Poemas inéditos de João Ayres devidamente registrados.
1Esta sede de palavras é morta de nascença
Nos escuros corredores onde as almas se desencontram Aprendi muito cedo a ignorar o peso do tempo Perdi muitas vezes o prumo ao revirar os olhos para dentro Esta sede de palavras é morta de nascença Sempre longe e indiferente onde e quando nada se vê.
2Vou enterrar o meu nome no inferno em chamas
Estarei sempre inerte no vazio dos objetos deste cômodo Gosto de designar coisas com a frieza dos homicidas Ressurjo sempre insano por entre insinuações mortas Caminho na incerteza do agora sempre prestes ao colapso da margem.
3Estou quase sempre inqualificável
Vazio nos interiores dos copos repletos de miasmas de cerveja vencida Atemporal em ontem ou em dia qualquer À procura de em jamais conseguiu encontrar coisa alguma Inqualificável e inapreensível como um espectro que se foi.
4Grito a solidão dos becos das cidades
Os postes e latas de lixo caminham ao meu lado no inferno O mundo das sombras na noite que invade a mente como um nada Os fatídicos roedores que devoram minhas vísceras combalidas.
5Acordo e durmo sem cor/
Procuro tons invisíveis nas sarjetas/ Tenho arrebatamentos de cinzas quando estou quase nada/ Entre um e outro quase sempre morto entre os pensamentos/ Amanhã é um dia no qual tudo se vai simplesmente/ Amarelo e ofuscante como o sol que engole a frígida percepção das coisas/ Acordo e durmo sem cor como de costume/ Sempre à procura de como se não fosse.
6Ele está doente
Predicativo e intensamente doente em ele está doente Fraco demais para abrir a porta do sem sentido Lúgubre em trissílabo que se move na direção contrária Ele está doente em verbo de ligação consoante com o final do mundo Mentalmente quase nada em guimba de cigarro no canto da sala Mentalmente quase nada em caco de vidro no chão branco. 7-As horas nas quais medito sem eternidade Num velho túnel escuro onde a avidez de meu silêncio se desintegra Não há caminho algum onde a palavra cessa Mas sombras e vertigens e pés descalços.
8 O pensamento incendeia minha alma
A alma incendiada explode como uma palavra ressentida Encontro o adeus na fala dos mortos que respiram inquietos/ No interior de suas noites crivadas de incertezas.
9-Dirijo-me ao lugar de costume sem lugar
Minha mente esbarra num sem fim de palavras disformes/ Tudo não mais passa de um tanto de parênteses vazios Talvez não tenha coragem de afirmar que a vida passou por mim -estive sempre á margem como um eu errante esgarçado na passagem do tempo Odiava os relógios da cozinha sempre precisos e indiferentes em meus tímpanos Quando tudo & mais tudo se desintegrava em minha mente/ Os farelos de pão bolorento por sobre a mesa infinita Havia um cão que comia os restos da mão do vento.
10 O mundo se move em direção qualquer entrevista
O tédio maior não poderá fechar o som esganiçado de minha garganta O corpo-espírito-alma que se afoga inebriado no cosmos/ Ouvir intensamente o silêncio que cresce na hora vazia.
11- eu quero rasgar o tom de minhas palavras
falar como um desgraçado e beber e beber e beber e só abrir vários buracos em meu espírito,preciso, comprar um carro fora de linha e morrer num acidente irrelevante rasgar e rasgar o tom de minhas palavras minhas roupas e destruir os meus sapatos sabotar esta euforia plástica ao conseguir um bom emprego,preciso, e morrer e morrer e morrer e só.
12- os homens estão para os porcos
que comem insetos negros nas ruas cinzentas que não levitam que são ruas com braços que se alongam como noites afugentadas que se erguem como postes onde cristos sacrificados se misturam aos fios elétricos que meditam no deserto de sua destruição constituída que se desprendem de si mesmos como nuvens carregadas de sangue pisado que estão sempre para os insetos mortos nas cidades vitimadas pelas catástrofes que estão para os porcos e insetos e cristos e nuvens e noites e sangue. 13 escrevo-te uma carta como quem foi a algum lugar sem motivo aparente e se perdeu comprei dois ternos para a ocasião na qual não me vi estive com alguns amigos na esquina antes mesmo de esconder-me sem self ontem um pássaro escuro rondou a casa na qual descansava uma eternidade os olhos revirados sem retorno onde a mente se deixou levar como um rio escuro quando não mais voltei em lá estava infinitivo e distante há um lugar onde o silêncio macera os tímpanos em febre de interiores se fui,como fui em quem foi, eis a carta que te escrevo neste dia sem data e sem maiores desejos cruéis pisarei na cara do final dos tempos,isto sim o que me resta, vou cuspir sangue no asfalto e chamar a atenção das lixeiras cortar os pulsos e bradar aos quatro ventos quem não sou.
14 meu jeito jeito em copo de vinho derramado/
meu jeito rubro como tudo que circula sem destino/ sou mais vagabundo quando esqueço de fazer a barba/ suado e arfante na falta de luz que me atira contra a parede do quarto/ velho demais para pular o muro que me separa do caos latejante/ meu jeito insano em dois quilos de carne vencida.
15este calor e frio e tantas outras coisas
desejo de ir e ir e ir simplesmente por entre as ondas ou por baixo de qualquer coisa mas ir e ir e ir simplesmente Para o fim ou começo ou para o começo do fim Para a selva ou para a calota polar Para o intestino de um mamífero desavisado Para o interior de todas as alma indômitas Mas ir e ir e ir simplesmente Para o cosmos ou para o além seja lá como for Desejo de ir e ir e ir simplesmente.
16 os poemas estão para as ruas eliminar este poema
que estão para as latas de lixo, para os rainbows de final de tarde para um tanto de qualquer coisa ou de coisa alguma os poemas estão para os igarapés ou para os plátanos ou para os pântanos,talvez, os poemas estão para as coisas,para o céu,para o inferno,para as chamas de um incêndio na floresta para o fim ou começo ou continuidade ou fluxo,os poemas, para o fim ou começo ou sangue ou pus ou catarro a escorrer pelas narinas para os sinais de trânsito,os poemas, para os atropelamentos,os poemas, para todos aqueles que se desorientam e morrem.
17-este dia não tem memória/
como não tem memória o caco de vidro,os restos de comida congelada no lixo, como não tem memória o beco escuro de um sexo apressado/ o vento frio que maltrata os mendigos em silêncio/ os elevadores no vaivém inerte dos edifícios cinzentos/ o mar escuro e gelado onde alguém se afogou sem alarde.
O poema salivado sem gosto no escuro.
18 palavras ressentidas no desejo incomensurável de morte este será o poema da fome. Eliminar este poema Da sensação de permanente vazio, Deste procurar intensamente o que não pode ser jamais realizado O lugar no qual tudo emudece As frases enlouquecidas espocando nas almas que se perdem Neste fala que deverá atravessar os séculos Para frente e para trás com a cabeça decepada numa bandeja Para dentro do espelho sem lado algum Este é o poema devorador de vertigens -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Este instante sufocado em minhas vísceras
Corta-me a alma uma faca afiada de desejos cruéis Se tivesse que matar alguém,eu hoje me renderia ás árvores que me ignoram. As raízes do tempo em minha alma carcomida:
Vazios Sombras Escuridões.
Ele se ergue da cama como um nada
O pronome se procura tarde da noite em: Ele foi a lugar algum.
Quem agora instaura a pergunta e Ele se recolhe em silêncio.
Ele se esconde em caso reto e deixa-se levar na boca de quem quer que seja
Ele e Quem estão perdidos no escuro
No chamamento que antecede morrer das coisas..
Poemas da série –falando com os mortos
Eu conheço o silêncio dos mortos Que se foram de maneira alguma Há dois séculos atrás em algum lugar distante No silêncio das palavras murmuradas O silêncio silêncio e no mais tantas outras vertigens Aqui jaz o nada em todas as coisas vãs O espírito sempre em febre, a alma sempre prestes a:
Este poema se foi quando aqui presente
Estas palavras não me pertencem jamais Este dizer tomado de qualquer coisa que desconheço Algo que me devora as entranhas como se eu fosse um naco de carne fresca Este poema que se foi quando aqui presente Deixo em mim o que resta do tempo repleto de vazios.
Assim que se levantou soube que não mais era
Passou a ver coisas sem coisas e então estava vazio Palavras que nunca tinha ouvido ressoavam em sua alma como bólidos Ele era quem não mais era em nada poderia estar ali.
Há muito tempo atrás perdeu o rumo
O lugar que sangra como os mortos no interior do espírito Faz muito tempo esteve em