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REVISTA

Nº 10 mai/jun 2011

SLACKLINE
NA CORDA BAMBA
SEM MEDO DE CAIR

TOM DO APÊ
UMA BLOGUEIRA
ENSINA DECORAR
COM MUITA COR

MEGA SHOWS
PROGRAME-SE:
TEM PARA TODOS
OS GOSTOS

ENTREVISTA

CAMALEÃO EM
Paulo Betti, o incansável das artes
CENA
VERSAL
SAúDE

discurso do
bem
Nada incomum, a gagueira
é vista pela sociedade
quase como um defeito de
quem sofre com o
problema, e que ainda tem
que enfrentar a ignorância
e o preconceito

A fonoaudióloga Sandra superou,


inclusive, a discriminação entre
seus colegas profissionais e ajuda
pessoas que, como ela, gaguejam
Foto: Nitro

Revista MRV 39
l Rosângela Rezende e da adoção de simpatias. E, com o passar do
tempo, a família passa a agir como se nada
estivesse acontecendo.
Foi preciso a sala escura do cinema para que uma A situação de Roberto se agravou na escola. “Os
luz recaísse sobre uma realidade conhecida de todos, apelidos foram muito comuns nessa época. Fui
mas nem por isso bem compreendida. A exemplo do chamado de ‘gaguinho’ inúmeras vezes, imitado com
que o filme Rain Man fez em relação ao autismo, há frequência. Precisei brigar para cessar as humilhações”,
mais de duas décadas, o sucesso de O Discurso do lembra. Na adolescência, época em que os jovens
Rei – que retrata a luta do rei inglês George VI para costumam ser ainda mais cruéis em brincadeiras e na
vencer a gagueira – foi o empurrãozinho de segregação a outros colegas, Roberto experimentou
Hollywood para a desmitificação de um problema um período de exclusão, isolamento e solidão.
que atinge 60 milhões de pessoas no mundo e, Porém, foi nessa época que começou a buscar
estima-se, 5% dos brasileiros. informação com base cientifica sobre o seu problema.
O súbito interesse pela gagueira foi sentido no Hoje, Roberto faz tratamento com fonoaudióloga
site do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), especializada e, mesmo não conseguindo evitar a
entidade sem fins lucrativos cuja missão é gerar, ocorrência da gagueira, não deixa de falar em
aplicar e disseminar conhecimentos sobre a fluência público. Ele dá aulas em cursos de atualização e de
da fala e seus distúrbios. A página www.gagueira. especialização em sua área de atuação. “Somos como
org.br saltou de uma média de 350 visitas por mês todas as pessoas. A única diferença é que somos
para quase 14.000, só em fevereiro. “O filme gerou pessoas que gaguejam e não gagos”, observa.
um interesse muito grande em todos, tanto nos que
gaguejam e em seus familiares quanto nos
profissionais da saúde, da educação e da mídia em Vencedor do Oscar 2011,
filme coloca em discussão
geral”, atesta Ignês Maia Ribeiro, presidente do IBF.
o problema da gagueira
Uma das maiores contribuições de O Discurso Foto: Divulgação
do Rei é mostrar que, ao contrário do que imagina
o senso comum, a gagueira não é fruto da
insegurança, da ansiedade ou do nervosismo. “Se
todos os que ficam ansiosos, inseguros ou nervosos,
em algum momento da vida, ficassem também
gagos, poderíamos dizer, genericamente, que
gaguejar é normal. Os fluentes passam por
momentos difíceis e nem por isso gaguejam”,
observa a fonoaudióloga Anelise Junqueira Bohnen,
diretora educacional do IBF.

Distúrbio involuntário
A gagueira é definida como um distúrbio
multifatorial, involuntário e individual, que afeta a
fluência normal e os padrões de organização
temporal da fala dos seus portadores. A forma mais
comum é a gagueira do desenvolvimento, que ocorre
na fase inicial da linguagem, em geral antes dos 6
anos - com maior incidência entre os 3 e 4 anos de
idade. Estudos feitos com famílias têm demonstrado
que os fatores genéticos estão presentes em 50% a
80% dos casos. Cerca de 80% das pessoas que
gaguejam são do sexo masculino.
O bibliotecário paulista Roberto Tadeu da Silva,
41 anos, tem lembranças de gaguejar desde os 5. A
reação dos pais foi a mesma entre muitas famílias:
preocupação, ansiedade, incerteza e angústia.
Porém, a falta de informação e de uma ajuda
especializada, ao invés de levar à solução adequada
abre o terreno para a promessa de curas milagrosas

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Medidas incorretas Atualmente Sandra cursa doutorado na Unicamp
e atende em seu consultório somente pacientes com
O mito de que gagueira tem causas psicológicas e queixas de fluência (gagueira e fala rápida). Ela ainda
o despreparo das escolas para lidar com o assunto tem gagueira, embora em um grau bem menor do
estimulam medidas incorretas que causam danos que na infância e na adolescência, mas seus pacientes
emocionais e arrasam com a auto-estima das não estranham o atendimento feito por alguém com
crianças. Residente em Joinvile (SC), o técnico em distúrbio de fluência. “A maior parte dos pacientes
eletrônica Sidnei Steuernagel, 28 anos, tem más me procura já sabendo que gaguejo, e os poucos que
recordações dos tempos de colégio, quando não não sabem dizem que a surpresa é boa.”
conseguia nem responder a chamada e as leituras se
transformavam em momentos de tortura, em que os
colegas não conseguiam conter a risada. Pesquisas e tratamento
“As tentativas de ajuda eram observações como A tecnologia tem ajudado bastante nas pesquisas.
‘respira’, ‘calma, não precisa ficar nervoso’ ou ‘pensa Na área da genética, já se fez a descoberta dos três
antes de falar’, mas de nada adiantavam”, lembra primeiros genes relacionados à gagueira. A
Sidnei, contando que a gagueira do pai servia de neuroimagem permite que se estude o cérebro das
exemplo para o seu caso. “Como ele é gago e sua pessoas com gagueira e, no ramo da fonética, já é
gagueira diminuiu bastante quando chegou na possível estudar os detalhes da fala através de
adolescência, minha família achava que o mesmo softwares específicos de análise acústica. A evolução
aconteceria comigo, que era só esperar que o também chegou aos tratamentos, deixando para trás
problema ia passar. Porém, aconteceu exatamente o bizarrices como na Idade Média, quando o
contrário, minha gagueira piorou”, ressalta. tratamento consistia em fazer cortes na língua das
pessoas com gagueira.
À luta Já no início do século XX, as medidas terapêuticas
incluíam amarrar o braço esquerdo para que o
Dentre as facetas mais elogiadas do filme O paciente usasse mais o braço direito, pois se
Discurso do Rei está o fato de o personagem principal acreditava que a gagueira era causada pela pouca
não ter fugido à luta. Em vez de nomear um orador dominância do hemisfério cerebral esquerdo sobre o
oficial, preferiu enfrentar o problema e falar aos direito. Hoje, são utilizados equipamentos para
súditos. Uma história de superação semelhante pode fornecer feedback da fala, da contração muscular
ser contada pela fonoaudióloga paranaense Sandra (eletromiógrafos) e também aparelhos que
Merlo, 31 anos. Gaga desde os 3 anos, seus pais modificam o feedback auditivo.
ouviram do pediatra o diagnóstico de que a gagueira Especialistas acreditam que, a exemplo do filme,
passaria, ou seja, não era preciso fazer nada. a crescente divulgação de informações sobre gagueira
Tempos depois, sem ver melhoras, a família a e sobre os tratamentos adequados tende a diminuir
levou a um psicólogo. O profissional avaliou que a a resistência dos que sofrem com o problema na
gagueira dela era fruto de ciúmes do irmão mais procura por tratamentos apropriados. Esperam,
novo. Depois disso, nada mais foi feito. “Só fui obter também, que a sociedade demonstre uma postura de
tratamento fonoaudiológico adequado com 18 anos, maior compreensão do problema.
porque eu mesma busquei”, conta. As dificuldades
contra o preconceito enfrentadas por Sandra Sem culpa
cresceram na época do vestibular. Algumas
faculdades de Fonoaudiologia costumavam aplicar “As pessoas acham que o gago é emocionalmente
uma série de testes (de audição, de fala, de leitura, instável, intelectualmente inferior, e o desrespeitam,
de escrita), para se certificar de que o candidato não fazendo dele motivo de chacota. Esse comportamento
possuía nenhuma alteração fonoaudiológica. da sociedade infelizmente é reproduzido em
Sandra fez inscrição em três universidades: USP, programas de rádio e TV”, alerta o auditor fiscal
Unesp (que não faziam teste de aptidão) e numa tributário, Paulo Amaro Martins, 47 anos, morador
universidade do Rio Grande do Sul, quando foi de Campinas (SP). No filme O Discurso do Rei, foi a
reprovada no teste devido à gagueira. “A coordenadora primeira vez que ele viu a gagueira ser tratada como
do curso disse que eu não poderia ser fonoaudióloga, ela realmente é, sem estereótipos e gracinhas. “Mas
porque eu não era um modelo de comunicação”, o que mudou minha vida foi ter descoberto que a
lembra-se. “Esta foi a maior experiência de gagueira é física, é orgânica, que eu não estou gago,
discriminação que já vivi, pois o que mais me mas que sou gago”, conta. “E isso faz toda a diferença
impressiona é o preconceito vir exatamente de uma porque nos livra do terrível sentimento de culpa que
profissional que não deveria tê-lo.” carregamos por gaguejar.”

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