  quarenta  anos  o  foi  conduzido  pelo  deserto.  Esta  declaração  é  profunda, 

povo  rodeou  a  terra  que  era  deles,  prometida  por  herança  à  porque  o  povo  considerava  o  deserto  como  castigo,  na 

Abraão, Isaque e Jacó. Mas não entraram.   realidade  a  morte  daqueles  que  saíram  do  Egito  é  que  foi  o 

Próximo do fim de toda aquela jornada, Deus falou ao  castigo.  Aqueles  quarenta  anos  foram  anos  de  provação.  Dia 

povo por boca de Moisés:  após dia Deus provava o seu povo. 
38 Por que passamos por desertos?  39 Por que passamos por desertos? 

Aqueles  quarenta  anos  no  deserto  foram  a  realização  em  sua  longanimidade,  não  dando  a  todo  o  povo  um  fim 
do propósito de Deus,  em manifestar a sua paciência e a sua  comum – a morte.  
misericórdia  sobre  sua  nação  escolhida.  O  Senhor  ouviu  a  O  ponto  alto  desta  misericórdia  está  no  fato  de  que 
intercessão  de  Moisés.  Deus  queria  destruir  todo  o  povo  ali  Deus  guiou  o  povo  (v.2).  O  povo  não  estava  sozinho.  Deus 
mesmo,  mas  Moisés  clamou  pela  misericórdia  de  Deus  que  estava  com  ele  em  todos  os  momentos.  É  impossível  guiar  a 
não  inocenta  o  culpado  e  Ele  o  atendeu,  tanto  manifestando  distância.  
sua misericórdia quanto a sua justiça (Nm 14.11‐23).   Certa  vez,  eu  me  perdi  numa  estrada  secundária,  no 
Imagino que a cada dia, a cada morte, a cada situação  meio  de  uma  floresta  de  eucalipto.  As  referências  que  me 
difícil, aquelas pessoas paravam para refletir. Pois, a promessa  deram eram muito confusas. E os caminhos dentro da floresta 
era da justiça de Deus fazer cair os ingratos e a misericórdia de  eram  exatamente  iguais.  Para  piorar,  anoiteceu  e  começou 
Deus sustentar o restante do povo.  chover.  É  desesperador  não  saber  para  onde  ir.  Em  meio  a 
Não  mexe  com  você  a  visão  de  milhares  de  pessoas  toda a situação, surgiu um senhor à cavalo. Disse para ele que 
morrerem ao longo de quarenta anos, por não temer e confiar  estava  perdido.  Então,  ele  disse:  “Venha  atrás  de  mim,  que 
em  Deus?  E,  nem  mesmo  os  tremendos  e  portentosos  vou mostrar o caminho certo”. Fui atrás dele, peguei a estrada 
milagres  foram  suficientes  para  despertar  neles  o  mínimo  de  principal e segui viagem. Ele me guiou de perto. Ele não disse 
temor  devido  aquele  que  é  o  supremo  Senhor  de  todas  as  para  onde  ir,  mas  me  levou  por  onde  havia  de  ir.  Foi 
coisas.  exatamente assim que Deus guiou Israel no deserto. 
Por  estas  e  outras  coisas  não  consigo  enxergar  o  Deus  manifestou  sua  presença  com  o  povo  através  da 
deserto  como  um  lugar  de  castigo,  mas  como  um  lugar  de  nuvem durante o dia e da coluna de fogo à noite (Êx 13.21,22). 
misericórdia. Lembre‐se: misericórdia é não receber aquilo que  Séculos mais tarde, o povo reconheceu que este gesto de Deus 
mereço. O próprio Deus se coloca no lugar de seu povo e cede  era  um  ato  de  misericórdia:  “Todavia,  tu,  pela  multidão  das 
tuas  misericórdias,  não  os  deixaste  no  deserto.  A  coluna  de 
40 Por que passamos por desertos?  41 Por que passamos por desertos? 

nuvem  nunca  se  apartou  deles  de  dia,  para  os  guiar  pelo   
caminho, nem a coluna  de fogo de noite, para lhes alumiar o  O antigo nosso coração ainda tortura 
caminho por onde haviam de ir” (Ne 9.19).  E o fardo de maus dias nos traz amargura. 
Os  desertos  são  conhecidos  pela  grande  oscilação  de  Senhor, dá a nossas almas assustadas 
temperatura que ocorre entre o dia e a noite. Mas, durante o  A salvação para a qual foram criadas. 
dia,  lá  estava  a  nuvem  do  Senhor,  refrescando  o  calor  da   
caminhada.  E,  nas  noites  mais  geladas,  Deus  mostrava  o  seu  Se nos estende o cálice pesado e amargo 
cuidado aquecendo o sono de cada um. Desta maneira, Deus  Do sofrimento, cheio até a borda, 
mostrava não só a sua presença, mas também o seu cuidado.   Nós o tomaremos gratos e sem tremor 
Isso  me  faz  lembrar  um  poema  escrito  por  Dietrich  Das tuas mãos plenas de bondade e amor. 
Bonhoeffer,  intitulado  “Por  bons  poderes”,  escrito  no  ano   
novo de 1945. Bonhoeffer passou por seu próprio deserto. Ele  Mas se ainda quiseres dar‐nos alegrias 
foi  um  dos  líderes  do  movimento  que  ficou  conhecido  como  Como este mundo e o brilho dos seus dias, 
Igreja  Confessante,  um  movimento  cristão  de  resistência  ao  Então nos lembraremos do passado, 
nazismo. Em abril de 1943, Bonhoeffer foi preso pelo Reich. Na  E entregaremos nossa vida ao teu cuidado. 
prisão, ele escreveu esse poema, demonstrando sua confiança   
no cuidado divino e sua esperança de dias melhores, apesar de  Faz com que chamejam as velas cálidas e claras, 
toda dor e sofrimento. Bonhoeffer escreveu:  Que tu mesmo trouxeste para as nossas trevas. 
Por bons poderes fielmente cercado,  Permite, se possível, que outra vez nos encontremos! 
Maravilhosamente protegido e consolado –  É a tua luz que brilha na noite, bem o sabemos. 
Assim com vocês estes dias desejo passar   
E com vocês num novo ano entrar.  Quando se espalhar profundo o silêncio, 
42 Por que passamos por desertos?  43 Por que passamos por desertos? 

Faz com que ouçamos aquele som intenso  aprender,  que  Deus  está  sempre  presente  ao  nosso  lado,  até 
Do mundo que invisível se estende ao nosso redor,  quando  menos  imaginamos.  No  dia  mais  quente  ou  na  noite 
De todo o teu povo que a ti está rendendo louvor.  mais fria, nós não estamos sozinhos. 
  Voltando  à  declaração  de  Moisés,  percebemos  que 
Por bons poderes maravilhosamente protegidos,  Deus declara abertamente qual foi a sua finalidade ao levar o 
Esperamos consolados o que nos será trazido  povo  para  o  deserto.  Deus  queria  provar  o  povo  (v.2).  Israel 
Deus está conosco de  noite e de manhã,  estava  sendo  provado  pelo  Senhor  e  o  deserto  foi  o  lugar 
E com toda certeza a cada novo amanhã.7  desta provação. 
  A  palavra  traduzida  por  provar  (em  hebraico,  massâh) 
  O deserto de Bonhoeffer teve fim quando, no dia 9 de  tem em seu sentido a ideia de verificar a qualidade de algo ou 
abril de 1945, foi enforcado pelas Forças Nazistas no campo de  alguém  por  meio  de  situações  difíceis.  O  termo  não  possui 
concentração  de  Flossenbürg,  apenas  três  semanas  antes  da  qualquer  ideia  de  induzir  ao  erro.  Isso  quer  dizer  que,  Deus 
tomada  de  Berlim  pelo  Exército  Soviético  e  a  rendição  do  não levou o povo para o deserto querendo vê‐lo sofrer ou para 
Exército  Alemão.  Bonhoeffer  viu  aquele  novo  ano  começar,  induzi‐lo ao pecado, mas para que o povo pudesse revelar as 
mas não o viu terminar.   suas qualidades e virtudes. É claro que, em meio a provações, 
  Apesar  de  tudo,  ele  não  duvidou  do  consolo,  da  se eu não demonstro minhas virtudes, demonstro meus vícios. 
proteção  e  da  renovação  constante  de  todas  as  ações  Por  esta  causa,  as  provações  têm  a  ver  com  caráter. 
providenciais  em  seu  favor.  Os  “bons  poderes”  de  Deus  o  Numa  obra  clássica  intitulada  “Provação”,  Enoch  Pond 
cercavam,  ele  cria  nisto.  É  justamente  isso  que  precisamos  escreveu: “o grande designo da provação parece ser, equipar 
aqueles  que  estão  neste  contexto  para  a  formação  e  o 

7
  BONHOEFFER,  Dietrich.  Resistência  e  Submissão:  Cartas  e  Anotações 
Escritas na Prisão. São Leopoldo. Sinodal. 2003. p.556,557. 
44 Por que passamos por desertos?  45 Por que passamos por desertos? 

desenvolvimento  do  caráter”.8  Para  Pond,  Deus  usa  deste  clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da 


meio  para  preparar  os  seus  servos  para  o  julgamento  final  e  morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora 
para a eternidade. Isso é algo que muitas vezes não pensamos:  sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, 
nossos  desertos  têm  implicações  eternas  para  nós.  Nosso  tendo sido aperfeiçoado, tornou‐se o Autor da salvação eterna 
caráter é moldado para sermos conformes à imagem de Cristo  para todos os que lhe obedecem” (Hb 5.7‐9). 
(Rm 8.29).  Para Calvino, estes versos falam de um Cristo que vai a 
Mas,  como  nosso  caráter  é  moldado  nos  desertos?  extremos,  ao  colocar  em  prática  a  sua  obediência  fiel  ao  Pai. 
Quando  passamos  pelos  desertos  da  vida,  o  nosso  caráter  é  Ele escreve:  
exposto,  escancarado  e  desmascarado  publicamente.  É  o  Ele  [Jesus]  era  plenamente  disposto  a 

momento  no  qual  mostramos  para  todos  quem  realmente  prestar  aquela  voluntária  obediência  que 

somos. Israel mostrou a sua dura cerviz (Dt 31.27), Jó mostrou  ao  Pai  é  devida.  Ele  fez  isso  em  nosso 


benefício,  para  apresentar‐nos  o  exemplo 
que  era  um  “homem  íntegro,  reto,  temente  a  Deus  e  que  se 
e  o  padrão  de  sua  própria  submissão 
desviava  do  mal”  (Jó  1.1)  e  Jesus  mostrou  que  era  mesmo  o 
mesmo  em  face  da  própria  morte.  Ao 
Filho de Deus (Mc 15.39). Em todas as situações que descrevi 
mesmo  tempo  pode‐se  dizer  realmente 
acima, o caráter foi moldado. É interessante ver isso na vida de 
que  Cristo,  por  sua  morte,  aprendeu 
Jesus.  Às vezes nos esquecemos que Jesus era tanto homem 
perfeitamente o que significava obedecer a 
quanto  Deus.  E,  como  homem,  Jesus  sofreu  tudo  o  que  Deus,  já  que  esse  era  o  ponto  no  qual  ele 
sofremos  (Hb  4.15).  Sobre  isso,  há  uma  afirmação  muito  atingiu sua maior auto‐renúncia.  
9

oportuna feita pelo autor da Carta aos Hebreus. Ele escreveu: 
“Ele,  Jesus, nos  dias  da  sua  carne,  tendo  oferecido,  com  forte 

9
  CALVINO,  João.  Comentário  à  Sagrada  Escritura  –  Hebreus.  São  Paulo. 
8
 POND, Enoch. Probation.Bangor. Duren & Thatcher.1837. p.17.  Edições Paracletos. 1997. p.136. 
46 Por que passamos por desertos?  47 Por que passamos por desertos? 

Isso fez de Jesus alguém que realmente pôde oferecer‐ “Todo caminho do homem é reto aos seus próprios olhos, mas 
se  em  nosso  lugar.  Como  isso  pode  se  aplicar  a  nós?  Assim  o  Senhor  sonda  os  corações”  (Pv  21.2).  Se  “o”  homem  não 
como  Jesus  viu  em  suas  provações  uma  oportunidade  de  sabe  discernir  entre  as  suas  próprias  motivações,  isso  não  é 
obedecer  a  Deus  e  conseguiu  fazê‐lo  fielmente,  é  possível  um  problema  para  Deus.  Davi  reconheceu  que  esse  era  um 
também para nós fazer o mesmo. E, é isso que Deus espera de  problema real para ele, por isso orou ao Senhor: “Sonda‐me, ó 
nós. Também, esse é o objetivo da provação.  Deus, e conhece o meu coração, prova‐me e conhece os meus 
  Refletindo  sobre  isso,  Garry  Smalley  escreveu  que  pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia‐me 
provações “são exercícios para fortalecer meu caráter que me  pelo caminho eterno” (Sl 139.23,24). 
transformam cada vez mais na criatura gloriosa que Deus quer  Deus sabia que o coração de Israel tinha uma tendência 
que eu seja”.10   para  a  idolatria,  que  sua  cerviz  era  dura  e  que  aqueles 
O  texto  de  Deuteronômio  diz  que  Deus  tinha  também  quarenta anos no deserto, do ponto de vista humano, seriam 
outra  intenção  no  coração  ao  provar  Israel:  “saber  o  que  frustrantes.  Deus  não  queria  revelar  as  intenções  do  coração 
estava  no  teu  coração,  se  guardarias  ou  não  os  seus  de  Israel  para  si  mesmo,  mas  queria  que  Israel  conhecesse  a 
mandamentos”  (v.2).  Para  que  Deus  precisa  disso?    Essa  sua própria disposição para com o Senhor, seu Deus. 
questão  é  que  incomoda  muitas  pessoas,  pois  se  Deus  é  Isso  mesmo,  os  desertos  são  instrumentos  de  Deus 
onisciente,  ele  sabe  tudo  o  que  está  em  nosso  coração.  Por  para nos mostrar quem realmente somos. Penso que o pecado 
que,  então,  provar  os  corações  nos  desertos?  Eu  creio  num  fragmentou  nossa  existência.  Muitas  vezes,  vivemos  numa 
Deus  onipotente,  onipresente  e  onisciente.  Ele  é  todo  espécie de esquizofrenia e, por isso, acabamos por nos tornar 
poderoso  e  não  há  limites  para  o  seu  poder.  Salomão  disse:  três pessoas em uma: somos aquela pessoa que pensamos ser, 
somos  aquela  pessoa  que  as  outras  pessoas  pensam  que 
somos  e  somos  aquela  pessoa  que  Deus  tem  certeza  que 
10
  SMALLEY,  Garry.  A  Felicidade  só  Depende  de  Você.  Rio  de  Janeiro. 
somos. 
Thomas Nelson. 2008. p.190.  
48 Por que passamos por desertos?  49 Por que passamos por desertos? 

No  deserto,  as  duas  primeiras  pessoas  são  escreveu: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a 


confrontadas com a última e os nossos altos ideais sobre nós  queda” (Pv 16.18).  
mesmos  se  mostram  pequenos,  inúteis  e  sem  qualquer  valor  Orgulho  é  ter  um  conceito  alto  e  exageradamente 
em si mesmo. E para quê esta confrontação é necessária? Para  elevado  de  si  mesmo.  Quando  olhamos  para  a  história  da 
que  pecarmos  toda  a  auto‐confiança  que  temos  e  humanidade,  percebemos  que  o  orgulho  está  presente  em 
reconheçamos  que  nossa  justiça  é  como  um  trapo  da  todos os momentos mais dramáticos da história. Por achar que 
imundícia (Is 64.6).   era melhor que seu irmão, Caim matou Abel (Gn 4.8). Por crer 
É  exatamente  neste  ponto  que  Deus  revela  sua  que os alemães descendiam de uma raça superior, Adolf Hitler 
estratégia para provar a Israel e a nós também – a humilhação.  não  teve  o  menor  receio  de  matar  aproximadamente  seis 
O  texto  diz  que  os  quarenta  anos  de  deserto  foram  anos  de  milhões  de  judeus,  fora  outras  minorias,  deficientes  físicos  e 
humilhação. É estranho pensar em Deus humilhando alguém,  partidários  contrários  à  sua  crença.  Porém,  o  maior  exemplo 
afinal, ele é bom e justo e, por isso, nunca faria algo assim com  do orgulho humano está no Éden.  
quem quer que seja.  Não  foi  o  bastante  para  Adão  e  Eva  serem  vice‐
Pensamos  isso,  porque  para  nós  humilhar  alguém  é  gerentes  da  Criação  de  Deus.  Era  pouco  para  eles  cultivar  e 
oprimir, menosprezar e expor o outro ao ridículo. É bem assim  guardar  o  jardim.  Diante  da  exposição  de  uma  realidade 
que humilhamos as pessoas. Isso é típico do ser humano. É a  distorcida  feita  pela  serpente,  Deus  os  estava  privando  de 
tendência de ter glória a partir do vexame do outro, o que não  aplicar  todas  as  suas  potencialidades  e  serem  igualmente 
deixa  de  ser  uma  demonstração  clara  de  nossa  própria  deuses  (Gn  3.1‐5).  Em  suas  mentes  e  corações,  Adão  e  Eva 
incompetência para lidar com o sucesso alheio.  devem  ter  pensado:  Para  que  ser  criatura,  se  posso  ser 
A  Palavra  diz  que  o  Senhor  conhece  os  soberbos  e  os  criador? Para que ser servo, se posso ser senhor? Para que ser 
resiste (Sl 138.6; Tg 4.6). A ira do Senhor é direcionada contra  súdito,  se  posso  ser  rei?  Para  que  ser  homem,  se  posso  ser 
os  soberbos  (Pv  15.25;  Is  2.12).  Por  isso,  o  sábio  Salomão  Deus? 
50 Por que passamos por desertos?  51 Por que passamos por desertos? 

Olavo  Bilac,  à  sua  maneira,  capturou  e  descreveu  O amor com teu pecado, e a vida com o teu crime!  

aquele momento fatídico e de intenso orgulho, escrevendo:  Porque, livre de Deus, redimido e sublime,  

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,  Homem fico na terra, luz dos olhos teus,  

Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!   Terra, melhor que o Céu! Homem maior que Deus!11 

Arda em chamas o chão; rasguem‐te a pele os ramos;    

Morda‐te o corpo o sol; injuriem‐te os ninhos;   Este  ato  de  orgulho  humano  não  matou  pessoas 


Surjam feras a uivar de todos os caminhos;   fisicamente,  porém  matou  todas  as  gerações  da  humanidade 
E, vendo‐te a sangrar das urzes através,   até agora e todas as que virão depois de nós. Diante deste ato, 
Se amaranhem no chão as serpes aos teus pés...   todas  as  barbaridades  humanas  ficam  pequenas.  A  Bíblia  diz: 
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,   “...  Por  um  só  homem  entrou  o  pecado  no  mundo,  e  pelo 
Ilumina o degredo e perfuma o deserto!  
pecado,  a  morte...”  (Rm  5.12).  Por  isso,  Deus  humilha  os 
Amo‐te! sou feliz! porque, do Éden perdido, 
soberbos e os orgulhosos.  
Levo tudo, levando o teu corpo querido!  
Mas  em  que  consiste  esta  humilhação  divina?  Moisés 
 
usa  o  verbo  humilhar  (hebraico  ‘ānâ),  que  tem  como  sentido 
Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:  
“encontra‐se  tolhido,  numa  situação  inferior  e  de 
Tudo renascerá cantando ao teu olhar,  
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,   humildade”.12  Em  outras  palavras,  humilhar  significa  retirar 

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!   todos  os  pontos  de  apoio  do  ego  humano.  Israel  tinha  que 
Rosas te brotarão da boca, se cantares!  
Rios te correrão dos olhos, se chorares!  
11
E se, em torno ao teu corpo encantador e nú,     BILAC,  Olavo  Brás  Martins  dos  Guimarães.  Alvorada  do  Amor.  In: 
BARBOSA, Osmar. Bilac: Tempo e Poesia. Rio de Janeiro. Edições de Ouro. 
Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,  
1965. p.134‐135. 
12
Agora que és mulher, agora que pecaste!     COOPERS,  Leonard  J.  ‘ānâ.  IN:  HARRIS,  R.  Laird,  et  alli.  Dicionário 
Internacional  de  Teologia  do  Antigo  Testamento.  São  Paulo.  Vida  Nova. 
Ah! bendito o momento em que me revelaste.   1998. p. 1147. 
52 Por que passamos por desertos?  53 Por que passamos por desertos? 

perder tudo aquilo no qual se apoiava para compreender que  com  a  bebida  e  com  o  vestuário.  Reconheço  que  são 


ele dependia única e exclusivamente de Deus.  preocupações básicas e legítimas, mas não devem ser o foco.  
Falando  sobre  necessidades  pessoais,  Larry  Crabb  Jesus afirmou que achar que é o que eu como ou bebo 
argumenta  sobre  aquilo  que  é  mais  básico  em  termos  de  é  que  me  dá  segurança  ou  o  que  eu  visto  é  que  me  dá 
necessidades humanas. Ele escreve:   significado,  é  uma  tremenda  estupidez.  Tal  atitude  pode  ser 
A  necessidade  mais  básica  é  um  senso  de  comparada  com  a  maneira  de  viver  dos  gentios.  Jesus  disse: 
valor pessoal, uma aceitação incondicional  “Porque  os  gentios  é  que  procuram  todas  estas  coisas...”  (Mt 
de  si  mesmo  como  pessoal  completa  e  6.32).  Jesus  fez  uma  comparação  entre  seus  ouvintes  judeus 
real.  As  duas  espécies  de  estímulos 
com  os  seus  maiores  desafetos  –  os  gentios.  Ser  comparado 
exigidos  são  significado  (propósito, 
com quem se odeia é uma prova de que não conhecemos bem 
importância,  adequação  a  uma  tarefa, 
as  nossas  verdadeiras  motivações,  pois  aquilo  que  muitas 
valorização,  impacto)  e  segurança  (amor 
vezes criticamos no outro, fazemos sem perceber. 
incondicional  e  coerentemente  expresso; 
13 Israel foi humilhado por Deus, exatamente nos pontos 
aceitação permente).  
enumerados por Jesus. Moisés escreveu: “Ele te humilhou, e te 
Em momentos, como os desertos da vida, significado e 
deixou  ter  fome,  e  te  sustentou  com  o  maná,  que  tu  não 
segurança  são  estímulos  que  nos  faltam  se  o  nosso  foco 
conhecias, nem teus pais o conheciam, para te dar a entender 
estiver  em  coisas.  Jesus,  no  Sermão  do  Monte,  enumera 
que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede 
algumas  preocupações  que  demonstram  como  o  nosso  foco 
da boca do SENHOR viverá o homem. Nunca envelheceu a tua 
pode  estar  direcionado  de  forma  errada  para  o  alvo  errado 
veste  sobre ti,  nem  se  inchou  o  teu  pé  nestes  quarenta  anos” 
(Mt  6.25‐34).  Ele  descreve  a  preocupação  com  o  alimento, 
(Dt 8.3,4). 
Se  no  Egito  se  sentiam  seguros  por  causa  da  comida 
13
  CRABB,  Larry  Jr.  Aconselhamento  Bíblico  Efetivo.  2  ed.  Brasília.  Editora 
que  tinham  (Nm  11.5),  no  deserto  estavam  numa  situação 
Refúgio. 1999. p.61 
54 Por que passamos por desertos?  55 Por que passamos por desertos? 

incômoda.  Eles  não  tinham  como  plantar  e  colher,  pois  eram  faminto,  isto  é,  ter  necessidade  de  pão  e 

como nômades. Sem falar que o terreno era impróprio para o  de alimentação ordinária, mas também no 

plantio.  fato dele alimentá‐los com o maná, o qual 
14
não conheciam nem os seus pais.  
  Deus  prometeu  que  iria  sustentar  o  povo  com  pão. 
Imagino  que  eles  esperaram  por  pão  (Ex  16.4).  Na  manhã  Todos  os  dias,  Israel  era  confrontado  com  o  seguinte 

seguinte  aquele  dia,  as  pessoas  perceberam  que  havia  algo  fato: “Não sou eu quem provê meu próprio alimento – é Deus!” 

mais  no  orvalho.  Não  sabiam  o  que  era.  Uns  aos  outros  Todos  os  dias,  tanto  os  fieis  quanto  os  incrédulos,  comiam  o 

perguntaram  o  que  era  aquilo,  daí  o  nome  MANÁ  (Ex  pão da providência divina. 

16.12,31).  Eles  não  conheciam,  seus  pais  não  conheciam,  Por outro lado, o vestuário foi uma questão igualmente 

ninguém  conhecia  aquilo.  Nunca  tinham  visto  algo  assim.  E,  miraculosa. Roupa nos fala sobre proteção. Elas nos protegem 

durante toda a peregrinação o prato principal na alimentação  do frio e do calor. Porém, também tem um forte apelo sobre o 

diária  de  Israel  foi  maná.  Imagino  que  as  donas  de  casa  nosso amor pessoal. Muitas pessoas pensam que a roupa que 

israelitas possuíam uma série de receitas à base de maná. Dele  vestem determina quem elas são. Isso não é algo novo. Desde 

eles  se  alimentaram,  juntando  cada  dia  o  suficiente  para  o  passado,  uma  roupa  dizia  quem  era  quem  e  fazia  distinção 

aquele dia, mas houve quem colhesse para o dia seguinte (Ex  entre as pessoas, sendo um produto que despertava desejos e 

16.16‐19). Afinal, ‘quem me garante que amanhã terá mais’? –  outros sentimentos (Gn 37.3,4; Jz 14.12,13).  

foi o que alguns pensaram. Porém, no dia seguinte estava tudo  Só no Brasil, a indústria da moda faturou a cifra de 22 

estragado. Deus dava o maná suficiente para cada dia.   bilhões  de  dólares,  no  ano  2000.  As  pessoas  não  compram 

  Refletindo  sobre  esta  humilhação,  Karl  Keil  e  Franz  uma roupa ou um sapato, elas compram um estilo de vida, um 

Delitzsch argumentam (Dt 8.3):  
A  humilhação  no  deserto  consistiu  não 
14
meramente no fato de Deus deixar o povo    KEIL,  Karl  Friedrich;  DELITZSCH,  Franz.  Biblical  Commentary  on  the  Old 
Testament. Vol. 3. Edinburg. T. & T. Clark. 1869. p. 330. 
56 Por que passamos por desertos?  57 Por que passamos por desertos? 

status  na  sociedade.  Ou,  pelo  menos,  é  o  que  a  mídia  as  faz  As suas vestes não se gastaram na durante 

acreditar.  o  longo  tempo,  e  que  os  seus  sapatos 

Jesus disse, certa vez: “Observai os lírios; eles não fiam,  permaneceram  inteiros,  isto  é,  para  que 


pudessem  estar  plenamente  convencidos, 
nem  tecem.  Eu,  contudo,  vos  afirmo  que  nem  Salomão,  em 
que tudo o que diz respeito à preservação 
toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles” (Lc 12.27). É 
da vida humana e das necessidades diárias 
futilidade  agir  assim,  mas  é  assim  que  nos  comportamos,  às 
do  homem  estão  totalmente  nas  mãos  de 
vezes, quanto ao que vestimos. 
Deus e que, não somente a sua satisfação, 
Na  caminhada  pelo  deserto,  Israel  foi  humilhado 
mas  até  mesmo  a  sua  continuidade  e  sua 
quanto  às  suas  vestes  e  sandálias.  Eles  não  se  tornaram  existência, dependem bênção dele.15 
mendigos viajantes, vestindo‐se de farrapos e de pés inchados  Como é humilhante para o homem pecador reconhecer 
por  causa  de  sapatos  apertados.  Moisés  escreveu:  “Nunca  que tudo o que tem vem de Deus! O povo não tinha para onde 
envelheceu a tua veste sobre ti, nem se inchou o teu pé nestes  fugir.  O  alimento,  as  vestes,  a  água,  a  sombra,  o  fogo, 
quarenta  anos”  (Dt  8.4).  Houve  um  milagre.  O  texto  bíblico  absolutamente tudo vinha de Deus. 
não detalha a maneira como ele ocorreu, assim como faz com    Somente  com  isso  em  mente,  é  possível  entender  o 
o maná.  significado das palavras de Moisés: “... não só de pão viverá o 
Falando sobre este aspecto da humilhação do povo no  homem, mas de tudo o que procede da boca do SENHOR viverá 
deserto,  João  Calvino  entendeu  que  Deus  manifestou  sua  o homem” (Dt 8.3). Não é o alimento que mata a nossa fome, 
bondade  a  todas  as  suas  criaturas,  mas  o  pecado  impede  o  nem a roupa que aquece ou protege o nosso corpo ou, ainda, 
homem de reconhecer isso. O não envelhecimento das roupas  a água que sacia a nossa sede, mas é Deus quem supre todas 
e  dos  sapatos  demonstra  o  cuidado  providencial  de  Deus. 
Calvino escreveu:  
15
  CALVIN,  John,  Harmony  of  the  Law.  Vol.  1.  IN:  John  Calvin  Collection. 
Albany. AGES Software. V.1.0. p.302. 
58 Por que passamos por desertos?  59 Por que passamos por desertos? 

as  nossas  necessidades,  desde  a  menor  até  a  maior.  Como  encontramos um dos grandes paradoxos da fé cristã: “quando 


disse o apóstolo Paulo: “pois nele vivemos, e nos movemos, e  sou fraco, então, é que sou forte” (2 Co 12.10). 
existimos” (At 17.28).  Deus  mostrou  para  Israel  quem  ele  era,  assim  como 
  Para  que  passamos  por  desertos?  Para  sermos  mostra para nós quem realmente somos, ao mesmo tempo em 
provados.  Mas  aprendemos  que  essa  provação  é  muito  mais  que se revela um Deus sustentador e protetor. Isso é o mesmo 
que o sofrimento em si. Não é o sofrimento pelo o sofrimento,  que  dizer  que  o  deserto  é  usado  por  Deus  como  uma 
mas o que ele gera em nós. O importante não é o instrumento  ferramenta,  para  colocar  todas  as  coisas  da  vida  humana  no 
que  Deus  usa,  mas  a  finalidade  para  a  qual  Ele  nos  conduz.  seu devido lugar. Não há espaço para orgulho no deserto. Tal 
Uma  vez  que  somos  provados  e  humilhados  nos  desertos  da  sentimento é sinônimo de morte e destruição.  
vida, aprendemos quem nós somos e quem Deus é.   Quando somos colocados em nosso lugar de submissão 
[Re]descobrimos  que  somos  pó  (Sl  103.14),  que  nossa  e dependência, entendendo que nossa vida está nas mãos de 
justiça é imundícia (Is 64.6) e que nossa vida está nas mãos de  Deus, então, o Senhor inicia um tratamento mais direcionado 
Deus (Sl 90.7‐11). Porém, [re]aprendemos que Deus é amor (1  em nossa vida. Além de nos provar, Deus disciplina as áreas de 
Jo 4.8), que ele é misericordioso (Sl 103.8) e sábio (Is 55.8,9). É  nossa vida que precisam conformar‐se à sua vontade. É sobre 
nesse encontro entre seres tão antagônicos, que acontece nos  isso que desejo refletir à partir de agora – a disciplina de Deus.  
desertos mais áridos da existência humana, que percebemos o   
quanto  precisamos  de  Deus  para  entender  a  vida  e  para  dar     
valor a esse presente único que ele mesmo nos deu. 
Deus  nos  leva  para  os  desertos  para  que,  uma  vez 
longe de nossos “pontos de apoio”, possamos reconhecer nele 
o  “único”  apoio  real  que  verdadeiramente  temos.  Assim, 
60 Por que passamos por desertos?  61 Por que passamos por desertos? 

Para sermos disciplinados por Deus  tomadas também não. O castigo muito menos. A vara passou 

  longe. Até que o choque aconteceu. 

“A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela”.  Um choque pode ser fatal para um adulto, quanto mais 
Salomão  (Pv 22.15)  para uma criança. Tudo o que fizemos com ela foi para evitar o 
 
  pior. Graças a Deus o pior não aconteceu. Júlia aprendeu que 
“A vida do discípulo necessita de uma severa disciplina”.  não se deve brincar com tomadas, algo que algumas crianças 
Dietrich Bonhoeffer  
não tiveram o privilégio de aprender. 
 
Creio que este é o cerne da disciplina: evitar que o pior 
Quando  não  temos  a  experiência  da  paternidade  (ou 
aconteça. Mas o que é o pior? O pior não é o choque, mas suas 
maternidade) é difícil entender porque aqueles amigos que já 
consequências.  Espiritualmente  falando,  o  pior  não  é  o 
são  pais  falam  de  como  é  difícil  disciplinar  seus  filhos.  Então, 
pecado,  mas  a  sua  consequência.  Paulo  disse:  “o  salário  do 
achamos que eles complicam de mais, por isso é tão difícil. Até 
pecado  é  a  morte”  (Rm  6.23).  Entendo  que  Paulo  está  se 
que  os  nossos  filhos  chegam  e  descobrimos  que  é  mais  fácil 
referindo  à  perdição  eterna  e  não  à  morte  física.  O  pecado 
disciplinar os filhos dos outros que os nossos próprios.  
conduz ao afastamento de Deus (Is 59.2).  
Nossa primeira filha é muita experta. Com dez meses já 
Se  você  é  um  cristão  verdadeiro,  que  experimentou  o 
estava  andando  de  um  lado  para  o  outro.  Já  mexia  em  tudo, 
novo nascimento e recebeu o Espírito de Cristo, como selo de 
inclusive  no  que  não  devia.  Aliás,  principalmente  no  que  não 
propriedade  divina,  creia  que  a  sua  salvação  está  garantida. 
devia.  Eu  e  minha  esposa  passamos  algumas  situações  com 
Porém,  isso  não  o  livra  dos  juízos  temporais  de  Deus.  Nesse 
Júlia  e  as  tomadas  de  nossa  casa.  Fizemos  de  tudo  o  que 
estava  ao  nosso  alcance  para  impedi‐la  de  mexer  com  as 
tomadas.  As  conversas  não  adiantaram.  Os  protetores  de 
62 Por que passamos por desertos?  63 Por que passamos por desertos? 

caso,  o  pior  é  estar  nas  mãos  de  um  Deus  vivo  e  irado16  (Hb  Voltemos à ideia de disciplina. Há um grande problema 
10.3).   em  nossos  dias  com  a  palavra  disciplina,  ela  é  sempre  vista 
A  Confissão  de  Fé  de  Westminster  descreve  esta  como  algo  negativo.  Para  muitos,  disciplina  tem  a  ver  com 
condição, dizendo:   castigo,  maus  tratos,  agressão  e  espancamentos.  É  fato  que 
Eles,  porém,  pelas  tentações  de  Satanás  e  algumas  pessoas  quando  falam  de  disciplina  têm  em  mente 
do  mundo,  pela  força  da  corrupção  neles  todos esses elementos e os executam, seja em sua família ou 
restante  e  pela  negligência  dos  meios  de  trabalho. 
preservação,  podem  cair  em  graves 
 Infelizmente,  não  poucos  de  nós  trazem  consigo  uma 
pecados  e  por  algum  tempo  continuar 
marca  de  uma  “disciplina”  distorcida.  Talvez  você  mesmo  se 
neles;  incorrem  assim  no  desagrado  de 
lembre de uma surra com uma mangueira de jardim, com uma 
Deus, entristecem o seu Santo Espírito e de 
sandália  de  couro,  um  arreio  de  cavalo  ou  coisas  deste  tipo. 
algum  modo  vêm  a  ser  privados  das  suas 
Quantas  pessoas  vivem  traumatizadas  por  situações  de 
graças  e  confortos;  têm  os  seus  corações 
endurecidos e as suas consciências feridas;  selvageria  cometidas  por  aqueles que  deveriam  velar  por  sua 

prejudicam  e  escandalizam  os  outros  e  integridade  física  e  emocional?  Infelizmente,  a  maioria  dos 
atraem sobre si juízos temporais.17  agressores eram os pais.  
Quando  Deus  disciplina  os  seus,  seu  desejo  é  que  Conheci uma pessoa que dizia: “Deus não é pai! Deus é 
entendam  que  o  pecado  é  um  perigo  real,  pois  o  homem  se  Deus”!  Ao  indagar  sobre,  descobri  que  sua  visão  sobre  o 
coloca  numa  condição  de  rebeldia  contra  aquele  que  é  Pai,  conceito PAI estava relacionada à figura paterna familiar – um 
Criador e Senhor de sua vida. Cuidado com o pecado!   homem violento, cruel, beberrão. Ela não conseguia relacionar 
Deus  com  a  figura  paterna.  Levou  algum  tempo  até  que  ela 
16
  Recomendo  a  leitura  de  “Pecadores  nas  mãos  de  um  Deus  irado”,  de  pode, finalmente, chamar Deus de PAI. 
Jonathan Edwards. 
17
 Confissão de Fé de Westminster. São Paulo. Cultura Cristã. 1997. XVII.3 
64 Por que passamos por desertos?  65 Por que passamos por desertos? 

Talvez,  por  isso,  não  conseguimos  associar  AMOR  e  vasos. Deus não tem tempo para disciplinar 

DISCIPLINA, como o Senhor faz em sua Palavra. Existem alguns  todos  na  terra,  mas  Ele  disciplina  seus 

textos bíblicos sobre esta temática que mexem conosco, entre  filhos,  porque  Ele  os  ama.  Entretanto, 


disciplina  é  uma  provisão  do  amor  de 
eles: “Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o 
Deus...  Disciplina  é  para  o  nosso  maior 
pai, ao filho a quem quer bem” (Pv 3.12); “O que retém a vara 
lucro  e  para  nos  conduzir  ao  alvo  mais 
aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (Pv 
elevado na criação de Deus.18  
13.24) e “Porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo 
 
filho a quem recebe” (Hb 12.6). 
Em  outras  palavras,  Nee  quer  que  entendamos  que 
De  todos  os  que  listei  acima,  provavelmente  o  último 
Deus  está  profundamente  preocupado  com  seus  filhos, 
versículo  seja  aquele  que  nos  causa  mais  escândalo.  Como 
desejoso que esses encontrem e vivam os alvos elevados que 
Deus  pode  açoitar  um  filho  que  ama?  Açoite  é  sempre  um 
ele  preparou  para  cada  um  de  nós.  Nessa  caminhada,  alguns 
castigo atroz e bárbaro. Como Deus pode agir assim com seus 
acertos precisarão ser feitos, é aí que entra a disciplina. 
filhos?  
Quero convidá‐lo a voltar para Hebreus 12.6, a fim de 
O grande líder cristão chinês, Watchman Nee, escreveu 
entender  algumas  nuances  do  texto,  que  nos  ajudarão  a 
um  livro  intitulado  “A  Disciplina  de  Deus”,  no  qual  faz  uma 
compreender  a  disciplina  amorosa  de  Deus,  em  meio  aos 
análise  de  Hebreus  12.  Falando  sobre  a  disciplina  como  uma 
desertos da vida.  
provisão de amor, ele escreve: 
O autor da carta aos Hebreus usa duas palavras gregas 
Deus não tem tempo livre para tratar com 
muito  oportunas  para  nossa  reflexão:  Paideia  e  Mastigon.  A 
todas  as  pessoas  do  mundo.  Ele  disciplina 
origem  da  primeira  palavra  transmite  a  ideia  de  “estar  junto 
apenas  aqueles  a  quem  ele  ama.  Ele  nos 
disciplina,  porque  ele  nos  ama.  Ele  nos 
disciplina,  porque  ele  quer  fazer  de  nós  18
 NEE, Watchman. The Discipline of God. Anaheim. Living Stream Ministry, 
1998. p.4 
66 Por que passamos por desertos?  67 Por que passamos por desertos? 

com  uma  criança”19,  ou  seja,  um  adulto  treinando  uma  necessário,  castigo  ou  punição.  É  assim  em  várias  esferas  da 
criança,  daí  o  significado  de  educação  no  grego  clássico.  Em  vida. Não seria diferente na esfera espiritual. 
seu  uso  no  Novo  Testamento,  em  apenas  duas  passagens  (Lc  Deus  disciplinou  Israel  no  deserto  aplicando  tanto  o 
23.16;22),  a  palavra  é  usada  para  retratar  castigo.  O  restante  aspecto  positivo  quanto  o  aspecto  negativo  da  disciplina. 
do  Novo  Testamento  usa  o  termo  no  sentido  de  ensino  e  Moisés  escreveu:  “Sabe,  pois,  no  teu  coração,  que,  como  um 
instrução (At 7.22; 22.3). O próprio Deus é descrito como um  homem disciplina a seu filho, assim te disciplina o Senhor, teu 
tutor ou professor no mesmo contexto de Hebreus (Hb 12.9).  Deus” (Dt 8.5). 
Já o termo mastigon tem em sua origem uma ideia de  O motivo de Israel estar no deserto não era o pecado. 
castigo  severo  e  doloroso.  Mastigon  fala  de  sofrimento  e  Provação não tem nada a ver com pecado. Porém, o povo não 
aflição  causada  por  outro,  daí  o  tradutor  bíblico  usar  uma  viveu  santamente  no  deserto,  pecou  contra  Deus  e  foi 
palavra tão pesada como açoitar, utilizada também em outros  castigado.  Sendo  assim,  Deus  aplicou  no  deserto  toda  a  sua 
textos do Novo Testamento (cf. At 5.40; 22.19), e relacioná‐la  pedagogia  e  disciplina  para  ensinar  a  Israel  a  sua  vontade.  O 
com a disciplina que vem de Deus.  deserto  foi  uma  grande  sala  de  aula,  na  qual  Deus  ensinou  o 
A partir do texto de Hebreus, penso que na pedagogia  povo como viver disciplinadamente.  
divina  há  dois  aspectos  para  a  disciplina:  um  positivo  e  um  Mais  uma  vez,  encontramos  o  caráter  humano  sendo 
negativo. O positivo tem a ver com a orientação para evitar o  moldado  pela  ação  de  Deus.  Já  falamos  sobre  isso 
erro  e  o  negativo  tem  a  ver  com  a  conseqüência  do  erro.  anteriormente, mas é preciso voltar a este tema e considerar 
Ambas  possuem  um  elemento  similar  –  a  dor.  Afinal,  não  há  sobre aquele que é o referencial ou o molde a partir do qual 
aprendizado  sem  esforço,  repetição,  correção  e,  quando  somos moldados em nosso caráter – DEUS. 
Algumas  expressões  são  emblemáticas  com  respeito  a 
19
  FÜRST,  D.  PAIDEUO.  In:  COENEN,  Lothar;  BROWN,  Colin.  Dicionário  esta  questão,  nas  Escrituras.  Entre  elas,  podemos  citar: 
Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo. Vida Nova. 
“Portanto, santificai‐vos e sede santos, pois eu sou o SENHOR, 
2000. p.649 
68 Por que passamos por desertos?  69 Por que passamos por desertos? 

vosso  Deus”  (Lv  20.7  cf.  1  Pe  1.16)  e,  “Portanto,  sede  vós  qualificar  a  Escritura  e  a  sua  utilidade,  apontam  para  um 
perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48). Deus é  aspecto didático.  
o  padrão  de  santidade  e  perfeição.  Aliás,  Ele  é  sempre  o  Deus  trabalha  os  seus  filhos  usando  sua  Palavra.  Mas 
padrão  para  toda  ação,  pensamento,  sentimento  e  vontade  como a Palavra de Deus está ligada à sua disciplina? O que é 
humanas. Afinal, fomos criados à sua imagem e semelhança, a  pecado?  O  Catecismo  Maior  de  Westminster  responde: 
fim de refletir de maneira finita aquilo que ele é infinitamente.   “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, 
É  certo  que  o  pecado  entrou  na  criação  de  Deus  e  ou a transgressão de qualquer lei por Ele dada como regra, à 
maculou sua obra‐prima – o homem. Tudo que há no homem  criatura  racional”20.  Em  outras  palavras,  pecado  é  tudo  que 
é contrário ao seu criador e está em desacordo com a natureza  fica  aquém  ou  vai  além  daquilo  que  é  a  vontade  de  Deus 
santa  de  sua  criação  original,  até  que  seja  restaurado  pelo  revelada nas Escrituras. 
criador. Jesus chamou isso de “nascer de novo” (Jo 3.3).  Voltemos  para  o  povo  de  Israel.  O  começo  da 
Mesmo  com  o  novo  nascimento,  o  homem  ainda  luta  caminhada  teve  um  momento  singular  –  a  renovação  na 
contra si mesmo no propósito de viver para Deus (Rm 8.18; Gl  aliança  no  Sinai  (Ex  19;  20).  Ali,  Deus  ordenou  ao  povo  um 
5.16).  Daí,  Deus  revelar  sua  vontade,  de  maneira  que  o  resumo da sua vontade, conhecida com os Dez Mandamentos 
homem pudesse conduzir sua vida em conformidade com ela.  (Ex  20.1‐17).  Isso  aconteceu  num  contexto  sombrio  de  raios, 
Que maneira melhor de fazer isso do que escrevendo?  trovões,  escuridão  e  fumaça  (Ex  19.16,18).  O  povo  ouviu  os 
Ora,  se  Deus  é  o  referencial  para  que  o  nosso  caráter  Dez Mandamentos da própria boca de Deus. A potente voz de 
seja moldado, a Escritura é o manual que Deus usa para isso.  Deus gerou temor e muito tremor nos israelitas, ao ponto de 
Não  foi  por  acaso  que  Paulo  escreveu  a  Timóteo:  “Toda  a  pedirem  para  que  Deus  falasse  apenas  com  Moisés  e  este 
Escritura  é  inspirada  por  Deus  e  útil  para  o  ensino,  para  a 
repreensão, para a correção, para a educação na justiça...” (2 
20
  Catecismo  Maior  de  Westminster.  São  Paulo.  Cultura  Cristã.  1999.  P/R 
Tm 3.16). Perceba que todos os termos usados por Paulo para 
24. 
70 Por que passamos por desertos?  71 Por que passamos por desertos? 

transmitisse  ao  povo  a  vontade  do  Senhor.  Os  israelitas  escuro. O Senhor foi transparente com Israel: a iniqüidade será 


temiam a morte, se novamente ouvissem a voz do Senhor (Ex  visitada, bem como a obediência. 
20.18). Imagino que eles tiveram razões suficientes para isso.  A Lei foi o parâmetro para a bênção e para a maldição. 
O salmista descreve a voz de Deus, dizendo: “A voz do SENHOR  Por  isso,  Moisés  disse  ao  povo:  “Guarda  os  mandamentos  do 
é poderosa; a voz do SENHOR é cheia de majestade. A voz do  Senhor,  teu  Deus,  para  andares  nos  seus  caminhos  e  o 
SENHOR quebra os cedros; sim, o SENHOR despedaça os cedros  temeres”  (Dt  8.5,6).  Segundo  a  Lei,  a  obediência  do  povo  foi 
do Líbano. A voz do SENHOR despede chamas de fogo. A voz do  abençoada.  Contudo,  segundo  a  mesma  Lei,  a  desobediência 
SENHOR faz tremer o deserto” (Sl 29.4,5,7,8).  foi amaldiçoada. Um exemplo disso foi a conquista de Jericó e 
O que chama a minha atenção em tudo isso é a atitude  a derrota para Aí (Js 6;7).  
de  Deus  com  o  povo.  Deus  disse ao  povo  o  que  ele  esperava  Tanto na bênção quanto na maldição, Deus disciplinou 
de Israel. Antes da jornada começar para valer rumo a terra de  o seu povo durante a caminhada. Ele moldou a maneira de ser 
Canaã, Deus deixou bem claro quais seriam as regras a serem  das  pessoas.  Deus  ensinou  que  vale  a  pena  confiar  e  esperar 
seguidas.  É  interessante  perceber  que,  nos  primeiros  versos,  por sua providência, ao invés de estupidamente agir contra as 
Deus  abre  o  jogo  sobre  quem  ele  era:  “Eu  sou  o  Senhor,  teu  suas  palavras  (Ex  16.13‐24).  Também  ensinou  que  é  mais 
Deus,  que  te  tirei  da  terra  do  Egito,  da  casa  da  servidão...  eu  prudente temer a Deus que aos homens, mesmo quando estes 
sou  o  Senhor,  teu  Deus,  Deus  zeloso,  que  visito  a  iniqüidade  são em maior número, mais poderosos e reunidos em cidades 
dos  pais  nos  filhos  até  à  terceira  e  quarta  geração  daqueles  fortificadas (Nm 13.27‐33;14.1‐10, 24 cf. Nm 26.65). 
que  me  aborrecem  e  faço  misericórdia  até  mil  gerações  Se  o  povo  foi  castigado  no  deserto,  foi  por  causa  da 
daqueles  que  me  amam  e  guardam  os  meus  mandamentos”  desobediência à Palavra de Deus. O Senhor o fez não porque 
(Ex 20.2,5,6). Não foi à toa que Israel teve medo de morrer.  fosse  mau,  mas  porque  amava  o  povo  e  sabia  muito  bem  o 
Eu  quero  que  você  perceba  nisso  a  misericórdia  de  que aconteceria com toda a nação se não houvesse obediência 
Deus.  Ele  não  permitiu  que  Israel  entrasse  numa  jornada  no  – todos, sem exceção, morreriam no deserto.  
72 Por que passamos por desertos?  73 Por que passamos por desertos? 

Moisés  lembrou  bem  ao  povo:  “...  como  um  homem  que o possa magoar. O temor de Deus cria 

disciplina a seu filho, assim te disciplina o SENHOR, teu Deus”  em  nós  o  horror  profundo  e  eficaz  de  nos 

(Dt 8.5). Por que castigamos nossos filhos? Porque eles correm  afastar do Criador. É um temor nobre que 
brota do amor”21. 
risco  de  morte.  Já  contei  acerca  do  choque  que  minha  filha 
Temor  de  Deus  não  é  ter  medo  de  Deus.  Existem 
levou. E, em quantas outras situações de risco ela se coloca a 
pessoas  por  aí  que  tem  pavor  em  pensar  em  Deus,  pois  para 
cada  momento.  Uma  vez  que  somos  disciplinados  por  Deus, 
elas  Deus  é  ao  mesmo  tempo  o  juiz,  a  testemunha  e  o 
tanto  positiva  quanto  negativamente,  isso  gera  em  nosso 
carrasco. Pensando nisso, Nietzsche disse: “... esse Deus devia 
coração  algo  importantíssimo  para  nossa  sobrevivência  – 
morrer!  O  homem  não  suporta  a  vida  de  semelhante 
temor. 
testemunha".22 
Aqui vale conversar um pouco sobre o temor a Deus. O 
Isso  nos  faz  pensar  que  o  temor  de  Deus  está 
salmista  disse:  “O  temor  do  SENHOR  é  o  princípio  da 
intimamente relacionado com que Deus é e com o que ele faz. 
sabedoria;  revelam  prudência  todos  os  que  o  praticam...”  (Sl 
Calvino disse:  
111.10a).  Se  eu  desejo  viver  de  maneira  sábia  a  minha  vida, 
Pois  Deus  tem  em  si  a  dignidade  de  Pai  e 
mesmo que enfrentando um grande deserto, só poderei fazê‐
de Senhor. E assim, quem o queira cultuar 
lo  com  temor  de  Deus  em  mim.  Mas,  o  que  é  o  temor  de 
devidamente,  diligenciará  por  mostrar‐se 
Deus?  
não  só  ser‐lhe  filho  obediente,  mas 
Um autor escreveu, certa vez: 
também  servo  obsequioso.  A  obediência 
“O temor de Deus é filial. É o temor de nos  que  se  rende  como  seu  Pai,  o  Senhor, 
afastar  do  Pai  que  nos  criou  e  que  nos 
mediante  o  Profeta,  denomina  honra;  o 
ama,  de  ofender  a  Deus  que,  por  amor, 
sempre nos perdoa. O filho que ama o pai  21
 AMARAL, Luciano do. Dons de Santificação do Espírito. 10 ed. São Paulo. 
não  quer  ficar  longe  dele  nem  fazer  algo  Loyola. 2003. p.18. 
22
 NIETZSCHE. Assim falava Zaratustra. p.215. 
74 Por que passamos por desertos?  75 Por que passamos por desertos? 

serviço  que  se  exibe  como  seu  Senhor,  Pense comigo, se o que nos afasta de Deus é o pecado 


denomina temor. “O filho”, diz ele, “honra  (Is  59.2),  então,  o  que  precisa  ser  evitado  é  o  pecado.  Afinal, 
ao pai e o servo honra a seu senhor. Se eu  “o  temor  do  Senhor  consiste  em  aborrecer  o  mal”  (Pv  8.13). 
sou Pai, onde está minha honra? Se eu sou 
Para evitar o pecado é preciso do santo temor do Senhor em 
Senhor,  onde  está  meu  temor?”  [Ml  1.6]. 
nosso coração.  
Mas, por mais que os distingas, vês como, 
Israel só seria capaz de aborrecer o mal quando amasse 
ao  mesmo  tempo,  um  elemento  se  funde 
a Deus de todo o seu coração. Isso só seria possível se o povo 
no  outro.  Portanto,  o  temor  do  Senhor 
recebesse  e  praticasse  a  Lei,  como  Palavra  viva  de  Deus,  ou 
deve  ser  a  reverência  amalgamada  dessa 
honra e desse temor.23  reconhecesse isso, por meio do castigo da mão misericordiosa 

Por  que  Israel  deveria  temer  a  Deus?  Porque  ele  era  de Deus. Ou Israel aprenderia por “bem” ou por “mal” que seu 

seu Pai e seu Senhor. Porque foi ele quem libertou a nação do  único bem estava em Deus. Se seria de uma maneira ou outra, 

cativeiro  egípcio  e  lhe  deu  o  livramento  diante  do  Mar  dependeria exclusivamente o povo. 

Vermelho. Porque foi esse Deus quem saciou a sede do povo e  Pensemos  em  nós.  Deus  nos  permite  passar  por  um 

o fartou na hora da fome. É preciso dizer mais alguma coisa?  deserto.  Ele  tem  como  propósito  disciplinar  alguma  área  de 

A  disciplina  exercida  por  Deus,  como  o  Pai  amoroso,  nossa  vida.  Ele  vai  nos  ensinar,  segundo  a  sua  Palavra,  o  que 

visa  conduzir  seus  filhos  a  este  tipo  de  sentimento  para  com  devemos  fazer  e  como  devemos  fazer  a  sua  vontade.  Isso 

ele.  Deus  não  deveria  ser  visto  como  um  perigo  iminente.  O  implica que, quando passamos por desertos, devemos fazer da 

verdadeiro perigo era estar longe dele.   Escritura  nossa  companheira  inseparável.  A  bem  da  verdade, 


ela nunca deveria deixar de sê‐la. Lembremo‐nos do salmista: 
“Guardo  no  coração  as  tuas  palavras,  para  não  pecar  contra 
ti” (Sl 119.11). Infelizmente, alguns só se lembram da Palavra 
23
 CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. 3 vol. São Paulo. Cultura 
de Deus quando o deserto está escaldante e causticante. 
Cristã. 2006. p.51 (3.2.26). 
76 Por que passamos por desertos?  77 Por que passamos por desertos? 

Contudo,  estejamos  atentos  para  as  correções  e  os  que você precisa, melhor que você mesmo. Tanto é assim, que 


castigos  que  poderão  vir  sobre  nós,  como  consequência  de  Ele  tem  algo  preparado  especialmente  para  você  quando  o 
nossa  não  observância  da  Palavra.  É  lamentável  ver  que  deserto acabar. 
algumas  pessoas  não  conseguem  enxergar  quando  Deus  as  Isso  me  leva  a  crer,  com  base  naquilo  que  o  texto 
está  corrigindo.  O  contexto  do  deserto  já  é  difícil.  O  castigo  bíblico  nos  diz,  que  ao  passarmos  pelo  deserto,  Deus  nos 
divino  é  por  si  só  algo  extremamente  sério.  E,  mesmo  assim,  prepara  para  lidar  com  aquilo  que  ele  tem  para  nós.  É  sobre 
algumas pessoas ainda acham que não há nada que mudar em  isso que falaremos a seguir. 
suas  vidas  e  que  não  há  comportamento  algum  para  ser   
abandonado. É como diz o velho ditado: “o pior cego é o que     
não quer enxergar”. 
Talvez você esteja num deserto neste exato momento. 
Você  está  numa  grande  sala  de  aula.  Deus  será  o  seu 
professor.  Você  talvez  esteja  nesta  sala,  porque  você  precisa 
aprender uma lição muitíssimo importante para sua vida. Deus 
quer  que  você  seja  aprovado  com  honras,  mas  não  hesitará 
em corrigi‐lo e castigá‐lo por sua displicência em aprender ou 
por  sua  rebeldia  em  não  aprender  o  que  ele  quer  te  ensinar. 
Afinal,  “o  Senhor  corrige  a  quem  ama  e  açoita  a  todo  filho  a 
quem recebe” (Hb 12.6). 
Deus  te  ama.  Ele  quer  o  seu  bem.  Querer  o  bem  do 
outro não implica em fazer tudo o que o outro deseja, mas é 
fazer tudo o que ele precisa. Lembre‐se sempre: Deus sabe o 
78 Por que passamos por desertos?  79 Por que passamos por desertos? 

Para aprendemos como viver em Canaã    Desde  o  início,  o  desejo  do  coração  de  Deus  foi  que 

  Israel  tornasse  uma  bênção  para  todos  os  povos  (Gn  12.3  cf. 

“... e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no  18.17‐19).  Por  isso,  Deus  disse  ao  povo  na  renovação  da 
Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por  aliança  no  Sinai:  “Agora,  pois,  se  diligentemente  ouvirdes  a 
mim”. 
Paulo de Tarso (Gl 2.19)  minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha 
  propriedade  peculiar  dentre  todos  os  povos;  porque  toda  a 
 
“Apressa‐te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só,  terra  é  minha;  vós  me  sereis  reino  de  sacerdotes  e  nação 
uma vida”.  santa...” (Ex 19.5,6). 
Sêneca  
  Israel  seria  a  nação  que  adoraria  ao  Deus  vivo  e 
 
verdadeiro,  também  seria  responsável  por  ensinar  às  nações 
 
da  terra  os  caminhos  e  os  mandamentos  do  Senhor.  Israel 
  Depois  de  quarenta  anos  de  uma  árdua,  e  também 
representaria  na  terra  o  Dono  Absoluto  de  todas  as  nações, 
abençoada  jornada,  Israel  estava  às  portas  de  Canaã.  Pode 
mas  para  isso  precisaria  ser  santa,  separada  dos  erros  e 
parecer  estranho  dizer  que  a  jornada  foi  abençoada,  mas 
defeitos  das  demais  nações  da  terra,  vivendo  em  justa 
diante  de  tudo  o  que  vivos  até  aqui,  não  há  como  não 
comunhão  uns  com  os  outros  e  num  santo  relacionamento 
reconhecer  esta  verdade.  Israel  foi  prodigamente  abençoado 
com o seu Deus. 
no  deserto, pois  Deus  o  estava  preparando  para  uma  bênção 
  Contudo, os quatrocentos e trinta anos de Egito foram 
maior ainda – Canaã.  
suficientes  para  macular  a  compreensão  de  Israel  acerca  de 
  Falamos  sobre  Deus  moldando  o  caráter  do  povo 
certo  e  errado,  bem  e  mal,  justo  e  injusto.  Entretanto,  no 
através  das  provações,  o  educando  através  da  sua  Lei  e  o 
deserto  o  caráter  do  povo  foi  moldado,  a  verdade  da  Lei  foi 
corrigindo  quando  sua  Palavra  era  desobedecida.  Qual  o 
ensinada  na  prática  e  um  conhecimento  diferenciado  acerca 
objetivo final de tudo isso? Canaã.  
do Deus que é Pai e Senhor foi aplicado em sua vida, a fim de 
80 Por que passamos por desertos?  81 Por que passamos por desertos? 

que Israel o temesse e tremesse diante de seu nome e poder.  essa  vida  e  a  habilita  a  vencer  os 

Agora era hora de colocar em prática aquilo que se aprendera  obstáculos.  Não  é  vida  sem  cruz.  Pois  a  fé 

no  deserto  em  Canaã.  Afinal,  é  no  deserto  que  aprendemos  não  tem  promessa  de  vida  fácil.  Tem,  isto 
sim, a certeza do socorro nas dificuldades e 
viver em Canaã. 
aflições.24 
  Temos  falado  do  deserto  como  uma  metáfora  para  as 
Moisés  descreveu  a  terra,  dizendo  (v.7‐10):  “...  o 
dificuldades  da  vida.  Quero,  então,  tomar  da  experiência  de 
Senhor,  teu  Deus,  te  faz  entrar  numa  boa  terra,  terra  de 
Israel  a  realidade  de  Canaã  e  usá‐la  metaforicamente  aqui. 
ribeiros  de  águas,  de  fontes,  de  mananciais  profundos,  que 
Logo,  Canaã  fala  acerca  dos  momentos  alegres,  felizes  e 
saem  dos  vales  e  das  montanhas;  terra  de  trigo  e  cevada,  de 
abundantes da vida (Ex 3.8).  
vides, figueiras e romeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel; 
Como essa ideia de aprender no deserto como viver em 
terra  em  que  comerás  o  pão  sem  escassez,  e  nada  te  faltará 
Canaã  é  diferente  da  pregação  de  nossos  dias!  As  pessoas 
nela; terra cujas pedras são ferro e de cujos montes cavarás o 
querem  Canaã,  mas  não  querem  o  deserto.  Desejam  as 
cobre. Comerás, e te fartarás, e louvarás o SENHOR, teu Deus, 
bênçãos,  mas  não  querem  nada  com  a  provação,  a  Lei  e  a 
pela boa terra que te deu”. 
correção.  Querem  apenas  os  louros  da  vitória,  mas  não 
  Tais palavras soaram como alívio aos corações de todas 
querem saber das batalhas.  
as pessoas que, ao longo de uma caminhada de quarenta anos, 
Escrevendo acerca de ser cristão e sobre a vida eterna 
viram seus pais, amigos e entes queridos perecendo dia após 
em Cristo, Gottfried Brakemeier, disse:  
dia naquele deserto pavoroso, que parecia não ter fim. 
A  vida  eterna  possui  antes  um  sentido 
  O  que  me  chama  minha  atenção  é  o  seguinte  fato: 
qualitativo.  É  sinônimo  de  vida  plena, 
resistente,  realizada  e  por  isso  cheia  de  Deus  havia  dito  quanto  tempo  duraria  a  caminhada  pelo 

confiança,  amor  e  tranqüilidade  nas 


tempestades.  Fé  acrescenta  qualidade  a  24
 BRAKEMEIER, Gottfried. Por que ser cristão? São Leopoldo. Sinodal. 2004. 
p.44,45.  
82 Por que passamos por desertos?  83 Por que passamos por desertos? 

deserto  –  quarenta  anos  (Nm  14.34).  Poderíamos  dizer  que  sendo obediente, Deus faria de Abraão o pai de um numeroso 


Deus  impôs  ao  povo  uma  disciplina  com  tempo  determinado  e  grande  povo.  Um  povo  tão  grande,  tão  poderoso  e  tão 
ao povo. O que há de tão interessante nisso? Uma promessa,  especial, que seria uma bênção para o mundo inteiro. 
ou seja, o deserto terá um fim, depois de quarenta anos.    Se  Abraão  agisse  como  alguns  em  nossos  dias,  teria 
  O  Senhor  estabeleceu  uma  aliança  com  o  seu  povo.  optado  por  manter‐se  em  sua  zona  de  conforto.  Afinal,  esse 
Como parte dessa aliança, Deus fez algumas promessas. Essas  negócio de ouvir a voz de Deus é algo muito incrível. Não sei o 
promessas  possuem  condições  e  objetivos  claros.  Se  que  seria  da  história  da  humanidade  se  Abraão  não  tivesse 
observarmos a história de Israel, vamos perceber que tudo foi  obedecido  à  voz  de  Deus.  Imagino  que  não  saberíamos  nada 
resultado  da  aliança  e  do  cumprimento  das  promessas,  por  sobre  ele.  Imagino,  ainda,  que  seu  nome  continuaria  sendo 
parte de Deus.   Abrão e que morreria sem filhos.  
Voltemos  ao  início  da  história  de  Israel.  Voltemos  à    Mas  Abraão  creu.  E  o  testemunho  que  temos  dele  é: 
Abraão.  Deus  disse:  “Sai  da  tua  terra,  da  tua  parentela  e  da  “Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gn 
casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei  15.6).  Mas  o  testemunho  mais  belo  acerca  de  Abraão  foi 
uma  grande  nação,  e  te  abençoarei,  e  te  engrandecerei  o  escrito séculos depois da sua morte: “Pela fé, Abraão, quando 
nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e  chamado,  obedeceu,  a  fim  de  ir  para  um  lugar  que  devia 
amaldiçoarei  os  que  te  amaldiçoarem;  em  ti  serão  benditas  receber  por  herança;  e  partiu  sem  saber  aonde  ia.  Pela  fé, 
todas  as  famílias  da  terra...  Darei  à  tua  descendência  esta  peregrinou  na  terra  da  promessa  como  em  terra  alheia, 
terra” (Gn 12.1‐3,7).    habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da 
  A  condição  para  o  cumprimento  da  promessa  era  a  mesma  promessa;  porque  aguardava  a  cidade  que  tem 
obediência.  Deus  exigiu  de  Abraão  que  ele  saísse  da  terra  de  fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador. Pela fé, 
sua  família,  abrindo  mão  de  toda  a  segurança  e  posses  que  também,  a  própria  Sara  recebeu  poder  para  ser  mãe,  não 
tinha,  dispondo‐se  a  seguir  somente  a  sua  orientação.  Em  obstante  o  avançado  de  sua  idade,  pois  teve  por  fiel  aquele 
84 Por que passamos por desertos?  85 Por que passamos por desertos? 

que lhe havia feito a promessa. Por isso, também de um, aliás  sentimento e vontade”.25 Este retorno só é possível pela ação 
já  amortecido,  saiu  uma  posteridade  tão  numerosa  como  as  soberana de Deus. 
estrelas do céu e inumerável como a areia que está na praia do    Refletindo  sobre  o  que  Hoekema  escreveu,  podemos 
mar” (Hb 11.8‐12).  afirmar  que  arrependimento  é  reconhecer  que  tudo  o  que 
  Perceba  que  Deus  não  disse  primeiro  qual  era  o  fizemos por nós mesmos não tem valor algum diante de Deus. 
objetivo  da  promessa,  mas  disse  qual  era  a  condição  para  o  É  reconhecer  nossa  completa  inabilidade  em  lidar  com  as 
cumprimento da promessa. E, na maioria das vezes [para não  coisas da alma e do Espírito, o que demonstra da maneira mais 
dizer todas às vezes], o cumprimento das promessas de Deus  escrachada possível a total decadência humana diante de seu 
possui  condições  que  mexem  conosco,  de  todas  as  maneiras  Criador.  Por  isso,  a  conversão  é  sempre  uma  circunstância 
possíveis, pensáveis e impensáveis.  dramática.  
  Um  exemplo:  A  promessa  da  vida  eterna.  Quando    Pensando  nos  dramas  possíveis  da  conversão  foi  que 
Pedro,  no  sermão  de  Pentecostes,  apresenta  a  promessa  de  Cristo disse: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim 
salvação,  dizendo:  “Arrependei‐vos,  e  cada  um  de  vós  seja  trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem 
batizado  em  nome  de  Jesus  Cristo  para  remissão  dos  vossos  e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. 
pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38). Para  Assim,  os  inimigos  do  homem  serão  os  da  sua  própria 
recebemos  o  dom  do  Espírito  [que  aqui  fala  da  aplicação  da  casa”(Mc 10.34‐36). 
obra redentora de Cristo] é necessário que nos arrependamos.    Certa  vez  ouvi  um  relato  acerca  da  conversão  de  um 
Anthony  Hoekema  descreve  arrependimento  como  sendo  “o  jovem  muçulmano.  Ele  se  convertera  ao  Senhor  Jesus.  Como 
retorno  consciente  da  pessoa  regenerada,  para  longe  do  resultado, seu pai ordenou a sua morte e comissionou o irmão 
pecado  e  para  perto  de  Deus,  numa  completa  mudança  de 
vida,  manifestando‐se  numa  nova  maneira  de  pensamento, 
25
 HOEKEMA, Anthony. Salvos pela Graça. São Paulo. Cultura Cristã. 1997. 
p.133. 
86 Por que passamos por desertos?  87 Por que passamos por desertos? 

mais velho para executar a ordem. Porém, o irmão mais velho  vida,  nem  os  anjos,  nem  os  principados, 

pediu ao pai para que desse mais uma chance de retratação ao  nem as coisas do  presente, nem do  porvir, 

irmão  mais  novo.  Mas  a  retratação  seria  exigida  por  meio  de  nem  os  poderes,  nem  a  altura,  nem  a 
profundidade, nem qualquer outra criatura 
torturas, que envolvia até eletrochoque. O resultado disso foi 
poderá  separar‐nos  do  amor  de  Deus,  que 
que  o  jovem  não  negou  a  Cristo,  mas  tornou‐se  uma  espécie 
está  em  Cristo  Jesus,  nosso  Senhor  (Rm 
de zumbi. Os choques comprometeram sua fala, sua mente e 
8.34‐39). 
outras habilidades. Mas sempre que se encontra com um dos 
  Os  textos  citados  acima,  com  frequência,  são  usados 
cristãos que lhe pregaram o evangelho, ele sorri. 
para  falar  das  aflições  que  os  cristãos  enfrentam.  Paulo  disse 
  A promessa da vida eterna em Cristo não nos exime das 
que é como se a cada dia tivéssemos que encarar a morte, por 
dificuldades  e  dos  desertos.  E,  nem  fala  apenas  de  vitórias  e 
amor a Cristo (Rm 8.36). Contudo, a certeza do amor de Deus 
alegrias. Jesus mesmo disse: “No mundo, passais por aflições; 
por nós e a palavra de ânimo de Jesus são mais que suficientes 
mas  tende  bom  ânimo;  eu  venci  o  mundo”  (Jo  16.33).  Paulo, 
para renovar a fé nas promessas de Deus, que nos advém da 
seguindo o ensino do Mestre, disse:  
salvação. 
Quem  nos  separará  do  amor  de  Cristo? 
O  que  aprendemos  é  que  as  dificuldades  da  vida 
Será  tribulação,  ou  angústia,  ou 
existirão até o fim. Porém, o tesouro da salvação será sempre 
perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, 
nosso.  Os  desertos  são  terríveis,  mas  a  certeza  da  vitória  de 
ou espada? Como está escrito: Por amor de 
ti,  somos  entregues  à  morte  o  dia  todo,  Cristo, como símbolo e antecipação da nossa própria vitória, é 

fomos  considerados  como  ovelhas  para  o  a nossa motivação e esperança. Afinal, não existe vitória sem 


matadouro.  Em todas  estas coisas, porém,  luta. 
somos  mais  que  vencedores,  por  meio  Por  isso,  toda  a  ideia  de  uma  vida  vacinada  contra 
daquele  que  nos  amou.  Porque  eu  estou  todas  as  dificuldades,  desertos,  tribulações  e  provações  é 
bem  certo  de  que  nem  a  morte,  nem  a 
88 Por que passamos por desertos?  89 Por que passamos por desertos? 

contrária  às  Escrituras.  É  um  desatino,  uma  ilusão  e  uma  como expressou o compositor sacro, parafraseando o apóstolo 


deturpação do Evangelho de nosso Senhor.   Paulo: 
O  Senhor  fez  uma  promessa  de  salvação  para  todo  Mas eu sei em quem tenho crido 

aquele que nele crê. Ele disse: “quem crê em mim tem a vida  E estou bem certo que é poderoso! 

eterna”  (Jo  6.47).  Assim  como  foi  com  Israel  será  conosco.  Guardará, pois, o meu tesouro 
Até o dia final.26 
Enfrentaremos os desertos, mas crendo que a terra prometida 
  Uma  vez  que  aprendemos  crer  em  Deus  com  esta 
está  bem  ali,  a  nos  esperar.  Por  isso,  podemos  dizer  como  o 
convicção, será mais fácil viver, quer na terra prometida quer 
salmista:  “Bendito  seja  o  Senhor  que,  dia  a  dia,  leva  o  nosso 
no  deserto.  Penso  que  era  esta  a  ideia  que  Moisés  tinha  em 
fardo! Deus é a nossa salvação” (Sl 68.19). 
mente  quando  proferiu  as  palavras  de  Deuteronômio  8  ao 
Se  quisermos  entender  os  desertos  da  vida,  como 
povo. 
sendo  o  ambiente  em  que  Deus  nos  prepara  para  receber  e 
   Depois  daqueles  quarenta  anos,  às  portas  da  Terra 
habitar  na  terra  prometida,  precisamos  responder  a  uma 
Prometida,  Moisés  dá  as  últimas  orientações  ao  povo.  Era  o 
pergunta: Qual é o resumo de tudo? 
momento de recapitular tudo o que foi aprendido ao longo da 
O sábio Salomão disse: “De tudo o que se tem ouvido, a 
caminhada.  Nesta  recapitulação  dos  anos  do  deserto,  uma 
suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque 
verdade  foi  enfatizada  por  Moisés:  “Não  te  esqueças  do 
isto é o dever de todo homem” (Ec 12.13). Tudo na vida é uma 
Senhor” (v.11). 
questão  de  obediência  ou  desobediência  a  Deus,  de  crer  ou 
  Os  especialistas  falam  da  memória  humana  como  um 
não crer na Palavra de Deus. A grande questão de Deus com o 
processo complexo, que envolve uma série de sistemas físico‐
povo era: “Até quando me provocará este povo e até quando 
químicos.  Por  várias  razões,  é  possível  que  alguns 
não  crerá  em  mim,  a  despeito  de  todos  os  sinais  que  fiz  no 
meio dele?” (Nm 14.11). O resumo de tudo é: crer em Deus. É 
26
  WHITTLE,  D.W.;  NELSON,  J.H.  A  Certeza  do  Crente  In:  Hinário  Novo 
essa fé verdadeira no Deus verdadeiro que nos faz expressar, 
Cântico. Cultura Cristã. São Paulo. 1999.  
90 Por que passamos por desertos?  91 Por que passamos por desertos? 

acontecimentos  não  sejam  recuperados  no  inconsciente.  Ou  depois de se multiplicarem os teus gados e 

seja,  alguns  acontecimentos  da  vida  se  perdem  para  sempre,  os  teus  rebanhos,  e  se  aumentar  a  tua 

como  se  nunca  tivessem  acontecido.  Temos  a  tendência  de  prata  e  o  teu  ouro,  e  ser  abundante  tudo 
quanto  tens,  se  eleve  o  teu  coração...  (Dt 
codificar,  armazenar  e  recuperar  em  nossa  memória  aquilo 
8.12‐14) 
que teve muito significa e relevância em nossa vida. 
  Como  é  paradoxal  esta  situação!  As  bênçãos  de  Deus 
  Quando  penso  nestas  coisas,  questiono  a  fala  de 
nos fazem esquecer dele. Não as bênçãos propriamente, mas a 
Moisés:  Como  é  possível  esquecer‐se  de  quem  te  fez  tanto 
maneira como lidamos com elas. Moisés expõe o pressuposto 
bem?  A  nossa  vontade  é  esquecer  quem  nos  fez  mal.  Não 
por detrás de nossa maneira leviana em lidar com as bênçãos 
desejamos  carregar  a  lembrança  de  quem  nos  ofende, 
de Deus, dizendo: “A minha força e o poder do meu braço me 
maltrata e fere.  
adquiriram estas riquezas” (v.17). 
  Mas, se Moisés alertou o povo para essa possibilidade 
Tudo  pertence  a  Deus.  Poder,  honra,  glória,  domínio 
foi  porque ela existia. Afinal,  uma coisa  é  você  lembrar‐se de 
são do Senhor. Ele é o dono. E, por ser dono dá a quem quer o 
Deus quando as coisas estão mal. Outra coisa é lembrar‐se de 
quer  bem  entender.  Davi  disse  algo  maravilhoso  sobre  esta 
Deus  quando  as  coisas  estão  bem.  É  como  se  Deus  existisse 
verdade: “Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, 
apenas  para  resolver  nossas  pendências  e  estabilizar 
na tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a 
novamente a nossa pacata e sossegada vidinha.  
tudo dar força” (1 Cr 29.12). Em outras palavras, se hoje você 
  O  que  Moisés  está  mostrando  para  Israel  é  isso:  uma 
está  num  grande  deserto,  é  por  Deus  que  você  está.  Mas,  se 
vida  tranquila  e  sossegada  não  pode  ser  pretexto  para 
hoje  você  está  usufruindo  do  leite  e  do  mel,  das  bênçãos  da 
esquecer‐se do Senhor. Moisés disse:  
Terra Prometida e nem se lembra mais do deserto, é também 
...  para  não  suceder  que,  depois  de  teres 
por Deus que você se encontra desta forma. 
comido e estiveres farto, depois de haveres 
edificado  boas  casas  e  morado  nelas; 
92 Por que passamos por desertos?  93 Por que passamos por desertos? 

Há  uma  parábola  de  Jesus  que  ilustra  muito  bem essa  Então  vi  no  meu  sonho  que,  ao  sair  do 

realidade.  Ela  narra  a  experiência  de  um  agricultor  que  teve  deserto, logo viram à frente uma cidade, e 

uma excelente colheita. Seria uma colheita tão grande que ele  seu  nome  era  Vaidade.  Lá  acontece  uma 


feira  chamada  Feira  das  Vaidades,  pos  a 
se  viu  obrigado  a  destruir  e  reconstruir  seus  celeiros  para 
cidade  é  mais  frívola  que  a  vaidade,  e 
guardar todo o mantimento que colheria. Ao final, ao ver seus 
também  poqeue  tudo  o  que  se  vende  ali 
celeiros  abarrotados  disse:  “...tens  em  depósito  muitos  bens 
ou  que  ali  chega  é  Vaidade.  Logo,  nessa 
para  muitos  anos;  descansa,  come,  bebe  e  regala‐te”  (Lc 
feira  vende‐se  todo  tipo  de  mercadoria, 
12.19). Foi a força do homem que fez produzir a terra? Foi seu 
como  casas,  terras,  negócios,  lugares, 
conhecimento  agronômico  que  o  possibilitou  a  grande  honrarias,  títulos,  países,  reinos,  paixões, 
colheita?  Não!  Mas,  foi  o  que  o  seu  coração  vaidoso  e  prazeres  e  deleites  de  toda  espécie,  como 
insensato o fez pensar.   também  meretrizes,  cafetinasesposas, 
O grande perigo que corremos depois de um deserto é  maridos,  filhos,  senhores,  servos,  vidas, 

a vaidade. Isso me lembra uma passagem de O Peregrino, de  sangue,  corpos,  almas,  prata,  ouro, 

John Bunyan. O livro de Bunyan é uma alegoria da vida cristã e  pérolas, pedras preciosas e tudo o mais. E, 
além  disso,  nessa  feira  sempre  se  vêem 
de  sua  jornada  à  Cidade  Celestial.  Nele  o  peregrino  Cristão  é 
mágicas,  engodos,  jogos,  brincadeiras, 
orientado  por  um  homem  chamado  Evangelista  que,  a  única 
palhaços,  mímicos,  ilusionistas  e  velhacos 
maneira  de  ver‐se  livre  do  fardo  que  carregava  era  seguir  o 
de  toda  a  sorte.  Ali  também  se  vêem,  e 
caminho  estreito  para  a  Cidade  Celestial.  Em  uma  das  etapas 
sem  motivo,  furtos,  assassinatos, 
da peregrinação, após ter passado pelo Vale da Humilhação e 
adultérios,  perjúrios,  tudo  bem  tingido  de 
da  Sombra  da  Morte,  descrito  como  um  grande  e  terrível  vermelho sangue.27  
deserto,  ele  encontra‐se  novamente  com  Evangelista,  que  o 
orienta acerca do que estava por vir. Evangelista diz:   27
 BUNYAN, John. O Peregrino. São Paulo. Mundo Cristão. 1999. p.122,123 
94 Por que passamos por desertos?  95 Por que passamos por desertos? 

A descrição da Feira das Vaidades é um resumo de tudo  A obediência a Palavra de Deus é a demonstração mais 
aquilo  que  teremos  que  encarar  depois  que  vencemos  os  marcante de que nós o amamos como Deus e o reconhecemos 
desertos.  Teremos  que  lidar  com  os  nossos  prazeres,  com  como Pai. É a nossa resposta direta ao seu amor para conosco. 
nossos  desejos,  vontade  e  emoções.  É  uma  grande  ilusão  É impossível amar a Deus e não obedecê‐lo. Isso se torna ainda 
pensar que não existem desafios e lutas na Terra Prometida.  mais  complexo,  quando  experimentamos  este  amor 
Uma  palavra  do  profeta  Samuel  ao  povo  nos  ajuda  a  caminhando  ao  nosso  lado,  nos  desertos  da  vida.  É 
definir  vaidade.  Ele  diz:  “...  não  vos  desvieis  de  seguir  o  exatamente  esse  amor  que  nos  aquece  na  noite  fria  e  nos 
SENHOR, mas servi ao SENHOR de todo o vosso coração. Não  refrigera  nos  dias  maus.  A  simples  obediência  aos 
vos desvieis; pois seguiríeis coisas vãs, que nada aproveitam e  mandamentos  e  juízos  de  Deus  é  a  maneira mais  humana  de 
tampouco  vos  podem  livrar,  porque  vaidade  são”  (1  Sm  dizer a ele: eu te amo. 
12.20,21).  Vaidade  é  deixar  de  seguir  a  Deus  para  seguir  o  O  apóstolo  João  expressou  isso  de  maneira  belíssima: 
próprio coração. Pois, quando deixamos de dar ouvidos à voz  “Pois  amar  a  Deus  é  obedecer  aos  seus  mandamentos.  E  os 
de  Deus  daremos  crédito  à  voz  de  nosso  coração,  que  nos  seus  mandamentos  não  são  difíceis  de  obedecer”  (1  Jo  5.3  ‐ 
conduzirá  por  aquilo  que  alegra  os  nossos  olhos.  Viveremos  NTLH).  
com  os  olhos  em  coisas  vãs  e  passageiras,  ao  invés  de  Além  de  obedecer  a  Palavra  de  Deus,  outra  atitude  é 
vivermos fitando o que é eterno.  necessária  para  não  esquecer‐se  de  Deus:  contar  os  seus 
Esquecer‐se  de  Deus  é  um  perigo  real  diante  da  Feira  poderosos  feitos.  Moisés  orientou  o  povo  para  que  não  se 
das  Vaidades.  Por  isso,  é  preciso  lembrar‐se  do  Senhor.  Para  esquecesse que foi o Senhor quem o libertou, ou não palavra 
Moisés, lembrar‐se do Senhor é o mesmo que obedecer à sua  do próprio líder de Israel:  
Palavra. Voltemos à recomendação de Moisés: “Guarda‐te não  ... que te tirou da terra do Egito, da casa da 

te  esqueças  do  SENHOR,  teu  Deus,  não  cumprindo  os  seus  servidão,  que  te  conduziu  por  aquele 

mandamentos, os seus juízos e os seus estatutos” (Dt 8.11).  grande  e  terrível  deserto  de  serpentes 


96 Por que passamos por desertos?  97 Por que passamos por desertos? 

abrasadoras, de escorpiões e de secura, em  bendirão.  Falarão  da  glória  do  teu  reino  e 


que  não  havia  água;  e  te  fez  sair  água  da  confessarão  o  teu  poder,  para  que  aos 
pederneira;  que  no  deserto  te  sustentou  filhos  dos  homens  se  façam  notórios  os 
com  maná,  que  teus  pais  não  conheciam;  teus  poderosos  feitos  e  a  glória  da 
para  te  humilhar,  e  para  te  provar,  e,  majestade do teu reino” (Sl 145.4,10‐12) 
afinal, te fazer bem. Antes, te lembrarás do   
SENHOR,  teu  Deus,  porque  é  ele  o  que  te  É impossível não reconhecer a obra de Deus em nossa 
dá  força  para  adquirires  riquezas;  para  vida.  Se  cremos  que  ele  está  no  controle  de  tudo,  somos 
confirmar  a  sua  aliança,  que,  sob 
levados  a  crer  que  cada  evento  de  nossa  vida,  inclusive  os 
juramento,  prometeu  a  teus  pais,  como 
desertos,  estão  sob  o  governo  metódico,  soberano  e 
hoje se vê.(Dt 8.14‐18). 
proposital de Deus. De maneira que a palavra de Paulo não é 
Para Moisés, ter na memória todos os acontecimentos 
apenas  uma  declaração  retórica  e  vazia,  mas  uma  profunda 
históricos  que  conduziram  o  povo  até  aquele  momento  era 
declaração  de  fé:  “Sabemos  que  todas  as  coisas  cooperam 
uma  forma  de  não  esquecer‐se  daquele  que  era  o  autor  de 
para  o  bem  daqueles  que  amam  a  Deus,  daqueles  que  são 
tudo aquilo. O salmista disse:  
chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). 
“Quem  saberá  contar  os  poderosos  feitos 
Charles Spurgeon, falando sobre os poderosos feitos de 
do SENHOR ou anunciar os seus louvores?” 
Deus, disse:  
(Sl 106.2)  
Deveríamos  persuadir‐nos  de  que,  depois 
E, 
de  tudo,  não  pode  haver  nada  mais 
“Uma  geração  louvará  a  outra  geração  as 
interessante  que  aquilo  que  é  verdadeiro, 
tuas  obras  e  anunciará  os  teus  poderosos 
e  que  nada  pode  deixar  uma  impressão 
feitos...  Todas  as  tuas  obras  te  renderão 
mais  viva  na  mente  que  as  histórias 
graças,  SENHOR;  e  os  teus  santos  te 
contidas  no  Livro  Sagrado.  Nada  pode 
98 Por que passamos por desertos?  99 Por que passamos por desertos? 

influenciar mais profundamente o coração  misericórdia. Mas, ela é percebida em atos e eventos de Deus 
de  uma  criança  como  as  obras  em nossas vidas. É a maneira misericordiosa de Deus em lidar 
maravilhosas  que  Deus  fez  nos  tempos  conosco  em  meio  aos  desertos  da  vida  é  que  nos  fazem 
antigos.28 
recobrar o ânimo. É nesse momento que Jeremias reconhece a 
Imagine  você  a  revolução  que  teríamos  se,  de  fato, 
bondade  de  Deus  (v.25,26,27).  Entende  que  somente  Deus 
nosso  coração  fosse  influenciado  pelos  poderosos  feitos  de 
pode  sustentá‐lo  e,  por  isso,  ele  pode  confiar  e  esperar  no 
Deus. Talvez, os desertos não seriam tão aterrorizantes.   
Senhor (v.24). 
Mas,  por  que  devemos  nos  lembrar  dos  poderosos 
Quer  estejamos  caminhando  num  grande  deserto  ou 
feitos de Deus? Creio que há pelo menos três razões para nos 
desfrutando de um tempo de refrigério, necessitamos de nos 
lembrar  dos  poderosos  feitos  de  Deus.  Primeira  razão  é  para 
lembrar  dos  poderosos  feitos  de  Deus  em  nossa  vida.  Assim, 
ter  nossa  esperança  renovada.  O  profeta  Jeremias  não  viveu 
nossa  esperança  estará  sempre  renovada.  E  nós  estaremos 
um  deserto  real,  mas  experimentou  a  dureza  de  um  deserto 
preparados para o que vier acontecer conosco. 
existencial quando da queda de Jerusalém. Sua tristeza, pesar 
Faça  um  exercício  mental  agora.  Lembre‐se  do  que 
e lamento aponta para o grande sofrimento que teve que lidar 
Deus  já  fez  em  sua  vida.  Traga  a  memória  o  dia  da  sua 
naquela  ocasião.  Mas,  foi  neste  contexto  que  ele  disse  uma 
conversão  [se  você  ainda  não  teve  um  encontro  pessoal  com 
das mais belas frases das Escrituras: “Quero trazer à memória 
Cristo,  este  é  o  momento].  Reflita  sobre  a  perda  de  alguém 
o que me pode dar esperança” (Lm 3.21). 
amado  e  como  Deus  te  sustentou  para  elaborar  e  superar  o 
É  neste  momento  que  o  profeta  se  lembra  das 
luto. Lembre‐se das decisões difíceis da vida que fizeram você 
misericórdias do Senhor (v.22). A misericórdia é algo abstrato. 
chorar e de como Deus enxugou cada lágrima. Você perceberá 
Nós  não  apalpamos,  cheiramos,  vemos  ou  provamos  a 
que em todos os momentos Deus estava lá ao seu lado, afinal 
Deus está presente até em nosso sofrimento. 
28
  SPURGEON,  Charles  Haddon.  Sermones  Del  Año  de  Avivamiento.  2  ed. 
Carlisle. El Estandarte de La Verdad. 1996. p.31.  
100 Por que passamos por desertos?  101 Por que passamos por desertos? 

Falando  sobre  a  confiança  em  Deus  em  meio  ao  Algumas  vezes  isso  acontece  por  não  termos  um  parâmetro 
sofrimento,  Ronaldo  Lidório  citou  uma  canção  de  Gana,  que  claro para seguir diante de uma determinada situação.  
diz:  O  apóstolo  Paulo  ensinou  algo  sobre  isto  à  Igreja  de 
Não  vivemos  para  celebrar  o  sofrimento;  Corinto (1 Co 10.1‐14). Falando sobre a vida cristã e a maneira 
nem para chorar;   correta  de  vivê‐la,  ele  evocou  o  exemplo  da  jornada  israelita 
Mas quando ele vier choraremos;  pelo  deserto.  Paulo  evocou  tanto  os  exemplos  positivos 
... no sofrimento há Deus; 
quanto  os  negativos,  para  que  os  coríntios  tivessem  a 
Não cremos na dor sem Deus; 
percepção da vontade de Deus para a vida de cada crente.  
Não cremos na dor sem Deus.29  
Quero  destacar  duas  falas  de  Paulo.  Na  primeira  ele 
O  cristianismo  [pelo  menos,  o  cristianismo  histórico] 
disse: “Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim 
não  tem  uma  visão  tão  negativa  do  sofrimento,  como  outras 
de  que  não  cobicemos  as  coisas  más,  como  eles  cobiçaram” 
religiões. Também não valoriza o sofrimento pelo sofrimento. 
(v.6).  Que  coisas  más  o  povo  cobiçou?  Os  versos  seguintes 
Mas,  crê  que  Deus  está  conosco  mesmo  nos  mais  difíceis 
falam  de  quatro  pecados:  idolatria;  imoralidade;  por  Deus  à 
momentos da vida. De fato, não cremos na dor sem Deus. Isso 
prova e murmuração.  
nos traz esperança. 
Todo  pecado  é  uma  afronta  a  Deus.  Entretanto,  estes 
Outra razão para trazer à memória os poderosos feitos 
pecados  parecem  ter  caído  na  predileção  humana  quando  o 
de Deus, é para entender quais atitudes devemos tomar. Ser o 
assunto  é  afrontar  a  Deus.  Olhar  o  caminhar  de  Israel  no 
mesmo  sempre,  não  é  um  atributo  que  pertencente  ao  ser 
deserto  é  testemunhar  que  estes  pecados  estavam  lá  e  que 
humano.  Somos  inconstantes.  Agimos  segundo  o  momento. 
suas consequências foram devastadoras. 
Muitas  vezes,  sem  pensar  nas  consequências  de  nossos  atos. 
Não  há  porque  cobiçar  aquilo  que  já  demonstrou  ser 
danoso para a vida espiritual de tantas pessoas, correto? Sim! 
29
  LIDÓRIO,  Ronaldo.  Liderança  e  Integridade.  Belo  Horizonte.  Editora 
Mas a prática tem dito o contrário. É comum ver pessoas que 
Betânia. 2008. p.18. 
102 Por que passamos por desertos?  103 Por que passamos por desertos? 

murmuram contra Deus quando passam por desertos. Alguns  que  é  comum  a  todos”.30  Para  ele,  todas  as  provações  e 


são  contumazes  nesta  prática.  Não  são  capazes  de  aprender  tentações  que  vivemos  são  vividas  por  todas  as  pessoas  da 
nem com a história de Israel nem com a sua própria.   terra.  Ou  seja,  as  provações  e  tentações  não  são  coisas  “de 
É  verdade  que  o  deserto  é  lugar  de  provação,  mas  é  outro mundo”.  
também  um  lugar  de  santificação  e  crescimento  espiritual.  Além disso, o apóstolo reconhece que é a fidelidade de 
Afinal, a terra que mana leite e mel é o nosso alvo. Quem não  Deus  que  não  permite  provação  maior  que  a  resistência  que 
é  capaz  de  ser  santo  no  deserto,  fatalmente  não  o  será  em  cada um tem para suportar. Como disse Kistemaker,“que forte 
Canaã. Israel demonstrou isso.  incentivo para cada crente! Que alívio saber que Deus colocou 
Portanto, a primeira fala de Paulo é uma alerta: Não se  limites!”.31  
deixem pelas paixões desordenadas nem pelas vozes dos ídolos  Essa mesma fidelidade divina, que mensura o limite de 
do  coração.  Somente  assim,  você  transformará  cada  deserto  nossas  forças,  também  provê  um  livramento  em  nossa 
da vida em um caminho de santidade e não num caminho de  provação.  Isso  é  o  mesmo  que  dizer  que,  todas  as  provações 
pecado e morte.   são  vencíveis.  Parece  estranho  dizer  isso,  pois  temos  a 
A segunda fala de Paulo que merece destaque é o verso  impressão  de  que  nossas  provações  são  invencíveis.  Você  se 
13: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas  lembra  dos  espias:  “Nós  fomos  até  a  terra  aonde  você  nos 
Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas  enviou.  De  fato,  ela  é  boa  e  rica,  como  se  pode  ver  por  estas 
forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá  frutas...  Mas  os  que  moram  lá  são  fortes,  e  as  cidades  são 
livramento, de sorte que a possais suportar”.  muito  grandes  e  têm  muralhas...  Além  disso,  vimos  ali  os 
Simon Kistemaker traduz a primeira parte deste verso,  descendentes  dos  gigantes”  (Nm  13.27,28,33  ‐  NTLH).  Eles 
assim:  “Nenhuma  tentação  sobreveio  a  vocês  exceto  aquela 
30
 KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento – 1 Coríntios. São 
Paulo. Cultura Cristã. 2004. p.467 
31
 Ibid., 467. 
104 Por que passamos por desertos?  105 Por que passamos por desertos? 

consideraram  que  as  cidades  e  seus  moradores  eram  Aprender  com  o  passado  pode  ser  árduo, 

invencíveis.  Por  isso,  tiveram  medo  de  encará‐los.  Havia  mas continuar na ignorância é dispendioso. 

gigantes  na  terra,  mas  havia  um  com  eles  que era  maior  que  Melhor aprender essas lições valiosas hoje 
que  procurar  por  centavos  no  deserto 
todos os gigantes juntos. Infelizmente, eles não se atentaram 
escaldante de amanhã.32 
para isso. 
Por fim, uma terceira e última razão para nos lembrar 
Ao  ler  as  Escrituras,  o  que  percebo  é  que  a  única 
dos  poderosos  feitos  de  Deus,  é  para  nunca  esquecer  que 
finalidade de um gigante é ser vencido (Js 13.12; 1 Sm 17.48‐
Deus  está  no  controle.  Moisés  disse:  “Antes,  te  lembrarás  do 
53;  2  Sm  21.15‐22  cf.  1  Cr  20.4‐8).  Não  há  tentação  ou 
SENHOR,  teu  Deus,  porque  é  ele  o  que  te  dá  força  para 
provação  invencível,  nem  deserto  intransponível,  mas  há  um 
adquirires  riquezas;  para  confirmar  a  sua  aliança,  que,  sob 
Deus que promete fazer de seus amados mais que vencedores 
juramento, prometeu a teus pais, como hoje se vê” (Dt 8.18). 
sobre todas essas coisas (Rm 8.35‐39). 
O  objetivo  de  Moisés  era  orientar  o  povo,  para  que 
Resumindo, o que Paulo está esclarecendo é que todas 
este não se deixasse levar por sua soberba e orgulho. Tanto o 
as  tentações  e  provações  no  deserto  são:  humanas, 
orgulho  quanto  a  soberba  são  sentimentos  conhecidos  pela 
proporcionais à força de cada um e vencíveis. Assim como foi 
humanidade  desde  a  queda.  Eles  tiveram  uma  presença 
com  Israel  será  também  conosco.  Porém,  nós  temos  o  seu 
decisiva  na  escolha  de  Adão  e  Eva.  Já  falamos  sobre  isso, 
exemplo  para  orientar  nossas  escolhas  e  direcionar  nossa 
anteriormente. Lembre‐se: Nossos primeiros pais queriam ser 
caminhada.  Como  disse  Paulo:  “Tudo  isso  aconteceu  com  os 
mais do que aquilo para o qual haviam sido criados. Eles foram 
nossos  antepassados  a  fim  de  servir  de  exemplo  para  os 
seduzidos  pelas  palavras  da  serpente.  Por  causa  do  orgulho 
outros,  e  aquelas  coisas  foram  escritas  a  fim  de  servirem  de 
eles  perderam  sua  santidade  e  integridade  originais, 
aviso para nós” (1 Co 10.11 – NTLH). 
Charles Swindoll escreveu algo muito apropriado sobre 
32
  SWINDOLL,  Charles.  Dia  a  dia  com  os  Heróis  da  Fé.  São  Paulo.  Mundo 
o aprendizado com o passado. Ele escreveu:  
Cristão. 2007. P.92 
106 Por que passamos por desertos?  107 Por que passamos por desertos? 

macularam  a  imagem  de  Deus  em  suas  vidas  (Gn  3).  Tudo  teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e 
porque  eles  queriam  ser  mais  do  que  eram  e do  que  pudiam  ficarei livre de grande transgressão” (Sl 19.13). 
ser.    O  sentimento  oposto  ao  orgulho  e  à  soberba  é  a 
Argumentando acerca da queda B. A. Demarest disse:  humildade.  Ser  humilde  não  é  ser  pobre  materialmente. 
É mais exato afirmar que, confrontada pela  Existem muitos pobres materialmente que são extremamente 
escolha  entre  submeter‐se  à  vontade  de  orgulhosos.  Biblicamente,  ser  humilde  é  reconhecer  quem 
Deus  e  asseverar  de  modo  ilícito  sua  Deus é e quem nós somos. Tal humildade colocará cada coisa 
própria  vontade,  Eva  escolheu  essa  última 
em  seu  devido  lugar,  organizando  a  vida  humana  na 
alternativa,  que,  por  sua  vez,  manifestou‐
perspectiva  de  Deus.  Daí  a  recomendação  apostólica: 
se  no  ato  de  comer  do  fruto  proibido. 
“Humilhai‐vos,  portanto,  sob  a  poderosa  mão  de  Deus,  para 
Primeiro  Eva  e  depois  Adão  violaram  o 
que ele, em tempo oportuno, vos exalte” (1 Pe 5.6). 
mandamento  divino,  revelando,  assim,  a 
  João Calvino comenta este verso, dizendo:  
sua decisão de se tornarem independentes 
de Deus e forjarem sozinhos o seu futuro.33   “Ele  [Pedro],  entretanto,  exorta  todos  os 
piedosos para se submeter à autoridade de 
  A soberba e o orgulho nunca fizeram bem ao homem. 
Deus...  mas,  como  nós  estamos 
Quaisquer  atitudes  baseadas  nestes  sentimentos  estão 
comumente acostumados ao medo, com o 
fadadas à ruína. Pois como disse o sábio Salomão: “A soberba 
receio  de  que  nossa  humildade  possa  ser 
precede  a  ruína,  e  a  altivez  do  espírito,  a  queda”  (Pv  16.18). 
uma  desvantagem  para  nós,  e  que  outros 
Por isso, Davi orou ao Senhor: “Também da soberba guarda o 
possam  por  esta  razão  crescer  mais 
insolentes; Pedro opõe‐se a esta objeção, e 
promete  eminência  para  todo  o  que  se 
33
  DEMAREST,  B.  A.  A  queda  do  homem.  In:  ELWELL,  Walter  A.(ed.)  humilhar.  Porém,  ele  acrescenta,  “em 
Enciclopédia  Histórico‐Teológica  da  Igreja  Cristã.  vol.  III.  São  Paulo.  Vida 
Nova. 1990. p. 222,223.   tempo  oportuno”,  para  que,  ao  mesmo 
108 Por que passamos por desertos?  109 Por que passamos por desertos? 

tempo,  pudesse  remover  também  a  nossas habilidades se mostram débeis diante das dificuldades 


pressa.  Ele,  então,  sugere  que  nos  é  que enfrentamos. É por milagre que não somos destruídos. E, 
necessário  aprender  a  humildade  agora,  por  que  estes  milagres  acontecem?  Porque  Deus  está  no 
embora, o Senhor conheça melhor quando 
controle.  
é oportuna a nossa exaltação”.34 
Gostaria  de  pensar  um  pouco  sobre  milagres.  Já  disse 
  O  Senhor  tem  autoridade  sobre  todas  as  coisas.  Sua 
que os milagres não são suficientes para fazer com que alguém 
autoridade  é  absoluta,  “porque  dele,  e  por  meio  dele,  e  para 
creia.  Contudo,  acredito  que  eles  são  capazes  de  fortalecer  a 
ele são todas as coisas” (Rm 11.36). Ou, como disse Abraham 
fé  dos  que  crêem  em  Deus.  C.S.  Lewis  fala  do  milagre  como 
Kuyper:  
sendo  a  ação  de  Deus  em  modificar  o  comportamento  da 
Nem  um  único  espaço  de  nosso  mundo 
matéria  existente  em  nosso  mundo,  sendo  este  um 
mental  pode  ser  hermeticamente  selado 
pressuposto  básico  da  fé  cristã.36  Em  outras  palavras,  o 
em relação ao restante, e não há um único 
milagre  é  quando  o  Deus  onipotente  age  sobre  a  sua  criação 
centímetro  quadrado  em  todos  os 
domínios  da  existência  humana  sobre  o  alterando as leis naturais por ele criadas. Poderia citar alguns 

qual  Cristo,  que  é  soberano  tudo,  não  exemplos:  um  mar  que  se  abre,  pão  que  cai  do  céu,  homens 
clame: é meu!35   que andam sobre as águas, mortos que ressuscitam. Afinal, o 
Quer  goste  quer  não,  Deus  é  o  soberano  senhor  de  Deus  que  criou  o  mundo  é  suficientemente  capaz  de  intervir 
todas as coisas. Tudo está sob o seu controle. Isso é algo que  em  sua  criação  mudar  o  comportamento  desta  criação  de 
devemos aprender nos desertos da vida. No deserto, todas as  acordo com a sua vontade. 

34
 Calvin, John. Commentary on the First Epistle of Peter. Albany. Books for 
the Ages. 1998. p.134. 
35
  KUYPER,  Abraham  apud.  CARVALHO,  Guilherme  Vilela  Ribeiro  da.  In: 
RAMOS,  Leonardo,  et    alli.  Fé  Cristã  e  Cultura  Contemporânea.  Viçosa. 
36
Ultimato. 2009. p.57   LEWIS, C.S. The Problem of Pain. New York. Simon & Schuster. 1996. p.30 
110 Por que passamos por desertos?  111 Por que passamos por desertos? 

Lembrar‐se dos poderosos feitos de Deus é lembrar‐se  para  ver  a  nossa  aflição  e  ouvir  as  nossas 

dos  seus  milagres.  Falar  de  milagres  é  falar  de  um  Deus  que  orações.37 

está absolutamente no controle de tudo.    Já que Deus está no controle de tudo e já mostrou isso 

 Tudo na história de Israel foi um milagre. E, em nossa  no  passado,  enquanto  caminhávamos  pelos  desertos  da  vida; 

vida não é diferente. A manutenção da vida, o pão de cada dia,  agora,  já  na  terra  prometida,  somos  desafiados  a  não  nos 

o  trabalho,  o  estudo,  as  descobertas  e  o  sucesso  foram  esquecer de seus feitos.  

manifestações  da  intervenção  da  poderosa  mão  de  Deus  em  Como já vimos, tal esquecimento é perigoso e possível. 

nossa  história.  Também  as  provações  foram  manifestações  Por isso, mais uma vez, Moisés alertou o povo, dizendo: 

desta mesma intervenção.  Se  te  esqueceres  do  SENHOR,  teu  Deus,  e 


andares após outros deuses, e os servires, 
É  consolador  e  animador  saber  que  o  Deus  em  quem 
e  os  adorares,  protesto,  hoje,  contra  vós 
cremos faz essas coisas com o poder de suas mãos, cumprindo 
outros  que  perecereis.  Como  as  nações 
rigorosamente cada uma de suas promessas estabelecidas em 
que  o  SENHOR  destruiu  de  diante  de  vós, 
sua aliança conosco. Deus não deu corda em sua criação e foi 
assim perecereis; porquanto não quisestes 
embora. Deus está no controle. Max Lucado escreveu: 
obedecer à voz do SENHOR, vosso Deus.(Dt 
Sabemos  que  Deus  está  no  controle  do 
8.19,20). 
universo  e,  por  isso,  podemos  descansar 
   O mesmo Deus que deu vitória ao povo, cumprindo as 
seguros.  Mas  também  é  importante  o 
promessas  de  sua  aliança,  é  o  mesmo  Deus  que  estava 
conhecimento  de  que  este  Deus  que  está 
disposto  a  cumprir  as  suas  ameaças  pactuais,  caso  Israel  o 
no  céu  escolheu  se  inclinar  para  a  terra 
desobedecesse ao entrar na terra. O alerta é uma forma de o 

37
  LUCADO,  Max.  Dias  Melhores  Virão.  Rio  de  Janeiro.  Thomas  Nelson. 
2007. p.19 
112 Por que passamos por desertos?  113 Por que passamos por desertos? 

Senhor dizer: “Eu me preocupo com o seu bem”. Afinal, a terra  Por  isso,  podemos  orar  como  o  salmista:  “Foi‐me  bom  ter  eu 
prometida  é  o  lugar  para  usufruir,  de  modo  especial,  as  passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Sl 
bênçãos  de  Deus.  Ela  é  um  lugar  de  gratidão  e  louvor.    É  um  119.71). 
lugar  de  lembrar  de  quem  Deus  é  e  do  que  ele  é  capaz  de   
fazer.   
Se  você  acaba  de  vencer  um  deserto.  Ou,  se  você  já 
avista  o  fim  de  sua  atual  tribulação.  Ou  ainda,  se  você  há 
muito  tempo  já  não  sabe  o  que  é  um  deserto  na  vida,  tenha 
sempre  em  mente:  “Até  aqui  o  Senhor  me  ajudou!  Glórias 
sejam dadas ao seu nome pelos séculos dos séculos”.  
Não  deixe  de  ser  grato  a  Deus.  Não  se  esqueça  de 
nenhum só de seus benefícios (Sl 103.2). O Deus que permitiu 
aquele longo e escaldante deserto em sua vida é o que hoje te 
faz forte, fiel e feliz.  
Tudo  o  que  somos  é  fruto  de  nosso  aprendizado.  Não 
aprendemos algo para não usar, mas para colocar em prática 
em nossa vida. Deus não te deu um tempo de aprendizado no 
deserto  somente  para  você  cumprir  um  determinado 
currículo.  Deus  quer  a  sua  resposta  prática  diante  da  vida 
como  um  todo.  Deus  quer  a  sua  obediência  irrestrita,  sua 
devoção  completa,  um  amor  incondicional  e  uma  gratidão 
absoluta. Tudo isso se aprende no deserto e se vive em Canaã. 
114 Por que passamos por desertos?  115 Por que passamos por desertos? 

a  Israel  no  deserto  e  nos  dá  folga  em  meio  às  nossas 
Considerações Finais 
tribulações. Orar pedindo folga é salutar, mas orar pedindo o 
 
término  da  tribulação  é  uma  perda  de  tempo  e  falta  de 
Quando  penso  nas  coisas  que  falamos  anteriormente, 
maturidade. 
fico  a  questionar  comigo  mesmo:  “Será  que  nossas  orações 
Por  que  falta  de  maturidade?  Simples.  Cristãos 
não estão erradas?” É muito comum ouvir em nossas Igrejas, 
maduros entendem que Deus molda o nosso caráter em meio 
grupos  familiares  e  reuniões  de  oração,  alguns  motivos  de 
aos desertos e tribulações da vida. Eles sabem que Deus está 
oração para que Deus cesse as tribulações na vida de alguém. 
no  controle  de  tudo  até  o  fim.  Eles  crêem  que  Deus  fará  o 
Dois  textos  vêm  a  minha  mente.  O  primeiro:  “Esperei 
melhor  por  ele  sempre.  Tal  maturidade  vem  da  experiência. 
confiantemente  pelo  SENHOR;  ele  se  inclinou  para  mim  e  me 
Como  disse  Paulo:  “E  não  somente  isto,  mas  também  nos 
ouviu  quando  clamei  por  socorro”  (Sl  40.1).  Enfatizamos  que 
gloriamos  nas  próprias  tribulações,  sabendo  que  a  tribulação 
Deus  ouviu  o  clamor  por  socorro  do  salmista,  livrando  do 
produz  perseverança;  e  a  perseverança,  experiência;  e  a 
lamaçal  no  qual  estava.  Mas,  pouco  falamos  da  espera 
experiência,  esperança”  (Rm  5.3,4).  Logo,  o  cristão  maduro 
confiante do salmista. 
sabe  que  todo  deserto  possui  começo,  meio  e  fim.  Esse 
Num  cristianismo  em  que  a  tribulação  é  sempre  vista 
conhecimento  lhe  dá  experiência  e  esperança.  Afinal,  esse 
como a manifestação do mal, não é de se admirar que poucos 
conhecimento  é  algo  que  foi  experimentado  e  comprovado. 
estejam dispostos a passar pela prova de sua fé e confiança no 
Ele sabe que Deus estará ao seu lado. Por isso, ele está certo 
Senhor. Logo, é mais fácil orar: “Socorro, Senhor”! 
de que tudo vai acabar muito bem. 
Outro  texto  que  fala  comigo,  diz:  “Em  meio  à 
Pensando  nisso,  quero  deixar  apenas  duas 
tribulação, invoquei o SENHOR, e o SENHOR me ouviu e me deu 
considerações  para  que  você  possa  refletir,  sobre  a  maneira 
folga”  (Sl  118.5).  Entendo  que  dar  folga  é  amenizar  a 
como você ora a Deus durante os desertos:  
tribulação e não tirá‐la por completo. Creio que Deus deu folga 
116 Por que passamos por desertos?  117 Por que passamos por desertos? 

A  primeira  consideração,  diz:  “Não  peça  a  Deus  para  Quando Deus caminha conosco até o deserto fica mais 


tirar o deserto da sua vida”. O deserto na vida do crente é uma  ameno. Ele nos conduzirá com a sua destra. Ele nos guiará por 
bênção. Pode não ser agradável (e nunca o é), mas é sempre  onde devemos ir. Se for necessário, Ele nos abrirá um caminho 
uma  bênção.  Lembre‐se:  bênção  é  tudo  aquilo  que  nos  alternativo.  Deus  nos  sustentará.  O  Senhor  nos  tomará  em 
aproxima  mais  de  Deus.  Se  a  alegria  nos  aproxima  de  Deus,  seus braços e para nos fazer ver que as suas benditas mãos são 
amém! Se a dor nos aproxima de Deus, amém!  mais fortes que os desertos e seu amor mais forte que a morte 
Agora pense: se os desertos são bênçãos de Deus para  (Ct 8.6). 
nos  aproximar  dele  e  para  nos  ensinar  a  sua  vontade,  Já disse: o deserto nunca é agradável. Porém, o deserto 
interromper um deserto significaria protelar uma experiência e  é sempre bom. A minha oração pessoal é que você possa ter 
um  aprendizado.  Parafraseando  o  velho  ditado:  “Para  que  encontrado  uma  resposta  para  as  suas  indagações  ou  que, 
aprender  amanhã  o  que  eu  povo  aprender  hoje”.  Esteja  pelo  menos,  tenha  aprendido  como  lidar  com  os  desertos. 
disposto a cumprir o currículo que Deus traçado para sua vida,  Afinal, mais cedo ou mais tarde os desertos virão.  
pois ele sabe o que é melhor para você.   
A  segunda  consideração,  diz:  “Peça  a  Deus  para     

caminhar  com  você  durante  o  deserto”.  Se  um  deserto  com 


Deus  é  difícil,  imagine  um  deserto  sem  Deus.  Uma  das  mais 
belas orações de Moisés ao Senhor foi: “Se a tua presença não 
vai comigo, não nos faças subir deste lugar” (Êx 33.15). Moisés 
sabia que o deserto seria difícil. Ele tinha a convicção de que 
enfrentaria inúmeros obstáculos. Por causa disso, ele pediu a 
companhia de Deus. 
118 Por que passamos por desertos?  119 Por que passamos por desertos? 

Referências:  Sobre o Autor 
BRAKEMEIER, Gottfried. Por que ser cristão? São Leopoldo. Sinodal. 2004.  
BUNYAN, John. O Peregrino. São Paulo Mundo Cristão. 1999. 
 Gladston  Cunha  é  pastor 
CALVIN, John. Commentary on the First Epistle of Peter. Albany. Books for 
the Ages. 1998.   presbiteriano  há  8  anos,  formado  em 
CALVINO,  João.  As  Institutas  da  Religião  Cristã.  3  vol.  São  Paulo.  Cultura  Teologia  pelo  Seminário  Rev.  Denoel 
Cristã. 2006.   N.  Eller  (BH).  Graduado  em  Teologia 
CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER. São Paulo. Cultura Cristã. 1999  pela  Escola  Superior  de  Teologia  da 
CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo. Cultura Cristã. 1997  Universidade Presbiteriana Mackenzie 
ELWELL,  Walter  A.(ed.)  Enciclopédia  Histórico‐Teológica  da  Igreja  Cristã.  (SP).  Mestre  em  Teologia  Pastoral 
vol. III. São Paulo. Vida Nova. 1990.   pelo  Centro  de  Pós‐graduação 
HINÁRIO NOVO CÂNTICO. São Paulo. Cultura Cristã. 1999.   Andrew  Jumper  (SP). Doutorando  em 
HOEKEMA, Anthony. Salvos pela Graça. São Paulo. Cultura Cristã. 1997.   Ministério  pelo  Andrew  Jumper/ 
KISTEMAKER,  Simon.  Comentário  do  Novo  Testamento  –  1  Coríntios.  São  Reformed  Theologial  Seminary.  É 
Paulo. Cultura Cristã. 2004.  muito bem casado com a Michele e o 
RAMOS,  Leonardo,  et    alli.  Fé  Cristã  e  Cultura  Contemporânea.  Viçosa.  super‐pai  da  Júlia.  Desde  2007  moro 
Ultimato. 2009.  
em Guarapari(ES), onde pastoreia a 1ª 
LEWIS, C.S. The Problem of Pain. New York. Simon & Schuster. 1996.   Igreja Presbiteriana de Guarapari 
LIDÓRIO,  Ronaldo.  Liderança  e  Integridade.  Belo  Horizonte.  Editora   
Betânia. 2008.  
Contato: 
LUCADO, Max. Dias Melhores Virão. Rio de Janeiro. Thomas Nelson. 2007.  
Conte‐me o que você achou do livreto. 
SPURGEON,  Charles  Haddon.  Sermones  Del  Año  de  Avivamiento.  2  ed. 
e‐mail: gcunha@ipb.org.br 
Carlisle. El Estandarte de La Verdad. 1996.  
SWINDOLL,  Charles.  Dia  a  dia  com  os  Heróis  da  Fé.  São  Paulo.  Mundo 
Cristão. 2007. 
 
 
 
 

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