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Trabalho apresentado em encontro das “Reuniões Psicanalíticas”, São Paulo, 2002.
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Psicanalista, editora da Textura, revista de psicanálise.Co-autora do livro “Temas da Clínica
Psicanalítica”.Ed.Experimento: São Paulo, 1998.
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infância, só passou a existir como conceito, como fase da vida, a partir do
século XVII.
Na Idade Média a duração da infância reduzia-se ao tempo em que “o
filhote do homem conseguia bastar-se”, diz Ariès.Assim que a criança
adquiria algum desembaraço físico, ela era logo misturada aos adultos.Isso
quando sobrevivia, pois a morte era muito freqüente e a vida da criança não
valia lá grandes coisas em tempos medievais.De criancinha ela se
transformava num pequeno adulto, sem passar pela etapa da juventude.
Só em épocas anteriores à Idade Média, e nas sociedades ditas
primitivas, as comunidades eram organizadas por classes de idade, e por ritos
de passagem.Nessas sociedades antigas, cada criança tinha sua função.E a
educação, o trabalho e a sexualidade, eram transmitidos por um ritual de
iniciação.
Na Idade Média toda aprendizagem era feita pelo convívio com os
adultos.Nas raras vezes em que iam à escola, as crianças eram misturadas aos
adultos, aliás, o fato mesmo de ir à escola já fazia dela um adulto.
Fazendo um trajeto pela iconografia da época, o historiador nos mostra
que as crianças vestiam-se como adultos, participavam dos jogos, das festas e
dos trabalhos.
Quanto a sexualidade, não se cultivava o pudor junto às crianças,
podemos dizer que isso não constituía um problema na educação delas.Até
que vieram os moralistas – reformadores religiosos, educacionais e políticos
que mudaram consideravelmente o rumo da história.Foram os verdadeiros
responsáveis pela separação das crianças do mundo adulto.Voltaram-se
diretamente para a vida da criança.Antes de qualquer coisa, voltaram-se
literalmente para a vida dela, negligenciada até então quanto a sua
sobrevivência.Os moralistas preocuparam-se com a saúde da criança, mas
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também com a educação, a espiritualidade; e finalmente, fazendo jus ao nome,
preocuparam-se com a moral.E com a moral sexual.
A relação entre sexualidade e infância era coisa que não merecia
atenção.Até que surgem os moralistas e advertem: é preciso amar, cuidar,
educar, mas também vigiar a criança. A noção de inocência vem daí :
correlata, portanto, da noção de moral.
A família deixa de ser apenas uma instituição dos direitos privados -
preocupada acima de tudo com a transmissão dos direitos e dos nomes - e
passa a preocupar-se com suas crianças.Sob a influência dos moralistas, a
família tira a criança da sociedade dos adultos.E colocam-na numa espécie de
quarentena.
Essa quarentena foi a escola.Quarentena é resguardo, defesa, proteção;
mas é também o isolamento temporário ao qual se submetem os que estiveram
expostos a uma moléstia.E a epidemia que os moralistas pareciam ter
descoberto, foi a do desejo.Não nos esqueçamos: quarentena é também um
período de abstinência sexual.
A infância erigida como imagem de inocência, deixa aí recalcada uma
sexualidade.
Fonte de inquietude a partir do século XVII, a criança será mantida
confinada nos internatos por mais dois séculos.Nesse período, a categoria de
juventude confunde a criança e o jovem.Não os distinguiam muito, exceto na
primeira infância.
Ainda no século XVIII os jovens – por volta dos quinze anos, ou até
menos – já estavam combatendo, levando exércitos a batalhas, comandando
navios (era época do conscrito, ou alistamento), até impérios eles
comandavam.
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Somente podemos falar em adolescência no século XX, mais
exatamente a partir da Primeira Guerra Mundial.Há autores, contudo, que
consideram que a adolescência é um fenômeno que só pode ser pensado
depois da Segunda Guerra Mundial.De todo modo, é curioso que as
referências ao advento da adolescência estejam ligadas a períodos bélicos.
Seja numa guerra, ou em outra, a juventude passou a ser idealizada
como depositária dos atributos de força física, coragem, vigor, esperança e
alegria.Veio com a responsabilidade de reascender uma sociedade que a essas
alturas se considerava envelhecida.
É aí que a juventude torna-se adolescência.Transforma-se num
fenômeno caracterizado como a abertura de um tempo que não existia na
cultura.Daí em diante a adolescência se expandiria cada vez mais, empurrando
a infância para trás e a maturidade para frente.
A adolescência ergueu-se num ideal: o de ser um tempo feliz.A vida
adulta foi empurrada para frente, adiada, procrastinada; dando lugar à
adolescência que viria a se constituir como um tempo de suspensão - até então
inexistente- entre a infância e a maturidade.
A minha idéia é poder pensar com vocês como a abertura de um tempo
marcado para ser feliz, um tempo idealizado, irá se constituir também como
um mandato, uma nova injunção social exatamente nos moldes do supereu.
Acho que assim encerramos a nossa digressão histórica, afinal ela já
nos deu dois bons ingredientes para entrarmos na psicanálise.Um é o recalque:
recalque da sexualidade infantil, através da idéia de inocência da criança.O
outro é a procrastinação, ou adiamento.
O recalque e a procrastinação são elementos que estão na cultura, e que
estão no Édipo, mais exatamente no final dele.O final do Édipo é uma
composição do recalque (recalque do desejo incestuoso e renúncia do objeto
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desse desejo) com uma aquisição.Aquisição do tipo viril ou do tipo
feminino.Aquisição que em verdade é uma aposta. Aposta de que no futuro,
quando chegar o momento certo, ou seja, na puberdade, se terá acesso à
sexualidade.
Lacan diz que se sai do Édipo com os títulos de propriedade no
bolso.Títulos que irão se manter em reserva, muito bem guardados durante a
latência, até que chegue a puberdade.
Freud diz que a criança ao sair do Édipo, detém com ela todas as
condições para no futuro se servir da sexualidade.
É verdade que as coisas não ocorrem assim tão tranqüilamente na hora
de usar esse crédito adquirido no Édipo.Quando a neurose eclode, diz Lacan,
algumas irregularidades se percebem nesses títulos...
Nem tudo que se leva do Édipo é crédito: há culpa pelo desejo
incestuoso – apesar da renúncia – e há débito também.Contrai-se no Édipo a
dívida simbólica.No final do complexo está também o supereu. O supereu é o
herdeiro do Édipo, diz Freud.
Mas quando chega a puberdade, o sujeito quer saber do seu crédito, do
que lhe fora prometido, ou seja, a sexualidade.Do ponto de vista da fisiologia
está tudo pronto, há aí um corpo maduro.
A sexualidade que na infância estava no campo do jogo, daquilo que
não conta, ou de um faz de conta - na puberdade passa a ser pra valer.
É o momento da assunção do sexo.Momento propício para a neurose
eclodir.Hora de deparar-se com a castração, de ver o que dá para fazer com
ela, apesar dela.
Reconhecer-se homem ou mulher.É o que se impõe na puberdade.
E o reconhecimento não se dá sem um Outro.O adolescente dirige a
seus pais e/ou aos representantes destes, a pergunta: “Sou um adulto?”, “Posso
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desfrutar da minha sexualidade?”. E o que vem como resposta a essas
perguntas é algo como: “Espera, ainda não é hora...”. Esta resposta, ou
melhor, esta “não-resposta”, é o que constitui o fenômeno da adolescência
como um plus em toda a problemática da puberdade.
O adolescente vinha da latência. O corpo da latência é um corpo
tranqüilo, que não incomoda. “ De repente ele se vê habitado na puberdade
por um corpo”, diz Charles Melman.E esse corpo lhe parece um tanto
invasivo. O corpo da adolescência grita, ao contrário do corpo da latência que
é um corpo silencioso.
A adolescência exige um reapossar-se do corpo, uma revalidação
deste.Aí é que o olhar do Outro, adulto no caso, entra como suporte.Esse aval
deve ser tanto imaginário quanto simbólico, pois quando um adolescente pede
um reconhecimento do seu corpo ele quer saber do seu estatuto biológico, da
sua imagem narcísica (esta é a dimensão do eu ideal) e ele quer saber também
se ele é um adulto capaz de realizações sexuais, amorosas e sociais
(dimensão do ideal do eu). Afinal, esses são os valores que lhe foram
transmitidos na infância e são todos esses estatutos que estão em jogo.
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espelho, a sua imagem lhe causa estranheza. Estava freqüentando uma
academia, acreditava que para estar com uma mulher precisava se
preparar.Um dia olha-se no espelho e vê que estava ficando
musculoso.Angustia-se com isso.Dessa vez não tinha o olhar do irmão para
lhe dar o reconhecimento que precisava.Foi aí que procurou análise.
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gangs.Nestes últimos a transgressão, a violação à lei pode vir como uma
forma extremada de se impor como um adulto.E de se impor diante de um
adulto.Pela violência, pelo medo que é capaz de causar, dá prova de ser
adulto.Prova dada ainda que seja à força, na marra.
•A toxicomania, que na sua dimensão extrema busca um gozo
absoluto, podendo chegar à passagem ao ato. Ou em doses menores como um
apelo, um pedido de ajuda, de que o Outro, adulto, leia e interprete o seu ato:
acting-out.
•Fenômenos psicóticos, também encontram aí um momento propício
para emergir.Aliás, não só a psicose como fenômeno, mas como estrutura.A
emergência da psicose se dá num momento de chamado à função paterna.E a
assunção da sexualidade, de uma realização amorosa ou profissional opera
como um chamado à função paterna.Chamado que o psicótico não pode
atender.
Mas os casos que me inspiraram neste trabalho não se confundem com a
psicose e nem com a delinqüência.Tratam-se de exemplos que tive na clínica e
que estão mais para inibição e angústia.
Maria, uma garota tímida, queixava-se por não sair de casa, dizia não ter
para onde ir.As baladas vespertinas que ela freqüentava não permitiam mais
sua entrada, pois ela acabara de completar dezesseis anos.
À tarde não podia mais entrar.As casas limitavam a idade em quinze
anos.
À noite ela ainda não podia entrar.Só com dezoito anos.Reclamava
então: ”Eles criam o gosto na gente e depois tiram. E aí a gente fica sem ter o
que fazer. Esperando ter dezoito...”.
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Esperando no limbo.A adolescência é essa espécie de limbo,zona de
indefinição, congelamento, onde o adolescente parece muito crescido para
uma série de coisas e pouco crescido para outras tantas. Para falar em termos
lacanianos, Goza, que é impossível!
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análise no dia que fez a inscrição. Num ato falho, revela o seu acting-out: O
telefone do meu consultório toca.Eu que atendo a ligação.Era ela. Perguntava
por Atílio, esse é o nome do seu pai.Reconhece a minha voz.Embaraçada diz
que ligou para o meu consultório por engano.Estava ligando para o escritório
do pai.Era o seu pedido de ajuda que vinha de forma enviesada.O destinatário
era o pai, mas poderia ser eu.
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dias do ano letivo e enquanto isso sofria com o fato de ter que dar a notícia aos
pais, ao chegar em Nova York, cidade onde moravam.Uma briga com seu
companheiro de quarto (estava inconformado com o fato do colega ter ficado
com a garota que ele gostava) precipita a sua saída da escola.Na verdade não
foi exatamente uma saída, mas uma fuga.
Chega a Nova York, e incógnito passa os dias que antecederiam a sua
chegada oficial. Três dias que parecem ser uma eternidade.Numa vertiginosa
narrativa em primeira pessoa, o personagem vive situações
insólitas.Perambula pelas ruas, vaga pelas noites e noitadas, gasta toda a
mesada que lhe restara.No seu ato mais arrojado, uma noite entra no
apartamento dos pais escondido para falar com sua irmãzinha.Acorda-a, ela
fica muito feliz com a chegada dele, conta novidades, riem juntos.Mas quando
ela percebe que ele chegou em casa antes do dia esperado, conclui que ele fora
expulso da escola.Muda o tom da conversa e do alto dos seus seis anos,
pergunta seriamente ao irmão: “De que você gosta na vida, o que você quer
ser na vida?”.Ele demora pra responder, dá respostas evasivas, seu
pensamento vai longe. Firme ela insiste na pergunta. E ele diz: “Sabe aquela
canção ‘Se alguém agarra alguém atravessando o Campo de Centeio?’” Ela
diz: “Não é se alguém agarra alguém..., é ‘se alguém encontra alguém
atravessando o campo de Centeio’”. “Pensei que era ‘Se alguém agarra
alguém’, insiste ele: “Seja lá como for, fico imaginando uma porção de
garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio.Milhares
de garotinhos e ninguém por perto – que dizer ninguém grande - a não ser
eu.E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho que
fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair num abismo.Quer dizer, se
um deles começar a correr sem olhar para onde está indo, eu tenho que
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aparecer de algum canto e agarrar o garoto.Só isso que eu ia fazer o dia todo.
Ia ser só o apanhador no campo de Centeio”.
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