Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
br/imprima2241
fevereiro 2008
LITERATURA
Pablo Simpson
Emilie Gavaudin, adorável travessa, que não é neutra no prazer, olhos vivos e
tentadores; estreou em Montpellier com uma Lojista de Moda. Sua irmã,
preocupada em sustentar a família, fez com que ela viesse a Paris há alguns
anos; ela atendeu perfeitamente às suas esperanças... 4 luíses.
Buret, excelente para o duo, proprietária de uma bela jóia; seus ternos gemidos,
verdadeiros ou falsos nos instantes supremos, são totalmente agradáveis... 10
luíses.
Os anúncios acima são mesmo um convite. Não chegam a ser novidade numa
Paris luminosa, embora com seus becos escuros, insuspeitos. No caminho que
separa as portas Saint-Martin e Saint-Denis do centro comercial Les Halles, há
mesmo, a cada momento, um gestual discreto, casacos de pele, um cigarro:
curiosamente no mesmo lugar de onde partiam as peregrinações à Basílica de
Saint-Denis, na Idade Média. Mas há outros anúncios. Seguindo pela linha 10 do
metrô, uma estação abandonada, a Cruz vermelha, vê o seu eixo religioso
subitamente pender para um dos lados. Torna-se um X rosa, referência erótica.
Para um viajante menos distraído, nos poucos segundos que dura o espetáculo-
instalação, surgem breves desenhos de nus.
Foram intituladas O Inferno, coleção que é pela primeira vez exibida pela
Biblioteca François Mitterrand até o dia 22 de março, acompanhada por uma
instalação na estação de metrô Croix Rouge. São livros, livros ilustrados e
1 de 3 28/8/2008 13:40
http://diplo.uol.com.br/imprima2241
imagens, cujo primeiro inventário foi estabelecido pelo poeta Gustave Apollinaire
em 1913. Coleção pesquisada por Pascal Pia [1], acrescida de romances do
século XX, como os de Pierre Louÿs, Louis Aragon ou Georges Bataille, que
teorizou sobre o assunto. Ou da antologia de Germain Amplecas, intitulada A
obra libertina dos poetas do século XIX, publicada em 1910, que reúne textos de
Alfred de Musset, Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine, lembrando-nos da tradição
de poesia libertina no Brasil, desde Gregório de Matos, Laurindo Rabelo ou
Bernardo Guimarães e seu Elixir do Pajé:
Assim que entrei em meu quarto, prosternei-me de joelhos para pedir a Deus a
graça de ser tratada como minha amiga. Meu espírito estava numa agitação
próxima do furor, um fogo interior me devorava. Tanto em pé, tanto sentada,
freqüentemente de joelhos, não encontrava nenhuma maneira com que pudesse
me fixar. Joguei-me na cama. A entrada daquele membro rubicundo na parte de
Mademoiselle Erádice não saía de minha imaginação (...)
De todo modo: fescenino, esse termo que vem do latim fascinus e que traduz o
grego phallos, órgão sexual masculino. Fascínio que detém o olhar a ponto de ele
não poder libertar-se, para o escritor contemporâneo Pascal Quignard, autor de
O sexo e o pavor (1994). E pornográfico: pintura da prostituída, como os
desenhos de Parrhasius de Ephesus que o imperador Tibério, no ano 14,
colecionava em seu quarto, como informa Quignard nesse livro em que pretende
compreender a passagem do erotismo grego à Roma imperial. Poesia fescenina,
portanto, já nos autores gregos e romanos. Dedicada ao deus Priapo, protetor da
fecundidade, foi traduzida em português por João Ângelo Oliva Neto em edição
cuidadosa sob o título de Falo no jardim: priapéia grega, priapéia latina (2006).
Na exposição, proibida para menores de 16 anos, um “falo” gigante, por vezes
com homenzinhos ao lado descendo de escadas – o Phallus phénoménal de
Dominique-Vivant Denon (1747-1825) – parece evocar o Gulliver na terra de
Liliput. Outras imagens, dessa vez da anatomia feminina, de Jean-Jacques
Lequeu (1757-1826), prenunciam a polêmica Origem do mundo, de Gustave
Courbet [3].
Erotismo e literatura
2 de 3 28/8/2008 13:40
http://diplo.uol.com.br/imprima2241
Tiu, não tem essa de ascese e abstração. Escritor não é santo, negão. O negócio
é inventar escroteria, tesudices, xotas na mão, os caras querem ler um troço
que os faça esquecer que são mortais e estrume. Continua: Tiu, com tua mania
de infinitude quem é que vai te ler? Aposto que serei o primeiro na vitrina e tu lá
nos confins da livraria. (...)
A exposição nos permite, por fim, questionar os códigos morais ou o que parece
se estabelecer como moralmente aceitável, a partir dessa literatura que vai
justamente pesquisá-los, como o Marcel Proust de Sodoma e Gomorra e o drama
dos “invertidos”: homossexualismo ausente, não fossem as edições das obras de
Genet, do acervo de imagens exibido. A literatura, como a biblioteca, torna-se a
representação do inferno, esse lugar que até o surgimento do gênero
apocalíptico era morada das sombras – o castigo do pecador era a vida infeliz ou
a morte. Inferno que nos lembra de seu caráter também perigoso, a um só
tempo confortante (em todos os sentidos, aliás) e desconfortável. Escrita, muitas
vezes, além disso, no caso da literatura erótico-pornográfica, com notável senso
de comunicação. Diante dele é possível mesmo esquecer de outra mitologia
freqüente à representação de uma biblioteca e de sua literatura, a da Torre de
Babel.
[1] Pia, Pascal. Les livres de l’Enfer, du XVIe siècle à nos jours (Os livros do Inferno, do século XVI a
nossos dias), Fayard, 1998.
[2] O texto foi adaptado ao teatro por Jean-Louis Pinte e encenado em Paris no ano passado.
[3] A tela de Courbet foi retomada por André Masson na edição de 1964 de A morte, de Georges
Bataille
3 de 3 28/8/2008 13:40