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Alterações em determinados
genes – mutações –
causam o câncer, mas falhas
na interação que cada célula
do organismo mantém
com as demais células
e com moléculas presentes
na chamada matriz
extracelular também estão
envolvidas na origem
e evolução dos tumores.
Os cientistas vêm
desvendando detalhes
desses mecanismos
(os genéticos e os interativos),
o que poderá levar
a novas drogas que previnam
ou combatam a doença
e talvez a terapias capazes
de reverter o processo
que resulta no câncer.
O PRÓXIMO
DESAFIO
REVERTER
O CÂNCER
que consertam eventuais erros na replicação do tamento migratório de tumores malignos. Com base
material genético ou nos que promovem e mantêm nesses estudos, novos métodos de prevenção e tra-
o estado de diferenciação celular. Mas quantas mu- tamento do câncer já estão em desenvolvimento.
tações são necessárias para gerar um câncer? Os
cientistas, usando as mais avançadas técnicas de
seqüenciamento do DNA, concluíram que é preciso Células normais
haver 11 mil mutações para que uma célula normal e células neoplásicas
do revestimento interno do cólon intestinal se torne
cancerosa. A palavra neoplasia nome científico do câncer ou
Genes mutados que causam cânceres são chama- tumor maligno significa novo crescimento. A
dos de oncogenes. Eles são claramente responsáveis diferença mais significativa entre uma célula nor-
pela conversão de células normais em células ma- mal e uma neoplásica é que o crescimento ou proli-
lignas, como é demonstrado no laboratório em tes- feração dessa última persiste mesmo na ausência de
tes com células cultivadas sobre uma placa de plás- fatores de crescimento. No entanto, para que as
tico. No organismo, porém, as células integram células se tornem malignas não basta que elas se
tecidos organizados, que têm uma função e uma multipliquem em excesso. Elas precisam ignorar as
arquitetura, mantidas através da interação harmo- restrições de crescimento impostas pelas diferentes
niosa entre os diferentes tipos de células e a matriz partes do organismo, em especial por células vizi-
extracelular (mistura de substâncias químicas inso- nhas normais.
lúveis depositadas entre as células). Esse mecanis- O que realmente distingue um câncer benigno de
mo de regulação extranuclear das células, chamado um maligno é a capacidade deste de invadir outros
de epigenético, pode ser decisivo em uma série de tecidos e formar novos tumores. Por isso, considera-
processos biológicos. se neoplásica uma célula que adquire as seguintes
As evidências mostram que as interações célula- vantagens metabólicas e capacidades biológicas: 1.
célula e célula-matriz extracelular podem atuar perda do controle da proliferação e da divisão celu-
diretamente na formação e disseminação de tumo- lar; 2. imortalização celular, devida à ativação da
res. De fato, no ambiente extracelular ocorrem os enzima telomerase; 3. presença de alterações (de
eventos bioquímicos que levam células tumorais a forma e número) nos cromossomos; 4. perda das
se desprender e invadir o tecido vizinho, causan- propriedades adesivas da membrana plasmática,
do a metástase, responsável pela morte de mais de que permite o reconhecimento célula-célula e a
80% dos pacientes de câncer. Mas, afinal, como o inibição por contato do movimento e crescimento
câncer surge e progride? Este artigo apresenta e celular; 5. perda de função e da capacidade de di-
discute alguns estudos que indicam o papel crucial ferenciação ou especialização; 6. capacidade para
do microambiente extracelular nos mecanismos de invadir o tecido vizinho e formar metástases; e
proliferação e diferenciação celular e no compor- 7. capacidade de induzir a formação de novos va-
sos sangüíneos (angiogênese).
Evidências experimentais
demonstram como certos fa-
Tumor primário
tores e mecanismos atuam na
Vaso sangüíneo carcinogênese, possibilitando
a uma célula adquirir essas
Célula epitelial normal capacidades e vantagens e se
tornar maligna. Vamos apre-
sentar e discutir alguns desses
fatores e mecanismos.
Membrana
basal
ADAPTADO DE SCIENTIFIC AMERICAN, VOL. 275, Nº. 3
Figura 1. A proliferação
descontrolada de células
epiteliais leva à formação
de um tumor, e quando essas
células se tornam malignas
podem invadir tecidos
próximos, alcançando
Célula tumoral vasos sangüíneos
metastásica e se espalhando para
outras partes do organismo
Estroma
Para que o tecido epitelial mantenha sua arquitetura Membrana
e exerça sua função, é necessária uma interação basal
complexa entre as células epiteliais, as células do
estroma, as terminações nervosas e os componentes
da matriz extracelular.
Epitélio
Um grande número de moléculas produzidas
no local ou à distância e capazes de atuar sobre
células do estroma ou do epitélio interfere no
fenótipo (aparência física) ou na funcionalidade da
célula. A decisão celular sobre crescimento, morte
ou diferenciação depende da integração dos sinais Células imunológicas Células endoteliais
Fibroblastos
enviados ao núcleo através dos diferentes recepto-
Inibidores de metaloproteinases Citocinas Metaloproteinases
res de membrana ativados por esses componentes
Fatores de crescimento e angiogênicos Componentes da matriz extracelular
insolúveis e fatores circulantes.
Dentro dos tecidos, o reconhecimento e a asso-
ciação de uma célula com outras e com a matriz às placas de plástico, as células formavam nova- Figura 5.
extracelular é determinada pelas características mente uma estrutura acinar (que cerca uma cavida- As interações
adesivas de sua membrana. Os mecanismos que de) e a expressão das integrinas voltava ao normal. entre uma célula
controlam o posicionamento da célula, sua aderên- Ao contrário, quando no experimento foram usadas epitelial cancerosa,
as células
cia às vizinhas e até sua migração aos tecidos distan- células de tumores de mama, a reorganização da do estroma
tes vêm sendo amplamente estudados nos últimos estrutura acinar típica desse tecido não ocorreu. e os componentes
anos. Durante o desenvolvimento embrionário, a Isso se deveu à ausência da integrina->1 na célula da matriz
diferenciação faz cada tipo celular adquirir sua mamária neoplásica. extracelular
estrutura específica, em função do conjunto de Outro exemplo interessante de como a interação são complexas,
e seu estudo
proteínas e receptores expressos na superfície ex- célula-célula atua no controle do comportamento pode levar
terna de sua membrana. celular foi obtido em ensaios biológicos com que- a novas formas
As integrinas e as caderinas são duas famílias ratinócitos e melanócitos, as células residentes da de inibir ou
distintas de glicoproteínas que atuam como recep- pele. Se as duas células são cultivadas juntas, os eliminar o câncer
tores na membrana. Elas são responsáveis pela in- queratinócitos inibem o crescimento dos melanó-
teração entre as células ou da célula com os com- citos, mas essa inibição não existe quando os pri-
ponentes químicos da matriz extracelular (colá- meiros são cultivados junto com melanócitos ma-
geno, vitronectina, fibronectina etc.). Quando há lignos (melanomas). Ao se tornarem malignos, os
interação química com esses compostos, a porção melanócitos passam a expressar moléculas de ca-
interna dessas proteínas associa-se ao citoesque- derinas N na membrana externa, no lugar da caderi-
leto (conjunto de filamentos que mantêm a forma da na E de células normais.
célula) e promove a motilidade e a proliferação A troca na expressão de caderinas aumenta a
celular. Na ausência desse estímulo, a célula pode capacidade de evasão e motilidade das células ma-
entrar em um processo de morte denominado lignas, permitindo sua entrada e fixação no estroma,
anoikis. onde podem interagir amigavelmente com fibro-
Ensaios in vitro e in vivo, com células epiteliais blastos e células endoteliais. Influenciadas por cé-
isoladas, verificaram a influência, no crescimento lulas malignas, as células normais do estroma po-
de tumores, da retirada de componentes do mi- dem produzir fatores que favorecem o crescimento
croambiente e de células do estroma. No tecido ma- e a disseminação das invasoras, mesmo em condi-
mário normal, as integrinas-> são expressas de pre- ções desfavoráveis de nutrientes e fluxo de oxigê-
ferência nas superfícies de contato entre as células nio. Além do mais, esses fatores podem evitar a res-
epiteliais (e não naquela voltada para as cavidades posta imunológica mediada por células-T citotóxicas
de coleta do leite). Já as células isoladas e cultiva- e macrófagos.
das em placas de plástico passaram a expressar es- O fator de transformação e crescimento >1 (TGF-
sas integrinas de forma difusa. No entanto, quando >1) é um hormônio polipeptídeo capaz de atuar
componentes da membrana basal eram adicionados sobre várias células e tecidos, ora promovendo, ora
metastáticos têm especial preferência por tecidos rações típicas do câncer, como hiperplasia, displasia
em cicatrização. Nesses locais de lesão ou infecção, e tumor primário (sem metástase).
a presença de enzimas proteolíticas (que quebram Já os filhotes nocautes, deficientes de enzimas
proteínas) e de fatores de crescimento estimula que MMP, mostraram (também foi feito um experimento
fibroblastos e células endoteliais (da parede interna para cada enzima) maior resistência ao desenvolvi-
dos vasos sangüíneos) migrem e se proliferem, le- mento de tumores induzidos por agentes carcinogê-
vando à formação das novas artérias e veias. nicos, em comparação com camundongos normais.
Hoje sabemos que os eventos biológicos que A indústria farmacêutica logo percebeu as impli-
levam as células tumorais a romper a membrana cações terapêuticas desses achados, e hoje vários
basal e invadir tecidos são muito similares aos inibidores de enzimas metaloproteinases (MMP)
observados na cicatrização e recomposição de teci- são utilizados como uma nova estratégia de ataque
dos. Células tumorais e em especial células normais aos tumores malignos.
(fibroblastos, miofibroblastos, células endoteliais e
macrófagos) produzem enzimas proteolíticas (como
plasmina, uroquinase, trombina, metaloproteinases O desafio de reverter a malignidade
teciduais e metaloproteinases de matriz, ou MMP)
para degradar a matriz extracelular. Por outro lado, Todas as evidências experimentais aqui discutidas
a ação de fatores angiogênicos (como fator de cres- apóiam a teoria de que a origem e a progressão do
cimento de fibroblastos, ou FGF, e fator de crescimen- câncer dependem de múltiplos e interdependentes
to de endotélio vascular, ou VEGF), também produ- eventos celulares e moleculares, que ocorrem den-
zidos por ambas as células (tumorais e normais), tro e fora da célula. Apesar do enorme progresso,
reativa o ciclo das células endoteliais, que migram ainda não entendemos por completo os fundamen-
e se diferenciam de novo para formar mais vasos. tos e a lógica da biologia da célula tumoral. Os mo-
As proteínas angiostatina e endostatina, deriva- delos biológicos (animais transgênicos) e as tecno-
das do plasminogênio (proteína do plasma) e do logias (microarray de proteínas e genes tumorais)
colágeno tipo IV (proteína da matriz extracelular), disponíveis hoje criaram novas oportunidades pa-
respectivamente, inibem o crescimento de células ra testar hipóteses e gerar conhecimentos essen-
endoteliais, o que dificulta a formação de novos ciais para a definição de aspectos estruturais e fun-
vasos. Sua função mais importante é induzir célu- cionais dos mais de 100 oncogenes envolvidos na Sugestões
para leitura
las endoteliais à apoptose. Por isso, tais substân- origem e progressão das neoplasias.
cias já vêm sendo usadas em pacientes com câncer, Mas quando, e usando que sondas moleculares e HANAHAN, D. &
em uma tentativa promissora de impedir o surgi- drogas, será possível detectar e eliminar totalmente WEINBERG, R. A.
‘The hallmarks of
mento de novos vasos e a disseminação de células um tumor maligno do nosso organismo, como faze- cancer’, in Cell, v.
neoplásicas. mos com alguns tipos de parasitas e bactérias? Em 100, p. 57, 2000.
LIOTTA, L. A. &
O papel crucial da matriz extracelular como relação ao diagnóstico de tumores, acredita-se que, KOHN, E. C. ‘The
barreira biológica ao desenvolvimento e migração com o auxílio de computadores e programas de microenvironment
of the tumour-
de tumores foi provado em camundongos trans- bioinformática, os cientistas conseguirão enumerar
host interface’, in
gênicos, nos quais a expressão de enzimas que e ordenar todos os genes e eventos químicos e Nature, v. 411, p.
degradam a matriz extracelular foi aumentada ou biológicos envolvidos em uma massa tumoral. Tais 375, 2001.
PARK, C. C.; BISSEL,
anulada. Os filhotes do primeiro grupo têm cópias dados permitirão elaborar modelos matemáticos M. J. &
extras de uma dessas enzimas: metaloproteinase, que estimem graus de malignidade e padrões de BARCELLOS-
HOFF, M. H. ‘The
estromelisina, gelatinase B ou matrilisina. No se- comportamento de tumores em diferentes estágios, influence of the
gundo grupo (camundongos nocaute), os genes de o que levará à escolha de métodos profiláticos e microenvironment
cada uma das enzimas acima foram mutados e terapêuticos específicos para cada paciente. on the malignant
phenotype’, in
eliminados de todas as células, o que impediu sua Quanto ao tratamento, pode-se imaginar uma Molecular
atuação durante o desenvolvimento dos filhotes. terapia com a combinação de várias drogas. Elas Medicine Today,
v. 61, p. 324,
A análise do tecido mamário de filhotes com teriam que atuar em diferentes alvos (enzimas 2000.
cópias extras (para cada enzima MMP foi feito um quinases, receptores, fatores de transcrição), blo- TLSTY, T. D. & HEIN,
experimento com um grupo de animais) revelou que queando e restabelecendo dezenas de vias bioquí- P. W. ‘Know thy
neighbor:
a atividade enzimática havia aumentado, como se micas das células neoplásicas e das células do stromal cells can
esperava. Também foi observado que a matriz estroma. A ação desses medicamentos reverteria o contribute
oncogenic
extracelular entre as células epiteliais e as do estroma fenótipo maligno do tecido, restabelecendo funções signals’, in
era gradativamente reduzida com o tempo de vida celulares e mecanismos de reconhecimento e eli- Current Opinon
in Genetics &
dos animais. Quando eles ficaram adultos, as célu- minação de células alteradas. Esse é o desafio que
Development, v.
las do tecido epitelial passaram a exibir crescimento pode ser vencido antes do fim do século. Até lá, 11, p. 54, 2001.
alterado, constatando-se que algumas tinham alte- porém, evite o sol do meio-dia. n