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Conto “Um dia ideal para os peixes-banana”
Do livro “Nove estórias”
Trad.: Jário Dauster e Álvaro Gurgel
Editora do Autor
UM DIA IDEAL
PARA OS PEIXES-BANANA
8 J. D. Salinger
— Já disse que ele dirigiu muito bem, mamãe. Agora, por favor...
Pedi a ele para ficar perto da linha branca e tudo, e ele entendeu o que
eu queria dizer. E ficou. Procurou até não olhar para as árvores, dava
pra se ver. Por falar nisso, papai já consertou o carro?
— Ainda não. Eles querem quatrocentos dólares só para...
— Mamãe, o Seymour disse a papai que pagava o conserto. Não
há nenhuma razão para...
— Está bem, vamos ver. Como é que ele se comportou... no carro
e tudo?
— Muito bem.
— Ele continuou a te chamar daquela coisa horrorosa...
— Não. Agora inventou outro troço.
— O quê?
— Ah, quê que interessa, mamãe?
— Muriel, eu quero saber. Seu pai...
— Tá bem, tá bem. Ele me chama de Miss Vagabunda Espiritual
de 1948 — a moça disse, e deu uma risada.
— Não acho graça, Muriel, não acho a mínima graça. É horrível.
Na verdade, é triste. Quando eu penso como...
— Mamãe — a moça interrompeu — Escuta. Você se lembra
daquele livro que ele me mandou da Alemanha? Você sabe... aqueles
poemas em alemão. Onde é que eu enfiei aquele livro? Tenho me
danado de pensar...
— Está contigo.
— Tem certeza?
— Claro. Quer dizer, o livro está comigo. Está no quarto do
Freddy. Você deixou aqui e eu não tinha lugar na... Por quê? Ele está
querendo o livro?
— Não. Só me perguntou sobre ele, quando estávamos vindo para
cá. Queria saber se eu tinha lido.
— Mas era em alemão!
— Eu sei, querida. Isso não importa — disse a moça, cruzando as
pernas. — Ele disse que os poemas foram escritos pelo único grande
poeta deste século. Disse que eu devia ter comprado uma tradução ou
coisa parecida. Ou ter feito o favor de aprender alemão.
— Horrível. Horrível. E triste, na verdade, isso é que é. Seu pai
disse ontem à noite...
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— Mas isso é horrível. Onde é que você está queimada?
— Em tudo quanto é lugar, querida, por todo lado.
— Isso é horrível.
— Não vou morrer por causa disso.
— Me diga, você conversou com o tal psiquiatra?
— Bem, mais ou menos — a moça respondeu.
— O que é que ele disse? Onde estava o Seymour quando você
falou com ele?
— No Salão Oceano, tocando piano. Nessas duas noites, desde
que chegamos aqui, ele tem tocado piano.
— Bom, o quê que ele disse?
— Ah, pouca coisa. Ele é que veio falar comigo. Eu estava senta-
da ao lado dele ontem à noite, no bingo, e ele me perguntou se não era
o meu marido que estava tocando piano na outra sala. Disse que sim,
que era, e ele me perguntou se o Seymour tinha andado doente ou
coisa que o valha. Aí eu contei...
— Por quê que ele perguntou isso?
— Sei lá, mamãe. Acho que é porque ele está tão pálido e tudo.
Seja como for, depois do bingo ele e a mulher me convidaram para
tomar um drinque. Aí eu fui. A mulher dele era um horror. Você lem-
bra daquele vestido de noite pavoroso que vimos na vitrina da
Bonwit? Aquele que você disse que, para se usar, a gente tinha que ter
uma...
— O verde?
— Esse mesmo. E olha que ela tinha umas cadeiras imensas.
Ficou me perguntando se o Seymour era parente daquela tal de
Suzanne Glass que tem uma chapelaria na Avenida Madison.
— Mas o que é que ele disse? O médico.
— Ah, bom, nada de mais, realmente. Quer dizer, estávamos no
bar e tudo. Uma barulheira tremenda.
— Sei, mas você contou... contou o que ele tentou fazer com a
cadeira de sua avó?
— Não, mamãe. Não entrei em detalhes. Provavelmente vou ter
outra chance de conversar com ele. Ele passa o dia todo no bar.
— Ele falou se achava que era possível o Seymour ficar... você
sabe... esquisito ou qualquer coisa assim? Fazer alguma coisa contigo?
12 J. D. Salinger
— Ele não tira o roupão? Por quê?
— Sei lá. Acho que é porque está tão branco.
— Meu Deus, mas ele precisa de sol. Será que você não consegue
fazer ele tirar o roupão?
— Você conhece o Seymour — disse a moça, e cruzou as pernas
outra vez. — Ele diz que não quer que um bando de idiotas fique
olhando a tatuagem dele.
— Mas ele não tem nenhuma tatuagem! Ele arranjou alguma ta-
tuagem no exército?
— Não, mamãe. Não, minha querida — respondeu a moça, le-
vantando-se. — Escuta, talvez eu telefone para você amanhã.
— Muriel, agora presta atenção.
— Sim, mamãe — ela falou, pondo o peso do corpo sobre a perna
direita.
— Me telefona no instante em que ele fizer, ou disser, qualquer coisa
esquisita. Você sabe de quê que eu estou falando. Está me ouvindo?
— Mamãe, eu não tenho medo do Seymour.
— Muriel, quero que você me prometa.
— Tá bem, prometo. Até logo, mamãe. Dá um beijo no pai — ela
disse, e desligou o telefone.
***
(*) N. dos T. — No original, see more glass, cuja pronúncia é idêntica à do nome do
personagem principal, Seymour Glass.
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— Isso é difícil de dizer, Sybil. Ela pode estar em mil lugares. No
cabeleireiro, pintando o cabelo cor de vison. Ou fazendo bonecas para
as crianças pobres, no quarto dela.
Já agora deitado ao comprido, ele fechou as mãos e pôs uma
sobre a outra, como apoio para o queixo.
— Me pergunta outra coisa, Sybil. Esse teu maiô é bonito. Se há
uma coisa que eu gosto é de maiô azul.
Sybil olhou-o, espantada, e depois baixou os olhos em direção à
sua barriguinha protuberante.
— Esse maiô é amarelo — ela falou. — E amarelo.
— É? Chega aqui mais perto.
Sybil avançou um passo.
— Você tem toda a razão. Sou mesmo um bobo.
— Você vai entrar n'água?
— Estou considerando seriamente essa possibilidade. Acho que
você vai gostar de saber que estou pensando cuidadosamente no
assunto, Sybil.
Sybil cutucou a bóia de borracha que o rapaz às vezes usava
como travesseiro.
— Tá precisando de ar — ela disse.
— Isso mesmo. Ela está mais precisada de ar do que eu estou dis-
posto a admitir — falou, afastando as mãos e deixando o queixo
repousar sobre a areia. — Sybil, você está muito bonita. Dá gosto te
ver. Me fala sobre você.
Estendeu os braços para a frente e segurou os tornozelos da menina.
— Eu sou Capricórnio — ele falou. Quê que você é?
— A Sharon Lipschutz disse que você deixou ela sentar no banco
do piano ao teu lado.
— A Sharon Lipschutz disse isso?
Sybil assentiu vigorosamente com a cabeça.
O rapaz soltou os tornozelos de Sybil, recolhendo as mãos, e
deitou o lado do rosto sobre o antebraço direito.
— Bem, você sabe como são essas coisas, Sybil. Eu estava senta-
do lá, tocando. E você nem estava por perto. E a Sharon Lipschutz veio
e se sentou ao meu lado. Eu não podia empurrar ela pra fora, podia?
— Podia.
— Ah, não. Não podia fazer isso. Mas eu te digo o que é que eu fiz.
— O quê?
Um dia Ideal para os Peixes-Banana 15
— Fiz de conta que ela era você.
Sybil imediatamente curvou-se e começou a cavar a areia.
— Vamos pra água — ela disse.
— Está bem. Acho que a gente pode dar um jeitinho nisso.
— Na próxima vez, empurra ela pra fora.
— Empurra quem pra fora?
— A Sharon Lipschutz.
— Ah, a Sharon Lipschutz. Como esse nome aparece a toda hora.
Misturando memória e desejo.
O rapaz subitamente levantou-se. Olhou para o mar.
— Sybil, sabe o quê que nós vamos fazer? Vamos ver se pegamos
um peixe-banana.
— Um quê?
— Um peixe-banana — ele disse, desfazendo o laço do cinto do
roupão. Despiu o roupão. Tinha a pele muito branca, os ombros estrei-
tos, e usava um calção azul-pavão. Dobrou o roupão, em dois e em
três. Desenrolou a toalha de que se servira para cobrir os olhos, esten-
deu-a sobre a areia e pôs sobre ela o roupão dobrado. Abaixou-se para
pegar a bóia e enfiou-a sob o braço direito. Feito isso, deu a mão livre
para Sybil e saíram andando em direção ao mar.
— Imagino que você já tenha visto muitos peixes-banana na tua
vida — disse o rapaz.
Sybil fez que não com a cabeça.
— Não viu? Afinal, onde é que você moral
— Não sei.
— Claro que sabe. Tem que saber. A Sharon Lipschutz sabe onde
é que ela mora, e só tem três anos e meio.
Sybil parou e desprendeu-se, com um arranco, da mão dele.
Pegou uma concha comum de praia e examinou-a com exagerado
interesse. Jogou-a fora.
— Whirly Wood, em Connecticut — ela disse, e recomeçou a
andar, barriga estufada para a frente.
— Whirly Wood, em Connecticut — ele repetiu. — Será que, por
acaso, essa cidade fica perto de Whirly Wood, em Connecticut?
Sybil olhou para ele.
— É lá que eu moro — falou, impaciente. — Eu moro em Whirly
Wood, Connecticut.
16 J. D. Salinger
Correu alguns passos à frente dele, agarrou o pé esquerdo com a
mão esquerda e deu uns dois ou três pulos.
— Você não faz idéia como isso esclarece tudo — o rapaz disse.
Sybil largou o pé e perguntou: — Você já leu "Sambo, o
Negrinho"?
— Gozado você me perguntar isso. Acontece que eu acabei de ler
esse livro ontem de noite — ele respondeu. Estendeu o braço e tomou
novamente a mão de Sybil. — Você gostou?
— Os tigres todos ficaram correndo em volta daquela árvore?
— Pensei que nunca mais iam parar. Nunca vi tanto tigre.
— Tinha só seis — ela falou.
— Só seis! Você chama isso de só?
— Você gosta de cera? — Sybil perguntou.
— Gosto de quê?
— Cera.
— Gosto muito. Você não gosta?
Sybil concordou com a cabeça.
— Você gosta de azeitona? — Sybil perguntou.
— Azeitona? Adoro. Azeitona e cera. Nunca vou a lugar nenhum
sem levar um estoque de azeitonas e cera.
— Você gosta da Sharon Lipschutz?
— Gosto. Gosto sim — o rapaz respondeu. — O que eu mais gosto
nela é que ela nunca maltrata os cachorrinhos no saguão do hotel. Por
exemplo, aquele buldoguezinho da moça do Canadá. Você provavel-
mente não vai me acreditar, mas algumas menininhas gostam de
espetar aquele cachorrinho com um pedaço de pau. A Sharon não. Ela
nunca faz nenhuma maldade. E por isso que eu gosto tanto dela.
Sybil ficou calada.
— Eu gosto de mastigar vela — ela disse, finalmente.
— Quem não gosta? — o rapaz falou, molhando os pés. — Opa!
A água tá fria.
Jogou a bóia dentro d'água.
— Não, espera um instante, Sybil. Espera até a gente entrar mais
um pouco.
Foram andando até a água atingir a cintura de Sybil. Aí o rapaz
levantou-a e a deitou de bruços sobre a bóia.
— Você nunca usa uma touca de cabelo nem nada? — ele per-
guntou.
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— Viu o quê, meu bem?
— Um peixe-banana.
— Deus meu! Não diga! Ele estava com alguma banana na boca?
— Tava — ela respondeu. — Com seis.
O rapaz de repente segurou um dos pés molhados de Sybil, que
pendia da beirada da bóia, e o beijou.
— Ei! — disse a proprietária do pé, virando-se para trás.
— Ei coisa nenhuma! Agora vamos voltar. Você já brincou bas-
tante?
— Não!
— Sinto muito — disse ele, e empurrou a bóia até a praia, onde
Sybil desembarcou. Puxou a bóia até onde tinha deixado suas coisas.
— Té logo — ela falou, e correu sem remorso na direção do hotel.
O rapaz vestiu o roupão, fechou cuidadosamente a gola e enfiou
a toalha no bolso. Apanhou a bóia molhada e escorregadia, incômoda
de carregar, e ajeitou-a sob o braço. Seguiu sozinho, devagar pela areia
fofa e quente, a caminho do hotel.
No subsolo do hotel, por onde os banhistas eram obrigados a
entrar, uma mulher com o nariz coberto de pomada tomou o elevador
junto com o rapaz.
— Por quê que você está olhando para os meus pés? — ele lhe
perguntou, quando o elevador se pôs em movimento.
— O quê que o senhor disse?
— Perguntei porque é que você está olhando para os meus pés.
— O senhor vai me desculpar, mas acontece que eu estava olhan-
do para o chão — a mulher falou, e encarou a porta do elevador.
— Se quer olhar para a droga dos meus pés, diga logo. Mas não
precisa ficar olhando escondido.
— Deixa eu saltar aqui mesmo, por favor — a mulher disse rapi-
damente para a ascensorista.
As portas se abriram e a mulher saiu, sem olhar para trás.
— Eu tenho dois pés normais, pomba, e não admito que ninguém
fique olhando para eles — o rapaz falou. — Quinto, por favor.
Tirou a chave do bolso do roupão. Desceu no quinto andar, cami-
nhou ao longo do corredor e entrou no 507. O quarto cheirava a mala
de couro nova e a removedor de esmalte de unhas.
Olhou de relance na direção da moça que dormia numa das
camas-gêmeas. Caminhou até uma das maias, abriu-a e, sob uma pilha
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