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O DESPERTAR DA PRIMAVERA

O Despertar da Primavera se passa na Alemanha no final do século XIX e conta a história de Melchior Gabor e
Wendla. Ele, um jovem brilhante e rebelde que ousa questionar os dogmas vigentes. Ela, integrante de uma
família de classe média alta, educada por uma mãe com rígidos princípios morais e religiosos. O encontro dos dois
irá provocar a explosão do desejo, da vontade de conhecer o sexo e o amor. A história deles se cruza com a de
vários outros jovens, como o oprimido e trágico Moritz ou a bela Ilse, que tem a coragem de usufruir de sua
liberdade e se aventurar pelo mundo. Todos têm que enfrentar o peso da repressão e do conservadorismo, nos
mais diversos estágios da sociedade. Questões como abuso sexual, violência doméstica, gravidez na adolescência,
prostituição e suicídio e homossexualismo, entre outros, vêm à tona na vida desses jovens.

MÚSICAS
1º Ato:
• “Mamãe, Me Explica” (Mama, Who Bore Me) – Wendla
• “Mamãe, Me Explica” (Mama, Who Bore Me) (Reprise) – Wendla e Moças
• “Tudo Que É Sagrado” (All That's Known) – Melchior
• “Nessa Merda de Vida” (The Bitch of Living) – Moritz, Melchior e Rapazes
• “Meu Vício” (My Junk) – Moças e Rapazes
• “Venha” (Touch Me) – Rapazes e Moças
• “O Corpo Quer Falar” (The Word of Your Body)– Wendla e Melchior
• “Um Escuro Sem Fim” (The Dark I Know Well)– Martha, Ilse, Rapazes e Moças
• “A Carta” (And Then There Were None) - Moritz e Rapazes
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• “No Fundo do Breu” (The Mirror-Blue Night) – Melchior e Rapazes
• “Acredito” (I Believe) – Rapazes e Moças

2º Ato:
• “O Corpo é o Culpado” (The Guilty Ones) – Wendla, Melchior, Rapazes e Moças
• “Não Tem Tristeza” (Don’t Do Sadness) - Moritz
• “Vento Triste” (Blue Wind) – Ilse
• “O Que Ficou Pra Trás” (Left Behind) – Melchior, Rapazes e Moças
• “Se Fodeu!” (Totally Fucked) – Melchior e Elenco
• “O Corpo Quer Falar” (The Word of Your Body) (Reprise) – Hanschen, Ernst, Rapazes e Moças
• “Murmurar” (Whispering) – Wendla
• “Velhos Conhecidos” (Those You’ve Known) – Moritz, Wendla e Melchior
• “Canção de um Verão” (The Song of Purple Summer) – Ilse e Elenco

PERSONAGENS

• Melchior
• Wendla
• Moritz
• Ilse
• Hanschen
• Ernst
• Martha
• Thea
• Anna
• Georg
• Otto
• Rupert
• Dieter
• Ulbrecht
• Reinhold
• Mariana
• Elise
• Ina
• Frida
• Homem adulto
• Mulher adulta

Alemanha, final do século XIX.

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1º ATO

MAMA, ME EXPLICA
(No centro do palco, uma cadeira, as luzes acendem-se e vemos WENDLA em cima da cadeira, com a roupa
debaixo, ela desce da cadeira e pega a roupa que está sobre a CADEIRA, uma camisola, curta, e começa a
vestir.)
WENDLA:
MAMA, ME EXPLICA.
MAMA, ME ENSINA.
SE QUEM ME DEU A LUZ
DEU A ESCURIDÃO
MAMA, UM ANJO
MAMA, UM DIA
DESCEU DAS NUVENS
E ENTROU EM MIM
ME DIZ SE EU TAMBÉM
QUANDO FOR MEU TEMPO
TEREI MEU ANJO
QUE DEUS VAI MANDAR
E DIZ SE ENQUANTO EU REZO

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O ANJO VAI CRESCENDO
ATÉ SALTAR DE DENTRO E ME ABRAÇAR
MAMA, ME EXPLICA
MAMA, ME ENSINA
SE QUEM ME DEU A LUZ
DEU A ESCURIDÃO
MAMA, UM ANJO
MAMA, UM DIA
DESCEU DAS NUVENS
E ENTROU EM MIM

MULHER ADULTA(entra e interrompe a cantoria de Wendla, gritando o seu nome):


Wendla! Wendla!
WENDLA:
Mamãe!
MULHER ADULTA:
Deus do céu! Como é que você pode estar vestida nessa roupa de jardim de infância. Meninas
crescidas não podem sair por aí desfilando vestidas desse jeito.
WENDLA (rodopiando):
Ai, mamãe, por favor. Me deixa usar essa roupa. Eu adoro essa roupa. Ela me faz sentir como se eu
fosse uma ninfa.
MULHER ADULTA:
Mas você já está desabrochando. Chega deste assunto! Você me fez esquecer a boa notícia. Wendla,
finalmente, na noite passada, a cegonha visitou a sua irmã. Trouxe outra menininha para ela.
WENDLA:
Mamãe, eu quero muito visitar as duas.
MULHER ADULTA:
Muito bem. Vista-se direito e vá colocar um chapéu.
WENDLA:
Mamãe, não fica zangada, por favor, mas é que eu sou tia pela segunda vez agora e não faço idéia de
como… Como acontece. Mamãe, por favor. Eu fico com vergonha até de perguntar. Mas, enfim, pra
quem eu possa perguntar senão pra senhora?
MULHER ADULTA (sentando-se na cadeira):
Como é que você pode imaginar que eu…
WENDLA:
Como é que a senhora pode imaginar que eu ainda acredito em cegonha.
MULHER ADULTA:
Honestamente! Não sei o que foi que eu fiz pra merecer esse tipo de conversa! Ainda mais num dia
como hoje! Vamos, vá colocar um chapéu e vá visitar sua irmã. Vai, vai, vai!
WENDLA:
E se eu sair correndo agora e perguntar pro leiteiro lá na rua. Ele acabou de chegar.
MULHER ADULTA:
Está bem, Wendla. Eu vou lhe explicar tudo, mas não hoje. Amanhã ou depois de amanhã.
WENDLA (sentando-se no colo da mãe):
Hoje, mamãe.
MULHER ADULTA:
Não posso.
WENDLA:
Mamãe!
MULHER ADULTA:
Ai, você me deixa louca!
WENDLA:
Por quê? Eu me ajoelho aos seus pés. Eu ponho a cabeça no seu colo e você pode falar como se eu
nem estivesse aqui. Por favor.

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MULHER ADULTA:
Está bem. Eu vou lhe explicar. Tudo.
WENDLA (coloca a cabeça no colo da mãe, que coloca seu avental cobrindo a cabeça da filha.):
Então?
MULHER ADULTA:
Filha, eu…
WENDLA:
Mamãe!
MULHER ADULTA:
Está bem. Pra que uma mulher gere um filho… Está me ouvindo?
WENDLA:
Sim, mamãe.
MULHER ADULTA:
Pra que uma mulher tenha um filho, ela precisa… À sua maneira pessoal, ela precisa amar seu marido.
Amá-lo como só ela pode amar a ele. Somente ele! Amá-lo com todo seu… coração! (tirando o avental
da cabeça da filha,e levantando.) Pronto, Wendla, agora você já sabe tudo.
WENDLA:
Tudo?
MULHER ADULTA:
Tudo! É a pura verdade. (levantando a mão em forma de juramento, ela sai correndo.).
WENDLA:
Mamãe!
MAMA, ME EXPLICA (REPRISE)
MENINAS:
MAMA, EXPLICA
MAMA, ENSINA
MAMA DEU A LUZ
DEU A ESCURIDÃO
MAMA, ME EXPLICA.
MAMA, ME ENSINA
SE QUEM ME DEU A LUZ
DEU A ESCURIDÃO
MAMA, UM ANJO
MAMA, UM DIA
DESCEU DAS NUVENS
E ENTROU EM MIM
O ANJO VAI CRESCENDO
ATÉ SALTAR DE DENTRO E ME ABRAÇAR

WENDLA:
ME DIZ… TAMBÉM
QUANDO FOR MEU TEMPO
MENINAS:
TEMPO TEREI
ME DIZ SE EU TAMBÉM
QUE DEUS VAI MANDAR
QUANDO FOR MEU TEMPO
ENQUANTO REZO
TEREI MEU ANJO
O ANJO VAI CRESCENDO
QUE DEUS VAI MANDAR
ATÉ SALTAR DE DENTRO E ME ABRAÇAR
POR ISSO ENQUANTO EU REZO
WENDLA: MENINAS:
MAMA, ME EXPLICA MAMA, ME EXPLICA.
MAMA, ME ENSINA MAMA, ME ENSINA
SE QUEM ME DEU A LUZ SE QUEM ME DEU A LUZ
MAMA… DEU A ESCURIDÃO
MAMA, UM ANJO MAMA, UM ANJO
MAMA, UM DIA MAMA, UM DIA
MAMA...
DESCEU DAS NUVENS DESCEU DAS NUVENS
E ENTROU EM MIM E ENTROU EM MIM

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(Mudança de cenário, algumas cadeiras num conjunto um homem adulto, com aparência de professor
está em pé, e os homens (alunos), sentados)
HOMEM ADULTO:
Mais uma vez.
OTTO:
Vi superum, saevae memorem iunonis ob iram.
HOMEM ADULTO:
Melhor, Herr Lammermeier. Continue, Herr Zirschnitz.
GEORG:
Multa quoque et bello passus dum conderet urbem.
ADULTO HOMEM:
Herr Rilow, desde o começo.
HANSCHEN:
Arma virumque cano, troiae qui primus ab oris.
HOMEM ADULTO:
Herr Robel…
ERNST:
Italiam fato profugus laviniaque venit…
HOMEM ADULTO:
Herr Stiefel. Herr Stiefel! Continue, por favor. Herr Stiefel.
MORITZ:
Laviniaque venit…
HOMEM ADULTO:
Sim?
MORITZ:
Litora, multum... Enim.
HOMEM ADULTO:
Multum enim?
MORITZ:
Multum olim.
HOMEM ADULTO:
Olim? Multum olim? Então, o piedoso Enéas já sofreu tanto nos dias que virão? Herr Stiefel! O senhor
faz alguma idéia do que está dizendo, Herr Stiefel?
MELCHIOR:
Com sua licença, professor.
HOMEM ADULTO:
Como foi?
MELCHIOR:
Não poderíamos, pelo menos, considerar que "multum olim" é uma conjectura plausível sobre o que
diz o texto.
HOMEM ADULTO:
Herr Gabor, não estamos aqui para ficar fazendo conjecturas sobre detalhes de texto. O rapaz errou.
MELCHIOR:
Sim, mas é um erro compreensível, senhor. Na verdade, se pudéssemos apenas considerar a
adequação da conjectura…
HOMEM ADULTO:
Multum olim?
MELCHIOR:
Veja o agradável equilíbrio da retórica, senhor. Multum olim remete ao multa quoquer. Um paralelo,
senhor, entre o que Enéas já sofreu na guerra e os sofrimentos que ainda viverá em terra e em mar.

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HOMEM ADULTO:
Herr Gabor, desde a morte de Virgílio, nosso mundo tem sido soterrado por uma montanha de
comentários críticos sobre conjecturas de texto.
MELCHIOR:
Então, senhor! O senhor está sugerindo que não há mais lugar para pensamento crítico ou
interpretação? Então por que…
HOMEM ADULTO:
Eu não tô sugerindo coisa alguma. Eu estou afirmando que Herr Stiefel cometeu um erro. Eu estou
pedindo… Não, eu estou ordenando que o senhor corrija o erro do texto dele e continuem a partir daí.
Fui claro? Herr Gabor? Fui claro, Herr Gabor?
MELCHIOR:
Sim, Herr Sonnenstich. Litora, multum ille.
HOMEM ADULTO:
Agora todos juntos com Melchior Gabor. Laviniaque venit…
TUDO QUE É SAGRADO
MENINOS:
Litora, multum ille et terris iactatus et alto
Vi superum, saevae memorem
Iunonis ob iram…
MELCHIOR:
APRENDER TUDO QUE É SAGRADO
E ENTENDER QUE NADA TEM DOIS LADOS
PERGUNTAS… SÃO TANTAS AS PERGUNTAS
E TODAS AS RESPOSTAS
SÃO QUE TUDO ESTAVA ERRADO
TUDO É SÓ O QUE JÁ FOI ESCRITO
SÓ É BOM O QUE JÁ FOI BENDITO
QUEM PENSA JÁ SABE QUE É SUSPEITO
POIS TUDO QUE INTERESSA
ESTÁ NA BÍBLIA SOBRE O PEITO
MAS EU SEI QUE HÁ MUITO MAIS ALÉM
QUANDO EU OLHO MAIS PRA MIM
DO QUE PRO CÉU
SIM EU SEI QUE LÁ NO FUNDO TEM
UMA LUZ QUE NINGUÉM MAIS VIU
LÁ VOU EU
ERRANDO E APRENDENDO
O QUE EU NÃO SEI
NÃO SINTO E NÃO ENTENDO
EU GRITO E ESCUTO TANTAS VOZES
NÃO POSSO MAIS OLHAR PRA MIM
E VER O QUE EU NÃO SOU
EU PEÇO, SÓ PEÇO
NÃO CALEM
O QUE EU NÃO SEI GRITAR
EU PEÇO, SÓ PEÇO
NÃO CALEM
NÃO CALEM
O QUE EU NÃO SEI GRITAR

MENINOS:
Iram multa quoque et bello passus dum conderut urbem
HOMEM ADULTO:
Muito bem, senhores. Agora, por favor, in phonetic Deus Latio, escrevam as primeiras linhas da "A
Jornada do Piedoso Enéas" de cor.
MORITZ:
Melchi. Melchi! Obrigado!
MELCHIOR:
Por nada.

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MORITZ:
Mas foi chato pra você. Não precisava.
MELCHIOR:
O Enéas do poema sofreu muito mais.
MORITZ:
Mas eu devia saber. Multum ille. É que… eu não dormi a noite toda. Na verdade, eu recebi uma visita
de um fantasma horrível, assustador.
MELCHIOR:
Você quer dizer um sonho?
MORITZ:
Um pesadelo. Eram pernas de mulher vestidas com umas meias azuis subindo no palco de um teatro.
É.
MELCHIOR:
Ah, esse tipo de sonho.
MORITZ:
É. Você já sofreu com essas visões assim… Chocantes?
MELCHIOR:
Moritz, é claro que sim! Todos já sofremos. O Otto, por exemplo, sonhou com a mãe dele.
MORITZ:
Uau, jura?
MELCHIOR:
E o Georg sonhou que foi seduzido pela professora de piano dele.
MORITZ:
Sério?
HOMEM ADUTLO:
Moritz Stiefel! Creio que não preciso lembrá-lo de que de todos os alunos, o senhor é o que menos
está em condições tomar liberdades. Esse é o meu último aviso!
MERDA DE VIDA
MORITZ:
EU SONHEI QUE HAVIA UM ANJO
QUE ME OUVIA SUSSURRAR
OS MEUS GRITOS EM SILÊNCIO
E TENTAVA ME ACALMAR
E ME PISCAVA UM OLHO TORTO
COMO QUEM QUER ME AJUDAR
SENTAVA NO MEU OMBRO
E VINHA ME ENSINAR
E TOCAVA MEUS DEDOS
E GUIAVA MINHA MÃO
DESLIZANDO EM TODA PARTE
PROVOCANDO UMA EXPLOSÃO
DE REPENTE, TUDO BRANCO
SE ESPALHAVA PELO CHÃO
E O MEU ANJO SORRIDENTE
ME ABANDONA ENFIM ENTÃO

MENINOS:
NESSA MERDA DE VIDA

OTTO:
MERDA DE VIDA

MENINOS:
SÓ EU E MINHA MÃO

OTTO:
MINHA MÃO

MENINOS:

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YEAH! NESSA MERDA DE VIDA
ESTREITA RELAÇÃO

GEORG:
TODA NOITE, EU LEMBRO DELA
COM AQUELE SEU PEITÃO
SEMPRE AO LADO DO PIANO
CORRIGINDO A MINHA MÃO
PROFESSORA, QUANTAS NOTAS
EU PRECISO MARTELAR
PRA MORDER OS SEUS MELÕES
E NUNCA MAIS SOLTAR?

MENINOS:
NESSA MERDA DE VIDA
E TUDO SÓ FAZ MAL
TUDO SÓ FAZ MAL
MINHA MÃO, MINHA VIDA
SOMOS UM CASAL
MINHA MÃO COMIGO
SOMOS UM

ERNST:
NO CHUVEIRO DO COLÉGIO

HANSCHEN:
TEM UM CARA QUE EU OLHEI
COMO É SUJO E COMO É LINDO

ERNST:
EU DETESTO O QUE EU PENSEI

OTTO:
MARIANA QUE EU QUERIA
MAS QUE NUNCA DISSE SIM

HANSCHEN:
E AS BUNDAS FAZEM FILA
SÃO TODAS SÓ PRA MIM

MELCHIOR: NA HORA EM QUE EU SALTAR


NESSA MERDA DE VIDA NÃO SEI GRITAR
NÃO HÁ COMO ESCAPAR NÃO SEI GRITAR
NESSA MERDA DE VIDA NESSA MERDA DE VIDA
SÓ EU PRA ME ESFREGAR É ISSO E NÃO TEM MAIS
E NÃO TEM MAIS
EU PEÇO, SÓ PEÇO
E QUEM QUER MAIS
NÃO CALEM O QUE EU NÃO
NESSA MERDA DE VIDA SÓ VAI SE FODER
MENINOS: VIDA, VIDA
NESSA MERDA DE VIDA SE ALGUÉM FICOU PRA TRÁS
ESCAPAR NESSA MERDA DE VIDA
NESSA MERDA
E NÃO TEM MAIS
NESSA MERDA DE VIDA E QUEM QUER MAIS
NINGUÉM VAI SEGURAR SÓ VAI SE FODER
NESSA MERDA DE VIDA

HOMEM ADULTO:
Muito bem, senhores, entreguem versos e saiam levando todos os seus argumentos. Nos veremos
amanhã às sete em ponto.
OTTO:
Bom, eu tô indo.
ERNST:
Eu também.
HANSCHEN:
Eu vou com você, Ernst.
ERNST:
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Mas comigo?
HANSCHEN:
Sim. Vamos mergulhar no Homero. Melhor. Vamos estudar Alexandre, o Grande e seu amigo...
Vamos?
GEORG:
Até amanhã.
MELCHIOR:
Georg, vai pra casa estudar um pouco de Chopin?
GEORG:
A professora não gosta de ficar esperando.
MORITZ:
Melchi. Melchi, 60 versos de Homero. E todas aquelas equações. Eu vou ficar acordado a noite toda
de novo perseguido por outro desses sonhos.
MELCHIOR:
Ih, é, seus sonhos!
MORITZ:
Melchi, por que que eu tenho essa obsessão com pernas de mulher? Por que essa fixação cada vez
mais profunda de que alguma parte sombria do meu destino pode tá bem ali na… na… no meio delas?
MELCHIOR:
Então, eu vou te explicar. Olha, eu aprendi tudo nos livros mas é bom você se preparar, Moritz.
Depois que eu li sobre isso, eu virei ateu.
MORITZ:
Então não! Não! Aqui, não. Não posso falar desse assunto aqui!
MELCHIOR:
Moritz?
MORITZ:
Me faz um favor. Escreve tudo e esconde na minha pasta amanhã depois da ginástica. Se quiser
também, pode botar umas… ilustrações nas margens.
MELCHIOR:
Mostrando tudo?
MORITZ:
Tudo.
MELCHIOR:
Moritz.
MORITZ:
Espera, espera.
HOMEM ADULTO:
Incompreensível, Fraulein.
MULHER ADULTA:
Como assim?
HOMEM ADULTO:
Veja isto! Melchior Gabor, um jovem de visível capacidade intelectual.
MULHER ADULTA:
Muito distinta.
HOMEM ADULTO:
Um jovem que poderia ser o nosso melhor aluno.
MULHER ADULTA:
Nosso melhor, Herr Diretor.
HOMEM ADULTO:
E, no entanto, está aí se poluindo, fazendo gracinhas com esse… esse…
MULHER ADULTA:
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Imbecil neurastênico Moritz Stiefel.
HOMEM ADULTO:
Graças a Deus, a turma do próximo ano só comporta sessenta alunos. Nenhum a mais.
THEA:
A saia é maravilhosa. Tem um corpete todo rendado e um laço de seda nas costas.
MENINAS:
Ai, que lindo.
ANNA:
Wendla, o que que você vai vestir no o casamento de Gretel?
WENDLA:
Mamãe disse que nós não podemos ir.
THEA:
No casamento da Gretel?
ANNA:
Porque ela vai se casar com aquele homem pobre?
WENDLA:
Ela achou um pouco inadequado.
ANNA:
Mas eles tão decorando a igreja toda com orquídeas.
WENDLA:
Mamãe disse que não.
AMIGA:
Wendla.
ANNA:
Tomara que a sua mãe aprove o meu noivo quando for a minha vez.
WENDLA:
Ela vai aprovar.
AMIGA:
O meu também.
THEA:
E o meu também!
WENDLA:
Bem, nós todas sabemos com quem a Thea quer casar.
MARTHA:
Melchior…
MENINAS:
Gabor!
THEA:
E quem não quer?
ANNA:
Ele é muito bonito.
WENDLA:
Ele é maravilhoso.
MARTHA:
Mas não tão maravilhoso como aquele que tá sempre dormindo e triste e emotivo. Moritz.
ANNA & THEA:
Moritz Stiefel?!
THEA:
Como é que você pode comparar os dois? O Melchior, ele é tão… radical! Sabe o que tão falando por
aí? Que ele não acredita em nada. Nem em Deus, nem no Céu. Nada.

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MEU VÍCIO
ANNA:
Dizem que ele é o melhor aluno em tudo. Latim, grego, trigonometria.
AMIGAS:
História, Geografia.
THEA:
E o melhor é que ele não liga a mínima pra nada disso.
WENDLA:
MINHA VIDA É SEM GRAÇA
MEU DIA SEM SOL
MAS VOCÊ PASSA
E ACENDE UM FAROL

MARTHA:
EU QUASE TE AMO
POBRE INFELIZ
POBRE DE MIM
QUE NÃO POSSO O QUE EU QUIS

ANNA:
SERÁ QUE EU SOU TUA?
SERÁ QUE EU SONHEI?
A VIDA PASSANDO
E SÓ EU QUE PAREI
THEA:
EU TENTO E EU FINJO
E NÃO DÁ PRA ESCAPAR
MEU VÍCIO É VOCÊ
E NÃO VAI PASSAR

MENINAS:
E EU VOU PRA CHUVA
ATRÁS DE VOCÊ
NA NEVE EU ACHEI
QUE O CALOR É VOCÊ
MEU RUMO EU NÃO SEI
NEM MEU LUGAR
MEU VÍCIO É VOCÊ
E NÃO VAI PASSAR

MULHER ADULTA:
Muito bem, Georg, vamos agora ao Prelúdio em dó menor. Errado, errado, errado!
HANSCHEN:
Desdêmona, você já rezou essa noite, querida? Você não parece que está rezando deitada aí olhando
para o êxtase que está chegando…
HOMEM ADULTO:
Hanschen! Você está bem?
HANSCHEN:
É meu estômago de novo, papai, mas eu vou ficar bem.
HOMEM ADULTO:
Tem certeza?
HANSCHEN:
Tenho, tá tudo bem.
HOMEM ADULTO:
Então está bem.
HANSCHEN:
Ai, querida, querida. Eu acho que eu não posso simplesmente aceitar o teu assassinato, não. A
verdade é que eu não posso nem pensar nas longas noites a minha frente. É, esta sugando o meu
sangue! Ver você deitada aí assim me olhando. Algum de nós tem que partir: ou eu ou você.

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MULHER ADULTA:
Não, não, não! Errado, errado, errado! Vamos tentar valorizar agora um pouco mais a mão esquerda.
A mão esquerda, Georg!
HANSCHEN:
Ah, querida Desdêmona. Por quê? Por que você fecha seus joelhos assim mesmo agora à beira da
eternidade? Você não percebe que essa sua terrível castidade…
HOMEM ADULTO:
Hanschen! Chega de ficar aí dentro desse banheiro.
HANSCHEN:
Sim, senhor.
HOMEM ADULTO:
Volte para a cama. Filho?
HANSCHEN:
Um minutinho só! O último beijo nessas coxas branquinhas, nesses peitos de menina, nesses joelhos
cruéis, cruéis!
MULHER ADULTA:
Errado, errado, errado! Répétez, s'il vous plaît!
GEORG:
E VOCÊ ME MACHUCA
MALTRATA OUTRA VEZ
E EU TREMO POR DENTRO
E EU GOSTO É ASSIM

HANSCHEN:
E NÓS DOIS NO MEU QUARTO
E EU VOU TE MOSTRAR
VOU TE ENSINAR
CADA PARTE DE MIM
ELENCO:
THEA: DEITADA
DEITADA NA GRAMA
GRAMA
MEU SONHO É FELIZ
FELIZ
NÓS DOIS COMO UM PAR
UM PAR
UM CASAL COMO EU QUIS
COMO EU QUIS
ANNA:
NÃO COMO E NÃO BEBO
NÃO SEI MAIS BRINCAR
MEU VÍCIO É VOCÊ
E NÃO VAI PASSAR

MENINAS: MENINOS:
E EM QUALQUER JANELA EU VEJO VOCÊ VEJO VOCÊ
DE TODA AFLIÇÃO QUEM ME SALVA É VOCÊ SALVA É VOCÊ
VOCÊ ME ENCONTROU, VAI ME LEVAR ENCONTROU, MAS NÃO VAI PASSAR
MEU VÍCIO É VOCÊ, E NÃO VAI PASSAR NÃO VAI PASSAR
OH, MEU TEMPO PAROU MEU TEMPO
PRA TE ESPERAR PRS TE ESPERAR
MEU VÍCIO É VOCÊ MEU VÍCIO É VOCÊ
E NÃO VAI PASSAR E NÃO VAI PASSAR
NÃO VAI PASSAR NÃO VAI PASSAR
NÃO, NÃO, NÃO! NÃO, NÃO, NÃO!

HANSCHEN:
Ai, meu Deus!
HOMEM ADULTO:
Hanschen!
MELCHIOR:
16 de outubro. A questão é: a vergonha. Qual é a sua origem? Por que somos perseguidos pela
miserável sombra da vergonha? A égua sente vergonha quando cruza com o garanhão? Ficarão os
dois surdos a tudo que seus hormônios lhes ordenam até que nós os concedamos uma certidão de
casamento? Acho que não. Pra mim, a vergonha nada mais é do que um produto da educação. E, no

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entanto, o nosso pastor insiste em dizer em todos os seus sermões que ela está profundamente
enraizada em nossa pecaminosa natureza humana. É por isso que eu me recuso a ir à igreja.
MULHER ADULTA:
Melchior?
MELCHIOR:
Sim, mamãe.
MULHER ADULTA:
Moritz está aí e quer vê-lo.
MELCHIOR:
Moritz?
MORITZ:
Me desculpa vir tão tarde. Eu agarrei um casaco, passei um pente no cabelo e sai correndo. Voando
fe-fe-fe-feito um fantasma pra chegar até aqui.
MELCHIOR:
Você dormiu o dia inteiro?
MORITZ:
Eu tô exausto. Melchi, eu fiquei acordado até às três da manhã lendo o ensaio que você me deu até
que eu não conseguia mais enxergar direito!
MELCHIOR:
Senta aqui, Moritz. Vou preparar um cigarro pra você.
MORITZ:
Olha pra mim. Eu tô tremendo. A noite passada, eu rezei como Cristo no Monte das Oliveiras: “Por
favor, Deus, me dê tuberculose e afaste esses sonhos molhados de mim.”
MELCHIOR:
Vamos torcer pra que ele ignore essa prece.
MORITZ:
Eu não consigo me concentrar em nada. Parece que tudo… Eu tô enxergando, eu tô ouvindo, eu tô
sentindo tudo muito bem. Mas ao mesmo tempo, tudo parece tão estranho.
MELCHIOR:
E todas aquelas ilustrações? As que eu desenhei, elas não ajudaram a esclarecer os seus sonhos?
MORITZ:
Só multiplicaram tudo por dez. Ao invés de ver só as meias, eu agora sou perseguido por grandes
lábios!

MULHER ADULTA:
Meninos, estamos aqui com o chá. Herr Stiefel, como vai?
MORITZ:
Muito bem. ‘Brigado, senhora Gabor.
MULHER ADULTA:
Bem mesmo?
MELCHIOR:
Imagine, mamãe. Moritz passou a noite inteira acordado lendo.
MORITZ:
Fazendo umas conjugações de uns verbos gregos.
MULHER ADULTA:
Você deveria cuidar um pouco mais da sua saúde, Herr Stiefel. Ela é muito mais importante do que o
grego antigo.
MORITZ:
Obrigado.
MULHER ADULTA:
E você, meu filho, o que tem lido?
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MELCHIOR:
É “Fausto”, mamãe, de Goethe.
MULHER ADULTA:
Esse? Na sua idade?
MELCHIOR:
É tão bonito, mamãe.
MORITZ:
É tão educativo.
MULHER ADULTA:
Sim, eu sei, mas eu não pensei que… Pois bem, eu acho que vocês já estão na idade de decidir o que
é melhor pra vocês e o que não é. Se precisarem de mim, é só chamar.
MORITZ:
Nossa, sua mãe é mesmo fora do comum.
MELCHIOR:
É. Até ela pegar o filho dela lendo Goethe.
MORITZ:
Eu acho que ela tava pensando na história do filho ilegítimo.
MELCHIOR:
É. Vê como todos se fixam obsessivamente nessa história? Moritz, é como se todo mundo estivesse
hipnotizado por pênis e vaginas.
MORITZ:
Eu tô. Depois que eu li o seu ensaio, eu tô mais fixado ainda. Melchi, aquilo que você escreveu sobre
a… fêmea. Não consigo parar de pensar nisso. Nessa parte… Aqui. É verdade?
MELCHIOR:
Verdade absoluta.
MORITZ:
Como é que você consegue saber isso? O que a mulher deve sentir?
MELCHIOR:
Quando ela se entrega pra um homem?
MORITZ:
É.
MELCHIOR:
Ficar se defendendo no começo até, finalmente, se render e sentir o céu desabar sobre ela?
MORITZ:
É.
MELCHIOR:
Eu só me ponho no lugar dela e imagino.
MORITZ:
Sério?
VENHA
MORITZ:
E… qual deve ser a… a… sensação da mulher?
MELCHIOR:
LÁ VOU EU COMO UM BARCO
SEM UM RUMO E SEM FAROL
QUANTOS MARES EU VEREI?
E QUANTAS LUAS RUBRAS DEPOIS DO SOL?

MORITZ:
LÁ VOU EU COMO UM BARCO
SEM ESTRELAS, SEM FAROL
QUANTOS ROSTOS EU VEREI

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EM TANTAS LUAS CHEIAS DEPOIS DO SOL?

ERNST:
VENHA ME TOCAR
ONDE EU GOSTO
EU TE PEÇO
E EU QUERO MAIS
E DE NOVO
E OUTRA VEZ
EU TE IMPLORO

MORITZ:
Melchi, você tem que admitir que com todas as diferenças da genit… Geni…
MELCHIOR:
Genitália.
MORITZ:
É, genitália... É... Mas é muito esquisito... O que... Como é que pode esse troço todo caber lá dentro?
MELCHIOR:
Encaixar! Moritz, eu não tô dizendo que eu já fiz…
MORITZ:
Eu não tô dizendo que eu não quero fazer. Que eu nunca quis fazer isso. Que eu nunca pensei… Mas
é que… Melchior, eu tenho que ir!
MELCHIOR:
Tudo bem. Calma… Deixa eu falar… Calma… Moritz, espera!
MULHER ADULTA:
Está tudo bem, Melchior?
MELCHIOR:
Sim, mamãe.
MULHER ADULTA:
Moritz já foi?
MELCHIOR:
Foi.
MULHER ADULTA:
Ele está terrivelmente pálido. Você não acha, meu filho? Eu fico pensando se o grego antigo está
realmente fazendo bem a ele.

OTTO:
LÁ VOU EU COMO UM BARCO
EU ENCONTRO MEU FAROL
QUANTAS NOITES COM VOCÊ
E NOSSAS LUAS JUNTOS DEPOIS DO SOL
GEORG: ELENCO:
LÁ VOU EU COMO UM BARCO LÁ VOU EU
QUE JÁ SABE O SEU FAROL QUE JÁ SABE
NOS SEUS OLHOS EU ACHEI
AS LUAS QUE EU SONHAVA DEPOIS DO SOL
MELCHIOR & MORITZ: ELENCO:
VENHA VENHA
SILÊNCIO SILÊNCIO
DIZ PRA MIM BABY, ME FALA
NADA É PECADO NADA É PECADO, VEM
DESPERTA EM MIM
ACORDA EM MIM
O QUE É SÓ MEU LÁ DO MEU LADO
E EU TE ENTREGO
TODOS: ME ENSINA
VENHA COMO EU GOSTO

16
OH, COMO EU QUERO
VEM QUE EU QUERO MAIS ME ENSINA
COMO EU GOSTO
COMO EU QUERO
E O PECADO EU QUERO MAIS
VENHA ME TOCAR EU FAÇO MAIS
E MAIS ALI QUE É PECADO E SÓ NÓS DOIS
VENHA E O PECADO
E MAIS ALÉM
E BEM AQUI
ONDE EU GOSTO VENHA
E SÓ NÓS DOIS E O PECADO

GEORG:

TODOS:
ONDE EU GOSTO
ONDE EU GOSTO
ONDE EU GOSTO
ONDE EU GOSTO
WENDLA:
Melchior?
MELCHIOR:
Wendla! Você… O que você tá fazendo sozinha aqui na floresta? Se eu não te conhecesse, eu ia achar
que você era uma ninfa caída de uma árvore.
WENDLA:
Mamãe está fazendo licor e eu vim procurar umas ervas pra ela. E você?
MELCHIOR:
Eu tô aqui no meu lugar favorito, meu lugar privado pra pensar.
WENDLA:
Ah, desculpa.
MELCHIOR:
Não! Por favor. Então, o que que você anda fazendo?
WENDLA:
Bem, hoje de manhã foi maravilhoso. O nosso grupo da igreja trouxe cestas com alimentos e roupas
pros pobres.
MELCHIOR:
Eu me lembro de quando a gente fazia isso juntos.
WENDLA:
Você precisava ver os rostos deles, Melchior. Como nós alegramos o dia deles.
MELCHIOR:
Eu imagino. Wendla Bergman. Engraçado. Eu te conheço há tanto tempo e nós nunca conversamos
de verdade.
WENDLA:
Tivemos tão poucas oportunidades que estamos mais velhos.
MELCHIOR:
Verdade. Num mundo mais progressista, é claro, nós poderemos todos estar todos frequentando a
mesma escola. Moças e rapazes juntos. Não seria maravilhoso?
WENDLA:
Que horas são?
MELCHIOR:
Quase quatro.
WENDLA:
É? Eu pensei que era mais tarde. Eu fiquei descansando deitada na margem do rio, eu perdi a noção
do tempo. Eu pensei que já era… mais tarde.
MELCHIOR:

17
Você pode ficar sentada aqui mais um pouco? Olha, quando você encosta nesse carvalho e olha pras
nuvens, você começa a pensar em coisas hipnóticas...
WENDLA:
Eu tenho que voltar antes das cinco.
MELCHIOR:
Mas quando você deita aqui, uma nova paz tão… estranha… tão maravilhosa…
WENDLA:
Bom… Então, só um pouquinho.
O CORPO QUER FALAR
WENDLA:
PARECE UM SONHO, EU SEI
BROTAM PALAVRAS QUE EU NEM QUIS

MELCHIOR:
FISGAR ALGUÉM COM HIPÓTESES

MELCHIOR & WENDLA:


O CORPO QUER FALAR
É SÓ OUVIR

MELCHIOR:
QUISERA NÃO SENTIR

WENDLA:
OS DEDOS VÃO DESFAZENDO O NÓ

MELCHIOR:
APROXIMAR AS ANTÍTESES

MELCHIOR & WENDLA:


O PEITO QUER GRITAR
É SÓ OUVIR
EU SEREI TEU ESPINHO
TU SERÁS A MINHA CRUZ
EU SEREI TEU SANGUE
TU, A MINHA CICATRIZ
PARECE UM SONHO, EU SEI

WENDLA:
ELE AQUI NOS BRAÇOS MEUS

MELCHIOR:
ELA É REAL ENTRE AS DÚVIDAS

MELCHIOR & WENDLA:


OS DOIS DIZENDO SIM
É SÓ OUVIR
EU SEREI TEU ESPINHO
TU SERÁS A MINHA CRUZ
EU SEREI TEU SANGUE
TU, A MINHA CICATRIZ
WENDLA:
O sol está se pondo, Melchior. Eu preciso mesmo ir.
MELCHIOR:
Eu vou com você. Eu te levo até a ponte.
HANSCHEN:
E aí, eles não te pegaram?
MORITZ:
Não, graças a Deus.
ERNST:
Tá tremendo, Moritz.
MORITZ:

18
É de alegria. De pura, sólida alegria.
GEORG:
Jura por Deus?
MORITZ:
Pela minha mãe mortinha.
MELCHIOR:
Moritz, eu tava te procurando!
GEORG:
Ele entrou escondido na sala do diretor.
MELCHIOR:
Você ficou maluco?
MORITZ:
Eu tinha que fazer isso, Melchior. Eu tinha que fazer. E a notícia é a seguinte: eu entrei lá, olhei na
pista e… Passei.
HANSCHEN:
Você quer dizer que passou pra prova final, não?
MORITZ:
É. Mas não importa. O que importa… O que importa é que eu passei. Melchi, eu passei! Passei! Meu
Deus, eu acho que entrar no Céu deve ser uma sensação parecida.
HOMEM ADULTO:
Ora, ora, Fraulein Knuppeldick.
MULHER ADULTA:
Herr Knochenbruch.
HOMEM ADULTO:
Agora que aquele… O idiota, o nervosinho que mal consegue falar…
MULHER ADULTA:
Moritz Stiefel.
HOMEM ADULTO:
…agora que, de algum jeito, ele passou nas provas do semestre, parece que estamos enfrentando um
certo dilema. Na turma do próximo ano, como sabemos, só cabem sessenta alunos. Acho que
dificilmente conseguiríamos aprovar sessenta e um.
MULHER ADULTA:
Dificilmente, Herr Knochenbruch. Mas vamos pensar nas próximas provas finais.
HOMEM ADULTO:
Sim?
MULHER ADULTA:
Lembre-se, quem vai dar as notas sou eu.
HOMEM ADULTO:
Então estou certo que o bom nome da nossa escola será preservado.
ANNA:
Vamos para casa pelo caminho mais curto!
THEA:
Ah, vamos pela ponte.
ANNA:
Depois de andar duas horas?
THEA:
Vamos lá. Por favor.
ANNA:
Eu acho que alguém quer ver se o Melchior tá solto por aí.
THEA:
A última que chegar vai ter que beijar um sapo!

19
ANNA:
Martha! Martha, cuidado, sua trança tá soltando.
MARTHA:
Não.
THEA:
Solta, Martha. Não é chato pra você dia e noite? Você não solta o cabelo, não corta…
WENDLA:
Amanhã, eu vou trazer tesoura!
MARTHA:
Não, Wendla! Pelo amor de Deus! Papai já me dá surras demais!
WENDLA:
É mesmo?
MARTHA:
Não. É claro que não. Bobagem.
ANNA:
Martha! Martha! Nós somos suas amigas.
MARTHA:
Quando eu não faço o que ele quer…
ANNA:
O quê?
MARTHA:
Algumas noites, o papai… pega o cinto.
THEA:
Mas onde está sua mãe?
MARTHA:
"Martha, nós temos regras nessa casa. Seu pai não pode ser desobedecido!" Uma noite, eu corri pra
porta. "Vai sair pela porta? Muito bem... É ali mesmo que você vai passar a noite! Lá fora, na rua.”
MULHER ADULTA:
Na rua!
THEA:
Não!
MARTHA:
Tava tão frio.
ANNA:
Meu Deus!
WENDLA:
Ele te bate com o cinto?
MARTHA:
Qualquer coisa.
WENDLA:
Cinto com fivela?
MARTHA:
Veja.
ANNA:
Meu Deus!
WENDLA:
Martha, essas marcas são horríveis!
ANNA:
Temos que contar isso pra alguém!
MARTHA:
20
Não, Anna!
ANNA:
Mas temos que fazer isso!
MARTHA:
E se eles me expulsarem de vez?
WENDLA:
Quer dizer como aconteceu com a Ilse?
ANNA:
Mesmo assim!
MARTHA:
Não! Olha só o que aconteceu com a Ilse! Ela tá vivendo sei lá onde. Sei lá com quem.
WENDLA:
Se eu pudesse, ficava no seu lugar.
THEA:
Martha, não fica assim. O meu tio Klaus diz que se você não dá disciplina a um filho, é porque não
gosta dele.
MARTHA:
Deve ser.
ANNA:
Quando eu tiver filhos, se eles forem meninos, eles vão poder usar cor-de-rosa se quiserem. E as
meninas vão poder usar vestidos curtos e as meias pretas de seda. Sempre seda.
UM ESCURO SEM FIM
MULHER ADULTA:
Martha! Hora de ir para a cama. Vem, Martha!
MARTHA:
LÁ NO FUNDO DE MIM
É UM ESCURO SEM FIM

MULHER ADULTA:
Martha, querida, coloque aquela camisola linda de babados que o seu pai comprou pra você. Ele
gosta. Martha, não se atrase! Ele não suporta esperar.
MARTHA:
NA HORA EM QUE EU VOU DORMIR
MINHA MÃE SORRI
SERÁ QUE ELA NÃO SABE?
SERÁ QUE ELA NÃO SABE?
LÁ VOU EU
SE EU PUDESSE, NÃO
SE EU DISSESSE NÃO…
ENTÃO VOCÊ CHEGA
ENTÃO VOCÊ CHEGA
E ME PEDE UM BEIJO E “BOA NOITE, AMOR”
E ME ABRAÇA E ME SUSSURRA SOB O COBERTOR
“SOMOS SÓ NÓS DOIS
NÓS E UM SEGREDO”
AH, VOCÊ ME ENSINA COMO É BOM O AMOR
E ENTÃO VOCÊ ME DIZ SEM NENHUM PUDOR
“NÓS SOMOS SÓ NOS DOIS
NÓS E UM SEGREDO”

HOMEM ADULTO:
Ilse. Ilse!
ILSE:
Sim, papai.
HOMEM ADULTO:
Hora da historinha.

21
ILSE:
EU SEI QUE É ERRADO, EU SEI
MAS EU NÃO GRITEI
EU DEITADA ALI
DEITADA ALI
EU QUERO SER FORTE
EU VOU PRA RUA ESPALHAR
O QUE VOCÊ ME ENSINOU
COMO EU SOU LINDA

ILSE & MARTHA:


SIM, EU SOU LINDA
E ME PEDE UM BEIJO E “BOA NOITE, AMOR”
E ME ABRAÇA E ME SUSSURRA SOB O COBERTOR
“SOMOS SÓ NÓS DOIS
NÓS E UM SEGREDO”
AH, VOCÊ ME ENSINA COMO É BOM O AMOR
E ENTÃO VOCÊ ME DIZ SEM NENHUM PUDOR
“NÓS SOMOS SÓ NOS DOIS
NÓS E UM SEGREDO”
LÁ NO FUNDO DE MIM
É UM ESCURO SEM FIM
LÁ NO FUNDO DE MIM
É UM ESCURO SEM FIM
LÁ NO FUNDO DE MIM
É UM ESCURO SEM FIM
LÁ NO FUNDO DE MIM
É UM ESCURO SEM FIM

MELCHIOR:
27 de novembro. O problema é o seguinte: a terrível prerrogativa da parentocracia na educação
secundária.
MULHER ADULTA:
Herr Stiefel! Podemos conversar um pouco na sala do diretor?
MELCHIOR:
Um mundo em que os professores, assim como os pais, nos vêem meramente como matéria prima
para uma sociedade obediente, produtiva. Um organismo unificado, militarista. Onde tudo que é fraco
deve ser eliminado. Onde o progresso dos estudantes só tem reflexos entre os professores e,
portanto, uma única nota baixa é considerada uma ameaça.
WENDLA:
Melchior?
MELCHIOR:
Você?
WENDLA:
Eu estava deitada na margem do rio e então eu te vi aí.
MELCHIOR:
Sei.
WENDLA:
Então…
MELCHIOR:
Então… Na margem… Você… tava sonhando de novo?
WENDLA:
É. Acho que sim.
MELCHIOR:
Com o que você tava sonhando?
WENDLA:
Bobagem.
MELCHIOR:
Conta.

22
WENDLA:
Eu sonhei que era uma menininha bem desajeitada e derramava o café do meu pai e quando ele viu o
que eu tinha feito, ele tirou o cinto e me deu surra.
MELCHIOR:
Wendla, coisas assim não acontecem mais. Só em histórias.
WENDLA:
A Martha Bessel leva uma surra quase toda noite. No dia seguinte, ela aparece toda marcada. Você
fica tremendo só de ouvir ela contar como é. Ultimamente, eu não consigo pensar em outra coisa.
MELCHIOR:
Alguém devia dar queixa.
WENDLA:
Sabe, eu nunca levei uma surra. Nenhuma vez. Eu não consigo nem imaginar como é. Deve ser ruim.
MELCHIOR:
Eu não acho que alguém fique melhor porquê apanha.
WENDLA:
Eu tentei bater em mim mesma pra ver como é que a gente se sente de verdade… Por dentro. Olha
esse galho, por exemplo. É rígido. Cortante.
MELCHIOR:
Isso tira sangue, sabia?
WENDLA:
Só se você bater em mim com isso.
MELCHIOR:
Eu bater em você?
WENDLA:
Em mim.
MELCHIOR:
Wendla! Que que você tá pensando?
WENDLA:
Nada.
MELCHIOR:
Eu nunca seria capaz de bater em você!
WENDLA:
Mas se eu deixasse?
MELCHIOR:
Nunca!
WENDLA:
Mas e se eu te pedisse?
MELCHIOR:
Você ficou maluca?
WENDLA:
A Martha me contou…
MELCHIOR:
Wendla, você não pode ficar com inveja de uma pessoa que apanha!
WENDLA:
Mas eu nunca levei uma surra em toda minha vida! Eu nunca senti…
MELCHIOR:
O quê?
WENDLA:
Eu nunca senti nada. Por favor.
MELCHIOR:
Não posso, Wendla.
WENDLA:
23
Por favor, Melchior. Eu nem senti.
MELCHIOR:
Não sentiu por causa do vestido.
WENDLA:
Então nas minhas pernas.
MELCHIOR:
Wendla…
WENDLA:
Faz, por favor!
MELCHIOR:
Eu vou te ensinar a dizer por favor.
WENDLA:
Isso foi quase um carinho!
MELCHIOR:
E agora?
WENDLA:
O pai da Martha bate com o cinto. Ele tira sangue, Melchi!
MELCHIOR:
E agora?
WENDLA:
Nada!
MELCHIOR:
E agora?
WENDLA:
Nada!
MELCHIOR:
E agora?
WENDLA:
NADA!
MELCHIOR:
Sua bruxa! Eu vou te machucar muito!
O CORPO QUER FALAR (REPRISE 1)
OTTO:
EU SEREI TEU ESPINHO
TU SERÁS A MINHA CRUZ
OTTO & GEORG:
EU SEREI TEU SANGUE
TU, A MINHA CICATRIZ
MORITZ:
Pai? Pai?
HOMEM ADULTO:
Moritz? Sim.
MORITZ:
Pai, eu tô… Eu estava pensando… Só por hipótese… O que aconteceria se…
HOMEM ADULTO:
Se?
MORITZ:
Se eu… algum dia… Eu fosse reprovado. Não que… que eu tenha…
HOMEM ADULTO:
Você está me dizendo que foi reprovado?
MORITZ:
Não, pai, eu só quero dizer que…
24
HOMEM ADULTO:
Você foi reprovado, não foi? Eu posso ver no seu rosto!
MORITZ:
Se algum dia… Não, pai…
HOMEM ADULTO:
Então chegamos a esse ponto!Não posso dizer que esteja surpreso. Reprovado! Então, o que sua mãe
e eu devemos fazer? Você me diga, filho. O quê? Com que cara ela vai aparecer agora na sociedade
dos missionários? Com que cara? O que é que eu vou dizer no banco? O que é que nós vamos dizer?
Meu filho reprovado! Reprovado! Graças a Deus, meu pai não está vivo para ver essa desgraça.
A CARTA
MULHER ADULTA:
Prezado Moritz Stiefel… Não, Moritz. Passei o dia todo pensando no seu bilhete e realmente fiquei
comovida por você me ver não só como mãe de Melchior, mas também como uma amiga.
Naturalmente, me entristece que você não tenha se saído tão bem como esperávamos em suas
provas e que não vai passar de ano. No entanto, devo lhe dizer de imediato que fugir para a América
não deve ser a saída. E mesmo se fosse, não posso lhe arrumar o dinheiro que você me pede.
MORITZ:
AHAN, AHAN, AHAN, TÁ BOM
JÁ QUE NÃO PODE, ENTÃO TÁ BOM
EU JÁ PERDI, EU JÁ DANCEI
JÁ PASSOU DA HORA E EU FIQUEI
MULHER ADULTA:
Você seria injusto comigo, Moritz, se visse em minha recusa alguma ausência de afeto. Pelo
contrário, como mãe de Melchior, eu realmente creio que é meu dever, para abrandar essa perda
tamanha…
MORITZ:
É MUITO POUCO O QUE EU PEDI
EU QUERO É SÓ SUMIR DAQUI
E OLHA SÓ, NÃO FAZ ASSIM
NÃO FALA MAIS
ME EMPRESTA E ENTÃO OK
MULHER ADULTA:
Se você quiser, eu me prontifico a escrever aos seus pais. Tentarei convencê-los de que ninguém
poderia ter se esforçado mais no último semestre e também uma condenação exageradamente
rigorosa do seu infortúnio, poderia causar efeito mais grave possível sobre…

MORITZ:
VOCÊ ME OLHA E NÃO ME VÊ
VOCÊ PERGUNTA ENTÃO PORQUÊ
E QUANTO MAIS PERGUNTA
EU MENOS SEI

MULHER ADULTA:
No entanto, Herr Stiefel, uma coisa em sua carta me perturbou. A sua… Como eu posso dizer? A sua
ameaça velada de que se não for possível uma escapada, você tiraria a própria vida...
MORITZ:
OK, O JOGO É PRA JOGAR
EU VOU FINGIR E ACREDITAR
VOCÊ ME DIZ, EU JÁ SEI
TUDO É SÓ PRO BEM

MULHER ADULTA:
Meu querido, o mundo está cheio de homens, empresários, cientistas e até professores que não
foram bem na escola e, no entanto, depois tiveram carreiras brilhantes. Considere, por exemplo,
aquele notável e estimado…
MORITZ:
ESCREVE AOS PAIS E DIZ ENTÃO
QUE O FILHO ENTROU NA CONTRAMÃO
E NÃO TEM MAIS VOLTA
NÃO TEM MAIS
25
E DIZ ASSIM QUE ELE FUGIU
NUM NAVIO QUE EXPLODIU
NINGUÉM MAIS OUVIU FALAR
NÃO MAIS
NÃO MAIS
NÃO MAIS

MULHER ADULTA:
De qualquer forma, eu lhe asseguro que o seu atual infortúnio em nada mudará os meus sentimentos
em seu respeito e muito menos em sua relação com Melchior…
MORITZ & HANSCHEN:
AHAN, AHAN, TÁ BOM
JÁ QUE NÃO PODE, ENTÃO TÁ BOM
EU JÁ PERDI, EU JÁ DANCEI

HANSCHEN:
MAS NADA VAI MUDAR

MORITZ:
EU SEI QUE NÃO

MORITZ & OTTO:


VOCÊ ME OLHA E NÃO ME VÊ
VOCÊ PERGUNTA ENTÃO POR QUÊ

OTTO:
E TODAS AS RESPOSTAS

MORITZ:
EU NÃO SEI

MORITZ & ERNST:


NÃO TEM NINGUÉM PIOR QUE EU
NINGUÉM FALHOU, NINGUÉM PERDEU

GEORG:
NÃO TEM MAIS PORTAS

MENINOS:
TODAS EU FECHEI

MULHER ADULTA:
Fique de cabeça erguida, Herr Stiefel, e me dê notícias em breve. Neste ínterim, fique com os meus
mais sinceros votos de felicidade. Atenciosamente, Fanny Gabor.
MORITZ:
TÁ BOM AGORA, ENTÃO JÁ DEU
A VIDA CORRE MAIS QUE EU
O QUE EU ACHAVA QUE ERA MEU
EU JÁ NÃO TENHO MAIS

MORITZ & OTTO:


JÁ NÃO TENHO MAIS

MORITZ, OTTO & GEORG:


JÁ NÃO TENHO MAIS

MENINOS:
JÁ NÃO TENHO MAIS

NO FUNDO DO BREU
MENINOS:
APAGUE A LUZ E TUDO SE DESFAZ
VAI SUMIR SEU HORROR
SUA DOR JÁ NÃO DÓI
E TODAS AS MARCAS QUE A LUZ SÓ ATRAI
SE O DIA INVENTOU, A NOITE DESTRÓI

MELCHIOR:
MAS NÃO DÁ PRA FUGIR LÁ NO FUNDO DO BREU
O HOMEM QUE EU SOU É CRIANÇA E CRESCEU
TEM ALGUÉM SEMPRE ALI, O FANTASMA É MEU

26
TRANCADO EU ESTOU E A JAULA SOU EU

MENINOS:
E O MEDO TAMBÉM JÁ VAI SE ESPREMER
NAS FRESTAS DE LUZ ELE HÁ DE ESCORRER
ENTÃO VOCÊ FICA SOZINHO E EM PAZ
SEM MEDO E SEM DOR, TODO MUNDO É CAPAZ

MELCHIOR:
MAS NÃO DÁ PRA FUGIR LÁ NO FUNDO DO BREU
É FRIO E SEM COR, A CRIANÇA CRESCEU
SÓ EU ENXERGUEI, SÓ EU CONHECI
NINGUÉM SABE VER O QUE EM MIM SÓ EU VI

WENDLA:
Melchior? Então é aí que você estava.
MELCHIOR:
Vai embora.
WENDLA:
Vem chegando uma tempestade. Você não pode ficar aí emburrado num canto...
MELCHIOR:
Vai embora, por favor.
WENDLA:
Todo mundo está na igreja ensaiando no coral. Eu escapuli.
MELCHIOR:
Tá bom.
WENDLA:
O seu amigo Moritz não apareceu. Dizem que ele está sumido o dia todo.
MELCHIOR:
É, ele deve tá cansado de ir à igreja!
WENDLA:
Pode ser. Sabe, o seu diário ficou comigo.
MELCHIOR:
Com você?

WENDLA:
Você esqueceu ele no outro dia. Eu confesso que eu tentei ler…
MELCHIOR:
Deixe ele aí, por favor.
WENDLA:
Melchior, eu sinto muito pelo o que aconteceu. De verdade. Eu entendo porque você tá zangado
comigo. Eu não sei…
MELCHIOR:
Por favor, não fala mais.
WENDLA:
Mas como é que eu posso…
MELCHIOR:
Por favor, não fala! Nós estávamos confusos. Estávamos apenas…
WENDLA:
Mas foi por minha culpa…
MELCHIOR:
Fui eu. Foi tudo eu. Disparou uma coisa em mim quando eu te bati.
WENDLA:
Uma coisa em mim também.
MELCHIOR:
Mas eu te machuquei.
27
WENDLA:
É mas…
MELCHIOR:
Pelo amor de Deus, para! Você tem que ir embora. Vai embora.
WENDLA:
Por que não vem para o campo agora, Melchior? Tá escuro aqui e abafado. A gente pode correr na
chuva. Ficar encharcado. E nem ligar.
MELCHIOR:
Me perdoa.
WENDLA:
A culpa foi minha. Toda minha.
MELCHIOR:
Eu escuto o seu coração, Wendla.
WENDLA:
Melchi, eu não sei…
MELCHIOR:
Desde aquele dia, eu escuto o seu coração em todo o lugar que eu vou.
WENDLA:
E eu ouço o seu. Não, espera, para! A gente não pode… Eu não posso…
MELCHIOR:
A gente não pode o quê? Amar? Wendla, eu nem sei se isso existe.
ACREDITO
MELCHIOR:
Wendla, eu escuto seu coração. Eu escuto a sua respiração em todo lugar que eu vou. Na chuva. No
feno. Por favor, Wendla. Por favor.
WENDLA:
Não! É que isso… Isso é…
MELCHIOR:
O quê? Pecado?

WENDLA:
Não! Eu não sei…
MELCHIOR:
O quê? Por que faz a gente sentir alguma coisa aqui dentro?
WENDLA:
Não, é que isso… Espera!
MELCHIOR:
Sou eu. Sou eu.
WENDLA:
É que isso… Isso é…
MELCHIOR:
Sim?
WENDLA:
Sim. Melchior?
MENINOS & MENINAS:
ACREDITO, ACREDITO, ACREDITO
EU ACREDITO
QUE NÃO É PECADO [2x]
ACREDITO, ACREDITO, ACREDITO
EU ACREDITO
NO AMOR SAGRADO [2x]
ACREDITO, ACREDITO, ACREDITO
EU ACREDITO
28
QUE NÃO É PECADO
ACREDITO, ACREDITO, ACREDITO
EU ACREDITO

GRUPO 1: GRUPO 2:
NO AMOR SAGRADO QUE NÃO É PECADO

GRUPO 3:
GRUPO 4:
ACREDITO
PAZ E ALEGRIA
HARMONIA E GLÓRIA
MENINOS & MENINAS:
PAZ E ALEGRIA
HARMONIA E GLÓRIA
EU ACREDITO

29
2º ATO

O CORPO É O CULPADO
HOMEM ADULTO:
Voltemo-nos hoje,meus filhos,para um aforismo muito querido de Martinho Lutero.“A Deus,a nossos
professores, a nossos pais nunca poderemos oferecer gratidão suficiente.”Bem sabemos nós, essas
palavras podem soar aos nossos ouvidos modernos como estranhas, duvidosas, antiquadas. No
entanto,perguntemos a nós mesmos,cada um de nós,dentro do mais profundo de nossos corações.
De quantas maneiras honramos ou desonramos pai e mãe? De quantas maneiras nos afastamos em
alma e corpo de todos os sábios ensinamentos de nossos sacerdotes, nossos professores?
MELCHIOR:
Wendla, você está bem?
WENDLA:
COMEÇOU DE UM JEITO
DOCE E FELIZ
ESSA CAIXINHA ONDE A GENTE GUARDOU
O QUE A GENTE SEMPRE QUIS
ELENCO:
ALGUÉM DECIFRA UM SONHO
WENDLA:
VEM ME ACORDAR PRA SOFRER OUTRA VEZ
ELENCO:
ALGUÉM DECIFRA A GENTE

30
WENDLA:
A GENTE INSISTE NO SONHO
E AGORA O CORPO É O CULPADO, SIM
PORQUE NÃO DEIXA ESQUECER
E DEPOIS SÓ NÓS DOIS
DOIS QUE AGORA ESTÃO NO CHÃO
MURMURAM POR UM QUASE PERDÃO
MELCHIOR:
Wendla? Você está bem?
WENDLA:
Acho que sim. Estou bem, sim.
MELCHIOR:
CORAÇÃO DISPARA SEM COMPREENDER
TODA JANELA REFLETE O SEU OLHAR
E TUDO AGORA É VOCÊ
ELENCO:
ALGUÉM DECIFRA UM SONHO
MELCHIOR:
VEM ME ACORDAR PRA MORRER OUTRA VEZ
ELENCO:
ALGUÉM DECIFRA A GENTE
MELCHIOR:
A GENTE É FEITO DE SONHO
ELENCO:
E AGORA O CORPO É O CULPADO, SIM
PORQUE NÃO DEIXA ESCAPAR
NÃO PASSOU, NÃO SUMIU
E AINDA AS MÃOS SOBRE AS MÃOS
IMPLORAM POR UM QUASE PERDÃO
HOMEM ADULTO:
Ah, meus filhos! Filhos! De que maneiras disfarçamos os erros até de nós mesmos? As barganhas
secretas que fizemos com os nossos próprios demônios?
ELENCO:
E AGORA O CORPO É O CULPADO, SIM
PORQUE NÃO DEIXA ESQUECER
E DEPOIS SÓ NÓS DOIS
DOIS QUE AGORA ESTÃO NO CHÃO
MURMURAM POR UM QUASE PERDÃO
E AGORA O CORPO É O CULPADO, SIM
MORITZ:
Chega! Chega!
NÃO TEM TRISTEZA
MORITZ:
EU SEREI IGUAL A BORBOLETA AZUL
TÃO LEVE CONTRA O VENTO
E SEM UM NORTE OU SUL
NADA DENTRO, NADA FORTE E NADA MAL
A VIDA É FEITA SÓ DE LUZ
E NADA VAI MUDAR
OU TALVEZ EU SEREI O VENTO DE UM VERÃO
QUE PASSA SOBRE AS COISAS SEM QUALQUER RAZÃO
SEM NENHUM DESGOSTO
SEM DESASTRE, SEM DIREÇÃO
EU SOPRO SEM PEDIR PERDÃO
LÁ VOU EU
NÃO TEM TRISTEZA
PRA MIM NÃO EXISTE MAIS
JÁ NEM SEI ONDE É QUE DÓI
JÁ NÃO ME MACHUCA MAIS
NÃO TEM TRISTEZA

31
JÁ PASSOU PRA MIM
JÁ PROVEI E ABUSEI
EU ME LAMBUZEI
NÃO TEM TRISTEZA
EU GASTEI
DA TRISTEZA
EU PASSEI
ILSE:
Moritz!
MORITZ:
Ilse?
ILSE:
Você perdeu alguma coisa?
MORITZ:
Por que você me assustou? Merda.
ILSE:
O que você tá procurando?
MORITZ:
Eu adoraria saber.
ILSE:
Então por que procura?
MORITZ:
Não sei… Onde é que você… andou metida?
ILSE:
Sabe aquela… colônia dos artista?
MORITZ:
Sei.
ILSE:
Todos pervertidos, Moritz. Selvagens. Tão boêmios! Tudo que eles querem fazer é tirar minha roupa
e me pintar. Tem um tal de Johann que é completamente maluco por mim. Derruba tudo que é tinta
e vem correndo atrás de mim me perseguindo com aquele pincel dele. Os homens são assim. Se
não conseguem te enfiar uma coisa, tentam te enfiar outra. Meu Deus, Moritz! Outro dia, a gente
bebeu tanto que eu desmaiei na neve. Fiquei lá. Deitada. Inconsciente. A noite toda. Depois disso,
eu passei uma semana inteira com um tal de Gustav Wohl. Verdade. Bebendo absinto.
MORITZ:
Absinto?
ILSE:
E cheirando éter com ele.
MORITZ:
Éter?
ILSE:
Até que hoje de manhã, ele me acordou com um revólver apontado pro meu peito e disse, “Se você
piscar, eu acabo com você!” Sabe… eu fiquei toda arrepiada. Mas e você, Moritz, ainda tá na escola?
MORITZ:
Esse semestre é o último.
ILSE:
Meu Deus. Já?
MORITZ:
Já.
ILSE:
Nossa! ‘Cê lembra quando a gente costumava voltar da escola correndo pra minha casa brincar de
pirata? A Wendla. O Melchior. Você e eu.
VENTO TRISTE
ILSE:
32
PRIMAVERA
QUANTO TEMPO FAZ
TANTO TEMPO ATRÁS
TANTAS AS MANHÃS, SIM
QUANDO SOL BRILHOU
SOBRE OS LIVROS SOLTOS NO CHÃO
PRIMAVERA
MAS NOS OUTONOS
UM VENTO TRISTE NUNCA DESISTE
DO NOSSO ROSTO
NOS INVADE COM SEUS DEDOS
FRIOS ASSIM, SEM PERDÃO
PRIMAVERA
QUANTO TEMPO FAZ
TANTO TEMPO EM NÓS
TANTAS AS MANHÃS, SIM
QUANDO O SOL BRILHOU
ENTRE AS NUVENS GORDAS NO CÉU
PRIMAVERA
MORITZ:
Eu acho que eu vou indo, hein, Ilse?
ILSE:
Espera! Vem caminhando até minha casa comigo.
MORITZ:
E?
ILSE:
E a gente procura aquelas machadinhas e vamos brincar nós dois, Moritz, como nos velhos tempos!
MORITZ:
É, era uma época boa. Brincar de índio era bom.
ILSE:
Eu vou pentear o seu cabelo. Fazer ele ficar todo encaracolado e deixar você montar no meu
cavalinho de pau.
MORITZ:
Ilse, bem que eu gostaria.
ILSE:
Então por que você não vem?
MORITZ:
Porque eu tenho oitenta versos de Virgílio pra decorar. Dezesseis equações. E uma dissertação
sobre História Antiga.
NÃO TEM TRISTEZA / VENTO TRISTE
MORITZ:
OU TALVEZ EU SEREI AS CORDAS DE UM VARAL
ROUPAS SOBRE MIM E EU ALI NO SOL
TODA TARDE EU ALI
NÃO IMPORTA O QUE EU SEI
NÃO SEI
E QUANDO A NOITE VEM
É SÓ A LUA E EU ILSE:
LÁ VOU EU PRIMAVERA
NÃO TEM TRISTEZA QUANTO TEMPO FAZ
PRA MIM NÃO EXISTE MAIS TANTO TEMPO ATRÁS
JÁ NEM SEI ONDE É QUE DÓI TANTAS AS MANHÃS, SIM
JÁ NÃO ME MACHUCA MAIS QUANDO SOL BRILHOU
NÃO TEM TRISTEZA PRIMAVERA
JÁ PASSOU PRA MIM QUANTO TEMPO FAZ
JÁ PROVEI E ABUSEI TANTO TEMPO EM NÓS
EU ME LAMBUZEI TANTAS AS MANHÃS, SIM
NÃO TEM TRISTEZA QUANDO O SOL BRILHOU
EU GASTEI SOBRE AS FOLHAS SECAS
DA TRISTEZA NO CHÃO
EU PASSEI PRIMAVERA
33
MORITZ:
Boa noite, Ilse.
ILSE:
Boa noite?
MORITZ:
Eu tenho que estudar. Lembra?
ILSE:
Mas é só uma hora.
MORITZ:
Ilse, eu não posso.
ILSE:
Bom… Pelo menos, me acompanha até a porta.
MORITZ:
É sério, Ilse. Eu… Eu gostaria de poder.
ILSE:
Sabe… Quando você finalmente acordar, eu vou estar jogada numa lata de lixo.
MORITZ:
Pelo amor de Deus. Tudo que eu precisa fazer… era dizer sim. Ilse? Ilse? Ilse! Meu Deus, e agora? O
que eu vou dizer pra eles? O que eu vou dizer pra eles? Eu posso dizer pra todos os anjos que eu
fiquei bêbado. É, eu… eu bebi absinto e caí na neve. Eu cantei. E brinquei de pirata. É isso. É o que
eu vou dizer pra todos eles. Pronto. Pronto. Eu tô pronto. Eu vou ser um anjo. Há dez minutos, dava
pra ver todo o horizonte. Agora… Agora só a penumbra. Eu posso ver as estrelas. Está tão… escuro.
Tá tão escuro… Tão escuro.
O QUE FICOU PRA TRÁS
MELCHIOR:
VOCÊ AGORA ENQUANTO PAI
AJEITA AQUELA FLOR
UM AFAGO TALVEZ
NUM ROSTO SEM COR
AGORA QUE ELE JÁ FECHOU
OS OLHOS PRA VOCÊ QUE VOCÊ NOTOU
E PAROU PRA VER

ELENCO:
MAS JÁ PASSOU
E JÁ PASSOU
COMO A SOMBRA QUE SUMIU
ATRÁS DO MURO
MELCHIOR:
TUDO O QUE ELE QUIS
FICOU PRA TRÁS
TUDO QUE A MÃE SONHOU
NÃO SONHA MAIS
E O PAI NÃO FEZ
PORQUE SÓ GUARDOU
AS FRASES SEM FALAR
A FESTA QUE VOCÊ NÃO FEZ
JÁ NÃO HÁ MAIS PLANOS
NÃO PRA VOCÊS
COM TODAS AS PISTAS
VOCÊ NÃO DESCOBRIU
ERA SANGUE SEU E VOCÊ NÃO SENTIU
ELENCO:
MAS JÁ PASSOU
E JÁ PASSOU
COMO A SOMBRA QUE SUMIU
ATRÁS DO MURO
MELCHIOR:
TUDO O QUE ELE QUIS
34
FICOU PRA TRÁS
TUDO QUE A MÃE CERZIU
NÃO SERVE MAIS
E QUE O PAI NÃO FEZ
NÃO CONTA MAIS
TUDO O QUE ERA SEU
FICOU PRA TRÁS
TODOS OS FANTASMAS
QUE ELE FOI ATRÁS
E JAMAIS VENCEU, NÃO VENCE MAIS
ELENCO:
MAS JÁ PASSOU
E JÁ PASSOU
COMO A SOMBRA QUE SUMIU
ATRÁS DO MURO
MELCHIOR:
E AGORA JÁ FICOU
FICOU PRA TRÁS
ELE JÁ FICOU
FICOU PRA TRÁS
ELE JÁ FICOU
FICOU PRA TRÁS
HOMEM ADULTO:
Fraulein Knuppeldick.
MULHER ADULTA:
Herr Knochenbruch.
HOMEM ADULTO:
Temos que tomar medidas imediatas e radicais para não sermos vistos como uma dessas
instituições afetadas por essa verdadeira epidemia de suicídio de adolescentes.
MULHER ADULTA:
De fato, senhor. Mas não será uma guerra fácil de ganhar. Não há apenas a corrupção moral da
nossa juventude e sim da sensualidade que cresce inciosamente nesses tempos de liberaridade.
HOMEM ADULTO:
Concordo plenamente. É uma guerra. Naturalmente, deve haver baixas. Mande o menino entrar.
MULHER ADULTA:
Certamente, senhor.
HOMEM ADULTO:
Parece, meu jovem, que todos os caminhos levam à você. Você entende o que eu estou dizendo?
MELCHIOR:
Senhor, eu receio que…
HOMEM ADULTO:
Receia? E tem motivos para recear. Dois dias depois que o pai soube da morte do jovem… O
jovem…
MULHER ADULTA:
Moritz Stiefel!
HOMEM ADULTO:
Moritz Stiefel! Ele fez uma busca entre os objetos do rapaz e descobriu um certo documento
depravado e ateu que deixava terrivelmente claro…
MULHER ADULTA:
Terrivelmente claro!
HOMEM ADULTO:
…a total corrupção moral do jovem. Corrupção que, indubitavelmente, apressou a morte do menino.
MULHER ADULTA:
Indubitavelmente.
HOMEM ADULTO:
Estou me referindo, como você pode estar sabendo, a um ensaio de dez páginas intitulado muito
inocentemente “A Arte do Coito”.
35
MULHER ADULTA:
“A Arte do Coito”.
HOMEM ADULTO:
Acompanhado de ilustrações, digamos, realistas…
MELCHIOR:
Senhor, se eu pudesse, pelo menos…
HOMEM ADULTO:
Se comportar apropriadamente? Sim, aí as coisas teriam sido inteiramente diferentes.
MULHER ADULTA:
Inteiramente!
HOMEM ADULTO:
De nossa parte, fizemos um exame detalhado da caligrafia do documento obsceno e a comparamos
com a de todos os alunos.
MELCHIOR:
Se o senhor me mostrasse pelo menos uma obscenidade, eu poderia…
HOMEM ADULTO:
Você tem que me responder apenas as perguntas que farei com toda precisão com um sim ou não
imediato e decisivo. Melchior Gabor, você escreveu isso?
SE FODEU
MULHER ADULTA:
Você escreveu isso?
MELCHIOR:
NÃO DÁ MAIS PRA NEGAR, FODEU
MAIS UM PASSO E JÁ APODRECEU
FIM DA LINHA JÁ, VOCÊ DANÇOU
APAGOU A LUZ, É O FIM DO SHOW
OTTO:
O QUE FAZ VOCÊ SE ARREPIAR
É QUE ESSA MERDA AINDA VAI CHEIRAR
E VOCÊ PERGUNTA
“HEI, O QUE É QUE EU FIZ?”
VOCÊ É UM CÃO QUE OS CARAS GOSTAM DE CHUTAR

GEORG:
SE FODEU E NÃO TEM MAIS FIM
NÃO TEM MAIS JEITO, JÁ PERDEU

HANSCHEN:
VAI ERRAR SE FALAR DEMAIS

OTTO, GEORG & HANSCHEN:


VAI FALAR, AHAM, FODEU

TODOS:
SE FODEU, RAPAZ, E NÃO TEM PERDÃO
E NÃO TEM MAIS PORTA PRA FUGIR
JÁ SE FODEU
E ELES VÃO TENTAR
TE ESFOLAR E TE CUSPIR

MELCHIOR:
BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ

TODOS:
BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ

HOMEM ADULTO:
Herr Gabor, responda!
MELCHIOR:
VOCÊ QUER SUMIR E NÃO VOLTAR
VOCÊ QUER MENTIR
E VOCÊ VAI JURAR
36
E ELES VÃO PEGAR E VÃO TORCER
SE VOCÊ NEGAR, ELES VÃO SABER

HOMEM ADULTO:
Herr Gabor, responda!
TODOS:
SE FODEU, RAPAZ, E NÃO TEM PERDÃO
E NÃO TEM MAIS PORTA PRA FUGIR
JÁ SE FODEU
E ELES VÃO TENTAR
TE ESFOLAR E TE CUSPIR

HOMEM ADULTO:
Melchior Gabor, pela última vez...
HOMEM & MULHER ADULTOS:
Você escreveu isso?
MELCHIOR:
Sim!
TODOS:
SE FODEU, RAPAZ, E NÃO TEM PERDÃO
E NÃO TEM MAIS PORTA PRA FUGIR
JÁ SE FODEU
E ELES VÃO TENTAR
TE ESFOLAR E TE CUSPIR
BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ…
BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ…
BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ…
BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ-BLÁ…
VAI SE FODER!

HANSCHEN:
Esse sino dá uma paz na gente, não?

ERNST:
Eu sei. Às vezes, quando tá tudo em silêncio de noitinha que nem agora, eu imagino que eu sou um
pastor no campo. Com a minha mulher de bochechas vermelhas, a minha biblioteca, os meus
diplomas e as crianças da vizinhança vêm correndo me dar as mãos quando eu chego em casa.
HANSCHEN:
Você tá falando sério? Meu Deus, Ernst, você é tão sentimental.
ERNST:
Eu?
HANSCHEN:
Você sabe aquela cara de devoto dos padres? Sabe? Aquela… Aquela cara de tranquilidade deles?
ERNST:
Sei.
HANSCHEN:
Aquilo tudo é encenação! É só pra esconder a inveja deles. Olha aqui. Só existem três rumos que
um homem pode tomar na vida. Ele pode deixar que a situação o derrote, como o Moritz. Ele pode…
Pode jogar tudo pro alto que nem o Melchior e acabar expulso. Ou ele pode esperar. Esperar
pacientemente e deixar que o sistema todo atue a seu favor, como eu.
ERNST:
Como você?
HANSCHEN:
Pensa no futuro como um balde cheio de leite. Como o homem se cansa de mexer pra transformar o
leite em manteiga. O outro é estabanado, derrama o leite e chora a noite toda. Mas eu… Eu sou
como um gatinho. Eu fico só ali lambendo a nata e o creme.
ERNST:
Lambendo a nata?

37
O CORPO QUER FALAR (REPRISE 2)
HANSCHEN:
Isso.
ERNST:
Mas como você faz…? Tá rindo? De quê? De mim? Hanschen?
HANSCHEN:
O FEL ESTÁ EM MIM
EU SOU O NÉCTAR NO JARDIM
VEM DESCOBRIR ENTRE OS LÁBIOS MEUS
SEU CORPO QUER PROVAR
É SÓ SENTIR
EU SEREI TEU ESPINHO
TU SERÁS A MINHA CRUZ
EU SEREI TEU SANGUE
TU, A MINHA CICATRIZ

ERNST:
Meu Deus.
HANSCHEN:
Eu sei
ERNST:
Hanschen?
HANSCHEN:
Quando a gente lembrar dessa noite daqui trinta anos, ela vai parecer inacreditavelmente linda.
ERNST:
Mas só daqui há trinta anos? Até lá…
HANSCHEN:
Por que não?
ERNST:
Quando a gente tava vindo pra cá, Hanschen… Eu imaginei que a gente ia só conversar, sabe...
HANSCHEN:
Você tá arrependido de…?
ERNST:
Não! Eu te amo, Hanschen. Como eu nunca amei ninguém.
HANSCHEN:
Que bom pra você.
ERNST:
EU SEREI TEU ESPINHO
TU SERÁS A MINHA CRUZ
ERNST & HANSCHEN:
EU SEREI TEU SANGUE
TU, A MINHA CICATRZ
TODOS:
TU SERÁS MEU ESPINHO
EU SEREI A TUA CRUZ
EU SEREI TEU SANGUE
TU, A MINHA CICATRIZ
MELCHIOR:
Agora eu vi, Wendla, como essa desprezível sociedade burguesa funciona. Como tudo em que
tocamos se transforma em lixo. No fim, só temos um ao outro. E, apesar do que esses velhos estão
falando, eu preciso colocar a minha cabeça no seu peito outra vez. Devemos nos deixar respirar e
de novo ir ao nosso paraíso.
HOMEM ADULTO:
Agora calma! Não fique nervosa! Eu tenho receitado essas pílulas desde antes de você nascer,
minha jovem. Na verdade, eu as recomendei recentemente à jovem Baronesa von Pietzel que
estava completamente exaurida e ela ficou ótima em uma semana. Assim, criança, três dessas ao

38
dia, uma hora antes das refeições. Em poucas semanas, você estará bem. Comendo bastante no
café da manhã certamente.
MULHER ADULTA:
Então só se trata disso, doutor? Anemia?
HOMEM ADULTO:
C'est tout!
MULHER ADULTA:
E a náusea?
HOMEM ADULTO:
Faz parte. Confie em mim, criança. Você vai ficar bem. Frau Bergman, eu posso ter uma palavrinha
com a senhora?
MULHER ADULTA:
Claro que sim, doutor.
WENDLA:
Mamãe?
MULHER ADULTA:
Wendla! O que foi que você fez consigo mesma? E comigo? Wendla!
WENDLA:
Eu não sei.
MULHER ADULTA:
Ah, você não sabe?
WENDLA:
O médico disse que eu estou anêmica.
MULHER ADULTA:
Isso é bem provável! Você vai ter um filho.
WENDLA:
Um filho? Mas eu não sou casada.
MULHER ADULTA:
Exatamente, Wendla! O que foi que você fez?
WENDLA:
Eu não sei. Eu juro que eu não sei!
MULHER ADULTA:
Eu acho que você sabe, sim! E eu agora preciso saber o nome dele.
WENDLA:
O nome dele? Mas o que que a senhora tá… Aquilo?
MULHER ADULTA:
Aquilo?
WENDLA:
Mas como aquilo poderia… Eu só queria abraçar ele, ficar junto dele! Eu só queria ficar com ele!
MULHER ADULTA:
Você está me machucando!
WENDLA:
Meu Deus, mamãe! Por que que a senhora não me contou tudo?
MULHER ADULTA:
Muito bem, Wendla. Eu agora quero saber o nome dele. Vamos, Wendla! Eu estou esperando! Georg
Zirchnitz? Então quem? Hanschen? Moritz Stiefel? Melchior Gabor? Wendla, Melchior Gabor?
Wendla! O que é isso? Uma carta de Melchior?
MURMURAR
WENDLA:
MURMURAR
A CANÇÃO SOB A LUA
SÃO FANTASMAS A CANTAR

39
COMO DÓI SEU HORROR
ESCUTAR
E VEM LÁ, SÃO AS ALMAS
OS SEUS BRAÇOS SÃO TÃO FRIOS
TUDO É CINZA, NÃO HÁ LUZ
MULHER ADULTA:
Herrmann, Melchior é nosso filho.
HOMEM ADULTO:
Querida, durante quinze anos, eu fiz o que você disse. Demos todo o espaço ao menino. Agora
temos que engolir essa fruta amarga. Ele se mostrou inteiramente corrompido.
MULHER ADULTA:
Não é assim.
HOMEM ADULTO:
Me escute.
MULHER ADULTA:
Mas eu escutei. Melchior escreveu um ensaio onde todas as palavras eram verdades. Será que
temos tanto medo da verdade que vamos nos juntar aos covardes e tolos distorcendo a sua atitude
ingênua pra que se torne prova contra ele? Eu não deixarei que Melchior seja mandado para um
reformatório pra se misturar com degenerados e criminosos de verdade.
WENDLA:
EIS O PAI CURVADO EM DOR
A MÃE ENGOLE O PRANTO
OLHOS TURVOS
E OS VIZINHOS CURVOS
TENTANDO OUVIR OS PRANTOS

HOMEM ADULTO:
Agora eu devo te contar toda a verdade. Esta tarde, a mãe da jovem Wendla veio me visitar
trazendo uma carta que Melchior escreveu para a menina. Dizendo que ele não se arrependia pelo o
que aconteceu em nosso celeiro.
MULHER ADULTA:
Impossível.
HOMEM ADULTO:
E que está apenas ansiando por encontrar novamente aquele gostinho de paraíso.
MULHER ADULTA:
Deixa-me ver isso.
WENDLA:
EIS ENTÃO
O QUE FEZ A MOCINHA
ESTRAGOU TODOS OS PLANOS
FOI UM SONHO, FOI O FIM
FOI ENTÃO
QUE QUEBROU O QUE TINHA
LUA CHEIA SOBRE OS CAMPOS
AVISANDO QUE ERA O FIM
HOMEM ADULTO:
Esse é um fato lastimável. Melchior sabia precisamente o que estava fazendo e, como mostra o tal
ensaio, ele sabia qual o perigo de fazê-lo e mesmo assim foi em frente. Violando e praticamente
destruindo aquela menina. Agora me diga, Fanny. O que vamos fazer?
MULHER ADULTA:
Faça o que achar que deve. O reformatório.
WENDLA:
TIVE UM GRANDE AMOR PRA MIM
COLADO SOBRE A PELE
E LÁ DENTRO
EU GUARDEI LÁ DENTRO
O GOSTO ETERNO DELE

40
VEM OUVIR
O CORAÇÃO JÁ BATENDO
OUTRA VIDA VEM SOPRANDO
MURMURANDO VEM ENTRE NÓS
“Meu querido Melchior…”
MELCHIOR:
“Apenas rezo para que esta carta o alcance. Já escrevi tantas e nada tive de retorno. Quando eu
penso na sua vida nesse reformatório terrível, meu coração dói. Ah, se eu pudesse estar junto de
você agora. Eu tenho notícias incríveis, Melchior. Aconteceu uma coisa. Uma coisa que eu mesma
mal consigo entender.”
ULBRECHT:
Vamos, animais! Cada um de vocês me dá uma moeda.
DIETER:
Ele vai dar por nós dois.
REINHOLD:
Espera aí!
RUPERT:
Calma aí, vocês. Passa a moeda. Passa a moeda! Vai seu bosta, seu merda.
DIETER:
Quem gozar primeiro na moeda, leva todas.
ULBRECHT:
Espera! Que que ‘cê tá olhando?
RUPERT:
Quem? O Gabor?

DIETER:
Quer participar do jogo?
MELCHIOR:
Não, obrigado.
RUPERT:
Ah, não! Ele não quer sujar a mãozinha.
DIETER:
Tá guardando pra coisa melhor?
MELCHIOR:
Como é que é?
ULBRECHT:
Ah, com certeza, ela era uma… moça de família, não?
DIETER:
Aposto que ninguém ensinou pro coitadinho pra que que serve as empregadas.
RUPERT:
Ela tava muito ocupado fodendo a putinha dele.
ULBRECHT:
Seu merda!
MELCHIOR:
Retire isso!
DIETER:
Calma aí, maluco!
MELCHIOR:
Sai de cima de mim!
RUPERT:
Olha a navalha.
MELCHIOR:
Me solta.

41
DIETER:
Vê se tem dinheiro no bolso dele.
MELCHIOR:
Não, não, não!
ULBRECHT:
O que que é isso? Uma carta da putinha. Olha isso aqui.
RUPERT:
"Meu querido Melchior, apenas rezo para que esta carta o alcance. Já escrevi tantas e nada tive de
retorno.” Calma aí. Isso aqui é perfeito pra nos deixar no ponto. Escuta isso.
MELCHIOR:
Seus filhos da puta!
HOMEM ADULTO:
Frau Bergman?
MULHER ADULTA:
Obrigada por ter vindo. Quem me indicou o senhor foi um médico amigo meu. A minha filha…
HOMEM ADULTO:
Compreendo. Agora ouça cuidadosamente as minhas instruções. Quinta-feira, antes do anoitecer,
traga-me a menina. Aqui está o endereço. É a porta debaixo da taberna. Bata três vezes, não mais
do que três vezes.
MULHER ADULTA:
Mas a minha filha? O procedimento é seguro?
HOMEM ADULTO:
Faremos todo o possível.
RUPERT:
Espera, olha isso. “Na minha cama, todas as noites, eu sonho com um mundo melhor que vamos
construir junto com o nosso… nosso filho?”
MELCHOIR:
Filho?
RUPERT:
Você não sabia! Tem um filho com a putinha e nem sabia.
DIETER:
Esqueçam as moedas. Vamos gozar na carta da putinha!
MELCHIOR:
Me dá isso aqui. Isso não te pertence.
DIETER:
Seu merda. Seu bosta.
RUPERT:
Você pode lamber depois!
ULBRECHT:
Como um cachorro!
DIETER:
Pega ele! Pega ele! Pega ele!
WENDLA:
Onde é que nós estamos indo?
MULHER ADULTA:
Shh.
HOMEM ADULTO:
Trouxe o dinheiro? Muito bem, Frau Bergman. Agora a menina vem comigo.
MULHER ADULTA:
Estarei com você em todos os momentos.
WENDLA:
Não. Não! Não! Mamãe, não me deixa morrer!

42
ILSE:
“Por isso, eu estou fugindo há dias mas finalmente estou de volta. Agora lhe peço, em nome da
nossa velha amizade. Traga Wendla para se encontrar comigo essa noite no cemitério atrás da
igreja.”
ANNA:
Ah, não.
ILSE:
“Estarei esperando lá à meia-noite. Melchior Gabor.”
THEA:
Meu Deus. Será que ele…?
MARTHA:
Esperando a Wendla?
THEA:
Pobre Melchior.
ANNA:
Pobre Wendla!
MELCHIOR:
Wendla? Wendla? Meu Deus, anos fugindo da igreja e acabo no cemitério. Moritz. Meu velho amigo.
A mim eles não vão pegar. Nem a Wendla. Eu não vou deixar. Nós vamos juntos construir um
mundo diferente pro nosso filho. Meia-noite. Wendla? Wendla? Estou vendo todos esses túmulos…
Aqui tem um nome. Aqui repousa em Deus Wendla Bergman. Nascida em… Morta em… De anemia?
Meu Deus, a Wendla também. Não. Não! Wendla!

VELHOS CONHECIDOS
MORITZ:
EIS AQUI SEUS VELHOS CONHECIDOS

MELCHIOR:
Moritz?
MORITZ:
COM VOCÊ ETERNAMENTE UNIDOS

MELCHIOR:
Eu fui um idiota
MORITZ:
SEM ELES O MUNDO É TODO ERRADO
ENTÃO VOCÊ ACORDA E VÊ
QUE ESTÃO BEM DO SEU LADO

MELCHIOR:
Você teve a idéia certa. Eles vão jogar um punhado de terra e agradecer ao Deus deles.
WENDLA:
POR VOCÊ ALGUÉM SAIU FERIDO

MELCHIOR:
Wendla?
WENDLA:
ESSE ALGUÉM MURMURA EM SEU OUVIDO
ME PERDOA E MESMO SENDO ESCURO
AQUILO QUE VOCÊ MANCHOU
RESISTE AINDA PURO

MORITZ: WENDLA:
E VOCÊ QUE TUDO JÁ PERDEU QUANDO O VENTO É FRIO
CAMINHA AGORA SÓ E O PEITO VAZIO
E SEM NINGUÉM TEM ALGUÉM BEM PERTO
MAS VOCÊ AGORA COMPREENDEU TE VENDO
QUE BEM DENTRO ELES VEM JUNTOS AINDA

MORITZ & WENDLA:


EIS AQUI SEUS VELHOS CONHECIDOS
43
COM VOCÊ COLADOS E CERZIDOS
SÃO ELES EM TODAS AS ESQUINAS
E ENTÃO CAMINHAM COM VOCÊ
E AS SOMBRAS VÃO SE ABRINDO

MELCHIOR:
EIS AQUI O QUE FICOU SOZINHO
A OUVIR AS VOZES NO CAMINHO
E O SOPRO DA VELHA PRIMAVERA WENDLA:
AVISA QUE O VERÃO JÁ VEM QUANDO O VENTO É FRIO
E OS VENTOS VÃO MUDAR E O PEITO VAZIO
ME CHAMAM ME FALAM EU VOU SEGUIR
É NOITE
MAS EU DEVO SEGUIR
EU PEÇO TE VENDO
SÓ PEÇO AINDA
NÃO CALEM
NÃO PAREM
E COMIGO ELES VÊM
PELA NOITE VÊM
AO MEU LADO
E NÃO VÃO ME ESCAPAR
É COM ELES QUE EU VOU WENDLA & MORITZ:
PRA QUALQUER LUGAR AQUI
E POR ELES EU VOU MAIS ALÉM AQUI
COMIGO ELES VÃO AINDA ESTÃO AQUI
SÃO PARTE DE MIM AQUI
AQUI
AQUI

BEM DENTRO DE MIM


E NUNCA VÃO SAIR AQUI
E NUNCA VÃO SAIR AQUI
E NUNCA VÃO SAIR AQUI
EU PEÇO
SÓ PEÇO
NÃO CALEM
NÃO PAREM
UM DIA EU VOU GRITAR

VERÃO VERMELHO
ILSE:
NO CORAÇÃO DA CRIANÇA CRESCEU
UMA CANÇÃO EM TOM MAIOR
QUE TODOS HÃO DE OUVIR TAMBÉM
E VÃO SABER DE COR
E A DOR SE FOI
E A TREVA PASSOU
FORAM PARTES DE UM MUNDO INFELIZ
COMO PEÇAS QUE UM VELHO TEATRO ENCENOU
E AGORA O TEMPO NOS DIZ
QUE VAI BRILHAR
UM NOVO SOL
E UM VERÃO VERMELHO
VAI TOMAR NOSSO QUINTAL
A NOVA LUZ

ELENCO:
JÁ VAI CHEGAR
E OS SONHOS DAS CRIANÇAS
VÃO SE ABRIR E ACREDITAR
E VÃO VIVER POR NÓS
E VÃO SOLTAR OS NÓS
E VÃO CANTAR
EM TODAS AS MANHÃS
VÃO REZAR
POR UM ETERNO E NOVO
VERÃO VERMELHO

44
O QUE ERA DOR
FICOU LÁ TRÁS
NA NOSSA PRIMAVERA
QUE JÁ NÃO VOLTA MAIS
JANELAS VÃO
SE ESCANCARAR
E VAI ENTRAR A CHUVA
E AS CRIANÇAS VÃO DANÇAR
E VÃO VIVER POR NÓS
E VÃO SOLTAR OS NÓS
E VÃO CANTAR
EM TODAS AS MANHÃS
VÃO REZAR
POR UM ETERNO E NOVO
VÃO PEDIR
POR UM VERÃO VERMELHO
UM ETERNO E NOVO
VÃO PEDIR
POR UM VERÃO VERMELHO
UM ETERNO E NOVO
VERÃO VERMELHO

FIM

45

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