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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas


Departamento de Comunicação Social

A Ditadura, por nós mesmos:


Uma análise diferenciada do regime militar brasileiro

Projeto Experimental apresentado como


quesito obrigatório para a conclusão de
curso do aluno Bruno Vieira dos Santos no
curso de Comunicação Social – nível
Bacharelado – habilitação Jornalismo, no
primeiro semestre de 2009.

Autor: Bruno Vieira dos Santos


Orientador: Frederico Vieira

Belo Horizonte, 29 de junho de 2009.


___ÍNDICE

Introdução _____________________________________________________04
Justificativa ____________________________________________________05
Delimitação do tema _____________________________________________07
Discussão do Suporte ____________________________________________ 11
Dia-a-dia de Trabalho ____________________________________________14
Conclusão _____________________________________________________ 20
Referências Bibliográficas ________________________________________ 21

DVD “A Ditadura, por nós mesmos” segue anexo a este relatório.

2
História é um assunto nebuloso, por todas as merdas que
acabam incluídas mais tarde. Mas, mesmo sem podermos ter
nenhuma certeza sobre a “história”, parece bastante sensato
imaginar que, vez ou outra, a energia de uma geração inteira
atinge seu ápice num instante magnífico e duradouro, por
motivos que na época ninguém compreende por inteiro – e que,
em retrospecto, nunca explicariam o que realmente aconteceu.

Hunter S. Thompson,
Medo e Delírio em Las Vegas.

3
___INTRODUÇÃO

A ditadura militar no Brasil iniciou-se em 31 de março de 1964. Em outros países da


América Latina, como o Chile e a Argentina, por exemplo, o governo dos militares começou
mais tarde – respectivamente, em 11 de setembro de 1973 e em 24 de março de 1976. No nosso
país, os militares derrubaram o então presidente João Goulart, que tinha, por bandeira de
governo, reformas de base que abrangiam setores fiscal, político e agrário.

O que se observa das discussões contemporâneas sobre esse período é uma forte tendência
à polarização de opiniões. De um lado, a esquerda militante e difusa 1 , que tentava combater a
Ditadura seja por guerrilha urbana armada, seja por vias institucionais ao compor o MDB
(Movimento Democrático Brasileiro, partido de fachada criado pelos Generais para dar voz à
oposição 2 ). Do outro lado, os militares, a voz da situação que defende o golpe como uma “contra-
revolução” à ameaça da pátria brasileira. Em poucos momentos (ou quase nenhum), ouve-se a
voz de pessoas que não tiveram envolvimento direto com a Ditadura, mas que apenas “viveram
suas vidas”, às vezes de forma alheia ao que acontecia em derredor.

Quarenta e cinco anos depois, o Golpe Militar ainda não foi esquecido pelas pessoas que
viveram a época. Não na sua intensidade, mas talvez nos seus pormenores. Dada a relevância do
tema, este trabalho vem investigar a Ditadura olhando não para os “peritos” no assunto, mas para
o “homem ordinário”, comum, que não teve envolvimento direto com os acontecimentos do
regime. Trata-se este trabalho de um videodocumentário, com tempo de 20 minutos, com relatos
de pessoas comuns acerca do regime militar.

1
Para informações mais detalhadas sobre o caráter difuso da esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 70, consultar o texto Esquerdas
revolucionárias armadas nos anos 1960-1970, de Marcelo Ridenti. In: AARÃO REIS & FERREIRA, 2007.

2
“O MDB era uma organização imposta artificialmente, resultado de uma reforma institucional que destruíra partidos em vias de consolidação na
sociedade brasileira; (...) teria sido autorizado a funcionar apenas para dar legitimidade ao sistema e atender aos pruridos liberais de parte dos
apoiadores do regime militar.” (Rodrigo Sá Motta, apud AARÃO REIS & FERREIRA, 2007, p. 286.)

4
___JUSTIFICATIVA

Em seu editorial de 17 de fevereiro de 2009, com o título “Limites a Chávez”, a Folha de


São Paulo considerou o Regime Militar brasileiro como uma “Ditabranda”:

Mas, se as chamadas “ditabrandas” -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam


de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas
controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo
latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho
inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por
dentro, paulatinamente. (Folha de São Paulo, 17 de fevereiro de 2009.)

Esse termo é um trocadilho utilizado por alguns militares, que basicamente quer dizer que
no Brasil o regime militar, em vez de “duro”, foi “mole”, “brando”; daí o jogo de palavras. A
utilização desse termo por parte do periódico movimentou não somente a internet, com vários
blogs repercutindo o acontecido, como também causou celeuma no site “Observatório da
Imprensa”, especializado em crítica de mídia – que é um campo da Comunicação que visa criticar
a imprensa e seus atos. Da data de publicação do editorial até duas semanas depois, esse assunto
ainda estava em voga, refletindo a fúria e a indignação dos jornalistas para com o termo usado
pela Folha. Por esse episódio, pode-se perceber o quão inflamado ainda está o tema na mídia –
mas, bipolarmente, entre militantes e militares.

Dentro da sociedade brasileira, atualmente, a Ditadura entrou numa discussão dicotômica


– no sentido de um acontecimento poder ter apenas duas versões oficiais. Estudam-se e
divulgam-se, muito a fundo, as relações institucionais dos Militares àquela época e a função das
Esquerdas de tentar combater o regime. Mas se esquece que não somente essas duas “vertentes”
viveram aquele momento – mas também “pessoas comuns”, indivíduos sociais que não estiveram
em uma situação de contato direto com os trâmites do regime, ainda que sob o jugo dele. Esses
“fulanos-de-tal”, independentemente da posição político-ideológica adotada, viviam sob esse
sistema político. O objeto de análise deste produto é a diversidade de discursos para esse período
da História Brasileira, verificando, assim, que todos os acontecimentos têm mais de dois lados.

O tema ao qual se destina este trabalho é a Ditadura Militar sob uma terceira via de
interpretação: utilizar-se de sujeitos ordinários, representantes da recente sociedade de massas,

5
como personagens para relatar como viveram o período citado. Estes indivíduos deixam de ser
meros coadjuvantes para atuarem na cena principal, contando seus relatos. Michel de Certeau
(1994) observa que nas ciências, artes e filosofia, as figuras arquetípicas (musas, deuses e outras
figuras inspiradoras) deram lugar ao homem comum. O Outro a que a cultura sempre se refere
passa a ser, com isso, não mais o célebre ou o exótico, mas o anônimo. Certeau define ordinário
como comum, porque faz parte da massa, que é marginal (que não faz parte de um processo de
produção de cultura) 3 .

Para tanto, o recurso utilizado neste trabalho é o manuseio da história oral embasada pela
memória. A construção da história via oralidade, segundo Thompson (1992) abre novas
possibilidades. Para Portelli (1997), a História Oral é

uma ciência e arte do indivíduo. Embora diga respeito (...) a padrões


culturais, estruturas sociais e processos históricos, visa aprofunda-los, em
essência, por meio de conversas com pessoas sobre a experiência e a
memória individuais e ainda por meio do impacto que estas tiveram na vida
de cada uma. (PORTELLI, 1997, p. 15)

Se de um lado tem-se a história oral como relato da memória individual e/ou coletiva, do
outro lado deve-se delimitar o conceito de “memória”. Para tanto, Portelli a conceitua como
“processo individual que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos
socialmente criados e compartilhados”. (PORTELLI, 1997, p.16) Dessa forma, vale dizer que
memória e história oral estão interligadas pelo fato de a história oral respeitar a experiência e a
individualidade fazendo uma espécie de “colcha de retalhos”, mostrando não a importância
abstrata do indivíduo per si, mas a “importância idêntica de todos os indivíduos”. (PORTELLI,
1997, p. 17-8)

É preciso salientar que este trabalho deve, por questão ética, admitir a subjetividade na
sua linguagem, visto que o documentário utiliza relatos subjetivos para construir a narrativa sobre
a Ditadura. De certa forma, é um estudo da construção de uma memória social desconhecida,
fluida, em processo de “fazenda” e “refazenda”. (JELIN & KAUFMAN, p. 186) O processo de
arquitetura de A Ditadura, por nós mesmos terá de assumir que os relatos feitos sofrerão os
efeitos da distância temporal. Assumir a subjetividade dentro deste trabalho não retira o seu

3
CERTEAU, 2004, pp. 57-106.
6
caráter jornalístico, já que ela confere um espaço de discussão que possibilita perspectivas – nem
mais corretas, nem mais erradas.

___DELIMITAÇÃO DO TEMA

Discussão Histórica

Observemos a conjuntura pré-1964. Para Aarão Reis (2004), o ponto inicial para a
discussão sobre o golpe é agosto de 1961, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, há
apenas sete meses no poder. Os líderes militares nomeados por Jânio não se conformaram com a
renúncia, e tentaram impedir a posse do vice João Goulart 4 (que estava em visita à China na
ocasião), acusando-o de vínculos com o Comunismo internacional. Isso foi uma tentativa de
golpe, que não deu certo. Temendo enfrentamentos, Jango (como era conhecido João Goulart)
negociou a posse de sete de setembro, assumindo a presidência com os poderes limitados por
uma emenda constitucional votada “a toque de caixa e de clarins” (AARÃO REIS, 2004, p. 32),
poucos dias antes.

Encerrada a crise institucional, abriu-se uma situação crítica de múltiplas dimensões, que
desembocariam em março de 1964. Sob o contexto da Guerra Fria – o conflito ocorrido entre
1945 e 1988, no qual debatiam-se Capitalismo, representado pelos EUA, e Socialismo, da extinta
URSS –, a vitória contra a tentativa de golpe em 1961 desencadeou em todo o país amplos
movimentos sociais populares, desejosos da melhoria da condição de vida e trabalho. (AARÃO
REIS, 2004, p. 34) As demandas foram encaixadas aos poucos em um programa governamental,
o das “Reformas de Base”, movimento de cunho nacionalista, antiimperialista e estatista. O que,
de certa forma, abalou as elites mais conservadoras e as Direitas do país.

Em 1963, Jango recupera os plenos poderes presidenciais; os movimentos radicalizaram-


se, angariando mais setores sociais. Enquanto isso, as Direitas rearticulavam-se rapidamente,
ganhando eleições para governador em vários estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul,

7
Guanabara, Paraná e outros. A Igreja Católica também se colocava do lado conservador da
história, considerando os movimentos sociais como “comunizantes”. Sob esse contexto, os
militares ascendem ao poder no Brasil em 31 de março de 1964, derrubando Jango e suas
reformas de base – que abrangiam os setores fiscal, político e agrário. Segundo as vertentes
conservadoras, essas reformas implantariam o Comunismo no Brasil – visto como uma ameaça
iminente de destruição do lar, da família e da propriedade. 5 Outro motivo para o golpe, além da
ameaça vermelha, foi a forte crise econômica que descontentava a população. No dia 15 de abril,
o Congresso Nacional elege o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1968) como
Presidente da República.

O golpe que implantou a Ditadura no Brasil foi saudado por importantes setores da
sociedade brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da
Igreja Católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da
Guanabara; Magalhães Pinto, de Minas Gerais; e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos
setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à
ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica.

Em abril de 1964, foi publicado o Ato Institucional Número 1, ou AI-1, que suspendeu
por dez anos os direitos políticos de todos aqueles que poderiam ser contrários ao regime,
intimidando os congressistas com a ameaça de cassações, prisão, enquadramento como
subversivos (aquele que vai contra um status quo imposto) e expulsão do país. Os atos foram
decretos emitidos durante os anos após o Golpe Militar de 1964 no Brasil. Serviram como
mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, estabelecendo para
eles próprios diversos poderes extraconstitucionais. Mais quatro atos foram editados entre 1964 e
1968, ano do AI-5, que representou um endurecimento do Regime: este ato, publicado durante o
governo de Artur Costa e Silva (1968-1970), incluía a proibição de manifestações de natureza
política, além de vetar o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (ou seja, crimes
políticos), privar a população da liberdade de imprensa e manifestação e fechar o Congresso
Nacional.

4
Segundo Aarão Reis (2004), as eleições para presidente e vice aconteciam de uma forma diferente da atual. Se hoje elegemos presidente e vice
numa mesma chapa, antes os líderes eram escolhidos separadamente. Jânio ganhou a presidência pela UDN, partido conservador de direita,
enquanto Jango venceu a vice-presidência pelo PSD, coligado com o PTB, de origem varguista e anti-UDN.
5
Segundo Aarão Reis (2004), em 1937, o Vaticano emitia a encíclica Divinis Redemptoris, cujo trecho se destaca: “Velai, veneráveis irmãos, para
que não se deixem iludir os fiéis. Intrinsecamente mau é o comunismo (...).”

8
O governo de Emílio Garrastazu Médici (1970-1974) é marcado como o governo de
maior progresso econômico da história recente do Brasil (apesar do avanço da inflação que
ocasionava o aumento da pobreza e da grande desigualdade social) e do aumento da repressão
política. Com o tempo, vendo que o país estava indo para uma inflação desencadeada pela falta
de incentivos aos insumos básicos, os militares liderados por Ernesto Geisel, 1974-1979,
resolveram iniciar um movimento de distensão para abertura política institucional, lenta, gradual
e segura, segundo suas próprias palavras. Este movimento acabaria por reconduzir o país de volta
à normalidade democrática. Essa é parte da versão oficial da história do Regime Militar, que
durou até 1985, quando Tancredo de Almeida Neves é indiretamente eleito o primeiro presidente
civil depois de vinte anos de regime militar, encerrados pelo general João Batista Figueiredo.

Discussão Jornalística

Em meio a estudos sobre Jornalismo, percebe-se que muitos deles apegam-se ao caráter
técnico da atividade, sem se atentar para as discussões inerentes. Insiste-se na afirmação contínua
do mito da objetividade e se esquece de questões cruciais ao entendimento do fenômeno
jornalístico. Uma delas, a multiplicidade de atores e discursos que configuram as condições de
produção periodística 6 .

A subjetividade é negada em prol de um método objetivo para o labor jornalístico. Uma


das primeiras teorias, a “Teoria do Espelho”, já traz, não abertamente mas embutida, essa
negação ao afirmar que o jornalismo reflete aquilo que vê da realidade. No século XIX, o
“jornalismo de informação” surge com essa característica, de o labor jornalístico ser de
“comunicar fatos”, com proibição a “qualquer tipo de comentários sobre os fatos, sejam quais
eles forem”. Considerada como pretensão de “refletir a realidade”, a objetividade é muito mais
uma junção de métodos baseados em uma fidelidade às regras e procedimentos “para um mundo
no qual até os fatos eram postos em dúvida”. 7 Michael Schudson explica que os fatos não
mereciam crédito por causa do surgimento de uma nova profissão, o Relações Públicas, e da
eficaz propaganda da I Guerra Mundial. Walter Lippmann, em seu livro Opinião Pública, reitera
que os jornalistas “precisam procurar no método científico e nos procedimentos profissionais o

6
GADINI, 2007, p. 79.
7
TRAQUINA, 2004, p. 148.

9
antídoto para a subjetividade”. No entanto, percebe-se que a escolha daquilo que é ou não
noticiável passa pelo crivo do jornalista. Isso mostra que, mesmo havendo um processo pelo qual
a notícia passa para se tornar “confiável” (possibilidade do contraditório, provas, uso de aspas,
estruturação da informação e separação entre fatos e comentários 8 ), o critério de noticiabilidade
do jornalista possui subjetividade, esta relativa às suas escolhas pessoais ou do veículo no qual
está alocado. 9 O jornalista seria como um porteiro de um condomínio: deixa entrar quem está
autorizado para tal, e barra qualquer companhia que não se enquadre nos quesitos
preestabelecidos. Traduzindo: publica aquilo que é noticiável (o que ele considera notícia
segundo critérios pessoais e da empresa) e impede que o que ele não considera notícia seja
publicado.

Em meados de 1960/70, surge a teoria da construção social, pressupondo que a notícia,


“presentificando” o acontecimento, também o constrói, participando da realidade social.
Desenvolvida com base na reflexão de Gaye Tuchman, a tese reside na hipótese de que, assim
como um acontecimento origina uma notícia “na forma de um produto que torna público ou
visível a mesma situação”, a notícia também faz a construção do acontecimento, num processo
recíproco, “porque é um produto elaborado que não pode deixar de refletir diversos aspectos do
processo de produção”. 10 Dessa mesma forma, Adelmo Genro Filho (1988), apud GADINI
(2007, p. 80), define o fato jornalístico como sendo uma construção interpretativa, elaborada a
partir de um fato: numa construção discursiva, há um “fenômeno e uma pluralidade de fatos”,
conforme os jogos de interesses, opiniões e procedimentos em questão.

Dessa forma, o limite deste trabalho está entre a discussão sobre a ausência real da
multiplicidade de vozes, no sentido de se ter pessoas “desimportantes” fazendo parte do
Jornalismo, ambientando-se no fórum aberto sobre a Ditadura Militar devido à sua efervescência
recentemente na sociedade.

Levando-se em conta o caráter diversificado da nossa sociedade, o trabalho de um


jornalista não pode se prender a apenas discursos oficiais. Como um ator social, um
comunicólogo necessita sensibilidade para certas questões, as quais – sejam por interesses

8
OLIVEIRA, 1996, pp. 41-43.
9
TRAQUINA, 2004, p. 150.
10
GADINI, 2007, p. 81.

10
empresariais e políticos, sejam por escolhas pessoais – não podem ficar presas à oficialidade dos
fatos.

Não se pretende concluir, conquanto, que tudo é relativo, mas que os fatos aconteceram
sob uma multiplicidade de interpretações, às quais o Jornalismo tradicional fecha as portas.

A proposta de verdade do fato, ainda mais em sua formulação no singular, nos


impede de ver que o mesmo tem múltiplas interpretações - Nietzche prefere
mesmo colocar que “são justamente os fatos que não existem, mas tão
somente interpretações”. 11

Deve-se observar, dessa forma, o respeito pelo valor e importância de cada indivíduo no
relato dos acontecimentos tanto históricos quanto jornalísticos. Não são apenas as vítimas ou os
heróis que produzem efeito de impacto com sua descrição de vida. 12

___DISCUSSÃO DO SUPORTE

Bill Nichols (2007) afirma que todo filme é um documentário por representar e evidenciar
a cultura e a aparência das pessoas numa sociedade real ou ficcional. Segundo o teórico, há dois
tipos de documentário 13 :

- o documentário de satisfação de desejos: o filme de ficção, que


expressa de forma tangível “nossos desejos e sonhos, nossos pesadelos e
terrores”. Dentro desse mundo imaginado pelo autor (baseado no real ou no
imaginário), podemos adotar ou rejeitar suas verdades. Exemplo: Star Trek
(Jornada nas Estrelas), Crash – no limite, dentre outros;

- o documentário de representação social: o filme de não-ficção,


que representa um mundo que já ocupamos, tornando visível a matéria de

11
BRAGA, 2007, p. 30.
12
PORTELLI, p. 17-18
13
NICHOLS, 2007, p. 26

11
que é feita a realidade social – isso, de acordo com a seleção e a orientação
do cineasta/documentarista. Exemplo: Fahrenheit 9/11, Surplus –
Terrorized Into Being Consumers, Estamira e outros.

O trabalho A Ditadura, por nós mesmos encaixa-se na segunda opção (documentário de


representação social), por não se tratar de uma ficção imaginada pelo autor do produto, mas por
se basear em um recorte da realidade do cotidiano daqueles que viveram a Ditadura no Brasil. É
um trabalho que proporciona uma crença sobre uma nova visão acerca de um tema, dilatando a
interpretação sobre, no caso deste vídeo, o Regime Militar Brasileiro:

Podemos acreditar nas verdades das ficções, assim como nas das não-ficções:
Um corpo que cai (Alfred Hitchcock, 1958) pode nos ensinar tanto sobre a
natureza da obsessão quanto The plow that broke the plains (Pare Lorentz,
1936) sobre a conservação do solo. A crença é encorajada nos documentários,
já que eles freqüentemente visam exercer um impacto no mundo histórico
(...). A ficção talvez se contente em suspender a incredulidade (aceitar o
mundo do filme como plausível), mas a não-ficção com freqüência quer
instilar crença (aceitar o mundo do filme como real). 14

O poder do documentário está, portanto, na capacidade de ver questões oportunas que


necessitam atenção. No caso deste documentário, a questão que aflora é o Regime Militar.

Nichols (2007) observa que o documentário está inserido numa triangulação entre
documentarista/sobre quem se fala/para quem se fala, formando a sentença EU falo DELES para
VOCÊ. No entanto, o autor observa que essa colocação pode ser subvertida, como ELE fala
DELES para NÓS, que, segundo Nichols, denuncia uma separação entre depoentes e público. No
trabalho A Ditadura, por nós mesmos, crê-se que se trata de alguém falando sobre sua visão da
época da Ditadura para nós. Mas este NÓS, no caso deste produto, não está desvinculado do
ELES – neste caso, o grupo de pessoas que dará seu depoimento.

Pode-se ver que esta mídia mostra-se como trabalhosa e onerosa no que tange ao seu uso
técnico: há que se pensar previamente as gravações, roteirizando como será a pré-produção, a
produção e filmagens em si e a pós-produção (edição, montagem etc.). No entanto, o filme possui

14
NICHOLS, 2007, p. 27.

12
um papel crescente no enquadramento da memória, não se dirigindo apenas à racionalidade
cognitiva, mas também às emoções. Dessa forma, o filme-testemunho é um poderoso instrumento
para dar vazão e visibilidade à reação dos entrevistados quando inquiridos sobre suas vidas
àquela época. Para o projeto, este é o meio considerado mais viável para mostrar a emoção dos
relatos – por mais que estes demonstrem indiferença, lá está o registro dela.

Nichols ainda observa acerca da existência de vários modos de execução aplicados em


diferentes épocas e por diferentes documentaristas. O que mostra o processo de se fazer
documentário não como estático, estanque e monolítico, mas em constante diversificação. Os
modos poético, expositivo, observativo, participativo, reflexivo e performático são algumas das
divisões propostas por ele. Para este trabalho, podemos encaixar, sob as definições de Nichols,
este projeto como de cunho expositivo, observativo e reflexivo. Sob estes aspectos:

• expositivo, porque expõe, de certa forma, um modo de se pensar a época da


Ditadura; mostra-se como cada entrevistado visualizava e/ou vislumbrava essa
época, e o que mais lhe chamava a atenção;
• observativo, porque faz uma análise desse pensamento, conjugando-o com
vertentes consolidadas acerca do regime;
• reflexivo, porque faz pensar na importância que tais pessoas têm na construção de
relatos cotidianos e como que o Regime Militar mudou (ou não) a vida dessas
pessoas; faz refletir, também, as práticas jornalística e documental no seu próprio
modus operandi, no que se refere quanto a história dos fatos, a sua narração e a
sua consequente narrativa.

13
___DIA-A-DIA DE TRABALHO

A partir do momento no qual foi feita a escolha da temática – o que aconteceu de forma
relativamente precoce, quando ainda na discussão do Seminário de Projeto Experimental (Pré-
Projeto), no segundo semestre de 2008 – , era a hora de se pensar na teoria que embasasse o
trabalho. Foram coletadas várias bibliografias acerca de jornalismo, história oral e fez-se uma
pesquisa sobre o Movimento de 1964. Duas disciplinas eletivas cursadas no Departamento de
História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG no segundo semestre
de 2008 foram fundamentais para o direcionamento crítico deste trabalho. A primeira, que deu o
insight para este trabalho, chama-se “Memória e Regime Militar”, ministrada pela profa. Priscila
Antunes. Nessa matéria, lia-se acerca dos fatos que se sucederam durante a Ditadura e a partir
disso – e com bibliografias voltadas também para História Oral – processou-se um trabalho de se
investigar como era a memória daqueles que viveram a época. Mais exatamente, que memória
essas pessoas tinham daquela época. A segunda disciplina, apesar de não diretamente
correlacionada com o assunto, abordava também o tópico “Ditaduras”, comparando os regimes
de Argentina, Brasil e Chile. Essa matéria forneceu carga teórica e medida de comparação para
verificar a intensidade e a gravidade das ações dos militares no Cone Sul-americano. Ambas as
disciplinas puderam servir de base teórica histórica para a discussão do assunto do trabalho.
De posse dessa análise crítica do período militar brasileiro, surge a ideia de se perguntar a
quem não participou diretamente do regime como era a sua percepção do período. Visto que a
mídia há muito anda saturada de declarações oficiais do lado dos militares e dos militantes da
Esquerda, a proposta era não de desautorizar as falas oficiais, mas sim de oferecer um
contraponto alternativo a essa sobrepujança de especialistas. Para tal, correu-se atrás de
bibliografia relacionada ao homem ordinário, chegando a Michel de Certeau em A Invenção do
Cotidiano. Sua leitura permitiu a delimitação da noção de homem ordinário, procurado pelo
trabalho desde o início da discussão teórica. Certeau define ordinário não como reles, mas como
comum, porque faz parte da massa, não integra um processo de produção de cultura. Tal
produção tem um sentido amplo – por isso, para este trabalho, delimita-se “produção de cultura”
como produção jornalística. O autor confere uma perspectiva diferenciada acerca das figuras
populares:

14
A uma produção racionalizada, expansionista além de centralizada, barulhenta
e espetacular, corresponde outra produção, qualificada de ‘consumo’: esta é
astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo se insinua ubiquamente, silenciosa
e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios mas nas
maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica
dominante. (CERTEAU, 1996, p.39)

Continuando a pré-produção, paralelamente à leitura dos textos, houve a necessidade de


se fazer uma análise delineando qual o perfil das pessoas a serem entrevistadas. Ao término de tal
exame, constatou-se que o entrevistado (como é mote inicial deste trabalho) não poderia ter tido
envolvimento direto com a Ditadura, mas pode ter conhecido alguém que se envolveu. O fato de
conhecer algum envolvido não retira o caráter ordinário do entrevistado, visto que, ao longo da
execução das entrevistas, percebeu-se que a escolha por não se envolver partia às vezes não de
um cunho estritamente apolítico, mas de escolha pessoal. Como segundo quesito, vem a idade.
Optou-se por não entrevistar menores de 55 anos por uma simples questão de memória temporal:
quem tem menos que essa idade talvez se lembre muito menos pelo fato de, em 1964, essas
pessoas terem aproximadamente dez a doze anos, com um tipo de memória que não interessa a
este trabalho, no momento.
Fechados esses quesitos, chegou-se a alguns potenciais entrevistados, cujo número ficou
em três: Mauro Sérvulo, fotógrafo; Geralda Brito Lisboa, mais conhecida como Naná, aposentada
e professora de dança; e Raimundo Inocente do Carmo, policial militar reformado. Devido ao
pouco tempo e a relativa falta de disponibilidade dos entrevistados, partiu-se logo para as
gravações, que se iniciaram em abril. A amostragem foi tomada levando em conta a proximidade
que o autor do vídeo tem ou adquiriu com os entrevistados, pensando não exatamente na faixa
social, mas sim o não-envolvimento direto com o regime militar.
Uma dificuldade foi detectada na pré-produção: a falta de disponibilidade dos
entrevistados, o que não permitiu a aplicação de um pré-questionário para verificar se eles
encaixavam ou não no perfil proposto pelo trabalho. Por causa dessa indisponibilidade, uma pré-
pauta às vezes era difícil de ser feita. Logo, ia-se à entrevista com quatro ou cinco perguntas
básicas; durante a conferência emendava-se no gancho do entrevistado ou resumia-se à pauta.
Nas três entrevistas houve a possibilidade do gancho. O que diz muito da atividade jornalística e
também documental: muitos jornalistas não conseguem boas entrevistas por demasiado se aterem
à pauta e não deixar a entrevista correr solta dentro de um limite proposto. Jean-Louis Comolli,
em “Sob o risco do real”, observa que as nossas fantasias e necessidades seguem uma certa

15
roteirização. Diante disso, o autor propõe uma flexibilidade do documentarista na hora da
filmagem. 15 “O projeto documentário se forja a cada passo, se debate frente a mil realidades que,
na verdade, ele não pode nem negligenciar nem dominar” (COMOLLI, 2001). Tal flexibilidade
impôs um bom resultado ao trabalho.
Para as entrevistas foram utilizados os equipamentos do Almoxarifado Técnico da Fafich,
tais como câmera, tripé, microfone. No entanto, pegar os equipamentos não foi a maior
dificuldade do trabalho, mas sim o transporte. Sem a disponibilidade de um carro, os
equipamentos tiveram que ser levados aos locais das entrevistas por meio de ônibus – nunca
Suplementares, porque o equipamento não cabia em tais micro-ônibus de reduzido espaço (daí,
muitas vezes, a necessidade de se pagar duas passagens para se chegar a determinado local).
Por causa dos dois feriados no mês de abril, a realização das entrevistas e o início da
decupagem das fitas ficaram prejudicados. A Semana Santa e o feriado de Tiradentes tiveram o
espaço de apenas uma semana entre um e outro, o que diminuiu drasticamente o tempo de
produção e obrigou a uma aceleração da produção para não deixar funções acumuladas para
maio.
A ideia do começo do documentário (a imagem em preto e branco do início da conversa
com o Sr. Mauro, assemelhando-se a uma câmera de bastidores) baseia-se num processo
reflexivo do autor do vídeo sobre o processo de se fazer vídeo. Remetendo-se longinquamente a
“O Homem com a Câmera” (Dziga Vertov, 1929), que faz um procedimento metalinguístico com
a câmera do cinema, este filme remete-se a si mesmo, explicando-se no seu processo. O que quer
dizer: aquele rápido começo mostra como foi a produção do documentário e evidencia seu
processo de feitura. Já a abertura é uma espécie de “contextualização histórica” do vídeo,
inserindo-o na discussão sobre o Regime Militar. Utilizando-se imagens da época e de agora, já
nesse começo tem-se mais ou menos o fio condutor que irá reger o andamento do vídeo.
O miolo do filme se dá com o relato dos entrevistados, que se mostraram ricos em
conteúdo. No entanto, durante a edição do trabalho, houve algumas dificuldades no que tange à
montagem própria do vídeo. Tentava-se achar um nexo entre as falas para que elas não
parecessem soltas e descontextualizadas uma da outra. Isso foi aos poucos resolvido com uma
pequena roteirização, que foi tomando corpo quando da captura das imagens no computador para

15
COMOLLI, Jean-Louis. Sob o risco do real. In: Catálogo do Forumdoc. bh.2001 – 5º Festival do Filme
Documentário e Etnográfico. Belo Horizonte, 2001. pp. 99-108.

16
a referida edição. Foi um processo mais livre de edição – geralmente, roteiriza-se antes de se
começar a editar; no caso deste videodocumentário, uma primeira roteirização foi feita a partir do
material mapeado, mas o filme não é estritamente guiado por esse primeiro fio condutor – este fio
foi-se construindo ao longo da edição, num processo contínuo de reflexão sobre o teor das cenas
e como elas poderiam se entrecruzar.
A seleção dos trechos que seriam utilizados no vídeo ateve-se a uma questão dupla: de
trazer a novidade (fatos inusitados, curiosidades etc.), mas observando o que o “homem
ordinário” dizia sobre a Ditadura. O filme deveria, como meta inicial, satisfazer uma curiosidade
do diretor acerca do tema abordado e, além disso, satisfazer os desejos do público que, uma vez
conhecedores da existência de um filme que trata dessa maneira o período ditatorial brasileiro,
ficam curiosos em saber como se deu tal tratamento. Aqui vale citar Nichols:

O vídeo e o filme estimulam o desejo de saber no público. Transmitem uma


lógica informativa, uma retórica persuasiva, uma poética comovente, que
prometem informação e conhecimento, descobertas e consciência. O
documentário propõe ao seu público que a satisfação desse desejo de saber
seja uma ocupação comum. Aquele que sabe compartilhará o conhecimento
com aqueles que desejam saber. (NICHOLS, 2005, p. 70)

Dessa forma, então, percebe-se um projeto preocupado em compartilhar a novidade, o que


foi feito durante a produção deste documentário e expondo o que os sujeitos ordinários dizem
sobre o período de 1964-85. Pautaram-se as entrevistas pelo que elas têm de relevante segundo o
trecho abaixo, do autor Alessandro Portelli:

Cada pessoa é um amálgama de grande número de histórias em potencial, de


possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes,
contornados e por pouco evitados. (...) Cada entrevista é importante, por ser
diferente de todas as outras. (PORTELLI, 1997, p. 17)

Dois relatos do documentário traduzem a fala acima. Um deles, do fotógrafo Mauro


Sérvulo, relata o fascínio e o misticismo acerca da propaganda contra o Comunismo (que era
visto como a devastação da humanidade ocidental), empreendida durante o período da Guerra
Fria. Nesse relato, o Sr. Mauro conta como era a propaganda anticomunista da época e contradiz
com aquilo que vê diante dos olhos.
O segundo relato é o de Naná Lisboa, contando que um dos participantes do sequestro do
avião conduzido para Cuba, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, era seu vizinho de bairro –

17
mais exatamente, Naná e Galeano moravam no mesmo quarteirão. Segundo o jornal ESTADO
DE MINAS (03 de janeiro de 1970, pág. 16), o sequestro aconteceu no dia 1º de janeiro de 1970,
quando o avião Caravelle, da empresa Cruzeiro do Sul (que fazia a rota Buenos Aires – Rio de
Janeiro) foi raptado em Montevidéu, capital do Uruguai. O Caravelle ficou seqüestrado por sete
dias, retornando ao Brasil em 7 de janeiro. A professora de dança, apesar de nada engajada, ficou
sabendo do ocorrido justamente pelo boca a boca, e pode trazer via memória esse relato
relevante.
A primeira versão do documentário foi apresentada ao orientador em meados de maio. O
vídeo, ainda faltando ajustes de áudio, identidade visual e créditos, beirava os 20 minutos, tempo
pretendido desde o anteprojeto defendido no semestre passado (2008/2). Já a versão pré-final,
com alguns arremates a serem feitos (sincronia de créditos e legendas, ajustes de imagens –
contraste e brilho, entre outros detalhes), foi apresentada ao orientador faltando vinte dias para a
defesa. De certa forma, a produção e a pós-produção ocorreram de forma mais célere que a pré-
produção, que dependia da disponibilidade dos entrevistados. Mas, superados esses obstáculos (e
a roteirização), o vídeo pôde ser fechado a tempo para a defesa ainda em junho.
No quesito “identidade visual”, foi chamado Fábio Megale, aluno de Comunicação Social
– habilitação Publicidade da UFMG, para ajudar na formatação dessa identidade. Numa primeira
versão do vídeo, os créditos e as legendas utilizavam fontes sem serifas 16 (ex: Arial, Trebuchet,
Tahoma), as quais de certa forma não conversavam com o todo da obra. A partir disso, houve a
sugestão de substituir as fontes sem serifas por outras serifadas (ex. Times, Bookman) e que se
assemelhassem a máquinas de digitação. Tal escolha se deve pelo fato de as fichas do DOPS,
pesquisadas pelo autor deste documentário, serem datilografadas. Daí, seria feito um link,
inclusive, à época, quando não se usavam computadores e, por conta disso, as máquinas de
escrever eram sempre utilizadas.
Quanto ao nome, esse partiu de uma escolha pessoal. Ao dar o título do documentário de
“A Ditadura, por nós mesmos”, dois movimentos são feitos: um, de se tentar afastar um pouco
daquilo que já se conhece (e até chega a se banalizar) da Ditadura; o outro é, basicamente, trazer
a realidade da época para as pessoas comuns – ou os “sujeitos ordinários”. Daí, o “nós mesmos”

16
Serifas são traços encontrados no início ou fim das hastes das letras. Elas podem ser unilaterais (quando são
desenhadas apenas de um lado da haste) ou bilaterais (aparecem em ambos os lados do traço). Os tipos que não
possuem serifa normalmente são classificados como sans serif (sem serifa), de palo seco ou ainda grotescas. (Fonte:
Hhttp://www.avaad.ufsc.br/H - acessado em 14 de junho de 2009.)

18
situa-se no lugar em que indivíduos como nós, desinteressantes do ponto de vista jornalístico mas
importantes do ponto de vista do relato diferenciado, estamos alocados.
Este vídeo está, em sua quase totalidade, focado nos relatos, e não muito nas questões das
imagens. Esse discurso imagético cumpre uma função de mostrar o sentimento dos entrevistados
durante o relato (o punho cerrado de Naná Lisboa quando discorria sobre o jornal O Binômio, os
olhos interessados de Mauro Sérvulo quando conta a história dos cartazes comunistas, o olhar
perdido de Raimundo do Carmo quando compara as épocas). O filme “se dirige não apenas às
capacidades cognitivas, mas capta as emoções”. (POLLAK, 1988, p. 11) Óbvio que algumas
contextualizações tiveram que ser feitas com o recurso da imagem de arquivo, mas isso não retira
o foco inicial, que é mostrar o relato e como ele se faz imagética e memoriaisticamente.
Deve-se salientar que, pelo fato de as pessoas estarem numa ponta do processo político,
elas podem ter sido contaminadas pela forte propaganda que o regime fazia de si próprio – com o
intuito de fortalecer o caráter nacional, a agência de relações públicas do regime (AERP)
estimulava o amor à pátria, aos bons costumes etc. 17 O que não quer dizer que a fala dos
entrevistados esteja totalmente mergulhada nessa propaganda: o fotógrafo Mauro Sérvulo é um
exemplo, ao pronunciar que tinha as suas convicções e não foi tolhido por causa delas.
Durante as entrevistas e na montagem final do documentário, observou-se uma coisa
deveras relevante, que só foi aflorada a partir do comentário do orientador: não foi pronunciada,
por parte dos entrevistados, a palavra “repressão” como sinônimo ou sintoma do regime militar.
Um questionamento que pode ser lançado é: a palavra em questão não se encontra no vernáculo
popular quando se fala regime ou ela não aparece por distração dos convidados? A palavra em si
não aparece, mas as suas manifestações (censura, falta de liberdade de ir e vir, entre outros) são
citadas. Interessante perceber como que, mesmo não sendo pronunciada, ela se mostra entranhada
quando se comenta da dureza do regime.
Para o final do documentário, escolheu-se uma música da banda Mutantes, chamada
Tecnicolor. Tal escolha se deve a dois fatores: um, que essa música e a banda são
contemporâneas do regime; dois, que o nome da música remete a um processo de colorização de
filmes comum nas décadas de 1940 e 1950. Com isso, quer-se dizer que o discurso deste
documentário vem dar uma “colorizada” na consolidada dicotomia entre militantes e militares na
imprensa, além de fornecer uma alternativa ao uso exagerado de fontes oficiais.

17
Cf. FICO, apud DELGADO e FERREIRA, 2003, pp. 193-8.

19
___CONCLUSÃO

O processo de produção deste videodocumentário veio complementar a bipolaridade de


discursos jornalísticos acerca do regime militar. Em parte, essa função se encontra cumprida,
visto que os entrevistados não possuíam ligação direta com as instâncias deliberativas da
ditadura. Poderia ter-se aprofundado mais nessa questão, com mais recursos de imagens de
arquivo e/ou relatos de mais pessoas, mas isso não foi feito pela questão do tempo e também por
causa de questões técnicas, tais como disponibilidade dos equipamentos e do diretor e do câmera
para filmagem. Mesmo assim, o vídeo cumpre seu papel social de revelar um outro lado de uma
questão cujas visões se encontram sedimentadas. A experiência de tomar relatos de pessoas
comuns é emocionante no sentido de se poder obter algumas preciosidades de fala (no popular,
algumas “pérolas”) e de se perceber o quanto se perde em relatos ao se prender exclusivamente a
fontes oficiais. Sobre esse ponto, o documentário cumpre seu papel com sucesso. A partir dos
relatos obtidos, pode-se concluir dois movimentos paralelos: o primeiro, que pode ser facilmente
taxado de repetidor da propaganda do regime, mas que não o é meramente por causa do segundo
movimento: as acepções pessoais sobre a época, o que pode estar contaminado pelo primeiro
movimento, mas não o é completamente. Até porque cada pessoa absorve e reflete sobre a época
de maneiras diferentes do que se espera – e essa surpresa costuma ser, se não fantástica,
espantosa.
Por fim, este trabalho vem dar uma terceira via de interpretação, que não se apega à
oficialidade dos fatos, mas não a desautoriza enquanto critério jornalístico. Aproveitando-se que
em 2008 ocorreu o 40º aniversário do AI-5, e em 2009 os 45 anos do Golpe Militar, é bem
oportuno de se discutir onde estão as vozes que não se mobilizaram nem pró nem contra o
regime. Como foi que as pessoas comuns receberam o regime. Como a rotina de vida foi alterada
– se foi alterada. Este trabalho é mais uma voz para se somar à questão dicotômica no que tange a
abordar o regime militar apenas com as vozes oficiais, dos heróis, dos mártires. Juntando-se a
linguagem solta e fluida do documentário com a discussão jornalística, crê-se que este
“documentário jornalístico” ou “reportagem documental” cumpre sua função social. Assumindo a
subjetividade na sua linguagem que não retira o seu caráter jornalístico, já que ela confere um
espaço de discussão que possibilita perspectivas – nem mais corretas, nem mais erradas.

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___REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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