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fevereiro 2008

LITERATURA

A biblioteca e seu inferno


A exposição nos permite questionar os códigos morais ou o que parece se
estabelecer como moralmente aceitável, a partir dessa literatura que vai
justamente pesquisá-los, como, por exemplo, o Marcel Proust de Sodoma e
Gomorra e o drama dos “invertidos”.

Pablo Simpson

Girardin, quadra da Porta Saint-Martin, suas bocas são passavelmente grandes...


11 luíses.

Emilie Gavaudin, adorável travessa, que não é neutra no prazer, olhos vivos e
tentadores; estreou em Montpellier com uma Lojista de Moda. Sua irmã,
preocupada em sustentar a família, fez com que ela viesse a Paris há alguns
anos; ela atendeu perfeitamente às suas esperanças... 4 luíses.

Buret, excelente para o duo, proprietária de uma bela jóia; seus ternos gemidos,
verdadeiros ou falsos nos instantes supremos, são totalmente agradáveis... 10
luíses.

Os anúncios acima são mesmo um convite. Não chegam a ser novidade numa
Paris luminosa, embora com seus becos escuros, insuspeitos. No caminho que
separa as portas Saint-Martin e Saint-Denis do centro comercial Les Halles, há
mesmo, a cada momento, um gestual discreto, casacos de pele, um cigarro:
curiosamente no mesmo lugar de onde partiam as peregrinações à Basílica de
Saint-Denis, na Idade Média. Mas há outros anúncios. Seguindo pela linha 10 do
metrô, uma estação abandonada, a Cruz vermelha, vê o seu eixo religioso
subitamente pender para um dos lados. Torna-se um X rosa, referência erótica.
Para um viajante menos distraído, nos poucos segundos que dura o espetáculo-
instalação, surgem breves desenhos de nus.

“Passavelmente”: é difícil traduzir o que se exprime como “aceitavalmente”


(passablement) em cada época, tanto mais perdendo-se a sugestão do intercurso
e de suas proibições. Numa decisão pouco controversa, em 1836, a Biblioteca
Nacional da França decidiu separar de suas coleções um conjunto de livros.
Tirá-los das estantes, catalogá-los à parte, pedir a seus leitores cartas de
justificativa para a consulta. Da lista constavam, como já se podia esperar,
romances do marquês de Sade, textos libertinos, muitos deles produzidos
durante o período da Revolução, títulos como os sugestivos Listas de todos os
padres surpreendidos em flagrante delito com as moças-públicas de Paris sob o
Antigo Regime, com nome, residência onde as moças foram encontradas, e o
detalhe dos diferentes divertimentos que tiveram com elas ou Os bordéis de
Paris, com nome, endereços e preço, ambos publicados em 1790. Obras
satíricas, licenciosas, políticas: O elogio das tetas (1889), A França fodida,
tragédia lúbrica e realista em três atos e em versos (1799). Livros que
“contrariavam os bons costumes”. A eles se somaram, em 1870, sob o título de
“Singularidades da arte”, algumas obras do gabinete de gravuras, como sensuais
águas-fortes de Géraud Vidal (1742-1801).

Foram intituladas O Inferno, coleção que é pela primeira vez exibida pela
Biblioteca François Mitterrand até o dia 22 de março, acompanhada por uma
instalação na estação de metrô Croix Rouge. São livros, livros ilustrados e

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imagens, cujo primeiro inventário foi estabelecido pelo poeta Gustave Apollinaire
em 1913. Coleção pesquisada por Pascal Pia [1], acrescida de romances do
século XX, como os de Pierre Louÿs, Louis Aragon ou Georges Bataille, que
teorizou sobre o assunto. Ou da antologia de Germain Amplecas, intitulada A
obra libertina dos poetas do século XIX, publicada em 1910, que reúne textos de
Alfred de Musset, Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine, lembrando-nos da tradição
de poesia libertina no Brasil, desde Gregório de Matos, Laurindo Rabelo ou
Bernardo Guimarães e seu Elixir do Pajé:

Que tens, caralho, que pesar te oprime


Que assim te vejo murcho e cabisbaixo
Sumido entre essa basta pentelheira,
Mole, caindo pela perna abaixo?

Fescenino, falo, fascínio

Literatura pornográfica, poesia fescenina. Vários nomes e categorias, por vezes,


precisas. Na coleção, há um gênero dedicado apenas às flagelações. São livros
como A condessa com o chicote, bela e terrível, de Pierre Dumarchey (1908), ou
O Amor chicoteado, de Gaston Vincennes (1930), escritos sob pseudônimo.
Apropriam-se, do mesmo modo, outros gêneros literários: o poema épico ou o
romance filosófico. Um deles, Tereza filósofa, atribuído a Jean-Baptiste de Boyer,
o marquês d’Argens, datado de 1748 e inspirado num fait divers da época,
reveste-se da verve do panfleto anti-religioso: “Imbecis mortais, pensam que
são mestres em apagar as paixões que a natureza pôs em vocês: elas são obra
de Deus!” [2]. Trata-se de um romance de aprendizado, de certo modo, às
avessas: aprendizado do corpo. Da experiência erótica e dos “vícios” resultam
asserções morais desde seu início, que serão comprovadas com o relato das
descobertas da narradora. Num de seus trechos:

Assim que entrei em meu quarto, prosternei-me de joelhos para pedir a Deus a
graça de ser tratada como minha amiga. Meu espírito estava numa agitação
próxima do furor, um fogo interior me devorava. Tanto em pé, tanto sentada,
freqüentemente de joelhos, não encontrava nenhuma maneira com que pudesse
me fixar. Joguei-me na cama. A entrada daquele membro rubicundo na parte de
Mademoiselle Erádice não saía de minha imaginação (...)

De todo modo: fescenino, esse termo que vem do latim fascinus e que traduz o
grego phallos, órgão sexual masculino. Fascínio que detém o olhar a ponto de ele
não poder libertar-se, para o escritor contemporâneo Pascal Quignard, autor de
O sexo e o pavor (1994). E pornográfico: pintura da prostituída, como os
desenhos de Parrhasius de Ephesus que o imperador Tibério, no ano 14,
colecionava em seu quarto, como informa Quignard nesse livro em que pretende
compreender a passagem do erotismo grego à Roma imperial. Poesia fescenina,
portanto, já nos autores gregos e romanos. Dedicada ao deus Priapo, protetor da
fecundidade, foi traduzida em português por João Ângelo Oliva Neto em edição
cuidadosa sob o título de Falo no jardim: priapéia grega, priapéia latina (2006).
Na exposição, proibida para menores de 16 anos, um “falo” gigante, por vezes
com homenzinhos ao lado descendo de escadas – o Phallus phénoménal de
Dominique-Vivant Denon (1747-1825) – parece evocar o Gulliver na terra de
Liliput. Outras imagens, dessa vez da anatomia feminina, de Jean-Jacques
Lequeu (1757-1826), prenunciam a polêmica Origem do mundo, de Gustave
Courbet [3].

Erotismo e literatura

Reunidos esses livros e imagens, a exposição revela, no entanto, a história da


constituição desse acervo – o Inferno – e sua gradativa aceitação. Ela é recente,
data dos anos 1950. Coincide com a reflexão teórica de Georges Bataille em O
erotismo (1957), em que observaria na experiência erótica um modo de reatar
com um estado de comunicação entre os homens através da morte: experiência
erótica e morte tão próximas em Bataille. Em A literatura e o mal, também de
1957, Bataille reabilitaria a produção de Sade e ofereceria umas das primeiras
leituras da obra de Jean Genet. É o ano em que publica, igualmente, sob o
pseudônimo de lord Auch, falsificação freqüente aos romances libertinos, a
História do olho, escrito nos anos 1930.

Tal aceitação, porém, no caso dos romances pornográficos, e no contexto da


crítica norte-americana e inglesa, estaria longe ainda de aproximá-los do que se
constitui como “literatura”. Em A imaginação pornográfica (1987), Susan Sontag

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expõe algumas razões para isso: a diversidade de funções – a literatura erótica


estaria voltada para um certo divertimento, diga-se assim –, além da ausência
de estrutura, da suposta falta de cuidado pela expressão artística e da
representação degradada da condição humana. Mesmo o apelo comercial
prejudicaria a sua avaliação, como no conselho que, não sem ironia, Karl faria à
Tiu nas Cartas de um sedutor, de Hilda Hilst:

Tiu, não tem essa de ascese e abstração. Escritor não é santo, negão. O negócio
é inventar escroteria, tesudices, xotas na mão, os caras querem ler um troço
que os faça esquecer que são mortais e estrume. Continua: Tiu, com tua mania
de infinitude quem é que vai te ler? Aposto que serei o primeiro na vitrina e tu lá
nos confins da livraria. (...)

A exposição da Biblioteca François Mitterand revela, no entanto, também o


fascínio que vão exercendo as imagens. Surgem em edições cada vez mais
elaboradas graficamente. Mostram-se, ademais, no filme recuperado, O Ateliê
Faiminette, feito no início dos anos 1920. Sem elas, aliás, haveria apenas os
livros – pequeninos em sua maior parte, para ler com uma só mão – abertos ao
acaso, no interior de caixas de vidro, como convidando-nos a requisitá-los num
outro momento ao Departamento de Obras Raras ou a comprá-los em suas
edições recentes, muitas sem ilustração.

A exposição nos permite, por fim, questionar os códigos morais ou o que parece
se estabelecer como moralmente aceitável, a partir dessa literatura que vai
justamente pesquisá-los, como o Marcel Proust de Sodoma e Gomorra e o drama
dos “invertidos”: homossexualismo ausente, não fossem as edições das obras de
Genet, do acervo de imagens exibido. A literatura, como a biblioteca, torna-se a
representação do inferno, esse lugar que até o surgimento do gênero
apocalíptico era morada das sombras – o castigo do pecador era a vida infeliz ou
a morte. Inferno que nos lembra de seu caráter também perigoso, a um só
tempo confortante (em todos os sentidos, aliás) e desconfortável. Escrita, muitas
vezes, além disso, no caso da literatura erótico-pornográfica, com notável senso
de comunicação. Diante dele é possível mesmo esquecer de outra mitologia
freqüente à representação de uma biblioteca e de sua literatura, a da Torre de
Babel.

[1] Pia, Pascal. Les livres de l’Enfer, du XVIe siècle à nos jours (Os livros do Inferno, do século XVI a
nossos dias), Fayard, 1998.

[2] O texto foi adaptado ao teatro por Jean-Louis Pinte e encenado em Paris no ano passado.

[3] A tela de Courbet foi retomada por André Masson na edição de 1964 de A morte, de Georges
Bataille

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