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Revista SymposiuM

Gagueira: a estrutura da not interpret the stammerer (he gets lost) or be-
comes silent. In this way, the stammerer becomes
língua desestruturando silent and frustrated whenever there is the possi-
o discurso bility of discourse.

Key words: Stammer, tongue, speech, language,


Nadia Pereira Gonçalves de Azevedo*
speech therapy.
Resumo

E
O presente artigo trata de uma reflexão sobre a m minha prática, leciono disciplinas rela-
gagueira, sob o ponto de vista discursivo. Pro- cionadas à linguagem e encontro, na
cura-se analisar e comparar o discurso de três gagueira, um lugar de descobertas e profun-
sujeitos portadores de gagueira, em atendimen- do desejo de atravessar sua opacidade, compreen-
to fonoaudiológico, procurando evidenciar a dendo seus mistérios.
relação de desarmonia existente entre língua e
fala, onde a primeira é excessivamente podero- O presente texto visa a uma reflexão sobre a
sa, contribuindo para o rompimento ou relação de desequilíbrio entre língua e discurso1 na
desestruturação da linguagem, sempre que há o gagueira, na qual língua tem uma massa poderosa,
estado de (pré) locução. Observa-se que o abalando e desestruturando o discurso que, sem o
desequilíbrio entre língua e fala na gagueira, onde equilíbrio necessário, se rompe, aparecendo auto-
a normatização da língua aprisiona o discurso, corrigido, incoerente ou, em outros momentos, dei-
gera efeito de deslocamento no outro, que não xando de acontecer em conseqüência da estrutu-
interpreta o sujeito gago (dispersa-se) ou o si- ra, do medo da falha em sua elaboração.
lencia. Assim sendo, o sujeito gago é calado e Partindo da aquisição de linguagem, contem-
frustrado, sempre que há a possibilidade de dis- plo a gênese da gagueira através de enfoques
curso. socioemocional e psicanalítico. Em seguida, pro-
curo analisar e comparar três pacientes gagos a
Palavras-chave: gagueira, discurso, linguagem, partir de seus discursos registrados em sessões
fonoaudiologia. fonoaudiológicas. É importante esclarecer que não
me detenho à história de cada caso ou à transcri-
ção discursiva, mas a interpretar relatos e obser-
Abstract
vações realizados em momentos diferentes da te-
rapia fonoaudiológica, que considero relevantes,
This paper reflects on stammer in a discursive ap-
na medida em que apóiam e constituem a funda-
proach aiming at analyzing and comparing the
mentação teórica deste texto.
speech of three stammerers being assisted by a
speech therapist. It also tries to show the different
A maioria dos estudiosos da gagueira se ocu-
relation between language and speech, knowing
pa da sincronia de seu processo, ou seja, da descri-
that the former is very powerful and contributes
ção dos enunciados representativos ou do levan-
to disrupting or to de-structuring language in the
tamento dos sintomas. Friedman (1986) busca ex-
(pre)-utterance state. The imbalance between lan-
plicar o processo diacrônico da mesma, na medida
guage and speech in stammering (as long as lan-
em que se volta à gênese da gagueira.
guage normatization ties the speech) results in a
displacement effect in the other person who can-
A criança adquire linguagem em um percur-
___________________
* Professora-assistente do curso de Fonoaudiologia, Depto. de Psi- so singular, através da linguagem do outro (mãe,
cologia da UNICAP. pai) que a interpreta. É através do procedimento
Mestranda em Fonoaudiologia pela PUC, SP. comunicativo, ou ação sobre o outro, e do proce-

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dimento cognitivo, enquanto ação sobre o mundo, presentações são globais, uma vez que abarcam a
que a criança passa a construir o seu objeto lin- totalidade da identidade (Ex: Você é lindo!); ou-
guagem, para, enfim, dele se apropriar. tras, parciais, representando um traço físico ou
atividade (Ex: Seus olhos são lindos! Você joga
Em seu texto “Processos Metafóricos e muito bem futebol!).
Metonímicos”, Cláudia de Lemos remete ao outro
a instância de funcionamento da língua constituí- O que produz prazer narcisista se cultiva (a
da, ocupando a posição de discurso. É ele quem satisfação tende a repetir-se). Na gagueira, ao con-
“deve submeter os significantes da criança a pro- trário da satisfação, há o antiprazer narcisista, a
cessos metafóricos e metonímicos, de tal forma que constatação, logo na primeira infância, da inabi-
haja uma re-significação através da relação com lidade para a linguagem, do silêncio4 imposto pelo
outros significantes” (Lemos, 1992, p. 128). interlocutor (opressor), o que leva a crianaça a per-
ceber-se como um sujeito que apresenta dificul-
Os processos intersubjetivos regulados pelo dades na elaboração do discurso. Cunha (1996)
adulto (mediadores da construção da linguagem e busca compreender a gagueira através de um
do conhecimento por parte da criança) agem de enfoque psicanalítico, percebendo-a como um sin-
forma equivocada no caso da gagueira. Há, nesse toma de duas formas de neurose: a histeria de con-
caso, um discurso autoritário2, que situa a criança versão e a obsessão. Sob essa ótica, aponta para o
em uma relação de ordem de cima para baixo. A fato de que o sujeito gago deve escutar a si mes-
criança em aquisição de linguagem encontra difi- mo, a fim de encontrar um novo sentido para a
culdade natural no contato com a língua, relacio- gagueira5.
nada à seleção de palavras, necessidade de relatar O sujeito que apresenta gagueira relaciona-
algo em um pequeno espaço de tempo etc., apre- se com uma sociedade que, por conceitos cultural-
sentando conseqüentes repetições, prolongamen- mente6 adquiridos, rejeita essa produção lingüísti-
tos ou hesitações. O discurso do adulto é im- ca e o marginaliza, estigmatizando-o ou negando a
pregnado de elementos parafrásticos: Fale direito! sua linguagem. Sheehan (1975) se refere a um con-
Respire fundo! Pense antes de falar! Tais situações se flito de aproximação e evitação, que se materializa
configuram como um paradoxo, uma vez que su- no desejo de falar e não falar, complementado por
gerem uma dupla vinculação com a realidade Friedman (1986) como falar e falhar, ou não falar,
(Friedman, 1994). referindo-se à dúvida pela qual passa o indivíduo,
Na gagueira, a partir das situações parado- sempre que há a possibilidade de utilizar a lingua-
xais impostas pelo adulto, a criança mantém a gem. Dessa forma, há, por parte do sujeito gago,
dupla vinculação com a realidade, uma vez que, um evidente conflito em todas as situações de dis-
para deixar a situação, necessita estar atenta ao curso: falar (e preocupar-se com a forma do dis-
discurso, o que não é possível, considerando-se curso, expondo-se à falha) ou não falar (e assumir
o caráter espontâneo da linguagem. A gagueira a posterior frustração pelo insucesso).
pode ser definida, portanto, como “o produto ide-
ológico da história das relações de comunicação Ambas as situações causam (e reforçam) a
vividas, de onde emerge a crença na incapacida- insatisfação / inabilidade no discurso. A presença
de articulatória, que determina todo o processo da gagueira, na linguagem, também caminha para
de produção de sua manifestação externa” uma imediata frustração, uma vez que abala o
(Friedman, 1986, p. 129). discurso. Dessa forma, o conflito no discurso
do sujeito gago, em última instância, remete-me a
A teoria psicanalítica aborda a questão do uma nova análise: falar, falhar, frustrar-se x não
narcisismo3, enquanto representação do eu, sendo falar, frustrar-se. “O não dito faz parte da
constituído por enunciados e imagens (representa- incompletude e se faz desejo” (Orlandi, 1987, p.
ções) com seu afeto concomitante. Algumas re- 135). O que é calado não é completo, poderia ter

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sido dito, é desejo. A frustração, enquanto Apresenta gagueira, com inúmeras repetições e blo-
finalização única desse conflito, seria, então, a queios, tiques e tremores articulatórios, o que, di-
seqüela da evidência da inabilidade para a ante desse perfeccionismo, parece abalá-lo muito
linguagem, fruto do resultado (qualquer um que mais. Está sempre procurando novas palavras, al-
seja – falar ou não falar) conflituoso da situação gumas vezes para facilitar a emissão de outra que
de (preparação para) discurso. considera difícil naquele momento8, outras vezes,
emite uma, encontra outra melhor, mais formal e
Um paciente que atendo me dizia que a pas- chega a dizer três ou quatro sinônimos relaciona-
sagem mais angustiante na convivência com a dos a esse “falar bem, corretamente”, eterna busca
gagueira é a que se refere ao contato com os ami- do domínio da língua. A ocorrência dessas altera-
gos. Nos finais de semana, costumam reunir-se em ções se dá pela necessidade de livrar-se da tensão
um bar, para contar piadas. Ele sempre se recorda desequilibrada entre língua e linguagem.
de várias. Seleciona uma que, a seu ver, é excelen-
te e fica esperando o melhor momento para contá-la. Esse procedimento leva a rupturas na pro-
Enquanto isso, um amigo conta uma, todos riem; dução da linguagem, enquanto subjetividade9, visto
outro conta outra, a gargalhada é geral; e ele per- que essa per manece abalada, por vezes
manece em suspensão, esperando o melhor momento, descontextualizada, frente à pressão da língua.
enquanto luta com a “antecipação”7 e seus confli- Pode-se dizer que o sujeito gago está à mercê da
tos: “E se eu gaguejar? E se eu não conseguir terminar a língua e seus processos, sua forma, escravizado por
piada? E se ninguém rir da piada, mas da minha fala?” ela e não consegue libertar-se para a linguagem.
Segundo ele, em todas as situações do tipo, o tem- Retomando o processo de apropriação da lin-
po passa, até que os colegas iniciam uma outra guagem, esse passa pelo seu uso recortado da fala
conversa. O resíduo do conflito é a frustração, a do outro (imitação). Em seguida, a criança cruza
sensação de fracasso por não ter conseguido, a evi- momentos diferentes de textos ouvidos e falados,
dência da inabilidade da / para a linguagem. momento em que a língua passa a fazer efeito nela,
gerando autocorreções e a subjetividade da lin-
Analisando o discurso desse paciente, per- guagem. Assim sendo, a criança, inicialmente, re-
cebe-se a supervalorização da língua, enquanto corta do outro a palavra correta, sem interpreta-
funcionamento, a língua e suas regras, organizada, ção, para, enfim, deslocar-se de personagem a au-
homogênea, ou seja, o falar bem. A partir da pres- tor do seu próprio processo. Há o efeito
são social, ou mesmo, da interpretação do sujeito reorganizador da linguagem sobre a linguagem, na
em relação ao que a sociedade espera (e cobra) dele, medida em que ouve e produz enunciados. A pró-
há uma pressão interna na busca do correto na/ pria produção de um enunciado desencadeia reor-
pela linguagem. ganização, como conseqüência de ter sido ouvi-
do e re-significado (Lemos, 1992). As substitui-
Recordo-me de um outro paciente que se ções de palavras fazem parte da aquisição de lin-
refere a si mesmo como extremamente perfeccionista. guagem e indicam essa mudança de posição de ator
É primeiro aluno da escola desde o Primeiro Grau a autor no processo de subjetivação da linguagem.
e, hoje, no curso de Engenharia, permanece em
seu “posto de láurea”. O caderno é passado a Na gagueira, as substituições ocorrem por
limpo em casa e, mesmo no rascunho, mantém a tentativa de busca de elementos de estruturas mais
letra impecável. Seu quarto é bastante organiza- simples (ingenuidade?) que favoreçam a liberação
do, os livros e discos etiquetados e é, ele do discurso. Está diretamente relacionada à pres-
próprio, responsável pela manutenção dessa ordem, são comunicativa, à autocobrança, mais do que à
com faxina e todos os cuidados para que não haja cobrança social.
qualquer modificação nas posições estipuladas.

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As autocorreções são, portanto, efeitos de ensão de seu problema. A Clínica de Fonoaudiologia


mudanças da posição de interpretado para intér- da UNICAP, onde eu supervisiono um grupo de
prete de si mesmo e do outro. Para constituir-se Estágio, foi a terceira tentativa, e o relato desse
sujeito, a criança necessita dessubjetivar o outro. sujeito se refere à dificuldade em lidar com a
O gago permanece autocorrigindo-se, realizando gagueira em dois aspectos: em primeiro lugar, nega
operações metonímicas. “O processo metonímico ser capaz de falar algumas palavras, como viadu-
também implica o metafórico. A possibilidade de to10, por exemplo. Nesse caso, tem que descrever,
substituição é o que cria lugares/posições e, por- já que desconhece um sinônimo. Em segundo lu-
tanto, cria a própria cadeia/estrutura” (Lemos, gar, angustia-se com os fins-de-semana em conta-
1992, p. 121). O sujeito gago tem dificuldade em to com os amigos, uma vez que, em geral, opta por
lidar com a metáfora, necessitando realizar opera- não beber (e permanecer diferente dos outros),
ções em presença, sintagmáticas, de autocorreções, porque quando bebe, gagueja muito.
buscando fazer sentido no discurso do outro.
O que se constata é que sua linguagem é tão
O problema da gagueira estaria no fato de controlada, que, apesar de o interlocutor não o clas-
assumir a posição de autor do seu processo? Seria sificar como gago, ele próprio se rotula, uma vez
a manutenção da posição de ator mais cômoda, que mantém uma posição de submissão em rela-
mais fácil, pois assim mantém a dependência ção à língua (escravizado por ela). Quando bebe,
discursiva? Parece que o fato de se apropriar da gagueja: não há possibilidade de controle, uma vez
linguagem, constituindo-se por ela, no caso da que a bebida leva ao descontrole, à linguagem
gagueira, gera insegurança, dificuldade em fazer- lúdica, deixando fluir o discurso sem censura. A
se sujeito, significar-se. antecipação, porém, mantém-se, já que há a deci-
Lier de Vitto, analisando os monólogos da são por não beber e a preocupação (revelada) da
criança em processo de aquisição da linguagem, ocorrência da gagueira sempre que opta por beber.
observa uma profunda solidariedade entre língua
e discurso em uma atuação constante da lingua- O que há em comum, além da gagueira, en-
gem sobre a linguagem. “Este movimento parece tre os três pacientes referidos aqui?
responder pela produção/destruição do sentido...
onde a língua faz buraco, o texto falha, o sentido O primeiro espera o momento certo, enquanto
se perde ou confunde” (Lier de Vitto, 1995, p. 52). tenta (não consegue) lidar com a estruturação da lín-
Na gagueira, há um desvio na dinâmica língua-lin- gua no discurso. O segundo apresenta
guagem, onde se observam repetições, bloqueios, autocorreções, deslizes predominantemente
substituições, autocorreções tão intensas, que le- metonímicos, tornando o discurso disperso, vazio de
vam, muitas vezes, à perda do sentido. A sentido. O terceiro não pode mostrar ao outro que
supervalorização da língua desequilibra o movi- gagueja e esconde o fato, substituindo palavras em
mento, esvaziando o sentido. O discurso se esvai, cuja emissão, provavelmente, gaguejaria; além dis-
perde a força, rompe-se pelo poder da estrutura, so, não se liberta para o sentido, uma vez que beber,
da forma, do código. Na gagueira, muitas vezes, o no seu caso, é desligar-se da língua e, na gagueira,
sentido escapa. a língua necessita ser vigiada. Os três estão
submissos à estrutura da língua, enquanto funcio-
Um terceiro paciente, ao passar por duas namento, na tensão existente entre a oportunidade
avaliações fonoaudiológicas, referindo queixa de do discurso e o melhor momento, na busca de pa-
gagueira, recebe como resultado final a constatação lavras que signifiquem melhor (o signifiquem?),
de que não apresenta gagueira. A resposta não o apesar da relação parafrástica entre elas, no con-
satisfaz, porque, já que se vê como gago, perma- trole rígido da gagueira. “Ao falar, ao significar, eu
nece na busca de uma terapia que tenha a compre- me significo” (Orlandi, 1996, p. 28).

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Os três precisam estar em vigília constante. 2


Orlandi (1987) diferencia três tipos de discurso:
O fato de se estar atento à forma pressupõe não lúdico, autoritário e polêmico, caracterizando-
beber, não falar, um discurso tenso, já que escravi- os, respectivamente, como predominantemente
zado pelo próprio sujeito, que, por sua vez, é es- polissêmicos, parafrásticos e equilibrados entre
cravizado pela língua e pelo outro. O sujeito com ambos os componentes. O discurso em que me-
gagueira pressiona a língua, que pressiona o dis- lhor se observa o jogo entre o mesmo e o dife-
curso, que pressiona o sujeito. O discurso é pre- rente seria o polêmico.
so, contido e o sujeito não é solto, livre, uma vez
que a linguagem é ele mesmo, é subjetiva. 3
Sobre este assunto, ver Halperin, S. “A Consti-
tuição do eu”, apud Hornstein, L. Introdução à
Dessa forma, a partir da análise do discurso Psicanálise, São Paulo: Ed. Escuta, 1989.
desses três pacientes, encontro como eixo comum
o desequilíbrio entre língua e linguagem, onde a 4
Segundo Orlandi (1987), assim como a palavra,
forma aprisiona o discurso, gerando efeito de des- o silêncio também apresenta suas condições de
locamento no outro, que não o interpreta (disper- produção. Nesse sentido, há a ruptura desejada,
sa-se) ou o silencia. Assim sendo, o sujeito gago é com o silêncio imposto pelo opressor (proposto
calado e frustrado, sempre que há a possibilidade pelo oprimido). A fala, na gagueira, é silenciadora
de discurso. / silenciada.

NOTAS 5
Friedman (1996) analisando o enfoque psicalítico
no estudo das histerias, reflete sobre a possibili-
1
Neste texto, estou usando “língua” e “lingua- dade de se estarem estudando diferentes ti-
gem” de acordo com Milner, referida em Le- pos de gagueira, sem que haja, necessaria-
mos, (1995: 13). “A nós se apresenta um con- mente, uma oposição de perspectivas.
junto de realidades a que chamamos línguas. Não
hesitamos mesmo em lhes atribuir esse nome – 6
Na visão de Lacan, citado em Henry (1992), o
a todas e a cada uma – como se tivéssemos sem- conceito de “cultura” seria reduzido à “lingua-
pre à disposição uma regra que nos permitis- gem”, uma vez que essa é o que distingue a soci-
se, dada uma certa realidade, determinar se edade humana das animais.
ela pertence ou não ao conjunto. Isto supõe
indiscutivelmente algumas propriedades 7
Pêcheux apud Orlandi (1987: 126) refere-se à
definitórias, comuns a todos os elementos que
antecipação como o fato de o “locutor supor o
merecem o nome de língua e representadas ex-
que o outro vai pensar”. Na gagueira, o locutor
clusivamente por eles. Se, por abstração, se
(ou pré-locutor) experimenta o lugar do ouvinte
confere a essas propriedades uma existência au-
(ou suposto ouvinte) a partir de seu próprio lu-
tônoma, obtém-se o que se chama a linguagem.”
gar, sempre que há possibilidade de linguagem.
Meu conceito de discurso se refere ao de
Nesse caso descrito, a antecipação impede a li-
Pêcheux (1990), quando, ao partir do enunci-
berdade para a linguagem.
ado On a gagné , referindo-se à vitória de F.
Mitterand na França, passa a analisá-lo sob 8
Friedman (1994) chama de truques esses compor-
diferentes pontos de vista, entrecruzando três
caminhos: o da estrutura, o do acontecimento tamentos disparadores da fala e adiadores da
e o da tensão entre descrição e interpretação gagueira, que evidenciam tensão no falar.
na análise do discurso. Orlandi (1996: 38), 9
lembrando Pêcheux, compreende “discurso” Benveniste (1991) se refere à subjetividade da
como “efeito de sentidos entre locutores”. linguagem, enquanto capacidade do locutor em
constituir-se como sujeito. O fundamento

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lingüístico da subjetividade é determinado a par- HALPERIN, S. “A constituição do eu”, In:


tir de uma relação dialética entre o eu e o tu, INTRODUÇÃO à Psicanálise, São Paulo: Es-
uma vez que a linguagem estrutura na sua reali- cuta, 1989.
dade o conceito de ego.
HENRY, P. “A Lingüística no campo e fora do
10
Esta palavra, especificamente, abala-o muito, campo da complementaridade”. In: A FER-
uma vez que esse paciente trabalha como guarda RAMENTA imperfeita, São Paulo: Unicamp,
de trânsito e necessita esclarecer à população que 1992.
o questiona sobre acesso a algum local. Seu pon-
to de atuação é, inclusive, próximo a um viadu- LEMOS, C. T. G. “Los procesos metafóricos y
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Substratum, J., p. 121: 129, 1992.
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