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' 'Esse //vro de José Gui//>erme Aíere/uioré'umaf?

ese/a/ia
incisiva e estimulante sobre a b/stór/a e evo/ução
da teoria /ibera/ desde o sécu/o XVIIao /empo presente.
Com/;wa uma enorme riqueza c/e Informações —
surpreeui/en/emen/e condensada -- com penetrante
apresentação a/os temas centra/s a/o ribera/ismo. Aíerece,
assim, os mais a/tos e/ogios. 1
ERNEST GEI.LNER
Professor
Cambridge University O
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' 'Um /ivro importante sobre um movimento


fundamenta/ dapo//tica moderna... Escrito com O
erudição, ironia e paixão. CT
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PIERRH MANENT
Collège de France, Paris B
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' 'Merquiorforça-nos a lembrar que o riberarismo tem r-t
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sic/o um movimento internaciona/ Esse /ivro éum crq
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'tour de force', o produto de uma mente poderosa e o
e/egante inteiramente à vontade em meio a um X
extraordinário número de cu/turas. o
o-
JOHN A. I-IALL n>
l-t

Professor de Sociologia o
I larvard University

EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
320,51
SEMPRE
UM BOM M5671
LIVRO
CMS
Sumário

Prefácio - Roberto Campos 1

1 Definições e pontos de partida 15


Liberalismo 15
Liberdade e autonomia 21
Três escolas de pensamento 27
O indivíduo e o Kslado '52

2 /\.v raízes c/o liberalismo :ir.


Primeiras fontes modernas ;(.r>
O legado do Uuminismo 49

3 Liberalismo clássico, 1780-1860 05


Locke: dircilos, consenlimenlos o confiança (>0
De Locke a Madison: humanismo cívico
e republicanismo moderno 69
Whigs e radicais: o nascimento da idéia liberal democrática ... 76
Os primeiros liberais franceses: de Constant a Guizot 82
O liberalismo analisa a democracia: Tocqueville 87
O santo libertário: John Stuart Mill 95
Em direção ao liberalismo social: Mazzini e Herzen 101
Os discursos do liberalismo clássico 105
4 Liheraliwios conservadores 109
Conservadorismo liberal e liberalismo conservador 109
Liberais conservadores evolucionistas: Bagchot c Spencer 115
O liberalismo construtor de nações: Sarmicnlo c Albcrdi I 19
O segundo liberalismo francês: de Rémusat a Renan 126
Semiliberalismo: do llechtsstaat alemão a Max Weber \?>2
Croce c Ortega 139
Prefácio
Conclusão 148
Merquior, o liberista
5 Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 151
As reivindicações do liberalismo social 151
De Kelsen a Keyncs: liberalismo de esquerda no entre guerras 165
"Este é um livro liberal sobre o liberalismo, escrito
Karl Poppcr e uns poucos moralistas liberais do após-guerra .. 178
p o r alguém q u e acredita q u e o liberalismo, se e n t e n d i d o
Neoliberalismo como neoliberismo: de Mises a llayck,
e a teoria da escolha pública 188 a p r o p r i a d a m e n t e , resiste a q u a l q u e r vililicação."

Liberalismo sociológico: Arou e DahrcndorC 196 — Merquior, na introdução ao I.iheralism - Old and New

Os ncocontratualistas: Rawls, No/.ick e Bobbio 205


Conclusão 2 IH
A p a r t i d a de J o s é G u i l h e r m e Merquior, aos -19 anos, no apogeu da
p i o d u l i v i d a d e , p;u'e< r uni eiuel dcfipri dírio, Meitíi Ia/. de.'isari < <>i
Conclusão 22 I
sas. Fabrica gênios e depois q u e b r a o m o l d e . As vezes dá vonlado
Cronologia : 22M de a gente, c o m o no p o e m a de Murilo Mendes, intimar o C r i a d o r
Notas e referências biblioü-rá ficas ; 227 a n ã o repetir a piada da Criação...
Leitura complementar | 246 Legou-nos u m a rica obra, q u e vai da crítica literária à filosofia,
índice L
2 9, à sociologia e à ciência política. Escrevendo em inglês e francês,
c o m llttência igual à exibida em sua língua nativa, M e r q u i o r tem
hoje c o m o sociólogo uma projeção internacional s o m e n t e compa-
rável à alcançada em sua época p o r Gilberto Frcyre, em seus pio-
neiros e s t u d o s sociológicos. Só (pie mais diversificada, pois q u e
a b r a n g e i m p o r t a n t e s excursões na filosofia e na ciência política.
OMttgnum opus de M e r q u i o r é sem dúvida 0 libmúismo - an-
liftíi ti nitiilmio, cMciilu q u a n d o ainda e m b a i x a d o r no Ménii o, uuni
c u r t o p e r í o d o d e q u a t r o meses, S o m e n t e u m a prodigiosa erudição
a c u m u l a d a lhe permitiria d e s e n h a r em tão p o u c o t e m p o esse cafe-
dralesco mural q u e descreve a longa e /.igue/agueanle peregrinação

7
2 O liberalismo - antigo e moderno Prefácio - Merquior, o liberisla 3

humana em busca da sociedade j aberta. Talvez Merquior pressen- de esquerda, enquanto o nazi-facismo viria a representar um "cole-
tisse que o rondavam as Parcas p que se impunha um esforço de tivismo" de direita.
coroamento de obra. A grande depressão dos anos 30 enfraqueceu o capitalismo
Faltava-nos, em relação ao liberalismo, aquilo que Toynbee liberal e surgiu o keynesianismo como doutrina salvadora. Este se
chamava de visão "panorâmica ao invés de microscópica". Essa baseava entretanto numa sobreeslimação da capacidade dos gover-
lacuna foi preenchida pelo sobrevôo intelectual de Merquior, que nos de gestionar a economia através de uma "sintonia fina" das
cobre liada menos que três séculos. Seu livro será uma indispen- variáveis macroeconômicas.
sável referência, pois que analisa as diferentes vertentes do libe- O neoliberalismo econômico só ressurgiria comopraxis política
ralismo com sobras de erudição e imensa capacidade de avalia- na década dos 80. Se o período entre 1920 c 1980 foi a "era coleti-
ção. Mais do que uma simples história das idéias, é um ensaio de vista", como a chamou Paul Johnson, entramos nesta última déca-
crítica filosófica. da na idade liberal. Ou, como Merquior faz notar pitorescamente,
A publicação da versão brasileira do I.iberalism - O/d and Nexo "nos últimos anos da década de lí)'l(), os socialismos fizeram o pa-
não poderia vir num momento!mais oportuno. É que o mundo pel de juizes; nos últimos anos da década de 1980, eles próprios
assiste agora à vitória do liberalismo em suas duas faces — a demo- estão sendo julgados".
cracia política e a economia de mercado — não apenas como dou- Em formoso estudo recente, o grande patrono da economia
trina intelectual, cuja evolução Merquior traça com maestria, mas liberal, Milton Friedman, interpreta a onda de liberalismo econô-
como praxe política. mico que sopra no mundo como a "terceira maré", desde o Annris
No Annus Mirabilis de 1989 pode-se dizer que, ao ruir o muro Mirabilis de 1776.
de Berlim, terminou a guerra fria entre o capitalismo e o comu- Nesse, três coisas aconteceram simultaneamente:, sem que os
nismo. Este deixou de ser um paradigma. E para alguns um pesa- coetâneos percebessem suas conseqüências majestáiicas — o nasci-
delo, para outros uma nostalgia, para ninguém um modelo. mento do liberalismo econômico, o deslanche da Revolução In-
O Annus Mirabilis de 1989 será visto, em perspectiva, como um dustrial e a criação de um modelo de democracia política pela Re-
dos grandes divisores de água da história, comparável talvez ao de volução Americana. Quem vivesse no ano 1776 não saberia que um
1776, quando começou a desenhar-se a grande passagem do mer- livro — A riqueza das nações — e um curto documento político — a
cantilismo para o capitalismo liberal e a democracia constitucional. Declaração de Filadélfia — dos rebeldes norte-americanos muda-
Este século, que alhures chamei de "século esquisito", assistiu riam a face do mundo.
ao fenecimento e à ressurreição do liberalismo. O liberalismo Essa foi a primeira maré. Viria depois a "maré coletivista", que
econômico pregado em 1776 por Adam Smith somente viria a invadiu a maior parte deste século. Friedman dá a essa maré, que
tornar-se a doutrina vitoriosa em meados do século XIX. ( lonti iliuiti expandiu o intervencionismo do Ivslado e apequenou as liberda-
para o fortalecimento da democracia política e para a prosperidade des do indivíduo, o nome de maréfabiana. E que ele atribuiu o fer-
da belle époque. mento intelectual do coletivismo à fundação da Sociedade Fabiana
Os desafios socialistas eram doutrinários antes que práticas de pelos socialistas ingleses, em 1883. Estes pregavam a "marcha gra-
governo. A revolução Soviética de 1917 iniciava a "era coletivista" dual para o socialismo". Tal imputação é arbitrária, pois talvez se
Prefácio - Merquior, o liberista 5
4 O liberalismo - antigo e moderno

dos 80 após fracassadas duas experiências coletivistas, o nazismo


possa dizer que o grande desafio ao liberalismo proveio do Manifesto
e o comunismo, e uma experiência dirigista — o keynesianismo — é
comunista de Marx e Engels, de 1848. A "terceira maré", que está
que o neoliberalismo chegou ao poder político. A eleição de
despontando na atual década com a ressurgência do liberalismo
Madame Thatchcr na Inglaterra e do presidente Reagan nos
econômico, teria começado com outro livro — O caminho da servidão
Estados Unidos marcou o divisor de águas.
— de Mayek, publicado em 1944.
A terceira característica é que os períodos de liberalismo eco-
Friedman aponta características interessantes nessas marés da
nômico induzem um certo grau de liberdade política, enquanto o
história. A "primeira" é que elas começam como um fenômeno
coletivismo econômico é habitualmente associado ao despotismo
puramente intelectual; um desafio herético às doutrinas correntes.
político, como aconteceu com Mitler e Stalin.
Anos ou décadas se passam antes de se transformarem cm ação
política. Adam Smith achava que, ao pregar o livre comércio, esta- Será a presente ascensão ncolibcral apenas um relluxo da
va pregando uma utopia. Entretanto, 70 anos depois, com a abro- maré ou estaremos lace a um fenômeno histórico novo, o casamento
gação da Lei do Milho na Inglaterra, liberava-se o comércio de grãos da democracia política com a economia de mercado? Francis
c. 8() anos depois, a Inglaterra e a frança assinavam o tratado Fukuyama, funcionário do Departamento de Estado, num artigo
(lobden de livre comércio. intitulado "O lim da história", que provocou grande controvérsia,
pretende que a história do pensamento sobre os princípios fun-
A fermentação coletivista, que no continente europeu come-
damentais que governam a organização política e social estaria ter-
çou com Marx e na Inglaterra com os (abianos, começaria a inva-
minada ai ravés da vitoria do lihci alisiuo políl i< o <• <•< onõmiro. I;Í;ÍI >
dir o mundo com o colapso «Ia velha ordem na Segunda (hiena
marcaria não só o lim da Guerra Fria mas a prevalência de um for-
Mundial e com o advento da Revolução Russa, quase 70 anos de-
mato político-social com características de "sustentabilidade" e
pois do Manifesto comunista. O golpe quase mortal no liberalismo
"universabilidade". Fukuyama dá mais ênfase ao liberalismo polí-
seria a Cirande Depressão dos anos 30. Foi a falência da empresa
tico. Mas o fenômeno é mais abrangente, pois que se tornou
privada que anemi/.ou o liberalismo, da mesma forma que nesta
também vitoriosa a economia de mercado sobre os regimes
década a falência do Estado começou a matar o coletivismo. As
dirigistas. E precisamente a conjugação do liberalismo político com
teorias de Ilayek tiveram que hibernar 40 anos. Durante esse pe-
o liberalismo econômico, que se pode chamar de "capitalismo
ríodo, além do marxismo, vicejou o keynesianismo, que sobre-
democrático".
estimava a capacidade dos governos de manipular instrumentos
Antes de se candidatar à condição de ideologia universal, o
fiscais para estabilizar a economia e evitar o desemprego.
liberalismo político-econômico teve, entretanto, de enfrentar peri-
A "outra" característica interessante, segundo Friedman, é que
gosos desafios neste século. Um sério desafio "interno" foi a gran-
as novas marés se formam quando as antigas atingem seu apogeu.
de depressão dos anos 30, que criou dúvidas sobre a economia de
O marxismo e o fabianismo nasceram quando o liberalismo dera
mercado e encorajou experimentos dirigistas. Muitos falaram en-
ao mundo quase um século de prosperidade econômica e propi-
tão no "fim do capitalismo". Mas houve dois desafios "externos" —
ciava crescente liberdade política. A maré ncolibcral começou,
o nazismo, principalmente no plano político, e o comunismo, prin-
paradoxalmente, no auge do intervencionismo governamental,-
cipalmente no plano econômico.
durante a Segunda (hiena Mundial. Entretanto, só nesta década
6 O liberalismo - antigo e moderno Prefácio - Merquior, o liberista 7

Conjurados esses desafios, com o sepultamento do nazismo e As áreas de tranqüilidade sistêmica seriam basicamente a Nortc-
a agonia do comunismo, não há ideologias alternativas que pos- América, a Australásia, o Japão e a Europa Ocidental. É surpreen-
sam competir com o liberalismo democrático na ambição de se dente neste fim de século o ressurgimento do liberalismo econômico
universalizar como forma definitiva de governo. Esse, o fato novo como idéia-força. Ele desbancou o keynesianismo, o estatismo
na história da humanidade. assistencial, o planejamento dirigista e, finalmente, a social-demo-
Restam poucas dúvidas de que esse formato político-social se cracia, pois que as economias européias modernas se conformam
consolide neste fim de milênio. Até mesmo por exclusão. Falha- cada vez mais aos princípios da economia de mercado, substituin-
ram as ideologias alternativas. O socialismo "real" exibiu dois in- do a igualdade pela eficiência. Exceto no Brasil, onde as idéias
gredientes funestos — a máquina do terror e a ineficiência econô- chegam com atraso, como se fossem queijos que necessitem enve-
mica. Os experimentos ideológicos do Terceiro Mundo, como o lhecimento, a social-democracia não é percebida como o último
fundamentalismo islâmico, só trouxeram violência e pobreza. O reduto do dirigismo e sim como o primeiro capítulo do liberalismo.
populismo nacionalóide, tão encontradiço na América Latina |e São variados os rótulos dos governos europeus — conserva-
África, trouxe um rosário de fracassos. Finalmente, o nacionalis- dores, liberais, social-democralas, democratas-cristãos, centro-direila
/ . , . . . . i ,
e socialistas. Mas a integração prevista para 1992 traz embutida uma
mo nao tem, por sua própria natureza, características universanza-
veis. Pode-se aliás falar numa "crise do nacionalismo" pois este (Im harmonização de políticas à base de dois princípios da moderna
de século nos apresenta contrastes esquisitos. Enfraquece-se de um economia de mercado; o "globalismo", pois as fábricas se tornam
lado, o nacionalismo do estado-nação. O que se fortalece é o "na- globais, c os mercados financeiros, integrados; e o "clientelismo",
cionalismo das etnias", buscando afirmação de identidade, presejr- pois que o soberano será o consumidor e não o planejador. O
vação da língua nativa e autonomia administrativa, sem infirmar, socialista francês Michel Rocard, ex-Primeiro Ministro, se diz um
entretanto o desejo de integração em blocos econômicos maiores.! "socialista de livre mercado". Felipe Gonzales, o socialista espanhol,
Cada vez mais se reconhece o "paradoxo de Daniel Bell": "o estado- fala num socialismo supply side, de nítida preocupação produtivista,
nação é grande demais para os pequenos problemas e pequeno; antes que distributivista. Há menos ênfase sobre a independência
demais para os grandes problemas". e mais sobre a "interdependência".
Dentro dessa cosmovisão pode-se considerar os países como O fim da história como ideologia, observa Fukuyama, não sig-
divididos em dois grandes grypos: os que atingiram o estágio elej nificaria o fim dos conflitos. Apenas estes dificilmente seriam con-
"tranqüilidade sistêmica", nos1 quais não estão em jogo as opções flitos globais. Serão o produto de nacionalismos locais, de tensões
institucionais básicas; os conflitos remanescentes se referem a pra-j religiosas como o fundamentalismo islâmico, da frustrada busca
gramas partidários, personalidades e prioridades na alocação de terceiro-mundista de uma terceira via entre o capitalismo e o socia-
recursos. Dentro dos limites da condição humana, ter-se-ia atingij lismo. Somente será capaz de prover tranqüilidade sistêmica o for-
do, após uma busca secular, uma forma de governo que permite mato de governo que apresente duas características: sustentabilidade
conciliar o tríplice objetivo da liberdade política, eficiência econôj e universabilidade. Em outras palavras, é preciso uma ideologia não
mica e razoável satisfação social (no sentido de que nenhum siste- excludente baseada em métodos consensuais e susceptível de uni-
ma alternativo oferece melhores perspectivas de bem-estar social). versalização como paradigma.
S O liberalismo - antigo e. moderno
Prefácio - Men/uior, o liheristu

A maior parte do mundo, entretanto, se acha cm estado de A vitória atual do liberalismo sobre ideologias alternativas c a
intranqüilidade sistêmica, com vários processos e em vários graus culminação de um longo e complexo histórico que Mcrquior nos
de transição. É o mie ocorre no inundo socialista e na üiandlé desvenda, em seu grande mural, com fina percepção das nuances
1
I
maioria dos países que se convencionou chamar de "terceira de pensamento. Sem deixar, aliás, de nos adverlir de que o re-
mundo". As duas grandes potências socialistas, a União Soviétic ( nascimento de mais liberdade econômica — a tendência liberisla
li não significa um golpe de morte para os impulsos igualitários. A
a China, estão cada qual á sua: maneira buscando um formato po
as sociedade, diz ele, permanece caracterizada por uma "dialética
tico e social cslávcl. A China começou pela reforma econômica m
sofre de paralisia política. A Uijião Soviética fez a suaglasnosl política contínua, embora cambiante, entre o crescimento da liberdade e o
mas fracassou em sua pereslròika econômica, pois a economia dé ímpeto em direção a uma maior igualdade".
mercado ainda é uma visão longínqua. Os países pós-comunistas Diferentemente das utopias radicais, que simplificam barbara-
da FAiropa Oriental estão tentando uma transição simultânea do mente a realidade, o liberalismo comporta uma larga variedade de
autoritarismo político para a democracia representativa, e da eco- valores e crenças. Isso deriva da diferença percebida nos obstácu-
nomia de comando para a economia de mercado. A franja asiática los à liberdade e no próprio conceito de liberdade, a começar pela
experimenta também um processo de transição: Coréia do Sulj e clássica distinção de Isaiah Berlin entre a liberdade negativa (ausên-
Taiwan são economias de mercado em fase de democratização po- cia de coerção) e a liberdade positiva (presença de opções). Como nota
lítica. Tailândia, Malásia e Indonésia combinam resquícios autori- Merquior, há estágios históricos na busca da liberdade.
tários na política, com ensaios de economia fie mercado. A índia é A primeira é a liberdade contra a opressão, lula imemorial. A
uma grande e robusta democracia política, mas, dominada por uma segunda é a liberdade de participação política, invenção da demo-
burocracia socializante, está longe de se parecer com uma econo- cracia ateniense. A terceira é a liberdade de consciência, penosa-
mia de mercado. mente alcançada na Europa em resultado da Reforma e das guer-
Na América Latina, praticamente inexiste o capitalismo de- ras de religião. A quarta, mais moderna, é a liberdade de auto-
mocrático. É verdade que houve um rcflorescimento da demo- realização, possibilitada pela divisão do trabalho e o surgimento da
cracia. As ditaduras estão fora de moda, só restando Cuba, como sociedade de consumo.
caso teratológico. No sul do continente, o Brasil, a Argentina, o São luminosas as páginas de Mcrquior sobre o "liberalismo
Uruguai e o Peru fizeram sua transição democrática. Mas nenhum clássico", com seu tríplice componente: a teoria dos direitos huma-
desses países aceita a disciplina da economia de mercado. Todos nos, o constitucionalismo e a economia liberal. Muito mais que uma
insistem em controles burocráticos, mantém inchadas máquinas fórmula política, o liberalismo é uma convicção, que encontrou sua
estatais e se protegem através de reservas de mercado. Essas são expressão prática mais concreta com a formação da democracia
características das sociedades "mercantilistas". americana, cujos patriarcas combinaram, na formação da repúbli-
Aliás, apenas três países — Chile, Bolívia e México — aderiram ca, as lições de Loçke sobre os direitos humanos, de Montesquieu
explicitamente ao ideário da economia de mercado e, se completa- sobre a divisão de poderes e de Rousseau sobre o contrato demo-
da sem transtorno sua liberalização política, serão os primeiros crático. Uma curiosa observação de Merquior é a diferença voca-
exemplos de capitalismo democrático na América Latina. cional entro os teóricos do liberalismo. Os liberais ingleses eram
10 O liberalismo - anligo e moderno Prefácio - Merquior, o liberista 11

principalmente economistas e filósofos morais (Adam Smith e Stuart do pluralismo (Isaiah Berlin), o neo-evolucionismo (Hayek) e a
Mill), os liberais franceses, principalmente historiadores (Guizot e sociologia histórica (Aron).
Tocqueville) e os liberais alemães, principalmente juristas. Na teo- O mais fascinante dos capítulos do magnum opus de Merquior,
ria inglesa, liberdade significaria independência; na francesa, em parte por se tratar de terreno menos palmilhado, em parte por-
autogoverno; na alemã, auto-realização. que conheci pessoalmente alguns dos atores, é o intitulado "Dos
Com extraordinária erudição, Merquior disseca as diversas novos liberalismos aos neoliberalismos". Merquior examina erudi-
linguagens liberais: — a dos direitos humanos, a do humanismo cí- tamente uma das antigas tensões dialéticas do liberalismo: a tensão
vico, a dos estágios históricos, a do militarismo e a da sociologia entre o crescimento da liberdade e o impulso da igualdade. Nada
histórica. São originais suas observações sobre o surgimento, no melhor para se entender a diferença entre o "novo liberalismo" e o
século que medeia entre \H'M) e \'.YM), do "conservadorismo libe- "neolibcralismo" do que contrastar lorde Kcyncs com Hayek. So-
ral", que era liei ao individualismo e à liberdade de consciência, bre ambos Merquior redigiu brilhantes vinhetas, generosas demais
mas se contagiou de pessimismo quanto à democracia de massas. TIO tocante a Kcyncs, e generosas de menos no tocante a Hayek.
No delicado balanço entre as duas vertentes do liberalismo — o Como e sabido, Keyncs favorecia intervenções governamentais para
libertarianismo e o democratismo — os conservadores liberais, como correção do mercado, enquanto Hayek descrevia esse comporta-
Spenecr e Uourke, privilegiaram a primeira. Entre os modernos, mento como presunçoso "eonstrulivismo". Para este fim, a função
Max Weber na Alemanha, benedelto Croce na Itália e Ortega y do governo é apenas "prover uma estrutura para o mercado e lor
Gasset na Espanha, ao enfatizarem a importância do "carisma" c necer os serviços que este não pode prover".
das "elites culturais" para viabilizar a democracia, incorreriam na- Em nossas últimas conversas senti que José Guilherme se tor-
quilo que Merquior chama de "curiosa alergia que sente o intelec- nava cada vez mais "liberista". Neste credo, comungávamos. O
tual moderno diante da sociedade moderna". "liberista" é aquele que acredita que, se não houver liberdade eco-
Coisa paralela ocorreria recentemente no seio do marxismo, nômica, as outras liberdades — a civil e a política — desaparecem.
como o assinalou José Guilherme em sua importante obra sobre o Na América Latina, a concentração de poder econômico é um
Marxismo ocidental. Desapontados com a inflexão totalitária do so- exercício liberticida. Nosso diagnóstico sobre a moléstia brasileira
cialismo soviético, os marxistas ocidentais na Alemanha e França era convergente. Ao Brasil de hoje não falta liberdade. Falta
abandonaram sua crítica obsessiva ao formato democrático das liberismo.
economias liberais, para se concentrarem na crítica cultural ao Dois dos mestres — Ralf Dahrendorf e Raymond Aron — cujo
produtivismo e tecnicismo da sociedade burguesa. E mordente, e pensamento Merquior desfibrila com brilho, num capítulo chama-
correto, o veredicto de Perry Anderson: o Marxismo Ocidental, do "o liberalismo sociológico", foram nossos amigos comuns.
adota o "método como impotência, a arte como consolação e o Dahrendorf era no fim dos anos 70 o presidente da London School
pessimismo como quiescôneia". j ofEconomics, onde Merquior estudava para doutorado cm socio-
São luminosas as considerações de Merquior sobre os princi- logia. "Não sei porque", dizia-me Dahrendorf, "pois tem mais a en-
pais idiomas do liberalismo no após-guerra: a crítica do historieis- sinar do que a aprender".
mo, (Popper), o protesto antitotalitário (Orwell e Camus), a ét.ip Dahrendorf gostava de debater com Merquior suas teses
12 O liberalismo - antigo e moderno Prefácio - Merquior, o liberista 13

e n c r u s t a d o s na "mídia" e b r a n d i n d o eficazmente d u a s a r m a s : a
prediletas sobre o conflito social m o d e r n o : a disputa e n t r e os q u e
adulação e a intimidação. C o o p t a m idiotas, chamando-os de "pro-
advogam m a i o r "liberdade de escolha" e os q u e q u e r e m um maior
gressistas", e i n t i m i d a m patriotas, chamando-os de "entreguistas".
"elenco de direitos". O u , c o m o n o t a Merquior, a oposição básica
M e r q u i o r só se desiludiu q u a n d o descobriu q u e na e s q u e r d a brasi-
e n t r e provisiom (provisões) e cnlillements (intitulamentos). Trata-se,
leira ainda há gente q u e n ã o se dá c o n t a de q u e caiu o m u r o de
no p r i m e i r o caso, de alternativas de oferta de bens, um conceito
Berlim...
incrementai. No s e g u n d o , do direito de acesso aos bens, um con-
M e r q u i o r n ã o passou da polêmica de idéias ao ativismo polí-
ceito distributivo. N u m a antítese feliz. M e r q u i o r fez nolar q u e a
tico, circunscrito q u e eslava p o r suas funções diplomáticas. C o m o
Revolução Industrial foi unia revolução de "provisões", e n q u a n t o
a Revolução francesa loí tuna revolução de "inlíltilamenlos", Mais
se enquadraria e|c cm nosso confuso panorama político? Ceda
m e n t e e n t r e os "liberais clássicos", ou "libertários", se usarmos a
p e r t o de nós a década dos 70 teria sido uni p e r í o d o em q u e preva-
classificação de David Nolan, ou seja, aqueles que: desejam preser-
leceram as preocupações com os "intitulamentos", e n q u a n t o a dé-
var a l i b e r d a d e q u e r contra o a u t o r i t a r i s m o político, q u e r conira o
cada (IOM HO arwííiliii a unia m u d a n ç a do políticas, it;t quais passarai i
intervencionismo e c o n ô m i c o . O liberal clássico, ou o "liberista",
a acentuai: a p r o d u ç ã o mais q u e a distribuição, ou seja, as provi-
t e r m o q u e M e r q u i o r gostava de usar reportando-se à controvércia
sões antes q u e os "intitulamentos". A nova Constituição brasileira,
nos a n o s 20, na Itália, e n t r e Einaudi e Croce, em q u e o p r i m e i r o
de 1988, exemplifica aliás m u i t o b e m esse conflito. As liberdades
defendia a incompatibilidade e n t r e liberdade política e interven-
econômicas são restringidas. As garantias sociais ampliadas. Só q u e
cionismo e c o n ô m i c o , e n q u a n t o a o s e g u n d o n ã o r e p u g n a v a essa
se t o r n a m inviáveis.
coexistência. O liberal difere do "conservador", pois este a d m i t e
C o m Aron, e u m e encontrava f r e q ü e n t e m e n t e n u m g r u p o d e
restrições à l i b e r d a d e política em n o m e do Iradicionalismo, do
debates presidido p o r H e n r y Kissinger. E s e m p r e A r o n me per-
organicismo e do ceticismo político. Os tradicionalistas acreditam q u e
guntava pelo seu discípulo dileto, "o j o v e m q u e tinha lido tudo'j.
a sabedoria política é de natureza histórica e coletiva e reside nas
Mas o impressionante em J o s é G u i l h e r m e não era a absorção de
instituições q u e passam o teste do t e m p o . Os organicistas acredi-
leituras. Era o metabolismo chjis idéias. N ã o se resignava ele a ser
tam q u e a sociedade é mais do q u e a soma dos seus m e m b r o s e
um "espectador engajado" coujio, com exagerada modéstia, se des-
h in iivilm vali H iiiiilh, hiip, i li ii a, > i li > íni IIvli lui i. ! os inlli H i s ilu
crevia seu nieslre francês. Era um ativista. l'or isso passou da "coi
ceticismo político desconfiam do p e n s a m e n t o e teoria aplicados ã
vieção liberal" à "pregação liberal",
vida pública, especialmente q u a n d o direcionados para ambiciosas
Empenhou-se nos últimos t e m p o s na dupla tarefa — a ilumin;
inovações.
çao do liberalismo, pela busca le suas raízes lilosolicas, e a desinis
O anlípoda do liberal clássico é n a t u r a l m e n t e o "socialista",
liíkação do socialismo, pela dei iiiticia do Meu fracasso histórico, Isso
q u e acredita q u e cabe á sociedade redistribuir o p r o d u t o do traba-
o levou várias vezes a esgrimas{intelectuais c o m as esquerdas brasi-
lho dos indivíduos e admite coerção política para garantir utopias
leiras, exercício em q u e sua avassalante s u p e r i o r i d a d e provocava
igualitárias.
nos c o n t e n d o r e s a mais dolorífica das feridas — a ferida do orgulho.
Seria ilusório p e n s a r q u e na classe política brasileira existam
N ã o é fácil discutir com nossos p a t r u l h a d o r e s de esquerda, viciados-
posições dessa nitidez. A tribo mais n u m e r o s a é daqueles q u e Nolan
na "sedução do mito e na tirania do dogma", confortavelmentje
14 O liberalismo - antigo e moderno

chamaria de "liberais de esquerda". Estes acreditam na liberdade


política, mas admitem iulctvc|nções econômicas secundo divrrsh^
vertentes: a vertente assistencialista, que acredita no governo ben-
feitor; a Vertente nacionalista; a vertente protecionista; e íinalmentej
a vertente corporal htisia, subdividida por sua vez em três grupos: ^>s
corporativistas empresariais, os sindicais e os burocráticos. Esses
1
diversos matizes colorem a fauna abundante dos falsos liberais.
A morte de Merquior, depois de meses em que corajosamente Definições e pontos de partida
comeu o pão da tristeza e bebeu as águas da aflição, abre um enor-
me vazio cultural em nossa paisagem, onde os arbustos são muito
mais numerosos do que as árvores.
Agora, na tristeza desse vazio, só nos resta parafrasear Manuel
Bandeira. "Cavalinhos andando. Cavalões comendo. O Brasil poli- Liberalismo
ticando." José Guilherme morrendo. E tanta gente ficando.
Nietzsche disse que apenas seres a-históricos permitem uma defi-
Roberto Campos nição no verdadeiro sentido da palavra. Assim, o liberalismo, um
Rio de Janeiro, maio de 1991 fenômeno histórico com muitos aspectos, dificilmente pode ser
definido. Tendo ele próprio moldado grande parte do nosso
mundo moderno, o liberalismo reflete a diversidade da história
moderna, a mais antiga e a recente. O alcance de idéias liberais
compreende pensadores tão diversos em formação e motivação
quanto Tocqucville e Mill, Dewey c Keynes, c, cm nossos dias,
Hayek e Rawls, para não falar em seus "antepassados de eleição",
tais como Locke, Montesquieu e Adam Smith. 1 É muito mais fácil
— e muito mais sensato — descrever a liberalismo do que tentar
defini-lo de maneira curta. Para sugerir uma teoria do liberalismo,
antigo e moderno, deve-se proceder a uma descrição comparativa
de suas manifestações históricas.
Em seu influente ensaio de 1929 A rebelião tlm massas, o filó-
sofo espanhol Ortcga y Gasset proclamou o liberalismo "a forma
suprema de generosidade: é o direito assegurado pela maioria às
minorias e, portanto, o apelo mais nobre que já ressoou no
planeta... A determinação ile conviver com o Inimigo e ainda, o

15
Definições e pontos de partida 17
16 O liberalismo - antigo e moderno

compreenderam que, na Inglaterra, a aliança entre a lei e a liber-


que é mais, com um inimigo fraco". A declaração de Ortega
dade promovia uma sociedade mais sadia e próspera do que
proporciona um preâmbulo conveniente para a nossa abordagem
quaisquer das monarquias continentais ou das virtuosas, marciais,
histórica porque combina com felicidade os significados moral e
mas pobres repúblicas da antigüidade remota. Os pensadores do
político da palavra liberal. Embora denote obviamente política
assim chamado Iluminismo escocês — David Hume, Adam Smith
liberal — as regras liberais de jogo entre maioria e minoria —, o
e Adam Ferguson — divisaram as vantagens do governo submetido
dito de Ortega também ut.ili/a o primeiro significado corrente: do
à lei e da liberdade de opinião oriundos das atividades espontâneas
adjetivo liberal em qualquer dicionário moderno. Assim, reza o
de uma sociedade civil dividida em classes, mas ainda assim imóvel.
Webster: liberal (1) originariamente apropriado para um homem
A comparação com a Grã-Bretanha convenceu muitos protoliberais
livre: hoje em dia, apenas em "artes liberais", "educação liberal";
de que o governo deveria procurar apenas aluar minimamente,
('.!) mão aliei Ia. y/neroM). A declararão ilc Orlega resliltii t> sentido
zelando pela paz e segurança.
moral da palavra a seu sentido político — bastante apropriadamente,
Forque nasceu como um protesto contra os abusos do poder
já que "liberal" como rótulo político nasceu nas Cortes espanholas
estatal, o liberalismo procurou instituir tanto uma limitação da
de 1810, num parlamento que se revolta contra o absolutismo.
autoridade quanto uma divisão da autoridade. Um grande anlili-
'Em sua idade de ouro, o século XIX, o movimento liberal
beral moderno, o jurista e teórico político alemão Carl Schmitt,
atuava em dois níveis, o nível de pensamento e o nível de sociedade.
resumiu isso muito bem em sua Conslitulional Theory de 1928, onde
Consistia num corpo de doutrinas e num grupo de princípios que
escreveu que a constituição liberal revela dois princípios mais im-
sustentam o funcionamento de várias instituições, algumas antigas
portantes: o princípio distributivo significa que a esfera de liber-
(como parlamentos) e outras novas (como liberdade de imprensa).
dade individual é em princípio ilimitada, enquanto a capacidade que
Por consenso histórico, o liberalismo (a coisa senão o nome) surgiu
assiste ao governo de intervir nessa esfera é em princípio limitada. Em
na Inglaterra na luta política que culminou na Revolução Gloriosa
outras palavras, tudo o que não for proibido pela lei é permitido;
de 1688 contra Jaime II. Os objetivos dos vencedores da Revolução
dessa forma o ônus da justificação cabe à intervenção estatal e não
Gloriosa eram tolerância religiosa e governo constitucional. Ambos
à ação individual. Quanto ao princípio de organização da consti-
tornaram-se pilares do sistema liberal, espalhando-se com o tempo
tuição liberal, Schmitt escreveu que seu objetivo consiste em fazer
pelo Ocidente. .
vingar o princípio distributivo. Tal princípio estabelece uma divisão
No século que medeia entre a Revolução Gloriosa e a grande
de poder (ou poderes), uma demarcação da autoridade estatal em
Revolução Francesa de 1789-1799, o liberalismo — ou melhor,
esfera de competência — classicamertte associada com os ramos
protoliberalismo — era constantemente associado com o "sistema
legislativo, executivo e judiciário — para refrear o poder mediante
inglês" — ou seja, uma forma de governo fundada em poder
o jogo de "pesos e contrapesos". Divide-se a autoridade de maneira a
monárquico limitado e num bom grau de liberdade civil e religiosa.
manter limitado o poder.
Na Inglaterra, embora o acesso ao poder fosse controlado por uma
oligarquia, fora refreado o poder arbitrário, e havia mais liberdade Depois da Revolução Francesa e do seu interlúdio de ditadura
geral do que ei» qualquer outra parte da Kuropa. Vi.silaul.es cis- jacobina, o pensamento liberal (já agora chamado por tal nome)
trangeiros inteligentes, como Montesquieu, que ali esteve em 1730, enfrentou novas ameaças à liberdade. O liberalismo burguês lutara
Definições e pontos de partida 19
18 O liberalismo - antigo e moderno

contra o privilégio aristocrático, mas não estava preparado para liberais. Ao endossar a democracia representativa e o pluralismo
político, tanto os conservadores quanto os socialistas, quaisquer que
aceitar uma ampla franquia e suas conseqüências democráticas.
fossem seus objetivos, cederam de forma patente a princípios
Portanto, a ordem liberal civil acolheu aquilo que Benjamin
liberais.
Constant, o maior dos teóricos liberais do início do século XIX,
apelidou "le juste milieu": um centro político, a meio caminho entre No século XX, o progresso geral do liberalismo democrático
o velho absolutismo e a nova democracia. O liberalismo tornou-se tem sido menos constante do que foi no século passado. A violenta
turbulência política causada pela "guerra civil européia" de 1914-
a doutrina da monarquia limitada e de um governo popular igual-
1945 provocou o colapso de democracias mais recentes, tais como
mente limitado, já que o sufrágio e a representação eram restritos
a Itália e a Alemanha. Posteriormente, os dilemas da modernização
a cidadãos prósperos.
na América Latina e em outros lugares ocasionaram mais de um
Esse ordenamento burguês, no entanto, não passou de uma
eclipse da democracia, a partir de meados da década de 1960 até
forma histórica transiente, que foi logo substituída pelo sufrágio
meados dos anos 80. Não obstante, a democracia liberal permane-
universal masculino. O advento da democracia no Ocidente in-
ceu a ordem civil "normal" das sociedades industriais, como se vê
dustrial a partir da década de 1,870 significou a preservação defini-
na reconstrução após-guerra da Alemanha, Itália e Japão, assim
tiva das conquistas liberais: libbrdade religiosa, direitos humanos,
como na fase final da política de modernização dos Estados reeem-
ordem legal, governo representativo responsável, e a legitimação
induslrializados.
da mobilidade social. Assim, a sociedade vitoriana tardia, os Estados
I Em 1989, o mundo testemunhou o colapso do socialismo es-
Unidos do após-gucrra, c a Terceira 'República francesa inaugu- tatal, o grande rival da democracia liberal. Isso ocorreu depois de
raram amplas e duradouras experiências em democracia liberal, um doloroso processo de reforma e de crise de identidade. No
uma mistura política-histórica. A Suíça, a Holanda e os países Ocidente, em contraste, ouve-se muitas vezes falar numa crise cul-
escandinavos seguiram pelo mesmo caminho, muitas vezes antes, j tural, mas praticamente ninguém propôs com seriedade uma mu-
A Itália unificada voltou-se para a política liberal; a Espanha cori-
dança completa de instituições. Por mais de um século, a demo-
seguiu estabilizar um governoI liberal, e as grandes monarquias
cracia tem sido o critério da legitimidade no mundo moderno.
centro-européias, Áustria e Alemanha, desviaram-se da autocracia
Agora, pensa-se que o pluralismo social e político das democracias
para constituições semiliberais.
liberais é algo mais específico: o único princípio verdadeiramente
Nem todas as conquistas democráticas resultaram de forças
legítimo de governo em sociedades modernas.
explicitamente liberais. Os tories ingleses durante o governo de
O liberal italiano Luigi Einaudi costumava caracterizar a so-
Disracli, o reacionário Bismarck; e o autocrático Napoleão III ou
ciedade liberal por dois aspectos: o governo da lei e a anarquia dos
introduziram ou ajudaram a introduzir o sufrágio masculino quase
espíritos. O liberalismo pressupõe uma grande variedade de valores
universal, freqüentemente contra a vontade das elites liberais. De
e crenças, contrariando o pacto moral alegado por conservadores ou
forma alguma o Estado democrático liberal foi apenas obra dos
prescrito pela maioria das utopias radicais. Montcsquieu, em Do
liberais. Mas isso prova apenas que a lógica da liberdade algumas
espírito das leis (1748), insinuou que a Inglaterra moderna era ani-
vezes ultrapassa os interesses e preconceitos dos partidos liberais,.
mada por uma batalha conflituosa de "todas as paixões irifrenes". -
como se a história fizesse vingar o liberalismo mesmo contra os
!
Definições e pontos de partida 21
20 O liberalismo - antigo e moderno

i !
Liberdade e autonomia
O liberalismo clássico, tal como o de Adam Smith, achou que a i
.I!
competição levaria a um mundo quase newtoniano de equilíbrio Este livro trata de liberalismo, não de liberdade. Mas nenhum
social. Liberais ulteriores, como Max Weber, resolveram salientar estudo sobre o liberalismo pode omitir uni exame dos diversos
a irredutibilidadc dos conflitos! de valores, ao invés da consecução; significados de liberdade e autonomia. Além disso, precisamente
<üo equilíbrio. Há liberalismos de harmonias e liberalismos de porque liberdade, como liberalismo, tem mais de um significado,
dissonâncias. Mas, em ambos os casos, o liberalismo esposa umá selecionar os sentidos ou espécies de autonomia pode de alguma
opinião liberal da luta humana. | maneira iluminar as variedades do liberalismo.
Na medida em que a organização liberal se desenvolveu com
0 passar do tempo, o significado do liberalismo alterou-se muito.
Tipos de autonomia*
Hoje em dia, o que a palavra liberal geralmente significa na Euro-
pa continental e na América Latina é algo de muito diverso do que O que é autonomia? Num trabalho sobre teoria social (diferen-
significa nos Estados Unidos. Desde o New Deal de Roosevelt, o temente de unia obra sobre filosofia geral), a primeira coisa a fa-
liberalismo americano adquiriu, nas festejadas palavras de Richard zer é descartar o velho dilema de livre-arbítrio versus determinismo.
1 lofstadter, "um tom sooial-deinocrálico". O liberalismo nos Estados Desde Montesquieu, tem sido costumeiro em discussões de liber-
Unidos aproximou-se do liberal-socialismo — uma preocupação dade social evitar discutir esse espinhoso problema. Afastando-se
igualitária que não chega ao autoritarismo estatal, mas que, no a questão filosófica do livre-arbítrio, podemos focalizar o tema mais
entanto, prega uma ação estatal muito além da condição mínima, empírico, mais sensato de autonomia c não-nutoii.omia entre
de vigia noturno, exaltada pelos velhos liberais. Em toda a história membros interagentes de uma dada comunidade.
da semântica liberal, nenhum episódio foi mais importante do que Analistas modernos da liberdade' insistem na importância dessa
essa mudança americana de significado. dimensão social. Ação livre é uma ação que parte de um motivo
Por outro lado, a significação de liberalismo na sua renovação
atual, tanto nos Estados Unidos como em outras partes, mantém (*) O autor, nos subtítulos deste capítulo, usafreedom e libe.rly como palavras não
apenas uma tênue ligação com a corrente principal do significado sinônimas, mas no texto ora as usa como sinônimos ora as diferencia. O mesmo
ocorre na generalidade dos textos em inglês, ou em inglês falado. Como não
americano, e mesmo, muitas vezes, dele se aparta. No decorrer de sinônimas, freedom e liberty estão na Magna Carta e no texto da Declaração de
quase meio século, o próprio liberalismo tornou-se um campo de Direitos, do século XVII. A distinção que o dicionário Funk and WagnalVs
estabelece entre freedom e liberty consiste em que a primeira é absoluta, enquanto
idéias e posições altamente diversificado. Mesmo antes de Keynes a segunda é relativa. Freedom, diz o dicionário, "é a ausência de constrangi-
mento". Liberty "é a remoção ou o contorno de constrangimento". E verdade
e Roosevelt — provavelmente o teórico e o estadista que mais fi- que, mais adiante no texto, o autor mostra que existe, em teoria, uma diferença
zeram para modificar o legado do século XIX — o liberalismo já entre liberdade negativa (ausência de constrangimento) e liberdade positiva.
Mas. como a introdução dessa idéia complicaria a questão, limitamos esta ao
compreendia distintamente mais de um significado. que está nos dicionários. A origem da pala vi a /ihnty, ou liberdade, v //'Ací/m, qur
em latim, conforme o dicionário Saraiva, pode significai' "soltura", "liviauieiilo".
Tendo isso em conta, procuramos uma palavra para freedom, e não nos ocorreu
melhor do que autonomia, que significa, conforme a sua etimologia, a liberdade
de determinar-se, ou seja, a ausência de constrangimento. Também nesse sentido
figura autonomia no Aurélio. (N. do T.)
22 O liberalismo - antigo e. moderno Definições e pontos de partida 23

desejado ou de um motivo neutro. Uma ação a que falta liberdade Mas embora a fruição da liberdade como intitulamento implique
eqüivale a uma ação executada não exatamente "contra nossa li- uma apreensão de direitos e dê origem a um sentimento de digni-
berdade", mas oriunda de um motivo não desejado. Algumas ações dade, tem pouco a ver com o princípio muito mais recente de
não livres são forçadas pela vontade de outras pessoas. Portanto, a direitos humanos universais. O sujeito desses últimos é o homem
liberdade social pode ser definida como "a ausência de constran- como tal, enquanto o portador do intitulamento era e é sempre
gimento e de restrição". Aqui, conslrangimento e restrição referem-se individualmente situado, entranhado em posições sociais específicas
ao efeito, no espírito de qualquer agente, das ações de outras pes- (e historicamente variáveis).
soas, sempre qur esse eleito opere como um tuolivo nào desejado () .segundo tipo de autonomia, a liberdade de participar na
no compot lamento de lal agente/' A presença de uma alternativa administração dos negócios da comunidade em qualquer nível,
que permita escolha é um elemento definidor de uma ação livre. estendeu-se a qualquer nacional livre nas cidades antigas tais como
Autonomia é, portanto, estar livre de coerção: implica que os as gregas, e foi por esse motivo conhecido, desde o início, como
outros não impeçam o curso de ação que escolhemos. Tendo em liberdade polui ca {polis significa "cidade:").
mente esse significado geral, podem-se relacionar pelo menos qua- A terceira é a liberdade de consciência c crença. Historicamente,
tro principais materializações de autonomia no curso da história. tornou-se, e de modo duradouro, relevante primeiro como uma
A primeira materialização de autonomia é a liberdade de reivindicação de legitimidade da dissidência religiosa (da Roma
opressão como interferência arbitrária. Consiste na fruição livre de papal ou outras Igrejas oficiais) durante a Reforma européia. Antes
direitos estabelecidos e está associada a um sentido de dignidade. disso, quase todas as reivindicações de independência religiosa
E uma velha e, na verdade, imemorial e universal espécie de senti-
eram tratadas como heresia e subjugadas com êxito. Embora difi-
mento e comportamento. O camponês vinculado à terra, cujos
cilmente se possa dizer que fosse essa a intenção dos grandes re-
direitos tradicionais, por escassos que fossem, eram respeitados
formadores Lutero e Calvino, a Reforma inaugurou uma idade de
pelo senhor feudal, experimentava tal autonomia tanto como o
pluralismo religioso. Isso foi, por sua vez, secularizado no moderno
próprio senhor, quando seus privilégios eram reconhecidos pelo
direito de opinião, tal como refletido na liberdade de imprensa e
rei. Um bom exemplo disso aparece na escritura (Atos 21: 27-39).
no direito à liberdade intelectual e artística.
Tendo criado um tumulto ao dirigir-se à multidão em Jerusalém,
A quarta e última liberdade é a materialização da aspiração
Paulo de Tarso foi açoitado por ordem de um general romano.
de que temos de viver como nos apraz. Os modernos não se sentem
Como protesto, disse: "Será legal açoitar um homem que é roma-
livros simplesmente porque seus direitos silo respeitados, ou porque
no e não foi condenado?" As palavras do apóstolo mostram que
suas crenças podem ser livremente expressas, ou porque, com
ele se sentia legalmente com direito a um certo grau de respeito, ciija
liberdade, tomam parle no processo de decisão coletiva. Essas
violação significava opressão não apenas para ele mas, na verdade,
pessoas também se sentem livres porque dirigem sua vida me-
para a cultura da Roma imperial. i
diante opção pessoal de trabalho e lazer. Liberdade de realização
É precisamente desse tipo de liberdade que qualquer indivídjio pessoal traduz a essência do assunto. A questão, realçada por John
moderno espera fruir quando; exerce papéis sociais protegidos pela Plamcnatz, consiste em que as pessoas geralmente se propõem
lei e pelo costume. Vamos chámá-la de liberdade como intilulamentò. objetivos e padrões de excelência que pouco têm a ver com o bem
24 O liberalismo - antigo e moderno Definições e pontos de partida 25

comum ou até mesmo com a afirmação pública de crença — obje- 2. "Liberdade significa obediência à lei que nós nos prescreve-
tivos e padrões de um caráter individualista ou privado, mas que, mos" (Rousseau, Contrato social, livro 2, cap. 8).
ainda assim, absorvem grande parte dos esforços deles. 4 i 3. Liberdade moderna é a "fruição pacífica da independência
Nossa classificação de espécies de autonomia segue, grosso individual ou privada" (Benjamin Constant, Liberdade antiga e
modo, a ordem histórica de quando apareceram. No sentido acima moderna).
indicado, estar livre de opressão é uma experiência imemorial. A Filósofos políticos (por exemplo, Norberto Bobbio) distin-
liberdade política no nível estatal parece ter sido uma invenção de guem, com freqüência, um conceito clássico liberal de liberdade de
Atenas, na época clássica. A liberdade de consciência entrou a um conceito clássico democrático de liberdade. No conceito liberal,
afirmar-se, primeiro, durante a Reforma e as guerras de religião liberdade significa ausência de coerção. No conceito democrático,
que se lhe seguiram, e que atormentaram a Europa até meados! do significa autonomia, a saber, o poder de autodeterminação.'
século XVII. Por fim, adveio a disseminação da liberdade indivi- Em sua famosa conferência de 1958 cm Oxford, "Dois con-
dualista. A liberdade como realização e conquista pessoais, cons- ceitos de liberdade", Isaiah Berlin opôs liberdade negativa a liber-
truída com base em uma ampla privacidade, é uma tendência bpm dade positiva. Ele definiu a liberdade negativa como estar livre de
moderna, alicerçada na crescente divisão do trabalho na sociedade coerção. A liberdade negativa é sempre liberdade contra a possível
industrial e, mais recentemente, na expansão da sociedade cie interferência de alguém. São exemplos disso a autonomia de fiuir
consumo e do tempo dedicado ao lazer. intitulamentos (contra possíveis abusos); a autonomia de expressar
Cabem aqui pelo menos duas ressalvas. Em primeiro lugar, crenças (em oposição à censura); a liberdade de satisfazer pessoal-
uma margem razoável de liberdade de opinião fazia parte da antiga mente gostos e a livre procura de objetivos individuais (em oposição
liberdade política. No início do século V a.C, a vida política grega a padrões impostos). A liberdade positiva, por outro lado, é essen-
incluía o conceito de isegoriq, liberdade de expressão não como cialmente um desejo de governar-se, um anseio de autonomia.
contraposição à censura, mas como o direito de falar com liberdade Contrariamente à liberdade negativa, não é liberdade de, mas li-
na assembléia de cidadãos. 5 Além disso, deve-se evitar a impressão berdade para: a aspiração ao autogoverno, a decidir com autonomia
de que faltava no mundo antigo como um todo a liberdade indivi- em vez de ser objeto de decisão. Enquanto a liberdade negativa
dualista, a quarta espécie de! liberdade em nossa tipologia. Mas1, significa independência de interferência, a liberdade positiva está
tendo em mente essas ressalvas, a nossa classificação cronológica relacionada à incorporação do controle.
de autonomias parece sustentável. O filósofo canadense Charles Taylor corrigiu Berlin advertindo
que ambas as espécies de liberdade, positiva e negativa, são com
freqüência caricaturadas no calor dos debates ideológicos. Críticos
Tipos de liberdade
da liberdade positiva, por exemplo, tendem a salientar que os par-
Relembremos agora, brevemente, umas poucas definições famosas tidários da liberdade positiva terminam justificando o governo ti-
de liberdade na literatura liberal: rânico das elites "esclarecidas" afirmando objetivos humanos "ver-
1. "Liberdade é o direito de fazer aquilo que a lei pcrmiie" dadeiros" ou "mais nobres" (como a formação do "novo homem"
(Montesquieu, Do espirito das leis, livro 12, cap. 2). sob o comunismo). Inspirados por elevados ideais de humanidade,
26 O liberalismo - antigo e moderno Definições e pontos de partida 2 7

esses utópicos geralmente írevelam-se sombrios virtuosi do subttilu- membro de um todo7"s Na democracia liberal, ambas as questões são,
cionismo moral: em nome de nossa mais elevada forma de ser, eles é obvio, estreitamente aparentadas, e o significado das respostas
simplesmente decidem a nossa vida, em nosso lugar. Mas, rema-
que se lhes dá está longe de ser acadêmico.
tados defensores da liberdade negativa, são tão cegos quanto os
anteriores a certas dimensões psicológicas compulsivas da liberda-
de de escolha. Como observou Taylor, à primeira vista a liberdade
positiva é um "conceito a ser posto em prática", e a liberdade ne-
Três escolas de pensamento
gativa um "conceito de aproveitamento de oportunidade". Tudo Outra maneira de realçar as diferenças entre espécies de autonomia
o que se requer, para a liberdade negativa, é a ausência de obstá- e liberdade — forma essa mais próxima do terreno familiar da
culos significativos, não se impondo qualquer real execução. história das idéias — é diferenciar três principais escolas de pensa-
Além disso, na busca de meus objetivos livremente escolhidos mento sobre a liberdade. Cada uma identifica-se com um grande
(liberdade negativa) posso enfrentar barreiras internas (por exem- país europeu — Inglaterra, França e Alemanha.5
plo, o meu desejo de viajai' pode chocar-se com a minha preguiça).
Assim, o próprio uso da liberdade negativa pode com freqüência
envolver muito controle pessoal, e, portanto, a psicologia da liber- Inglaterra
dade positiva. A escola inglesa de teoria da liberdade, que vai de Hobbes e Locke
Pensadores liberais de inclinação mais histórica também con- a Bentham e MUI, vê a liberdade como ausência de coerção, ou
cluíram que a distinção entre liberdade positiva e negativa não é (na famosa opinião de Hobbes) a ausência de obstáculos externos.
tão nítida. Bobbio, por exemplo, acha que a liberdade como inde- Quando classificou tal autonomia como liberdade social, Hobbes
pendência e a liberdade como autonomia partilham um mesmo deliberadamente chocou-se com a tradição humanista — a adora-
campo, uma voz que ambas implicam autodeterminação. A própria ção de valores cívicos e, portanto, a autodeterminação e a liber-
história criou uma progressiva integração de ambas as formas de dade política (a nossa segunda liberdade histórica, ou uma liberdade
liberdade — a tal ponto que, em nossa era social-liberal, podem-se "rousseauniana"). Esta noção pode ser seguida até a democracia
concebei' as duas como perspectivas coniplementares. ü que quer da polis e nunca morreu inteiramente. Na Idade Média, uma cida-
que o indivíduo possa decidir por si mesmo deve ser deixado à sua de era tida como livre quando podia fazer sua própria lei ("civilas
vontade (o que sustenta a liberdade negativa ou "liberal"); e onde libera qxuic possil sibi legc.m Jacaré"). Mas o ideal de governo político
quer que haja necessidade de decisão coletiva, dela deve partici- foi reanimado — e muito reforçado — pelos humanistas da Renas-
par o indivíduo (o que sustenta a liberdade positiva ou "democrá- cença, primeiro em florença ' e depois 110 resto da Kl tropa.
tica"). Tudo liem ronl.K Io, l.ol ihio < oiII lui <|ii<- i .11 Ia uma 1 Ias duas I lohbes, escrevendo enquanto raiava a guerra civil inglesa,
doutrinas responde a unia questão dilerenle. A liberdade negativa procurou desesperadamente dissociar o conceito moderno de
relaciona-se com a questão: "Que significa ser livre para o indiví- liberdade dessa tradição. Criticou tanto Maquiavel como o poeta
duo considerado isoladamente?" A liberdade positiva relaciona-se Milton por suas opiniões republicanas e redefiniu liberdade, des-
com outra questão: "Que significa para o indivíduo ser livre como cartando o entusiasmo cívico. Em vez de exaltar a virtude cívica,
28 O liberalismo - antigo e moderno Definições e pontos de partida 29

I Iobbes louvou a liberdade não política, ou civil. Sustentava que, essa noção é completamente infundada. Rousseau nunca cogitou
uma vez instituído o governo, a liberdade deixa de sei' um assunto que a democracia (ou república, palavra que ele preferia) limitasse
de autodeterminação para constituir algo a ser fruído "no silêncio a liberdade. O verdadeiro objetivo de sua exaltação da liberdade
das leis". democrática em detrimento da liberdade liberal não consistia num
É crucial a frase de Hobbes, porque iguala liberdade com tudo prejuízo ao individualismo, mas na destruição do particularismo. O
o que a lei permite pelo simples fato de que não proíbe. A liber- particularismo refletia o encanto de uma velha força na política
dade política, o que frustra sua própria definição, fora sempre francesa: patriinonialismo.
concebida como liberdade por meio da lei (e legislação), em lugar A monarquia francesa, por muito tempo acossada pelo pro-
de algo exterior à lei. A formulação de Hobbes é a fonte da idéia blema de controlar uma ordem social dividida, elaborara um con-
inglesa de liberdade negativa, embora sua formulação clássica ceito patrimonial do poder. A soberania significava propriedade
dentro do pensamento liberal tenha sido feita por um francês — privada em grande escala — e o rei era o único proprietário. A
Montesquieu. centralização foi um problema maior para os reis franceses do que
para os reis ingleses. Na Inglaterra a aristocracia feudal centralizou-
França se ela própria, e a coroa firmou-se a partir da forte posição pro-
porcionada pela conquista normanda, mas na França a fragmen-
A escola "francesa" de liberdade, como um modelo teórico, prefere tação era a regra. Disso resultava que havia vários parlamentos
Rousseau a Montesquieu. Jean-Jacques Rousseau, filho da livre regionais na França, em contraste com o velho parlamento nacional
Genebra, nascido calvinista como Milton, retornou a Maquiavel e inglês. Em seu esforço em prol da centralização, a Coroa francesa
ao princípio republicano. Para ele, a forma mais elevada de liber- comprou a aristocracia com uma venda notoriamente maciça de
dade consistia na autodeterminação, e a política devia refletir a cargos públicos, e o resultado foi uma estrutura inteira de interesses
autonomia da personalidade, Rousseau era um individualista tão partinilaristas e de posições desiguais.1'"
radical quanto qualquer um; na realidade, como principal precursor O pensamento político monarquista que surgiu primeiro na
do romantismo, ele foi o mais importante originador do indivi- França, tal como o da Republique de Jean Bodin, de 1576, tentou
dualismo em literatura e religião. Mas ao tratar de liberdade social, utilizar o conceito de soberania para combater a anarquia feudal.
cie pós o cidadão mini plano limito mais elevado tio que o burguês Mas os inimigos do poder monárquico, como os luigtienol.es no
— ca liberdade política, bem acima da autonomia civil. A eloqüênqa século XVT, sonhavam com fortalecer os parlamentos, como ins-
de seu Contraio social redirecionou o conceito de liberdade da esfera tituições públicas capazes de refrear a Coroa. A contribuição es-
civil para a esfera cívica. Embora Rousseau nunca tenha previsto tratégica de Rousseau para a história do discurso político consistiu
algo como revolução, muito do terrorismojacobino revolucionário; em usar o fruto do pensamento de Bodin — soberania não divi-
de 1793-1794 foi executado em seu nome. dida e indivisível — para eliminar o poder dos governantes como
Muitos defenderam a idéia de que Rousseau foi uma espécie fonte de opressão particularista, em vez de fortalecê-lo. Nas palavras
de esquízóide ideológico: um iniciador do individualismo na cul-J inteligentes de Ellen Meiksins Woods: "Onde Bodin subordinou a
tura, por um lado, e um precursor do totalitarismo, por outro. Mas particularidade do povo á (pretensa) universalidade do governante
30 Dejinições e pontos de partida 31
O liberalismo - antigo e moderno

(monárquico), Rousseau subordinou a particularidade do gover- çoamento pessoal. Educar a liberdade, e libertar para educar — esta
nante à universalidade do povo." 13 era a idéia da Bildung, a contribuição goethiana de Humboldt à
Rousseau armou uma poderosa retórica em defesa da liber- filosofia moral. 15
dade política ou democrática contra o caráter odioso do privilégio O ideal Bildung é incrivelmente importante na história do
— algo que os primeiros liberais como Montesquieu não estiveram liberalismo. Além de exercer forte influência em pensadores liberais
acima de sustentar. Mas Rousseau preocupava-se tanto com a que deixaram sua marca, como Constant e John Stuart Mill, ele é
necessidade de despatrimonializar o poder que perdeu de vista a a estrutura lógica por trás de um conceito alemão de liberdade que
outra questão chave: a do alcance do poder. Pois, como observou tem por muito tempo prevalecido. O conceito está estreitamente
Constant, "a legitimidade do governo depende tanto do seu objeto ligado à liberdade política porque também salienta a autonomia;
quanto da sua fonte". 14 Constant compreendeu que, ao focalizar contudo, não gira em torno da participação política, mas em tor-
quase exclusivamente a fonte da autoridade (soberania popular), no do desdobramento do potencial humano.
o contrato social de Rousseau poderia ser usado como arma conjtra Immanuel Kant, o sábio de Kónigsberg em cujos aposentos
a liberdade como independência, pondo em risco a autonomia austeros encontrava-se um retrato de Rousseau, afirmou que o
pessoal e a vida da individualidade. A liberdade política era coisa homem, não como animal mas como pessoa, devia "ser considerado
boa, se mais não fosse porque garantia a independência iudividijuj. um fim em si mesmo". Isto cia outra dimensão chave dos cou--
John Lockc, uma geração depois de Hobbcs, entendera isso. Mas, ccitos alemães de liberdade: autotelia ou realização pessoal. Kant
desde que se quisesse uma liberdade total, esta também teria db colocou a autotelia no centro da moralidade. Embora nunca tenha
florescer além da esfera cívica, no silêncio da autoridade, por assim confundido política com moral, Kant defendeu o republicanismo
dizer. Montesquieu ensinou que a autoridade deveria ser dividida como uma ordem social-liberal em que a independência pessoal
para não ser tirânica; Constant advertiu que a soberania tinha dp pelo menos alimentaria uma ordem legal mais próxima da mora-
ser limitada para não ser despótica. Rousseau colocara a democra- lidade do que as egoístas monarquias beligerantes de seu tempo.
cia no lugar da autocracia. O próximo passo consistia em atalhar Quando G. W. F. Hegel (1770-1831), o maior dos filósofos
o despotismo democrático. pós-kantianos, escreveu sua Filosofia do direito em 1821, transferiu
a autotelia de Kant do campo da ética para o campo da política, e
da pessoa para o Estado. Idealizou então o Estado como uma
Alemanha
materialização mundana do Espírito, um progresso da razão no
Bem no início do século XIX, um ilustre humanista e diplomata curso da história. Há liberdade no Estado concebido por Hegel,
alemão, barão Wilhelm von Humboldt (irmão mais velho do gran- mas é liberdade racional — não apenas independência da coerção,
de naturalista Alexandre von Humboldt e fundador da Univer- mas liberdade como um poder em desenvolvimento de realização
sidade de Berlim .pelou para limitar cm vez de simplesmente pessoal, a própria essência da Bildung numa elevada versão polí-
controlar a aut< >i idade central. No livro On lhe Limits of State Aclion, tica. Pois o mesmo ocorre na moralidade de Kant e na Bildung de
Humboldt exprimiu um tema liberal profundamente sentido: a Humboldt, e também na política de Hegel: nos três casos há uma
preocupação humanista de formação da personalidade e aperfei- direção comum, a autotelia. Essa era a alma do conceito alemão
32 O liberalismo - antigo e moderno Definições e pontos de partida 33

de liberdade. Não há dúvida de que era liberdade positiva, uma conversão da nobreza ao capitalismo agrário. 18 Isso, juntamente
vez que constituía da forma mais conspícua um exemplo de "liber- com a realização precoce de um Estado unitário, estabeleceu um
dade para"; mas tratava-se de liberdade positiva com uma ênfase modelo no qual o Estado se apoiava em indivíduos independentes,
cultural. cujo relacionamento com o Estado era mais associativo do que su-
Resumindo: a teoria inglesa dizia que a liberdade significava bordinado. As classes superiores inglesas eram senhoras do Estado.
independência. O conceito francês (de Rousseau) consistia em que A sociedade francesa, em contraste, manteve uma estrutura
liberdade é autonomia. A escola alemã replicou a isso que a liber- hierárquica fechada por muito tempo. Quando a Revolução pri-
dade é realização pessoal. O ambiente político da teoria francesa vou essa estrutura de sua legitimidade política, a lógica da situação
residia no princípio democrático; e o da teoria alemã era o Estado tornou necessário o uso do Estado para libertar o indivíduo, garan-
"orgânico", uma mistura de elementos tradicionais e modernizados. tindo-lhe os direitos. O novo Estado, que, ao que se pretendia,
incorporava a vontade geral, mantinha-se alto e poderoso como
única fonte de autoridade legítima, em grande parte inacessível à
mediação de instituições associaiivas que pertenciam à sociedade
0 indivíduo e o Estado
civil. Como conseqüência, enquanto na Inglaterra o relacionamento li
Para nos aproximarmos da história concreta, precisamos esboçar Estado-indivíduo era basicamente descontraído, na França tornou- i
uma tipologia diferente da primeira. Pois é possível distinguir dois se muitas vezes tenso e dramático, fazendo com que os cidadãos I
padrões liberais principais no interior da evolução política oci- entrassem em choque com o poder estatal em solidão heróica e I
dental; especificamente, dois padrões básicos no relacionamento rebelde, como um personagem numa tragédia clássica. Nesse meio
entre Estado e indivíduo. tempo, o Estado, que se transformara numa sede zelosa da vontade
Há neste ponto um paradigma inglês e uni francês. A distin- geral mediante as ficções de representação onipotente {asscmbléiime)
ção entre os dois liberalismos com um matiz nacional, um inglês e e de governo plebiscitado (bonapartismo), oscilou entre democra-
o outro francês, foi traçada com vigor na Hislory of European cia e despotismo. 19 Disso resultou a preocupação de liberais fran-
Liberalism de Guido de Ruggiero, que foi a obra padrão sobre o ceses, como Tocquevillc, de aclimatar na França uma trama asso-
assunto no período de entre guerras. De Ruggiero observou que, ciativa do modelo americano que pudesse IVear o poder estalai.
enquanto a espécie inglesa de liberalismo favorecia por inteiro a Voltaremos a encontrar esses dois modelos, especialmente o fran-
limitação do poder estatal, a variedade francesa procurava forta- cês, quando seguirmos a sorte do liberalismo nos dois últimos
lecer a autoridade estalai paia garantir a igualdade diante da lei. séculos, tanto na Europa como alhures.
A versão francesa procurava também a demolição da ordem "feu-
dal" bem sustentada pelo privilégio social e pelo poder da Igreja.
Essa diferença tem raízes sociais. Embora a estrutura social
inglesa conservasse uma forte base de classe, a hierarquia dos
Estados característica da sociedade tradicional fora logo corroída
pela emergência de agricultores livres e pela igualmente precoce
f BiSLSOiECi 2
2
As raízes do liberalismo

Este capítulo e os três seguintes serão os capítulos de caráter mais


histórico neste livro de perspectiva histórica. Devotarei aqui duas
seções para assinalar algumas raízes do liberalismo da Reforma ao
Iluminismo e o começo do século XIX; os capítulos 3, 4 e 5 pro-
porcionam uma visão generalizada da teoria liberal desde os whigs
de peruca até os neoliberais de dias ulteriores. No decurso de três
séculos, o liberalismo enriqueceu-se verdadeiramente em temas e
em tópicos, mas o enriquecimento da doutrina liberal raramente
foi um processo linear. Muitas vezes, progressos numa direção
foram contrabalançados por retrocessos. Qualquer impressão de
triunfalismo deve ser evitada, porque o liberalismo teve de apren-
der coisas importantes com o desafio de ideologias rivais.

Primeiras fontes modernas


O liberalismo clássico, ou liberalismo em sua forma histórica ori-
ginal, pode ser toscamente caracterizado como um corpo de for-
mulações teóricas que defendem um Estado constitucional (ou seja,
uma autoridade nacional central com poderes bem definidos e

35
36 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 37

limitados e um bom grau de controle pelos governados) e uma nários concordariam com a nossa equação de modernidade e
ampla margem de liberdade civil (ou liberdade no sentido hobbe- liberdade, mas a julgavam em termos fortemente derrogatórios.
siano, individualístico examinado no capítulo 1). A doutrina libe- Mas outros, até mesmo protestantes fiéis, viram a Reforma não
ral clássica consiste em três elementos: a teoria dos direitos huma- como iniciadora da modernidade, mas, no máximo, como um im-
nos; constitucionalismo; e "economia clássica" (grosso modo, o ramo portante antepassado da mesma. Hegel foi um exemplo típico e
de conhecimento inaugurado por Adam Smith, sistematizado de grande influência. Para Hegel, o cristianismo, com a sua
David Ricardo c ilustrado, entre outros escritores, por Mill). Tira- metafísica da alma, foi o berço histórico do princípio da indivi-
tarei dos direitos e constitucionalismo nesta seção, e da economia dualidade. A liberdade grega fora uma conquista gloriosa, mas não
clássica na próxima. desenvolveu a individualidade humana. A Reforma trouxe consi-
go uma forte afirmação da consciência individual, disse Hegel, mas
mesmo no Ocidente cristão a liberdade como individualidade não
Direitos e modernidade
alcançou uma forma ativa até a Revolução e Napoleão. Foi então
que a "sociedade civil" composta por indivíduos mundanamente
A luta formativa do liberalismo foi a reivindicação de direitos
independentes recebeu sua legitimação apropriada, mais visivel-
religiosos, políticos e econômicos — e a tentativa de controlar o
mente no Código dt: Napoleão, o direito civil da Europa pós-
poder político. A cultura moderna é normalmente associada a rima
revolucionária. Antes daquele momento, a individualidade, a for-
profusão de direitos individuais; historicamente, podemos dizer qijie
ça motora na cultura da modernidade, vivera por muito tempo
a liberdade se relaciona corri o advenlo da civilização inodei na,
como uma crisálida. Portanto, o divisor de águas moderno não fora
primeiro no Ocidente c, depois, em outras partes do mundo. Parece
tanto 1500 quanto 1800 — um deslocamento considerável.
seguir-se a fórmula de que liberdade é igual a modernidade quelé
igual a individualismo. Sem medo de errar, podemos procurar as O tema protestante da inviolabilidade de consciência foi uma
raízes do liberalismo na experiência histórica da modernidade. Mas contribuição poderosa e seminal para o credo liberal. Mas será que
onde começar? Uma vez admitido que a escala e crescimento são na história das instituições liberais o vínculo entre consciência e
a marca distintiva da modernidade, onde se encontra o ponto èm liberdade era tão reto e direto? As seitas protestantes que sus-
que isso se passou, o divisor de águas histórico? tentavam a liberdade de consciência diante da intransigência ca-
Foi dada uma resposta a essa questão pela assim chamada tólica recaíam muitas vezes, elas próprias, na intolerância e na
escola reacionária da teoria social — os publicistas franceses como repressão. A morte na fogueira do médico Miguel Servetus na
Maistre c Honald que escreviam cm reação Iioslil à Grande Revo- Genebra calvinisla (155;?) tornou-se uma eau.se célebre do furor
lução. A opinião deles consistia em que os males da Revolução protestante contra a heresia; de pronto, a perseguição entrou em
remontavam — através do lluminismo — à Reforma protestante do prática, como Erasmo tristemente previra, em ambos os campos,
século XVI. O grande culpado original fora Lutero, que soltara o a Reforma e a Contra-Reforma. Compreensivelmente, o pensa-
demônio do individualismo. Desde então, argumentaram eles, a mento político de vanguarda respeitou por um tempo a liberdade
crítica e a anarquia entraram a solapar a ordem social e os seus religiosa, embora temesse tanto o fanatismo como temia o poder
alicerces, os princípios de autoridade e hierarquia. Esses reacio- — o tempo que se alongou de Richard Hookcr (1554-1600), o
•?(? O Liberalismo - anugu « modtiino Aç raízes do liberalismo 39

principal defensor da solução clisabctana, alé Ilobbes e Spino/.a consciência desdobrou-se num argumento a favor da liberdade de
em meados do século XVII. opinião.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o proeminente teó- A tolerância religiosa tornou-se também a pedra angular do
logo protestante liberal Ernst Troeltsch (1865-1923) advogou com sistema protoliberal de Locke. Sua Carta acerca da tolerância (1689),
vigor que a moderna cultura religiosa se apartasse da Reforma. cheia de simpatia pelos dissidentes arminianos, declarou que a
Desafiando as devoções das classes médias alemãs, que adoravam perseguição é contrária à caridade e, portanto, não cristã. Locke
a luta de Lutero contra Roma como uma prelibação da liber- sublinhou que o cuidado da alma cristã requer "persuasão interna"
dade moderna, a Troeltsch a Reforma pareceu fundamental- e, assim, um livre consentimento, ao invés de coerção.
mente não moderna. Longe de anunciar o pluralismo moderno, Na "teologia natural" de William Paley (The Principies of Moral
disse Troeltsch, seus líderes tinham sustentado fortes crenças and Political Philosophy, 1785), a argumentação a favor da tolerân-
teocráticas dignas da Idade Média. Troeltsch estava delibera- cia tornou-se utilitária, afirmando que "a própria verdade resulta
damente contradizendo seu professor em Gõttingen, Albrecht da discussão e da controvérsia". Nesse meio tempo, o mais desta-
Ritschl (1822-1889). Para Ritschl, Lutero libertara o cristianismo cado philosophe, o deísta Voltaire, salientou em seu próprio Traitê
do retraimento místico, ao redirecionar as energias religiosas no sur Ia tolérance (1763) que, enquanto a tolerância nunca provocara
sentido do serviço no mundo e no sentido da estrita observância uma convulsão social, a intolerância causara muitos banhos de
das obrigações de cada um para com a família, o trabalho e o Esta- sangue. Assim, a tolerância, tão ardentemente advogada pelo pu-
do. Mas, segundo Ritschl, o indivíduo levava uma vida religiosa ritano de formação John Locke, tornou-se o objeto de justificações
principalmente por meio de sua participação na Igreja estabelecida. seculares. A luta pelos direitos religiosos alimentou a idéia de di-
Tal não se dava, replicou Troeltsch: a verdadeira fé tem origem na reitos individuais gerais, uma das próprias fontes do liberalismo.
experiência pessoal. Na Inglaterra, em contraste com a Alemanha
luterana, a dissidência calvinisla logrou criar um ambiente fie
Direitos: direito natural e consentimento
reforma ousada. Mas, no todo, o individualismo protestante vin-
gou apenas nos movimentos místicos espontâneos <lo século XVIII, A principal foiça na legitimação conceituai 'Ia moderna idéia de
como o piclismo. Na revisão de Troeltsch, o prntc.Mant.ismo mo- direitos foi a modernização da teoria de direito natural. A noção
derno, portanto, muito pouco devia à fidelidade autoritária à de um direito natural era muito antiga. Poderia ser encontrada na
escritura da Reforma. 1 filosofia estóica, nas obras de Cícero (notadamente De republica e
Alguns ramos da Reforma preliguraram o pluralismo liberal De offir.iis), na jurisprudência imperial romana (notadamente Gaio
moderno e o seu respeito ao indivíduo heterodoxo. Poucas seitas e Ulpiano), e nos padres da Igreja. A contenção básica da teoria
como os socinianos, uma corrente ítalo-polonesa dos primórdios do direito natural é a de que existe uma lei mais alta, "uma razão
do século XVII, e pensadores como Milton, o poeta-profeta do reta (recta ralio) segundo a natureza", como disse Cícero (em De
puritanismo inglês, pregavam a tolerância muito acima de sua republica, livro 3, cap. 22). Essa razão tão imutável aplicada ao
época. Na "Aeropagitica" (1644), subtitulada "um discurso a favor comando e proibição é "direito" porque permite às pessoas dife-
da liberdade de imprensa livre de licença", a defesa da liberdade de renciar o bem do mal consultando não mais do que suas cabeças e
40 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 41

corações, seu senso moral interno. O próprio Cícero sugerira que Acúrsio concebeu o dominium como qualquer ius in re. Qualquer
havia um parentesco entre tal direito natural e o direito das gentes direito que podia ser defendido erga omnes — isto é, contra qual-
— na realidade, uni direito consuetudinário da humanidade (Jus quer outra pessoa — e que poderia ser alienado por seu próprio
commune). proprietário veio a ser considerado um direito de propriedade.
Há diferenças significativas entre a teoria do direito natural Na baixa Idade Média, essa fusão criativa de ius e dominium
dos antigos (jusnaturalismo clássico) e elaborações ulteriores, me- foi aprofundada. Por sua vez, pensadores nominalistas como
dievais e dos primórdios da era moderna. Antes do Principado (que Gerson em Paris misturaram o conceito de nus com a faculdade
se iniciou com Augusto no século I a.C), os romanos tinham tido natural de libertas. De acordo com Richard Tuck, um luminar na
a liberdade na conta de um direito cívico conquistado, em vez de história da teoria do direito natural, o resultado final da resistên-
considerá-la,.uni atributo inato dos seres humanos. Mas, poucos cia ao evangelismo franciscano residiu na conclusão de que os in-
séculos depois, ocorreu uma mudança conceituai no Digesla, o divíduos têm direitos de dominium sobre suas vidas e bens. Esse
conjunto de precedentes que integrava o Corpus Júris Civilis de direito decorre não do direito civil ou do intercurso social, mas da
Justiniano, do século VI. Incluía uma definição da liberdade como própria natureza das pessoas como seres humanos. 4
"a faculdade natural que nos assiste de fazermos aquilo que quere- No início da Idade Moderna, os conceitos de direito natural
mos". Essa definição era uma prefiguração da liberdade negativa, influenciavam primariamente o direito público? Mas o robusto novo
formulada em linguagem patentemente jusnaturalista. conceito de direitos naturais como reivindicações subjetivas de largo
O conceito de direito sofreu modificações ainda mais profun- alcance logo invadiu a teoria da ordem social, e o modelo do
das durante a transição da Antigüidade para a Idade Média. Nossa "contrato social" emergiu como a versão política da teoria do direito
noção de direito denota uma reivindicação caracterizada, muitas natural. O modelo do contrato social, que era uma peça central
vezes relativa a coisas (como o direito de propriedade), e tem um no primeiro pensamento político moderno de Hobbes a Rousseau,
forte lado subjetivo. O conceito romano de ius, em contraposição, serviu à idéia de direitos naturais com vigor. Suas premissas in-
era bem objetivista.'' Ulpiano, no século III a.D., e os hi.slil.iita diziam dividualistas, como coisa distinta de suas conclusões políticas,
"que a justiça é a determinação contínua e duradoura de atribu r revelaram-se ingredientes cruciais na ascensão do pensamento
a cada um seu ius" (o famoso princípio suum cuique tribuere). Isto liberal.
significava simplesmente que um juiz devia sempre buscar a solu- O contratualismo não nasceu automaticamente do conceito
ção justa de uma disputa. Os comentaristas medievais das Inslilutc, medieval de direitos subjetivos e de sua moldura jusnaturalista. Em
como Azo de Bolonha (cerca de 1200), entenderam que o dito dc| vez disso, ocorreu um novo fenômeno. O jesuíta Francisco Suárez
Ulpiano significava que as pessoas deviam respeitar as respectivas (1548-1617), o principal publicista da Contra-Reforma, também
reivindicações. Levados pelo emaranhado de relações feudais, juris- reconhecia que Lutero e Maquiavel haviam posto de lado o direito
tas medievais terminaram por mesclar dois conceitos que original- natural. A visão sombria de Lutero sobre a pecaminosidade huma-
mente eram distintos no direito romano: ius e dominium, ou pro- na dificilmente era compatível com o pressuposto jusnaturalista de
priedade. Inicialmente, o dominium referia-se apenas a possessões que as pessoas, embora caídas, podiam aprender a vontade de Deus
e não a relações interpessoais. Mas no século XIII o grande glosador : e dessa forma refletir a justiça divina ao ordenar a sociedade. Nem
42 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 43

a razão do Estado de Maquiavel dava lugar a critérios de uma jus- Holanda. Em 1612, Oldenbarnevelt tornou Grotius, que mal atin-
tiça preternatural. (i Conseqüentemente, Suárez e outros acredita- gira os trinta anos de idade, conselheiro pensionista (primeiro
vam que o contra-ataque católico contra protestantismo e secula- executivo) de Rotterdam. Infelizmente, sete anos mais tarde
rismo exigia um total retorno à perspectiva do direito natural. Oldenbarnevelt fracassou miseravelmente em conter o ambicioso
Suárez não esqueceu as formas que assumira a teoria legal na príncipe de Nassau, um herói dos calvinistas, e foi executado.
baixa Idade Média. Iniciou seu tratado De Legibvs ac Deo Legislatore Grotius (depois de trair o seu chefe) foi condenado à prisão per-
("Sobre as leis e Deus legislador", 1612) observando que ius não pétua, e escapou numa grande cesta que a sua devotada esposa
significava apenas "o que é direito", mas também denota "uma certa enviara à prisão cheia de livros. Terminou sua existência num
capacidade moral que todos possuem". Ilustrou essa capacidade naufrágio, como embaixador de Cristina da Suécia à França, mas
mencionando o apego do proprietário a suas posses. Além disso1, foi reverenciado em toda a Europa como fundador do direito in-
compreendendo o quão funcionais eram tais direitos na convi- ternacional. Na ousada reformulação do jusnaturalismo feita por
vência, Suárez viu que também os católicos necessitavam desses Grotius, o direito natural não mais se apoiava na natureza das coi-
direitos para resistir ao poder protestante nos países reformados. sas, rrias na natureza do homem. Acima de tudo, Grotius recorreu
ao jusnaturalismo para dar uma explicação individualista da socie-
Suárez teve dificuldades em conceber que os direitos subjetivos
dade — o contrário mesmo da visão holística de Suárez.
estavam subordinados a um conjunto holístico, um todo morálj-
social definido por uma visão tradicional de direito natural. Es^sá Essa abordagem puramente individualista fora, não há dúvida,
síntese de tomismo e nominalismo de Occam deu ao mundo ibé- o cerne do contratualismo. A autoridade legítima passou a ser en-
rico um cunho político duradouro. carada como coisa fundada em pactos voluntários feitos pelos sú-
Contemporâneo de Suárez, o holandês Hugo Grotius (158Í5- ditos do Estado. Como Hobbes escreveu no De Cive (cap. 14, p. 2),
1045) era de outra opinião. Na sua grande obra de 1625 De iure belli as obrigações decorrem de promessas — isto é, de opções claras
ac paris ("Sobre a lei de guerra e paz"), ele definiu o Estado ou a praticadas pela vontade individual. Grotius ainda acreditava (como
sociedade política como "uma comunidade de direitos e sobera- não ocorreu no caso de Hobbes) na sociabilidade natural; mas,
nia" (II. IX. VIIÍ. 2). O Estado era um grupo separado do resto cia como Grotius, Hobbes rompeu com a velha visão da sociedade e
humanidade por direitos particulares. Grotius propôs-se salvar da ordem política. Rejeitando a idéia de ordem natural, Hobbes
padrões morais universais do ceticismo renascentista. Postulou uma partiu do indivíduo e viu a sociedade como uma coleção de indiví-
ética minimalista, composta apenas de dois princípios: a legitimi- duos. 7 Essa forma racionalista e individualista de modernizar o
dade de autopreservação e a ilegalidade do dano arbitrário feito direito natural 8 tornou o jusnaturalismo, nas palavras agora vene-
aos outros. Isso deu origem a uma nova visão da teoria de direito ráveis de Otto Gierke, "a força intelectual que finalmente dissol-
natural. Exatamente como Maquiavel separara a análise política da veu a visão medieval da natureza dos grupos humanos". 9
ética, Grotius redefiniu o direito natural à parte da teologia. Ora, o pensamento protoliberal era uma mistura do contra-
Grotius, como auxiliar e conselheiro do grande estadista fan tualismo de Locke e do constitucionalismo de Montesquicu. John
van Oldenbarnevelt, passara muitos anos tentando prevenir um Locke (1632-1704), o primeiro pensador liberal que teve grande
choque entre os calvinistas ortodoxos e a minoria arminiana na influência, teorizou um contrato social que estabeleceu um governo
44 O liberalismo - antigo e moderiw \ As raízes do liberalismo 45

legal em termos individualistas, como o fizera Hobbes, embora o seja de uma vez por todas, seja periódica e condicionalmente, caso
Leviatã (1651) propusesse a monarquia absoluta enquanto Locke em que pode ser retirado (ou não) segundo a opinião dos cidadãos
defendia um governo limitado. Apesar de todo o individualismo quanto à qualidade do desempenho governamental.
que partilhavam, no entanto, há todo um mundo de diferença No caso da maioria dos prévios pensadores do consentimento,
conceituai entre Hobbes e Locke — um, absolutista, o outro, um este era um ato corporativo da comunidade que fora efetuado no
protoliberal —, e o ponto crucial da questão consiste na reelabo- passado. A originalidade de Hobbes e Locke consistia em su-
ração frutífera por parte de Locke da noção de consentimento. blinhar o consentimento pelo indivíduo. A inovação por parte de
A necessidade de consentimento como base para a legitimi- Locke (no seu Segundo tratado sobre o governo, publicado em 1689)
dade viera à tona em teoria política bem antes de Locke, primeiro consistiu em fazer o consentimento (mesmo tácito) periódico e
no livro de Marsílio de Pádua Defensor Pacis (1324) e depois no condicional. A obra de Locke, para citar um dos seus mais capazes
movimento conciliar antipapista no interior da Igreja, no século intérpretes modernos, 12 inaugurou "a política de confiança". Locke
XV. Marsílio sustentara que, igualmente no Estado e na Igreja, as encarou os governantes como curadores da cidadania e, de forma
pessoas — ou sua maioria — possuem o direito de eleger, "corri- memorável, imaginou um direito à resistência e mesmo à revolu-
gir", e, se necessário, depor os governantes, fossem seculares ou ção. Dessa maneira, o consentimento tornou-se a base do controle
eclesiásticos. A Occam (cerca de 1300-1349) é geralmente atribuí- do governo.
do o mérito da primeira derivação da legitimidade governamental O contiatualismo de Locke representou a apoteose do direito
do consentimento baseado no direito natural. Mais tarde, vários natural no sentimento individualista moderno. Hobbes antes dele
grandes teóricos como Ilooker, Sttáre/., e o alemão Johatin e Rousseau depois imaginaram contratos sociais em que os indi-
Althusius (morto em 1638), um dos pais do federalismo, também víduos alienariam por inteiro seu poder em favor do rei ou da
julgaram o consentimento como a fonte da obrigação política. assembléia. Por contraposição, em Locke os direitos pessoais pro-
A reconsideração do direito natural por Grotius e 1 lobbes fora vêm da natureza, como dádiva de Deus, e estão longe de dissolver-
acompanhada por uma forte ênfase na vontade. Esse velho con- se no pacto social. Enquanto os membros do pacto, no caso de
ceito agosliniano 10 (ora muito realçado pela importância dada pelo I lobbes, abandonam todos os seus direitos exceto um — suas vidas
nominalismo de Occam à idéia de direitos subjetivos. Nominalislas, —, os indivíduos de Locke só abandonam um direito — o direito
inclusive Occam, haviam celebrado o livre-arbítrio humano junta- de fazer justiça com as próprias mãos — e conservam todos os ou-
mente com o de Deus. Suárez buscara atenuar o papel da vontade tros.1"5 Ao sacralizar a propriedade como direito natural anterior à
no mito do direito natural; mas os occamistas estimavam que o di- associação civil e política, Locke realçou uma tendência que já tinha
reito natural era obrigatório por ser tido como a vontade de Deus. quinhentos anos de idade: a fusão pós-clássica de ius e dominium, de
A idéia de consentimento como origem da autoridade legítima direito e propriedade. Entronizando o direito de resistência, ele
implica vontade politicamente expressa. Mas o consentimento pode ampliou o princípio individualista de vontade e consentimento. E
variar em torno de dois eixos. Em primeiro lugar, o consentimento consentimento, em lugar de tradição, é a principal característica
pode ser concebido tanto numa base individual como corporativa. da legitimidade em política liberal.
Em segundo lugar, o consentimento a um governo pode ser dado
-In O liberalismo - antigo e moderno
As raízes do liberalismo 47

Constitucionalismo
feudais, mas não desenvolveu qualquer coisa como o constitucio-
nalismo ocidental. O historiador constitucional americano Charles
É o bastante, no que diz respeito ao elemento de direitos, o pri
Mcllwain reagiu à teoria feudal ao realçar o papel do direito ro-
meiro e mais importante dos três componentes do liberalismo
mano no pensamento político medieval. '
clássico. Quanto ao segundo componente, conslitucíonalismo, pode
Mais recentemente, Brian Tierney escolheu uma explicação
ser consideravelmente mais breve. Uma constituição, escrita ou não,
alternativa. Na sua opinião, as raízes do constitucionalismo no
consiste nas normas que regem o governo. 14 É a mesma coisa que
Ocidente foram amplamente eclesiásticas. Figgis sublinhara a linha
o governo da lei, que sustenta a exclusão tanto do exercício do
de pensamento de Gerson a Grotius, do conciliarismo no século
poder arbitrário quanto do exercício arbitrário do poder legal.
XV ao jusnaturalismo moderno do século XVII. Tierney, no en-
Diversas teorias quanto às raízes ocidentais da doutrina
tanto, mostrou que as doutrinas conciliares como o consentimento
constitucionalista e de sua legitimidade foram apresentadas. No
se tornaram conhecidas muito antes da era de Gerson, nas glosas
século XIX, o grande historiador William Stubbs (1829-1901), de
sobre direito canónico desde 1200. Naquela época, um debate
Oxford, alimentou devotamente a idéia de que o parlamento gótico
acirrado entrou a opor partidários da teocracia papal e defensores
fora uma assembléia política. Refutando Stubbs, o professor de
do poder eclesiástico e até mesmo autoridades seculares indepen-
Cambridge Frederick William Maitland (1850-1906) demoliu a
dentes. Em Platão, Aristóteles e Cícero, o problema da origem da
lenda e estabeleceu que o parlamento medieval inglês fora, cm vez
obrigação foi posto à sombra pela questão do melhor regime. Mas
disso, essencialmente uma corte de justiça. O estudo clássico de
pelo menos desde João de Paris (1255-1306), um dos primeiros
A. V. Dicey, The I.aw of lhe Canstitution (1885), mostrou que o go-
tomistas, o problema jusnaturalista de legitimidade vinha preocu-
verno da lei era a essência do constitucionalismo.
pando a filosofia política. O primeiro pensamento político moder-
Stubbs, cm sua monumental Conslilulional Hislory of Medieval
no, de TTobbes e Locke a Rousseau, devotou-se ;i isso. Tais pensa-
F.tigland (187.H--1878), também deu crédito a onlia c mais riujle
dores aproximavam-se do problema ria*legitimidade (em sua res-
lenda: a idéia de que a libere ade inglesa provinha de um tronco
posta, a doutrina do consentimento), num espírito individualista,
de liberdade (eulônica, e portanto anglo-saxã. "A liberdade estava
enquanto seus predcccssorcs medievais estavam sob o encanto da
no sangue", escreveu muito antes dos normandos e tia Magna
hierjarquia e do todo.
Carta. j
O pupilo de Maitland em Cambridge, J. II. Figgis. rcsponddu
com uma teoria mais séria. Kle seguiu o constitucionalismo. a l|íi| Conclusão
díi liberdade, ale os laços contratuais do feudalismo. Que maijs.j
Nossa busca das raízes dos conceitos de direitos e constitucio-
argumentava Figgis, poderia ter dado à sociedade medieval, comia;
nalismo deu num quadro de certa forma irônico. Iniciamos nosso
sua economia rudimentar, o privilégio (especialmente na Inglaterra)
inquérito seguros no conhecimento de que a liberdade moderna,
de um Estado centralizado circunscrito por garantias fundamen-
o fenômeno histórico que é, a um tempo, fundamento e resultado
tais para seus súditos? A erudição moderna discordou da opinião
do movimento liberal, está ligado ao crescimento do individualismo.
de Figgis. Tudo bem contadoj o Japão também tivera estruturas \
Como o individualismo não floresceu em larga escala antes da Idade
! I
48 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo •'!')

Moderna, voltamo-nos para a modernidade como o divisor de águas 0 lemdo do Iluminismo


da liberdade no seu sentido plenamente contemporâneo. Dado o o
papel essencial da Reforma no progresso da liberdade de cons- Muitas vezes se diz que o liberalismo decorre em grande parte
ciência, era lógico que a esti idássemos. Mas o (empo de I.uteroie do Iluminismo. Isto é, em grande parle, verdade, mas, para
de Calvino revelou-se no máximo um prólogo à cultura do indivi- compreendê-lo, devemos rememorar a natureza daquela era
dualismo, já que o teocratismo da Reforma era fundamentalmente intelectual. Um de seus mais importantes intérpretes, Paul Ha/.ard,
autoritário, seja no conformismo luterano, seja no dinamismo social argumentou que o Iluminismo foi basicamente uma tentativa de
das seitas puritanas. Seguimos então Hegel e Troeltsch e situamos substituir a religião, a ordem e o classicismo pela razão, pelo pro-
a liberdade moderna na nova religiosidade do misticismo do século gresso e pela ciência. Apoiou-se no novo senso de expansão do
XVIII e na sociedade civil dá Europa pós-revolucionária (e, não domínio sobre a natureza e a sociedade que tomou conta da Europa
preciso dizê-lo, dos Estados Unidos). por volta de meados do século XVIII, na esteira de um notável
Contudo, quanto mais fundo penetrávamos nas raízes dos di- crescimento de população, comércio e prosperidade que se seguiu
reitos e do constitucionalismo, mais adiamos que decisivos desv os a uma era de depressão econômica. Como tal, o Iluminismo signi-
conceituais haviam sido realizados naquele prolongado e ainda ficou acima de tudo uma "recuperação do alento", na formulação
sombrio laboratório da cultura ocidental: a Idade Média. Azo de correta de Peter Gay.' 8 Ao mesmo tempo que se desdobrava na
Bolonha, Acúrsio, Occam e Gerson mostraram-se quase tão iín- obra de Voltaire e Diderot, Hume e Adam Smith, Lessing e Kant,
portantes quanto os primeiros contratualistas e jusnaturalisuis o Iluminismo juntou uma complexa coleção de idéias que abran-
modernos — Grotius, Hobbes, Pufendorf, Locke e Rousseau. Não giam direitos humanos, governo constitucional e liberismo, ou li-
obstante, no pensamento político moderno, assim como na cultura berdade econômica. O pensamento do Iluminismo veio a coincidir
política moderna, não se tratou apenas de combinar a idéia de di- com a maior parte dos ingredientes do credo liberal clássico, sem
reitos e consentimento, ambas já presentes nos juristas e filósofos ser sempre liberal em termos estritamente políticos.
medievais. Tal combinação, por mais valiosa que fosse, tinha uma "Naus chetr.lwvs dans cc si ir Ir à ImU pcr/hclionncr": o comentário
dimensão adicional, distintamente pós-medieval: uma visão da so- de Voltaire a respeito das reformas penais humanitárias advogadas
ciedade individualista, não-holística e não-hierárquica. Em última por Cesare Beccaria — um dos pontos altos do pensamento refor-
instância, é isso que separa o mundo de Locke do mundo de São mista naquele século — capta a essência da época. Na maioria dos
Tomás de Aquino, de Occam e de Gerson — e traz o contraio social casos, os philosophr.s eram autores voltados para a prática. Com a
dos primeiros pensadores modernos para perto do nosso próprio exceção de Kant, não alcançaram a estatura intelectual de Descartes
universo liberal democrático. ou Leibniz, de Grotius ou Hobbes, mas tinham objetivos bem
diferentes. O jogo que jogavam se chamava melhoria mediante
reforma. A primeira coisa em que acreditavam era a perfectibilidade
do homem, e, por isso, do mundo. Mesmo Rousseau, de quem não
se pode dizer que acreditasse no progresso, era relativamente
esperançoso no que diz respeito ao homem, desde que fosse-
As raízes do liberalismo 51
50 O liberalismo - antigo e moderno

como uma simples estrutura da ação governamental, o direito


adotado o contrato social certo ou conseguida a educação certa
passou então a ser visto sob nova luz, como um instrumento de
(como estipulou no Émile, seu tratado pedagógico de 1762, publi-
poder. 21 A ideologia política mais característica do Iluminismo, o
cado no mesmo ano em que o foi o seu catecismo republicano).
despotismo esclarecido, lançou largamente mão dessa nova pers-
Na medida em que procuravam pôr em prática a perfectibilidade,
pectiva — a visão "maquiavélica", por assim dizer — das normas
os philosophes aproximaram-se da essência da famosa identificação
como instrumentos do poder. Mas as formulações clássicas da teoria
kantiana do Iluminismo com a emancipação da humanidade em
do despotismo esclarecido submetiam o poder monárquico e a nova
relação a tirania e a superstição.
abordagem instrumental da lei ao clima de opinião gerado pela
ideologia da liberdade e do aperfeiçoamento. 22
Pensamento político Assim, o locus classicus do conceito de despotismo esclarecido,
o Essay on lhe Forra ofC.overnm.enl and lhe Duties ofSovereigns (1771)
Lockc reforçou sua teologia dos direitos nalurais com unia preo-
(que Frederico o Grande escreveu em francês para que Voltaire o
cupação clara pelo governo da lei. Nenhuma outra estratégia se
lesse), proporcionou uma base contratualista implícita em sua
ajustaria à sua incorporação do consentimento corporativo no
ênfase nos devores monárquicos. Representava o rei como o pri-
grande lema liberal de consentimento (rovogávcl) como controle
meiro funcionário do Estado, moral senão legalmente responsável
(periódico). Nessa medida, I.oeke, o paladino dos direitos, também
perante os seus súditos, que ele chegou a chamar de "cidadãos".
se inclinou para o constitucionalismo. Mas só com Montesquicn
()s proponentes principais do absolulismo progressista na Kuropa
veio unia explicação inteiramente dcsabrochada do consiiluciona-
ocidental, os economistas franceses conhecidos como íisioorafas
lismo, pois Do espírito das leis ofereceu o que o Segundo tratado de
(embora não endossassem o conceito de contrato social), fizeram
Locke não fez: uma ampla consideração de como distribuir a
uma distinção entre o "despotismo legal" e o simples despotismo,
autoridade e de como lhe regular o exercício, desde que se qui-
falando em uma monarquia funcional como uma autocracia,
sesse aumentar ou apenas preservar a liberdade. Em resumo,
identificada com a proteção da liberdade e da propriedade,
Montesquieu deu ao protoliberalismo aquela profundidade insti-
abstendo-se inteligentemente de meter-se no jogo livre do mercado,
tucional que lhe faltava na tradição contratualista. Por causa disso,
No discurso do despotismo esclarecido, o que Frederico sublinhou
e também por causa de seu poderoso esboço de uma justificação
foi "esclarecido" e não "despotismo". Graças ao impacto do Ilumi-
sociológica da lei e da política, Montesquieu, o segundo grande
nismo, o absolutismo sofreu uma curiosa metamorfose num para-
antepassado do liberalismo clássico depois de Locke, é correta-
doxo: autocracia responsável — no nível de legitimidade senão no
mente tido na conta de um dos iniciadores do Iluminismo.
nível do exercício real do poder."
O bloco histórico formado pela Renascença e o Barroco, o
As teorias políticas dos philosophes dividem-se em três posições
inteiro florescimento da "civilização da corte" na "Europa das
principais. Voltaire (e por um tempo Diderot) esteve perto da mo-
capitais"," testemunhara uma grande mudança no conceito da lei.
narquia esclarecida, como os fisiocratas e o amigo deles, Turgot.
O acolhimento muito difundido da jurisprudência romana contri-
Uma idéia profoliberal, uma espécie de modelo parlamentar
buiu para a emergência de uma nova relação entre governo e nor-
anglófilo foi sustentado, com muita influência, por Montesquieu,
mas legais. Enquanto antes havia sido encarado principalmente
52 O liberalismo - antigo e moderno
As raízes do liberalismo 53

com a sua tese constitucionalista da necessidade de uma separa-


Pensamento histórico e econômico
ção de poderes. Por fim, uma posição republicana, fortemente de-
mocrática em espírito, encontrou em Rousseau seu pregador. 2 ' A
O Iluminismo chamou a sua maneira de encarar os acontecimentos,
utopia de Holbach, Elhocracia (1776), combinou opalhos moralista
ou a sucessão das épocas, em busca de significados mais profundos
e anticomercialista de Rousseau com a defesa de corpos represen-
e de amplas matizes, de "história filosófica". Seu conteúdo pri-
tativos (como parlamentos) que partilhariam da soberania, como
mordial era a história da civilização, mas isso, por sua vez, tinha
uma maneira de prevenir o despotismo monárquico — o que não
um foco mais específico, a "história da sociedade civil", parafra-
difere muito de Montesquieu. O que mais importa é que lições ex-
seando o título do livro de 1767 de Adam Ferguson. Influenciados
traídas de Locke (direitos naturais), Montesquieu (divisão de po-
pelo interesse de Montesquieu por causas subjacentes das formas
deres) e Rousseau (o elemento democrático) combinaram-se num
sociais, os historiadores filosóficos escoceses como Ferguson, Adam
novo sistema republicano erigido na época na América indepen-
Smith e John Millar construíram entre eles uma teoria de desen-
dente — e então ajudaram a moldar as opiniões constitucionais da
volvimento da humanidade em estágios. Alguns esquemas de es-
Revolução Francesa.
tágios sublinharam modos de subsistência, como os quatro siste-
Ainda assim, falando de modo geral, o Iluminismo não foi em mas de manutenção de Millar (e de seu mestre Smith), da caça e
essência um movimento político. Era de orientação prática, mas do pastoreio até a agricultura, e então a "sociedade comercial". A
seu zelo reformista dirigia-se mais a códigos penais, sistemas de seqüência do próprio Ferguson concentrou-se antes na condição
educação e instituições econômicas do que à mudança política. Isso dos costumes e distinguiu três estágios: selvagem, bárbaro e polido.
era verdade também fora da França. Gibbon realizou-se principal- Os teóricos sociais escoceses insistiram num progresso da vida bruta
mente em "história filosófica", Beccaria em reforma penal, Lessing à vida refinada. Foi com Ferguson e com o famoso discurso de
em crítica teatral, estética e filosofia da história, e Kant em teoria Rousseau Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre
do conhecimento e ética. Hume deixou uns poucos ensaios medi os homens (1754) que a expressão "sociedade civil" entrou em uma
tados além de sua History ofEng\land e sua obra crucial em filosofia nova carreira semântica. Onde a palavra civil em sociedade civil
mas escreveu como um tory, conservador utilitário, e não como um correspondera antes a civilas, e possuía tradicionalmente um
modernizador político. Como veremos, havia mesmo um Ilumi significado "político", em Rousseau e Ferguson civil relacionava-se
nismo conservador. Por fim, se «jquisermos identificar as principais com civilitas, significando "civilidade" ou "civilização". Como tal,
contribuições do Iluminismo à cosmovisão liberal, temos de voltar- referia-se à condição da moral e dos modos sem qualquer necessária
nos para outra área — a teoria da história. Nesse ponto, em quej conexão com a política. (I Iegcl e Marx, subseqüentemente, firma-
pesem algumas intuições de Vojtaíre que desbravaram terreno, dei ram "sociedade civil" nesse sentido não político.)
longe a obra principal foi dada pelo Iluminismo escocês.
O caminho da vida bruta ao refinamento descrito nos esque-
mas dos escoceses era também um caminho da pobreza à prospe-
ridade. Uma passagem brilhante ao fim do Livro I de A riqueza das
nações de Adam Smith (1723-1790) declara que mesmo o "campo-
nês frugal e trabalhador" numa sociedade comercial vivia muito
54 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 55

melhor do que "um rei africano, senhor absoluto das vidas c liber- mcrrianles c artesãos diligentes no lugar da ética frugal da virtude
dades de dez mil selvagens nus". O segredo da superioridade, cívica sustentada por moralistas como Rousseau, apoiando uma
mesmo das camadas mais baixas da "sociedade civilizada", djisse ética do trabalho fundado no princípio do ideal cívico. Mas os par-
Smith, devia-se à produtividade muito mais elevada de sua divisão tidários da riqueza afirmavam algumas vezes que o bem-estar social
do trabalho. Vários autores na época partilhavam essa compreeulsão não era tanto o resultado de qualquer virtude, privada ou cívica,
de que a força econômica significava novos e melhores padrões de quanto uma conseqüência não intencional de muitos atos egoís-
vida mesmo para as massas! trabalhadoras. Locke, por exemplo, tas. Argumentavam que a própria busca de interesse pessoal leva-
observou que, embora controlassem grandes extensões de terra, va à prosperidade geral e, em última instância, à harmonia social.
os chefes índios alimentavamjse, vestiam-se e habitavam pior do que Essa linha de argumentação, bem conhecida desde a obra de
um diarista inglês, simplesmente porque este pertencia a urna Bernard Mandeville Fable of Bees, de 1714, e seu lema perverso,
economia em que a produção da terra, mediante a indústria e|a "vícios privados, benefícios públicos", foi retomada por Hume e
propriedade, era tão mais adiantada. Smith. Corrigindo Rousseau, Smith assinalou que, embora os ricos
Podemos ver que o lluminismo estava descobrindo ou inven- procurassem satisfazer seus desejos infinitos por pura vaidade, seus
tando a economia. Mas o grande texto básico da economia clássica, estômagos não eram maiores que os estômagos dos pobres, e eles
A riqueza das nações (1776), não era inteiramente original em sua não podiam, através do seu consumo, esfomear o resto, como
análise e receita de mecanismos de mercado. Isso fora descoberto Rousseau sugerira em seu Discurso sobre a desigualdade. Ao contrário:
por liberistas convictos como os Osiocratas. Smith dedicou sua o gosto pelo luxo, por tolo que fosse, dava energia à economia, e
magnum opus ao líder flsiocrata François Quesnay (1694-1774), o assim fazendo criava uma riqueza muito difundida embora desi-
médico de Madame de Pompadour. A contribuição do próprio gual. Além disso, economias em expansão, que tanto Montesquieu
Smith consistia no seu exame cuidadoso da divisão do trabalho quanto C.ibbon reconheciam, não eram susceptíveis de: colapso
como (ator subjacente da prosperidade moderna. como tinham sido os antigos impérios: as artes do comércio logra-
A criação da economia clássica foi acompanhada por uma vam êxito onde havia fracassado o gênio da guerra."'
considerável mudança de valores. Na época em que Smith, um Pouco a pouco, tirando proveito do crescente descrédito da
professor de filosofia moral em Glasgow, se dedicou à economia, idéia de glória marcial, os interesses passaram à frente como um novo
ocorria um debate entre os phüosophes a respeito do bom ou mau paradigma ético, como "domadores de paixões". O penetrante
luxo. Voltaire e Hume justificavam o luxo apoiando-se em moti- estudo de Albert O. Hirschman, As paixões e os interesses: argumen-
vos utilitários (porque produzia empregos), mas Diderot e Rousseau tos políticos a favor do capitalismo antes de seu triunfo, faz Smith so-
o achavam pior do que inútil — julgavam-no prejudicial. Uma velha bressair proeminentemente. Mas, num sentido, Smith é o bandi-
sabedoria histórica atribuía ao luxo a culpa pela debilitação e, por- do da história, pois ele não partilhava da opinião de Montesquieu
tanto, pelo declínio de grandes impérios, sendo Roma o caso mais (também abraçada pelo principal economista escocês anterior a
conspíeuo. Contra esse humanismo moralista, outros escritores Smith, o mercantilista sir James Steuart) de que o surto da socie-
afirmavam uma nova visão que legitimava a riqueza. A defesa da dade comercial traria mais ordem política controlando paixões mais
opulência punha muitas vezes a magnânima laboriosidade de co- selvagens e turbulentas da espécie "feudal". Ao contrário, Smith
56 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 57

pensava que os impulsos não econômicos estavam atrelados à ta- uma vez que reduzia drasticamente o grau de dependência pessoal
refa de alimentar "o desejo de melhorar sua condição" de cada característico da maior parte das relações sociais na sociedade
homem. A vaidade e o anseio de estima instigaram a maior parte agrária. Como Hume, Smith atribuiu pouca importância à sauda-
da humanidade a buscar riquezas por meio de trabalho árduo ("the de humanista de um mundo de cidadania de elite, um reino de
toü and bustle oj'this world", nas palavras de Smith). Portanto, para virtude cívica sustentado pelo trabalho escravo ou, no mínimo, por
Smith, o próprio "interesse" tornou-se uma paixão tão ardente relações de clientela. Smith nunca esqueceu que o ardor de con-
quanto a velha aspiração de glória, e, ao mesmo tempo, a motiva- quista das legiões romanas não fora resultado de opção, mas uma
ção econômica deixa de ser um sustentáculo automático da estabi- saída para o endividamento constante das sociedades agrárias que
lidade social, como nos outros casos ideológicos estudados por se apoiavam no trabalho escravo e foram forçadas a apreendei' a
I-Iirscliman."1' terra e o labor de seus vizinhos. A sociedade antiga, a despeito de
Deve-se tomar o cuidado de não sugerir de forma excessiva- todo o requinte de sua flor — a democracia da cidade —, fora uma
mente sombria uma imagem faustiaua ou demoníaca da opinião planta estéril, incapaz de crescimento sustentado ou de uma li-
de Smith quanto ao capitalismo emergente. A despeito de Ioda a berdade duradoura.
sua aguda consciência de algumas sérias "desvantagens do espírito Na cosmovisão clássica da ideologia cívica, a praxis, a ação de
comercial", tais como os eleitos entorpecentes <le larelas simples homens livres, foi colocada muito acima da poiesis, a produção ou
na crescente divisão do trabalho (suas observações prenunciam a trabalho manual. Por que motivo? Porque enquanto o objetivo da
crítica da alienação, por Marx), Smith apegou-se à idéia iluminisla poiesis reside no produto e, portanto, em algo que ultrapassa a ati-
de que o comércio era iun caminho aberto para a melhora. Como vidade' que o produz, a praxis ou ação é um lim em si mesma. Smith
escreveu em A riqueza das nações: foi o primeiro teórico social de importância a inverter essa valori-
zação: em A riqueza das nações, a praxis de políticos, juristas e sol-
"O comércio e as manufaturas introduziram gradualmente a
dados é redondamente depreciada, enquanto a produção passa por
ordem c o bom governo, e com eles a liberdade c a segurança
cima. O comércio e a manufatura, e não a prática da política ou a
dos indivíduos, entre os habitantes do campo, que haviam
atividade guerreira, proporcionam o modelo da atividade meritória.
antes vivido numa condição quase contínua de guerra com
E essa mudança de valores implicava o abandono da propensão
seus vizinhos, e de dependência servil em relação aos seus
elitista incorporada à saudade cívica.
superiores." (Livro 3, cap. 4.)
Os ideólogos cívicos, aos quais voltaremos na próxima seção,
Se Smith estava longe de apresentar um quadro otimista do capi- eram acima de tudo adoradores da virtude. Smith, no entanto,
talismo nascente na sua psicologia da economia, sua sociologia da optou pela justiça acima da virtude. Ao fazê-lo, seguia a maior
economia defendia a superioridade do "espírito comercial". preocupação de outra tradição de discurso eme rivalizava com a do
Neste ponto, temos de salientar pelo menos dois aspectos: humanismo cívico: a tradição de jurisprudência do direito natural,
liberdade e justiça. Quanto à liberdade, Smith não deixa dúvida que foi crucial, como vimos, na formação do conceito de direitos.
de que julgava que o quarto estágio na marcha da civilização, a. Foi fundamental no empreendimento analítico de Smith a eluci-
sociedade comercial, significava um aumento em independência, dação do crescimento econômico. Conforme declara abertamente
58 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 59

no título inteiro do seu grande livro, Uma investigação sobre a natu- Progresso e liberisnío
reza e causas da riqueza das nações, ele estava fundando a teoria do
desenvolvimento. Mas uma das principais coisas que ele compro- Os temas de progresso e liberismo, tão proeminentes em Smith,
va é que, uma vez que a sociedade comercial leva da pobreza à foram substanciais acréscimos aos dois elementos formativos do
prosperidade, sem necessidade seja de conquista seja da sombria credo liberal, direitos e constitucionalismo. Politicamente, o libe-
perspectiva de declínio, o mesmo estágio mais elevado de civiliza- ralismo podia restringir-se aos dois últimos. Mas o liberalismo, além
ção, embora certamente desigual no que diz respeito à estrutura de ser uma doutrina política, era também uma cosmovisão, iden-
da sociedade e, em grande parte, não virtuoso em sua moral, era tificada com a crença no progresso. O Iluminismo presenteou o
bem menos injusto do que fora o seu predecessor agrário. Pois liberalismo com o tema do progresso, principalmente teorizado
todos os seus membros pelo menos podiam gozar de igual acesso pela economia clássica. Entre Hume e Smith, o Iluminismo escocês
aos meios de subsistência, devido à difusão geral da prosperidade. acrescentou à teoria de direitos de Locke e à crítica do despotismo
Juntamente consideradas, as passagens tão famosas sobre a "mão por Montesquieu uma poderosa estrutura: uma nova explicação da
invisível" na Teoria dos sentimentos morais (1759) de Smith e em A história ocidental. Seu significado consistia no progresso mediante
riqueza das nações significam uma percepção de que o indivíduo que o comércio que prosperava na liberdade — na liberdade civil,
procura os seus próprios interesses pode não intencionalmente^ a individual, moderna.
um tempo, levar a um ponto máximo a riqueza da sociedade e aj u- O progresso era sem dúvida uma crença iluminista, mas será
dar a distribuí-la de forma mais ampla. que era também uma crença liberal? O grupo ideológico de
A realização de Smith consistiu em enfrentar com êxito o direitos/constitucionalismo/progresso/liberismo sugere que sim.
problema do direito natural j- justiça — em termos de uma nova Contudo, alguns críticos argumentaram que a ideologia do pro-
espécie de economia políticaj — a teoria do crescimento — e em gresso era, de fato, tudo menos libertária. Faz muitos anos, num
mostrar que, pelo menos em perspectiva histórica, a responsabilif estudo que deu o que pensar, The Liberal Mind, Kenneth Minogue
dade pela justiça dislribuiiva — ou seja, o equilíbrio entre direitos| distinguiu "dois liberalismos". Um é uma rejeição libertária de tra-
e necessidades — poderia caber àquilo que ele chamou "o sisten dições informativas, mas é difícil distinguir o outro do utopismo
de liberdade natural" e a sua evolução espontânea em direção autoritário ou do despotismo das receitas progressistas. Este ten-
prosperidade e ao bem-estar. [Verdadeiro iluminista, Adam Sniilh de a ser uma busca intolerante de eficácia, ordem e harmonia."" C)
conferiu ao tema do progresse sua profundidade socioeconômicã.J
"espírito liberal" tende com freqüência para o feio pecado estig-
Promotor do pensamento liberal, Smith introduziu a idéia do pròn matizado por Michael Oakeshott como comlriüivisnío racionalístico,
gresso na defesa do liberisnío. Nao espanta que ele tenha sido uipaí ou planejamento social em grande escala de uma espécie abstrata,
crítico persistente do privilégio e da proteção. Como pilares eh-i salvacionista a pri.ori.~9
cadeados da sociedade pré-moderna, o privilégio e a proteção não;
O difundido reformismo do Iluminismo chegou perto de um
foram muito atingidos pelos porta-vozes da virtude cívica. Más
liberalismo empreendedor, mas não, creio eu, perto de sua carica-
tornaram-se alvos naturais do liberalismo enquanto a voz da,
tura neoconservadora. Pois uma abordagem histórica mostra que
modernidade. I
a verdadeira experiência das reformas esclarecidas tinha um sabor
60 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 61

distintamente libertário. A lula do Voltairo contra a torturai e a Robespierre. A antítese que punha cm contraste os seus republi-
censura, a humanização das [práticas penais por Beccaria, a retirada canismos simbolizava o abismo entre o jacobinismo e a principal
de apoio estatal à perseguição ou discriminação religiosa, a elimi-
corrente do Iluminismo.
nação de privilégios de castas e guildas, a liberalização do comércio,
Quanto mais se mede a distância que separa o Iluminismo do
a abolição da servidão na Áustria de José não foram vistas cedio
jacobinismo, mais se valoriza o chão comum que pisavam o Ilumi-
medidas despóticas, a não Ser pelos interesses obviamente preju-
nismo e o liberalismo. Comprcensivelmente, na Restauração e na
dicados no processo, mas como avanços na verdade libertadores.
França de Orléans (1815-1848), alguns dos liberais mais avançados
O imperador José II da Áustria, inquieto e pronto a sacrificai-se,
como Constant estavam plenos da herança iluminista. A mesma
era certamente um autocrata, mas sua revolução pelo alto (embora
feliz combinação de Iluminismo e liberalismo pode ser encontrada
de nenhuma forma liberal em seus métodos), seriamente tentada
na mais pura arte da época, de Goya a Beethoven.
(e que falhou em grande parte), continha uma perspectiva genuína
de emancipação para camponeses e protestantes, judeus e o ho-
mem do povo. Via de regra, mesmo quando era ilíberal, o Ilumi- Romantism,o
nismo terminava por desbravar terreno para instituições mais! li-
Goya, Beethoven e Stendhal não foram românticos, mas todos
vres e (no conjunto) uma sociedade menos desigual. Sc o ousado
constituíram forças principais na cunhagem do romantismo. Na
reformismo dos déspotas esclarecidos não era libertário em sua
França, a escola romântica nasceu atada à política Ugilimisle ou de
intenção, a maior parle de seus resultados ajudou a aumentar a
Restauração. O grande crítico Sainte-Bcuve escreveu que o ro-
liberdade e a igualdade.
mantismo é o monarquismo em política. Contudo, de um ponto
Politicamente falando, o que causou uma reação contra o de vista europeu, Victor Hugo acertou mais quando declarou que
Iluminismo não foi nem progresso nem reforma, mas revolução, o romantismo era o liberalismo em literatura. Pois o próprio Hugo
na forma de violência jacobina. Á verdadeira materialização liderou a transformação do romantismo francês de monarquismo
histórica — e histérica — do salvacionismo autoritário não foi o a liberalismo de vanguarda.
reformismo esclarecido, mas o voluntarismo jacobino: a teimosa O que fez com que o liberalismo e o romantismo se mistu-
tirania da virtude administrada por Robespierre e Saint-Just.30 rassem? Um estudo recente de Nancy Rosenblum prontamente
Ideologicamente, os fanáticos jacobinos eram mais próximos do respondeu que foi a experiência e a apreciação do individualismo
discurso da virtude do humanismo cívico do que do hedonismoO moderno. Os dois movimentos coincidiam no fato de que ambos
muito pouco virtuoso dos que, como Hume e Smith, legitimavam acalentavam a intimidade. A imaginação romântica só podia flo-
costumes mercantis. Em contraste, o pregador quintessencial do rescer dentro de um profundo respeito pelas fantasias pessoais; por
progresso, Condorcet (1743-1794), era (ilosoficamentc um segui- isso o romantismo era liberalismo em literatura, na sua desconsi-
dor de Hume. Ele pouco se importava com a virtude, e em sua deração do decoro clássico e na sua subversão de regras clássicas.
política tentou realçar dois elementos — conhecimento e consen- Igualmente o liberalismo sustentava que o domínio pessoal era algo
timento — que eram inteiramente estranhos ao volunlarismo, de inestimável em si mesmo e não apenas um meio para outro
jacobino. Condorcet pode ser considerado o próprio oposto de objetivo.''1
62 O liberalismo - antigo e moderno As raízes do liberalismo 63

Não espanta, portanto, que um moralista liberal importante tanto quanto a racionalização do mundo acarretada pelo capitalis-
como John Stuart Mill fosse buscar a origem de sua preocupação mo ascético. A ética do trabalho construiu a economia e a tecnolo-
com a individualidade espontânea em raízes românticas. O indi- gia modernas, mas a ética romântica faz com que concordem por
vidualismo podia revestir-se seja de uma máscara de cálculo força de uma demanda perpétua, protéica, ditada pelo hedonismo
(Bentham), seja de uma aparência expressivisla (seu lado românti- moderno.
co), mas havia lugar no liberalismo para ambas as coisas. (Na ver- A fase romântica do individualismo não se limitou a doces
dade, cada uma dessas imagens, a racionalista-utilitarista e a hedonismos e a devaneios. Também veio de uma forma mais
expressivista-romântica, corresponde a uma escola "nacional" do escura, ligada a uma visão um tanto severa da economia. O protes-
pensamento liberal. Enquanto o liberalismo utilitarista pertence ao tantismo evangélico, fundado por Wesley, num espírito otimista,
conceito inglês de liberdade como independência social, o libera- arminiano, chegou ao final do século XV1I1 com um ânimo mais
lismo de expressão relembra o conceito germânico de liberdade sombrio. Pouco mais tarde, o credo evangélico, embora mantivesse
como aulolclia psicológica <• cultural.) seu a|>r(.'<> â IV- cm vr/ de apegar se ao ritual, chocou si- min o
As origens românticas ou pioto-românticas do individualismo deísmo do teólogo William 1'aley, lão importante na scculai i/ação
moderno foram convincentemente descobertas pelo livro de Colin da posição de Locke a favor da tolerância. A Natural Tlieology (1802)
Campbell, de 1987, The Romanlic Etlik and Üic Spirit. of Modem de Paley foi o ponto mais alto que o otimismo religioso da época
Covsw>ifirism.*~ Campbell começa por dizer que a história literária atingiu. Km oposição a essas alegres perspectivas, o protestantismo
tinha por muito tempo mostrado que, por volta de meados do evangélico proclamou uma época de expiação, uma visão do erro
século XVIII, as classes médias inglesas estavam reinterpretando o redimido por vicissitudes apocalípticas. Nessas sinistras circuns-
protestantismo de uma maneira que era antes sentimental do que tâncias, a bancarrota passou a ser interpretada como um sinal de
calvinista. Contrariamente ao ascetismo austero do espírito puri- punição, e os crentes evangélicos eram todos liberistas, uma vez
tano, essa nova devoção viu o prazer como um companheiro natural que encaravam o mercado como arma potencial contra o pecado.
da virtude e alimentou sentimentos de simpatia, benevolência e Como observa o seu qualificado estudioso, Boyd Hilton, o catas-
melancolia. Instalou-se o sentimentalismo, que logo seria reforça- trofismo evangélico era mais difundido entre os rendeiros funda-
do pelo movimento evangélico. John Wesley (1703-1791), o fun- mentalistas protestantes do que entre os primeiros industriais, que
dador do metodismo, era um arminiano — isto é, um opositor da eram muitas vezes de ânimo mais secular e tendiam a esposar a
doutrina calvinista da predestinação, na qual não se podia desen- economia ricardiana no lugar do sentimento trágico da vida inspi-
tranhar o pecado do destino. Wesley realçou a paixão e a profecia, rado pelo drama do pecado e da salvação. ' Na medida em que o
transformando o drama da conversão pessoal num protótipo da evangelismo protestante maduro era um romantismo religioso, sua
experiência romântica. Tipicamente, tornou-se um admirador de singular justificação teológica do liberismo proporcionou ao libe-
Rousseau, o pregador da religiosidade interna. ralismo mais de um poderoso laço com a cultura romântica. So-
A teoria da ética romântica, portanto, parte do reconheci- mente na segunda metade do século XIX, com o surto de uma
mento de que o protestantismo foi humanizado (e modernizado) mentalidade melhorista, a Época da Expiação começou a retroce-
pelo misticismo — um processo que moldou a cultura moderna der. Mas, antes que isso ocorresse, ela havia tornado romântico o
64 O liberalismo - antigo e moderno

espírito de parte substancial das classes médias vitorianas. E porque


tal romantização era um impulso fortemente individualista, ela
contribuiu de forma significativa para que se alçasse a uma cultura
liberal.

3
Liberalismo clássico, 1780-1860

"Senhor, o primeiro whig foi o diabo."


— Do Doutor Johnson a James Boswcll, 28 de abril de 1778

Seguindo a pista de elementos chaves no credo liberal, tais como


o conceito de direitos individuais, o governo da lei, e o consti-
tucionalismo, chegamos a uma representação bastante abrangente
do prololibcralismo — um conjunto ideológico de valores e insti-
tuições que historicamente desbravou o caminho para a ordem
social-libcral inteiramente desenvolvida que se tornou a forma
avançada de governo no Ocidente no século XIX. No nível do
pensamento político propriamente dito, esses elementos seriam
incorporados, com graus diferentes de ênfase, nos escritos dos
principais pensadores clássicos liberais — de Locke e Montesquieu
aos federalistas americanos, e de Benjamin Constant a Tocqueville
e John Stuart Mill.
Os liberais clássicos, tomados em conjunto, deram duas con-
tribuições decisivas ao desenvolvimento do pensamento liberal. Em
primeiro lugar, fundiram traços liberais numa advocacia coerente
da ordem social-Iiberal secular que estava então tomando forma
nos governos representativos da época. Em segundo lugar, in-
troduziram e desenvolveram dois outros temas no pensamento

65
O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 67
j
;
liberal: democracia e libertariánismo.* Juntos, esses temas essenciaijs e os fanáticos religiosos, e evitar que a sociedade tombasse no caos.
constil.uírain uma defesa do iiidivíduo não apenas contra o goverhó No frontispício do Levialã, o soberano gigante, "rei de todos os
opressivo, mas também contra intromissões de constrangimento filhos do orgulho", leva uma espada e um báculo: maneja tanto o
social. I poder espiritual quanto o temporal, já que tem de refrear a um só
tempo uma aristocracia guerreira e as seitas carismáticas. Para
proteger libertas, potestas devia controlar a farisaica religio.2
Locke: direitos, consentimentos e confiança \ Os sucessores protoliberais de Hobbes mantiveram seu prin-
cípio teórico — contratualismo —, mas abandonaram sua receita
O De Cive de Hobbes divide-se em três partes, cada uma das quais política, absolutismo. Na mocidade de Locke, bem afastado o ris-
nomeada segundo um conceito chave no cenário ideológico em qiie co de uma guerra civil, sentiram que os ameaçava outro proble-
se desenvolveu o liberalismo: libertas, polcstas c religio. O objetivo de ma. O que agora preocupava os amigos da liberdade era que o rei,
Hobbes consistia em definir as relações entre poder estalai (potestas), atuando como um autocrata, viesse a usar o Estado não como um
por um lado, e liberdade (autonomia como independência) e reli- árbitro mas como uma monocracia — uma concentração de poder
gião (poder ideológico), por outro. Hobbes distinguiu duas causas político e ideológico. Era isso que significavam as inclinações cató-
ideológicas da guerra civil inglesa. Os intelectuais acadêmicos licas da sucessão Stuart, na pessoa de Jaime II. Já a libertas não se
ensinavam aos magnatas do reino modelos antigos de liberdade encontrava protegida pela potestas; ao contrário, potestas ameaçava
cívica. Num nível social mais baixo, os "santos" puritanos disse- recorrer à religio para esmagar libertas.
minaram o direito de dogmatizar em nome de uma inspiração di- A luta contra a autocracia Stuart tornou-se crítica por causa
vina. Os intelectuais cívicos voltaram a dar vida à idéia aristotélica da crise da Exclusão, por volta de 1680. (Estava em jogo a possível
de que a cidade é natural — o que quer dizer que os homens são exclusão, pelo Parlamento, da ascensão ao trono do duque de York,
naturalmente animais sociais. Mas, nas circunstâncias da Inglaterra que cinco anos mais tarde se tornaria Jaime II.) Iniciou-se nesse
de 1640, o resultado foi pura desordem. Os puritanos, também, momento a brecha entre tones e whigs. Eram tones os partidários do
tornaram sua fé um motivo de subversão e regi oídio. Como o bis- rei; eram whigs aqueles que resistiam às políticas da coroa. Em 1680
po Samuel Butler disse em seu Hudibras, seu "teimoso grupo de foi impresso um tratado escrito muito antes por um contemporâ-
santos errantes" eslava destinado a "provar sua doutrina ortodoxa, neo de Hobbes, szr Robert Filmcr. Seu título era cristalino: Patriarca:
por meio de golpes e pancadas apostólicos". uma defesa do poder natural dos reis contra a liberdade inalural do povo.
Vendo tudo isso, Hobbes deduziu que o princípio da ordem Filmer afirmou que a sociedade não passava de uma família am-
política não podia decorrer seja da natureza seja da Graça.1 Tinha pliada. Portanto, toda autoridade era de natureza paternal, o qtie,
de ser uma arte, com a técnica da lei e de uni contrato social naqueles dias de predomínio masculino não questionado, signifi-
possibilitando ao Estado humilhar os grandes cio reino, rebeldes, cava natureza paterna. Para Locke, um erudito profundamente en-
volvido com a oposição xiilúg por meio da associação de toda a sua
(:H) I JluTlai ianistno: IViix ípio ou d o u l i i n a do liberlãrio (cru inglês, lihntarian), ou
vida com o primeiro conde de Shafslebiu y, no enlanlo, esta analo-
seja, pessoa q u e suslenla a idéia da l i b e r d a d e de v o n l a d e . (N. do T.) gia entre autoridade política e paterna era completamente falsa.
Liberalismo clássico, 1780-1860 69
68 O liberalismo - antigo e moderno

Locke devotou o primeiro de seus Dois tratados sobre o governo pelas tradições liberais subseqüentes, apesar de sua diversidade.
a uma rematada refinação da tese patriarcal. Para l.ocke, a liber- Também inauguraram um novo, verdadeiramente seminal tipo de
dade do povo era bem "natural" — na realidade, era um dom de telos, ou fim, em teoria política. Pois, enquanto os pensadores
Deus ao homem. O poder monárquico era mais necessário do que antigos e medievais escreveram com um objetivo platônico de
natural, e existia proeminentemente para a proteção das liberda- idealizar uma boa sociedade, e enquanto Hobbes se preocupava
des naturais dos cidadãos. O capítulo 15 do Segundo /.ralado separa com a conquista da ordem, a filosofia política de Locke foi a pri-
enfaticamente "poder civil" dos dois outros tipos de domínio: po- meira altamente influente que objetivou o estabelecimento das
der paternal e poder despótico. Uma velha tipologia, endossada condições de liberdade.
por Grotius (em De iure belli ae paris, livro 2, cap. 5), dissera que o
poder sobre o povo pode provir de Ires fontes: nascimento, con-
sentimento e crime. (.) poder paternal resulta do nascimento, o De Locke a Madison: humanismo cívico
poder despótico, igualado com o domínio sobre escravos, provém e republicanismo moderno
alegadamente da conquista em guerras justas; daí ser a escravatura
uma punição por agressão injusta. Com que se parece o poder O fundamento das teorias de Locke, de confiança e consentimento,
"civil" (isto é, político), com o tipo paternal ou com o tipo despó- consistiu em sua teologia dos direitos naturais. Mas a teoria dos
tico? Foi adamantina a resposta de Locke: com nenhum dos dois, direitos em linguagem do direito natural não foi a única espécie
pois o poder político brota inteiramente do consentimento. Ora, de discurso que os whigs praticaram; inimigos do absolutismo e
como Norberlo liobbio sagazmente observou, enquanto a singu- defensores da tolerância, eles foram os primeiros liberais na história
laridade do patriarcalismo de Filmer era a fusão falaz de poder moderna. Uma espécie de idioma antiabsolutista, diverso e vasta-
político e poder paternal, o obscurecimento da distinção entre mente apreciado, foi a ideologia do humanismo cívico ou repu-
poder político e dominação despótica era coisa da lavra de Hobbes. blicanismo clássico. Também ela deixou uma profunda marca no
O De Cive de Hobbes não fez distinção entre o soberano e o se- liberalismo clássico.
nhor- de escravos, porque ambos os tipos de poder apoiavam-se, O pensamento político anglo-saxão entre a Revolução Gloriosa
no fundo, num compromisso, fosse num compromisso entre in- c a publicação da constituição americana já foi encarado como um
divíduos jurando obediência em troca de paz, ou de pessoas caminho direto de Locke a Bentham - isto é, do liberalismo dos
vencidas que prometiam servir desde que lhes fossem poupadas direitos naturais à democracia utilitária. Essa visão tradicional foi
as vidas.3 formulada pelo inglês Harold Laski c pelo americano Louis Hartz. 4
Os Dois tratados desenvolveram, a um tempo, uma teoria do Hartz entendeu que os pais fundadores americanos eram fervoro-
consentimento e uma teoria da confiança. A teoria do consenti- sos seguidores de Locke. Tanto os liberais como os marxistas pas-
mento respondia pela legitimidade do governo (e comparava o saram a contar um típico conto whig no qual a liberdade era im-
absolutismo à guerra social). A teoria da confiança mostrava como pulsionada pelos ventos da história; sublinharam a natureza pro-
os governantes e súditos deviam compreender o seu relaciona-, gressiva da sociedade comercial e das instituições parlamentares,
mento recíproco. Nenhuma das duas teorias jamais foi abandonada ambas ajudadas por modernos conceitos de direitos.
70 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 77

Mas recentemente John Pocock, da Universidade J o h n e virtú, favoreceu a inovação política. N a d a m e n o s p o d i a salvar
H o p k i n s , p r o p ô s u m a magistral revisão desse e n t e n d i m e n t o . O Florença da d u p l a a m e a ç a de conquistas estrangeiras e do despo-
principal livro de Pocock, The Machiavellian Moment (1975), criou tismo dos Mediei. Os velhos valores da m o n a r q u i a universal, c o m o
t o d a u m a escola n a história d o p r i m e i r o p e n s a m e n t o político s o n h a d o s p o r Dante, t i n h a m de acabar. A república ou se tornaria
moderno. 5
Pocock c o m p r e e n d e u q u e Locke era u m teorista d o heróica o u pereceria.
c o n s e n t i m e n t o d e m a s i a d o radical p a r a ser o p e n s a d o r oficial da Para Pocock essa ética cívica um t a n t o tensa p e r m e o u toda a
Revolução Gloriosa. T a m b é m questionou a representação lockiana tradição atlântica de discurso. Longe de ser individualista e capi-
do republicanismo da I n d e p e n d ê n c i a . Pocock descobriu u m a pe- talista, afirmou, a p r i m e i r a ideologia a m e r i c a n a foi h u m a n i s t a -
q u e n a nobreza angustiada, cheia de dúvidas q u a n t o à ascensão do r e p u b l i c a n a na esteira da a p r o p r i a ç ã o inglesa dos t e m a s ma-
capitalismo. Sua refinada cidadania apegou-se ao h u m a n i s m o cívi- quiavélicos. D u r a n t e o i n t e r r e g n o p u r i t a n o , J a m e s H a r r i n g t o n co-
co c o m o um refúgio contra o comércio e a c o r r u p ç ã o . m e ç a r a a p r e o c u p a r - s e c o m o futuro dos p r o p r i e t á r i o s inde-
A p e q u e n a nobreza republicana, muito conhecedora de Cícero, p e n d e n t e s , a p e q u e n a n o b r e z a cujo slatus crescera c o m o fim do
Plulareo o Políbio, Calava fluentemente um vocabulário cívico de feudalismo. H a r r i n g t o n queria prosseguir (contra Cromwell) com
l i b e r d a d e e cidadania. Iniciando-sc c o m o " p a r t i d o do c a m p o " milícias da p e q u e n a nobreza (uma idéia favorita no p e n s a m e n t o
dirigido p o r Bolingbroke (1678-1757), o líder l.ory no r e i n a d o da de Maquiavel), e suspeitava q u e a p r o p r i e d a d e comercial acarreta-
rainha A n a (que mais (arde orientou a oposição a Walpole e aco- va d e p e n d ê n c i a . D u r a n t e a R e s t a u r a ç ã o Stuart, m u i t o s n e o -
lheu os n o m e s e m i n e n t e s di literatura clássica, Swiíi e P o p e ) , h a r r i n g t o n i a n o s imaginavam q u e houvera no passado u m a "anti-

aquelas bocas r e p u b l i c a n a s estavam repletas de ideais de autoj- g a constituição", u m passado gótico d e l i b e r d a d e p o v o a d o p o r

g o v e r n o virtuoso. Eles injuriaram o c o m p a d r i o g o v e r n a m e n t a l c a guerreiros proprietários d e terras. ( O p r ó p r i o H a r r i n g t o n n u n c a


acreditou no mito da antiga constituição.) Mas, de o u t r a forma, eles
c o r r u p ç ã o ministerial. Seus evangelhos c o m o textos m o d e r n o s
c o n c o r d a v a m c o m os republicanos da p e q u e n a n o b r e z a puritana:
foram os Discursos sobre Tüo •Lívio de Maquiavel (obra p ó s t u m a ;
os n e o - h a r r i n g t o n i a n o s opuseram-se a um exército p e r m a n e n t e ,
1531) c o livro O cearia de H a r r i n g t o n (1650), a voz republicana rio
criticaram a c o r r u p ç ã o ministerial, e mais tarde resistiram às duas
p u r i t a n i s m o inglês.
principais "instituições comerciais" q u e haviam sido criadas na
E central na análise de Pocock a idéia de q u e o m o m e n t o crí-
virada do século, o B a n c o da I n g l a t e r r a e a dívida n a c i o n a l . O
tico maquiavélico i n a u g u r o u um "novo p a r a d i g m a " na conceiuja-
"partido do c a m p o " republicano, já Velho ivhig p o r volta de 1680,
lização de política. O paradigrna maquiavélico atribuiu primazia ao
tornou-se tory q u a n d o Bolingbroke, d e r r o t a d o na sucessão da rainha
tempo. Antes de Maquiavel, a visão ocidental de política girara em
A n a p o r whigs hanoverianos, saiu do p o d e r c o m o antagonista cie
t o r n o de valores intemporais. Mesmo em Florença as opiniões rivais
R o b e r t Walpole.
de Guicciardini, o elitista, e Giannotti, o populista, p r o c u r a v a m
ainda u m a constituição imutável, equilibrada, u m dique d e o r d e m Pocock a r g u m e n t o u q u e essa ideologia do p a r t i d o do c a m p o
c o n t r a o m a r da história. Maquiavel foi o p r i m e i r o a voltar-se ou- sobreviveu até tardios r e p u b l i c a n o s e radicais do século XVIII.
s a d a m e n t e para a história, e n ã o dela se afastar. Consciente do Observou q u e T h o m a s Paine iniciou seu Os direitos do homem (17í) I)
imprevisível inter-relacionamento da fortuna e da coragem, for/una d e n u n c i a n d o o crédito, aquele pesadelo dos humanistas cívicos. E
72 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 73

Pocock interpretou o antifederalismo e antigoverno forte de culto das maneiras; e os iluministas escoceses completaram isso
Jefferson e Madison como ujma nova versão da doutrina do parti- edificando sua explicação por estágios da evolução humana.
do do campo. Em oposição ab comercialismo georgiano, sua jovem Em 1988, em brilhante conferência na Escola de Economia e
América nasceu "com pavor da modernidade". de Ciência Política de Londres, Pocock retratou um "Iluminismo
Não faltaram críticas à tese de Pocock. O perito de Oxford em conservador inglês". 9 Com Hume, Gibbon e Smith como suas
assuntos do século XVII, Keith Thomas, respondeu que, antes ida figuras centrais, esse Iluminismo conservador tentou defender a
Revolução Gloriosa, as questões centrais em argumentação política administração hanoveriana dos ataques das contra-elites, tanto
haviam sido soberania, obrigação e o direito de resistência — um religiosas como radicais-republicanas. Mas sua ideologia era uma
léxico hobbesiano e lockiano, dificilmente um léxico humanista- espécie definitivamente liberal-modernizadora. Num sentido, tinha
republicano. 6 Isaac Kramnick, um dos principais críticos de Pocock alicerces hobbesianos, pois insistia na ordem política c paz social
nos anos 1980, afirmou que o republicanismo clássico, com sua sob a inteira proteção do poder soberano. Nesse meio tempo, por
ênfase nas elites agrárias e seu estado de espírito nostálgico, pou- contraste, as colônias americanas, feridas pela afirmação britânica
co tinha a oferecer à baixa classe média urbana cuja propriedade de poder imperial, retornaram a um discurso lockiano. Jefferson
era reduzida e móvel (isto é, comercial) e cujo espantalho era o recorreu a uma linguagem de direito natural e à tese da antiga
privilégio político e social — o monopólio da pequena nobreza. De constituição para asseverar que, estabelecendo-se na América, os
forma não surpreendente, essas camadas mais baixas apoiaram colonos ingleses haviam ingressado no estado da natureza e, por-
radicais igualitários como Wilkes e Paine. Kramnick insistiu em que, tanto, gozavam de liberdade para celebrar um contrato social; a
a despeito de todo o seu ataque à corrupção, os radiciais como autoridade britânica prevalecia sobre suas capacidades federativas,
Paine deviam mais a Locke do que à ideologia cívica.7 mas não sobre suas capacidades legislativas (ou seja, taxação).
Em sua obra mais recente, o professor Pocock mudou de foco. Pocock reconheceu explicitamente que o populismo lockiano,
Em vez de investigar a sobrevíy^icia do republicanismo clássico, contornado na Inglaterra em 1688, foi adotado pelos insurretos
passou a aplicar seus notáveis poderes analíticos ao "whiguismo" 8 americanos nas décadas de I 7G0 e 1770.
moderno. Os velhos w/iigs, podemos relembrar, haviam inventado Como David Epstein demonstrou em The Polüical Theory of
o mito da antiga constituição. Responderam os lories da Restaura- "The Federalisl" (1984), os autores de The Federalisi Papers (James
ção que nunca houvera tal coisa, o que implicava que o poder Madison, Alexander Hamilton e John Jay) enquadraram-se muito
monárquico podia crescer, como o fizera no continente, desem- na tradição do populismo lockiano. Epstein penou para mostrar
baraçado das liberdades ancestrais. Agora, mim passo inteligente, que eles haviam proposto uma forma de governo "estritamente
os whigs modernos da época de Walpole adotaram quietamente essa republicana" ou "inteiramente popular"; que a república americana,
lovy e veterana exoneração da antiga constituição — e lançaram ao em tamanho e sistema, não podia deixar de ser muito diferente
mar a ética cívica. Escrevinliadores -whigs modernos, comoJo.seph de uma antiga democracia (do que decorreram os tiros de tocaia
Addison, uma das leituras favoritas de Adam Smil.h, opuseram a do The Vederalisl no anliquarianismo de Rousseau); que a argu-
educação, as boas maneiras à virtude "primitiva". Daniel Defoe mentação republicana do The Federalisl funda-se numa psicologia
(famoso por causa do Rohinson Crvsoe) trocou a milícia cívica pelo realista que compreende os impulsos políticos de pessoas e não
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apenas seus impulsos econômicos; e que, enquanto a antiga de- princípios liberalistas-progressivistas de origem iluminística, para
mocracia em pequenas repúblicas passou por cima do problema não falar em crenças em direitos naturais que partiam de Locke e
da justiça em favor do bem comum, as "sociedades civilizadas" não Paine. No caso americano (o único exemplo maior da imple-
podiam evitar uma grande porção de diversidade e, em conse- mentação republicana na época), um novo elemento conceituai
qüência, tinham de resolver o problema de garantir o bem de cada mostrou-se não menos importante: a preocupação constitucio-
parte — 'Cr, justiça.10 nalista. Tal preocupação ultrapassava a velha idéia polibiana de
Equipa. .ido governo popular com uma ampla república fe- equilíbrio social rcllelido na constituição (com a aristocracia
deral, o The Jrderalisl Papers tentou lidar com a tarefa de equilibrar representada no Senado e o povo nos comícios) e seguiu o conse-
interesses e facções, liberdade e justiça. Como escreveu Madison, lho de Montesquieu de separar e equilibrar os poderes ou ramos da
"aumentando a esfera", "inclui-se uma maior variedade de partes autoridade soberana. O tema constitucional flui de Montesquieu
e interesses", tornando assim menos provável uma usurpação a Madison. Mas no caso de Montesquieu (como no de Locke) o
majoritária dos direitos dos outros. Mas Hamilton e Madison ti- espectro que assombrava a liberdade ainda era o despotismo la-
nham consciência de eme essa solução federal significava despedir-se tente do poder monárquico. Em The Federalisl emergiu a preocu-
do republicanismo clássico. Compreenderam que uma república pação com um novo perigo: o poder majoritário desenfreado. A
grande e heterogênea diminuiria a necessidade de virtude cívica mesma preocupação reapareceu na crítica de Benjamin Constant
enfraquecendo as "facções" no interior de um vasto conjunto na- a Rousseau: não basta transferir o poder — impõe-se também
cional. Além disso, Hamilton contava com uma paixão específica claramente delimitá-lo.
— o amor ao poder e à fama — para atrair os ricos e virtuosos à Delimitar o poder era, é claro, o fundamento lógico do jogo
vida pública, mesmo que numa sociedade comercial a virtude de Locke de confiança e consentimento. E, nestes últimos anos,
pudesse constituir no máximo "apenas um gracioso acessório da parece que assistimos à vingança de Locke das interpretações que
riqueza". Enquanto Jefferson sonhava com a virtude agrária no o deslocaram do cânone dos primórdios do republicanismo ame-
interior de uma autarquia na Arcádia de Rousseau, Hamilton ricano. Assim, como diz Thomas Pangle, a renovação americana
aprofundava a apreensão psicológica do liberalismo e Madison do ideal republicano significava uma obrigação sem precedentes
tratava de inventar uma maquinaria republicana que se adaptava à de assegurar liberdade privada e econômica, num ousado abando-
moral múltipla de uma sociedade comercial. Jefferson permane- no tanto da tradição protestante quanto da tradição clássica. Mas
ceu escravo da democracia local direta, mas os republicanos esse abandono nutria-se na igualação sutil de Locke do Deus bí-
federalistas apegaram-se ao governo representativo. Queriam em- blico com a lei racional da natureza. A busca da felicidade e a pro-
pregar a liberdade política para proteger e fortalecer a autonomia teção da propriedade eram os motivos lockianos que figuravam no
civil largamente. Em outras palavras, preocupavam-se em recorrer centro da visão moral do republicanismo moderno. 1 1
ao conceito "francês" de liberdade como um meio de fomentar a
experiência da liberdade "inglesa".
" Em termos políticos, havia bastante lugar no liberalismo clás-.
sico para elementos da ideologia cívica, como também p a r |
76 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 77

Whigs e radicais: o nascimento responsável — a saber, aquele que se podia chamar a prestar con-
da idéia liberal democrática tas. Em quarto lugar, figurava um apelo iluminista em favor do
progresso e do liberismo (ou uma preferência pelo liberismo justi-
O republicanismo liberal na América dos pais fundadores ampliou ficada pela crença no progresso). A primeira posição whig, o lati-
a idéia lockiana do Estado sob o aspecto de que, diferentemente tudinarismo moral, era estranha ao código de valores dos republi-
de Locke, ele estipulou que todos os postos seriam eletivos. Taijn- canos "cívicos" harringtonianos. Nem foram a segunda e a quarta
bém acenou com um substantivo potencial democrático no inte- dessas posições sustentadas por republicanos cívicos; eram apenas
rior de instituições liberais. Por último na ordem, mas não em im- individualistas pela metade, e basicamente estavam inocentes de
portância, contemplou uma economia liberista. Foi corretamente progressivismo, inclinando-se antes a contemplar a história como
que se percebeu que a federação americana era a forma mais livi uma promessa ominosa de decadência moral e de declínio político.
e
já assumida por um Estado whig c, como lal, a um tempo atraiu e Mas no contexto inglês da Revolução Gloriosa, tão singular no
rcpugnou o conservador Si mel)n Bolívar (1783-1830), o uniíicador conjunto da Europa, a terceira posição whig — a saber, governo
e principal libertador no sul c'Io Hemisfério. responsável — logo tornou-se um princípio partilhado e foi a ban-
Este é um bom ponlo em nossa história para dar unia vista de: deira dos lorins de Holingbroke depois de 1714, exatamente como
olhos no nascimento. crescim<|•nto c transformação do wliiguismo: lóia um programa whig contra a coroa Stuarl.
como o ancestral histórico do liberalismo. Vimos que o partidaris-! Durante a década de 1830, os whigs voltaram ao poder, diri-
mo whig nasceu da afirmação de direitos contra o poder monár- gidos por dois lordes, Grcy c Melbournc. Adotaram a primeira I ,ei
quico ee linha,
quico linha, pelo
pelo menos,
menos, cdois objetivos: liberdade religiosa je da Reforma (Reform /i/7/), em 1832, alargando a franquia em favor
governo constitucional. Depois de lutarem com êxito contra cjs das classes médias superiores. Foi nessa época que se entrou a
Stuarts, os whigs nesse sentido governaram a Inglaterra de Walpole chamar os whigs de "liberais". A despeito da escala modesta da re-
ao mais velho Pitt, ou, em terinos dinásticos, sob os dois primei- forma eleitoral, a mudança de tuhigs para liberais estava vinculada
ros Jorges (1714-1760). Fomentaram o comercialismo e a expar- a uma mudança na direção da democracia, já que as velhas batalhas
são e consolidação do primeiro Império britânico. Impelidos para whigs em favor da liberdade de religião e do governo constitucional
a oposição no longo reinado cie Jorge III, conseguiram retornar haviam sido largamente vencidas. Mas algumas outras conotações
brevemente ao comando em 1806, dirigidos pelo adiantado libe- estão contidas na substituição do rótulo liberal pelo rótulo whig. No
ral Charles James Fox (1749-1806), o grande opositor parlamen- nível da elite política, a liderança liberal escorregou gradualmente
tar do jovem Pitt. j das mãos de aristocratas como Russell e Palmerston, e foi assumi-
Aquela altura já havia um elenco reconhecível cie posições da por um arquiburguês, William Gladstone (1809-1898), que
whigs. Em primeiro lugar, figurava um latitudinarismo moral, uma. provinha realmente do torismo liberista "herético" de Peel. No nível
relutância em aceitar que há uma melhor maneira de viver ou uni ideológico, a mudança do tipo de Palmerston para o tipo de
bem comum suscetível de definição por qualquer monismo ético. Gladstone significava uma mudança de despreocupação do llumi-
Km segundo, figurava o individualismo, com a conseqüente rejeição
nismo (tingida de descrença) pela alta seriedade da virtude
de visões "orgânicas" da sociedade. Em terceiro, havia o governo
vitoriana. O liberalismo tornou-se em grande parte uma espécie de
78 O liberalismo - mitigo e moderno
Liberalismo clássico, 1780-1860 79

evangelismo leigo, cheio de campanhas reformistas empreendidas e a rejeição das leis do milho (1846), ele tinha três principais com-
como causas morais. j
ponentes: whigs como Russell (o primeiro-ministro da Reforma),
O secularismo olímpico dos whigs como pessoas distintas dos ex-tories liberistas como Gladstone, e radicais benthaiuitas. Assim,
liberais e também seu gosto por compromissos elitistas sobrevive- o registro empírico histórico justifica encarai' os utililai islãs como
ram um pouco mais do outro lado do Atlântico. Na América ide membros da grande família liberal.
antes da guerra, havia um partido whig antes que a questão do solo O primeiro golpe ideológico de Bentham foi sua crítica do
livre de escravidão o dissolvesse. Seu principal líder, Henry Clay, grande jurista William Blackstone (1723-1780). As conferências de
encabeçou a oposição ao partido democrático de Andrew Jacksón, Blackstone em Oxford haviam proporcionado uma exposição lúcida
um movimento jacksoniano que representava os direitos dos Esta- e humana da lei consuetudinária. Mas seus pressupostos jusnatu-
dos e o populismo de fronteira. Contudo, exatamente como na ralistas (grotianos) e seu constitucionalismo conservador irritaram
Inglaterra de meados do século os whigs patrícios do Reform Clitb o jovem Bentham (A Fragmenl on Gove.rnmenl, 1776), mergulhado
ingressaram na grande corrente do liberalismo burguês de como estava no reformismo esclarecido de Helvécio e Beccaria.
Gladstone, na década de 1850 os whigs americanos, com seu grito Bentham rejeitou a ênfase de Locke nos direitos naturais, dos quais
de combate ("Liberdade e União", de Daniel Webster), ingressa- zombou como "tolices com base em nada". De Locke, disse ele, a
ram no partido republicano de Lincoln. Ambas as evoluções do lei devia receber os seus princípios, de Helvécio o seu conteúdo.
whiguismo para o liberalismo foram feitas no interior de um hori- Tal conteúdo era uma regra de utilidade, sempre correspondendo
zonte democrático. à razão e logo igualada "à maior felicidade do maior número".
Inicialmente, a proposta democrática não foi obra seja dos Os dons de Bentham ao liberalismo incluem um entusiasmo
whigs seja dos liberais. Além da fórmula americana do federalismo pela administração inteligente e pela reforma judiciária e, mais
republicano, a idéia de democracia representativa tinha pelo me- importante do que isso, uma visão mais ampla das finalidades do
nos três fontes. Uma era a esquerda de Locke, tal como incorpo- Estado, o qual para ele devia promover o bem-estar e a igualdade
rada na teoria de direitos naturais de Tom Paine (1737-1809), o e também fazer vigorarem a liberdade e a segurança. A advocacia
militante de duas revoluções, a americana e a francesa. Criado como que Bentham fez pela democracia foi caracleristicamente anima-
um quaker de Norfolk, Paine acreditava, como Locke, que os ho- da por um espírito rijo. Ele não teve dificuldades em admitir que
mens formam sociedades para assegurar seus direitos naturais, e as maiorias podem estar completamente erradas. A longo prazo,
não para deles se despirem. Outra fonte era a democracia plebis- no entanto, o consentimento geral é o sinal mais seguro de ulili
citaria recomendada por ( loudiircel, o jiliilosii/ihe gii ondini > que dade geral porque a maioria, lendo um interesse natural em sua
morreu vítima do terror jacobino. Em terceiro lugar, a democracia maior felicidade, também tem interesse em descobrir e corrigir
também foi promovida pela escola militarista fundada em Londres erros. Além disso, como o governo democrático frustra "interes-
por Jeremv Bentham (I 7-1S•- 1832). Paine e Bentham são, com fre- ses sinistros", é mais provável que se descubram erros. "
qüência, apelidados de pensadores "radicais", e, na verdade, os O que ocorreu com o individualismo liberal em tudo isso?
utilitaristas passaram a ser conhecidos como "radicais,,filosóficos".. Bentham nunca parou de argumentar que o ônus da prova cabia
Quando o partido liberal britânico se formou depois da Reform Bill aos que desejavam limitar a busca privada da felicidade. Julgou
Liberalismo clássico, 17S0-1S60 Sj
iS2 O liberalismo - antigo e moderno

minosidade absoluta", c pôs a razão de Estado a serviço de um


Os primeiros liberais franceses: de Conslanl a Guizoí
ostensivo nacionalismo autoritário, que funcionava por meio da
Voltemo-nos agora para a sorte do liberalismo fora do mundo educação compulsória até o sentimento de nacionalidade. Nesse
anglo-saxão. Na Alemanha do início do século XIX, existiam pelo processo, também encontrou tempo para fabricar um opúsculo
menos dois ramos principais de pensamento liberal: o republica- anülibcrista, The Closed Commercial State (1800). Assim, a eloqüência
nismo cosmopolita dos panfletos pós-revolucionários de KJant, de Fichte empenhou o nacionalismo alemão numa longa animosi-
notadamente sua Paz perpétua (1795), e o liberalismo Bildung dade contra o liberalismo.
(brevemente examinado rio capítulo 1) do grande humanista Enquanto o liberalismo levava uma vida miserável na Alema-
Wilhelm von Humboldt (embora o ensaio juvenil de Humboldt nha, na França pós-napoleônica a doutrina liberal floresceu até mais
sobre os limites do Estado tenha sido publicado muito mais taide). do que ocorrera do outro lado do canal. De Constant a Guizot e
Mas, na Alemanha, até a devolução de 1848, a filosofia pollica Tocqueville, os liberais de maior prestígio da época foram france-
dominante era hegeliana, e Hegel não era um liberal. Antes ses, como continuaram a ser até o apogeu político de John Mill,
sua
Filosofia do direito (1821) representou uma grande tentativa de in por volta de 1860. Mesmo antes da Restauração, a França já conta-
serir a "sociedade civil" moderna, com seu vigoroso individualismo ra com contribuições liberais originais, à parte do protoliberalismo
burguês, na estrutura de um Estado holista que acomodaria aristocrático de Montesquieu e de sua difundida influência inter-
as
hierarquias tradicionais do ;jmligo regime, Como Nuárez dois sé ' l i - nacional. (Moiilcsqnieti era leitura obrigatória para Madison,
los antes, Hegel tentou cavalgar duas épocas. Sua síntese aceitou Constant, Hegel, Bolívar e Tocqueville, para só falar em alguns.)
inteiramente a obra da Revolução legitimando a sociedade DÚV Tomemos, por exemplo, o caso muito interessante do padre Sieyès
guesa. Contudo, ele se distanciou das conseqüências política]; de (1748-1836). Sieyès foi o principal responsável, no início da revo-
1789, e rejeitou cnfaticameile a idéia do contrato social — o pró- lução, pela elaboração de um novo conceito de legitimidade. Ele
prio ponto essencial do liberalismo e da democracia, de Locke a definiu a autoridade legítima na nova França em termos de sobe-
Rousseau. Sua deificação do Estado não foi de qualquer forma rania nacional. Isso não era nem remotamente igual à "antiga
socialmente reacionária (e, de fato, o pôs em conflito com os con- constituição" — precedente e prescrição (as próprias coisas que
• • i Edmund Burke censuraria a Revolução de ter abandonado) não
servadores prussianos), mas também não era compatível com o significavam mais do que uma longa opressão usurpatória na
conceito liberal de liberdade política. França. A representação foi redirigida contra a hierarquia: o voto
A mais forte alternativa para o hegelianismo — nacionalismo e a elegibilidade foram predicados à propriedade, e não mais ao
germânico, que começou, no esforço de guerra contra Napolèão, status. Inimigo jurado do privilégio, Sieyès misturou a nebulosa
nos discursos apaixonados de Johann Fichte (1762-1814) — cor- vontade geral de Rousseau com alguma coisa bem anli-rousseau-
respondia ainda menos às preocupações liberais. Em 1793, Fichte niana: a representação. Todo podei' para o Terceiro Kslado! Assim,
escreveu elogiando ;i Revolução Francesa e o «•xlreino < onlialua o grande problema cm Rousseau — o poder soberano não dividi-
lismo. Mas, poucos anos mais tarde, ele redefiniu a liberdade como do, mesmo quando transferido do rei ao povo — permanecia
o desenvolvimento do "mais alto" ser de uma pessoa, louvou o intacto. Mas Sieyès era um admirador da liberdade moderna. Ele
Estado ético, atacou a modernidade como a "idade da peca-
84 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 85

colocou brilhantemente Adam Smith contra Rousseau. Se a de- canos. Os liberais amadurecidos são de melhor alvitre. Tocqueville
mocracia direta é um anacronismo, afirmou, deve-se isso a que, relembraria esse laço entre a liberdade e o cristianismo.
numa sociedade civilizada, a divisão do trabalho também se apljica Benjamin Constant, como foi indicado (capítulo 1), populari-
à política. Sendo representado, o povo pode dedicar-se a outra zou a idéia da liberdade moderna como um fenômeno individua-
coisa. A política não é um dever—c uni ofício, uma função confiada lista. Suíço protestante como sua amiga Germaine, ele também
por ninhos a uns poucos governantes. 18 salientou as íontes religiosas da liberdade. Mas seu liberalismo era
O outro grande padrinho do liberalismo francês é uma ma- menos patrício, mais praticamente democrático do que o dela.
drinha, Germaine, Madame de Staél (1766-1817), a cintilante filha Tudo bem considerado, sua teorização rica e pensada marcou dois
do banqueiro suíço Necker, o último, mais inteligente c mais po- pontos decisivos. Primeiro, a vindicação da liberdade moderna, e,
pular dos ministros de Luís XVI. Sua mãe quase casou-se com segundo, a limitação institucional da autoridade. Essa foi sua solu-
Gibbon em Lausannc; ela casou-se com um diplomata sueco, e ção à moda de Montesquieu, sombreada por Sieyès na sua fase
tornou-se depois amante, primeiro, de Benjamin Constant (libe- tardia, do Diretório, para o problema rousseauniano da soberania
ralismo) e depois de August Schlegcl (romantismo). Kxilada por não dividida. Insistamos ainda uma vez nesse ponto. Rousseau,
Napoleão, Mademoiselle de Staèl converteu seu amor filial em advertiu Constant, está certo quanto à fonte, da autoridade, que
uma influente avaliação da Revolução. Suas Considéralions sur Ia é o contrato social como um símbolo de soberania popular. Mas
Révolulion Française (obra póstuma, 1818) contavam uma história esqueceu de limitar a extensão da mesma autoridade; e isso deixou
simples. Houvera uma boa revolução em 1789, que acarretou indeterminado o assunto crucial das relações entre governantes e
igualdade civil e governo constitucional, alinhando por isso a França governados.
com a Inglaterra (Staêl juntou-se assim à ilustre companhia dos Escrevendo após os surtos ditatoriais na Revolução Francesa,
liberais anglófilos franceses que inclui Voltaire, Montesquieu e Constant percebeu, em particular, que o ideal republicano de
Guizot). Adveio então uma revolução má, suja, 1793, que trouxe Rousseau da apropriação coletiva da soberania absoluta, e mesmo
consigo o Terror e um igualitarismo violento. Sua história era muito o próprio governo da lei, tão elogiado desde Montesquieu, podiam
nova porque rompeu ao mesmo tempo com a condenação por por sua vez ser apropriados por minorias tirânicas que governas-
atacado tradicionalista da Revolução e com a defesa da esquerda sem cm nome de todos por causa da justiça; e nessa medida ele
<lo jacobinismo, eslava niepaiado a lonipii nao rio com o i cpulilli aniriiiio, mas
Gomo liberal, Germaine era uma mliig, nao uma democrata. também com o pensamento liberal prévio.
Sua anglofilia política era uma maneira de evitar o republicanismo. Entre Constant, seu grande constitucionalista após Sieyès, e a
E sob o encanto dos românticos alemães (que ela introduziu na ascensão de Tocqueville, o liberalismo francês prosperou entre os
Kuropa num livro notável, !>'' l'Aflr>nrif>;>i<!, em 1800) ela valorizou a assim chamados "doutrinários". Seu líder foi Royer-Gollard (17(53-
religião. Pois a liberdade exige moralidade e a moralidade alimenta- 1845), que, como Constant, encarou a soberania como um perigo
se da fé, embora, é claro, tal fé fosse um princípio protestante e potencial. Orador cativante, Royer-Collarcl era constitucional, mas
não uma intolerância papista. Não espanta que os idéologes, a pro- não devoto do poder parlamentar; para ele, a Câmara, diferen-
gênie de Condorcet, zombassem da religião — pois eram republi- temente da assembléia de Sieyès, não tinha .autoridade sobre os
Liberalismo clássico, 178U-1860 87
86 O liberalismo - antigo e moderno

de pressupostos otimistas quanto à natureza humana. Ele substi-


ministros. Como liberal da Restauração, Royer-Collard julgou a
tuiu a soberania popular por uma mciitocnitica "soberania da ra-
Revolução com menos benevolência do que Constam e do <]ue
zão". A política devia sei deixada ii.-i "capacidades" das elites bur-
Mudnmr de Staél. Ele apreciou a coii(|iiisia da igualdade civil, mas
guesas, enquanto um programa nacional de educação básica ele-
achou ([iie o desaparecimento do antigo regime dissolvera a socie-
varia gradualmente o resto da nação a padrões morais e intelectuais
dade, desbravando o terreno para a centralização administrativa.
dignos da inteira cidadania.
O controle do poder na sociedade atomista amendrontava-o — o
De forma bastante estranha, enquanto em teoria o seu parla-
mesmo fantasma que assombraria Tocqueville.
mentarismo era mais avançado do que os doutrinários da Restau-
Do círculo "doutrinário" proveio o principal ministro de Luís
ração, a prática política de Guizot era bastante reacionária, resul-
Filipe (1830-1848), François Guizot (1787-1874). 21 Protestante e
historiador acadêmico oriundo da burguesia provincial, Guizot tando em linha direta na revolução de 1848. O liberalismo francês
explicou a história ocidental em termos da ascensão da sua pró- nasceu, no salão de Madame de Staèl, como uma ruptura modera-
pria classe. A revolução de 1789 nada mais fizera do que declarar da com o exorcismo reacionário de 1789. Guizot conferiu-lhe um
o seu advento, tal como ocorrera em 1688 na Inglaterra. A civiliza- aspecto demasiado conservador — tão conservador que muito
ção moderna refletia a força de dois impulsos distintos, um nacio- parecia, na prática senão no espírito, com o reacionarismo sob nova
nal e o outro liberal. A construção da nação apontava para a uni- forma. Não foi sem razão que ele tentou fazer surgir uma aristo-
dade, enquanto a luta pela emancipação humana fazia com que a cracia endinheirada como uma nova e legítima classe governante.
liberdade crescesse. Sob sua dieta oligárquica e autoritária, podou-se o liberalismo de
Guizot justificou o absolutismo francês com fundamentos his- seus germes democráticos. Como jovem historiador sob a Res-
tóricos, porque este muito ajudou o impulso nacional. Contudo, tauração, Guizot saudara os efeitos niveladores da ascensão bur-
lamentou que o absolutismo paralisara o impulso liberal cerceando guesa. Mas como estadista, opôs firmemente a liberdade à dinâ-
a Reforma na França. Em 1789, a adoção do princípio da repre- mica da igualdade. No fim, deixou o liberalismo francês muito
sentação nacional prometeu liberalizar o país, mas os jacobinós c atrás de Constant.
Napoleão estragaram tudo. Conseqüentemente, 1789 estabelecera
uma sociedade mas não um Estado. Coube à revolução de 1830 a
tarefa de completar a Grande Revolução, implantando a mohar- O liberalismo analisa a democracia: Tocqueville
quia constitucional e um governo responsável. Mas, como minis-
Outra figura elevada entre os liberais franceses ao lado de Constant,
tro de Luís Filipe, Guizot foi perseguido pela perspectiva de outros
Alexis de Tocqueville (1805-1859), odiava Guizot e tornou a
levantes revolucionários e, portanto, recusou-se teimosamente a
igualdade e a democracia as principais preocupações de sua obra.
ampliar a franquia. Com o (dobro da população da Inglaterra,, a
Tocqueville descreveu-se como "um liberal de nova espécie". E, na
França tinha muito menos eleitores do que esta última depois ida
verdade, cie diferiu significativamente de seus predcccssorcs fran-
Reform, Bill.
ceses. Ele foi, se tanto, tão fervoroso e apaixonado quanto qual-
O calvinista que havia ei n Guizot. levou-o a abandonar a ve|ha
quer deles quando se tratou da vida da liberdade, salientando que
gloriíicação liberal da soberania popular, com seus fundamen os
SS O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1781!-1860 89

"uma nação que nada pede de seu governo além da preservação Além disso, enquanto Royer-Collard preocupava-se com o Estado,
da ordem já está escravizada em seu coração". Além disso, ele Tocqueville focalizou o estado da sociedade e tornou-se o soció-
manteve uma preocupação sincera com a base moral das institui- logo do liberalismo clássico.
ções liberais e especialmente por sua fundamentação religiosa. Se Uma segunda discrepância crucial entre Tocqueville e os li-
Benjamin Constant, protestante, fez da religião uma preocupação berais anteriores ligava-se ao problema do individualismo. Vale a
de toda uma vida, Tocqueville provavelmente ainda foi mais devoto; pena relembrar que a palavra individualismo fez um de seus pri-
seus documentos íntimos mostram que a sua formação jansenista meiros aparecimentos em língua inglesa na tradução, por Henry
moldou sua visão do homem e da moral. Nem foi menos anglófilo, Reeves, cie A democracia na América de Tocqueville (originalmente
em seu amor à autoridade pDarlamentar, do que qualquer dos libe- publicada em duas partes, em 1835 e 1840)."" Em francês, o ter-
rais constitucionais que o pri
_ necederam. I mo surgiu muito mais cedo, nos escritos reacionários de Joseph
Em outros aspectos importantes, no enlanlo, Tocqueville en- de Maistre. A partir de 1825, o termo foi freqüentemente ouvido
trou por um caminho um tanto diferente dos seus antecessores. entre os discípulos de Saint-Simon, fundadores do socialismo
Ele não hesitou, por exemplo, em elogiar o passado feudal. Âõs tecnocrático.
olhos desse nobre íionnandí), a aristocracia nada linha de mal eijn Tocqueville estabeleceu uma distinção entre egoísmo e indivi-
si mesma. E seu desprezo pelas classes médias constituiu um triço dualismo. Egoísmo, disse ele, é uma categoria moral, é um vício.
aristocrático persistente nesse estranho liberal-democrata. A ava- Individualismo é um conceito sociológico, que denota uma falta,
liação nostálgica por Tocqueyille da liberdade feudal fez com quje não de virtude per .se, mas de virtude pública ou cívica. É uma dis-
ele pintasse o antigo regimq não apenas como a condição, mas posição pacífica que separa uma pessoa de seus concidadãos, tro-
como a própria causa da Revolução Francesa. Uma tradição cen- cando a sociedade pelo pequeno grupo da família e de amigos.
tralista despóüca alimentada pelo absolutismo, tendo emasculado Enquanto o egoísmo aflige todos os tempos, o individualismo é uma
a aristocracia, reafirmou-se com osjacobinos e Napoleão, apenas característica da sociedade democrática. Em sua viagem à América,
para novamente engolir a liberdade francesa no Segundo Império. Tocqueville admirou o vigor cívico das reuniões municipais na Nova
Tal foi a tese de seu estudo O antigo regime e. a revolução, de 1856: E Inglaterra. Mas nelas divisou antes um corretivo do que um reflexo
desnecessário dizer que, nessa interpretação, 1789, como 1848, não de democracia. A questão pode ser facilmente resolvida se tiver-
passou de um episódio," a longo prazo, a França sofria de uma pro- mos em mente o significado da palavra democracia em Tocqueville.
pensão crônica para o governo autoritário. A razão para tanto Algumas vezes, ele empregou o termo em seu sentido político
consistia, na opinião de Tocqueville, na atomização da sociedade normal, de um sistema representativo fundado num amplo sufrá-
acarretada pelo centralismo administrativo (o qual cuidou de dis- gio. Mas, com mais freqüência o empregou como um sinônimo para
tinguir da centralização funcional do governo, necessária à unidade sociedade igualitária, coisa com que ele não designava uma socie-
nacional). Como se pode ver, Tocqueville endossou o lamento, caro dade de iguais, mas uma sociedade em que a hierarquia já não era
aos doutrinários, de uma "société en poussière", com a exceção de que a regra do princípio aceito de estrutura social.
situou sua causa não no choque da Revolução, mas num pro- Nesse contexto democrático Tocqueville divisou o individua-
longado crescimento da tirania administrativa sob o absolutismo. lismo como uma patologia social, um autocentralismo difundido,
Liberalismo clássico, 1780-1860 91
90 O liberalismo - antigo e moderno j
í
i

oriundo de uma sociedade igualitária dominada por materialislmo, celebrou o contraste entre o "espírito de conquista" e o "espírito
competição e ressentimento. Em seu O antigo regime eleja encon- de comércio"." J Para Tocqueville, no entanto, é a democracia, não
trou o individualismo na sociedade privilegiada de antes da Revo- o comércio, que adoça as maneiras — mas ao preço de um indivi-
lução. Num capítulo inteiro (livro 2, cap. 8) discorreu sobre a ma- dualismo isolacionista. Tocqueville não aceitou a crença ilummista
neira pela qual os franceses se tinham tornado a um tempo mais na força civilizadora do comércio, mas também não seguiu a
semelhantes e mais isolados, fragmentando a nação em pequenos idealização conservadora (tão proeminente em Burke) da Igreja e
grupos de interesse que tinham inveja uns dos outros que dcsbas- da cavalaria na Idade Média como fatores de refinamento, pilares
taram terreno para o "verdadeiro individualismo" da sociedade idos de um mundo nobre desfigurado pela ascensão do vulgar
democrática moderna. comereialismo.
Não se podia distinguir tal antipatia pelo individualismo seja Tocqueville transformou o estado de espírito antiburguês num
em Constam; ou Gui/.ot. Para eles, o individualismo era uma coisa potente motivo cultural. Toda a sua vida ele deu de ombros dian-
boa, o coração da "liberdade moderna", no sentido de Constam.. te da exaltação liberista do homo oeconomiais professada por eco-
Tocqueville não ignorou de qualquer forma o valor da indepen- nomistas como Say e Bastiat. Como Lamberti sugere, seu gosto pela
dência pessoal, mas suas dúvidas quanto ao crescimento do indivi- independência parecia muito mais com o heroísmo romântico ce-
dualismo em sociedade, democrática — ou seja, moderna — mos- lebrado por seu primo distante Chateaubriand, um monarquista
tram que ele manteve distância com relação à alta estima que os legitimista que se tornou liberal depois de 1830, do que com o elhos
burgueses tinham pela liberdade negativa e por seu modelo de homo burguês de Gui/.ot. O liberalismo de Tocqueville, como o do eco-
oceonomicas. Uma ótima interpretação recente por Jcan-Claude nomista suíço Símonde de Sismondi (1773-1842), era de natureza
Lambertr 3 focaliza a originalidade da abordagem de Tocqueville política, não econômica.
do problema do individualismo. Diferentemente de reacionários Com 36 anos de idade, Tocqueville, famoso pela publicação
como Maistre e Bonald, que censuravam a revolução por ter de- de A democracia na América, ingressou na Academia como o "novo
sencadeado o individualismo, Tocqueville apontou uma fonte social Montesquieu". Como viu Raymond Aron, Tocqueville tirou de Do
para ele o nivelamento das "condições" ou, em sua linguagem, a espirito il/is íris uma perspectiva critica <la interpretação da igualda-
tendência democrática. de. Nas monarquias de Montesquieu, a liberdade eslava atada às
Também por isso, Tocqueville sentiu forte desconfiança pelas distinções entre classes sociais do reino e o sentimento feudal da
classes médias (que haviam sido sagradas para Gui/.ot) pois eram honra. Os despotismos de Montesquieu, por outro lado, eram sis-
as portadoras naturais do individualismo reforçado. A isto se opu- temas dominados pela igualdade no interior da servidão gerai.
nha uma tradição de pensamento que louvava os efeitos civiliza- Tocqueville definiu a democracia pelo impulso para a igualdade, e
dores da ascensão da burguesia. Montesquieu, a própria principal demonstrou que a igualdade não resulta (necessariamente) em li-
referência de Tocqueville, pensou no espírito comercial como um berdade. A democracia gera o individualismo, e individualismo
criador de ordem, paz e moderação ("a domeslicação das paixões", significa aspirações materialistas e falta de virtudes cívicas. No en-
um tema analisado por Hirschman)."' Constant, em sua juventude tender de Lamberti, Tocqueville escreveu o que seria o último ar-
em Edimburgo, sucumbira ao encanto do estadialismo escocês e roubo do humanismo cívico.
92 O liberalismo - antigo e moderno
Liberalismo clássico, I7HO-1H60 93

O q u e mais receava o liberalismo francês mie |>i c < c d r n mas uào um falalisla. Tocqueville r o n d o u m e s m o em q u e a o r d e m
To< que vi lie ei .1 u <lc.s|n ili.smo, a l ii . m u do Es lado, Nisso ( loiiMaiil social correta geraria a liberdade. Na America, pensou, costumes
p o u c o diferia de 1 .ocke, Mou!c.s<|uieu e Jcíícrson. Mas Tocqueville liberais tinham t o r n a d o livres as instituições políticas; na frança,
descobriu u m a nova ameaça à liberdade: o c o n f o r m i s m o de opi- livres instituições p o d i a m criar c o s t u m e s liberais. Isso t a m b é m
nião. O "instinto democrático", u s a n d o o centralismo c o m o ala-
m u i t o se parecia com M o n t c s q u i e u , pois este tinha, c o m o se sabe,
vanca, parecia p r ó x i m o a nivelar espíritos, assim c o m o classes e
p e r g u n t a d o c o m o p o d i a m as leis ajudar a í o r m a r o caráter de u m a
condições. A segunda parte da A democracia na América falou de
nação (Do espírito das leis, livro 19, cap. 27). A causalidade social é
" u m a nova espécie de despotismo": a "tirania da maioria". U m a
u m a via d e m ã o dupla.
d o c e servidão podia d u r a r , sob a tutela bem-intencionada de um
Tocqueville p o u c a atenção dispensou ao industrialismo emer-
Estado paternalista — mas n e m p o r isso deixaria de ter p o r conse-
g e n t e de seu t e m p o . Viajou p a r a Pittisburgh, mas i g n o r o u suas
qüência a privação da liberdade.
usinas de aço (outros visitantes franceses da época, c o m o Michel
Salientando excessivamente os perigos da igualdade, Tocqueville Chevalier, foram m u i t o mais curiosos); consternou-o a vida fabril
p o d e parecer um tanto p r ó x i m o de seu d e t e s t a d o Guizot, o liberal de Manchester, mas seu p e n s a m e n t o n ã o ultrapassou a r e p u g n â n -
autoritário antidemocrático. C o m o observou John Plamenatz, era cia m o r a l . M e s m o suas observações mais perceptivas s o b r e a in-
um tanto falacioso dizer q u e o passado feudal fora mais desigual, dustrialização revelaram-se estranhas à sua principal c o n t e n ç ã o , a
mas lambem mais livre do q u e a sociedade francesa depois da cen- m a r c h a p a r a m a i o r igualdade e a necessidade de escolher e n t r e a
tralização absolutista. Pois se o passado feudal era c e r t a m e n t e me- liberdade e o d e s p o t i s m o b e n i g n o c o m o f o r m a de sociedade de-
nos igual do q u e a sociedade m o d e r n a , n ã o era ele de q u a l q u e r mocrática. Tocqueville c o m p r e e n d e u q u e o industrialismo t e n d e
forma mais livre, a m e n o s q u e se limite a liberdade aos escalões a fortalecer os efeitos n ã o liberais da centralização administrativa,
s u p e r i o r e s da e s t r u t u r a social. í h O q u a n t o Tocqueville se tinha e n f r a q u e c e n d o a posição do o p e r á r i o . Q u a n t o mais avança a divi-
afastado, em sua nostalgia aristocrática, da lealdade à visão ;do são do trabalho, t a n t o mais d e p e n d e n t e ela t o r n a o servo da ma-
Iluminismo exibido p o r liberais franceses anteriores! Constant, em quinaria. (Não estamos longe das teses de alienação de Marx.) A
1805, escreveu t o d o um ensaio sobre a perfectibilidade da h u m a n i - longo prazo, no e n t a n t o , os trabalhadores, n a d a mais do q u e pela
d a d e . Perfectíbilidade, afirmou ele, n ã o era mais do q u e a tendên- p u r a força de seu n ú m e r o , tornar-se-ão c r e s c e n t e m e n t e assertivos
2
cia p a r a a i g u a l d a d e . Estes e r a m p r e c i s a m e n t e valores q u e e inquietos, e p r e s s i o n a r ã o o Estado a apressar o passo do nive-
Tocqueville não partilhava, ou sobre os quais era muito a m b i v a l e n t e l a m e n t o . Estabelecer-se-á uni Leviatã tutelar, fechando um a c o r d o
Por o u t r o lado, Tocqueville era mais otimista q u e Guizot no e n t r e um princípio a m p l a m e n t e formal de soberania p o p u l a r e p
q u e diz respeito ao p o d e r institucional da liberdade. Ele encarava progresso ulterior do centralismo burocrático. C o m o se p o d e ver,
a l e g r e m e n t e antídotos contra o impulso centralista. Daí suas pres- o valor profético desse cenário só p o d e reforçar a teoria democrá-
crições esperançosas de a u t o g o v e r n o local e de associação voh tica no sentido de Tocqueville. Por contraste, outras variáveis fo-
rt-
faria — as duas coisas, j u n t a m e n t e com os efeitos tônicos da r< r a m p o r ele ignoradas.""
li-
gião, q u e ele elogiou c o m o garantias americanas de liberdade .na
A partir de 1840, a obra de Tocqueville afastou-se da d e m o -
democracia social. O "novo liberal", em suma, era um pessimista,
cracia p a r a focalizar cada vez mais a revolução.' 9 P o d e r se-ia dizer
94 O liberalismo - antigo e moderno
Liberalismo clássico, 1780-1860 95

q u e seus sofisticados devaneios sociológicos acabaram partilhando cem sugerir temas pocockianos q u e persistem m u i t o além de seu
a obsessão de Guizot c o m ameaças revolucionárias. Isso é um tan-
p e r í o d o q u e vai de H a r r i n g t o n a Jefferson.
to irônico, p o r q u e o liberalismo francês c o m e ç a r a d e s c a r t a n d o a
d e m o n i z a ç ã o reacionária da Revolução. Sente-se aqui a peculiari-
d a d e do liberalismo clássiéo francês: u m a referência constante à
Revolução, suas origens, sua infindável seqüela. Diferentemente dos
0 santo libertário: John Stuart Mill
liberais ingleses e n t r e Locke e Mill, os franceses n ã o estavam justi- Os textos q u e c o r o a r a m o liberalismo clássico, os de J o h n Stuart
ficando u m a o r d e m social[ mas tateavam cm busca de um;j, jno Mill (1806-1873), manifestam uma influência conspícua de
curso cheio de altos e baixos da política francesa de Waterlpp a Tocqueville. Mill foi um francófilo q u e amava dois aspectos do
Sedan. Os conservadores franceses eram em geral reacionários p e n s a m e n t o francês de q u e ele tristemente sentia falta na Ingla-
cjuc
q u e r i a m extirpar c o m p l e t a m e n t e a obra da Revolução. Os libe,'|ráis, terra — teoria e política progressiva de um tipo radical, C e d o na
p o r otilro lado, queriam p ô r t e r m o à Revolução sem acabar com ...... vida ele n a m o r a v a idéias saint-simonianas ou, m e l h o r dizendo, o
ela — isto é, sem p r e j u d i c a r suas conquistas sociais. Nisso, pelo elhos saint-simoniano. Em sua Autobiography, o clássico do g e n ê r o
m e n o s , Constant, Guizot e Tocqueville c o n c o r d a v a m , mas ainda no século, Mill escreveu de forma c o m o v e n t e a respeito de sua cri-
havia muito d e s a c o r d o q u a n t o aos m é t o d o s de normalizar a liber- s e m e n t a l d e 1826, q u a n d o sofreu u m a d e p r e s s ã o n e r v o s a p o r
I !
passar a duvidar do valor de sua formação arquiintelectualista e
d a d e política no m u n d o da igualdade civil criado pela Revolução
d e s s e c a n t e dirigida c o m zelo p o r seu pai James, um fervoroso
(ou, nas palavras de Tocqueville, p o r ela ratificado). Tocqueville
benthamita.
foi capaz de relacionar alguns "instintos liberais" na evolução de-
mocrática da sociedade m o d e r n a . Mas b a s i c a m e n t e deixou-osi à A busca de s e n t i m e n t o p o r p a r t e de Mill em lugar de p u r a
sombra, e s o b r e t u d o deixou a impressão de q u e c o m o amigo sin- análise levou-o a d e s c o b r i r C o l e r i d g e , Carlyle e Saint-Simon.
cero da liberdade ele estava apenas resignado à democracia c o m o Coleridge, o f u n d a d o r do r o m a n t i s m o inglês, era c o m o tal o pró-
igualdade. p r i o c o n t r á r i o de B e n t h a m . Carlyle, o futuro sábio de Chelsea,
E o p o r t u n o dizer ainda algo antes de nos d e s p e d i r m o s dos li- atacou o m a m o n i s m o , o "elo a r g e n t á r i o " (capitalismo), e a "Era
berais clássicos franceses. A pouca afeição de Guizot pelo laissez-faire M e c â n i c a " (industrialismo). S u a p r o s a flamejante (em Sartor
e a atitude m o r n a de Tocqueville para c o m a sociedade comercial Resartus, 1833, e Pasl and Prcsenl, 1843) h ã o p o u p o u o militarismo
parecem sustentar aqueles q u e afirmam q u e o primeiro liberalis- de Hentham e James Mill; satirizou o "cálculo gerador' de felicida-
mo não (oi uma ideologia da burguesia mercantil e industrial, mas de", a aferição b e n t h a m i t a do prazer e da d o r c o m o um horrível
o i n s t r u m e n t o de u m a aristocracia d e c a d e n t e ou de u m a camada "rebolo de caixa" (em inglês, grinding-mül). O trocadilho n ã o dei-
culta mais interessada na razão e no d e b a t e livre do q u e no lucro, x o u de ter efeito no j o v e m Mill, q u e estava em completa, e m b o r a
m e r c a d o e progresso. A descrição lambertiana de Tocqueville c o m o tardia, rebelião edípica. O saint-simonismõ oferecia-lhe u n i tipo
um h u m a n i s t a cívico tardio c o n c o r d a c o m tal interpretação revi- m u i t o diferente d e progressivismo, c o m u m a mística d o altruísmo
sionista, à qual um e r u d i t o italiano, Ettore C u o m o , devotou t o d o e sacrifício em lugar da fria satisfação objetivada pela ética
um livro." N e n h u m deles cita Pocock, mas ambas as obras pare- utilitária. 3 1
96 U liberalismo - antigo e moderno ' Liberalismo clássico, 1780-1860 97

Mill, tendo esgotado sua veia romântica, entrou na idade (o Ministério da índia), Mill tinha uma experiência e uma visão
madura como o autor de duas obras-primas racionalistas, o System muito diferentes; e como economista ele também salientou o libe-
ofLogic (1843) e os Princípios de economia política (1848), os quais, a rismo, um tema liberal muito ignorado pelos teóricos políticos
despeito de seu agnosticismo, tornaram-se compêndios na ainda franceses (distintamente de teóricos econômicos). Significativa-
clerical Oxbridge. E manteve-se fiel ao individualismo liberal em mente, Mill não alterou em seus Princípios a defesa do laiisez-faire
sua rejeição firme da tecnocracia autoritária recomendada pelo como uma prática geral, nas sete edições da obra, durante a sua
maior dos saint-simonianos, Auguste Com te (1798-1857). Cerca do vida. Quaisquer que fossem as simpatias socialistas sentidas nos seus
início da década de 1850, no entanto, ele se engajou em questões anos maduros, estas nunca implicaram qualquer deslocamento seu
práticas, de que se aproximou com um espírito de liberalismo de para o dirigismo.
esquerda militante. A mudança de sentimentos em Mill decorreu Representative Government é um curioso abandono do breviário
de sua reação entusiástica às revoluções de 1848 — uma sublevação de James Mill para a democracia, o Essay on Government de 1820. O
que apavorou extremamente Comte, mas que Mill esperava que jovem Mill manteve o sufrágio universal, mas nem o valor igual do
tornasse republicana toda a Europa. Também estava muito sob a voto, nem o voto secreto. Para conferir maior peso aos educados
influência de sua mulher, Harriet Taylor, uma devota libertária. A — um propósito elitista —, recorreu a um sistema de votação plural
sua memória está dedicado o mais famoso ensaio de Mill: On que fazia com que os mais bem qualificados pudessem ciar mais
Liberty (1859). de um voto e receber votos de mais de ura distrito eleitoral. Essa
On Liberty deve a Tocqueville seu permanente cuidado com a tentativa de equilibrar a participação c a competência, o acesso
tirania de opinião. Temendo ;i perspectiva da uniformidade democrático e o governo esclarecido,' ^ decorria na realidade de um
"chinesa", Mill chamou a atenção para a necessidade de preservar objetivo liberal que estava muito distante do objetivo de James. Pois
"os antagonismos de opiniões". Em seu lratado mais político, Jantes Mill prescrevia a democracia paia minimi/ar a opressão,
Coii.siilerrttions on Rejire.senttilive (itweinwriil (lH(il), ele defendeu ;i enquanto John Mill a preso evia para maximizara responsabilida-
representação proporcional como sistema eleitoral com o objetivo de/"' Pela mesma razão, John Mill descartou os votos secretos.
de garantir respeito pela diversidade ideológica. Mill também par- Ainda assim, a distância entre a democracia qualificada de John
tilhava com Tocqueville um respeito pela moral cívica e uma fé no Mill e o apelo de seu pai em favor do sufrágio universal muito nos
valor educativo da participação democrática. Mas aqui termina a revela quanto à evolução da inclinação liberal. Como assinalou John
principal concordância entre os dois pensadores liberais clássicos Burrow, nos cautelosos arranjos de Mill em favor do autogoverno
tardios. As respectivas visões do mundo estavam muito longe de representativo protegido contra a tirania majoritária, resta pouco
serem idênticas. Mill endossou tanto o alarme de Tocqueville da aposta utilitarista na racionalidade da humanidade, em última
diante do despotismo social em vez de político quanto o antídoto instância."4 Oficialmente, ele podia falar como um herdeiro fiel do
de Tocqueville, a saber, democracia participatória; mas nada tinha progressivismo do lluminismo e de seus mestres utilitaristas, mas,
cia nostalgia aristocrática do francês, nem de sua inclinação reli- no coração, Mill, como Tocqueville, era um liberal pessimista.
giosa. Filho de um funcionário público que vencera por seus pró- Resenhando o segundo volume de A democracia na América na
prios esforços e ele próprio um burocrata no mesmo departamento Edinburgh Review (1840), Mill objetou que Tocqueville havia
Liberalismo clássico, 17S0-I.SOO W
'AV O liberalismo - antigo e moderno

exagerado o impacto da igualdade e subestimado o dinamismo do esfera abrangente de privacidade são necessárias à cultura da
comércio. Afinal de contas, disse Mill com sarcasmo, o Canadá personalidade. Além disso, ele demonstrou que a liberdade é am-
francês era uma sociedade tão igualitária quanto os Estados Uni- plamente instrumental no fomento do progresso. Seu objetivo,
dos, embora lhe faltasse o empresariado móvel, aquela sede impa- como um liberal militarista, ou seja, como alguém que não argu-
ciente de progresso, que também era tão conspícua na Inglaterra mentava a partir de qualquer posição de "direito natural", consis-
desigualitária. Na aparência, isso parece um cordial regresso ao peã tia em proporcionar à liberdade um lugar central em utilidade,
do Iluminismo ao progresso. Mas Mill já não via a sociedade co- demonstrando seu papel chave na felicidade e na formação do
mercial como uma idade de melhoria. Em seu ensaio "Civilization" caráter. 35 Depois que Mill abandonou o conceito passivo do espí-
(1836), afirmou que seu efeito era um aumento na dependência rito sustentado por Bentham e por seu pai, sua própria idéia de
de cada um da sociedade e um geral "afrouxamento da energia felicidade tornou-se inseparável da atividade, e da atividade de
individual". Não é necessário dizer que tal visão entrópica da his- escolha em particular. 36
tória opunha-se fortemente ao primeiro utilitarismo. A angústia Esse traço alemão de liberalismo autotélico combinou-se com
histórica não era o forte de Bentham. uma preocupação por autonomia (liberdade política) e com um
O pessimismo subjacente de Mill não o impediu de formular gosto pela experiência e pelo experimento. A liberdade era, entre
reivindicações progressistas. Ele propôs a reforma agrária como outras coisas, uma abertura à experiência no sentido de que esta
uma solução para a questão irlandesa, e cooperativas de produto- significava uma disposição a ser crítico, ser livre de preconceito e
res como tuna maneira de democratizai' a propriedade. Escreveu de dogma. O conservadorismo era para Mill, acima de tudo, uma
um opúsculo feminista apaixonado, The Subjeclion ofWomen (1869). má epistemologia, fundada na intuição em vez de o ser na indução,
Desde o dia cm que foi preso na adolescência por distribuir pro- em sabedoria acolhida e crença não examinada em vez de o ser
paganda em favor do controle da natalidade, seu zelo reformista num tipo inquisitivo de espírito. Mill prescreveu ao mesmo tempo
nunca se abateu; e na década de 1860 ele era o deputado progres- experimentação moral e força de caráter, apelando assim para os
sista em Westminster. Assim, o que resulta difere consideravel- dois lados da alma vitoriana, o ascético e o estético, ou, cm termos
mente da síndrome de Tocqueville, já que, a despeito de todo o de Heinrich Heine e Matthew Arnold, o hebraico e o helênico.
seu elitismo, a complexão política de Mill era muito mais adianta- Harmonizando o liberalismo dos Princípios com o indutivismo
da do que a de Tocqueville. E por essa razão que tantos ainda o da Logic, On Liberty tornou-se logo uma Bíblia libertária. Mill en-
julgam, como nunca seria possível julgar Tocqueville, uma ponte trelaçara vários ramos do pensamento liberal. Liberdade política,
intelectual entre o liberalismo, clássico e o socialismo liberal. autonomia negativa, autodesenvolvimento, liberdade como intitu-
On Liberty foi interpretado como um manifesto do individua- lamento, liberdade de opinião, liberdade como autogoverno,
lismo. Proibiu a interferência! do Estado no comportamento quej liberdade como privacidade e independência. O velho apelo pro-
só interessa à própria pessoa, e exaltou a liberdade de "procurar oi testante para a consciência, uma forma secularizada, nele figurava,
seu próprio bem à sua própria!maneira". Mill viu a liberdade como! e o mesmo ocorria com a abordagem iluminística da liberdade
C(iísi\ essencial ao autodesenvólvímenl.o, um lema que tomou (lei como o instrumento de progresso. Na verdade, On Liberty foi ad-
empréstimo a Humboklt. Umaj individualidade desimpedida c uma! tniravelmetite complementado pela obra sobre Hc/iivsrultttiue
100 U liberalismo - antigo e moavruo Liberalismo clássico, 1780-lübU 101

Government, jA que o primeiro foi um protesto contra a tirania de juristas, e seus liberais tendiam a tratar as instituições políticas em
opinião e o segundo uma receita contra a tirania da maioria. função das condições sociais. Também, prestaram uma atenção
Eruditos, no entanto, discutem calorosamente a autenticidade especial à mudança histórica e adotaram geralmente uma perspec-
da mensagem de Mill. Gertrtide Himmelfarb nos Estados Unidos tiva comparatista. 39
e Maurice Cowling na Inglaterra retrataram Mill como um radical A antítese de Siedentop opõe um liberalismo psicológico a um
intermitente, mesmerizado pela insuportável sabichona e preten- liberalismo histórico-sociológico, justificando-se apesar do grande
siosa Harrict Taylor para repudiar seu próprio repúdio juvenil da interesse de Mill pela história francesa (Michelet) ou pela sociolo-
superficialidade utilitarista. í F. A. Hayek e, mais recentemerite, gia política (Tocqueville). Mas, se nos voltarmos para a história
John Gray censuraram Mill por ter separado irrealisticamente |a interna do liberalismo inglês, não se pode negar que o programa
individualidade dos contextos sociais c da (radição cultural. Outrok liberal de Mill, apesar de toda a sua inegável reticência diante da
firmados numa leitura mais cuidadosa do grande ensaio de I8»{j> democracia, ultrapassava amplamente em espírito social e escala
rejeitam essa acusação. Mill pode ter alimentado ideais elitistas moral a fórmula ivhig, pela qual nada mais sentia do que o maior
utópicos, mas em On Liberty ele compensou seus receios de umá. desprezo. Nisso, como em muitas outras coisas, Mill permaneceu
tirania de opinião majoritária com uma insistência explícita na ne- fiel ao impulso progressista do círculo benthamita. Muito respeitado
cessidade do autodesenvolvimento geral e evitando inculcações de por Gladstone, cujo biógrafo, John Morley, era discípulo de Mill,
qualquer espécie.' John Stuart Mill simbolizou a despedida final do liberalismo de seu
Na década de 1860, Mill voltou a dissociar-se da posição çle longo passado patrício.
Comte por causa das tendências "liberticidas" deste. Assim, o
cientificismo de Comte — um sonho de despotismo esclarecido cio
século XIX — serviu para realçar por contraste as intenções do Em direção ao liberalismo social: Mazzini e llerzen
próprio Mill. A Igreja positivista teria significado paternalismo, e
paternalismo era precisamente aquilo que Mill mais queria rejeitar, É apropriado rematar nossa vista de olhos do liberalismo clássi-
em nome da liberdade individual. A crítica de Macaulay — de que co relanceando outras partes da Europa. Cerca de meados do sé-
ele exagerara em sua representação do conformismo em uma culo, duas figuras, ambas emigradas em Londres, destacaram-se
idade de caracteres fortes e uni tanto excêntricos — é muito mais como grandes e influentes paladinos da liberdade. Um era o italia-
adequada. no Giuseppe Mazzini (1805-1872), quase exatamente contempo-
O erudito de Oxford Larry Siedentop estabeleceu uma distin- râneo de Mill. O outro era o russo Alexander Herzen (1812-1870).
ção instrutiva entre os ramos francês e inglês do liberalismo clássi- Mazzini contribuiu com duas coisas para o catecismo liberal:
co sumariados por Tocqueville e Mill. Os ingleses eram principal- nacionalismo e juventude. Em seu tempo de estudante, ele se uniu
mente filósofos do espírito, como os dois Mills, e sua própria à seita dos carbonários, que travava uma luta secreta para unificar
abertura à evolução pacífica da sociedade inglesa fez com que seu a Itália e libertá-la da Áustria. Mas, em 1831, fundou a Jovem Itália,
liberalismo fosse mais pobre em conteúdo sociológico c histórico.. uma organização que rapidamente se difundiu fazendo campanha
Por contraste, a escola francesa era constituída por historiadores e por um Estado republicano unitário em toda a península. Por volta
IUJ. O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 103

do fim da década, Mazzini teve de exilar-se, e em Londres escre- radical, que a burguesia não tinha "grande passado e nenhum fu-
veu ensaios mais tarde coligidos como The Duties o/Man (1860). Seu turo". Era uma classe sem tradição, incapaz, de substituir a econo-
tom moral era claro, e o livro dirigia-se aos trabalhadores, a des- mia política pela honra aristocrática. Quando o socialismo foi mi-
peito da ênfase de Mazzini na luta entre gerações em vez da luta seravelmente derrotado em 1848, ele viu a Europa burguesa como
de classes. uma nova Roma decadente, os socialistas como os primeiros cris-
Porque a seus olhos o liberalismo não significava mais do que tãos perseguidos, e os eslavos como os novos bárbaros. Deses-
um vulgar libcrismo materialista, Mazzini considerava-se um opo- perançado de seu antigo historicismo, Herzen escreveu em From lhe
sitor da escola liberal. Sua visão socioeconômica decorria de Olher Shore que a história não tem finalidade — e tanto melhor para
Sismondi e dos socialistas comunitários na indústria, conduzidos a liberdade individual, que podia dizer bons ventos a levem a
por Robert Owen (1771-1857). E seu democratismo estava tingi- qualquer utopia que exigisse grandes sacrifícios em benefício do
do de social-cristianismo à moda de Charles Kingslcy (1819-1875) futuro.
e Lamcnnais (1782-1854). Em swã History ofEuropean Liheralism, De Tendo perdido toda esperança de uma revolução propria-
Ruggiero censurou-o por esposar um antiindividualismo místico mente dita na Europa, Herzen não se tornou apolítico ou refor-
inteiramente inadequado à Itália atrasada da época.'10 Mas como mista. Tornou-se apenas eslavóíilo (antes de seu exílio ele fora um
social-cristão que era, Mazzini foi intransigente na rejeição do proeminente ocidentalista). Escrevendo a Michelet, Mazzini e
socialismo, que ele julgava iliberal e lambem amoral por causa de Proudhon e ao socialista alemão Georg Herwegh (até que desco-
seu maierialismo. briu que Herwegh e a bela senhora Herzen gostavam demasiado
A Revolução de 1818-18-1'.) — a "Primavera do Povo" — Ior- um do outro), ller/.en difundiu sua concepção, e começo, de um
nou Mazzini um Iriúnviro muna república romana de curla dura- socialismo russo.' Gomo os prévios cslavólilos, ller/.en saudou o
ção. Mas a unificação seria finalmente controlada pelo liberal- fato de que os "bárbaros" russos não haviam sido contagiados pelo
conservador conde Camillo Cavour (1810-1861) em benefício do direito romano e pelo direito de propriedade. A Rússia, prome-
reino piemontês, pondo de lado o generoso republicanismo de teu, nunca seria nem protestante nem burguesa. Ao mesmo tem-
Mazzini e Garibaldi (1807-1882). No liberalismo altamente idea- po, afastou-se da ortodoxia eslavófila, achando que a comuna al-
lista de Mazzini, a causa nacional do Risorgimento era perfeita- deã era uma instituição demasiado tediosa, estúpida e conserva-
mente compatível com um humanitarismo universalista e uma fe- dora, e ousou mesmo celebrar a selvagem modernização de Pedro
deração européia. Mazzini gozava de imenso prestígio, e no apo- o Grande, o jacobino coroado.
geu do vitorianismo ele constituía uma verdadeira consciência do Cerca da década de 1860, Herzen demonstrou uma com-
republicanismo liberal. Nele Gandhi divisou, juntamente com preensão notável da evolução social do Ocidente. Numa série de
Tolstoi, uma de suas inspirações ocidentais. artigos polêmicos dirigidos ao romancista Turgueniev, Ends and
Depois do fracasso da revolução de 1848 veio a Lette.r ofa Beginnings, considerou a era da burguesia, como tinham feito Mill
Russian to Mazzini (1849), de Herzen. Deixando a Rússia para o e Tocqueville, como o reino da mediocridade. Mas salientou que
exílio dois anos antes, Herzen, que estivera sob o encanto d o . a ascensão das classes médias estabilizara o capitalismo e promo-
hegelianismo em seu país, decretara, como hegeliano de esquerda vera o avanço social e material das massas; e foi até prever o
O liberalismo - antigo e moderno
Liberalismo clássico, 1780-1860 105

e m b u r g u e s a m e n t o dos trabalhadores n u m a era d e p r o s p e r i d a d e


difundida. P r e g o u ao czar reformas sem violência. C o n t u d o , no
Os discursos do liberalismo clássico
espectro político russo da época, ele estava definitivamente na ex-
M u i t o depois do a u g e do liberalismo clássico t a r d i o — o flores-
t r e m a esquerda. Q u a n d o foi fundada em 1861, a primeira organi-
c i m e n t o de Tocqueville, Mill, Mazzini e H e r z e n na m e t a d e do
zação revolucionária, T e r r a e Liberdade, t o m o u e m p r e s t a d o seu
século XIX — William Butler Yeats p e r g u n t o u n u m p o e m a cha-
título da a m p l a m e n t e lida revista de H e r z e n , The Bell.
m a d o " O Sábio":
Herzen deixou um testamento político em suas Lelters to an Old
Comra.de (1869). Dirigidas a Bakunin, foram na realidade escritas
O q u e é whiguismo?*
c o m o autocrítica, p r i n c i p a l m e n t e d e suas atitudes d e s a l e n t a d a s
U m a espécie de espírito nivelador, r a n c o r o s o , racional,
depois de 1848. Restabelecendo u m a q u a n t i d a d e razoável de his-
Q u e n u n c a espia pelo olho d e santo,
toricismo, H e r z e n passou a encarar o Estado e a p r o p r i e d a d e c o m o
O u pelo olho d e u m b ê b a d o .
algo historicamente funcional, espécies de degraus p a r a o desen-
volvimento h u m a n o . Ele censurou nas vanguardas revolucionárias
Yeats, é claro, n ã o era liberal, whig ou q u a l q u e r o u t r a coisa; e tal-
a sua tentativa "petrograndista" de i m p o r sua vontade às massas.
vez fosse p o r isso q u e criticou c o m o " w h i g u i s m o " algo q u e era
C o n d e n o u r e d o n d a m e n t e o c o m u n i s m o p o r sua idéia de igualdade
r e a l m e n t e mais p a r e c i d o c o m b e n t h a m i s m o , na o p i n i ã o de seus
de "escravo de galera", e dispensou sua b ê n ç ã o — p a r a a fúria de
opositores. Q u a n t o ao liberalismo clássico de m e a d o s da era vito-
Bakunin — à m o d e r a ç ã o da Primeira Internacional. Herzen, 'não
riana, este tinha c e r t a m e n t e pelo m e n o s dois santos — Mazzini e
s e n d o n e m constitucionalista n e m u m a pessoa versada e m econo-
Mill. E eu gostaria de p r o p o r o nosso hedonista lírico Herzen, c o m o
mia, n u n c a foi um liberal no inteiro sentido ocidental, mas isso não
um b o m c a n d i d a t o p a r a o lugar de " b ê b a d o " do liberalismo. U m a
o impediu de contribuir p o d e r o s a m e n t e p a r a a visão libertária no
coisa, no e n t a n t o , n e n h u m deles n u n c a foi — um whig. O q u e no-
c r e d o liberal. ! j
v a m e n t e apenas mostra q u ã o extenso havia sido o caminho trilhado
Nossos q u a t r o liberais clássicos tardios, apesar de toda a cjife- pelo liberalismo, m e s m o naquela fase.
rença que os separava, partilhavam algumas idéias c o m u n s . O jli-
N u m t o m mais sério, p o d e r í a m o s d o m e s m o m o d o concluir
beral conservador Tocqueville ensinou ao elitista Mill o valor cívico
d a n d o ênfase à diversidade conceituai do liberalismo clássico. O
do a u t o g o v e r n o e os perigos do p o d e r majoritário. Mazzini gosta-
p r i m e i r o liberalismo clássico já conhecia pelo m e n o s Ires lipos fie
va de Mill o bastante para convidá-lo (em vão) a seu lar de emigra-
discurso teórico: teoria dos direitos naturais, republicanismo cívico,
do em Blackheath. E H e r z e n julgava Mazzini digno de receber u m a
e história em fases, c o m o na e c o n o m i a política e na teoria social
de suas principais avaliações da situação pós-1848. O p r ó p r i o a n o
do I l u m i n i s m o escocês. A evolução da d o u t r i n a liberal manifestou
de 1848 e n c o n t r o u todos Os q u a t r o do lado republicano, e m b o r a
um progressivo d e s p r e n d i m e n t o da ideologia cívica, até q u e um
c o m esperanças e atitudes diferentes. Havia u m a longa distância
p r i m e i r o republicanismo a m e r i c a n o , u m jusnaturalismo lockiano
e n t r e o tímido constitucionalismo m o n á r q u i c o e o censo oligár-
mais opiniões favoráveis a estádios (o t e m a da sociedade comercial
quico de Royer-Collard e Guizot — e m b o r a n ã o tão afastados Ida
política dos primeiros militaristas.
(*) Do original whiggery. (N. do T.)
106 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismo clássico, 1780-1860 107

ou civilizada), levou a melhor. Então, por volta de 1800, os bén- E aqui foi Rousseau, muito mais do que os primeiros liberais
thamitas colocaram-se a umai maior distância do discurso cívico e ou protoliberais, quem deu a contribuição decisiva. Dando uma
o liberalismo voltou it Ia lar ijoin a vo/. da utilidade, e nau comi ;|i torção democrática ao discurso conlraiiialisla dos direitos,
voz dos direitos ou da virludc cívica. Rousseau foi o principal antepassado da idéia de que a nação, c
I I não o rei, era a sede em última instância da autoridade política. A
Os primeiros liberais franceses, retomando a perspectiva de questão agora consistia em como conciliar a antiga preocupação
estádios, criaram ainda um npvo modo, a teoria política da socie- liberal em limitar o poder com o novo princípio pós-revolucionário
dade comercial, mais tipicamente em Constant. Quase todos os {li- de legitimidade. Tal foi a tarefa que exercitou os espíritos de
berais clássicos franceses escreveram num idioma histórico, fun- Constant e Guizot, Tocqueville e Mill, e os tornou "liberais clássi-
dando suas afirmações numa lapreensão comparatista, à moda de cos" num sentido moderno.
Montesquieu, das causas subjacentes de mudança macropolítica:,
As análises de Tocqueville foram simplesmente a forma mais sutil
desse modo histórico-sociológico de discurso político. Mill conhe-
cia e admirava essa aliança de liberalismo e história teórica, más
em sua própria obra retornou à abordagem utilitária. I
Por volta de 1870, somavam cinco os discursos do liberalismo,
embora em mais de um caso eles estivessem combinados: direitos
naturais, republicanismo cívico, economia política, história utilitá-
ria e história comparatista. O primeiro tinha raízes medievais e unia
decolagem jusnaturalista do século XVÍI. O modo cívico originou-
se no humanismo renascentista. E os três discursos remanescentes
brotaram do lluininismo, com Montesquieu, Uume e Smith como
suas principais fontes teóricas. Em grandes traços, tal era o perfil
conceituai do liberalismo clássico.
Mas não é suficiente assinalar o enriquecimento do discurso
de teoria política do protoliberalismo ao liberalismo clássico tar-
dio. Subjacente à forma pela qual os primeiros liberais clássicos se
dirigiam à natureza da ordem social e ao significado cia liberdade
no século XIX havia um grande divisor a partir dos dias de Locke,
Montesquieu e Smith. Esse divisor foi causado pelo impacto das
revoluções atlânticas do fim do século XVIII em teoria política.
As revoluções americana e francesa introduziram uni novo princí-
pio de legitimidade, baseado na soberania nacional em vez de o ser
em direitos dinásticos, na teoria liberal.
I
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» 4
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ft Liberalismos conservadores
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(Urnscruadorismo liberal e liberalismo conservador
I
O legado do liberalismo rl;íssiro era uni equilíbrio enlre demorni
ft
lismo e libertai ianisino. As primeiras conquistas do pmlolibera

lismo, tais como o respeito dos direitos e o governo constitucio-
ft nal, foram preservadas. Mas de Madison e Rcnlham a Constant,
ft Tocqueville e Mill, foram efetuados claros progressos no escopo
» social e no alcance moral do credo do liberalismo. Enquanto o
robusto otimismo histórico do lluininismo foi seriamente atenua-
ft
do entre a era dos federalistas e militaristas e a era dos grandes
ft liberais vitorianos, o liberismo foi geralmente sustentado e os libe-
ft rais clássicos foram basicamente fiéis à promessa democrática e ao
ft potencial libertário da idéia liberal. O liberalismo clássico condu-
ziu sua inventiva institucional, sua imaginação conceituai e sua força
ft
analítica num estado de espírito leigo. Mesmo quando os seus teó-
ft ricos, como Constant e Tocqueville, atribuíram grande importância
à religião, seu modo de teorizar já não era ditado por preocupa-
» ções teológicas. Pelo menos nisso, o espírito leigo do Uuminismo
impôs-se muito coerentemente.
ft
O liberalismo clássico não ocupou todo o palco do pensamento
»
liberal. For volta de meados do século XIX, emergiram várias
ft
ft 109
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/10 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 111

rrentes liberais que diferiam consideravelmente das posições pensamento e da teoria, quando aplicados à vida pública, especial-
(' modos de discurso dos liberais clássicos, representados por mente com amplos propósitos inovadores."
Tocqueville e Mill. As novas correntes eram também bastante dis- Como lorde Quinton e muitos predecessores sublinharam, na
tintas dos desenvolvimentos tardios conhecidos como "novo libe- tradição conservadora britânica, o tradicionalismo e o organicismo
ralismo" e caracterizados por seu conteúdo "social". Tais corren- são, ambos, posições flexíveis. As tradições não impedem a mu-
tes, algumas das quais eram contemporâneas do último estágio do dança adaptativa, e o organicismo não exclui a modificação parce-
liberalismo clássico, podem ser reunidas sob um único rótulo ra- lada das instituições e procedimentos. A maioria dos conservado-
cional: liberalismo conservador. res continentais, em contraste, saindo de uma repugnância rábida
Quando o duque de Newcastle pediu-lhe que abandonasse o à Revolução Francesa e seu contágio, tendia a petrificar a tradição
velho rótulo whig, lorde RusselI, o primeiro-ministro da Reform Bill, num edifício intemporal e a ter as instituições na conta de inalte-
replicou que whig tinha a vantagem de dizer em uma única sílaba ráveis. Em sua tentativa de forçar a sociedade européia a recuar
o que liberai conservador diz em sete.' Esta resposta encerra clara- para o Antigo Regime depois de um quarto de século de mudança
mente a distância entre o whiguismo institucional e o <lassicism;o política e social (1789-1815), eles foram vazados numa atitude
liberal em sua forma vitoriana final. O espírito democrático ;e altamente doutrinária e mesmo visionária, dificilmente compatível
republicano do liberalismo clássico desviara o liberalismo do com o prudente ceticismo dos conservadores institucionais.
conservadorismo whig, social e politicamente. Mas qual era a dife- Reacionários continentais como Joseph de Maistre (1753-
rença, caso houvesse, entre o!liberalismo conservador e o consét-. 1821), Louis de Bonald (1754-1840), Friedrich Gentz (1764-1832)
vadorismo liberal? j e Adam Muller (1779-1829) foram grandes admiradores de
O conservadorismo liberal era um produto muito inglês, e Edmund Burke (1729-1797). Burke foi o primeiro crítico proemi-
como tal muito diverso do conservadorismo compacto, reacioná- nente da: Revolução em suas amplamente lidas Reflexões sobre a
rio do continente. Na primeira metade do século XIX, a maioria revolução em França (1790), e é geralmente considerado o pai do
! conservadorismo inglês. Ironicamente, no entanto, pregando uma
dos conservadores continentais ainda resistia ao governo repr<j>|
sentativo, responsável, e à liberdade religiosa, enquanto os conser- restauração sem compromissos da autocracia e da hierarquia, os
vadores britânicos estavam tentando preservar o acordo antiabso- pensadores da Restauração francesa e seus sósias alemães nadaram
lutista de 1688. O conservadorismo britânico, como observa um contra a corrente do próprio princípio burkiano de legitimidade:
destacado intérprete moderno, Anthony Quinton, abrange pelo prescrição, autoridade consagrada pela continuidade.
menos três doutrinas. A primeira é o Iradicionalismo, a crença de que A essência do ataque de Burke contra a Revolução consistia
a sabedoria política é de algunjia forma de natureza histórica e co- em que os revolucionários franceses tinham querido passar a bor-
letiva e reside em instituições que passaram pela provação do terr- racha no passado, em vez de revigorar' os velhos direitos contra o
po. A segunda é o organicismo, a! idéia de que a sociedade é um todo, absolutismo monárquico. O respeito de Burke pela tradição não
e não apenas uma soma de suas partes ou membros, e como tal era sempre reacionário. Recorrendo ao mesmo argumento em
possui um valor definitivamente muito superior ao indivíduo. A. favor dos velhos direitos, ele defendera os insurretos americanos
terceira é o ceticismo político, no sentido de uma desconfiança dó quinze anos antes. Além disso, o seu conservadorismo, exatamente
112 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conscwadnres J JJ

como era politicamente liberal, também era economicamente mo- iilguma mudança não dispõe de meios para conservar-se", uma jóia
derno: ninguém menos do qufe Adam Smith elogiou-o por sua muito citada das Reflexões. Sua defesa da antiga constituição era
perfeita compreensão da economia liberal. Burke era um whig muito mais sofisticada do que os argumentos daqueles que se limi-
institucional da década de 1770, que se (ornara Imy porque na tavam a afirmar um conjunto imutável de normas que, presumi-
década de 1790 os "novos whigs", como ele os apelidava, eram velmente, haviam sido restauradas em 1688.
pessoas como Fox, admiradores^ da Revolução. A perspectiva burkiana de mudança na continuidade foi usa-
É típico da tendência conservadora do espírito de Burke o fato da por um historiador whig, Henry Hallam (1777-1859), em sua
de que ele substituiu uma ênfase histórica na tradição inglesa pela influente Constilulional Hittory of England, que cobriu o período a
ênfase cosmopolita do Iluminismo escocês nos estágios da civili- partir da acessão dos Tudor até a morte de Jorge 11 em 1760.
zação.3 Ele também botou no lugar do desprezo iluminista whig Hallam desenvolveu a tese da antiga constituição contra a popular
pela superstição uma reverência pela religião. Ainda mais, em vez; History of England (1754-1762) de Hume. O pensamento do mais
de ligar o refinamento com a ascensão do comércio, como o fize- importante historiador whig, Thomas Macaulay (1800-1859),
ram os philosophes, Burke foi um dos criadores da reavaliação formou-se contra esse pano de fundo burkiano. Em 1830, Macaulay
romântica da fé e da cavalaria medievais como fatores da civiliza-; divisou brilhantemente a necessidade de opor a resistência Imy à
ção — um tema a que logo seria conferido muito brilho na prosa reforma eleitoral tratando criativamente do mito da antiga consti-
mágica do maior conservador liberal, o visconde François-René de tuição. Aquela altura, os lories estavam apresentando a Revolução
Chateaubriand (1768-1848). Gloriosa (originalmente um movimento antitory) como um arranjo
A inclinação de Burke pela ortodoxia religiosa e pela socie- para todos os tempos. Macaulay empreendeu demonstrar que era
dade orgânica tornou-o um verdadeiro conservador, uma vez que uma solução para o tempo dela e, como tal, apenas uma fase de
isso significava o próprio oposto de dois traços persistentes na sábios ajustes políticos à mudança histórica. Assim, em suas mãos
corrente principal do liberalismo, o latitudinarismo moral e o in- o tema burkiano de mudança na continuidade transformou-se por
dividualismo. Além disso, a nostálgica visão histórica de Burke não sua vez na idéia de uma continuidade de mudança. Contra o apelo
era equilibrada por uma aceitação da democracia. IVIo conlrário, Imy á tradição paia resistir à reforma, Macaulay afirmou uma Int-
colocando uma cunha entre representação e delegação, Burke lo- uição de reforma. Nesta perspectiva, a sabedoria de 1688 proporcio-
grou manter seus modelos parlamentares separados por uma nou (íin precedente para a Refonii llill de lH'í'2,
grande distância de exigências radicais e utilitárias para a demo- A partir de então, os conservadores liberais exprimiram-se
cratização do poder. Isso preservou seu conservadorismo liberal a com freqüência na língua de Burke. O jurista sir Henry Maine
uma grande distância do liberalismo clássico, tanto política como (1822-1888) juntamente com o historiador católico lorde Aclon
conceitualmcnte. (1834-1902) são exemplos. A tarefa que Maine atribuiu a si pró-
Burke reacendeu a chama da "antiga constituição". Não obs- prio consistia em demolir as idéias rousseaunianas sobre o estado
tante, sustentou um conceito antes flexível, adaptável da tradição, da natureza, exibido como fundamento para um contrato social que
abrindo espaço para mudança na continuidade. Provavelmente, o justificava a igualdade universal. Maine era um liberal conservador,
mais famoso de seus epigramas ainda é "Um Estado sem meios de não um conservador, e partilhava a crença de Macaulay no
/ /'/ O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 115

progresso. Isso apareceu em seu célebre conceito de uma evolu- Liberais conservadores evolucionislas:
ção "de slalus a contraio", exposto primeiramente em seu livro de Bagehot e Speneer
1861, Áncient Law. A humanidade, escreveu Maine, evoluíra de um
estado social em que todas as relações eram governadas por slalus Nem todas as desconfianças sobre a democracia eram burkianas.
numa estrutura familiar para uma fase cm que o moderno indivi- As décadas de 1860 e 1870 testemunharam também outra espécie
dualismo prospera sobre a propriedade pessoal. Em Popular de liberalismo conservador: a espécie utilitária. Tal era a posição
Government (1885), Maine deplorou a perspectiva de um retroces- de Walter Bagehot (1826-1877), um banqueiro, economista,
so socialista nesse processo de crescente individualização. Assim, jornalista e teórico político que editou The Economist desde 1861 até
em Maine e noutros, argumentos burkianos serviram ao objetivo morrer. Bagehot vinha de uma família bancária provincial não-
não burkiano de individualismo, erradamente encarado como ronformisla, e foi educado no Uiiiversily Gollcgc bcnlliamita de
ameaçado pela democracia. Londres. Km seu livro The English Conslüvtion (1867), exprimiu
As preocupações de lorde Aelon não eram muito diferentes. receios de que, com a próxima extensão da franquia (que efetiva-
Nobre de genealogia européia, John Dalberg, barão A_c_lon, foi mente se materializou em 1807 e I88'l), ambos os partidos, con-
educado como católico sob a direção do historiador liberal Ignaz servador e liberal, lutariam pelo apoio dos trabalhadores — algo
von Dollinger e, cm última instância, tornou-se professor régio de que Bagehot encarava como um "perigo" para a liberdade.
História em Cambridge. Humanista católico, ele combateu o Como Maine, Bagehot colocou a evolução social contra o
absolutismo papal (que foi declarado "infalível" pela Santa Sé em progresso democrático. Ele dividiu sua lealdade entre inovação e
1870) e condenou o "moderno confessionalisino" juntamente com estabilidade, recorrendo ao darwinismo social paia frear a demo-
o nacionalismo, uma tendência iliberal. Mas, como burkiano, cracia. A estabilidade, disse ele sem rodeios, apoiava-se num; 1
combinou religião, liberdade e tradição. Seu antinacionalismo imensurável estupidez; num conjunto de hábitos formado por
levou-o a sustentar o federalismo; olhou nostalgicamente para a práticas sociais sedimentadas por força do estranho prestígio de
Igreja medieval como o baluarte da liberdade no mundo feudal. instituições, para outros efeitos inúteis, como a monarquia ou os
Mas enquanto para outros historiadores liberais o federalismo era Lordes (as partes "dignificadas" em contraposição às partes "efi-
a própria garantia de uma participação política como a da polis, o cientes" da constituição). Por que motivo, na verdade, perguntou
federalismo de Acton foi idealmente 'dirigido para um propósito ele, deviam "uma viúva isolada e um jovem desempregado" (a sa-
muito diferente; pois devia ser um obstáculo à democracia mediante ber, a rainha Vitória e o príncipe de Gales) atrair tanta atenção?
uma multiplicação whigúc centros de poder.'1 Se o faziam era porque a Inglaterra "não podia ser governada" sem
o efeito estupidificante da coroa. Igualmente, as classes governantes
podiam permanecer no topo mediante astuciosas práticas eleito-
rais, manipulando os aspectos dignificados da ordem política para
conseguir respeito aos poderes em vigor. Em Physics and Polüics
(1872) Bagehot conferiu a esse maquiavelismo cétíco uma torção
darwinista: ele representou o êxito social e nacional como exemplos
11(> O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 117

da "sobrevivência do mais capaz" e apoiou a função social da for- forma maximalista de liberismo. Também era um individualista
ça junto à fraude institucional. extremo e um verdadeiro herdeiro do desprezo benthamita pelo
Essa espécie de liberalismo utilitário conservador de fala fran- privilégio aristocrático e pela hierarquia espiritual. Contudo, hou-
ca tornou-se um tanto maligna na obra do juiz James Fitzjames ve pelo menos duas fases no caminho que Spencer seguiu para
Stephen (1829-1894), irmão mais velho de Leslie Stephen e tio de justificar seu individualismo, seu antiestatismo, e seu liberismo.
Virgínia Woolf. Grande codificador da lei penal, Stephen recebeu O livro do jovem Spencer Social Slalislics (1850) revela uma
uma educação igual à de Mill em Cambridge, embebendo a Logic teoria de direitos naturais extraída de William Godwin (1756-1836),
e os Princípios de economia política de Mill. Mas impacientou-se com autor de PoliticalJustice (1793). Godwin é geralmente tido na conta
o tardio moralismo de Mill e não gostava da sentimentalidade de pai do anarquismo inglês e, como pai de Mary Shelley, avô de
vitoriana, deplorando que o homem estava-se tornando cada: vez Frankenstein; seu ponto de partida foi o proto-anarquismo de
"mais sensível c menos ambicioso". Alguns de seus ohiter rficla\s-Ão Thomas Paine, para quem a sociedade era um bem, mas o governo
boas máximas de áspero individualismo, como "Não é amor que um mal. A doutrina dos direitos naturais foi posta de lado por
desejamos da grande massa da humanidade, mas respeito e justiça". Bentham ("tolices com base em nada"), mas Spencer formulou três
Mas, ai de nós!, ele pendeu demasiado paia o outro lado. Seu ensaio objeções contra o utilitarismo.
! I Em primeiro lugar, Spencer acreditava que o "cálculo da
contra Mill, Liberty, Eqiuililyi Fratmiüy (1873), zombou de tod;is;as proporção da felicidade", a aferição da felicidade geral do maior
três coisas, afirmando que a força, e não a liberdade, governa a número, era uma tarefa impossível. Em segundo lugar, rejeitou
vida social: os homens devem ser coagidos a serem honestos por firmemente o reformismo benthamita, já que significava um con-
castigos legais da espécie mais dura. Stephen criticou Mill por ter junto de mudanças estatais (legais e governamentais). Em terceiro
uma visão demasiado favorável da natureza humana. Mas a repre- lugar, afirmou a preexistência de direitos, em vez de insistir, como
sentação alternativa bestial de Stephen foi menos um aprofunda- fizera Bentham, em que os direitos são criados pela lei. Usando
mento do que uma patologia do liberalismo. Depois de algumas estas pressuposições, o jovem Spencer extraiu de uma "lei de
campanhas apaixonadas em! favor de açoites nas escolas e, é claro liberdade igual" a propriedade privada e o laissez-faire, o sufrágio
a pena de morte, o juiz Stephen (que paradoxalmente era um tanto universal, e um "direito de ignorar o Estado" — no fundo, um
indulgente no tribunal) terminou seus dias num hospital de doentes direito individualista de retirar-se, tonto mais razoável porque, como
mentais — uma glosa apropriada do desequilíbrio que estava trans- disse ele, "na medida em que progride a civilização, os governos
formando o utilitarismo de um estado de espírito libertador decaem".;
estado de espírito punitivo.;'
fim Aos olhos de Spencer, a única função dos governos é a defesa
A posição conservadora liberal de longe mais influente no
dos cidadãos contra agressores, tanto estrangeiros como domésti-
do século foi articulada pelo pai do evolucionismo como Uma
cos. Mas quando examinou a legislação liberal depois de 1860,
ideologia geral, Herbert Spencer (1820-190'?). Spencer nasceu no
Spencer achou que o governo, de qualquer forma, não se tinha
Derby industrial, num lar wesleyano, e seguiu então a engenharia.
confinado a essa função legítima. Patrocinando a promoção do
Tornou-se um colaborador do The Economisl. Toda a sua vida,
bem-estar por meio da legislação industrial e muitas outras medidas
apegou-se tenazmente a uma idéia minimalista do Estado e uma
/ IS O liberalismo - cmtigo e moderno Liberalismos conservadores 119

filantrópicas, os liberais haviam perdido de vista a posição tradi- Assim, quando o darwinismo social prevaleceu completamente
cional do liberalismo contra a coação. A revelação dessa traição sobre sua primitiva teoria de direitos, Spencer alcançou uma espécie
liberal forma o cerne do livjro The Man versus the State, o best-setler de utilitarismo social. Mas esse utilitarismo social resultou, no seu
de Spencer de 1884. ' caso, precisamente no oposto da variedade benthamita: uma des-
Na opinião de Spencer, a ampliação da legislação de bem-est;ar confiança da democracia representativa. No final do século, cm
— "um excesso de legislação", como afirmou num ensaio do (iinal toda parte em que se sentiu a extensa influência de Spencer, o
da década de 1860 — só podia levar ao despotismo. "Emborajá jnão liberismo e o liberalismo foram vistos como coisas contrárias à
tenhamos idéia de coagir os homens para o seu bem espirihlaF', democracia. Dos grandes magnatas como John D. Rockcfellcr c
escreveu ele, "ainda nos julgamos chamados a coagi-los para o, seu Andrew Carnegie aos intelectuais liberais na Europa e nas
bem material." Aborrecido pela aquisição de casas para a munici- Américas, o conceito de evolução, com a sobrevivência dos mais
palidade e pela propriedade estatal de ferrovias, Spencer deplorou aptos, foi citado infinitamente. Muitos outros, de poetas vitoria-
em voz alta a perspectiva de "usurpação pelo Estado" de todas as nos a populistas russos, não obstante, puseram a idéia em dúvida.
indústrias, que, em sua opinião, ameaçava "suspender o processo Um dos pais d» sociologia americana, William (iraham Summcr
de adaptação" e seu resultado, a seleção natural. Além disso, o (\M0-1910), da Universidade de Yale, declarou celebremente que,
crescimento do Estado acarretava burocracia, e a burocracia era a despeito de toda a sua dureza, a lei da sobrevivência do mais apto
para ele algo de intrinsecamente corrupto. Por outro lado, o esta- não era obra do homem e, portanto, não podia ser ab-rogada pelo
tismo do bem-estar também era imoral. A fé moderna no governo homem.
não passava de "uma forma sutil de fetichismo".''
Do lado da razão, por contraste, encontrava-se a evolução,
"a disciplina beneficente embora severa" a que estava sujeita toda
0 liberalismo construtor de nações: Sarmiento e Alberdi
a vida, e que funciona mediante o duro método da sobrevivência
dos mais aptos. Como muitas vezes foi observado, a leoria social O liberalismo conservador — a fuga da democracia — também es-
de Spencer torceu o darwinismo porque afirmou menos que i> tava no espírito de muitos liberais latino americanos da época. Mas
condito evoludonário ocorreu na sociedade como ocorre na natu- também quase podia tornar-se conservadorismo liberal, Essa
reza do que devia funcionar para que a civilização progredisse. opção foi mais conspícua no contraste entre dois argentinos,
Numa história de idéias liberais, no entanto, o importante é que, Domingos Sarmiento (1811-1888) e j u a n Bautista Alberdi (1810-
na medida em que ele aderiu inteiramente ao evolucionismo, 1884). Ambos eram liberais na década de 1840, porque se opuse-
abandonou sua primeira preocupação igualitária com a liberdade ram à longa ditadura do caudilho Juan Manuel de Rosas, que foi
geral e o sufrágio universal. Passou a ser um crítico severo do go- deposto em 1852.
verno majoritário; chamou a crença em maiorias parlamentares de (.) grande livro de Sarmiento Facuvdo, ciailizacao ou barbárie, de
a maior superstição política da época; e declarou que, no futuro, a 1845, igualou a autocracia católica de Rosas com o ruralismo, e a
função do verdadeiro liberalismo seria "impor um limite- ao poder liberdade com a civilização urbana. Faeundo apresentou a situação
do Parlamento". argentina como um drama em atos, com a violência do barbaiis-
Liberalismos conservadores 121
120 O liberalismo - antigo e moderno

retido uma hegemonia oligárquica e que o trabalho estrangeiro não


mo agrário irrompendo numa idade de refinamento e de progresso
adquirira qualquer cidadania. Aceitou então o princípio de um
citadino. Como exilado no Chile, no entanto, Sarmiento estava
sistema patrício dirigido por criollos proeminentes e imigrantes
longe úc apoiai' os liberais locais: em seu jornal, El Progreso, ele
proprietários, até o momento em que a educação central, seu ani-
elogiou o autoritarismo esclarecido do regime de Santiago, funda-
mo civilizador favorito, ampliasse a base social da república.
do por Diego Portales, e salientou a necessidade de um governo
Sarmiento nunca previu que, quando a prosperidade e a instrução
forte e estável. Deixando de lado a tradicional preocupação liberal
alcançassem as crianças filhas de imigrantes, como ocorreu muito
com pesos e contrapesos, Sarmiento admirou a fusão majoritária
cedo no século seguinte, elas ingressariam em política num cená-
<lo executivo c do legislativo no governo de Andrew jackson. I Ima
rio social fortemente diverso da democracia doméstica de que ele
viagem à Europa e o fracasso de 1848 convenceram-no de que a
tanto gostara nos Estados Unidos. Aquela altura, de qualquer for-
democracia não era viável em países muito iletrados.
ma, a maior preocupação de Sarmiento parecia ter-se desviado da
Mas a decepção com a Europa resultou em mais do que isso.
virtude cívica para a manutenção da ordem. O homem que se fez
Depois de 1848, como Herzen, Sarmiento mudou seu modelo po-
partidário de Benjamin Franklin tornara-se um admirador da críti-
lítico. Descobrindo a pobreza urbana e a riqueza rural na Europa
ca denegridora de Taine à Revolução Francesa. O homem que
industrial, Sarmiento suavizou sua dicotomia cidade-campo e em-
sonhava com a democracia terminou um verdadeiro liberal con-
barcou numa descoberta tocquevilliana da América do Norte. Di-
servador, colocando a autoridade tão alto como a liberdade cívica,
ferentemente de Tocqueville, no entanto, Sarmiento achou que os
tão próxima de Bagehot quanto de Tocqueville.
Estados Unidos eram uma democracia (no sentido social) mas não
O outro pai fundador do liberalismo argentino, Alberdi, nun-
uma república — uma vigorosa civilização fundada no mercado e
ca sucumbiu a ilusões democráticas. Criticou a pregação pedagó-
na escola. Sarmiento tornou-se grande amigo do pedagogo da
gica de Sarmiento como simplesmente uma nova forma de domí-
Nova Inglaterra Horace Mann (1796-1859). A única maneira de
nio colonial dos eruditos, a velha tentativa eclesiástica de arrebanhar
superar a barbárie, pensou, consistia em construir a igualdade, pois
o povo sob uma direção moral vinda de cima. Alberdi interpretou
a igualdade não era tanto o fruto como a condição do progresso.
o barbarismo rural como o ressentimento das velhas elites deslo-
A sua receita sociopolítica tornou-se a sociedade domiciliar da
cadas pelo declínio da economia colonial e que recorriam, em de-
fronteira em vez de ser a rede cie cidades históricas. Propriedade
sespero de causa, ao militarismo oligarquia). Acima de tudo, ele
amplamente distribuída, escolas onipresentes, e comunidades
fustigou a adoração livresca de Sarmiento da educação como uma
urbano-rurais deviam proporcionar a coluna dorsal da liberdade
solução nacional. Sarmiento, ironizou Alberdi, queria livrar-se das
e da civilização.
conseqüências da pobreza antes de pôr terrno à própria pobreza.
À moda de Tocqueville, Sarmiento queria injetar virtude cívica
Não era a escolaridade, disse Alberdi, mas uma educação objetiva
na república moderna. Foi por isso que ele cogitou em conceder
nas artes do progresso, a prática quotidiana da vida civilizada, que
franquia a imigrantes — os agentes naturais, a seus olhos, do pro-
salvaria a Argentina do atraso e da desordem.
gresso na civilização dos Pampas argentinos. Mais tarde no século,
depois de seu próprio mandato presidencial, vitorioso mas amar- Como Sarmiento, Alberdi ficou impressionado com a realiza-
go (1868-1874), ele compreendeu que as elites indígenas haviam ção americana. Mas em vez de seguir Tocqueville, ele prestou mais
122 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 123

atenção a Michel Chevalier (1806-1879), o saint-simoniano liberista capitalista: "Só os países ricos são livres, e só os países onde o tra-
que adivinhou e avaliou o futuro industrial dos Estados Unidos. balho é livre são ricos." 10 Bom leitor de Montesquieu e Constant,
Alberdí sentia forte aversão pela retórica liberal. Ridicularizava as Alberdi preferia o comércio à conquista.
revoluções.latino-americanas por seu "caligrafismo", sua atitude Seu liberalismo foi principalmente uma rejeição do Estado
imitativa com relação a idéias e princípios europeus inaplicáveis à patrimonial. O rei da Espanha possuíra toda a terra na América
América do Sul, uma sociedade em que a Independência havia do Norte, antes mesmo que fosse descoberta, mas o solo era res
concebido um casamento desastrado entre o progresso do século nullivs, terra de ninguém, disponível para quem quer que a
e uma herança hispânica atrasada. 8 ocupasse e nela trabalhasse. Alberdi impugnou essa noção "polí-
Como Natalio Botana mostrou inteligentemente, Alberdi es- tica", estatista-patrimonialista da propriedade, de acordo com a qual
tava adaptando Burke à toada da imigração. Segundo ele, a única ser rico consistia em ter uma concessão da coroa ou de seus su-
maneira de deter o caligrafi$mo e erradicar tanto a pobreza como cessores. Queria substituí-la — tanto em mentalidade social como
a violência consistia na iransplanlação das culturas européias acer- em direito — por uma concepção lockiana de propriedade como
tadas para a Argentina. "Governar c povoar", escreveu em seu um direito natural, brotando antes do labor individual do que do
programa para a constituiçãjo pós-Rosas de 1853, as Bases e pontps favor da corte.
de partida para a organização política da República argentina. Dado um A crítica de Alberdi ao patrimonialismo, juntamente com seu
ambiente social e moral apropriado — uma idéia muito montes- conceito de "duas liberdades", figurou numa "palestra" dada por
quieuniana —, a república prosperaria. Diferentemente do apelo uma personagem fictícia, Luz do Dia, em seu romance de 1871
de Sarmiento à virtude cívica, Alberdi não se preocupava comia Peregrinación de Luz dei Dia en América, subintitulado "Viagens e
legitimidade de conteúdo, mas com a legitimidade de ambienta aventuras da verdade no Novo Mundo" — na realidade, uma críti-
que se enxertasse na Argentina o contexto social apropriado, e ca acerba à presidência de Sarmiento. Como se podia esperar de
adviria o progresso. \ uma posição tão "lockiana", Alberdi atribuiu grande valor à socie-
E quanto à liberdade? I lá dois tipos de liberdade, disse Alberdi, dade civil. Com efeito, Botana acerta ao dizer eme a primeira re-
uma externa e outra interna1. A liberdade externa reside na inde- gra da legitimidade alberdiana é que a sociedade civil é mais
pendência nacional. A liberdade interna consiste na independên- importante que o Estado — algo que um homem de mentalidade
cia pessoal e no direito de escolher os próprios governantes. O cívica como Sarmiento não engoliria facilmente. Alberdi queria
grande problema da política pós-colonial da América do Sul é a povoar a Argentina com imigrantes desprovidos de direitos
sua incapacidade de discernir que o bom método para conquistar políticos. Devia ser muito aberta a liberdade civil, pensou, mas al-
e manter a liberdade externa é inepto quando se trata da criação tamente restrita a liberdade política. Em grande medida, Alberdi
de liberdade interna. Esse método, a que recorreram os liberta- foi menos o legislador de 1853 do que o mentor do progresso não
dores, era a espada. Seus herdeiros espirituais, os caudilhos, agiam democrático fin-de-siècle nos Pampas.
como libertadores armados depois de conquistada a independênda, No cerni: da contenda de Alberdi com Sarmiento eslava a
<• o que resultará era falta de liberdade tio interior de suas (i'On- diferença em seus modelos sociopolílicos depois de meados do
leiras. Alberdi recomendou uni método alternativo, a produção século. Como vimos, após 1848 Sarmiento aderiu ao modelo
124 O liberalismo - antigo e moòlemo Liberalismos conservadores 125

americano. Alberdi, em contraste, encontrava-se sob o encanto do muito maior que nos Estados Unidos, os imigrantes não eram co-
Segundo Império francês e de seu progressivismo iliberal. Aceitava nacionais, e não gozavam de franquias políticas. Num país am-
— e mesmo queria — a política autoritária, desde que trouxesse um plamente desprovido da estrutura institucional liberal dos países
ativismo econômico desimpedido. Forçado a escolher entre liber- anglo-saxões, os imigrantes não-cidadãos que encheram o país
dade e progresso, diz Mariano Grondona, Alberdi optaria pelo inquietaram muito a burguesia nativa. A época de reforma liberal,
progresso, pois igualava a primeira com o segundo." É esse o ro- sob os "radicais" de Irigoyen (1916-1930), estendeu as franquias
teiro clássico do conservadorismo liberal, ou, talvez se deva dizer, políticas, mas deixou a massa da classe trabalhadora despida de
do conservadorismo liberista, tentando resistir à maré democrática. representação política — e, portanto, suscetível de mobilização de-
No conjunto, Alberdi emergiu como uma espécie de saint- magógica pela esquerda fascista de Perón.
simoniano burkiano: um elitista constitucional, dotado de uma Por volta do fim da Segunda Guerra Mundial houve uma que-
consciência aguda das raízes da autoridade, e contudo profunda- bra de coragem entre as oligarquias exportadoras. Estas haviam
mente enamorado do progresso econômico na idade da industria- governado não democraticamente desde a Depressão de 1930, e
lização. Pois, como Macaulay e Maine, Alberdi não era um verda- já não as garantia um mercado protegido na Grã-Bretanha. As eli-
deiro conservador: não havia em seu coração amor ao passado, tes locais tornaram-se temerosas da luta de classes. Por outro lado,
nenhum romantismo organicista, nenhuma reverência pela religião na Argentina, o trabalho possuía uma força de união de Jacto,
estabelecida. Político autoritário e social-conservador, Alberdi era mesmo antes de Perón, que nada tinha de semelhante seja no Bra-
inteiramente isento de conservadorismo cultural. Mas, ao pregar sil, seja no México. O cenário resultante incluiu tanto um regresso
o centralismo, Alberdi entregava reféns ao futuro. Pois quando as ao protecionismo durante o governo de Perón (desta feita, con-
massas imigrantes se tornaram letradas (num triunfo tardio da tenção industrial e corporativista da classe trabalhadora) como um
utopia pedagógica de Sarmienlo), a sua demanda de cidadania e poder de veto investido nos sindicatos muito depois da primeira
resistência patrícia deu origem a um conflito de facções de nature- queda do peronismo (1955). Embora incapaz de governar, o ope-
za concentrada -— exatamente aquilo que a estratégia madisoniana
rário era capaz de impedir outras classes de implementar reformas
em prol de uma república federal procurou prevenir.' 2 Infeliz-
econômicas. O meditado estudo de Carlos Waisman Reversal of
mente, a ressunção da grave luta política depois do colapso da
Development in Argentina explica a mecânica dessa estagnação
"ordem conservadora", em 1916, tendeu a reproduzir o conflito
mutilante, que constitui agora o maior desafio da democracia pós-
cruento, faccional — com a exceção de que, desta feita, os antago-
preloriana. 1
nislas eram antes lóiças sociais mais <lo (jii<' regionais. '
Embora fosse radicalmente nao < iciilílico lançar Ioda a culpa
Para compreender este longo processo de decadência política nas portas da ideologia, parece muito óbvio que um número de
num país que era uma das terras prometidas de 1900 e \'.VM), de- opções estratégicas praticadas há um século por um patriciado
vemos voltar-nos para a encruzilhada sarmienliana/alberdiana. liberista mas iliberal condenou de antemão toda a cultura política.
Alberdi queria negar a cidadania a suas futuras massas imigrantes, De uma forma bastante interessante, as instituições liberais têm
sendo estas obrigadas a reter sua nacionalidade (em sua maioria, falhado por muito tempo na Argentina, não porque o Estado é forte
italiana). Na Argentina, país em que a porcentagem estrangeira era (embora o estatismo o tenha sido), mas porque, nas palavras do
Libeialismos conservadores
126 O liberalismo - antigo e moderno

cientista político Guillermo 0'Donnell, as forças sociais têm "colo- espiritualistas e românticas. Em todo o decorrer do reinado de
nizado" a ação do Estado em vez de permitir que funcione um Luís Filipe (1830-1848), Rémusat tentou fazer com que seu ex-
mínimo de contrato social.'" companheiro o "doctrinaire" Guizot liberalizasse a política do "rei
burguês". Mas Calhou, <• aproximou .se de seu ami^o, Adolphe
Thiers (1797-IK77), historiador liberal da Revolução e principal
rival de Guizot. Em 1840, como ministro do gabinete de curta
O segundo liberalismo francês: de Rémusat a Renan
duração de Thiers, ele deu ordens para o aprisionamento do in-
Nesse meio tempo, o liberalismo francês permaneceu profunda- quieto sobrinho de Napoleão, Luís Napoleão, que havia tentado
mente histórico porque foi, antes de mais nada, um diálogo com os encenar um golpe.
fantasmas da Revolução Francesa. Õs liberais franceses sorriam Depois que Thiers, por sua vez, logrou pôr abaixo Luís Filipe
diante de 1789 e rosnavam diante de 1793 — bendiziam a conquis- e Guizot em 1848, Rémusat liderou uma mudança ideológica im-
ta da igualdade civil, mas amaldiçoavam o Terror jacobino, como portante. Pela primeira vez entre os liberais franceses, ele aceitou
um retorno ao despotismo e uma ameaça velada à propriedade. o princípio republicano como uma forma histórica de soberania
Na esteira da Revolução de fevereiro de 1848 e da subseqüente nacional. Afinal de contas, argumentou ele, o governo represen-
guinada para o governo burguês autoritário, a interpretação libe- tativo responsável era o que mais convinha, seja qual fosse a sua
ral de 1789-1794 tornou-se nacional populista nas páginas exube- (preferivelmente) vestimenta monárquica. Assim a república, com
rantes da História da revolução: da queda da Bastilha à festa de federação o seu potencial democrático, tornou-se aceitável à principal corrente
(1847-1853). Opositor do Segundo Império, Michelet (1798-1874) do liberalismo orleanista na França. Isso iniciou um desenvolvi-
lutou em duas frentes em suas obras. O seu populismo colocou-o mento que terminou na dissociação da república do iliberalismo
contra anglófilos como Guizot, que representavam a plutocracia jacobino. Rémusat foi uma figura chave na transição liberal da
orleanista. Mas o seu liberalismo entrou em choque com socialis- monarquia constitucional ao republicanismo liberal.
tas neojacobinos como Louis Blanc (1811-1882), um líder da es- A própria república sucumbiu. O pânico burguês depois das
querda em 1848. A nova onda de ideólogos liberais que atingiram desordens de junho de 1848 condenou o novo regime e abriu ca-
a idade intelectual depois de 1848 não seguiu exatamente o libera- minho para a ditadura imperial. Mas Luís Napoleão estava longe
lismo de esquerda de Michelet, mas tampouco permaneceu sim- de partilhar o credo reacionário. Ele queria muito colocar a glória
plesmente nas posições whiggish da maioria de seus predecessores. bonapartista a serviço da nova fé política — o nacionalismo. Assim,
A evolução pode ser medida por um relance no mais jovem em 1859, decidiu fazer brilhar seu trono arrivista ajudando Cavour
"doctrinaire", Charles de Rémusat (1797-1875). Por volta do fim da (mas não Mazzini) a unificar a Itália, acrescentando nesse proces-
Restauração, uma voz influente no jornal liberal saint-simoniano so Nice e Sabóia à França. Em 1860, ele fez com que Michel
de Pierre Leroux, Le Globe, Rémusat não elogiou nem o Antigo Chevalier assinasse um tratado de livre comércio com a Inglaterra,
Regime nem a Revolução. N^ época, até mesmo Constant parecia- aplacando dessa forma o alarme londrino diante do novo ativismo
lhe demasiado condescendente para com o Iluminismo e, portan- francês no continente. Logo católicos e outros uniram-se à pres-
to, de pouca valia para com ji geração moderna e suas tendências são liberal para tornar o regime parlamentar. Como conseqüência,
128 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 129

a arena política tornou-se ostensivamente mais animada, na últi- O mais sério trabalho historiográfico daqueles anos (além de
ma década do império, com muitas intervenções liberais. O antigo regime de Tocqueville) foi intitulado La Révolution Française,
O astucioso Luís Napoleão compreendeu rapidamente que a que foi publicado por um exilado liberal, Edgard Quinet (1803-
religião era um cimento poderoso para o apoio conservador.1 Era 1875), em 1865. Vítima, como seu amigo Michelet, da repressão
conseqüência, permitiu à Igreja tentar controlar a educação. !Sua imperial, Quinet desafiou a opinião que então prevalecia de que a
arremetida imperialista no jMéxico, que terminou num fiasco' ém história moderna francesa era a marcha triunfante da burguesia.
1867, foi empreendida para agradar aos católicos. Desde o início, Amargurado pela nova onda de autoritarismo sob Napoleão III,
o Segundo Império es tivera sob ataque dos católicos liberais. .O Quinet não queria monarquia libertadora. Era claro, obsei-vou, que
conde Charles de Montalembert (1810-1870), que combatejü o a nobreza perdera os seus direitos, mas o povo não recebera direi-
partido ultramontano, ou papista, tanto no parlamento como na to algum. Pior do que isso, notou ele, o Terceiro Estado francês
prestigiosa Académie Française, salientou que o governo de um Ho- prejudicara a democracia, ao aliar-se com a coroa absolutista, tor-
mem que agisse e pensasse por todo o mundo era uma idéia paga, nando, desde o início, a coroa iliberal. Quinet abalou o mito
incorporada nos césares ron lanos, e obviamente incompatível (f ( j m historiográfico da burguesia e do liberalismo de esquerda pronto
ii liberdade cristã (Das catholw/ues au XlXbne. siède, 1852). Rémus|t, para novas e menos classistas reivindicações, na massa do pensa-
também um académicien, assinalou que o socialismo parecia pros- mento republicano.
perai- não em terras protestantes, mas em países como a I'Yancja, Mas o "segundo liberalismo" francês tornou-se conservador na
onde o Estado fazia valer a ortodoxia católica. Isso eqüivalia: a prosa ética de um dos mais lidos pensadores do século, Ernest
atualizar a tese de Staêl-Conptant, de que a liberdade religiosa era Renan (1823-1892). Também nascido de uma família humilde na
um animo da liberdade ger ü. Rémusat: encerrou sua carreira Bretanha, e educado como um orienlalista, Renan quase tomou
po-
lítica como ministro do Exteijior durante a curta presidência (1871- ordens mas perdeu a fé. Então, tendo tratado Cristo como um
1873) de seu amigo de longa data Thiers, o vencedor selvagem da homem, um guru encantador, em sua Vida de Jesus de 1863, ele foi
Comuna Vermelha de Paris na primavera de 1871. expulso de sua cátedra universitária, para tornar-se um herói dos
A modernização tia fórmula liberal política coube ao perito intelectuais e dos livres-pensadores.
jurídico Edouard Laboulayc (1811-1883), que em seu livrojde Renan é algumas vezes descrito como positivista, mas tudo o
programa de 1863, The Liberal Party, adaptou o liberalismo ao isu- que partilhava com Comte (cujo estilo lhe desagradava) era uma
frágio universal.I(> Laboulayc não era um anglófilo político. Em vez negação do sobrenatural, um culto da ciência, c uma visão da civi-
disso, pertencia à escola americana, aceitando o presidencialismo lização em três fases. Renan considerava Comte um reducionista
num sistema de separação cie poderes e recomendando calorosa- infiel à "infinita variedade da natureza humana" e dolorosamente
mente a descentralização. Reivindicação destinada a um futuro ignaro de história e filologia. Sua graduação ia de uma época de
brilhante na retórica, se não na prática, da Terceira República fé, seguindo por uma de crítica, a uma época final de "síntese",
(1871-1940), a autonomia local seria rapidamente entronizada pela que era a um tempo científica e religiosa. O problema chave de
influente obra — La France Nouvelle (1868) — escrita por um dos Renan consistia em fundamentar a fé, depois de esvaziar a religião
discípulos de Thiers, Lucien Prévost-Paradol (1829-1870). tradicional. Ele variou entre o ceticismo e a nostalgia, sem nada
/ 30 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 131

daquela ardorosa fé secular típica da "religião da humanidade'' de disciplina, nem resulta em aperfeiçoamento moral", e assim não
Gomte. Sua Oração na Acrópole (1876) foi um clássico do humanismo era de admirar que a moral francesa e o moral francês estivessem
vitoriano, exaltando a Grécia antiga como o berço da razão ei da minados. A Alemanha, por contraste, vinha vivendo nobremente
beleza. Mas em O futuro da ciência, escrito em 1848 mas publicado em prol da ciência e da guerra.
42 anos depois, ele descreveu a ciência como uma nova religião Essa confusão foi coroada pelos devaneios de Renan sobre os
do saber que estava tomando o lugar de antigos dogmas no cora- dois tipos de sociedade que ele deparou como prevalecentes na
ção do homem moderno. época. Enquanto a sociedade americana, jovem e desprovida de
Em 1848, Renan simpatizou com os republicanos. Mas a hu- história, fundava-se na liberdade e na propriedade, a Prússia pros-
milhante derrota da França diante da Prússia em 1870 e, ainda mais, perava sobre a ciência e a hierarquia.
a Comuna Vermelha levaram-no a um abatimento. A Comuna foi Na altura do fim da década, Renan, agora um membro da
uma "horrenda paródia do Terror", escreveu ele, visivelmente es- Academia e muito honrado pelos meios anticlericais da Terceira
quecido de que a vivência real fora aquela a que o terror branco República, chegara a um acordo com a democracia. Mas o diálo-
recorrera para dizimar os partidários da Comuna de Paris. Deci- go de 1878 que marcou a sua reconciliação morna, "Calibã",
diu então trocar a depressão pela investigação e identificou as raízes mostrou que ele ainda via o povo como a populaça e esta como
da decadência francesa. O que resultou foi um livro curto, Reforme um monstro, de uma maneira que não. diferia muito da visão
intellectuelle et morale (1871), amplamente lido como um evangelho elitista da psicologia coletiva elaborada por Gustave Le Bon (1841-
da regeneração nacional. 1931) — que era uma tentativa racista de destruir "o mito demo-
Renan distinguiu duas principais causas de declínio: demo- crático". A diferença consistia em que agora Renan acreditava que
cracia e materialismo. A França sucumbira porque estava tornando- as massas poderiam ser "domadas", o que fazia com que o futuro
se egoísta e cética, exatamente como Roma caíra nas mãos dos pertencesse à República e não à Revolução. Portanto, a limitação
bárbaros por falta de alguma coisa que os romanos amassem. O do sufrágio que ele aconselhara explicitamente na Reforme intellec-
país navegava para a mediocridade. Renan tinha duas críticas à de- tuelle et morale podia ser atenuada. Sua famosa conferência "O que
mocracia. Primeiro, denunciou sua genealogia revolucionária como é uma nação?", feita em 1882 na Sorbonne, lambem se distanciou
um direito "abstrato", desprovido de história; como os reacionários, do racismo quase histérico da Reforme. Recusando-se a aceitar o
queria pôr termo, de uma vez por todas, ao "fclichismo de 1789". conceito germânico da nação como uma comunidade racial,
Sua segunda linha de ataque consistia numa crítica moral da tradi- Renan — mesmo sem endossar a idéia rousseauiiiana de nação
ção revolucionário-deniocrática usando o vezo racial que era tão como uma unidade política fundada na vontade geral — definiu-a
comum na época. Insistindo no substrato celta do sangue francês, como "um plebiscito de todos os dias", um prolongado exemplo
afirmou que a raça gaulesa — diferentemente da alemã — detesta de consenso tácito.
hierarquia. O gosto germânico pela conquista e sentimento de Entrementes, a democracia ainda o deixava frio. Renan pre-
propriedade estava sendo substituído a oeste do Reno pelas forças faciou seu livro Nouvelles études d'histoire réligieuse (1884) reconhe-
niveladoras do socialismo (que brotavam do egoísmo) e da de- cendo que o progresso da educação básica minava a superstição e
mocracia (oriundas da inveja). A democracia, no entanto, "nem fomentava a ascensão de uma mentalidade científica — e ainda assim
Liberalismos conservadores 133
/ J2 O liberalismo - anlitro e moderno

não creditou isso aos esforços democráticos d;i Teueira República, Embora o termo lenha sido cunhado (por KarI Welrker) em
um regime de prolessoies de escola se jamais houve algum. " No INI'1, a idéia de lu-c/itwlmil pei lence a época de Kanl. Denota pelo
conjunto, a imagem de Renan pernumeceu prisioneira da separa- menos quatro coisas: um arranjo constitucional capaz de garantir
ção implausível que praticou entre liberalismo e democracia, num segurança e que dota o sistema legal de regularidade; a sacralização
momento em que muitos liberais franceses estavam prontos a dos direitos públicos subjetivos na lei positiva; uma despersonali-
acolheu' uma visão ampliada da liberdade política. Sendo possivel- zação da lei, suplantando a velha identificação da lei com o gover-
mente o maior artista da prosa não liccional francesa desde nante, pelo reconhecimento do direito como uma norma eme
Chateaubriand, o legado ideológico de Renan foi tão retrógrado obrigava tanto o governante como o governado; a participação do
para o liberalismo quanto a política de Gui/ot. Felizmente, o libe- cidadão, por indireta que fosse, no processo legislativo. 20 O
ralismo francês no último quartel do século contornou ou igno- Rechlsslaal assim concebido implicava dois princípios liberais
rou largamente suas obsessões. básicos: direitos individuais e constitucionalismo no sentido do
governo da lei.
A ascensão do conceito de um "Estado de direito" foi uma
reação contra a idéia do Polizeislaat, o "Estado de polícia" (no sen-
Semiliberalismo: do Rechtsstaat alemão a Max Weber
tido clássico de "polícia", isto é, civilizado, polido).* O Polizeistaat
Já foram mencionados dois conceitos do liberalismo alemão. Um era o "Estado moral" do absolutismo esclarecido ou da monarquia
constitucional hegeliana, sendo ambos Estados devotados explici-
consiste na idéia de Humboldt dos "limites do Estado", oriundo
tamente à felicidade dos súditos. O primeiro pensamento liberal
da noção não-intervencionista do Estado como um "vigia noturno"
opôs-se fortemente a essa visão paternalista. Constant formulou
(Nachlwãchlerstaat). O outro reside na liberdade como autotelia
uma exigência famosa de que o Estado se limitasse a garantir a
individual, ou autodeterminação — um conceito kantiano que
ordem e a segurança, enquanto a responsabilidade pela felicidade
Humboldt fundiu no humanismo de Weimar na forma da idéia de
pessoal em uma sociedade livre caberia aos cidadãos ("nous nous
Bildung, o princípio de cultura pessoal. A filosofia política dos
chargerons d'être heureux").~l Havia um parentesco claro, portanto,
grandes pós-kantianos, notadamente Fichte e Hegel, afastou-se do
entre o "Estado de direito" e o Estado vigia noturno do primeiro
liberalismo, o que faz com que tenhamos de regressar a Kant para
liberalismo em ambas as margens do Reno.
apreender as sementes do pensamento liberal alemão, por volta
de meados do século XIX. O pai da teoria do Rechlsslaal foi Robert von Mohl (1799-
O conceito chave consiste aqui no Rechlsslaal, o "Estado àz 1875), um jurista de Heidelberg muito ativo em política liberal. (Ele
direito",' 9 uma alternativa germânica para o governo do direito. foi ministro da Justiça durante o breve governo do Parlamento de
Pois exatamente como os liberais ingleses haviam sido principal- Frankfurt na Revolução de 1848.) Mohl dividiu o direito estatal em
mente economistas e filósofos morais (como Smith, Mill e Bagehot), dois ramos^ o constitucional e o administrativo, abrindo lugar dessa
forma para o conceito de um "Estado legal" fundado em direitos.
e os liberais franceses em sua rnaioria historiadores (como Guizot
e Tocqueville), os publicistas alemães de tendências liberais eranj
principalmente juristas. (*) A palavra:figura, nesse seniiclo, no dicionário de Laudelino Freire. (N. do 'I'.)
/ >'-/ O liberalismo ~ antigo e moderno Lwaulismos cumeivadures lít>

Em 1859, afirmou que "o indivíduo é tão pouco absorvido pelo de de Direito de Berlim, é um exemplo. Em seu tratado clássico,
conjunto como o ser humano pelo cidadão"."" Mohl não estava Der Rechtsstaat (1872), ele censurou o sistema parlamentar francês
inteiramente satisfeito com o individualismo de Kant, porque,iem por implicar um triunfo da política em detrimento da consciência
sua opinião, o grande filósofo diminuíra a dimensão política dos legal. A França, afirmou Gneist, submetera o executivo á assem-
direitos individuais. j \ bléia nacional, e o submetido, por sua vez, tratava despolicamente
i
O liberalismo do conceito de Rechtsstaat foi criticado por a cidadania; assim, de forma paradoxal, o povo soberano vivia sob
Friedrich Julius Stahl (1802-4-18G1), teórico conservador que ensi- um governo arbitrário."'1 Gneist lutou em duas frentes: à sua direi-
nava em Berlim. Também Stahl favorecia o governo constitucio- ta, contra o conservadorismo de Stahl, e, à sua esquerda, contra o
nal, mas asseverou que, por meio da lei, competia ao Estado io liberalismo ocidental. Exaltou as reformas de Bismarck como uma
direito de determinar e garantir o escopo e os limites da açáo terceira via entre os privilégios feudais dosJunkers e o governo lo-
governamental, assim como os da esfera da liberdade de seus cal eletivo segundo o modelo ocidental. A defesa feita por Gneist
cidadãos — nessa ordem. Isso só podia significar uni ataque no do sistema germânico, desprovido de poder parlamentar mas com
Rechtsstaat liberal, um ataque cujo significado político tornou-se tribunais executivos, foi retomada por um erudito mais jovem,
demasiado claro quando Stahl, em sua anti-hegeliana Filosofia do Heinrich von Treitschke (1834-1896). Treitschke definiu liberdade
direito, de 1846, deu-se ao trabalho de dissociar o "Estado de direito" como autonomia no interior do Estado, não exterior a ele, descar-
do "Estado popular de Rousseau e Robespierre", uma "aberraçacj>" tando enfaticamente o conceito de vigia noturno.
em que o povo pensa que seus padrões não são "limitados por Em todo o seu desenvolvimento havia uma baixa conspícua: a
qualquer barreira legal". autonomia dos direitos individuais. A mais forte escola legal na se-
O objetivo dos liberais alemães sulistas Karl von Rotteck (1775— gunda metade do século XIX, a positivista legal, ergueu-se em ple-
1840) e Karl Welcker (1790-1869) consistia em fortalecer o esco- no declínio do conceito de cidadão. Figura dirigente do positivis-
po da liberdade política no interior do "Estado de direito". Seu mo legal guilhermino, Paul Laband, de Estrasburgo (1838-1918),.
Dicionário político (1834-1848), conjuntamente editado, tornou-se simplesmente negou a existência de direitos públicos subjetivos —
o mais prestigioso corpo do liberalismo alemão. Rotteck e Welcker a noção mesma que motivara a criação do princípio do Rechtsstaat.
eram liberais constitucionalistas e ambos perderam suas cátedras O maior nome na teoria guilhermina do Estado, Georg Jellinek
em Heidelberg porque exigiram governo representativo moderno. (1852-1911), de Heidelberg, fez distinção entre duas espécies de
O conservadorismo alemão autoritário era tão forte que, o mais direitos pessoais. Há direitos que têm a natureza de um licere (do
das vezes, os liberais sulistas, que sustentavam opiniões antiprus- latim para "ser lícito") e há direitos que eqüivalem a um posse ("ser
sianas, como as de Mohl, tinham de lutar contra medidas reacio- capaz de, ter o poder"). Os primeiros são direitos privados, en-
nárias em vez de propor reformas liberais abrangentes. quanto os últimos são direitos públicos inerentes ao status do in-
Com a ascensão do Segundo Reich, dominado pelos prussia- divíduo. Diferentemente de licere, que permanece inteiramente ao
nos, o liberalismo alemão passou a ser distinguido com dificulda- arbítrio da pessoa, os direitos posse são ao mesmo tempo direitos e
de do conservadorismo liberal ou não tão liberal. Aquele que mais deveres — e a afirmação de tais direitos não implica um reconheci-
desafiava Stahl, Rudolfvon Gneist (1816-1895), reitor da Facukla- mento, à moda do direito natural, da individualidade absoluta.
/ 36 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 137

Nesse p o n t o , o fantasma de Hegel prevaleceu o b v i a m e n t e s o b r e a era u m a f o r m a b r a n d a do Kulturpessimümus. A m o d e r n i d a d e era o


s o m b r a de Kant e Locke. O liberalismo j u r í d i c o alemão, impreg- r e i n o da racionalização — o c r e s c i m e n t o c o n t í n u o , difundido de
n a d o de m u i t a reticência diante do individualismo, revelou-se no racionalidade i n s t r u m e n t a l (a a d a p t a ç ã o ideal "dos fins aos meios"
m á x i m o u m semiliberalismo. e m ação social), e m contraste com c o m p o r t a m e n t o g o v e r n a d o p o r
Na época pós-bismarckiana (1890-1918), u m a nova geração de valores absolutos, tradição, ou s e n t i m e n t o . Aos olhos de W e b e r , a
liberais e n t r o u a questionar o statu quo político. Em t e r m o s de in- m o d e r n i d a d e t a m b é m significava um crescimento de racionalidade
fluência m u n d i a l p ó s t u m a , n e n h u m deles ultrapassou o sociólogo formal, um n ú m e r o crescente de n o r m a s cuja aplicação exige perí-
( d i p l o m a d o c o m o historiador j u r í d i c o ) Max W e b e r (1864-1920), cias específicas. Essa espécie de perícia em n o r m a s era, tanto q u a n t o
q u e se t o r n o u a estrela mais brilhante no f i r m a m e n t o acadêmico a eficiência, a alma do vasto processo social de hurocralização. W e b e r
de H e i d e l b e r g depois da virada do século. Um dos primeiros gol- alimentava graves desconfianças q u a n t o à m a r c h a da racionaliza-
pes de W e b e r na luta política foi um estudo da inépcia e c o n ô m i c a ção p o r q u e ela p o d e r i a firmar um d o m í n i o dos meios sobre os fins,
c política da classe úosjunkers, a leste do Elba. Sua crítica da men- e n q u a n t o a burocracia poderia I rançar a sociedade m o d e r n a n u m a
1 a!idade "feudal" Jiuiher c do slatus nligánpiicn ronl inlui uma opção "gaiola de feiro" de* sei vidao.
tanto para o capitalismo q u a n t o para o liberalismo. De m o d o mais Contra essa perspectiva gelada, Weber discerniu dois antídotos;
amplo, Webertlcsaliou a csliittura auloiitái ia do Reicli guílhei mino vocação (um talento) e carisma. Robert Edcn, n u m e x a m e m u i t o
a partir de unia posição nacional-libcral avançada. N u m a aula lúcido do p e n s a m e n t o político de Weber, acredita q u e sua ênfase
m a g n a p r o n u n c i a d a em Ereiburg em 1895, ele c e n s u r o u todas as n o "talento" era u m a resposta a o individualismo d e m o n í a c o d e
classes sociais p o r sua i m a t u r i d a d e política, no q u e diz respeito a Nietzsche. 2 '' O conceito de vocação era, é claro, u m a velha idéia
p r o m o v e r os interesses da A l e m a n h a c o m o u m a potência. N u m a luterana, mas W e b e r conferiu-lhe novo e n c a n t o usando-a p a r a es-
série de artigos q u e escreveu na é p o c a da g u e r r a , Parlamento e boçar u m a dialética e n t r e a individualidade e a ascensão do profis-
/'•(ineriio (1917), advogou MIM regime parlamentar c o m o um meio sionalismo em nosso [empo. Isso l a m b e m o habilitou a reconsti-
de selecionar a verdadeira liderança, e sugeriu q u e o g o v e r n o tuir o ethos ascético da idade heróica da burguesia, tão b e m retra-
autocrático de Bismarck e sua estrutura institucional haviam pri- tado em sua o b r a mais conhecida, A ética protestante e o espirito do
vado a Alemanha de uma boa educação política. Diferentemente capitalismo (190 / l).
de Tocqueville e Mill, W e b e r foi m u i t o um "liberal do poder", sus- Em seus escritos políticos tardios, " t a l e n t o " e carisma são
t e n t a n d o o u s a d a m e n t e o governo, o d o m í n i o da elite, e a hege- misturados, c o m o na clara advertência de "Política c o m o vocação",
m o n i a nacional. publicado em 1919: "há apenas a opção: democracia com liderança
E m b o r a W e b e r não ignorasse- o fato de que m e s m o os líderes (/''ii/irenlemohralie) com a 'máquina' (partidária), ou democracia sem
mais criativos necessitam de apoio social e têm de trabalhai' n u m liderança — ou seja, o d o m í n i o dos 'políticos profissionais' sem
contexto de classes, um e l e m e n t o nietzschiano em seu p e n s a m e n t o u m a vocação, sem as qualidades carismáticas internas que s o m e n t e
fez c o m q u e ele encarasse a liderança c o m o um a r r i m o p a r a hie- elas constituem um líder." A única m a n e i r a de evitar "o d o m í n i o
rarquizar m o d o s de vida. Para ele, c o m o p a r a Nietzsche, a criação burocrático descontrolado" era u m a política do carisma, mais b e m
de valores implicava hierarquia e d o m i n a ç ã o . Sua visão histórica exemplificada p o r líderes c o m o Gladstone e Lloyd George. Weber
/ ><S' O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 139

ansiava p o r cesarismo eletivo, liderança plebiscitaria; e no d e b a t e fiel à sua p r e o c u p a ç ã o c o m o c o n t r o l e do p o d e r , ele tem de per-
constitucional no começo da República de W e i m a r ele prescreveu m a n e c e r a t e n t o ao p o n t o de vista d a q u e l e q u e está p o r baixo. Só
u m a presidência forte q u e brotasse do sufrágio universal. isso, com efeito, classifica o liberalismo de liderança de W e b e r c o m o
O liberalismo de W e b e r n ã o continha q u a l q u e r teoria de di- um liberalismo conservador. E n q u a n t o o seu individualismo e o
reitos naturais e n e n h u m a m o r pela democracia. W e b e r rejeitou o seu dissabor p e l o Estado g u i l h e r m i n o salvaram-no do semilibera-
socialismo p o r q u e , i n d e p e n d e n t e m e n t e da revolução (a qual, no lismo dos juristas Staatslehre, inclusive de seu colega de H e i d e l b e r g

caso dos social-democratas alemães, ele p e r c e b e u q u e era mais re- Jellinek, a sua falta fundamental de instintos democráticos colocou-

tórica do q u e ameaça), o socialismo e n g e n d r a r i a um planejamen- o atrás da sabedoria, e n ã o a p e n a s das esperanças, dos clássicos da
liberdade.
to social a m p l o e, p o r t a n t o , mais burocracia, p o r mais q u e fossem
d e m o c r á t i c a s as suas i n t e n ç õ e s . A p r ó p r i a d e m o c r a c i a , em sua
opinião, n ã o acarretaria qualquer verdadeira distribuição de p o d e r ,
apenas um declínio de chefes locais e u m a ascensão do líder ple- Croce e Ortega
biscitário, devido à e m e r g ê n c i a de g r a n d e s m á q u i n a s partidárias
p a r a enfrentar o sufrágio em massa. 2 '' I m p r e s s i o n o u W e b e r a de- E m sua sociologia histórica c o m o u m t o d o , pode-se dizer q u e
m o n s t r a ç ã o p o r Moisei Ostrogorski e R o b e r t Michels (seu a l u n o W e b e r foi o h o m e m q u e celebrou a paz e n t r e o historicismo ale-
em Heidelberg) do papel r e p r e s e n t a d o pelas oligarquias partidárias m ã o , c o m sua paixão pelo significado singular dos f e n ô m e n o s so-
em g r a n d e s d e m o c r a c i a s m o d e r n a s , c o m o a G r ã - B r e t a n h a e os ciais e culturais, e o positivismo c o m o u m a busca de explicação
Estados Unidos. Essa c o m p r e e n s ã o levou-o a encarar com m e n o s causai em ciência social. Era b e m diferente a atitude do principal
e n t u s i a s m o o P a r l a m e n t o c o m o u m seletor d e líderes, e m b o r a c o n t e m p o r â n e o de W e b e r na Itália, o filósofo e h i s t o r i a d o r
p e r m a n e c e s s e convicto do papel da C â m a r a no controle da admi- B e n e d e t t o C r o c e (1866-1952), p a r a c o m a tradição positivista. De
nistração e na p r o t e ç ã o dos direitos civis. forma bastante estranha, o italiano meridional Croce estava muito
W e b e r p o d i a ser u m analista m u i t o a r g u t o d e conjunturas po- mais p r ó x i m o d o d e s p r e z o c o r r e n t e pela explicação causai n o
líticas e de estruturas sociopolíticas, c o m o se vê em seus comentá- Historimus do q u e o prussiano W e b e r . T o d o o historicismo p e n d i a
rios sobre ;i Revolução Russa de lí)().r>, na sua eoneeituali/.açãc > d o para a i n t e r p r e t a ç ã o e e f e t i v a m e n t e desenvolveu a c o n c e p ç ã o
Estado, e na sua a b o r d a g e m pioneira do palrimonialismo em sua dualista do conhecimento, segundo a qual a lógica das humanidades
magrmtn opus, Economia c soí;ii'dada. Mas seu lugar na história do li- é essencialmente alheia à p r o c u r a de realidades q u e caracteriza a
beralismo é um tanto prejudicado pela ausência, tanto em seu kS pS~ ciência natural. Vindo de u m a escola de p e n s a m e n t o a b e r t a m e n t e
critos sociológicos q u a n t o políticos, de q u a l q u e r perspectiva caie neo-idealista, os hegelianos do sul da Itália, Croce estava orgulho-
ligue a legitimidade dos regimes e dos governantes à condição real samente m e r g u l h a d o em antipositivismo e, nessa condição, deu seu
dos governados. S e m p r e ansioso q u a n t o à liberdade do h o m e m cul- p r i m e i r o passo fazendo saltar as versões mais d e t e r m i n a n t e s do

tural, W e b e r parece ter muíitas vezes i g n o r a d o o alcance c o n c r e t o marxismo (em Malcrialismo histórico e a economia de Karl Marx, 1900).

da liberdade social." Ele n;"Lfio p r o p o r c i o n o u , em poucas palavras O positivismo, p a r a Croce, era p a r t e de um q u a d r o mais am-
q u a l q u e r visão de baixo p a r a cima. Mas se o liberalismo deve Ser plo d e e r r o intelectual, r e m o n t a n d o a o p e n s a m e n t o jusnaturalista
140 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos coiiservadores 141

c ao racionalismo do Iluminismo. Na opinião de Croce, a razão Croce escreveu duas obras notáveis sobre o século de seu nasci-
do século XV11I fora demasiado abstrata e rígida e era definitiva- mento e formação, uma História da Itália de 1871 a 1915 (1925) e
mente inferior, como apreensão de Iodas as coisas hiimanasj à ra- uma História da Europa no século XIX (1932), Ele queria escrever
zão histórica concreta forjada por volta de 1800. Aos //hiloso/mes do história filosófica como "a história da liberdade" de um "ponto de
Iluminismo, Croce opõe o jconlra-Ilimiinisnío de Giamballislaj Viço vista éüeo-político" — um programa actoniano, por assim dizer. Mas
(1668-1744), que fora redescoberlo por românticos como Mie íélcf. também queria demonstrar o motivo por que o liberalismo falhou,
Croce exaltou o próprio Risorgimenlo como um maravi l^oso em última instância, ao dar origem a uma resistência bem-sucedida
interlúdio romântico entrei dois estágios negativos — o Iluminismo do facismo, uma ditadura a que, depois de alguma hesitação, Croce
(jacobinismo, franco-maçonaria e fanatismo igualitário) e a triste resolveu resistir. Ele pensou que, em seus dias heróicos, o libera-
idade do positivismo no fim do século XIX. O própúo Jin-desiècle lismo, para se defender contra a opressão ideológica dos meios
de Croce abundava em virúlentas correntes antipositivistas, mas a tradicionalistas, lançara a opinião de que os valores são subjetivos
verdade é que o próprio C roce incluiu a democracia entre os prin- e que os fatos são neutros em matéria de valor. Mas o problema
cípios mais contaminados pela "fraseologia positivista" e suas vi- consistia, no entanto, em que, ao fazer isto, o liberalismo, a longo
sões do homem e da sociedade "profundamente erradas". Ele ten- prazo, solapara a sua própria convicção moral. 30
dia a depreciar a ala mais romântica do Risorgimenlo — a escola de Croce era o símbolo vivo do pensamento anticlerical entre os
Mazzini, a qual, Croce sentia prazer em dizê-lo, nunca penetrara não-socialistas italianos. Não obstante, ele parecia sugerir que al-
em Nápoles. Seu anlima/./.inismo, que logo seria partilhado pêlos gum consenso moral, em lugar da fé, alimentasse a chama liberal,
fascistas, pouca simpatia mostrara pelo republicanismo de esquer- desde que coubesse a ela inflamar um movimento político como o
da — pelo componente democrático da herança liberal. Para Croce, fizera no Risorgimenlo. Também, por causa do seu altivo desprezo
o espírito democrático da igualdade era tão simplista quanto "abs- pelo materialismo em ética, Croce introduziu uma cunha conceituai
trato", e ele se pôs ao lado dos Impérios centro-europeus na Grande entre liberalismo e liberismo, o próprio termo com que denotava
Guerra, porque sustentavam crenças histórico-políticas muito'mais "liberdade econômica". Em seu livro Ética e política (1922) e em
sólidas." O advento pós-guerra da democracia política, acompa- outros textos da década de 1920, insistiu em que o liberalismo não
nhado como o foi por tuna onda belicosa de luta de: classes, st') po- devia ser igualado à idade efêmera do laissez-faire ou, de um modo
dia agravar as desconfianças de Croce quanto à democracia. geral, a práticas e interesses econômicos. Em seu ensaio "Libe-
Assim, como herdeiro da ala direita do Risorgimenlo ("Ia destra ralismo e liberismo" (1928), Croce salientou que, enquanto o
storica"), Croce estimava tão pouco a democracia quanto Weber. liberalismo é um princípio ético, o liberismo não passa de um pre-
Mas, como Weber, ele veio a aceitar se não propriamente gostar ceito econômico que, tomado equivocadamente por uma ética li-
da ação recíproca dos mecanismos democráticos. Em 1023, dois beral, degrada o liberalismo a um baixo hedonismo utilitário.
anos antes de lançar um manifesto de intelectuais antifacistas, Croce Croce tornou-se o mais conhecido dos opositores liberais do
seguiu o teórico conservador elitista Caetano Mosca (1858-1941) regime de Mussolini. Sua fama na Europa depois da publicação de
numa defesa das instituições liberais. 29 A nova posição intelectual sua Estética (1902) forçou o fascismo a respeitá-lo. O principal in-
estava fadada a refletir-se na sua própria qualidade de liberalismo. telectual fascista era o seu ex-amigo, o filósofo Giovanni Genlile.
142 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 443

Como ministro da Educação de Mussolini (posição que o próprio da "vida moral" do Ocidente moderno deixa transparecer um es-
Croce ocupara previamente no gabinete do astucioso primeiro- pírito que não se pode achar em qualquer coisa escrita pelo
ministro Giolitti), Gentile apropriou-se do conceito hegeliano do "neomaquiavélico" Mosca, apesar de sua tardia aceitação de insti-
"Estado ético" com um franco ânimo antiindividualista. Tentou tuições liberais. 33 Mas, no final das contas, o inspirado "historicis-
também provar que o direito histórico — liberalismo italiano tradi- mo da liberdade" de Croce não foi um grande ganho teórico, en-
cional — fora tudo menos individualístico, o que fazia com que o quanto seu exorcismo do liberismo parece um tanto inadequado
fascismo fosse uma verdadeira continuação do genuíno liberalis- em nossa idade de liberalização econômica.
mo italiano.
Na Espanha, uma influência hegemônica da espécie que Croce
Croce teve o bom senso de refutar a mistificação fascista exerceu na Itália pertenceu por muito tempo a José Ortega y Gasset
quanto ao "Estado ético" chamando honestamente atenção para (1883-1955). Ortega é mais conhecido em teoria política como o
os elementos de coerção inerentes a todos os Estados. Nisto ele autor de A rebelião das massa.'; (1929). Analisando a sociedade mo-
seguiu Treitschke (cuja Política ele traduzira) e manteve-se próxi- derna, Ortega afirmou que, pela primeira vez em história registra-
mo da famosa definição de Webei de que o Estado e o monopólio da, a civilização viera a rejeitar o princípio da elite. A sociedade de
da coerção no interior de um dado lerrilório. Relembrou igual- massas é habitada por criaturas eníátuadas, embora psicologica-
mente a fascista fábula política em torno da consciência que tinha mente estejam um pouco perdidas no meio da tecnologia. Seu tipo
Maquiavel da política como esfera de foiça e de condito. humano geral leva a uma afirmação dos direitos da mediocridade.
No lado negativo, no entanto, Croce manifestou uma indife- Sete anos antes, em seu panfleto Espanha invertebrada, Ortega
rença básica pelo conceito liberal dos limites do Estado e do po- censurara seu próprio país por sua "aristofobia", pelo fato de que
dei', terminando numa noção de liberdade quase mística, provi- evitava e depreciava os melhores. Depois da derrota traumática
deneialista. falou da liberdade como a revelação do Espírito da diante dos Estados Unidos na Revolução Cubana de 1898, prolife-
história concreta — algo apenas menos nebuloso do que o seu ori- raram na Espanha diagnósticos introspectivos da "doença nacio-
ginal hegeliano e que dificilmente levava a uma análise empírica nal"; a decadência tornou-se um IHl.rnol.iv da alta cultura espanhola.
da liberdade e da coerção." Para evitai' o voluntarismo irraciona- Ortega queria ir tão longe quanto possível numa abordagem mais
lista de Gentile (mesmo antes que se separassem por causa do radical: a busca das antigas raízes do mal espanhol.
fascismo), Croce reduziu seu "historicismo absoluto" a uma teolo- Ortega começou por desfechar um tiro a longa distância na
gia leiga da liberdade, "uma religião da liberdade", em última ins- democracia. A ideologia democrática, disse ele, tem o hábito de
tância intraduzível — como acusou um marxista crociano, Antônio perguntar: o que deve ser uma sociedade? Mas o verdadeiro pro-
Gramsci;í2 — na linguagem prática da práxis real. A meritória opo- blema reside em decidir: em que consiste uma sociedade? O que a
sição de Croce ao fascismo e sua defesa da individualidade moral constitui — ou melhor, como pode uma sociedade ser? Essa pro-
diante do holismo autoritário colocaram seu liberalismo, a despei- blemática constitutiva era típica dos neokantianos, com os quais o
to de seus aspectos conservadores, a boa distância do conservado- jovem Ortega estudara em Marburgo imediatamente antes da
rismo liberal de Vilfredo Pareto (1848-1923), sendo Mosca o fun- guerra. Ora, a Espanha fora outrora um grande Estado; um Esta-
dador da teoria elitista. Sua historiografia liberal como um épico do, como Roma, capaz de criar sistemas integrativos ainda mais
144 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 145

abrangentes, das Sete Colinas ao Lácio e da Itália a todo o Medi- A rebelião das massas escreveu aristofobia em letras garrafais. O
terrâneo. Tais Estados não se fundam apenas na força; para que homem da massa, disse Ortega, era a mediocridade tentando impor
um Estado seja tão integrativo, impõe-se que haja um "projeto su- a mediocridade, um nivelamento niilista em nome do democratis-
gestivo de vida em comum" — como a prolongada luta de Castela mo. O mundo do homem do povo estava a ponto de ser governa-
contra os mouros. Daí a energia com a qual a Espanha, a partir do do por "gente infantil" como os americanos e os russos; os primei-
fim da Reconquista, empreendeu a conquista da Itália e especial- ros limitavam-se a mascarar seu primitivismo por trás das inven-
mente da América. ções mais modernas. Por um momento, Ortega definiu barbarismo
Contudo, todo esse esforço requer uma aristocracia, disse como uma falta de normas. Mas também nos disse que, enquanto
Ortega, uma liderança que conta com o assentimento — e mais: com Grécia e Roma fracassaram porque lhes faltaram princípios, nós,
o acompanhamento entusiástico — do povo. Sem aristocracia, não os modernos, estamos fracassando porque nos faltam homens —
podia haver formação de Estado ou expansão de Estado — nem os aristoi, é claro.
mesmo reafirmação nacional. A Espanha, depois de Filipe III, Ortega não era de forma nenhuma um elitista social. Esforçou-
tornara-se hesitante, conservadora e espiritualmente estreita. Em se seriamente para explicar que o seu pleito em prol das elites era
lodo lugar haviam surgido particularismos — no governo, nas re- uma questão cultural, e não um preconceito social a favor das clas-
giões, nas classes sociais. Num vôo de fantasia social não indigno ses superiores; as novas elites, especificou, deveriam fundar-se na
de Renan, Ortega cismou na fraqueza dos visigodos, a tribo! ger- excelência, e não no dinheiro. Por que então toda a raiva contra a
mânica que se estabelecera na península. Diferentemente! dos democracia? A resposta de Ortega é uma tautologia, pois parece
francos, afirmou, os visigodos haviam sido contaminados pela de- residir em sua equalização amplamente implícita da democracia
cadência romana. Acima de tudo, faltava-lhes o instinto franco para com uma civilização alegadamente estéril, a cultura vitoriana da
seguir líderes vigorosos, em conquista e dominação. Era uma bena razão e do progresso. Em seu livro mais original, O tema moderno
que a Espanha nunca tivesse contado com o feudalismo certo^ dis- (1923), Ortega aplicou uma crítica nietzschiana à cultura européia.
se ele. Ortega não se dignou a explicar como uma ascendência tão Nietzsche descobrira a autonomia dos valores da "vida" numa civi-
pobre chegara a inventar o ' projeto sugestivo" tanto da Reconquista lização propensa à adoração da cultura e contra tal civilização. O
como da Conquista. Ele chçgou a zombar da Reconquista, pergun- culturalismo era para ele um cristianismo sem Deus, pois aos olhos
tando como se podia chamar conquista a um empreendimento que burgueses (aqueles que Nietzsche apelidou imortalmente de
exigira tanto tempo (oito séculos) para ter êxito. Ortega conclui "filisteus da cultura") o reino da cultura gozava do mesmo status
que a ascensão "visigótica" de 1500 apoiara-se numa força artilícial transcendental antes atribuído à divindade cristã. O tema moderno
— e, portanto, não era de espantar que a decadência se tivesse logo foi um apelo de trombeta para que se rompesse com o fanatismo
instalado, já na altura de 1600. A Espanha permanecera uma na- da cultura em benefício da "razão vital"; e esse raciovitalismo,
ção de camponeses, avessa a ser governada pelos aristoi, pelos rhc- pregando "a necessidade de sujeitar a razão à vida", tornou-se a
bandeira filosófica de Ortega.
lhores: era uma sociedade aristofóbica que produzira tão poucos
grandes homens quanto a Rússia. Significativamente, sua melhor O grande cursor de Ortega no ensaísmo espanhol foi Miguel
arte era a arte popular — ofícios, danças, o que cabia ao povo. de Unamuno (1864-1936), uma figura central embora solitária na
116 O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 147

geração antidecadente de 1&98. Unamuno vilipendiara o "Sancho ponto, nos perguntar se o anti-revolucionarismo apriorístico de
Pancismo" da civilização moderna: seu positivismo, seu naturalis- Ortega concorda com o que diz a história. Eu, por exemplo, não
mo, seu empirismo. Entre Unamuno e Ortega, havia um abismo posso pensar em Lênin como alguém que obteve o oposto do que
pessoal. Ortega detestava q homem mais velho por causa de! seu queria — mas exatamente o contrário. Em termos mais gerais e a
áspero romantismo; o sofisticado filósofo de classe média superior, longo prazo, a observação de Ortega de que o culto da revolução
uma estrela da alta sociedade madrilenha, não podia esconder s|eu ia a contrapelo da moderna cultura ocidental mostrou-se uma opi-
desprezo pelo duro, inflexível humanista provincial que foi exila- nião inegavelmente presciente.
do pela ditadura militar de Primo de Rivera (1923-1930) nos úl- A política real de Ortega sofreu uma evolução curiosa. Na ju-
timos espasmos da monarquia espanhola. Em vez da síntese espe- ventude, ele fora atraído pelo socialismo ético de seus professores
rançosa embora indefinível de Ortega, o "raciovitalismo", Unamuno neokantianos, e escreveu com simpatia a respeito da linha antiin-
oferecia uma franca aversão, uma aberta repugnância pelo rácio- dividualista e antiutilitarista dos "novos liberais" ingleses. Seus he-
nalismo. Ortega, em contraste, insistia no valor da ciência é |da róis eram socialistas reformistas que endossavam o princípio, do
tecnologia e zombava de Unamuno por colocar São João da Cruz Estado e da nacionalidade, como Ferdinand Lassalle (1825-1864)
(isto é, o misticismo espanhol) contra Descartes (o racionalismo do e Eduard Bernstein (1850-1932). 35 Então, começando talvez com
pensamento moderno). Além disso, Unamuno era um individua- sua resenha do livro de Georg Simmel Schopenhauer e Nietzsche, de
lista radical, que queria transformar a Espanha num "povo de eus" 1908, o jovem Ortega começou a pisar em terreno virtualmente
{unpueblo deyos). Isso, é óbvio, chocava-se com os sonhos de Ortega não democrático.
de projetos nacionais.'1'1 De início, Ortega tentou conjugar seu socialismo e seu
Mas O tema moderno não é apenas uma crítica do culturalismo. nietzschianismo. Em seu ensaio de 1913 "Socialismo e aristocra-
É um livro que também questiona em termos nada equívocos o cia", declarou: "Sou um socialista por amor à aristocracia". Uma
culto utópico do revolucionarismo. Em seus primeiros artigos, vez que o poder capitalista não tinha rosto e era materialista, des-
Ortega não esteve acima de citar o dito de seu mestre de Marburgo, provido de calor interno, o socialismo tinha de brilhar como um
Hermann Cohen (1842-1918), de que as revoluções são "tempo- aperfeiçoamento moral da humanidade. Mas, durante a década de
radas de ética experimental". Mas, nos anos vinte, um de seus mais 1920, a posição de Ortega passou a ter matizes crescentemente
vivos ensaios, "Mirabeau ou o estadista" (1927), separa decidida- conservadores. Ele namorou a República, mas principalmente de
mente a arte do estadista do revolucionarismo. O estadista é mais uma posição direitista, 36 e então tomou por sua própria iniciativa
que um homem de ação, disse Ortega. Diferentemente do intelec- o caminho do exílio a partir do início da guerra civil até o fim da
tual, o estadista deve ser um homem de ação, mas um homem com guerra mundial. Depois, durante sua últinia década, recusou-se a
visão. Contudo, a visão do estadista é altamente realista e pragmá- atuar como um foco de resistência liberal, como fizera Croce na
tica, nem um pouco como o programa intelectualista do ideólogo. Itália fascista. Como Weber e diferentemente de Croce, Ortega era
O revolucionário, por outro lado (como Robespierre, que Ortega um nacionalista. Novamente como Croce, sua visão burguesa
chamou de "chacal"), é um camarada trapalhão eme termina ob- patrícia salvou-o de complacência para com a política plebéia de
tendo exatamente o oposto do que intencionava. Devemos, neste mobilização no fascismo, exatamente como o agnosticismo deles
IIS O liberalismo - antigo e moderno Liberalismos conservadores 149

os separara do clericalismo direitista que abençoou tanto o incré- exigência de liberdade religiosa e governo constitucional — para a
dulo Mussolini como o devoto general Franco, "caudilho da Espa- democracia, ou autonomia com uma ampla base social.
nha pela graça de Deus". Em contraste, os liberais conservadores, desde cerca de 1830
Ortega sabia como impedir que seu elitismo cultural degene- a 1930, procuravam geralmente retardara democratização da política
rasse em reação política. Disse certa vez que, enquanto toda inter- liberal. Sob esse aspecto, assinalaram um regresso a posições whig.
pretação democrática de uma ordem viva diferente da esfera do O liberalismo whig era essencialmente um liberalismo de repre-
direito público é plebeísmo, toda concepção não democrática do sentação limitada, restritiva. Os whigs normalmente concordariam
direito público é tirânica. O mesmo pensador que, em A desumani- com Kant, liberal republicano e constitucional, em que "o empre-
zação da arte (1925), localizou um elemento "aristocrático" da arte gado doméstico, o balconista, o trabalhador, ou mesmo o barbei-
moderna em sua voluntária obscuridade lúdica de pensamento, ro não são... membros do Estado, e assim não se qualificam para
como escreveu em Mirabeau, pensou que a "verdadeira realidade ser cidadãos"/ 7 com o fundamento de que tais pessoas subsistem
histórica ó a nação c não o Estado" — um axioma normativo em mediante a venda de seu trabalho e, portanto, não contando com
vez de descritivo. O brilho de A desuwanizacão advém logicamente uma base de propriedade, não são independentes o bastante para
(e não apenas cronologicamente) entre 0 lema moderno e A rebelião o exercício de direitos políticos. A democracia censitária, a despei-
das massas, pois enquanto a natureza lúdica da arle moderna a tor- to de toda a incongruência da base, permaneceu a pressuposição
na IIlii símbolo de valores da vida contra o culltiralisino vitoriano, padrão no liberalismo whig — e lói precisamente isto que, de Paine
o hermetismo das formas modernistas representa um insulto deli- e lientham a Tocqueville, o liberalismo clássico ultrapassou.
berado ao espírito vulgar e demólico do homem do povo. Assim, Os liberais conservadores eram neowhigs. Diferiam dos con-
no fim, a forma pela qual Ortega foi hostil ao estatismo fascista servadores, liberais ou não, pela fidelidade aos traços básicos da
implicava tanto a tradicional preocupação liberal pela esfera social, visão liberal do mundo, como o individualismo e o latitudinarismo,
em contraposição à política, quanto a repugnância do elitista cul- e na rejeição do holismo e da autoridade religiosa. Mas coincidiam
tural pela política populista — menos porque é uma política não- com os conservadores na sua inclinação contra a democracia.
liberal do que porque é plebéia. Assim, a ampliação cautelosa das franquias políticas inventada por
reformadores whig como Macaulay tinha um escopo e significação
menos que democráticos; e os subseqüentes liberais como Mame
Conclusão e Acton tentaram recorrer ao liberismo (Maine) ou ao federalis-
mo (Acton) contra a maré democrática. Nem eram democratas os
O liberalismo clássico desdobrou-se numa série de discursos evolucionistas utilitaristas como Bagehot, Stephen e Spencer; o que
conceituais. Os teóricos liberais falaram as línguas dos direitos queriam, antes disso, era submeter a democracia a propósitos não-
naturais (Locke e Paine), do humanismo cívico (Jefferson e democráticos (Bagehot) ou a ela resistir em nome da garantia da
Mazzini), da história por estágios (Smith e Constant), do utilitarismo sobrevivência dos mais aptos (Stephen e Spencer). Igualmente, a
(Bentham e Mill), e da sociologia histórica (Tocqueville). Com tais evolução do segundo liberalismo francês, de 1830 a 1870, parecia,
discursos, o liberalismo clássico progrediu do whiguismo — a mera de uma posição tocquevilliana, uma involução, pois se a aceitação
150 O liberalismo - antigo e moderno

por Rémusat do princípio republicano foi um passo considerável


dado no caminho da democracia (como o reconhecimento por
Laboulaye do sufrágio universal), a equalização por Renan da de-
mocracia com decadência tomou a direção oposta. Seu movimento
reacionário foi apenas em parte desfeito por sua rendição morna 5
e final ao curso democrático da Terceira República. O semilibera-
lismo dos juristas alemães, com seu tema de direitos sob controle,
foi ainda outro exemplo do retardamento conservador no interior
Dos novos liberalismos
do liberalismo, e assim foi a primazia da ordem sobre a liberdade aos neoliberalismos
na fórmula de Alberdi de construção de nações. Finalmente, os
primeiros liberais conservadores do século XX, tais como Weber,
Croce e Ortega, relutavam todos, ou eram ambivalentes diante da
democracia. Seu dissabor pela política de massa ou cultura iguali-
tária levou-os a posições menos liberais-democráticas que as de As reivindicações do liberalismo social
Tocqueville, Mill e Mazzini, no fim do liberalismo clássico. Pois
onde Mill queria uma democracia qualificada exatamente porque Segundo Albert Dicey (1835-1922), o jurista liberal que escreveu
sonhava com uma democracia de qualidade, os liberais conserva- o clássico The Law ofthe Constilution, a reforma legal na Inglaterra
dores tendiam a brigar corri o próprio princípio democrático, ó qual conheceu duas fases durante o século XIX. De 1825 a 1870, seu
estavam preparados a esposar no máximo por causa de motivos objetivo foi primariamente ampliar a independência individual.
I Desde então, visou à justiça social. Dicey, um liberal conservador
racionais, e não como uma verdadeira preferência. I
O resultado claro da inflexão conservadora da doutrina liberal, amigo de sir Henry Maine, deplorou o salto do laissez-faire para o
portanto, foi um recuo aberto ou interno, manifesto ou coberto "coletivismo". Outros partilharam seu relato do salto sem endossar
da democracia liberal. Em seu caráter discursivo, acrescentaram- a avaliação que fez dele. Eram os "novos liberais" de 1880, convic-
J I ' tos de que o "individualismo mais velho" já não era válido no con-
se três outros modos à série de discursos liberais: o idioma burkia- texto social do industrialismo tardio. Começaram o que um deles,
no, como em Macaulay, Maine, Alberdi, Renan e Acton; a lingua- Francis Charles Montague (1858-1935), chamou de "revolta contra
gem "darwinista", como em Spencer; e o historicismo, de raízes a liberdade negativa" — a própria coisa ainda tão central no libera-
elitistas, de Weber e Ortega. Pois enquanto o foco de Croce na lismo libertário de Mill.'
odisséia da vida moral ocidental ("vita morale") ainda se parecia Teóricos como Montague rejeitaram a visão evolucionista dos
í J' spencerianos, o uso do darwinismo como uma elegia ao valor
vagamente com a velha visão progressiva, por estágios, do histori- ameaçado do individualismo. No livro The Limils of Individual Liberty
cismo liberal, o apelo de Weber ao carisma e o anseio de Ortega (1885), Montague armou uma refutação habilidosa da analogia em
por aristocracias culturais foram antes casos complexos da revolta que se predicava o darwinismo social. A livre competição, afirmou,
modernista contra a modernidade — a curiosa alergia que sejnte o
intelectual moderno diante da sociedade moderna. /5/
O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neolitwraiumos 153

deixava impotentes os fracos. Mas na sociedade os fracos estão reduzido a sensações, e a moralidade a impulsos, e que encara a
longe de serem os piores. De qualquer forma, diferentemente do sociedade como um amontoado de indivíduos. Isso consistia num
que acontece na natureza, emjsociedade as vítimas da evolução não ataque franco ao empirismo, ao utilitarismo, e à tradição atomista
são inteiramente eliminadas, mas permanecem como um peso de Bentham-Mill, um ataque levado adiante em nome do idealis-
morto no corpo social. Então,'por que não os ajudar, especialmente mo à moda alemã.
porque a sua degradação terfnina por prejudicar o conjunto? Green insistiu em que a ação racional é ditada pela vontade e
A defesa que Montague fez do liberalismo social estava longe opção de uma forma que ultrapassa o seguir simplesmente o dese-
de ser antiindividualística. Montague pensou que nos tempos mo- jo ou a paixão. Ele estava longe da base humana da ética utilitária
dernos as pessoas diferem em suas personalidades (se não em suas (e do famoso dito de Hume: "A razão é e deve ser escrava das pai-
vestimentas) mais do que diferiam no passado; na Idade Média, suas xões"). Para Green, os fins racionais da conduta implicam a com-
diferentes roupagens recobriam muito mais uniformidade — cava- preensão de que, quando falamos em liberdade como algo de
lheiro, burguês e camponês tendiam a partilhar a mesma vida in- inestimável, pensamos num poder positivo de fazer coisas meritó-
terior ou a falta desta. Não é verdade, argumentou Montague, qiie rias ou delas usufruir. Portanto, a liberdade é um conceito positi-
a sociedade moderna é de tal forma organizada que deixa pouco vo e substantivo, e não um conceito formal e negativo. Nesse
espaço para a liberdade individual. O que é desafortunado é que a sentido, o idealismo do novo liberalismo foi efetivamente uma re-
sociedade está organizada para a consecução de dinheiro, mas de- volta contra a liberdade negativa no sentido de Locke e de Mill,
sorganizada paia qualquer outra finalidade. A mesma fé indivi- fundada na idéia hobbesiana de liberdade como ausência de im-
dualista inspirou as famosas I .eel.ares on lhe Principies oj 1'oHUeal. pedimento. Green caminhava de uma preocupação com liberdade ile
Oblignliim pronunciadas em Oxford poiTliomas I lill Green (I8SG- para uma estima novamente despertada de liberdade para.
1882) em 1879 (publicadas postumamente em 1886). A morte Que dizer quanto a suas opiniões a respeito do Estado? O li-
prematura de Green não impediu que sua redefinição do liberalis- beralismo clássico fizera recair o peso da justificação sobre a inter-
mo se tornasse muito influente antes da Grande Guerra. Filho de ferência estatal. Normalmente, o Estado devia deixar que a cida-
um clérigo de Yorkshire, Green adotou o hegelianismo na Oxford dania livremente tratasse de seus negócios. Sua interferência só era
de meados da era vitoriana. Mas seu hegelianismo era um tanto legítima em benefício da segurança individual, como uma garan-
peculiar. Pois enquanto retinha a idéia do mestre de que a histó- tia da livre determinação pela sociedade da maior felicidade para
ria é uma longa luta pelo aperfeiçoamento humano, ele pôs um o maior número. Green não era tão minimalista. A função do Es-
acento kantiano na autonomia individual. Tanto em ética como em tado, ensinou, devia consistir na "remoção de obstáculos" ao au-
teoria política, Green salientou o valor absoluto da pessoa como a todesenvolvimento humano. Isso era também uma idéia alemã,
fons et origo das comunidades humanas. decorrente de Humboldt. 2 O Estado nunca se podia pôr no lugar
O novo liberalismo era tão individualista quanto o de MUI. Não do esforço humano para a liildung, ou cultura pessoal, mas podia
obstante, também implicava uma crítica dos pressupostos filosófi- e devia "promover condições favoráveis à vida moral".
cos de Mill. Gomo Montague, Green opôs-se a uma representação Green acreditava que, em sua forma clássica, o liberalismo es-
do que é humano na qual o conhecimento é, em última análise, tava se tornando "obstrutivo", na medida em que sua receita poli-
154 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 155

tica minimalista tornava-se crescentemente obsoleta devido à pe- Isto ocorreria um pouco mais tarde, na teoria social da Belle
netração cada vez maior do direito na sociedade no mesmo passo Époque, em ambas as margens do canal da Mancha. Mas, com sua
em que a civilização progredia. A seus olhos, os receios de Maine- filosofia idealista altamente espiritual, Green escreveu o prólogo
Dicey-Spencer quanto a tal tendência erravam o alvo, que consis- moral ao liberalismo social de 1900. Pode-se dizer que a carta ori-
tia na qualidade da interferência estatal, e não no fato de que esta ginal para o Estado social britânico, traçada pelo liberal William
se verificava. Green pensou que é boa coisa a "remoção de obstá- Beveridge (1879-1963) no Reform Club (onde mais poderia ser?) em
culos" mediante reformas esclarecidas que possibilitassem a maior 1942, reflete uma preocupação greeniana em equilibrar a segurança
número de indivíduos gozar de mais altas liberdades. Deve-se estar social com a liberdade individual. Green foi o pai do reverdeci-
preparado para violar a letra do velho liberalismo para sei' liei a mento do liberalismo mais exatamente na modificação do que na
seu espírito — o amparo à liberdade individual. Isso exigia fortalecer negação do credo clássico.
o acesso à oportunidade. Na França, a transformação ética do liberalismo numa dire-
Crane Uriiilon chamou Clrren de um salvado) do liberalismo.' ção social liberal embora não socialista (que começou na Grã-
K isso (írcen foi, porque mudou pressupostos c queria aliciar prá- Bretanha com o encanto das l.eihires de (Irceii) assumiu a forma
ticas, sem renegar os valores básicos da doutrina. Por exemplo, de republicaniavw. Claude Nicolet, no seu livro notável Lldée répn-
embora não.fosse partidário do laissez-jhire, ele não abandonou o blicaine en France, distinguiu (rês espécies de pensamento republi-
liberismo. Considerou a propriedade privada um arrimo essencial cano por volta de 1870.*' Primeiro, houve o republicanismo ro-
ao desenvolvimento do caráter, e resistiu á crença socialista de que mântico do espírito de 1848. Este subdividia-se, por sua vez, em
o capitalismo é a causa fundamental da pobreza. Convencido de diversas posições políticas: neogirondinos como Quinet; neodan-
que a independência econômica alimenta a autoconfiança, dese- tonistas como Michelet e Victor Hugo (1802-1885), o poeta e legi-
jou converter os trabalhadores em pequenos proprietários; e como timista que se tornou um inimigo feroz do Segundo Império; e
admirador sincero do liberalista quaker John Rright (1811-1889), neojacobinos como o socialista Louis Blanc. Em segundo lugar,
ele manteve uma visão enfaticamente rão-whis, antiaristocrática da houve os republicanos espiritualistas como os acadêmicos Etienne
o7
4 Vacherot (1809-1897) e Jules Simon (1814-1896), que perderam
história inglesa.
suas cadeiras porque se recusaram a prestar juramento de fideli-
No fundo, a idéia que Green tinha de aperfeiçoamento social
dade ao regime imperial. Em 1859, Vacherot publicou La démo-
consistia em que as classes médias iriam atenciosamente ajudar os
cralie (significando a república) e Simon, La liberte, duas bíblias do
pobres a se tornarem bons c conscienciosos burgueses — o que não
liberalismo de esquerda na época. Ao lado de Vacherot c Simon,
é lão distante do próprio clitismo cívico de Mill. Como Mill, Green
pode-se colocar Charles Rcnouvier (1815-190-5), um prolífico filó-
sublinhou a participação política como uma obrigação moral.:Seus
sofo não acadêmico. Renouvicr emergiu das batalhas de 1848 com
intérpretes modernos estão certos: Green deu ao liberalismo um
uma posição filosófica que partilhava muitos princípios ético-
recomeço de vida conjugando os valores básicos dos direitos e li-
políticos, senão pressupostos metafísicos, com o republicanismo
berdades individuais com uma nova ênfase na igualdade de opor-
espiritualista. Em último lugar, como um terceiro grupo, havia o
tunidades, e no elhos de comunidade.'' Ao fazê-lo, ele não conferiu
republicanismo positivista de Jules Ferry (1832-1893) e l.éon
ao novo liberalismo vitoriano tardio qualquer inflexão socialista.
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Gambetta (1838-1882), líderes republicanos da jovem Terceira direitos naturais, mas na evolução do espírito e da sociedade,
República. como no positivismo de Comte. Mas Ferry substituiu a utopia de
Do ponto de vista da teoria liberal, os casos mais interessan- Comte de governo científico pela política liberal; e concebeu o
tes nessa variegada série republicana são os de Simon, Renouvier ethos republicano como um sentido de missão, civilizando a socie-
e Ferry (sem contar com a reinterpretação da Revolução Francesa dade moderna.
por Michelet e Quinet). Simon pregou o sufrágio universal, gover- Ferry era mais um estadista do que um teórico. Renouvier, em
no responsável, e liberdades locais. Ele era profundamente hostil contraste, nada mais era que um intelectual. Nasceu em Montpellier
ao revolucionarismo e ao jacobinismo, contrapondo o ideal repu- como Comte (e estudou sob a direção deste na Escola Politécnica)
blicano ao comunismo insurrecional de Auguste Blanqui (1805- e morreu no mesmo ano em que morreu Spencer, mas a forma de
1881). Quanto à economia, ele era favorável à competição e não seu espírito não poderia ser mais diferente que a de qualquer um
ao dirigisme de Louis Blanc. O poder legítimo do Estado devia ser dos dois. Renouvier era um kantiano livre que acreditava que a ética
mantido num nível de um "mínimo de ação". Embora fosse o au- é uma obrigação, e que os deveres são mais importantes que os
direitos. Na sua juventude, ele compôs Le manual republicam de
tor da Politique radicale (1868), Simon denominava-se um "repu-
1'homme et du ciloyen (1848), um catecismo socialista para professo-
blicano profundamente moderado". O poder governamental, es-
res primários. Tendo-se retirado da política durante o Segundo
creveu, devia ser "forte mas restrito, forte porque restrito".
Império, publicou La science de Ia morale (1869). Em sua opinião, o
Como Simon, Jules Ferry serviu como ministro nas primeiras
homem racional estava obrigado a assinar (por assim dizer) dois
décadas da Terceira República. Tendo arruinado as transações
contratos: um consigo próprio, estabelecendo um "governo inter-
financeiras do famoso prefeito de Paris de Napoleão III, numa
no" de comportamento; o outro, com os outros agentes morais,
série de artigos para Le Temps (coligidos espiriluosamente corho
seus semelhantes, fundado na justiça assim como o respeito
Les comptes puilasliques dMLiussmann, uni trocadilho fundado Jia
kantiano — quer dizer, como um compromisso de não reduzir os
bem-conhecida ópera cômica Les contes fantasiiques d'Hoffvuèn\i),
outros a simples meios para fins de terceiros. Nesse contexto, o
Feny foi ele próprio nomeado prefeito da capital depois da queda
socialismo veio a significar um lelos racional, mas não um princí-
do império. Mas o seu maior trabalho foi o que executou como
pio de organização social. Numa obra de ficção política, Ucronie
ministro da Educação na década de 1880, implantando a impres-
(1876), que descrevia a saga da humanidade como poderia ter
sionante cadeia de escolas leigas que, na frase de Eugen Webér,
ocorrido, Renouvier igualou a felicidade humana com o reconhe-
transformaram os camponeses em franceses. Oriundo de um meio
cimento generalizado da liberdade individual. Combateu os cléri-
burguês protestante, Ferry era um liberal anticlerical para querri a
gos católicos e elogiou o protestanlismo por sua ênfase na cons-
ação do Estado quanto ao problema social devia ser preferivèl-
ciência individual. Em seu livro Esquisse d'une classification systéma-
mente "higiênica" a "terapêutica": o governo deveria encorajar
tique des doclrines philosophiques (1885), ele distinguiu duas espécies
arranjos de segurança social, mas sem tentar remediar diretamen-
de filosofia: a filosofia da coisa — infinitista, naturalista e necessitaria
te necessidades sociais.8 Ferry concebeu a república como Uma
— e a filosofia da consciência — finitista, personalista e libertária.
alavanca do progresso tanto moral quanto material. A república
Os dois últimos adjetivos encerram a essência do liberalismo ético
era ao mesmo tempo uma ordem e um ideal predicados não em
158 O lilwmlismo - amigo n i/iptlemo Dos novos liberalismos aos ncoliberulismos 159

de Renouvier. Era uma teorização bastante aparentada com o [es- século XIX foi bem preservado. A passagem para o socialismo, se
pírito do idealismo de Green na Inglaterra. I definido em termos de controle estatal, foi mais uma vez evitada,
Enquanto na Grã-Bretanha o novo liberalismo de tendência mas o perfil do liberalismo social tornou-se mais nítido.
social de 1900 foi estimulada por instituições de serviço público, A política favorita entre os seguidores de Durkheim era o so-
como o Toynbee Hall, na França o equivalente local do liberalis- cialismo liberal de Jean Jaurès (1859-1914), um dreyfusista para
mo social — o republicanismo ético — foi poderosamente catalisado quem o socialismo era um remate, e não uma negação, do indivi-
pela campanha de direitos humanos lançada por meio da questão dualismo. Mas pelo menos um membro proeminente da escola de
Dreyfus (1896-1898). No entanto, em termos intelectuais, o papel Durkheim, Célestin Bouglé (1870-1940), tentou abertamente co-
que a filosofia de Oxford representou na Grã-Bretanha foi repre- locar a sociologia a serviço do liberalismo. Seu ensaio de 1902, "La
sentado na França pela ascendente disciplina da sociologia. Como crise du libéralisme", foi uma representação inteligente da situa-
no caso inglês, o individualismo, um esteio do pensamento libe- ção ideológica. Ele compreendeu que os ataques direitistas contra
ral, não estava nada morto na França. Poder-se-ia mesmo dizer que, a liberdade, por um lado, e o surto anarquista através da década
na verdade, ele se fortaleceu numas poucas dimensões, antes que, de 1890, por outro, estavam impelindo os liberais para a angústia
finalmente, fosse negligenciado na teoria social francesa. Os libe- da unidade. Bouglé queria evitar uma entrega liberal a uma dema-
rais franceses do princípio e de meados do século haviam muitas siada autoridade estatal, mostrando que as raízes sociais da liber-
vezes sido indiferentes ao liberismo, com exceção de economistas dade moderna eram tão fortes e saudáveis (manto variadas. Ele viu
como Jean-Baptiste Say (1767-1832) e Frédéric Bastiat (1801-1850), na sociedade moderna um processo de diferenciação de valores,
um amigo dos livre-cambistas de Manchester, mas passou a contar de multiplicação de fins ("politelismo"), tanto quanto uma crescente
com um público mais amplo. Um clássico do liberismo Jín-de-siède, divisão do trabalho. Mas a proliferação de fins não prejudicava a
VÉlal moderne (1890), por Paul Leroy-Beaulieu (1834-1916), unidade social, porque muitos objetivos diferentes podiam ser al-
tornou-se um besL-seller. cançados pelos mesmos meios. Ao mesmo tempo, o crescimento
O choque entre intelectuais republicanos e forças reacionárias da liberdade como autonomia de escolha fundava-se numa expan-
na sociedade francesa quanto ao destino do capitão Dreyfus susci- são significativa da igualdade, como Bouglé mostrou num inteli-
tou uma ruptura na opinião nacional que levou muitos espíritos gente estudo de 1899, Idées égalüaires. Com essa espécie de argu-
ponderados a meditar sobre a condição moral da sociedade mo- mentos penetrantes, Bouglé resistiu à preocupação do próprio
derna. O fundador da escola sociológica francesa, Emile Durkheim Durkheim com a alegada unidade perdida da moderna — ou seja,
(1858-1917), foi um defensor, e não um detrator, do individualis- liberal — sociedade. Mas, como a teoria sociológica como um todo
mo; mas, como um analista da anoinia, a condição de ausência de entrou por um caminho diferente de sua índole liberal-democrática,
normas, o curso moral na civilização urbano-industrial, Durkheim suas defesas equilibradas do liberalismo permaneceram ampla-
procurou proteger a sociedade fortalecendo associações profissio- mente ignoradas.
nais e, de modo mais geral, elogiando diversas formas de solida- Pode-se ligar legitimamente o durklieimiaiiismo com o libera-
riedade social. Na mudança do personalismo de Renouvier para o lismo, independentemente de rótulos, por causa da fidelidade geral
solidarismo de Diirklieim, o brilho clico do liberalismo do lim <lo da escola ao individualismo como a moderna matriz de valores.
Vos novos liberalismos aos neoliberalismos 161
16(1 U libeialümo - antigo e moderno

autônomas não eram antigüidades "teutônicas" — eram criaturas


No auge da questão Dreyfus, o próprio Durkheim, embora lutasse
da sociedade comercial moderna. O conservador liberal Mame
para dissociar a mensagem da sociologia do individualismo estreito,
acreditava que a corporatividade era uma noção antiga, que re-
"comercialista" de Spencer, reafirmou em termos inequívocos o
cendia a Gemeinschafl e, portanto, não-individualista. Mas Maitland,
individualismo como a legítima fé da sociedade moderna. 10
em estudos como Township and Borough (1898), mostrou que a
Outra ponte entre a sociologia e a tradição liberal foi a atitu-
corporação era um conceito muito mais recente. Ao fazê-lo, aju-
de durkheimiana para com o Estado. Na verdade, a resposta à glo-
dou a estabelecer uma base jurídica para os suportes institucionais
rificação alemã do Estado deveu-se principalmente a outro
do liberalismo social, como sindicatos e associações.
durkheimiano independente, o teórico jurídico Léon Duguit (1859-
1928). Ao mesmo tempo que rejeitava a idéia do mestre de uma O liberalismo social propriamente dito floresceu nos primei-
consciência coletiva, Duguit recorreu à ênfase de Durklieim nas ros anos do novo século principalmente graças "aos dois Mobs",
associações da sociedade civil para desmantelar a mística da sobe- John Mobson (1858-1940) e Leonard Iíobhouse (1864-1929).
rania nacional e a sua aura cslatista. Como Durkheim, ele criticou Hobson era um ensaísta prolífico e escrevia alto jornalismo. Per-
Rousseau e Kant por passarem por cima do berço e da armação tencia à esquerda do Partido Liberal inglês e, numa defesa da li-
social da autonomia individual. Mas em seu Traité de droil conslilu- berdade positiva não diferente da de Green, queria que o governo
lionnel (1911), ele atacou o Slaatslehre alemão por falar no Estado criasse oportunidade igual. Mas fundamentou o novo liberalismo
como um sujeito legal dotado de uma personalidade mais elevada. na evolução, em vez de fundamentá-lo em Hegel, dando ênfase ao
O conceito que Duguit formulou do Estado colocava a função do crescimento orgânico. Em Work and Weallh (1914), reconheceu o
serviço público no lugar do imperium da soberania. Sua influência método evolucionista "em todos os processos orgânicos", do fruto
entre os funcionários públicos e a esquerda moderada no período do carvalho ao carvalho, de ruídos selvagens à sinfonia, e da tribo
de entre guerras foi enorme. 11 Conferindo ao "solidarismo" uma primitiva ao Estado federal moderno. 1 3 Da mesma forma, na opi-
face legal, ele transportou o pensamento republicano francês para nião de Hobson, a visão que Green tinha do capitalismo ainda era
o limite entre liberismo social e comunitarismo. Talvez um rótulo excessivamente benigna. Hobson, em contraste, viu o mercado
experimental — liberalismo marginal* — cjualificas.se bem a sua po- como uma fonte de desperdício e desemprego — males para os
sição, que foi de grande importância na história dos entrelaça- quais a poupança sozinha não era uma solução. A crítica do mer-
mentos da teoria política e a filosofia jurídica. cado feita por Hobson tem sido freqüentemente interpretada como
precursora do keynesianismo. Mas, de fato (como Lioncl Robbins
Pode-se dizer de Maitland, historiador jurídico de Cambridge;
observou faz muito tempo e Peter Clarkc relembrou), o problema
que alcançou um ponto similar de chegada por um caminho muif
surge no entender de Keynes quando as poupanças deixam de se
to diferente. Maitland rompeu com a pia lenda whig de que os di;
tornar investimentos, enquanto para Robson a dificuldade real
reitos corporativos (lei da associação, em Duguit) estavam ligados
consiste em que o investimento pode tornar-se excessivo em relação
ao mundo pré-moderno da tradição e prescrição. 12 Maitland
ao consumo. H
aprendeu com Gierke que esse não era o caso. Pequenas unidades
Hobson herdou o conceito de subconsumo de uma tradição
(*) Tradução livre áefringe libc.ralkm. (N. do T.) liberista que remontava a Say, contemporâneo de Ricardo na
Dos novos liberaliwws aos neoliberalismos 163
I(>:' O liberalismo - antigo e moderno

frança. Em seu livro mais bem conhecido, Imperialism (1902), e Ciência Política de Londres, em 1907. Era urn evolucionista do
escrito como reação à Guerra dos Bôeres, Hobson reacendeu a "espírito" — quer dizer, um evolucionista que dava ênfase à emer-
antiga condenação liberista, manchesteriana de política externa gência de formas mais nobres de existência em vez de salientar a
agressiva e intervenção militar. Mas também reviu o diagnóstico aspereza da sobrevivência dos mais aptos. Como os saint-simonianos
de Manchester. Enquanto para Cobden e Bright o militarismo e os anarquistas mais humanos, notadamente Kropotkin (1842-
brotava da ambição aristocrática, Hobson salientou outra causa: má 1921), Hobhouse desejava ardentemente demonstrar que a socie-
distribuição da renda. A riqueza e as poupanças excessivas levavam dade progride por força da cooperação humana e da superioridade,
ao subconsumo e, portanto, ao imperialismo como uma saída. em última instância, do altruísmo sobre o egoísmo.
Antes do conflito dos Bôeres, Hobson e seu amigo Hobhousc, O livro de Hobhouse Liberalürn, de 1911, tornou-se o evange-
como novos liberais, partilhavam a visão coletivista dos Fabianos lho da nova religião, atribuindo à liberdade positiva no sentido
(os Webbs e Shaw). Quando os Webbs, como outros liberais re- greeniano um fundamento evolucionista. Seu ideal consistia numa
formistas tais como Asquith e Haldane, declararam-se favoráveis sociedade orgânica que proporcionasse à maioria de seus membros
à ação impeiialista na África do Sul, os dois Ilobs afastaram-se "uma igualdade viva de direitos" com oportunidades abundantes
deles. O protesto anliimperia islã de Hobson tinha um veio de para o autodesenvolvimento individual; a principal maquinaria
KuUurpessimistmis — deplorou a :raição dos trabalhadores aos inte- institucional, como no caso de Hobson, eram agências de bem-
lectuais na oposição à guerra e a força do jingoísmo em sociedade eslar social financiadas por uma taxação socialmente orientada.
Hobhouse acreditava que o pior da lula de classes já passara, uma
industrial avançada.
Na opinião de Hobson, o iL-médio estava à mão: iinponha ta- vez que a tardia riqueza vitoriana podia permitir uma ampla distri-
xação redistributiva, e terá consumo e justiça em casa juntamente buição, enquanto sindicatos responsáveis manifestavam uma cres-
com paz no exterior. Seu ensaio de 1909 "The Crisis of Liberalism" cente capacidade de praticar a democracia.
foi escrito em defesa da reforma social (o embriônico Estado so- Como em todo novo liberalismo, os direitos hobhousianos
cial de Lloyd Gcorge). O que Hobson pleiteava era alguma pro- eram concedidos pela sociedade, mas sua função residia em auxi-
priedade pública do solo, cjue permitisse habitação decente; trans- liar o crescimento da individualidade. Hobhouse ocupava uma
porte público; nenhum monopólio; uma rede nacional de escolas posição a meio caminho entre Green e Mill, sensível ao conceito
públicas (no sentido continental); e um sistema legal mais justo. A que o primeiro tinha da liberdade como o direito que se tem de
redistribuição fiscal da receita faria a tarefa, de uma maneira que produzir "o melhor de si mesmo", mas disposto a reconhecer que,
não se assemelhava remotamente a revolução; enquanto o capita- quando se trata de decidir quem é o melhor juiz no caso, a única
lismo, uma vez regenerado e regulado, não devia certamente ser forma liberal razoável de lidar com o problema consiste em garan-
substituído por um sistema econômico inteiramente diverso. tir a liberdade pessoal no sentido de Mill. Hobhouse tentou for-
mular uma ética evolucionista como uma base para o livre coleii-
A fidelidade ao liberalismo foi, afinal de contas, até maior noí
vismo. Mas, no fundo, mostrou certa ambivalência com relação aos
caso do outro Hob. Gomo Green, Hobhousc era o filho de um;
sindicatos, porque estes podiam agir movidos por interesses
pastor de aldeia. Diferentemente de Hobson, ele era um acadêmico
particularistas em vez de lutar pelo bem comum. Como Green, ele
e fundou a primeira cadeira de sociologia na Escola de Economia
J64 U liberalismo - antigo e \moaemo Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 165

divisou o bem comum como uma norma mais elevada que os ob- alemã de liberdade perdeu algum terreno importante em seu pen-
jetivos individuais, mas este não devia ser igualado, à maneira de samento quando regressou, com reservas, à mescla milliana de
Durkheim, a qualquer voniade suprapessoal. Na Londres do tem- aperfeiçoamento humano com os conceitos clássicos ingleses e
po da guerra, ouvindo o estrondo das bombas alemãs, Hobhoúse franceses de liberdade como independência pessoal e como au-
raivosamente travou-se com Hegel e escreveu todo um volume!, The togoverno coletivo. Assim, o "novo liberalismo" aproximou-se do
Metaphysical Theory of tíie State (1918), como uma refutação dó tri- liberalismo clássico.
buto de Bernard Bonsanquet (1848-1923) e de outros begelianos Tudo bem ponderado, o novo liberalismo, inclusive o libera-
britânicos ao "eu coletivo". ! lismo social dos dois Hobs, não se apresentava como muito estra-
Na prática, esses distinguos, por indicativos que fossem da ca- nho ao pensamento de Mill. Os novos liberais queriam implementar
pacidade que tinha o empirismo de sobreviver à síntese de Mill, o potencial para o desenvolvimento do indivíduo que fora caro a
não importaram em muito. Mas o caminho conceituai aberto! por Mill em seguimento a Humboldt, e ao fazê-lo pensaram no direito
conceitos begelianos, como o eu mais elevado do "Estado ético", e no Estado como instituições habilitadoras. Esta preocupação com
podia abrigar implicações perfeitamente iliberais. Francis Ilcrbert a liberdade positiva levou-os a ultrapassar o Estado minimalista. Mas
Bradley (1846-1924), o principal neo-idealista, escreveu um ensaio não eram de qualquer forma hostis, como questão de princípio,
muito influente, "Minha posição e seus deveres" (coligido em seus seja ao individualismo, seja ao liberismo; e sua preocupação cívica
Ethical Studies, 1876), que reduzia o eu moral a uma alimentação já estava presente em Tocqueville e Mill. Eles certamente se livra-
social do eu sobre a consciência da função humilde que se tem no ram da primeira estatofobia liberal, mas não eram estatistas. Com
interior do organismo social. Bonsanquet, sob a influência de o benefício do recuo no tempo, o liberalismo social da Belle Epoque
Bradley, declarou que "as mais profundas e mais elevadas realiza- se parece mais com o liberalismo clássico do que com o socialis-
ções do homem não pertencem ao ser humano particular em seu mo da vertente principal — pelo menos antes que o socialismo se
repugnante isolamento" (prefácio a The Philosophical Theory of lhe transformasse conscientemente em social-democracia.
State) — o que era sem dúvida anliindividualismo no mais alto grau.
O exorcismo praticado por Hobhoúse do fantasma de Hegel foi
uma oportuna reafirmação de verdades liberais.
De Kelsen a Keynes:
Green e Hobhoúse partilhavam, como se isto ela fosse, uma liberalismo de esquerda no entre guerras
versão social do conceito alemão de liberdade como autotelia, a
qual, como sabemos, é compatível com a liberdade como autono- Na França, o porta-voz do radicalismo como liberalismo de es-
mia (política) mas dela difere. Mas Hobhoúse, como o líder moral querda foi um contemporâneo dos dois Hobs, Emile Chartier, co-
do liberalismo n;t Bellc Epoquc, sofreu uma evolução sutil. Dife- nhecido como Alain (1808- 195 1). Alain percorreu uma longa car-
rentemente de I lobson, ele não viveu para ver ;i irrupção da Se- reira, ensinando filosofia em liceus, evitando deliberadamente a
gunda Guerra Mundial. Mas, depois de 1918, começou a temer os Sorbonne. Dreyfusista, lutou na Grande Guerra, mas tornou-se
poderes crescentes do Estado e se aproximou tanto do liberismo então um crítico feroz do nacionalismo belicoso, uma das posições
como do liberalismo político tradicional. Em conseqüência, a idéia padrões da Direita. Na década de 1920 seu dissabor pela estrutura
166 U liberalismo - antigo e moderno Dos novos uberalismos aos neoliberalismos 167

social republicana ditou livros como l^e citosen contrc les poiivoirs Quase da mesma idade que Gobetti, Cario Rosselli (1899-
11926), em que o singular ("o cidadão") e típico: pois a qualidade 1937) também morreu moço — assassinado por bandidos fascistas
do liberalismo de esquerda de AJain não era, como no caso dos na França. Seu objetivo, como declarado em Liberal Socialism (1928),
dois Hobs, uma modulação do individualismo em preocupação era resgatar o socialismo do marxismo. Enquanto o marxismo
social. Era antes uni ataque moral contra o parlamentarismo cor- opusera o socialismo ao liberalismo, Rosselli insistiu em que o so-
rupto, à medida que a Câmara republicana se perdia em escânda- cialismo só podia superar sua derrota diante do fascismo agindo
lo após escândalo. O individualismo de Alain era áspero, beirando como verdadeiro herdeiro da idéia liberal. O socialismo tinha de
o anarquismo. Para ele a democracia não era o resultado final no- ter a liberação como objetivo, e o Estado liberal — improvável, mas
bre de um republicanismo pedagógico, como em Simon e Ferry; de que não se devia desistir — como meio. Essa tendência liberal-
era, de forma mais imediata, uma estratégia antielitista, uma arma socialista alimentou o efêmero Partido delEAzione, fundado em
contra o despotismo tanto militar quanto político. O ensaísmo de 1942 pelo filósofo acadêmico Cuido Calogero (nascido em 1904).
Alain proporcionava mais raiva do que teoria política, mas foi alta- O partido estava destinado a ser o berço político do jovem Noberto
mente influente no período de entre guerras e uma leitura decisi- Bobbio, cuja obra discutiremos ao encerrar este capítulo.
va para a geração (nascida no início do século) de Sartre, Simone No mundo alemão, o liberalismo de esquerda significou an-
Weil e Raymond Aron. tes de mais nada uma doutrina política conveniente à República
Na Itália, o liberalismo de esquerda era menos moralista e mais de Weimar — aquela ordem institucional frágil que nascera da
historicamente orientado. A morte prematura (como um exilado derrota do Reich guilhermino e do esmagamento do socialismo
antifascista) de Piero Gobetti (1901-1926) privou a esquerda liberal vermelho. O maior nome na teoria política e jurídica de Weimar
de um líder imaginativo. Em 1924, dois anos depois da fascista foi o de um austríaco, Hans Kelsen (1881-1973), que terminou
Marcha sobre Roma, o jovem turmas Gobetti coligiu uns poucos seus dias como professor de direito em Berkeley depois de codi-
ensaios sob o título (já dado a um hebdomadário) The Liberal ficar a constituição da república austríaca (1920) e de servir como
Revolution. Seus veredictos históricos eram bastante duros: o Ri- juiz no Tribunal Constitucional. Rebento de uma família judia da
sorgimenlo fora um fracasso, e a política parlamentarista corrupta Galícia, Kelsen lecionava em Colônia quando Hitler subiu ao po-
no governo de Giolitti, na Belle Époque, fora um simples prefácio der. Quando ele publicou seu livro Teoria pura do direito (1934), o
ao fascismo. Quanto ao presente, os liberais e os republicanos -f a reitor da Escola de Direito de Harvard, Roscoe Pound, chamou-o
"direita histórica" — não afinavam com os novos tempos. Os socia- de "inquestionavelmente, o maior jurista da época". No mínimo,
listas eram impotentes c os comunistas burocráticos, enquanto os ele era o mais influente, desde a Inglaterra até a América Latina
nacionalistas se tornaram presas de uma retórica vazia. Como o e oJapão.
marxista Gramsci, Gobetti sonhou com uma revolução social ita- Kelsen reestruturou a tradição do positivismo jurídico. O
liana, a promessa não cumprida do Risorgimenlo. Mas ele tinha em positivismo jurídico afastou o direito natural reconhecendo a
vista uma revolução italiana que, diferentemente da francesa, sé- contingência do laço que liga o direito à moralidade. Mas, tendo
ria preferencialmente popular em vez de burguesa e ainda assim separado o direito da ética, os positivistas jurídicos mais velhos
— diferentemente da russa — liberal em vez de comunista. esgotaram as normas em fatos, reduzindo direitos e obrigações a
/',-« n 'vos /•!irri:lisi!n>s urs n?üÍ!-'>ri>y!is!:-r>>. /<>''

.!•' •:';-.>ciment.os cio acaso. Kelsen, pelo c o n t r á r i o , salientou a Soziatismiis and Sinal (Sorialisino r o Estado, 1920). Os marxistas se
natureza normativa do direito. Para que u m a exigência se revista equivocaram a respeito das relações entre Estado e sociedade de
.!Í legalidade (para que não fosse semelhante, digamos, à o r d e m duas maneiras. Primeiro, reduziram o Estado à expressão de for-
dada por uni bandido a r m a d o ) , tal exigência tem de .ser autoriza- ças sociais, t o r n a n d o assim um p a r a d o x o a sua famosa reivindica-
• !a por u m a n o r m a j u r í d i r a fundada, por sua vez, em toda u m a ca- ção da abolição final do Estado. Em segundo lugar, os marxistas
deia de outras normas. erravam ao afirmar que havia u m a contradição (Widrrspriirli) en-
i iomo se aplica a filosofia jurídica de Kelsen à esfera política? tre o Estado e a sociedade. Pois a sociedade é para o Estado o q u e
() i onecilo crucial aqui ê o do Estado, pois u m a dimensão vital do um conceito mais amplo é para um conceito mais estreito, c o m o
Estado consiste cm ser este uma estrutura de normas. Em 1900, "mamífero" para " h o m e m " . O relacionamento, p o r t a n t o , é de dis-
Jcillnek se apropriara do gosto n e o k a n t i a n o p o r um dualismo de tinção e implicação, e não de contradição: é um Gegensalz, não um
fato e valor para p r o p o r uma teoria que dividia o Estado: u m a Widersprurli.
!
/,':'(; i/.\Ir /ire lidaria com o Estado c o m o um c o r p o de leis, e n q u a n t o Kelsen t a m b é m combateu as opiniões da direita antiliberal,
u m a Stjziallehre preocupar-se-ia com o Estado c o m o uma institui- n o t a d a m e n t e os escritos do jurista r e n a n o Carl Schmitt ( 1 8 8 8 -
ção social. Kelsen rejeitou essa dualidade. Em seu lugar, apresen- 1987). Schmitt descobriu u m a coincidência e n t r e o Estado e a so-
tou uma idéia p u r a m e n t e j u r í d i c a do Estado: o Estado era igual à ciedade. Na sua obra de 193 l Der Hiiler der Verfassung (O guardião
o r d e m jurídica. O neokantiano reinante nos anos de entre guerras, da Constituição), ele afirmou que, e n q u a n t o as instituições liberais
Krnsí Cassirer, ensinara a distinção entre conceitos de substância do século XIX não se haviam alterado, a situação sociopolíüca real
e conceitos de função. Assim o á t o m o , disse Cassirer discutindo a fora p r o f u n d a m e n t e modificada. U m a m u d a n ç a principal consis-
física moderna, não é, para falar com p r o p r i e d a d e , qualquer nú- tia precisamente em que já não se podia discernir o eme era políti-
cleo substancial — é a p e n a s um Funküonsbcgrijfen, um conceito co do q u e era social. A sociedade tornara-se Estado na medida em
funcional usado pela análise científica. Da mesma forma, o Estado que o Estado m o d e r n o atuava c r e s c e n t e m e n t e c o m o u m a agência
kelseniano é apenas u m a idéia lógica útil: o conceito de unidade econômica, um Estado previdenciário, u m a fonte de cultura, e
i Io sistema jurídico. assim p o r diante. Do Estado absolutista dos séculos XVII e XVIII,
Kelsen recorreu muito à modernização epistemológica: tentou e do "Estado n e u t r o " do século seguinte, acontecera um salto, em
fundar sua teoria jurídica e política em novas abordagens do co- política européia, para o "Estado total". Aos olhos de Schmitt, o
n h e c i m e n t o . Depois da década de 1880, a epistemologia austríaca, Estado total, p o r sua vez, devia ser t o t a l m e n t e politizado, c o m
graças a Ernst Mach (18.-58-1916), estava r e c o m e n d a n d o que se poucos limites liberais constitucionais. 1 8
colocassem os Funklionsbegri/fen no lugar dos conceitos causais. Para Kelsen, em contraste, o Estado é c p e r m a n e c e s e n d o um
Kelsen viu o marxismo c o m o um p r o g r a m a causalístico, naturalís- g r u p o específico no interior da sociedade, a associação para o do-
tico para a ciência social, tão mais duvidoso p o r causa de sua he- mínio (Herrschaftsverband). Mas, c o m o o sistema legal de governo,
rança hegeliana historicista. O marxismo j u n t a v a o anacronismo o Estado reflete a natureza de u m a o r d e m j u r í d i c a que, c o m o o
de postular essencialismo causai com u m a mística de profecia hís- direito positivo, regula sua própria criação. O sistema jurídico c o m o
íorica. T u d o isso foi sugerido p o r Kelsen, n u m a crítica poderosa, Estado d e n o t a um processo m e d i a n t e o qual as n o r m a s se t o r n a m
!h>s 7WVOS lilicmiismos <;-.•.< nmiihiTulisiiins i, I

W o o d r o w Wilson (1856-192-1) não é um n o m e n o r m a l m e n t e


••'.,\ vez mais concretas, lerminanclo em instruções específicas
incluído em enciclopédias cio p e n s a m e n t o político, ruas modificou
:',::is'.as p o r indivíduos autorizados (os agentes do Estado). Num
;: ;igo publicado em 1922, na revista de Freud /mago, Kelsen valeu- a índole do liberalismo a m e r i c a n o . Os pais f u n d a d o r e s haviam

• : i <:!a psicologia de massa da psicanálise para salientar que Freud c o m p r e e n d i d o o c o n t r a t o social republicano c o m o um meio de

di.stinguia c o r r e t a m e n t e a massa primitiva, transitória, que seguia resolver ou h a r m o n i z a r m o d e r a d o s conditos de interesses. Pode-
cegamente caudilhos (como a h o r d a primitiva, em Totem e tabu, se dizer que Wilson foi o primeiro g r a n d e líder a m e r i c a n o que se
'v-1'2.), das massas artificiais, estáveis, que substituem o líder p o r tornou insatisfeito com esse ideal sensato de consenso utilitário.
•;m princípio abstrato. Para Kelsen, o Estado pressupõe a segunda C o m o um a c a d ê m i c o p r o e m i n e n t e , ele introduziu na política
-. -suécie, institucional, de massa e c o r r e s p o n d e à especificação in- americana o que a ideologia de ca w pus tanto estimaria meio sécu-
: ei ca m e n t e normativa de seu princípio diretor. lo mais tarde: a ética da convicção, a política do princípio. Seu
s o n h o de d e m o c r a c i a de liderança abriu c a m i n h o p a r a o refor-
A nomogènese — o processo de formação de n o r m a s — é crucial
para. Kelsen. Em 1920, o m e s m o ano em que primeiro publicou mismo patrício do segundo Roosevelt.

Sr-jiiüsníiLS undSlaal, ele editou um clássico entre as m o d e r n a s ex- O p r o g r a m a real de Wilson, "A nova liberdade", q u e foi for-

posições com respeito à d e m o c r a c i a : Ynn Wescn und Werl der m u l a d o c o m a ajuda do juiz Louis Hrandeis e c o n q u i s t o u p a r a

.•"'• ;:n>l;ralie (Da essência e do valor da democracia). A democracia, se- Wilson a Casa Branca em 1912, evitou atacar o capitalismo, con-

ca ido Kelsen, é u m a espécie particular de n o m o g è n e s e : remon- c e n t r a n d o seu fogo nos grandes trustes. Wilson fustigou os "inte-

:,mdo à distinção kantiana e n t r e autonomia e heteronomia, Kelsen resses especiais" do g r a n d e negócio e p r o m e t e u leis q u e favore-

destacou a forma pela qual as constituições regulam a p r o d u ç ã o cessem os h o m e n s em ascensão contra aqueles que já estavam em

de n o r m a s n u m d a d o Estado ou sistema jurídico. Q u a n d o o desti- cima — u m a ótima reprise política do S o n h o Americano, sem a

natário de tais n o r m a s não toma parte em sua elaboração, o siste- aspereza do conflito de classes que ainda estava presente no movi-

ma e h e t e r ô n o m o . Q u a n d o toma, o sistema é a u t ô n o m o . Politica- m e n t o populista. Mesmo o u t o p i s m o de sua posição internacional

mente, a h e t e r o n o m i a significa autocracia, e a autonomia, d e m o - na Conferência de Paz. em Versalhes era c o e r e n t e com o tradicio-

cracia. A democracia, na m e d i d a em que implica o princípio de nalismo, de última instância, de suas opiniões políticas: pois c o m o

autogoverno, é um processo de n o m o g è n e s e a u t ô n o m a . Richard Hofstadter divisou, exatamente c o m o a esperança wilso-


niana de competição sem m o n o p ó l i o retrocedeu ao capitalismo de
Na década de 1920, Kelsen t a m b é m deixou claro q u e a de-
m e a d o s do século, seu pacifismo depois de 1918 objetivava res-
mocracia liberal é fruto de u m a visão relativista. O pluralismo po-
taurar o equilíbrio mundial de p o d e r r o m p i d o pela guerra. 2 0
lítico implica um p o u c o de r e c o n h e c i m e n t o de perspectivismo, de
N u m plano estritamente teórico, a variação esquerdista no li-
crenças menos que absolutas, a r g u m e n t o u . A democracia pluralista
beralismo a m e r i c a n o deve mais a um o u t r o acadêmico c o n t e m p o -
;• a o r d e m social a d e q u a d a a u m a cultura marcada pelo q u e W e b e r
râneo, J o h n Dewey (1859-1952). Pedagogo ilustre, Dewey m u d o u -
celebradamente chamou de "o politeísmo de valores". Assim Kelsen
se para a recém-fundada Universidade de Chicago q u a n d o tinha
— o liberal de e s q u e r d a nos turbulentos anos de Weimar — acres-
trinta e p o u c o s anos, e instalou ali sua famosa Escola Laboratório.
centou um a r g u m e n t o epistemológico à sua esclarecida defesa ju-
No início do século, foi para Colúmbia. Ele era um pragmatista de
rídica do Estado d e m o c r á t i c o .
(J !il:i:fi;/..'M!ii> - tmiiff) e muderno pus /!<:?>(« Iil.vnilisnws a>.s tíroíiheratismos 17)

• •:•••;.ilo e erro, para quem o objetivo era mais o aperfeiçoamento cia nossa época c o m o uma "perversão" cio individualismo perfecti-
••In que a perfeição, e um crítico e l o q ü e n t e , e m b o r a algumas vezes vo; assim, Dewev manteve o valor da individualidade e n q u a n t o re-
fácil, do afastamento da filosofia com relação ao m u n d o ativo. jeitava sua antítese â sociedade'. E fácil distinguir o motivo p o r que,
"fransíbnrtou o n a m o r o ocasional do liberalismo clássico (como o se a moral e a política são assim e n t e n d i d a s , a democracia liberal
de Mill) com princípios socialistas n u m a simpatia mais forte. Seus de um forte c u n h o espiritual reformista tornou-se, para Dewey, a
livros, n o t a d a m e n l e Democracy and Edriration (1916) e Fnrtlom and o r d e m social mais legítima. O que Kelsen acabou p o r valorizar em
Cailurc (1939), ajudaram esquerdistas c o m o Sidney Mook a se li- n o m e cio pluralismo dos valores, Dewey exaltou como um regime
vrarem do d o g m a marxista sem a b a n d o n a r inclinações socialistas. mais bem a d a p t a d o â realidade de m u d a n ç a .
A teoria do impulso em Hiunan Sature and Condticl (1922), um Em 1938, Devvey fez b o m uso de seu saudável instrumentalis-
t r a t a d o sobre psicologia social, foi o a u g e do p r a g m a t i s m o de nío n u m a curta polêmica com Trotsky. No começo daquele ano, o
í Vwcy. Para Devvey, a verdade é a eficácia. T o d a realidade é relati- g r a n d e exilado soviético escreveu um ensaio intitulado "A moral
va ao homem, e todos os fins humanos são inianent.es, com n e n h u m deles e a nossa". Era, entre outras coisas, u m a defesa r e t a r d a d a da
fim além e n e n h u m absoluto. Dewev esboçou o seu pragmatismo atitude muito criticada de Trotsky na rebelião de K r o n s t a d t de
c o m o um "instrumentalismo" para dar ênfase a que o comporta- 1921. Não há critérios morais, a r g u m e n t o u Trotsky, fora da história
m e n t o e o c o n h e c i m e n t o não passam de instrumentos de adapta- e i n d e p e n d e n t e s do h o m e m social. A n ã o ser no caso de manu-
ção à experiência, e de transformação dela. Ler Hegel ensinou-lhe tenção da fidelidade a absolutos religiosos, e x t r a m u n d a n o s , deve-
um sentido de inter-relação e t a m b é m u m a visão altamente dinâ- se reconhecer que a moralidade é um p r o d u t o do desenvolvimento
mica da realidade. Dewey partiu para desafiar a "tradição clássica" social. Mas isso não constitui licença para q u e se recorra a um raa-
<ic Platão à s í n d r o m e m o d e r n a do empirismo e utilitarismo. A tra- quiavelismo vulgar. Pelo contrário, n e m Lodo fim é legítimo. Antes,
dição clássica p r e s s u p u n h a q u e o universo era essencialmente fixo
ele p r ó p r i o tem de ser justificado. P o r t a n t o , a conclusão do ensaio
e imutável, e n q u a n t o , em matéria de conhecimento, dava primazia
de Trotsky foi devotada a afirmar a s u p e r i o r i d a d e do fim marxista
à contemplação individual. C o n t u d o , para Dewey o "criticismo",
— a libertação da h u m a n i d a d e .
significando a aplicação do sentido de adaptação a problemas de
Dewey aceitou o ponto de partida de Trotsky — a rejeição da
c o m p o r t a m e n t o , consistiu n u m processo de investigação median-
ética absolutista, religiosa ou não. Em sua resposta, "Meios e fins",
te o qual se escolhe a espécie de ação capaz de transformar u m a
publicada na m e s m a revista, The New International, Dewey salien-
situação p e r t u r b a d o r a n u m a condição integrada. O criticismo é
tou que o fim, no sentido das conseqüências, p r o p o r c i o n a os úni-
assim, p r e e m i n e n t e m e n t e , u m a atividade social, um m é t o d o sus-
cos critérios p a r a a moral. Mas se os meios são justificados na
t e n t a d o de intercâmbio inteligente."
medida em q u e conduzem a fins a p r o p r i a d o s , é p o r isso m e s m o
A moral e a política são, p o r t a n t o , tanto sociais q u a n t o expe- mais necessário examinar cada meio c o m m u i t o cuidado para de-
rimentais. O mais elevado b e m h u m a n o é o crescimento de tal terminar inteiramente quais seriam as suas conseqüências. E fora
a d a p t a ç ã o coletiva. A n a t u r e z a h u m a n a é social d e s d e o início, e x a t a m e n t e isso q u e Trotsky deixara de fazer. Exaltando a luta de
e m b o r a n e m p o r isso m e n o s individualizada. O livro de Dewey classes e m e s m o o terror revolucionário c o m o meio para a liber-
huiividualism Old and New, de 1930, censurou a "cultura pecuniária" tação h u m a n a , Trotsky prejulgara os meios de u m a m a n e i r a aprio-
//<« !iu.:os hlvntliMMa uns );;<i>/:.'>c?<^//.v»;rj'. // '
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O revisionismo e c o n ô m i c o de Kevnes brotava de algo mais


•: ::.a. Pois não havia razão por si só evidente para declarar que a
a m p l o que c o n s i d e r a ç õ e s econômicas e políticas: era profunda-
;i:ta de classes era o único meio de conseguir a melhora suhsiancial
m e n t e vinculado a u m a revolução na moral. John M a y n a r d per-
<ia condição h u m a n a . " A resposta de Dewey constituiu uma tran-
1
tencia a u m a b r i l h a n t e g e r a ç ã o de e r u d i t o s de C a m b r i d g e (foi
. ;úila vitória lógica do pragmatismo sobre o d o g m a revolucionário.
aluno do g r a n d e economista Marshall e de A. C. Pigou) determi-
.1 Com a irrupção da guerra, a figura central no liberalismo de
n a d o s a ingressar n u m a o u s a d a n e g a ç ã o da moral vitoriana.
esquerda para o m u n d o d-c expressão inglesa não foi n e m Dewcy
ri Consideravam-se "imoralistas" e inspiraram o assim c h a m a d o
nem Kelsen, mas John Maynard Keynes ( 1 8 8 3 - 1 9 1 6 ) . Não o g r u p o de B l o o m s b u r y , o círculo literário l o n d r i n o de Virgínia
•• lilósofo-pedagogo, n e m o jurista, mas o economista que reformulou Woolf e E. M. Foster.
a economia política tornou-se a principal referência do liberalismo Na a u r o r a do século, em C a m b r i d g e , o filósofo G. E. M o o r e
íj reconstruído. Em seus Essays in Prrsuasion (1931), Keynes escreveu (1873-1958) solapara a ética tradicional. Em seu influente livro
] " que "o p r o b l e m a político da h u m a n i d a d e consiste em c o m b i n a r Principia ethica (1903), M o o r e afirmou que não há definição q u e
ires coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade indivi- se adapte ao " b e m " a não ser diversas formas de "falácia naturalís-
dual". O liltimo p r i n c í p i o m o s t r a a força de sobrevivência das tica". Sugeriu e n t ã o eme se p o d e m fruir delícias em " d e t e r m i n a d o s
preocupações de Mill, m e s m o depois de meio século de especifi- estados de consciência... como os prazeres das relações h u m a n a s e
!J cações sociais-liberais. O s e g u n d o apenas provava q u e os novos li- o gozo de belos objetos". C o m o logo r e p a r o u o c o m p a n h e i r o de
berais da Depressão não a b a n d o n a r i a m as inquietações h u m a n a s , Keynes, Lytton Strachey, isso lançou fora a ética clássica e o cris-
humanitárias e humanísticas da geração Hobhouse-Duguit-Devvey tianismo, j u n t a m e n t e c o m Kant, Mill, Spencer e Bradlcy, sem n a d a
(os mestres sociais-liberais que haviam nascido por volta de 1860). dizer da m o r a l i d a d e convencional em matéria de sexo."' 1 C o m o
Mas o primeiro e l e m e n t o — eficiência econômica— foi uma lição Strachey, o j o v e m Keynes não estava acima de situar "os prazeres
amarga extraída cios traumas da guerra e da depressão mundiais. das relações h u m a n a s " em aventuras homossexuais. N u m a total
; Keynes deu ao liberismo o r t o d o x o o golpe de m o r t e com seu relação c o n t r a o ethos vitoriano, eles atribuíram u m a i m p o r t â n c i a
j livro The. End of Laissez-faire, de 1926. Mas já em 1919, c o m o pri- m e n o r ao c o m p o r t a m e n t o e exaltaram e x a t a m e n t e o q u e os seus
; meiro r e p r e s e n t a n t e do T e s o u r o britânico na Conferência de Paz antepassados ascéticos, filisteus, que haviam sido severos dissidentes,
! de Paris, ele discordara radicalmente da política aliada de sobre- protestantes, o b e d i e n t e m e n t e evitaram: relacionamentos pessoais
carregar a Alemanha; afirmou em The Economic Consequmces of tha e experiências estéticas. O avô de Virgínia Woolf, sirJames Stephen,
Pracr que o capitalismo vitoriano fora apenas um caso especial, fora um típico vitoriano: dizia-se que certa vez provara um c h a r u t o
sendo o capitalismo n o r m a l m e n t e frágil e instável. Em m e a d o s da e o achara tão delicioso que nunca fumou outros. Os imoralistas
década de 1920, Keynes c o m p r e e n d e u que o p o d e r leninista esta- de C a m b r i d g e e Bloomsbury passaram a entregar-se furiosamente
va historicamente decidido a destruir o capitalismo (a despeito das
a prazeres p e c a m i n o s o s .
| táticas de c o m p r o m i s s o da NEP) e que o fascismo sacrificava a
Os c o n t e m p o r â n e o s socialistas de Keynes, os Fabianos c o m o
democracia para salvar a sociedade capitalista. Restava u m a tercei-
os Webbs e G e o r g e Bernard Shaw, culpavam o capitalismo pelos
ra opção, que era salvar a democracia renovando o capitalismo. Esta
males sociais. Keynes apontava para eles u m a causa psicocullural,
veio a ser conhecida e praticada c o m o "keynesianismo".
//O O liberalismo - antigo e moderno Dos nonos liberalismo.'; aos neoliberalismos J 77

a ética puritana. Sua A teoria geral do emprego, do juro e da moeda O diagnóstico de Keynes foi, com efeito, muito britânico. As
(1936) tratou do problema do desemprego subvertendo a doutri- singularidades da situação — o papel chave desempenhado pelo
na econômica. Keynes basicamente aceitou a microeconomia de dinheiro, a quase-ausência de investimentos e de acumulação de
Marshall, mas complementou a microeconomia — teoria do valor capital — eram traços britânicos. Já foi dito que, embora Keynes
ou de preço — com um novo grau de atenção a níveis gerais de gostasse de pensar em si mesmo como o coveiro que enterrara a
renda, produção e emprego. Influenciado pela idéia de Marshall economia ricardiana, ele estava apenas adaptando-a. O que Ricardo
de que explicando crescimentos e crises a análise econômica tem tinha principalmente feito fora analisar como o resultado da riva-
de ser separada de outras áreas da economia, Keynes viu no nível lidade entre latifundiários e industriais determina a taxa de acu-
de receita, enquanto variável dependente, o problema crucial. mulação de capital. Keynes, hostil à City*, substituiu o latifundiá-
Desafiando a equalização convencional de poupança com investi- rio pelo financista e se concentrou no nível de emprego, em vez
mento, mostrou que a poupança, além de ser com freqüência de fazê-lo na taxa de acumulação."'
menos importante para o investimento do que o crédito, podia Mas o keynesianismo projetou a análise de curto prazo de
exceder a necessidade de investimento. Keynes (sua teoria era defeituosa no que diz respeito a ciclos
No cerne da economia clássica estava a Lei de Say, que afir- comerciais e retardamentos) numa receita de longo prazo para
mava que a oferta cria a sua própria demanda. Tradução: toda re- crescimento e desenvolvimento, apoiando-se em pressupostos
ceita é gasta; o dinheiro não gasto em bens de consumo é poupa- duvidosos quanto à demanda e ao consumo. O próprio Keynes
do mas não entesourado, já que nenhum proprietário racional de superestimou a racionalidade de políticas econômicas adotadas por
poupanças desejaria manter um saldo que não produzisse receita. governos democráticos — ele ignorou, numa palavra, o que Samuel
Keynes, no entanto, mostrou que em algumas circunstâncias o di- Brittan chamou graficamente de "as conseqüências econômicas da
nheiro é entesourado, se não por outro motivo, por não constituir democracia", as múltiplas distorções acarretadas por pressões de
apenas urri meio de troca, mas também uma soma de valor para grupos de interesses capazes de fazer prevalecer, ou de bloquear,
propósitos especulativos (um meio de adquirir bens no futuro). o mercado político democrático." 5 Keynes não quis que o governo
Assim, deixada a si mesma, a taxa de poupança não significaria alio invadisse a esfera microeconômica. Mas tal ocorreu, muitas vezes
investimento, acarretando a redução do desemprego. Por conse- em nome do próprio Keynes, atuando b governo diretamente so-
guinte, Keynes propôs "a eutanásia do capitalista" e "uma sociali- bre salários e preços. Keynes procurou a origem das baixas nos
zação um tanto abrangente do investimento", como a resposta cri- instintos entesouradores de uma classe de "capitalistas". Contudo,
ativa do capitalismo à insistência socialista na socialização da pro- Milton Friedman, escrutinando a história monetária dos Estados
dução. Como foi observado, a prescrição de Keynes residia em que Unidos, entre a vitória sobre os Confederados e os anos de
o Estado controlasse os gastos e a demanda, em vez de controlar a Eisenhower, descobriu que a instabilidade decorrera principal-
propriedade e a oferta. Além disso, a concentração na demanda mente de inconstâncias no suprimento de dinheiro — e, portanto, do
agregada muito fazia para desarmar a luta de classes, já que uma comportamento governamental mais do que qualquer outra coisa.
demanda forte levaria a um tempo a altos lucros e ao pleno em-
prego, com salários crescentes. (*) A parte de Londres onde se estabeleceu a comunidade de negócios. (N. do T.)
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científica (1934), e então lecionou, desde 1945, na Escola de Eco-


O paradoxo de Keynes consiste no seguinte: embora tivessem
nomia e Ciência Política de Londres.
obtido lucros fabulosos, os capitalistas vitorianos haviam preferi-
Em The Poverty of Historicism, como em sua prévia longa con-
do investir a consumir; e quando os trabalhadores atravessaram a
tribuição para a teoria social, A sociedade aberta e seus inimigos (1945),
maior miséria, obedeceram ao invés de se revoltarem. Nada disso
Popper tentou estabelecer um laço entre o historicismo e o totali-
subsiste, via de regra, no capitalismo moderno, pós-keynesiano. Já
tarismo. Ele viu o marxismo, em particular, como um historicismo
não há mais autodomínio. Hoje em dia, o próprio setor público,
econômico, proporcionando a cosmovisão para uma utopia totali-
com seus exércitos burocráticos, "cabala" para conseguir maiores
tária. A idéia de Popper consistia em que os revolucionarismos to-
gastos governamentais, alimentando ainda mais a "crise fiscal do
talitários do nosso século, a despeito de todas as suas pretensões à
Estado". Ironicamente, as receitas de Keynes, o antipuritano, só
novidade radical, são no fundo monstros políticos fundados em
funcionaram enquanto a ética puritana — a saber, ascetismo e abs-
raízes profundamente arcaicas. A lógica da pesquisa científica re-
tenção — se manteve como força viva na sociedade capitalista.
presentou o racionalismo crítico como a disposição para expor-se,
enfrentando o risco de falsificação. Diferentemente dos neopositi-
vistas de Viena, Popper considerava a falseabilidade, e não a verifi-
Karl Popper e uns poucos moralistas cação, o critério do conhecimento científico.
liberais rio a pós-guerra. A "sociedade aberta" é análoga, cm matéria de sociedade, a
Tecnicamente, .v/Y Karl Popper (nascido cm l'.)()'J) mm e uni filóso- essa ousadia intelectual. K uma cultura livre pensante, altamente
individualíslica, em que as pessoas se responsabilizam pelas deci-
fo político, mas um crítico severo de filosofias políticas associadas
sões umas das outras. A sociedade aberta de Popper é, com efeito,
a uma crença particular — historicismo. O historicismo pode ser,
uma versão mais individualística do "criticismo" de Dewey como
grosso modo, descrito como a teoria da lógica, ou significado global,
uma forma de vida. O oposto da sociedade aberta é o Iribalismo, os
da história. Popper, no entanto, o define como uma abordagem
espaços sociais dominados por dogmas em vez de o serem pela ex-
da ciência social com a finalidade de predição. Tal abordagem é para
perimentação científica. A projeção do espírito tribalista no pen-
ele intelectualmente insustentável e moralmente repugnante. A
samento alimenta crenças falsas como o historicismo, que Popper
dedicatória de sua monografia The Povrriy of Historicism, de 1957,
considera falso porque afirma leis gerais sobre um fenômeno —
reza: "Aos inumeráveis homens e mulheres de todos os credos ou
todo o processo histórico — que é singular por definição.
nações ou raças que caíram vítitnas da crença fascista ou comunis-
Na medida em que a crítica de Popper contém uma justifica-
ta nas Inevitáveis Leis do Destino Histórico." O próprio Popper, o
ção de uma certa espécie de sociedade e de política, ela é, de forma
brilhante filho de prósperos judeus luteranos de Viena, fora um
patente, uma defesa conseqüencialista da democracia liberal — algo
membro independente do assim chamado Círculo de Viena de
não muito distante da posição de Mill em On Liberty. Lutando
positivistas lógicos liderado por Moritz Schlick (1882-1936) é
contra "soluções finais", totalitárias, Popper preconizou "remendar
RudolfCarnap (1891-1971), quando fugiu da Áustria pouco antes
socialmente aqui e ali". Mas é inequívoca a inclinação reformista
do Anschluss nazista. Passou a guerra na Nova Zelândia, já autor
da política de Popper, mesmo se seu tom cauteloso transmite uma
de um clássico da epistemologia moderna, A lógica da pesquisa
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ou duas notas de prudência desiludida. Assim, ele fala constante- de Popper, as suas afirmações quanto ao historicismo e o totalita-
mente da necessidade de que se elimine a miséria, em vez de se rismo. Foi exatamente o que fez lorde Quinton. Reavaliando os três
procurar em vão elevar a felicidade ao máximo. Seu minimalismo principais inimigos da sociedade aberta nos termos de Popper —
é humanitário, o que frustra o escopo generoso da democracia Platão, Hegel e Marx —, Quinton acha que nenhum deles foi tota-
benthamita. Mas, de fato, a cautela de Popper é mais epistemológica litário (o máximo que se pode dizer é que Platão e Hegel foram
do que social. Nada há na essência da sociedade aberta que impeça autoritários); que Platão foi apenas muito marginalmente um
uma ampla reforma social, desde que se proceda com consciência historicista; e que, embora Hegel fosse definitivamente um autori-
clara do custo-benefício. A observação sarcástica e muito citada de tário, seu autoritarismo não decorre do seu historicismo. 2 Tudo
que Popper é um revolucionário em ciência mas um tímido refor- isso me parece" muito bem observado.
mista em sociedade parece-me desprovida de fundamento. No mesmo ano em que Popper publicou A sociedade aberta
No entanto, é verdade que Popper mantém sua idéia de (1945), também foi publicado A revolução dos bichos, a primeira fá-
democracia demasiado próxima de uma noção estreitamente pro- bula política escrita por George Orwell (1903-1950), o pseudônimo
cedimental, não diferente da famosa redefinição de Joseph de Eric Blair. Contava a história de uma revolução de bons animais
Schumpeter (a democracia é menos um método de autogoverno que é bestialmente traída por porcos stalinistas. Embora tenha
do que uma luta competitiva pelo voto do povo). A democracia de atingido um público maior com esse livro, Orwell vinha polemi-
Popper é, acima de tudo, um meio para mudar o poder sem vio- zando com a esquerda — eno interior dela — por quase uma década.
lência. E exatamente como deveríamos tentar reduzir a miséria ao Nascido na índia no que chamou "a classe média alta mais
mínimo de preferência a elevar a felicidade ao máximo, nos cum- baixa" — ou seja, a classe média alta sem dinheiro —, Orwell tinha
priria perguntar, não como podemos arranjar bons governantes, uma educação etoniana, mas não logrou ingressar no mundo de
mas de que maneira minimizar os prejuízos que eles nos podem Oxbridge. Foi policial na Birmânia até 1927, o que só o tornou
causar. Popper também ressalto 1 o "paradoxo da democracia" — antiimperialista. Depois disso, levou a vida de um escritor autôno-
o fato de que a democracia poc e suicidar-se votando na tirania, mo com poucos fundos, fazendo trabalhos subalternos e, uma e
como ocorreu no fim melancólk :o da República de Wcimar. outra vez, convivendo com vagabundos, inclusive com uma passa-
Popper permanece principalmente um epistemologista, um gem por uma favela parisiense. O livro que reproduz essas experi-
teórico da ciência (nos seus úlii inos escrilos, como Conlierimento ências, Na pior, em Paris c cm Londres (1933), mostrou seu gênio para
objetivo, 1972) da evolução, a um empo natural e humana. Sua obra o jornalismo de ficção e para a apreensão moral de apertos sociais.
pouco tem a oferecer no que diz respeito a uma análise da estru- Em A caminho de Wigan (1937) ele descreve a desgraça do desem-
tura da política ou da natureza cia autoridade. Alguns críticos sa- prego e anuncia que se convertera ao socialismo (entre a Birmânia
lientaram que a sua analogia científica é fraca para tratar de pro- e seus anos de marginalidade, ele se qualificara de tory anarquista).
blemas sociais, já que questões dessa natureza, diferentemente de Então, Orwell foi para a guerra civil da Espanha, cio lado republi-
indagações científicas, não existem, via de regra, em isolamento e, cano. Voltou com um livro — hlomage to Calalonia (1938) — que
portanto, com elas não se pode lidar com um espírito de despren- desafiou abertamente a tentativa stalinista de dominar a esquerda.
dida objetividade. 20 Também se pode criticar o âmago da posição Durante a Segunda Guerra Mundial, manteve a posição esquerdis-
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ia independente, ajudando Aneijirin Revan a editar Tribune. Em The Num aspecto básico, Orwell foi muito um liberal: seu amor
Lion and the Unicorn, exaltou uma tradição radical de patriotismo pelo individualismo desenfreado. Em lnside the Whale (1941), ele
agarrando com sofreguidão a oportunidade de roubar a Union fack escreveu que o romance é praticamente uma forma protestante de
das mãos conservadoras e im 1* íialistas. arte, porque é o produto do indivíduo autônomo. Foi de tal posi-
Mas a fama mundial de Orwell vem de que ele desvendou a ção — um valor central partilhado por Locke e Mill, Hobhouse e
hipocrisia comunista. Sua segunda ficção política, Mil novecentos e Keynes — que a prosa cristalina de Orwell exibiu sua crítica moral
oitenta e quatro (1949), tornou-se a moderna distopia clássica, o irresistível da ideocracia socialista. O socialista típico, escreveu ele,
conto perfeito para que as pessoas se acautelem contra as tendên- é "um homenzinho empertigado com um trabalho de executivo",
cias totalitárias que funcionavam em nome do redencionismo co- usualmente abstêmio e vegetariano. E claro que não se tratava de
munista. Particularmente, o que Orwell fez para desmitifícar a sugerir que: o farisaísmo é endêmico aos socialistas, mas de mos-
"Novilíngua"* — a descarada desonestidade intelectual embrulha trar o quanto pode ser pedante a mentalidade de alguns autode-
da nas "nobres mentiras" do partido — é coisa de que não se pode signados salvadores da humanidade. Previsivelmente, vários entre
esquecer, uma maravilhosa proeza da ldeologickrilik. E seus en-i eles tentaram rebaixar o Orwell maduro como um praticante pre-
saios retomaram muitos temas liberais: censura, violência, lin- conceituoso da guerra fria e um burguês decadente — e essa espécie
guagem ofuscante. de exercício veio à tona de maneira oportunística em Mil novecen-
Orwell acreditava que era da maior importância "destruir o tos e oitenta e quatro.'9 Talvez a melhor resposta a tais investidas de
mito soviético". Será que isso fazia dele um liberal? Temos aqui má-fé entre intelectuais radical-chic seja relembrar tranqüilamente
um problema de autodelinição. O Orwell maduro sempre pensou a inabalada popularidade de Orwell na Europa oriental. Orwell,
em si mesmo como um socialista democrata, nestes mesmos ter- atinai, não foi nenhum teórico, nem formalmente liberal — mas o
mos. As suas opiniões eram muito apresentadas com a repugnân- liberalismo não pode dispensar a verve ética de seu libertarianismo.
cia que D. H. Lawrence sentia pela civilização industrial moderna, Também cristalina foi grande parte da prosa do romancista,
certamente um grave desvio da cosmovisão da principal corrente teatrólogo e ensaísta Albert Camus (1913-1960), a parelha france-
do liberalismo. Por outro lado, Orwell nunca alimentou inclinações sa de Orwell como um moralista liberal menos no nome. Um "pied
tradicionalistas. Durante toda a sua vida, escreveu como um noir" (francês colonial do norte da África), Camus passou uma in-
"libertário igualitário", muito mais próximo do liberalismo popu- fância órfã de pai num bairro operário de Argel. Mas, durante a
lar de William Cobbett do que de qualquer coisa pertencente seja Ocupação, o brilhante jovem já estava escrevendo para o Combat,
ao ethos patrício conservador ou ivhig seja ao novo elitismo tecno- jornal da Resistência.
crático dos Fabianos. Ele foi, acima de tudo e sempre, um crítico Em 1942, Camus publicou um longo ensaio, "O mito de Sísifo",
mordaz de todos os elitismos — inclusive, é claro, o elitismo dos exortando o homem moderno, ateu, a enfrentar o desafio do ab-
intelectuais radicais. 28 surdo. O cerne do absurdo era, é claro, a mortalidade, e Camus,
por causa disso e de seu extraordinário romance O estrangeiro
(*) "Novilíngua": apelido dado por Orwell à linguagem criada pelo Estado totalitá- (1942), foi logo incluído entre os existencialistas. No entanto, seu
rio de Mil novecentos e oitenta e quatro. existencialismo era menos como o de Sartre, que acentuava a
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incessante embora fútil inquietação da consciência humana, do que e lúcido para dizer não ao absurdo da vida e aos males da socieda-
um regresso à moral paga. Camus exaltou o Sul, o espírito do de. Era isso o que recomendava o "pensamento solar", em vez da
Mediterrâneo: lucidez e sensualidade, um sentimento de tragédia neblina da fé revolucionária. Octavio Paz, o grande escritor mexi-
<• um gosto pela medida. "Nenhum homem é um hipócrita em seus cano, resumiu e enriqueceu mais tarde essa antítese entre o histo-
prazeres", escreveu em seu último, póstumo romance, A queda ricismo da revolução e a ética "presentista" da revolta. Camus era
(1956). A morte e o sol — tal foi a arena existencial de Camus. Em verdadeiramente semelhante a Orwell em seu anseio por uma po-
1957, aos 44 anos, ele se tornou o mais jovem ganhador do Prê- sição independente de esquerda e, acima de tudo, em seu dom de
mio Nobel desde Kipling. penetrar a retórica da revolução. Em sua notável peça Les justes, de
Na década de 1950, no que ele próprio chamou de seu segun- 1950, os revolucionários são personagens burguesas que não bus-
do ciclo, o moralista.que havia nele, não diferentemente de Orwell, cam tanto a justiça como a autojustificação. Ainda necessitamos
travou uma polêmica contra o marxismo, que era então a maré alta dessa espécie de realismo moral." °
do mundo intelectual francês. Camus divisou o historirismo mar- O mundo latino, nas décadas do após-guerra, contou com pelo
xista como iiiii álibi, uma Itiga pseiidocientílica da carga da liber- menos mais um notável moralista liberal: Salvador de Madariaga
dade. Km l.lioiiniu1 reonlté (1951), seu segundo ensaio de maior (IMH(>-1D7N). Muito mais velho que Camus e mesmo Orwell,
importância, Camus declarou, contra Niet/.scbe, que Platão estive- Madariaga foi um prolífico homem de letras espanhol que contri-
ra certo. Pois a história não tem consciência, e conseqüentemente buiu para o estabelecimento da Liga das Nações. Republicano
temos de olhar para outra parte, desde que queiramos encontrar moderado, publicou em 1937 um ensaio político, Anarquia ou
critérios para a humanidade de nossos atos e instituições. Os slali- hierarquia, que continha a sabedoria histórica de um liberal con-
nistas e os existencialistas sartrianos pareciam-lhe todos prisionei- servador decepcionado. Em tempos europeus mais antigos, pensou
ros da história — o que o levou a uma amarga polêmica com o grupo Mandariaga, o Estado fora como uma planta. Mas o Estado mo-
de Les Temps Modernes, a muito prestigiada revista de Sartre. A derno, filho das revoluções inglesa, americana e francesa, fundava-
brecha foi logo alargada pelo impacto da tragédia argelina. Sartre se no princípio do contrato. O problema consistia em que a de-
e seus seguidores apoiaram o anticolonialismo integral de escrito- mocracia, para ser estável, necessitava ser orgânica: não apenas a
res como Franz Fanon (1925-1961); Camus, dilacerado entre "a soma de opiniões passageiras, mas o fruto maduro do convívio.
justiça e sua mãe", fidelidade pessoal e princípio democrático, Quanto a plebiscitos, estes eram errados porque dependem da
acabou por escolher um silêncio farisaicamente condenado pela massa, e não da nação orgânica — e também porque, sem dúvida,
esquerda parisiense. o liberal don Salvador estava horrorizado com o abuso dos plebis-
Camus reconheceu com prazer o papel desempenhado por citos em mãos fascistas. O testamento político de Madariaga foi De
Marx no despertar de nossa má consciência social. Mas avisou que Ia angustia a Ia libertad (1955). O livro criticava a excessiva con-
nenhuma verdadeira dialética jamais podia afirmar, seja um fim da fiança do liberalismo vitoriano na harmonia natural e final dos
história, seja um fim para a história. O idealismo revolucionário egoísmos individuais. As Erínias fascistas e os flageladores comu-
levava a slogans e, portanto, ao Terror, indiferente ao sofrimento nistas aproveitaram-se do vácuo resultante. Portanto, dever-se-ia
humano. Era melhor ter revolta do que revolução: o esforço nítido abandonar o sufrágio universal e construir em seu lugar um
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lederalismo geral, uma pirâmide de associações locais e industri- Berlin afirmou que, de Platão a Marx, prevaleceu no pensa-
ais. Era novamente o organicismo, num estado de ânimo um tan- mento ocidental a idéia do universo como um todo inteligível go-
(o melancólico. vernado por um só princípio, com a implicação de que cumpria
O moralista liberal da Grã-Bretanha não era nascido no país. ao homem ordenar sua vida, social e pessoal, de acordo com essa
Sir lsaiah Berlin, professor em Oxford, nascido em 1909, provém estrutura cósmica unitária. Berlin questionou intencionalmente tal
de uma família judia de Riga, que se instalou na Inglaterra em objetivismo em matéria de valores. Como Weber, ele pensava que
conseqüência da Revolução Russa. Nos anos da guerra, serviu na os significados de última instância não estão ali, nas coisas; eles são
Embaixada britânica em Washington, de onde seus relatórios cha- dados — ou impostos — pelo homem ao mundo. Além disso, o uni-
maram a atenção de ninguém menos que Churchill. Em 1946, ser- verso é irresgatavelmente plural; daí o segundo erro da tradição
vindo em Moscou, abandonou as relações exteriores para passar a filosófica ocidental — seu monismo. Rejeitando esse monismo mo-
uma vida acadêmica prolongada e distinta no Ali Souls College. Sua ral ligado a uma hierarquia de valores, Berlin preferiu aprofundar-
obra no terreno da história das idéias, especialmente sobre pensa- se em Maquiavel, que enfrentara a impossibilidade de conciliar a
dores como Marx, Viço, Herder e Herzen, é uma realização singu- ética paga da virtú e fortuna com a moral cristã da transcendência.
lar. Berlin ajudou a resgatar a filosofia de Oxford do bizantinismo É inevitável o pluralismo de valores, insistiu Berlin — e, em conse-
da análise lingüística; não receou formular novamente algumas qüência, também o são o conflito e a escolha. Na sua opinião, o
grandes questões "metafísicas". que dificulta as concepções de "liberdade positiva" é que, tentan-
Em 1953, Berlin pronunciei! uma famosa conferência sobre do reformular todos os valores como aspectos de uma dada "li-
a inevitabilidade histórica.•" A tônica de seu ataque não diferia berdade racional", elas recaem no monismo moral — e muitas ve-
muito da posição an(i-hisloricis(a de Popper: parecia-lhe engano- zes, em seu nome, em práticas autoritárias, por mais nobre que seja
sa a busca de leis que possibilitassem a predição em história, e a o seu objetivo original.
crença num destino histórico resultava numa atrofia do sentimento Berlin é um libertário eloqüente. Como Popper, Orwell e
de responsabilidade. Enquanto Popper salientara os defeitos Camus, pouco tem a dizer sobre o lado institucional da liberdade.
epistemológicos do historicismo, Berlin — escrevendo poucos anos Vista numa perspectiva histórica, a liberdade positiva no sentido
antes da publicação de The Poverty of Historicism — acentuou o lado geral de liberdade para merece um julgamento mais bondoso do
moral do problema. Sua mais bem conhecida contribuição à teo- que o que lhe dispensa Berlin. Para sir lsaiah, a longa, maciça
ria política é uma outra conferência, "Dois conceitos de liberda- "busca moderna da felicidade" é, no fundo, "um anseio por status
de" (1958), que codificou para Os países anglo-saxões a distinção e reconhecimento" distinto de (embora não sem relação com)
entre liberdade negativa e (liberdade) positiva, ou liberdade de e qualquer das duas liberdades. Ainda assim, quem negaria que a
liberdade para?1 Como vimos no capítulo 1, Berlin igualou a li- conquista de crescentes intitulamentos, a multiplicação das opor-
berdade negativa à ausência de constrangimento, e a liberdade tunidades de vida, e o cerceamento de laços tribais e tradicionais
positiva à procura de fins racionais — o que, em sua opinião, abre foram amplamente experimentados por milhões como uma fruição
o caminho para outra igualização decisiva, a da liberdade com a da liberdade? Na prática histórica, a fome de consideração é qua-
se inseparável do senso de realização pessoal e do sentimento de
/<S7>' O liberalismo - antigo e modt Dos novos liberalismos aos ncoliheralismos 189

livrar-se de grilhões. 33 Se assim é, há uma explicação sociológica da claramente pior do que Estados comerciantes.36 É claro que a polí-
liberdade que desafia a antítese de Berlin. tica prossegue, mas não detém o impulso autônomo das forças
De modo assaz interessante, a obra mais notável de ética übeh econômicas.
ral desde Rawls, o recente liyro de Joseph Raz The Morality of Os primeiros desafios teóricos à reação antieconômica parti-
Freedom (1987), reafirma o pluralismo de valores, salientando a in- ram de um austríaco, Ludwig von Mises (1881-1973). Seu livro de
comensurabilidade do valor tãc enfatizada por Berlin. Contudo, c 1922 Die Gemeinwirtschafl (A economia comunal; traduzido como
tratado de Raz, num passo mtiito pouco berliniano, combina a Socialism) forneceu munição essencial contra os modismos que fa-
aprovação do pluralismo de valores com uma convincente defesa voreciam uma super-regulamentação da economia. Mises foi atraí-
da autonomia, da liberdade positiva. Raz considera preciosa a auj do para a economia pelas obras de Carl Menger (1840-1921), fun-
tonomia, porque muitos diferentes modos de vida são dignos de[ dador, juntamente com Jevons, Walras e Marshall, da escola neo-
viver, como Mill e Berlin, profundos admiradores da variedade clássica. O jovem Mises participou do seminário antebellum de
humana, sabiam. A singular contribuição de Raz a essa escola de Eugen von Bohm-Bawerk, um formidável crítico de Marx. O capí-
pensamento moral consiste em separar o elogio da variedade fun-i tulo central do Socialism de Mises consistia numa crítica feroz à
dada na autonomia de uma visão demasiado individualística das utopia socialista do cálculo econômico, deixando de lado o merca-
competências e realizações humanas, e em amputar a defesa da li- do. Em 1927, Mises publicou um volume intitulado em alemão
berdade civil de suas premissas utililai islãs millianas. Paia o histo- I/tberalismus, mas cuja essência é mais bem transmitida pela tradu-
riador de idéias, a obra de Raz torce de forma irônica as idéias mais ção inglesa: Libcralism in lhe Clássica!, Tradilion. Este era muito
caras a Berlin. O que Berlin manteve bem separado — pluralismo antagônico a Mill. Em seu erudito tratado sobre dinheiro, Mises
de valores e liberdades positivas — Raz engenhosamente uniu. 34 cunhou o termo catalüico para denotar fenômenos de câmbio — a
alma do mercado.
Discípulo de Mises, Friedrich August von Hayek (nascido em
1899) transformou o catalítico numa visão do mundo. Mas Hayek
Neoliberalismo como neoliberismo:
ultrapassou explicitamente Mises sublinhando (em seu prefácio a
de Mises a Hayek, e a teoria da escolha pública Socialism) que não foram "penetrações racionais em seus benefí-
cios gerais que levaram á difusão da economia de mercado". Isso
Segundo Walther Ralhenau, o litn da velha Europa em 1914-1918
é Hayek autêntico: como Adam Ferguson c Adam Smith, ele pen-
significou que, desde então, "a economia tornou-se o destino". 35
sa que o progresso decorre das ações do homem, mas não do de-
Nos anos de entre guerras, havia duas principais reações à ameaça
sígnio do homem.
de hegemonia institucional econômica: uma era o socialismo esta-
tal, que tentou pôr termo à "anarquia da produção", e a outra era Nascido em Viena, Hayek alçou-se a uma cátedra na Escola de
o fascismo, uma tentativa de atrelar o capitalismo ao fascínio do Economia de Londres em 1931, seguindo dali paia Chicago em
nacionalismo ou racismo. Contudo, a longo prazo, prevaleceu a 1950, e finalmente para Freiburg em 1960. Em 1974, já aposenta-
economia. Meio século depois da ascensão das autocracias de I liller do, foi agraciado com o Prêmio Nobcl de Economia. Sen livro Pine
c de Slalin, os Kstados conquistadores ou pereceram ou se deram Tliri/iy (>/'Cti.j)i/<d (194 1) refletiu o estado de espírito nntikcyiicsiano
I'H) O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 191

da economia da Escola de Economia de Londres (onde, de forma um grande erro, embora tenha sido fomentado desde a Revolu-
bastante curiosa, a ciência política na época estava sob a influên- ção Francesa por tantos programas para a sociedade perfeita. Como
cia esquerdista de Laski). Em 1944, Hayek, nadando contra a cor- o conservador liberal Michael Oakeshott, seu contemporâneo na
rente, publicou O caminho da servidão, no qual acusou o planeja- Escola de Londres, S8 Hayek colocou o cosmos, ou ordem criativa,
mento e o Estado previdenciário de levarem à tirania. Keynes espontânea, muito acima da táxis — o arranjo intencional das uto-
declarou-se "simpático em termos gerais" aos sentimentos que pias racionalistas.
animavam o livro, o que apenas demonstra quão pouco ele se ti- Na década de 1970, Hayek fortaleceu essas opiniões numa es-
nha afastado do credo liberal. Mas o prognóstico de Hayek era ob- plêndida trilogia, Law, Legislaiion and Liberty (1973-1979), "uma
viamente muito exagerado. Ironicamente, suas próprias críticas nova exposição dos princípios liberais de justiça e economia polí-
ulteriores à democracia podem ser interpretadas como refutação tica". A suma de Ilayek contém muitas coisas boas, inclusive um
da tese de O caminho. Se a democracia desimpedida, como ele ataque fascinante a Kelsen a respeito do conceito de justiça. Encerra
pensa agora, milila contra o mercado, pelo menos ela obviamente uma reafirmação cordial do liberismo. As duas únicas funções de
sobreviveu em vc/ de perecer durante o piolongado crescimento um governo legítimo consistem, segundo I layek, "em prover uma
do Estado social. estrutura para o mercado, e prover serviços eme o mercado não
O livro completo de Hayek sobre teoria política foi publicado pode fornecer". Isso, aliás, mostra que Hayek, a despeito de todo
em 1960 com o título Os fundamentos da liberdade. Um tratado na o seu determinado abandono da "miragem da justiça social", não
forma clássica, ele desafiou abertamente a interdição analítica da se limitou a retroceder a um puro favorecimento do laissez-faire ou
filosofia política. Enquadrou o mercado e o progresso numa mol- ao Estado vigia noturno.
dura evolucionista. Hayek partiu para apresentar o mercado como Law, Legislaiion and Liberty reafirmou também o que veio a ser
um sistema sem rival de informação: preços, salários, lucros altos conhecido como a tese da indivisibilidade da liberdade, graças a
e baixos são mecanismos que distribuem informação entre agen- outra estrela de Chicago, o economista Milton Friedman (nascido
tes econômicos de outra forma incapazes de saber, já que a massa em 1912). O que se afirma é que, a menos que se obtenha ou se
colossal de fatos economicamente significantes está fadada a mantenha a liberdade econômica, as outras liberdades — civil e
escapar-lhes. A intervenção do Estado é má porque faz com que a política — se desvanecem. Em Capitalismo e liberdade (1962),
rede de informações do sistema de preços emita sinais enganadores, Friedman argumentou que, dispersando-se o poder, o jogo do
além de reduzir o escopo da experimentação econômica. Quanto mercado equilibra concentrações de poder político. Ora, o Estado
ao progresso, este ocorre através de uma miríade de tentativas c liberista evita por definição toda tendência de se colocar o poder
erros feitos pelos seres humanos, pois a evolução social procede econômico nas mãos políticas do Estado. A lição é clara: o liberis-
mediante "a seleção por imitação de instituições e hábitos bem- mo pode não ser uma condição suficiente, mas é certamente uma
sucedidos". 3 Generalizando seu discernimento do papel do mer- condição necessária de liberdade global — tal é a mensagem do
cado, Hayek sustentou que os problemas humanos como um lodo grande expoente de Chicago.
são demasiado complexos e mutáveis para serem dominados de ;
Tive o privilégio de estar presente ao jantar do centésimo
forma "construtivista" pelo intelecto humano. Tal racionalismo é
aniversário do Reform Club. (Em seus aposentos, seja dito de
192 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 193

passagem, lorde Beveridge traçou seu famoso relatório, a Magna — um camarada sociável, mas excessivamente gregário, por violento
Carta do Estado social britânico, algo de muito mais liberal em sua que seja ou fosse — e, como tal, inapto para a fria manipulação de
primeira concepção do que em sua condição atual.) A comissão normas que distinguem os membros da sociedade abstrata. Por-
de diretores de nossa venerável instituição, o lar social de Macaulay tanto, a marcha da civilização pressupõe, além do controle dos ins-
e Gladstone, teve a brilhante idéia de escolher como orador um tintos, uma boa medida de distância de sentimentos "tribais", de
membro notável, que estava, ele próprio, na realidade, celebran- comunidade e "comunalidade" — em resumo, de Geyneinschaftslust.
do 50 anos de participação no Club, naquele mesmo verão. Tratava- Hayek é o ultra do liberismo entre os neoliberais pós-Kcynes.
se, é claro, de F. A. Ilayck, tão vivo como sempre aos 84 anos. Co- Sua crítica contundente dos sonhos igualitários e seu repúdio
meçou contando-nos quão grandes (oram seus esforços intelectuais, quixotesco à democracia majoritária (substituída por uma versão
em sua juventude em Viena, dedicados a libertar-se do fascínio cie condicionada, "demarquia") são tidos geralmente na conta de fa-
Marx e Freud. tores que o colocam na companhia de liberais conservadores.
De fato, o terceiro volume de Laiv, Legislation and Liberty ter- Contudo, Hayek não se considera um conservador. Um epílogo ao
mina com uma crítica do construtivismo do marxismo c do ana,r- livro Os fundamentos da liberdade leva precisamente o título "Por
quismo latente do freudianismo. Com relação ao impacto deste que não sou um conservador". O liberalismo, adverte Hayek, "não
último (a despeito das próprias dúvidas de Freud em ensaios1 é contrário à evolução e mudança", enquanto o conservadorismo
mais tardios como O mal-estar da civilização), Hayek preocupa-se com tem demasiado apego à autoridade, sendo geralmente leniente em
a impensada ruína da repressão em nome da saúde psicológica, matéria de coerção e, muitas vezes, ignorante em economia, de-
resultando em nossa época permissiva com "selvagens não- masiado nostálgico e preferencialmente antidemocrático ao invés
domesticados que se representam como alienados de alguma coi- de antiestatista.
sa que nunca aprenderam, e chegam mesmo a tomar a si a cons- O último ponto tem um aspecto irônico, já que o próprio
trução de uma 'contracultura'". 39 Na opinião de Hayek, para criar Hayek tornou-se na velhice menos que entusiasta quanto à demo-
e manter uma ordem social susceptível de crescimento constante cracia. Mas, tendo-se em vista todos os pontos, a fórmula de Hayek
e de freqüente melhora, as pessoas não se devem apenas submeter resume brilhantemente diferenças reais entre o liberalismo e suas
a sacrifícios de instintos, mas Lêm também de abandonar "muitos alternativas. Elas tendem a eiievoat-se por causa do costume (mui-
sentimentos que eram aliment.o para o pequeno grupo", tais como to encorajado pela propaganda socialista) de ver o conservadoris-
tendências inatas para agir em conjunto na busca de objetivos cò mo, o liberalismo e o socialismo como pontos que se suceçlem
muns. Pois a civilização, diz Hayek, é uma "sociedade abstrata", que numa linha. Não, diz Hayek, isso é uma ilusão óptica: a verdade
se apoia muito mais em normas aprendidas do que na busca de: conceituai nos obriga a vê-los de preferência como ângulos de um
finalidades comuns. O funcionamento de sua melhor corporificaçao1 triângulo. 41 Então, as discrepâncias entre conservadorismo e libe-
numa explicação evolucionista — o mercado — implica um respei- ralismo tornam-se tão claras quanto as que separam o liberalismo
to por normas, mas não qualquer solidariedade espontânea/ 10 do socialismo.
O significado macro-histórico disso destaca-se com grande. Como Samuel Iirittan percebeu, há um abismo entre dois ele-
clareza: deve-se entender o homem primitivo como supersocializado mentos no pensamento de Hayek. Um elemento é a valorização
i

194 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalkrnos 195
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liberal clássica de governo limitado, mercados livres e o governo são antes regras do jogo do que valores c objetivos partilhados.
da lei. O outro é uma mística burkiana, que afirma muitas vezes, Quando todas as contas são feitas, a liberdade, para Hayek, é, no
mais do que prova, a sabedoria oculta de instituições há muito fundo, um instrumento de progresso; o mérito supremo do indiví-
existentes. Ora, isso representa um problema de peso, pois, se em duo "hayekiano" é contribuir (inconscientemente) para a evolução
seu evolucionismo burkiano Hayek defende o progresso e o mer- social. Essa opinião solapa o direito que assistiria a Hayek de ser
cado porque possuem uma espécie de sabedoria inerente, com que um liberal na mesma liga que Locke e Humboldt. 45 O neoliberismo,
fundamento pode-se negá-la às instituições há muito existentes que! assim como o neo-evolucionismo, termina por minar o próprio
Hayek tanto detesta, como controle da renda, controle de preços âmago da ética liberal.
e taxação progressiva? Não poderia a abolição destas desequilibrar! Na literatura liberista, muitas vezes encontramos grandes elo-
toda uma sociedade? Além disso, não será verdade que a maio-j gios a Hayek nos textos da assim chamada teoria da opção públi-
ria dos Estados previdenciários não se fundaram com base em um; ca. O principal nome nesse contexto é James Buchanan, autor (com
planejamento abrangente e consciente? Em outras palavras, não são Gordon Tullock) de The Calculus of Consent (1962) e de Cost and
eles também o resultado de muitas evoluções imprevistas? Choice (1969). Como economista, a influência de Buchanan no re-
Estas são apenas umas poucas interrogações suscitadas pela nascimento liberista só perde a primazia para a de Milton Friedman.
cega confiança de Hayek na ciência da evolução como tradição. Se Sob a inspiração da obra sobre finanças públicas construída pelo
a evolução é uma tradição cósmica, tudo — mesmo o que embara- economista escandinavo neoclássico Knut Wicksell (1851-1926),
ça o mercado e, portanto, solapa indiretamente a liberdade — pode Buchanan concentrou-se na política como troca. Em Liberty, Marhet
ser abençoado por seu critério. Por outro lado, se evolução é sele- and State, uma seleção recente de seus escritos, Buchanan salien-
ção, por que todo o espalhafato a respeito de experimentos sociais tou o papel da escolha pública como uma "perspectiva sobre polí-
que, segundo essa teoria, serão de qualquer forma abandonados? tica que emerge de uma extensão-aplicação dos instrumentos e
Não espanta que Hayek tenha sido duramente criticado por causa métodos do economista para empreender a divisão coletiva ou de
da contradição entre o seu fideísmo evolucionista e o papel que não mercado". O que resulta é uma penetração crucial nas causas
atribui à razão crítica. 43 dos fracassos governamentais (devido basicamente à tendência por
Hayek é, naturalmente, um mantenedor do individualismo parte de políticos eleitos e de burocracias parkinsonianas de criar
moral e, portanto, do pluralismo de valores. Ele acha que, exceto déficits orçamentários), uma compreensão tão significativa para a
no que diz respeito a âmbitos bem delimitados, não há necessidade ciência política quanto foi para a economia a teoria dos defeitos
de acordo quanto a objetivos: "não pomos em vigor uma escala do mercado. Buchanan muitas vezes cita Hayek, mas ele é um
unitária de objetivos concretos", escreveu ele, "nem tentamos liberista que não hesita em inventar "normas para um jogo justo",
garantir que alguma opinião particular sobre o que é mais <• o que inclusive unia visão sóbria de laxações de transferências e educa-
é menos importante governe toda a sociedade"." Isso soa como ção pública como moderadores da desigualdade social. '
Berlin — individualismo libertário em seu jogo favorito, a rejeição Outras importantes obras liberistas incluem o trabalho de dois
de grandes definições substanciais sobre o bem comum. Em vez franceses, Henri Lepage (Tomorrow, Capilalkm, 1978) e Guy Sonnan
disso, Hayek é partidário da nomocrucia: aquilo de que necessitamos (La nouvelle richesse des nalions, 1987), como também a excelente
196 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 197

obra do sociólogo Peter Berger, The Capitalist Revolution - Fifty Aron e Ralf Dahrendorf. Talvez por se engajarem a fundo em
Proposüions about Prosperity, Equality and Liberty, de 1986. O discí- política (Dahrendorf literalmente, e Aron por meio de décadas de
pulo americano de Mises, Murray Rothbarcl (Man, Economy and jornalismo político), foram levados a desdobrar sua obra socioló-
State, 1970; Elhics of Liberty, 1982), tem sido, de longe, o mais in- gica em alguns ensaios, professando abertamente o credo liberal,
sistente defensor do liberismo com fundamentos libertários. 47 ao qual ambos fizeram contribuições muito importantes.
É curiosa a posição de Raymond Aron (1905-1983) na histó-
ria do pensamento liberal. Embora sociólogo, Aron era altamente
Liberalismo sociológico: Arou c Da/ircvdorf crítico do que chamava de sociologismo, a negligência dos aspectos
específicos da política em teorias que afirmam determinismos so-
A sociologia tem sido muitas vozes tida na conta de um tanto hostil ciais. Em contraste, Aron salientou que a principal diferenciação
ao liberalismo. Nos Estados Unidos, Robert Nisbet sublinhou entre as sociedades modernas reside na ordem política. Todas as
energicamente as afinidades entre a sociologia clássica e o conser- sociedades industriais, assinalou, são muito semelhantes no nível
vadorismo, na medida em que ambas as correntes, a disciplina e a cultural e no tipo de forças produtivas. Elas diferem é no seu siste-
ideologia, reagiam contra os efeitos de ruptura da industrialização ma de governo. j0 Aron nunca esqueceu a alternativa posta em re-
e da secularização, dois fenômenos em geral sustentados pelo levo por seu herói Tocqueville: que as sociedades democráticas
principal veio do liberalismo.'IK Vimos, contudo, que a figura do- podem ser governadas seja de forma livre seja de forma despótica.
minante de Weber, um liberal conservador, pertence ao mesmo Escrevendo como um Montesquieu da sociedade industrial,
tempo ao Grunderzeit da sociologia e à linha central do liberalismo Aron exibe soberbas habilidades comparaüstas. Depois de uma
alemão. notável obra de juventude sobre a filosofia da história (Introduction
Pelo menos um dos pares de Weber, como pai fundador da à Ia phüosophie critique de VHistoire, 1938), ele deixou sua primeira
sociologia, Georg Simmel (1858-1918), merece ser contado entre marca no cenário internacional com uma crítica penetrante da
os liberais (embora um liberal antes apolítico do que político), ideologia "progressiva". Em O ópio dos intelectuais (1955), ele ata-
enquanto na escola sociológica francesa gerada por Durkheim te- cou quatro mitos: o mito da esquerda, o mito da revolução, o mito
mos o caso interessante de Bouglé, que já discutimos. Na socio- do proletariado, e o mito da necessidade histórica. Mas logo tro-
logia pós-clássica americana, Talcott Parsons foi um liberal mode-j caria a Ideologiekritik por uma análise aprofundada da sociedade
radamente conservador (e como tal foi criticado pelo falecido industrial moderna. Esta foi objeto de sua famosa trilogia da
Alvin Gouldner 19 ), e Robert Merton também é um liberal, en- Sorbonne, iniciada com Eighteen Leclures on Industrial Society (proT
quanto Daniel Bell trocou seu esquerdismo juvenil por posições! nunciadas em 1955-1956, publicadas em 1962).
liberais: na França de nossos dias, Raymond Boudon, e, progres- Aron divisou o industrialismo como um feixe de quatro pro-
sivamente, Alain Touraine podem ser classificados como tal, em- cessos básicos: uma crescente divisão do trabalho; acumulação de
bora somente Boudon, creio, aceitaria o rótulo. Aqui, no entan- capital para investimento; contabilidade e planejamento racionais;
to, num exame curto do pensamento liberal desde a guerra, limi- e a separação da empresa do controle familiar. Podem-se reco-
tarei minha discussão a dois intelectuais mais militantes, Raymond nhecer com facilidade as fontes teóricas: Durkheim em primeiro
19 H U liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 199

lugar, Marx em segundo, Weber em terceiro, e Schumpeter em A trilogia de Aron alcança realmente sua conclusão lógica no
quarto. Acrescentem-se a propriedade privada dos meios de pro- fim do terceiro tomo, Democracy and Totalitarianism (1965; pro-
dução, o motivo do lucro, e uma economia descentralizada, e se nunciada em 1957-1958), onde ele apresenta uma dicotomia das
obtém o capitalismo. Mas, como bom sociólogo, Aron também ordens políticas industriais. Por um lado, os regimes constitucio-
reparou em algumas imperfeições da teoria social clássica, como nais pluralistas têm uma constituição, competição partidária e plu-
quando censurou Tocqueville por deixar que sua preocupação com ralismo social reconhecidos. Por outro, nas ideocracias, há um
a igualdade o fizesse fechar os olhos à hierarquia industrial. monopólio do poder, revolução em vez de uma constituição em
A sociologia política de Aron começa numa encruzilhada funcionamento, absolutismo burocrático, e o partido do Estado.
conceituai onde questões tocquevillianas alimentam uma espécie Segue-se então uma tipologia da liberdade, com a posição de cada
de análise inspirada por Klie Halévy (1870-1937) e Max Weber. O principal ordem política industrial para com os tipos de liberdade.
testamento intelectual de Halévy, The Era of Tyrannies (1938), Assim, os regimes constitucionais pluralistas garantem a liber-
transmitiu a Aron o tema do despotismo moderno (fascista ou co- dade enquanto segurança, a liberdade de opinião, a liberdade po-
munista), enquanto Weber, do conhecimento de cuja obra ele foi lítica, mas preocupam-se menos com a liberdade no trabalho e com
a mobilidade social. Por contraste, os regimes de partido estatal
pioneiro na França, ofereceu-lhe perspectivas frutíferas sobre o
violam com muita freqüência as primeiras três espécies de liberda-
poder, o Estado, e grupos de slatm. Assim armado, Aron desven-
de. Em resumo, as políticas livres são apenas moderadamente
dou as ornamentações da democracia representativa, dando mui-
igualitárias, mas as ideocracias são realmente horrorosas.
tas vezes início a avaliações que desbravavam caminho do jogo do
poder entre partidos e governos por um lado, e de forças sociais Outra dimensão da obra aroniana — também conhecida por
como sindicatos e as inle.lligentsiàs, por outro. • sua extraordinária contribuição à política internacional — consiste
O principal objetivo das conferências de Aron na Sorbonne precisamente numa reflexão cuidadosa sobre a liberdade em si
não foi tanto a sociologia do industrialismo per se quanto uma in- mesma. Dois livros ressaltam: Un essai sur Ia liberte (1965) c Estudos
vestigação das diferentes espéciej de ordem política no interior do políticos (1972). Na segunda das coletâneas, Aron, entre outras coi-
mundo industrial. O passo inicial do tríptico de Aron sobre a so- sas, critica Hayek e Berlin em nome do realismo sociológico. Am-
ciedade industrial foi a sua compreensão de que, contrariamente bos os volumes contêm uma defesa e ilustração do que Aron cha-
à imagem que faziam de si mesmos, os bolchevistas, longe de re- ma de "a síntese liberal democrática" — um amálgama de direitos
presentarem os trabalhadores, eram uma nova classe governante. civis e políticos tradicionais com modernos direitos sociais, que ele
Em outras palavras, Mosca e Pareto (a classe governante, a circula- I ; representa como direitos "créditos" (droits-ertíances). O eme Aron
ção das elites) desmentiam Marx. Como divisou Robert Colquhoun, j quer provar é que, em nosso tempo, o governo da lei não pode
seu minucioso e competente comentarista, esse confronto Pareto/ j possivelmente esgotar as funções do Estado; a nomocracia de Hayek
Marx e a teoria do crescimento econômico elaborada por Colin ; tem de abrir espaço para as inevitáveis tarefas sociais e de forneci-
Clark, e seu discípulo francês, Jean Fourastié, foram os dois princi- mento de infra-estrutura ligadas ao Estado moderno.
pais elementos na base teórica de Aron para as Eighteen Lectures e ; Em sua velhice, abalado pelo renascimento do irracionalismo
o que se lhe seguiu.51 ideológico em 1968, Aron regressou a uma sua antiga preocupação:
'00 O liberalismo - antigo e moderno Dos rumos lihcralismos aos ncolibcrnlismos 201

o fenômeno de "ideocracia", o hppulso totalitário de regimes radi- progresso moderno dos direitos: direitos civis conquistados no sé-
cais. Tendeu a rejeitar a visão esquerdista da ditadura Ieninista culo XVIII, direitos políticos ganhos no século XIX, e os direitos
como um "desvio" resultante do atraso social e político da Rússia. sociais estabelecidos em nosso século. Dahrendorf, sempre um bom
Em lugar disso, Aron corretamente retraçou as raízes do autorita- liberal-social, foi ativo em política, na Alemanha e na Comunida-
rismo soviético até a própria desconfiança de Marx do dinheiro e de Econômica Européia, de 1965 a 1974, quando se tornou um
das mercadorias; uma desconfiança que os seus seguidores dog- brilhante diretor da Escola de Economia de Londres por toda uma
máticos puseram em prática para destruir a autonomia institucio- década. E agora reitor de St. Anthony's College em Oxford, e re-
nal, e, portanto, a resiliência da economia. Um de seus últimos li- centemente foi feito cavalheiro.
vros, Plaidoyer pour une Europe decadente (1977), é uma polifonia O primeiro livro de Dahrendorf, As classes sociais e seus confli-
conceituai sutil entre o declínio da détente Leste-Oeste, a depres- tos na sociedade industrial (1955), tencionou proporcionar o capítu-
são da década de 1970, a natureza do pensamento de Marx, e o lo não escrito em O capital de Marx: o capítulo sobre classe.
papel do marxismo como ideologia estatal. Dahrendorf aceitou alegremente a ênfase marxista na luta de clas-
Aron foi um eminente intelectual doublé de um magistral jor- ses, mas mostrou que as classes antagônicas não precisam ser gru-
nalista político. Deixou uma grande obra errante, seminal em pelo pos econômicos. Ao contrário, o conflito econômico é apenas uma
menos três áreas: política externa, filosofia da história, e sociolo- espécie de um gênero: a luta pelo poder. Aquela altura, graças à
gia política. Seu liberalismo Incido, muilas vezes cáustico, sempre influencia de 1'arsons e de outros, lodo o discurso du principal
demasiado cônscio das contradições da modernidade, marca uma corrente da teoria sociológica consistia na coesão social e na com-
retomada merilória do melhor elemento na tradição do liberalismo participação em valores. Não, disse Dahrendorf: o conflito é
francês: sua apreensão da história, sua habilidade de interpretar e endêmico, por causa de diferenças no acesso ao poder. A qualidade
avaliar amplas estruturas de mudança. Por muito tempo vitimado de tais diferenças muda; o fato da assimetria do poder não muda.
pelo fanatismo ideológico em seu próprio país, estigmatizado por Em grande medida Parsons vinha encobrindo o que Weber sabia:
Sartre e pelos comunistas como um atlanticista servil, tornou-se, o quanto o poder molda a sociedade.
na altura do (im de sua vida, o santo padroeiro do notável renasci- Mas enquanto Weber tivera alguns êxtases tolstoianos que o
mento liberal na França.'" levaram a demonizar o poder, Dahrendorf apreciava, senão o po-
Ralf Dahrendorf disse certa vez que Raymond Arou "habita der, pelo menos o conflito (que gira cm torno do podei). Num texto
seu panteão". <) panteão c, de lato, respeitável: lambem inclui de 1902 sobre "Incerteza, ciência c democracia"/'' 1 ele desenvolve
Ilumboldl, Tocqueville, Weber, Keyncs, Beveridge e Schumpeter. o argumento altamente "popperiano" de que a única resposta
Veremos que inspiração comum Dahrendorf extraiu de tal plêiade. adequada à incerteza é a necessidade "de manter uma pluralidade
Nascido em 1929, o jovem Dahrendorf ganhou uma permanência de padrões de decisão, e uma oportunidade para que eles interajam
num campo <!e concentração por ser demasiado travesso como c mirem cm com/ir/içi/o" (grilos meus). Contudo, o eoul li Io, para sei
colegial anlinazisla. Como estudante da Escola de Economia de frutífero, requer um mínimo de homogeneidade social. Na Ale-
Londres, assistiu às aulas de Popper e do sociólogo T. H. Marshall, manha de Wcimar as elites não foram capazes de articular essa
cujo livro Cüizenship and Social Class (1950) contava a história do saudável espécie de competição. Tudo o que puderam reunir foi
202 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 203

um cartel de angústias, que solapava completamente o jogo demo- por falta de acesso ao alimento. Diferentemente das provisões, que
crático. Tal foi a tese do livro de Dahrendorf Society and Democracy são relativas a crescimento, os intitulamentos traçam linhas e bar-
in Germany (1965).5"1 reiras. Como bilhetes de entrada, ou se os tem, ou não. A Revolu-
Seguindo as ondas de protesto dos últimos anos da drcada de ção Industrial gerou uma revolução de provisões, enquanto a Re-
l'.)(')0 <• a depressão econômica da OK(!D depois da primeira crise volução francesa foi uma revolução de iulilulamenlos. A década
do petróleo em 1973, Dahrendorf ingressou numa tentativa per- de 1970 foi um período de política de intitulamenlo, enquanto a
sistente de analisar a nova condição das modernas democracias in- de 1980 testemunhou um desvio para provisões, para a escolha de
dustriais. De alguma forma, ele se vê retomando o exame minu- preferência ao acesso. As reformas keynesianas concentraram-se na
cioso de Arou do industrialismo após-guerra, e, de falo, poucos manutenção de intitulamentos — basicamente, o direito fomentado
outros cientistas sociais mantiveram-se inteirados de uma compre- pelo Estado de trabalhar; na década de 1980, por contraste,
ensão mais profunda de tendências recentes. Três livros em parti- Schumpeter prevaleceu, pois esses foram anos do empresário con-
cular encerram as opiniões do último Dahrendorf: A nova liberda- quistador, da fé animal "schumpeteriana" no crédito e na inovação.
de (1975), Life Chances (1979) e The Modem Social Conflict (1988). Armado com esses dois conceitos básicos, Dahrendorf repre-
Life Chances, uma coletânea de ensaios, inclui um sobre a abdica- senta a sociedade contemporânea ocidental. (Não diz muito sobre
ção da social-democracia. Dahrendorf atribui um papel menor ao o Japão.) Preocupa-se acertadamente com o "capitalismo de cassi-
conflito e lamenta a perda de "vínculos", de raízes que dão senti- no" (na inteligente frase de Susan Strange) e com a teimosa pre-
do a "opções" individuais. Há uma desconfiança quanto ao cresci- sença de uma "subclasse" minoritária, mais visível nos Estados
mento e à modernização rápida. Como foi visto por John Hall, o Unidos e na Grã-Bretanha do que na Europa, ainda assim dolo-
tom não está distante do ethos "pós-industrial" do último Daniel Bell, rosamente não-integrada em toda parte. Dahrendorf vê muitas
embora Dahrendorf seja mais enfático no que diz respeito ao pa- pessoas entregues a "dois vícios": ganhar dinheiro fácil e drogas.
pel da iniciativa no "melhoramento da sociedade" que ele encara Adverte contra os fundamentalismos nacionalistas e o "seu ataque
como uma cura para recentes males capitalistas. às forças civilizadoras de cidadania em nome de direitos
The Modem Social Conflict tanto glosa como refina o diagnós- minoritários ou de autonomia cultural, religiosa ou étnica". Refle-
tico do presente. Para Dahrendorf, o conflito social moderno te sensatamente sobre os conflitos anômicos de nossa sociedade,
ocorre entre os defensores de mais escolha e aqueles que deman- impregnada de violência e corrupção: de nações onde cidades in-
dam mais direitos. A oposição chave está entre "provisões" e ternas têm áreas "proibidas" e de cultura social que agora também
"intitulamentos". Provisões são "o suprimento de alternativas em exibe áreas simbolicamente "proibidas", áreas "tabus", como a ab-
dadas áreas de atividade". São "coisas", passíveis de crescer ou de ; solvição dos culpados e a descarada infração à lei que floresce en-
diminuir; é um conceito econômico. Intitulamentos, por outro lado, ; tre a juventude.
são bilhetes de entrada, direitos de acesso a quaisquer bens ou Dahrendorf não faz moral a respeito de tudo isso. Antes, es-
profissões. Dahrendorf toma o conceito de empréstimo a Amartya I creve como um preocupado Aufklãrer das últimas luzes do século
Sen, o perito de Oxford em pobreza e fome, que demonstrou que i XX, ansioso por compreender e melhorar. Seu ensaio sobre a dé-
a maior parte das fomes não ocorreu por falta de alimento mas | cada de 1980 restaurou completamente seu senso de conflito social
204 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 205

sem abandonar o alarma cultural de seus escritos dos anos setenta. "sociedades civis no sentido clássico do termo" como passos para
Sublinhando ainda uma vez que "o conflito é liberdade (e) tam- uma sociedade civil mundial, capaz de lidar com o abismo que se-
bém uma condição de progresso", ele censura o corporativismo da para o Norte do Sul. Tais como os vê, os anos noventa ameaçavam
década de 1970 por ter "transformado intitulanientos em inte- ser um período conílituoso, uma prolongada batalha campal em
resses seccionais, paralisando assim o processo de provisões em torno de novas reivindicações de cidadania, contrastando com a
expansão". JJ
aparente calma social dos anos oitenta. Não se incomodem, diz sir
Acima de tudo, Dahrendorf segura com mão firme tendências Ralf o Agonista — melhor aceitar e conter o conflito do que negá-
estruturais. Ele é muito destro, por exemplo, em pensar sobre o lo ou ignorá-lo.
desemprego. Mostra que o desemprego é em grande parte efeito Esse liberalismo radical terá de ser algo bastante ambicioso em
de profunda mudança tecno-econômica. Apenas na Alemanha,
escopo e escala, alguma coisa definitivamente além da popperiana
enquanto o PIB multiplicou-se quatro vezes de 1950 a 1986, a soma
"ação de remediar socialmente aqui e ali". Pensando em seu
de trabalho per capita, depois de crescer até os últimos anos da dé-
panteão, Dahrendorf sugere que a inovação política pode advir,
cada de 1950, decaiu: assim, uma vasta nova riqueza foi produzida
como aconteceu com Keynes e Beveridge, como receitas radicais
com muito menos esforço humano. Na época de Keyncs, arranjar
específicas proporcionadas no interior de uma estrutura geral
trabalho parecia a melhor maneira de remediar tanto a depressão
conservadora ou não-revolucionária. O essencial é mudar o siste-
econômica quanto a miséria social. Em nossos dias, no entanto,
ma, não destruí-lo, e assim provocar conseqüências regressivas. De
como declarado em The Modem Social Con/licl, "o trabalho já não é
qualquer forma, "o liberal que deixa de buscar novas oportunida-
a solução óbvia para os problemas sociais, mas uma parte do pró-
des deixa de ser um liberal".5
prio problema".
O mundo que Dahrendorf tão bem descreve já não é, exceto
residualmente, uma arena de luta de classes no sentido tradicio-
nal. As tensões entre "a classe majoritária" — os dominantes assala-
Os neocontratualislas: Rawls, Nozick e Bobbio
riados operários e executivos — e a subclasse não geram conflito As principais linguagens do liberalismo desde a guerra têm sido a
em alinhamento. A situação contrária passou a ser a de "um domi- crítica do historicismo (Popper), o protesto antitotalitário (Orwell
nante ânimo social-democrático representado por muitos diferen- e Camus), a ética do pluralismo (Berlin), o neo-evolucionismo
tes partidos políticos, e tentativas episódicas de fugir do grande (Hayek), e a sociologia histórica (Aron). Por volta de 1970, estan-
consenso, seja por inovação ou arte do empresariado, seja por uma do o ar ainda impregnado do voluntarismo romântico das revol-
democracia fundamental e estilos de vida alternativos."5'1 Em re- tas estudantis, havia espaço para uma nova espécie de discurso
sumo, há o arraigado bem-fazer social da classe majoritária, seus neoliberal: a linguagem dos direilos <• do contraio social. Sen lom,
desafiantes lliakhei islãs e a conlracullura: o partido yuppic e o no gigantesco tratado de John Rawls Uma teoria da justiça (1971), foi
partido neo-hippie. acolhido como o novo evangelho dos liberais — especialmente no
Dahrendorf não está feliz com essas opções. Ele sonha com sentido americano da palavra. E logo o tranqüilo Rousseau de
uma "alternativa radical liberal", decretando muito necessárias Harvard fez sensação quando sua fórmula liberal foi ruidosamente
Dos novos liberalismos aos ncoliberalismos '207
206 O liberalismo - antigo e moderno

também que alguns "bens primários" — uns poucos direitos e li-


contestada, em nome do individualismo libertário, pela teoria de
berdades, poderes e oportunidades, um mínimo de renda e respeito
direitos de Robert Nozick. Entrementes, na Europa, o chefe da
próprio — são meios necessários para uma vida decente e desejável.
Escola de Turim, Norberto Bobbio, alcançou um público interna-
Dada essa situação, é provável que o pactuante escolha dois
cional com seu longo intercurso com os clássicos do contratualismo.
princípios de justiça: (1) a cada um deve caber um direito igual ao
Nascido em Baltimore em 1921, John Rawls tinha 50 anos de
máximo de liberdade compatível com medida semelhante para
idade quando seu grande livro 1 ornou-se o assunto de todos nas
outros; e (2) só devem ser permitidas desigualdades sociais até onde
universidades. Tendo estudado em 1'rinceton, Rawls já estivera em
beneficiem os membros menos favorecidos da sociedade — o que
Harvard por uma década. Seu grande retorno à ética normativa
Rawls apelida "o princípio da diferença", em contraste com a série
rompeu ousadamente com as tímidas minúcias da abordagem lin-
de identidade-de-liberdade que ocorre no primeiro princípio.
güística da filosofia moral. E Uma teoria da justiça não foi obra
Segundo Rawls, indivíduos num limbo social deveriam prefe-
menos atrevida em objetivo: nada menos que uma alternativa ple-
rir tais princípios porque seguiriam um critério "maximínimo":
namente desenvolvida para o militarismo. A natureza cout radialista
estando inteiramente incertos quanto às conseqüências de sua
do empreendimento de Rawls mostrou-se num plano processual,
opção, iiotiiiiilmeiile miniini/mílo o perigo de serem prejudicados.
pois foi tias técnicas que empregou paia deduzir princípios de jus-
tiça que Rawls adotou uma posição contratualista. Assim mesmo, Por isso considerarão uma hipótese de risco máximo, garantindo que
era um contrato social muito diverso do contrato social da primei- cada desigualdade beneficie os menos favorecidos entre os pactuan-
ra tradição moderna, já que seu propósito não consistia no estabe- tes. O "maximínimo" é, portanto, uma apólice de seguro.
lecimento de autoridade e obrigação legítimas, como em llobbcs, Rawls trilha um terreno familiar tanto no primeiro princípio
Lockc ou Rousseau, mas em firmar regras de justiça. (em que a liberdade é definida como autonomia enquanto inde-
pendência mais direitos políticos) quanto ao atribuir ao primeiro
A principal afirmação de Rawls é de que podemos alcançar
princípio prioridade sobre o segundo, a despeito de todo o espíri-
princípios sólidos de justiça social pensando em que regras adota-
to igualitário do último. Na segunda parte de Uma teoria da justiça,
ríamos, como seres racionais, numa hipotética "posição original".
que trata de instituições, é muito observável es.se típico equilíbrio
Km tal situação imaginária, as pessoas não conheceriam seu lugar
liberal americano, quando Rawls contempla uma democracia
na sociedade, nem seus próprios talentos e habilidades: antes pelo
constitucional e uma economia livre — e contudo abre espaço para
contrário, teriam de agir cobertas por um "véu de ignorância".
um regime liberal socialista.
Assim tem de ser para garantir "justiça como eqüidade". Pois em
Tudo isso não agradou a esquerda. Rawls foi acusado de
tal condição, como eu não saberia se sou rico ou pobre, macho ou
igualitarismo superficial, muito abaixo dos verdadeiros níveis de
fêmea, branco ou prelo, inteligente ou burro, eu deveria me sentir
justiça distributiva.' 8 Outros radicais divisaram no contrato de Rawls
forçado a agir com prudência e, portanto, a escolher princípios que
um reflexo do espírito do consumismo. 59 Na época, Ronald
não favoreçam qualquer grupo à custa de outros. As pessoas na
Dworkin, o filósofo jurídico, foi quase o único no campo "pro-
posição original não são altruístas — tudo o que sabem, devido ao
gressista" a saudar a "posição original" de Rawls como o funda-
véu de ignorância, é que seus interesses podem chocar-se num
mento do direito para "respeito e cuidado iguais".60
mundo em que a escassez tende a prevalecer. Além disso, sabem
20H O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 209

Também não faltam críticas do lado liberal. Daniel Uell, o so- mas apenas protecionista e, em particular, sem direito a taxai.
ciólogo de 1 Iaivard, escreveu um comentário admiraiivo, mas la- (Nozick equipara o imposto de renda ao trabalho forçado.)
mentou que Rawls parecia postular uma economia estacionaria.1' Nozick está convicto, como diz logo de saída, de que "a ques-
Falando de modo geral, a fuga ao risco, no hipotético contrato so- tão fundamental da filosofia política, questão esta que precede ou-
cial de Rawls; parece demasiado distante de uma sociedade mo- tras questões sobre como o Estado deve ser organizado, é saber se
derna, individualística, para proporcionar uma norma relevante. impõe-se que haja um Estado". O objetivo de Anarquia, Estado e
Como é natural, dificilmente seria justo censurar Rawls por- sua falta utopia consiste em desenvolver uma defesa do Estado mínimo em
de realismo em seu confessado Gedankenexperiment. Mas os soció- duas frentes. Contra os anarquistas, que não querem saber de
logos não se podem impedir de questionar o grau de aplicabilidade qualquer Estado, Nozick empenha-se em demonstrar que pode haver
de tais princípios a sociedades tão complexas quanto as industriais. um Estado legítimo compatível com a liberdade. Contra os antiin-
Em sua obra mais tardia, Rawls historicizou consideravelmente a dividualistas, por outro lado, ele quer demonstrar que o bom Es-
sua teoria, atribuindo seus "bens primários" a agentes morais tado não precisa cercear os direitos individuais naturais.
kantianos, capazes de agir de acordo com a justiça social sem dei- Nozick é um mestre do raciocínio conjectural. Suponhamos,
xar de perseguir seus próprios ideais do bem. h2 Rawls manteve a sua diz ele, que numa dada sociedade a metade da população tem dois
posição antiutilitarista porque os rebentos de Bcntham só admi- olhos, enquanto a outra não tem nenhum. Não será extravagante
tiam um bem, a felicidade. pensar (presumindo que os transplantes de olhos não constituem
Robert Nozick, o mais jovem dos principais teóricos liberais problema) que cada pessoa pertencente à primeira metade deve-
aqui discutidos, nasceu no Brooklyn em 1938. Estudou em ria perder um olho em favor de cada pessoa do grupo sem olhos?
Columbia e Princeton e foi designado para Harvard em 1965. Ora, como assiste a todos um direito à integridade do próprio cor-
Como Rawls, é autor de um só texto, Anarquia, Estado e utopia po, o mesmo deve ocorrer com o que quer que seja feito ou pro-
(1974). Nozick elogia Rawls por ter cumprido "um grande pro- duzido por ele: que cada pessoa conserve o que tem e qualquer
gresso com relação ao utilitarismo". Mas, a partir desse ponto, propriedade que disso lhe possa legalmente advir. Nozick opõe-se
ambos divergem de maneira crucial. A segunda parte de Uma teo- a "teorias padronizadas" da justiça, eme estipulam a distribuição de
ria da justiça esboçou uma consideração de talentos individuais e riqueza ou receita conforme as características das pessoas (como
seus frutos como ativos sociais e contemplou a legitimidade da os "menos favorecidos" de Rawls). Suponhamos, escreve Nozick,
distribuição da riqueza em largo alcance. Como libertário radical, que todos numa comunidade igualitária decidam dar ao famoso
Nozick discordou. De acordo com ele, cada pessoa está "intitulada" desportista Wilt .Chamberlain um quarto de dólar para fazê-lo jogar
a conservar aquilo que tem — a menos que tenha sido injustamen- basquete. Isso proporcionaria a Chamberlain unia enorme fortuna
te adquirido — e o que quer que a isso se possa acrescentar no fu- — mas como manter o padrão sem frustrar a liberdade individual?
turo. Nozick começa com um Estado da natureza, mas à moda de A legitimidade política, na verdade a legitimidade de todos os
Locke mais do que de Hobbes. N^i segunda parte do livro, que é, arranjos sociais, fundamenta-se para Nozick numa exigência
como o tratado de Rawls, uma carta institucional, Nozick defen- absolutista de consentimento voluntário. Como ele escreve, para-
deu uma idéia "minarquista" do Estado. Tem de haver um Estado, fraseando Marx, "de cada um como escolhe, para cada um como é
Dos novos liberalümos aos neoliberaüsmos 211
210 O liberalismo - antigo e moderno

os mandatos imperativos de descendência rousseauniana se dariam


escolhido". Ou, de forma um pouco mais elaborada, "de cada um
bem em nosso ambiente moderno. Os reíerendos não teriam
segundo escolhe fazer, para cada um segundo o que faz para si
qualquer possibilidade de enfrentar toda a carga de legislação
mesmo (talvez com a ajuda contratada de outros) e o que outros
complexa de uma sociedade tecnoburocrática; as assembléias po-
por ele fazem e resolvem lhe dar dó que lhes foi previamente dado...
pulares são excluídas tendo em vista a escala demográfica da
e ainda não transferiram". 63 A regra principal é sempre o consen-
maioria dos países modernos. Os mandatos revogáveis poderiam
timento individual livre. É óbvio que não se tem direito a uma bela
ser vantajosos para o autoritarismo, e os mandatos imperativos já
mulher ou a um bonito marido só porque se necessita de tal; por-
existem na forma de disciplina partidária parlamentar — em detri-
tanto, por que cargas-d'água, pergunta Nozick, sente-se uma pes-
mento da democracia. Portanto, Bobbio concorda com o velho
soa intitulada a uma receita de subsistência, só porque dela neces-
ataque de Kautsky contra o "democratismo doutrinário": na socie-
sita, se, para obtê-la, a liberdade dos outros tem de ser cerceada?
dade moderna, o ideal nobre mas impraticável do governo do povo
Isto basta para os velhos argumentos a respeito de necessidade e
pelo povo revela-se uma "utopia reacionária".
merecimento, r (ambém quanto à tradicional ênfase social-liberal
Em O futuro da democracia (198'1), Bobbio relaciona três obs-
nas condições para a liberdade como autodesenvolvimento. Não
táculos à democracia: o incremento de problemas políticos que
espanta que essa espécie de rápido castigo tenha irritado intelec-
requerem perícia técnica para sua solução; a difusão da burocra-
tuais liberais nos Estados Unidos. M Para Nozick, a utopia só po-
cia, instigada por exigências populares como as expressas pelo voto;
deria ser (como ele explica na pai te 3) uma condição libertária de
e a própria pressão imposta por tais reivindicações sempre cres-
negócios, com cada indivíduo esdolhendo sua forma de vida.
centes sobre a capacidade que assistiria aos governos de governar.
Norberto Bobbio (nascido em 1909) é um ilustre teórico polí-
Em resumo: tecnificação do governo, hipertrofia burocrática, e
tico. Amplamente traduzido na Alemanha, Espanha e América La-
queda da produção governamental.
tina, seus livros começam agora a receber a atenção que merecem
Esses obstáculos, por sua vez, impedem a democracia moder-
na França e no mundo anglo-saxão. Pregando uma expansão da
na de liberar os bens que originalmente pretende: autogoverno
democracia para várias áreas da vida social, Bobbio afirma que a
transparente fundado na cidadania autônoma. Disso advêm as
"passagem da democracia política para a social-democracia" deve-
"promessas não cumpridas" da democracia. Para começar, hoje em
ria ser considerada algo de melhor e de mais viável do que pro-
dia os atores politicamente importantes já não são indivíduos, mas
postas radicais de substituir a democracia representativa pela de-
grupos (como partidos e sindicatos). Enquanto a participação in-
mocracia direta. Em conseqüência, escreve, "o atual problema do
dividual na escolha de representantes não passa de uma sombra
desenvolvimento democrático já não se pode limitar apenas à
do preceito liberal, a própria representação espelha o jogo de gru-
questão de quem vota, mas antes de onde se vota". 65 O processo
pos de interesses e não tem mais um caráter predominantemente políti-
democrático de tomada de decisões fora da política e dos parla-
co. Por fim, a prática real das liberdades políticas não correspondeu
mentos é encarado com um bom complemento para as democra-
ao sonho de Mill de educação através da democracia: a apatia, em
cias liberais de nossos dias.
vez do civismo inspirado, difundiu-se, largamente inculcada pelos
Bobbio adverte contra transformar em fetiche a democracia
mass media e pela indústria cultural.
direta. Pois nem os reíerendos, nem as assembléias populares, nem
212 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 213

Bobbio insiste em difundir tanta democracia quanto possível i (1895-1968), epistemologista marxista e comentarista de Rousseau,
através de todo o tecido social. Esta combinação de realismo quanto quanto ao conceito de liberdade. Delia Volpe salientara a necessi-
aos limites da democracia e a busca de novos espaços democráti- ; dade de uma "maior liberdade" socialista muito além das liberda-
cos levaram alguns críticos, notadamente o neomarxista Perry des civis de origem burguesa, que ele estigmatizou como puros
Anderson, a erroneamente interpretar a posição de Bobbio como "valores de classe". Bobbio convincentemente opôs-se a essa
um criptoconservadorismo.1'1' Mas é essa própria ênfase na demo- "identificação da doutrina liberal do Estado com uma ideologia
cracia que confere à categoria de liberalismo própria de Bobbio burguesa do Estado". Insistindo em que reduzir os direitos civis a
um sabor muito diferente das prévias encarnações italianas da idéia privilégios burgueses era cometer uma falácia genética, Bobbio
liberal, como o liberalismo econômico de Pareto e o liberalismo declarou que a teoria liberal do Estado limitado — limitado ao
ético de Croce. O liberalismo de Bobbio c definitivamente de mesmo tempo pelas garantias individuais e pelos controles institu-
esquerda, como o de Gobetti, Rosselli e Calogero. Mas, diferente- cionais — era uma barreira não apenas para a monarquia absoluta
mente de todos eles, Bobbio atribui a primazia a um liberalismo "mas para qualquer outra forma de governo"; e que, visto que
de "direitos" aparentado com a tradição anglo-saxônica. Acima de também era uma teoria do Estado representativo, o credo liberal
tudo, Bobbio exibe algo de novo, em profundidade e em escala, significava a possibilidade de um acesso ao poder, aberto a todos
com relação à época de Gobetti e Rosselli: uma nutrida polêmica os grupos sociais.
com o marxismo.
A essência do pensamento político de Bobbio é um diálogo
O primeiro capítulo de Qii.nl socialismo? (1976) confronta a constante com os clássicos, de Platão, Aristóteles e Cícero a Weber
ausência, no marxismo, de uma teoria do Estado socialista e de c Kclsen. Tanto os antigos como também os primeiros clássicos
democracia socialista. Por que motivo falta ao marxismo uma modernos, como Maquiavel e Bodin, Althusius e llarrington, são
teoria <lo Estado? Bobbio pode pensar em duas razões. Em primeiro encontrados em suas páginas com tanta freqüência quanto
lugar, a /irininzia iln /)tii/i/lo. A verdade histórica consiste em que Tocqtieville e Mosca, Schimipeler, Dahl e Maepherson. Contudo,
o movimento operário revelou-se mais interessado na conquista do em Bobbio o constante inlercurso com os antigos da teoria políti-
podei' do que em sua subseqüente organização e exercício. Como ca não é nunca uma repugnância à sociedade moderna, como o
conseqüência, devotou-se muita atenção ao partido revolucionário, foi, por exemplo, em Leo Strauss. A estrutura clássica é especial-
mas praticamente nenhuma ao listado porvir. Escreve Bobbio: "Se mente visível em Esliulo, governo, sociedade (1985), o que há de mais
o Estado está destinado a desaparecer, o novo Estado oriundo das próximo, atualmente, de um ideal compêndio de teoria política
cinzas do Estado burguês destruído — a ditadura do proletariado moderno. Nele, Bobbio surge como um grande e sutil codificador,
— não passa de um Estado de transição. Se o novo Estado é transi- com muitas visões penetrantes do pensamento político através da
tório, e, portanto, efêmero, torna-se muito menos importante o história ocidental.
problema do seu melhor funcionamento".' Por fim, Bobbio en- Bobbio tem sido corretamente elogiado por haver "reorientado
fatizou que a forma pela qual o poder é conquistado não pode ser a teoria política italiana, desviando-a de sua preocupação tradicio-
indiferente ao seu futuro exercício. nal, quase exclusiva, com jogos de poder (a linhagem maquiavélica)
Em 1954, Bobbio entrou em choque com Galvano delia Volpe para um exame mais atento do Estado como um complexo instiiu
~/•/ O libntilisnía - mitigo r inoilrnio Dn.s iimui.s tihcinlismtis um iifíililicmliviniis 2/r>

cional". w) Mas também está muito alerta à distribuição societária do funzione 6 xim audaz afastamento da abordagem esti uluralisla de
poder. Incorpora as observações de Mosca, no fim de sua História Kelsen e Hart com o objetivo de compreender o novo papel
das doutrinas políticas (1933), quanto à resiliência e a desejabilidade desempenhado pelo direito no interior de uma paisagem social
de regimes em que os poderes político, ideológico e econômico dominada pela economia mista e o Estado previdenciário.
estejam separados um do outro; e nota que o governo partidário Como um perito em inteiro domínio do armamento conceituai
monocrático do tipo leninista não manifesta distinção entre regnum da teoria social clássica, Bobbio investigou a história da idéia de
e sacerdotiurn. sociedade civil a partir dos primeiros teóricos modernos do direito
O bom Estado, segundo Bobbio, exibe cinco características. natural até Hegel e Gramsci. A aplicação por Bobbio do conceito
Primeiro, vive num ambiente policrático. Isso quer dizer que seu a tendências modernas parte do agora familiar (e muito marxista)
único monopólio de poder é o uso de força legítima — quanto ao uso antitético: sociedade civil versus o Estado. Em Estado, governo,
resto, como um Estado liberal, resigna-se a ter perdido o monopó- sociedade ele afirmou que o mundo contemporâneo testemunhou
lio da ideologia e da economia. Em segundo lugar, além de conhe- uma verdadeira eslatificação da sociedade devido, inter alia, ao cres-
cer essas "limitações ao" poder estatal, ele também tem, não é cimento do Estado social. Por outro lado, o crescimento de gru-
preciso dizer, "limitações do" poder estatal: os pesos e contrapesos: pos de interesse e organizações de massa capazes de pressionar o
constitucionais, o conjunto de direitos civis invioláveis, e assim por Estado e, muitas vezes, de participar de suas decisões a latere
diante. Em terceiro lugar, de um ponto de vista do direito públi-i acarretou uma igualmente enérgica socialização do Estado. O co-
co, é um Estado cujos súditos participam (não importa de que dis- mentário filosófico de Bobbio é impecável. Contrariamente à pre-
tância) na sua elaboração de normas; na linguagem kantiana de dição de Hegel, argumenta ele, não foi o Estado como uma totali-
Kelsen, sua nomogênese é autônoma, não heterônoma. (Para Kelsen, dade ética que assumiu uma sociedade civil fragmentada. Em vez
o leitor se lembrará, é esse o sentido da democracia.) Em qnarte disso, numa grande medida, são as forças sociais de baixo que
lugar, é também democrático no sentido mínimo de que possui permearam a esfera mais alta da autoridade estatal."'
uma larga cidadania e de que Seus cidadãos podem realmente e& O elemento ascendente, o invasor social do Estado moderno,
colher entre equipes políticas que competem em torno de postos tem com freqüência uma natureza contratualista. Isso inspira mais
temporários. E, em quinto lugar, é um Estado respeitoso dos di- um, particularmente forte, discernimento "jurídico" bobbiano, to-
reitos civis e cívicos, inclusive, jé claro, dos direitos minoritários | cando desta feita na dicotomni público-privado, tão proeminente em
da livre expressão de oposição! direito. Weber divisara que há, por assim dizer, dois meios princi-
Bobbio não é apenas um pensador político mas um filósofo pais de alcançar decisões coletivas. Se é possível presumir que as
jurídico muito proeminente — um verdadeiro sucessor de Kelsen partes são basicamente iguais no ponto de partida, prevalece o go-
e um igual de H. L. A. Hart. Antes de ensinar filosofia política em verno majoritário. Se não — como no Slãndeslaal medieval —, en-
Turim, lecionou direito durante} muitos anos (1938-1972) em Siena, tão os grupos de interesse tendem a estabelecer um acordo, evi-
Pádua e novamente em Turimt Teoria delia norma giuridica (1958; , tando o jogo nulo de litígios resolvidos pela regra da maioria. Tendo
e também Dalla strutlura alia sfunzione (1977), entre outros, sãò em mente a política parlamentar italiana, Bobbio declara que essa
marcos do pensamento jurídico moderno. Dalla strutlura alia lógica de acordo e (cripto)coiitrato verifica-se em muitos sislemas
2/6 O liberalismo - antigo e moderno Dos novos liberiãismos aos tieolibendisinos 217

partidários hoje em dia, mais n o t a d a m e n t e e n t r e governos e for- O liberalismo de Bobbio n ã o c o b r e todos os principais pro-
ças sociais. ' A alma do governo do Estado previdenciário é o con- blemas na a g e n d a neoliberal. Se q u i s e r m o s p o n d e r a r o p a p e l do
trato social. m e r c a d o ou as complicações do j o g o internacional do p o d e r , de-
Um e n s a i o i n t e i r o em 0 fuluro da democracia, " C o n t r a t o e vemos antes voltar-nos p a r a Hayek ou p a r a A r o n . Mas B o b b i o fez
c o n t r a t u a l i s m o no d e b a t e de hoje em dia", estende-se s o b r e o algo de inestimável: ele reafirmou e n e r g i c a m e n t e a ligação e n t r e
crescente e n t r e l a ç a m e n t o da "lógica privatista do c o n t r a t o " e a o liberalismo e a democracia. "A prática cia democracia", diz ele,
"lógica publicista da d o m i n a ç ã o " Mas a o m e s m o t e m p o Bobbio "é u m a c o n s e q ü ê n c i a histórica do liberalismo... t o d o s os Estados
se recusa a a b r a n d a r as diferenças e n t r e o velho e o n o v o contra- democráticos existentes foram o r i g i n a l m e n t e estados liberais." E
tualismo. Nossos c o n t r a t o s sociais adverte ele, n u n c a p o d e m es- Bobbio vê c o r r e t a m e n t e a atual redescoberta do liberalismo "como
q u e c e r a base individualista da sociedade m o d e r n a — u m a base, u m a tentativa de justificação do liberalismo existente c o n t r a o so-
apressou-se a acrescentar, q u e n ã o é mais "burguesa". Ele t a m b é m cialismo existente". 7 4
assinala q u e o impulso a s c e n d e n t e da idéia do c o n t r a t o social mo- E n q u a n t o nos anos do após-guerra a h u m a n i d a d e c o m p a r o u
d e r n o implica u m a base social mu lo mais ampla do q u e jamais (oi os muitos defeitos e deficiências da o r d e m liberal com as radiosas
p e r m i t i d o pelos rapporls de force q u e prevalecem n o t e m p o dos promessas materiais e morais do p r o g r a m a socialista, 40 a n o s mais
castelos, guildas e estados. ' t a r d e t o r n o u - s e impossível n ã o levar e m c o n t a a s desastrosas
T a n t o as dimensões políticas c o m o legais da o b r a de B o b b i o c o n s e q ü ê n c i a s do socialismo estatal e as imperfeições da social-
estão i m p r e g n a d a s de u m a espécie m o d e r n a de social-liberalismo. democracia. N o s últimos anos da d é c a d a de 1940, os socialismos
De todos os contratualistas neoliberais vivos, Bobbio é o q u e mais fizeram o papel de juizes; nos últimos anos da d é c a d a de 1980, eles
se a p r o x i m a de c o m b i n a r u m a busca da justiça e um gosto pela p r ó p r i o s estão s e n d o julgados. Além disso, e n q u a n t o a c o m p a r a -
igualdade c o m um firme senso de estruturas institucionais, tipos ção após-guerra foi um exercício de p e n s a m e n t o (já que um de seus
de regime, c seu respectivo valor, empiricamente avaliados. Ele n ã o t e r m o s era p u r a m e n t e ideal), a nossa está fadada a ser a m p l a m e n -
participa de q u a l q u e r p o r ç ã o da rápida "estatofobia" de o u t r o s te u m a avaliação d o s r e g i m e s alternativos existentes. Richard
neoliberais, mais velhos (Hayek.) ou mais jovens (Nozick) do q u e Bellamy diz q u e Bobbio trava-se com "a questão de: q u e arranjos
ele. A questão q u e Bobbio dirige à e s q u e r d a em geral — quais são institucionais são necessários p a r a q u e as pessoas n ã o a p e n a s mu-
as regras de governo? — n ã o p o d e ser evitada pelos verdadeiros d e m a sua condição social, mas p a r a q u e o p t e m p o r fazê-lo?". ' Sua
amigos da liberdade. Pois, c o m o um de seus i n t é r p r e t e s mais com- insistência na d e m o c r a c i a real, sua c o m p r e e n s ã o da alterada posi-
petentes, Celso Lafer, observou, n e n h u m e m p e n h o pela libertação ção histórica do socialismo p o d e m irritar muitos radicais, mas elas
coletiva, p o r mais valioso q u e seja, p o d e jamais resolver automati- p e r m a n e c e m a única o p o r t u n i d a d e de sobrevivência para o liberal-
c a m e n t e a questão t o r t u r a n t e tia conslitulio liberlalis — a natureza e socialismo c o m o u m a p r o p o s t a significativa.
estrutura do p o d e r estatal, 7 " Alguns tipos de Estado c o n t ê m con- E n t r e m e n l e s , as p r e o c u p a ç õ e s esquerdistas liberais de Bobbio
troles institucionais do poder; outros simplesmente não os contêm. acrescentam-se à resistência teórica às novas formas de liberalismo
E p o r q u e c o m p r e e n d e i n t e i r a m e n t e isso q u e Bobbio afirma q u e conservador. C) ensaio de q u e extraímos nossa última citação, sig-
"Ioda democracia genuína ê necessariamente uma democracia liberal". nificativamente intitulado "Velho e novo liberalismo", é de fato uma
218 O liberalismo - antigo e. moderno
Dos novos liberalismos aos neoliberalismos 219

crítica breve dos liberalismos conservadores, vitorianos (Spencer) às inclinações igualitárias do novo liberalismo, enquanto outros,
e contemporâneos (Hayek). Bobbio pretende que, negando ao Es- como Nozick, aparentam-se antes com os neoliberais. Também se
tado mesmo o menor propósito social, Spencer efetuou uma re- pode interpretar os sociólogos liberais como pessoas que são sen-
dução arbitrária do direito público a direito penal. Ora, para síveis à nova dicotomia neoliberal. Enquanto Aron foi essencial-
Bobbio, como para Hegel, qualquer retraimento do direito públi- mente o crítico do totalitarismo, partilhando muitos pressupostos
co é sinal de decadência política, real (como no início da Idade ou prescrições liberais, a obra escrita de Dahrendorf tomou corpo
Média) ou intelectual (como na teoria social de Spencer). Quanto em reação à negligência neoliberal das reivindicações igualitárias.
a Hayek, Bobbio o ataca por causa de sua tacitamente cíclica idéia
da lijstória — seu ingênuo dualismo de boas e más fases (boas,
quando o Estado se retira; más, sempre que cresce). Diferentemente
de Rawls, o neocontratualismo de Bobbio desafia abertamente os
neoliberais conservadores.

Conclusão

O novo liberalismo de 1880 ou 1900 consistiu em três elementos


essenciais: uma ênfase na liberdade positiva, uma preocuparão com
a justiça social, e um desejo de substituir a economia do Itiixsrz-Jtiiiv.
Tal grupo de novos objetivos e pressupostos levou a uma nova vi-
são política liberal, enquanto as velhas reivindicações de direitos
individuais haviam aberto espaço paia exigências mais igualitárias.
No período de entre guerras, esse liberalismo modificado recebeu
novo impulso de vida graças a pensadores influentes como Kelsen
e Keynes.
Em contraste, os triunfanles "neoliberalismos" de cerca de
1980 tinham uma mensagem muito diferente. Os neoliberais
"hayekianos" tendem a desconfiar da liberdade positiva como uma
permissão para o "construtivismo", julgam a justiça social um con-
ceito desprovido de significação, defendem um retorno ao liberis-
mo, e recomendam um papel mínimo para o Estado. Quanto aos
neocontralualistas que se alçaram à fama na década de 1970, al-
guns deles, como Rawls e Bobbio, estão espiritualmente próximos
Conclusão

Uma vista geral, mesmo tão necessariamente incompleta quanto


esta, da história três vezes secular das idéias liberais mostra, acima
de tudo, a impressionante variedade dos liberalismos: há vários ti-
pos históricos de credo liberal e, não menos signiíicantes, várias
espécies de discurso liberal. Tal diversidade parece decorrer prin-
cipalmente de duas fontes. Em primeiro lugar, há diferentes obs-
táculos á liberdade; o que assustava l.ockc — o absolulismo — já
não era obviamente o que assustava Mill ou, ainda, Mayek. Em se-
gundo lugar, há diferentes conceitos de liberdade, o que permite
uma redefinição periódica do liberalismo.
Este livro tentou representar os delineamentos das principais
linguagens e posições históricas do liberalismo. Iniciamos relem-
brando alguns elementos formativos, mais bem chamados protoli-
baralismos, e que remontam à primeira Idade Moderna ou mesmo,
em alguns casos, à Idade Média ocidental, tais como a noção de
direitos e as reivindicações de constitucionalismo, ou o humanismo
da Renascença, como na' ideologia cívica do primeiro republica-
nismo. O auge da primeira Idade Moderna, o Iluminismo, contri-
buiu com uma visão secular, progressiva da história, enquanto o
movimento romântico subseqüente salientou o valor do indivíduo.
O pensamento liberal clássico estabeleceu a doutrina cons-
truindo a teoria da liberdade moderna (Conslani) e especificando
a estrutura da ordem política livre, graças aos pais fundadores

221
'."-".' O liberalismo - antigo e moderrip Conclusão 223

.imcricanos e sua redefinição do Conceito de república em termos j defesa neoliberal do mercado e uma crítica convincente do
<lc governo representativo em lrrga escala. Entrementes, econo- burocratismo.
mistas clássicos, de Smith a Ricardo, legitimaram a liberdade eco- Na medida em que a investida neoliberal significa
nômica — outro tema principal do liberalismo em sua forma clássi- so ao liberalismo, senão ao laissezfairc, esta parece estar muito bem
ca. Além disso, os liberais clássicos acrescentaram dois novos fo- entrincheirada numa época de liberalização corrente, como se
i
cos: iniciaram a teorização dá democracia, de Bentham a tornou a nossa. No entanto, como os gloriosos acontecimentos na
Tocqueville, e desenvolveram as preocupações libertárias do indi- Europa oriental cm 1989 tornaram espantosamente claro, a vonta-
vidualismo liberal, mais notadamente na obra de John Mill. de contemporânea de liberdade é um movimento amplo e parece
Em meados do século XIX, ocorrera uma importante inflexão valorizar a liberdade civil e política tanto quanto os mais altos pa-
na teoria liberal, quando o meco da democracia levou muitos drões de vida dependentes de grandes influxos de liberdade eco-
pensadores proeminentes a defenderem um liberalismo distinta- nômica. Nem o surto ou renascimento de mais liberdade econô-
mente conservador. Foi esta a posição que prevaleceu de Bagehot a mica — a tendência liberisla — significam o dobre de finados para
Spencer. Esta posição compreendeu a maior parte das opiniões impulsos igualitários, seja no campo da argumentação ou na prática.
germânicas quanto ao Rechlsslaal, e também o impacto mais tardio Como foi observado por alguns distintos sociólogos como Aron
dos influentes filósofos latinos Croce e Orlega. Falando em termos ou Dahrendorf, a nossa sociedade permanece caracterizada por
gerais, o liberalismo conservador produziu uma versão elitista da uma dialética contínua, embora camhiante, entre o crescimento da
idéia liberal. ! liberdade e o ímpeto em direção a uma maior igualdade — e disso
Os últimos anos do século XIX testemunharam um sesrundo a liberdade parece emergir mais forte do que enfraquecida.
importante desvio do paradigma clássico, desta feita no sentido das
reivindicações igualitárias dos novos liberais, como afirmado por
prestigiosos pensadores como C.recn, por volta de 1880, e
Hobhouse, na altura de 1910. Muito de sua posição intelectual foi
preservada pelos grandes liberais de esquerda do período de en-
tre guerras, como Kelsen na Europa, Keynes na Inglaterra, e Dewey
nos Estados Unidos. Os anos do após-guerra assistiram à ascensão
de uma crítica liberal do totalitarismo (a ser distinguida da crítica
conservadora) nos escritos de Popper e de moralistas como Orwell,
Canitts e líciiin.
As últimas duas décadas tornaram manifesto um forte
renascimento do liberalismo. Houve uma evidente retomada do
discurso contratualista dos direitos, como em Rawls, Bobbio e
Nozick. Uma escola muito diversa de pensamento desafiou a
preocupação social do novo liberalismo, articulando uma poderosa
Cronologia 225

1817 Ricardo, Princípios de economia política


1818 De Staêl, Consi.d.éralions sur Ia Révolulion Française
1820 J a m e s Mill, Essay on Government
182 1 N a p o l e ã o m o r r e cm Santa 1 Telma; o México
conquista sua i n d e p e n d ê n c i a da Espanha
Cronologia 1828 GuizoL, llisloire générale de Ia civilizaiion en Enrope
1830 M o r r e Simón Bolívar
1832 A p r o v a d a na Grã-Bretanha a Reform Bill
1834-1848 Rotteck e Welcker, Dicionário político
1835-1840 Tocqueville, A democracia na. América

1688 Revolução Gloriosa na Grã-Bretanha 1837 Vitória sobe ao t r o n o britânico


1689 Locke, Carla acerca da tolerância 184-7-1853 Michelet, História da revolução: da queda da Bastilha à
1690 Locke, Segundo tratado festa de federação
17'I8 Montesquiou, Do espírito das leis 1818 Revoluções da 1'Yança de 1818; tem início a Segunda
I 762 Rousscau, Contraio social República
1775-1783 Revolução Americana 1850 Ilcr/,en, Provi lhe Olher Sh.ore
1776 Smith, A riqueza das nações 1852 Inicia-se o r e i n a d o de N a p o l e ã o III
1 l u m b o l t , On lhe Limits of lhe State (obra p ó s t u m a )
1787 Os Estados Unidos r e ú n e m a C o n v e n ç ã o Constitu-
1853 Nova Constituição p r o m u l g a d a na Argentina
cional
1855- 1861 Macaulay, Ilislory of ilnglantl
1787- 1788 The Federalisl l>a/>ers
1789 'Fornada da Bastilha; inicia-se a Revolução Francesa 1859 J o h n Stuart Mill, On Liberty
B e n t h a m , Uma introdução aos princípios da moral e da J. Simon, La liberte

legislação 1860 Mazzini, The Duties o/Man


1791 Declaração de Direitos a d o t a d a nos Estados U n i d o s 1861 J o h n Stuart Mill, Represenlalive Government

Paine, Os direitos do homem 1867 A d o t a d a na Inglaterra a Reform Bill


1795 Kant, Paz perpétua Bagehot, The English Constilution
1799 Golpe do 18 B r ü m á r i o na França; inicia-se o r e i n a d o 1868 Isabel II abdica, e estabelece-se na E s p a n h a u m a

de N a p o l e ã o I m o n a r q u i a constitucional
1810-1816 Inicia-se a luta da A r g e n t i n a pela i n d e p e n d ê n c i a 1871 Unificação da A l e m a n h a
1814-1815 O Congresso de Viena cria a C o n f e d e r a ç ã o 1884 A d o t a d a na Grã-Bretanha a Reform Bill
Germânica Spcncer, The Man versas lhe State
1815 Napoleão d e r r o t a d o em Waterloo 1885 Dicey, The Lato of lhe Constilution
1886 G r c e n , Leclures on lhe. Principies ofPoliiical Obligaliou
Constai.it, Príncipes de polilique.

224
O liberalismo - antigo e moderno

1899 Bouglé, Idées égalitaires


1900 Jellinek, Allgemeine Staatslehre
1903 Renouvier, Personnalisme
1906 Acton, Lectures on Modem History
1909 H o b s o n , "The Crisis of Liberalism" Notas e referências bibliográficas
1911 H o b h o u s e , Liberalism
1 9 1 4 - 1 9 1 8 Primeira G u e r r a Mundial
1917 Weber, Parlamento e. governo
1919 Assinatura do T r a t a d o de Versalhes
1920 Kelsen, OJ lhe Essence and Value of Democracy
Capítulo 1
1924 Gobetti, The Liberal Revolulion
1. Cf. D. J. Manning, Liberalism (Londres: Dent, 1976), p. 9.
1927 Mises, Liberalism
2. Montesquieu, Do espírito das leis, trad. Fernando Henrique Cardoso e
De Ruggicro, History ofE.urope.an Liberalism
Lcôncio M. Rodrigues (Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
1928 Kosselli, Liberal'Socialista 1982), livro 19, cap. 27.
1929 Q u e b r a da bolsa nos Estados Unidos
3. Cl*. John Pliimemitz, Con.mtl, Frmlom and 1'olilical Obligaliou (1938;
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1930 Dewey, ínrlivirlii.a/ism O/d and New p. 125. Para uma análise orientada empirieamente da liberdade no
1931 Keynes, Essays in Persuasion interior da interação social, ver Felix Oppenheim, Dimensions ofFreedom:
1932 Croce, ILislória da Europa no século XIX An Analysis (Nova York: St. MarüVs Press, 1961), especialmente cap. 6.

1933 Hitler ascende ao p o d e r na A l e m a n h a 4. John Plamenatz, Man and Society: A Criticai. Examination of Some
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York: McGraw-Ilill, 1963), vol. 1, pp. 49-50 e 415-116.
1939-1915 Segunda G u e r r a Mundial
1945 P o p p e r , A sociedade aberta e sem inimigos 5. M. I. Finley, A política do mundo antigo, trad. Álvaro Cabral (Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1985).
1951 Camus, L 'homme revolte
1958 Berlin, "Dois conceitos de liberdade" 6. Por exemplo, Norberto Bobbio, "Kant e !e due liberta", em seu Da
Hobbes a Marx (1964; Nápoles: Morano, 1971), p. 147.
1960 Hayek, Os fundamentos da liberdade
1962 B u c h a n a n e TulloÇk, The Calculus o/Consent 7. Charles Taylor, "What's Wrong with Negative Liberty", in Alan Ryan,
ed., Theldea ofFreedom - Essays in Honour oflsaiah Berlin (Oxford e Nova
1965 Aron, Un essai sur Ia liberte
York: Oxford University Press, 1979), pp. 175-193.
1971 ' Rawls, Uma. teoria, ria justiça
8. Bobbio, "Kant e le due liberta" (ver nota 6 acima), p. 119.
1974 Nozick, Anarquia, Estado e utopia
1979 Dahrendorf, Life. Chances 9. Para um exame dos liberalismos em diversos "contextos internos",
ver Maurice Cranston, Freedom: A New Analysis (Londres: Longmans,
1984 Bobbio, O futuro da democracia
1953).
1987 Raz, The Moralily ofFreedom

•:.?.'/
228 O liberalismo - antigo e moderno Nolas e referências bibliográficas 229
j

10. P a r a um relato e r u d i t o do huimanismo civil na R e n a s c e n ç a italiana, 18. Cf. Alan Macfarlane, The Origins ofEnglish Individualism (Oxford e Nova
ver H a n s Baron, The Crisis oftfie Early Italian Renaissance (Princeton: York: O x f o r d University Press, 1978).
P r i n c c t o n University Press, 1960).
19. Cf. J a c q u c s Julliard, La Faule à Rousseau - essai sur les c.onséquences
11. Para u m a crítica das interpretações "totalitárias" errôneas de Rousseau, historiques de Tidée de souverainetépopulaire (Paris: Seuil, 1985).
ver o m e u Rousseau and Weber: Tiuo Sludies in lhe Theory of Legitimacy
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bras.: Rousseau e Weber: dois esl,udos sobre a teoria, da legitimidade, trad. Capítulo 2
Margarida S a l o m ã o (Rio de J a n e i r o : Editora G u a n a b a r a , 1990). Para 1. K r n s t T r o c l t s c h , l)ie Bedeulinigiles 1'roleslaiUismnsjür die Eritslelinng der
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1988), cap. 3.
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versus o particular em Rousseau e antes dele foi convincentemente! Press, 1950).
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3. Michel Villcy, La formation de Ia pensée juridique moderne (Paris:
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K e o b a n e , 1'hi/osophy mui /lie Slate in /'rance: Tlie Renaissance Io lhe ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e University Press, 1979), p. 24.
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8. A l e s s a n d r o Passcrin cPEntrèves, Natural Late ( L o n d r e s : U u l c h i n s o n ,
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9. Gierke, Natural Law and the Theory ofSociety (ver n o t a 5 acima), p. 35.
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10. A l b r e c h l Dihle, The Thenry of lhe Will in Glassical Anliquily (Berkeley:
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University of Califórnia Press, 1982).
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'.'!!) O liberalismo - antigo e moderno

12. John Dunn, Loche (Oxford: Oxford Universky Press, 1984), cap. 2. Leonard Krieger, An Essay rm the Thtfory of Enlighteneã Despotism
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EditoniBrasilieii.se, 1987). Cf. apêndice a Gibbon, publicado em 1781, ao capítulo 38 de seu
14. Kenneth Wheare, Modem Constitutions (Oxford: Oxford Universky Decline and Fali ofthe Roman Empire. Gibbon acrescentou que, mesmo
Press, 1966). se (contra todas as probabilidades) a sociedade mercantilista da Euro-
pa caísse em mãos de novos bárbaros, restaria a América, que já esta-
15. C. H. Mcllwain, Conslitutionalism Ancient and Modem (Nova York: va cheia de instituições européias.
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Cambridge Universily Press, 1907); Hrian Tirrucv. Ilciigiou. I.nw and
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reimpressão, Londres: 1 Iollis & Cartes, 1954); O pensamento europeu no D. D. Raphael, Adam Smith (Oxford: Oxford University Press, 1985),
século XVIIÍ (de Monlesquieu a Lessing), trad. Carlos Grifo Babo (Lis- p. 71. Para um excelente exame das opiniões de Smith sobre a socie-
boa: Presença, 1974). dade mercantilista como "desigual e não-virtuosa mas não injusta",
ver o capítulo introdutório em Istvan Muni e Michael Ignatieff, Wealth
18. Peter Gay, The Enlightenment: An lnte.rprela.tion (Nova York: Knopf, and Virtue: The Shaping of Political Economy in the Scottüh Enlightenment
1966). (Cambridge: Cambridge University Press, 1983).
19. Immanucl Kant, "What is Enlightenment?", in I-Ians Reiss, ed., Kanl's
Kenneth Minogue, The Liberal Mind (Londres: Methuen, 1963),
Political Wrüings (1784; reimpressão, Cambridge: Cambridge Univer-
pp. 61-68.
sity Press, 1970).
Michael Oakeshott, Rationaliim in Politics and Other Essays (Londres:
20. Para o conceito de civilização cortesã, ver Norbert Elias, The Court
Society (1969; reimpressão, Oxford: Blackwell, 1983), ed. port.: A so- Methuen, 1962).
ciedade da corte, trad. Ana Maria Alves (Lisboa: Estampa, Imprensa Ghita lonescu, Politics and the Pursuit of Happiness: An Inquiry into the
Universitária, 1987); Giulio Cario Argan, The Europe of the Capitais Involvement ofHuman Beings in the Politics of Industrial Society (Londres:
1600-1700 (Genebra: Skira, 1964). Longman, 1984), cap. 4.
21. Gianfranco Poggi, The De-oelopme.nl of the Modem State: A Sociological
Nancy Rosenblum, Another Liheralistn: Romanticism and the Recon-
Inlroduction (Londres: Mutchinson, 1978), p. 73; ed. bras.: A evolução
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do Estado moderno: uma introdução sociológica, trad. Álvaro Cabral (Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1981). Colin Campbell, The Romantic Ethics and the Spirit of Modem Consum-
erism (Oxford: Blackwell, 1987), pp. 203-205.
22. A. Goodwin, uma vista de olhos introdutória a The New Cambridge
Modem History, vol. 8, 1763-93 (Cambridge: Cambridge Universif.y Boyd Hilton, The Age ofAtonement: The Influence of Evangelicanism on
Press, 1971). |' Social andEconomic Thought, 1785-1865 (Oxford: Clarendon, 1988).
O liberalismo - antigo e moderno Notas e referências bibliográficas 233

Capítulo 3 12. Ross Harrison, Bentham (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1983),
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1. Pierre Manent, Histoire intellectuelle du libéralisme (Paris: Calmann-Lévy,
1987), pp. 55-56; ed. bras.: História intelectual do liberalismo (Rio de 13. Shirley Robin Letwin, The Pursuit ofCertainty (Hume, Bentham, Mill e
Janeiro: Editora Imago, 1990). Beatrice Webb) (Cambridge: Cambridge University Press, 1965).

2. Segundo J. G. A. Pocock ("Conservative Enlightenment and Demo- 14. Elíe Halévy, The Growth of Phüosophical Radicalism, 1901-1904 (Nova
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Perspective", in Government and Opposition 24 [inverno de 1989], p. 83),
15. Arthur J. Taylor, Laissez-faire and State Interuention in Nineteenth Cenlury
o nominalista Hobbes opôs-se à filosofia grega e à escolástica porque,
Britain (Londres: The Economic History Society, 1972), p. 36.
encorajando a crença na realidade das essências, eles alimentavami
afirmações cssencialistas contra a autoridade do soberano. Ainda assim, 16. Eric Hobsbawn, Industry andEmpire (Londres: Wcidcnfcld & Nicolson,
na época de Occam, o nominalismo fora usado para solapar a causa 1968), cap. 12; ed. bras.: Da revolução industrial inglesa ao imperialismo,
do absolulismo papal. trad, Donaldson M. Garschagcn, sei. e coord. Fernando Lopes de
Almeida e Francisco Rego Chaves Fernandes (Rio de Janeiro: Forense-
3. Bobbio, Da Hobbes a Marx (ver nola f>, cap, 1), pp, 88-90,
UiiivciKltilriii. 11)70),
•4. I Iarold Laski, Polilical Thought in England: From Loclte to Bentham (Nova 17. Quanto ao pensamento político de Hcgcl, ver Joachim Ritter, Ilegel and
York: Holt, 1920); Louis Hart, The Liberal Tradition in America: An lhe French Revolution, trad. de R. Winfield (1957; reimpressão, Boston:
Interpretation. of American Polilical Thought since lhe Revolution (Nova MIT, 1982); Manfred Riedel, Between Tradition and Revolution: The
York: Harcourt, Brace, 1955). llegelian 'Transformation of Polilical Philosophy (1969; reimpressão,
Cambridge: Cambridge Universily Press, 1984); Gcorge Armstrong
5. J. G. A. Pocock, The Machiavelllan Moment: Florentine Polilical Thought
and. lhe Atlantic Republican Tradition (Princelon: Princcloii Univcrsity Kelly, idealista, Politi.es and. flistory: Sources of llegelian Thought
Press, 1975). (Cambridge: Cambridge University Press, 1969); duas seletas edita-
das por Z. A. Pelczynski, Hege.Vs Political Philosophy: Problems and
6. Keith Thomas sobre Pocock, Neiu York Review ofBooks (27 de fevereiro Perspectives (1971) e The State and Civil Society: Studies in Hege.Vs Political
de 1986). Philosophy (1984), ambos publicados pela Cambridge University Press;
Norberto Bobbio, Sludi hegeliani (Turim: Einaudi, 1981); Michelangelo
7. Isaac Kramnik, "Republican Revisionism Revisited", in American
Bovcro, Hegel e ilproblema, político moderno (Milão: Angcli, 1985).
Ifistorical Review 87 (1982).
18. Quanto a Sieyès, ver Bronislaw Baczko, "Le contrat social des Français:
8. J. G. A. Pocock, Virlue, Commerce andHistory: Essays on Political Thought
Sieyès et Rousseau", in K. M. Baker, ed., The French Revolulion. and, the
and flistorw Cbiefly in lhe F,igbt\r»lb. Cenhny (Cambridge: Cambridge
Cmition oj'Modem Political Ciil/ioe.voi, I (Nova York: 1'eigaiiion, 1087),
Universily Press, 1985).
pp. 493-513.
9. Pocock, "Conservative EiiIigliU:nnicnt",(vcr nota 2 acima).
19. A esse respeito, ver Adolfo Oinoctco, Studi suWelà delia Restaurazione
10. David F. Epstein, The Political Theory of "The Federalist" (Chicago: The (Turim: Einaudi, 1970), pp. 3, 2, e especialmente p. 230.
Univcrsity of Chicago Press, 1984), pp. 5, 6, 79 e 92.
20. Sobre Constant, ver a introdução por Mareei Gauchet à sua edição
11. Thomas L. Pangle, The Spirit of Modem Republicanism (Chicago: The dos escritos escolhidos de Benjamin Constant, De Ia liberte chez les
Univcrsity of Chicago Press, 1988). modernes (Paris: Livre de Poche, 1980); S. Holmes, Benjamin Constant
234 O liberalismo - antigo e moderno Notas e referências bibliográficas 235 '

and the Making of Modem Liberalism (ver nota 14, cap. 1); e Paul Bastid, 36. John Gray, MUI on Liberty: A Defence (Londres: Rouüedge & Kegan Paul,
Benjamin Constant et sa doctrine (Paris: A. Colin, 1966). 1983), p. 45.
21. Sobre Guizot, ver Pierre Rosanvallon, Le Moment Guizot (Paris: 37. Maurice Cowling, MUI and Liberalism (Cambridge: Cambridge
Gallimard, 1985). University Press, 1963); Gertrude Himmelfarb, On Liberty and
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22. James T. Schleifer, The Making of Tocqueville's "Democracy in America"
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(Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1980), cap. 18; mas
Macmillan, 1968), para o exame, por R. J. Halliday, da crítica de
ver Koenraad Swart, "Individualism in the Mid-Nineteenth Century",
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Journal ofthe History ofldeas (janeiro/março de 1962), pp. 77-90.
Clarendon, 1980), pp. 145-166, para um exame tanto de Cowling como
23. Jean-Claude Lamberti, Tocqueville and the Two Democracies, trad. A. de Himmelfarb. On Liberty é o assunto da seleta editada por A. Phillips
Goldhammer (1983; reimpressão, Harvard University Press, 1989). Griffiths (Cambridge: Cambridge University Press, 1983).
24. Montesquieu, Do espírito das leis (ver nota 2, cap. 1), livro 5, cap. 7. 38. C. L. Ten, MUI on Liberty (ver nota 37 acima), p. 173.
25. Ver Constant, "De 1'esprit de conquête et de 1'usurpation dans leurs 39. Larry Siedentop, "Two Liberal Traditions", in A. Ryan, ed., The Idea of
rapports avec Ia civilization européenne", in Gauchet, De Ia liberte chez Freedom (ver nota 7, cap. 1), pp. 153-174.
les modernes (ver nota 20, cap. 3).
40. Guido de Ruggicro, History of European Liberalism, trad. R. G.
26. John Plumenalz, "Liberalism", in Philip Wiener, ed., Dictionary ofthe Collingwood (1925; Oxford: Oxford University Press, 1927), vol. 1,
History ofldeas (Nova York: Scribner's, 1973), vol. 3, p. 50. cap. 4, seção 2. .

27. Constant, "De Ia perfectibilité de 1'espèce humaine", in Gauchet, De Ia 41. Martin Malia, Alexander Herzen and the Birth of Revolutionary Socialism,
liberte chez les modernes (ver nota 20, cap. 3), pp. 580-595. 1812-1815 (Oxford: Oxford University Press, 1961).

28. Hugh Brogan, Tocqueville (Londres: Fontana, 1973), p. 75. 42. W. B. Yeats, "The Seven Sages", in The Winding Stair and Other Poems
(1933), in The Collected Poems ofW. B. Yeats (Londres: Macmillan, 1977).
29. Schleifer, The Making of Tocqueville's "Democracy in America" (ver nota
22 acima), cap. 18.
Capítulo 4
30. Ettore Cnomo, Profilo dei liberalismo curopeo (Nápoles: Edizioni
Scientifiche Italiane, 1981). 1. DonaldSouthgate, ThePassingofthe Whigs, 1832-1886(Londres: 1962),
citado em Burrow, Whigs and Liberais (ver nota 34, cap. 3), p. 12.
31. R.J. HdAlidTiy,John Stuart Milt (Londres: Allen & Unwin, 1976), cap. 1.
2. Anthony Quinton, The Politics of Imperfection: The Religious and Secular
32. Como explicado por Denrtis F. Thompson, John Stuart MUI and Traditions of Conservative Thought in Englandfrom Hooker to Oakeshott
Representative Government. (Princeton: Princeton University Press, 1976), (Londres: Faber, 1978), pp. 56, 60.
p. 195.
3. J. W. Burrow, A Liberal Descent: Victorian Historians and the English Past
33. William Thomas, MUI (Oxford: Oxford University Press, 1985), p. 111. (Cambridge: Cambridge University Press, 1981), p. 28.
34. J. W. Burrow, Whigx and Liberais: Ctmtiniiity and CJiangc in Englhh. 4. Burrow, Whigs and Liberais (ver nola 34, cap. 3), p. 132.
Political Thoughi'(Oxford: Clarentlon, 1988), p. 106.
5. Sobre James Stephcn, ver James Colaiaco, James Fitzjames Stephen and
35. Alan Ryan,/. S. MUI (Londres: Rouüedge & Kegan Paul, 1974), cap. 5. the Crisü of Victorian Thought (Londres: Macmillan, 1983).
<(i O liberalismo - antigo e moderno Notas e referências bibliográficas 237

li. I l e r b c r t Spencer, "Over-legislation", in Essays: Sáenlific, Political and 18. Ver as excelentes observações de Laudyce Rétat, " R e n a n e n t r e révo-
Specidative (Londres: 1808), vol. 2, p.50. Q u a n t o a reavaliações recentes lution et r e p u b l i q u e " , Commenlaire 39 ( o u t o n o de 1987).
de Spencer, ver AA. W . , History of Political Thought 3.3 (1982). 19. T o m o de e m p r é s t i m o a t r a d u ç ã o de Rechtsstaal p r o p o s t a p o r Gottfried
Dietze em Two Concepts ofthe Rule ofLaw (Indianapolis: Liberty F u n d ,
7 . Devo esta i n t e r p r e t a ç ã o d e m u d a n ç a d e m o d e l o d a e v o l u ç ã o d e
1973), em q u e m m u i t o do q u e s e g u e s o b r e Mohl e Stahl está funda-
S a r m i e n t o à aula inaugural do professor Túlio H a l p e r i n D o n g h i , ain-
mentado.
da n ã o publicada, da c á t e d r a S i m ó n Bolívar, na Universidad Nacional
A n t ó n o m a de México, em abril de 1989. Para u m a b o a análise de te- 20. Q u a n t o a essa caracterização, ver K e n n e t h Dyson, The State Tradition
m a s liberais em S a r m i e n t o , ver Paul V e r d e v o y e , Domingo Faustino in Western Europe (Oxford: Martin R o b e r t s o n , 1980), p. 123.
Sarmiento, educateur et pnblicisle (1SV!~ 18^2) (Paris: 1904).
2 1 . licnjamin C o n s t a m , "De Ia liberte des anciens c o m p a r é e à celle des
8. Q u a n t o a este c o m e n t á r i o , ver Alberdi, "Del uso de Io c ô m i c o cti Sud m o d e r n e s " (181!)), in Ganchei, Dela libertechez les modernes (ver nota 20,
América", El. /niciadorl ( B u e n o s Aires, 15 de julho de 1838), citado cap. 3), p. 5 1 3 .
p o r Gerald Martin no cap. 18 de Lcslie Betbel, ed., The Cambridge
22. Citado em Dietze, Two Concepts ofthe Rn/a of I.aiti (ver nota 19 acima),
llis/oryofl.atin America, vol. 3, Eram hii/e/iciideiice Io c. 1870 (( '.amhridge:
p.24.
C a m b r i d g e University Press, 1985).
2 3 . B r a m s t e d e Melhuish, Western Liberalism (ver n o t a 16, cap. 4),
9. Natalio Botana, La tradición republicana: Alberdi, Sarmiento y Ias itleas
pp. 389-390.
políticas de su tiempo (Buenos Aires: S u d a m e r i c a n a , 1984), p. 486.
24. De Ruggiero, History of European Liberalism (ver n o t a 40, cap. 3), vol. 1,
10. Mariano G r o n d o n a , Los pensadores de. Ia libertad: de John Locke and Robert cap. 3, seção 4.
Nozich ( B u e n o s Aires: S u d a m e r i c a n a , 1986), p p . 1 0 2 - 1 0 3 .
2 5 . R o b e r t É d e n , Political Leadership and Nihilism: A Study of Weber and
11. G r o n d o n a , Los pensadores (ver n o t a 10 acima), p. 112. Nietzsche ( T a m p a : University Presses of Florida, 1984).
12. Botana, La tradición republicana (ver n o t a 9 acima), p p . 4 8 0 - 4 8 1 . 26. David B e e t h a m , Marx Weber and the Theory of Modem Politics ( L o n d r e s :
13. Para u m a vista breve da evolução política da A r g e n t i n a na época, Allen & Unwin, 1974), cap. 4.
ver m e u ensaio "Patterns of State-Building in Brazil a n d Argentina", 27. Q u a n t o a esse c a r á t e r " h i p o d e m o c r á t i c o " da teoria de W e b e r s o b r e a
i n j o h n A. Hall, ed., States in History (Oxford: Blackwell, 1986), legitimidade, v e r o m e u Rousseau and Weber: Two Studies in the Theory
pp. 264-288. ofLegitimacy (ver n o t a 1 1 , cap. 1), p p . 1 3 0 - 1 3 5 e 1 9 7 - 1 9 8 ; e r e s e n h a
14. Carlos H. W a i s m a n , Reversa/ of Development in Argentina: Postwar feita do original em inglês p o r Wofgang M o m m s e n em Government and
Counter-revolutionary Policies and Their Structural Consecjuences Opposition 17 ( i n v e r n o de 1982).
(Princeton: Princeton University Press, 1987). 28. N o r b c r t o B o b b i o , Profilo ideológico dei novecenlo, vol. 9, Sloria delia
15. Louis Girarei, LesLibérauxfratlçais(l\\rK: Aubier, 1985), p p . 1 8 8 - 1 8 9 . lelteratura italiana (Milão: Gar/.anti, 1969), p p . 1 6 1 - 1 6 2 .

16. E. K. B r a m s t e d e K. J. Melhuish, Western Liberalism: A History in Docu- 29. Q u a n t o ao c o n t e x t o histórico do p e n s a m e n t o político de C r o c e e de


suas a t i t u d e s , v e r H. S t u a r t H u g h e s , Consciousne.ss and Society: the
mentsfrom Locke to Croce. (Nova York: L o n g m a n , 1978), p p . 3 9 8 - 3 9 9 .
Reorienlalion of European Social Th.ou.ghl, IS'J0~1930{\%ti; reimpressão,
17. Para u m a boa avaliação do relacionamento e n t r e Renan e o positivismo, L o n d r e s : Paladin, 1974), p p . 2 1 3 - 2 2 9 .
ver D. G, Gharllon, 1'ositiaist Thought in /''rance ilnring lhe Second Em pire,
30. Q u a n t o a esse p o n t o , ver Richard Bellamy, Modem Ita/iau Social Theory:
1852-1870 (Oxford: Oxford University Press, 1959), p p . 100-100; c
Idmlogy and Politics fmm Vareio Io lhe Present ( C a m b r i d g e : Polily, 1987),
W, M. Simon, European Posiüvism in lhe. Nhwleenth Century (IiUaeu:
Cornell University Press, 1963) y p p . 9 5 - 9 9 . pp. 91-92.
238 O liberalismo - antigo e moderno Notas e referências bibliográficas 239

31. Para uma excelente discussão crítica, ver Norberto Bobbio, Política e Capítulo 5
cultura (1955; reimpressão, Turim: Einaudi, 1980), cap. 13.
1. F. C. Montague, The Limits of Individual Liberty (Londres: 1885), p. 2.
32. Para uma referência curta à dívida de Gramsci para com — e crítica de
— Croce, ver o meu Westerm Marxism (Londres: Paladim, 1986), 2. Como observado por Vittorio Frosini, La Ragione dello stato: studi sul
pp. 96-98; ed. bras.: O marxismo ocidental, trad. Raul de Sá Barbosa pensiero político inglese contemporâneo (1963; reimpressão, Milão: Giuffré,
(Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987). 1976), p. 33.

33. Quanto a Mosca, ver Norberto Bobbio, On Mosca and Pareto (Genebra: 3. Crane Brinton, English Political Thought in the Nineteenth Century
Droz, 1972); Hughes, Consciousncss and Society (ver nota 29, cap. A\ (Londres: 1949).
cap. 7; e Gcrainl Pan-y, Political Elites (Londres: Allen & Unwin, 1969),
•1. A esse respeito, ver Kolx-rl Kc< lrsliall, Ihitisb IJlieinlisin; l.ibrtttl Tliought
pp. 30-42. : j
from the I640.S to l<>S()s (Nova York: Longman, 1986), p. 39.
34. A maior parte da literatura filosófica sobre Unamuno e Ortega é Iq-
diosa e epigôniea. Entre as exceções incluem-se Alcjandro Rossi et al.^ 5. Ver Melvin Richter, The Politics ofCnnscien.ee: T. II. Green and. Ilis Age
José Ortega y Gasset (Cidade do México: Fondo de Cultura Econômica', (Londres: Weidenfeld & Nicolson, 1964).
1984); J. Ferrater Mora, Unamuno (Berkeley: University of Califórnia 6. ClaudeNicolet, L'Idé.erépublicaineen France (1789-1924): essaid'histoire.
Press, 1962); Martin Nozick, Unamuno (Nova York: Twayne, 1971)t [ critique (Paris: Gallimard, 1982), pp. 152-157. Ver também John A.
Rockwell Gruy, The hnpt.miwe' of Motkrnily: An lntrlltcXual Iho^raphy <if \ Scoll, lir.pubut.an Idens and lhe. Liberal Tradition. in France 1870-191-1
José Ortega y Gasset (Berkeley: lUniversity of Califórnia Press, 1989); è (Nova York: 1952).
Andrevv Dobson, An Intro/Iuetion to lhe 1'olilk.t and 1'hitosophy o/José \
Ortega y Gasset (Cambridge: Cambridge University Press, 1989); po- | 7. TheodoreZcldin,France 1848-1945, vol. \,Ambilion, Loveand.Politics
dem ser encontrados excelerites retratos intelectuais de ambos em I (Oxford: Clarendon, 1973), p. 483.
Ernst Robert Curtius, Krilische Essays zur europãische Literatur (Berna: j
8. Ibid., pp. 629-630.
Francke, 1954); eJuan Manchai, Teoria e historia dei essayismo hispânico l
(Madri: Alianza, 1984). Há em Ionescu, Politics and lhe Pursuit of j 9. Quanto ao conceito de politelismo, ver C. Bonglé, Lecon.s de sociologie
Happiness (ver nota 30, cap. 2), uma excelente discussão sobre sur Tévolution des valeurs (Paris: A. Colin, 1922). Bouglé criou o con-
Unamuno. ceito em 1914! Quanto ao liberalismo de Bouglé, ver William Logue,
"Sociologie et poliliqiie; lc liberalismo de Géleslin Bouglé", lievnc
35. Para um exame do socialismo juvenil de Ortega, ver Fernando |
Francaise de Sociologie 20 (1977), pp. 141-161. Sobre o politelismo, ver
Salmerón, "El socialismo dei jbven Ortega", in Rossi et ai.,José Ortega
W. Paul Vogt, "Un durkheimien ambivalent: C. Bouglé", no mesmo
y Gasset (ver nota 34 acima), pp. 111-193. ;
número da Revue Francaise, pp. 123-139.
36. Ver Guillermo Morón, Historia política de José Ortega y Gasset (Cidade
do México: Oãsis, 1960). | 10. Para um exame de suas afirmações, ver Stcven Lukes, Emile, Durhheim,
His Life and Work; A Histórica!, and Criticai Study (1973; reimpressão,
37. Immanuel Kant, "On lhe Common Saying: 'This May Be Truc iri Harmondsworth: Penguin, 1975), pp. 338-344.
Theory, But It Does Not Apply in Practice'" (1793), in Hans Reiss, ed.;
Kanfs Political Wrilings (Cambridge: Cambridge University Press> 11. Quanto a Duguit, ver Dyson, The State Tradition (ver nota 20, cap. 4),
1970), p. 78. \ pp. 145-149.

12. Burrow, Whigs and Liberais (ver nota 34, cap. 3), pp. 142-152.
'•'•10 O liberalismo - antigo e moderno \ Notas e referências bibliográficas 241

| j
13. Q u a n t o ao organicismo liberal de H o b s o n , ver Michael F r e c d e n , The Devo essa observação a Marcello de Cecco de Siena. Ver sua contri-
New Liberalism: An Ideology of Social íieform (Oxford: C l a r e n d o n , 1 978), buição a Robert Skidelsky, ed., The F.nd ofthe Keynesian lira ( L o n d r e s :
cap. 3. | f Macmillan, 1977), p. 22.

Cf. Samuel Brittan, The Economic Consequences ofDemocracy ( L o n d r e s :


14. Cf. P e t c r Clarke, Liberais and Social Democrats ( C a m b r i d g c : C a m b r i d g c
T e m p l e S m i t h , 1977).
University Press, 1978), p p . 2 3 0 - 2 3 4 . |
Q u a n t o a essas críticas, ver Bhikhu P a r e k h , Conlemporary Political
l.r). Peter Clarke, "In H o n o r of I l o b s o n " , Times Literary Supplement (24 de-
Thinlcers (Oxford: Martin R o b e r t s o n , 1982), p p . 1 4 9 - 1 5 2 .
m a r c o de 1978), u m a r e s e n h a de F r e c d e n , The Nexo Liberalism.
Ver o capítulo de A n t h o n y Q u i n t o n s o b r e P o p p e r ("A política s e m
16. Cf. Michael F r e e d e n , Liberalism Divided: A Study in British Political essência") em A n t h o n y de Crespigny, Filosofia política contemporânea,
Thought 1914-1939 (Oxford: O x f o r d University Press, 1986). ; trad. Y v o n e j e a n (Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1982).
Para u m excelente e x a m e crítico d o anti-historicismo d e P o p p e r , ver
17. Um c o m e n t á r i o c u r t o e excelente s o b r e essas posições italianas de
B u r l e i g h T a y l o r Wilkins, LiasIlistoryAnyMeaningfA CritiqueofPoppers
e s q u e r d a liberal p o d e ser e n c o n t r a d o n o livro d e B o b b i o Profilo
Philosophy of líistory (Ithaca, Nova York: University Press, 1978).
ideológico dei noveeenlo (ver n o t a 28, cap. 4), p p . 1 8 6 - 1 9 8 , 2 0 9 - 2 1 6 .
Michael Walzer, The Company of Critics: Social Criíicism and Political
18. T r ê s b o n s volumes sobre C. Schmitt — um d o s mais capazes desafiantes
Commitment in the Tioenlieth Century (Nova York: Basic Books, 1988),
do liberalismo em nosso século — são o livro de J o s e p h Bendersky,
cap. 7.
CarlSchmitt, Theorislfor lhe Reich (Princeton: Princeton University Press,
1983); a edição especial de Telos 72 (verão de 1987); e a seleta e d i t a d a Ver, p o r e x e m p l o , o s ensaios v e r g o n h o s a m e n t e mal e d i t a d o s p o r
p o r G i u s e p p c D u s o , La política oltre Io stato: Carl Schmitt (Veneza: C h r i s t o p h e r N o r r i s , c o m o Inside lhe Myth - Orwell: Views on Ortuellfrom
Arsenale, I9HI). the I.efl ( L o n d r e s : Lawreiice Se Wisbarl, 19H-1), P;ua uma m e l h o r aná-
lise, ver B e r n a r d Crick, George Orwell: A Life ( L o n d r e s : S e c k e r &
19. Para u m a i n f o r m a ç ã o inteligente .sobre os a n t e c e d e n t e s da teoria W a r b u r g , 1981); feffrey Meyers, ed., George. Ortuell: The Criticai fleritage
política de Kelsen, ver a longa i n t r o d u ç ã o de R o b e r t o Racinaro à tra- ( L o n d r e s : R o u t l e d g e , 1975); Alex Zwcrdling, Orwell and lhe Le.fi (New
d u ç ã o italiana de Sozialismus undStaat (Bari: De D o n a t o , 1978). H a v e n : Yalc University Press, 1974); G e o r g e W o o d c o c k , The Crystal
Spiril: A Study of George Orwell (Nova York: Schoken, 1984); c S i m o n
20. Q u a n t o a Wilson, ver R i c h a r d H o f s t a d t e r , The American Political
Leys, Orwell ou 1'horreur de Ia politique (Paris: H e r m a n n , 1984).
Tradition, and the Men Who Made II (Nova York: Knopf, 1948, 1973),
cap. 10. Q u a n t o a C a m u s , ver Philip 'l')ux\y,Albert Camas /°J(7-/9<W ( L o n d r e s :
H a m i s h H a m i l t o n , 1961). U m a avaliação sensata, judiciosa d o p r o b l e -
2 1 . Para u m a b o a explicação da filosofia de Dewcy, ver J a m e s Gouinlock, m a d a g u e r r a argelina p o d e ser e n c o n t r a d a n o capítulo 8 d e Walzer,
John Deiuey 's Philosophy of Value (Nova York: H u m a n i t i e s Press, 1972). Company of Critics (ver n o t a 28 acima).

22. Para um b o m r e s u m o do ensaio de Trotsky e <la resposta de Dewcy, "I lisloiícal Inevilabilily" foi p r i m e i r o p u b l i c a d o em 195'! pela ()xford
v e r o livro magistral de Barucli Knei-Paz The Social and Political Thought University Press; foi r e i m p r e s s o em Isaiah Bcilin, Quatro ensaios sobre
ofl.eon Trotsky (Oxford: C l a r e n d o n , 1978), p p . !ir>(i-r><>7. a liberdade, trad. W a m b e r l o l l u d s o n Ferreira (Brasília: líd. Universi-
d a d e de Brasília, 1981).
23. R o b e r t Skidelsky c h a m a a a t e n ç ã o p a r a esse f u n d o de visão do m u n d o
no p r i m e i r o fascículo de sua biografia, John Maynard Keynes, Ilopes- T a m b é m r e i m p r e s s o cm Quatro ensaios sobre a liberdade (ver n o t a 31
Betrayed 1883-1920 ( L o n d r e s : Macmillan, 1983). acima).
:' /:' O liberalismo - nnligo e. moderno Notas e referências bibliográficas 2-í3

'5.'5. (]{'. Merquior,Rousseau and Weber: TwoStudies in the Theory ofLegitimacy 47. Henri Lepage, Tomonow, Capitalism: The Economia; ofEconomic Freedom
(ver nota 11, cap. 1), pp. 82-83. (La Salle: Open Courl, 1982); Guy Sorman, La nouvelle ricbesse des
nations (Paris: Fayard, 1987); Peter Berger, The Capitalist Rniolution
34. Joscph Raz, The Moralily of Freedom (Oxford: Clarendon, 1987).
(Nova York: HÍINÍC Nookít, 1980); c Mttrray N. Rotltbmd,Man, Kcavomy
35. Para um excelente exame de Ralhcnau, ver Dagmar Barnouw, Wcimar and State (McnU> Park, Califórnia: Institui c for Human Studies, 1970),
Inlfllrttiuilsmuillif Tlnfiitn/!\ttiilnnity (IUIKnuiii[>toii: Inili.m.i t Inivrisily i- Hthiis nj' l.ibeity (Allunlli 1 liglilmids, N.|,; I Iitm.iiiílics Pie.iH, l'.)H'„').
Press, 1988), cap. 1.
48. Robert Nisbet, 77ie Sociological Tradition (Nova York: Basic Books,
36. Cf. Richard Rosecrance, The Rúe of lhe Trading State: Commerce and 1966).
Conquest in lhe. Modem World (Nova York: Basic Books, 1986).
49. Alvin Gouldner, The Corning ofCrisis of Western Sociology (Nova York:
'57. V. A. Hayek, The Constilulion of Liberty (Londres: Routledge, 1960), Avon Books, 1970).
p. 59; ed. bras.: Os fundamentos da liberdade, trad. Anna Maria Capovilla
50. A questão sobre a autonomia da política está bem salientada em Ghita
ejosé ítalo Stelle, superv. e introd. Henry Maksoud (Brasília: Ed. Uni-
Ionescu, "Um clássico moderno", in Filosofia política contemporânea (ver
versidade de Brasília; São Paulo: Visão, 1983).
nota 27, cap. 5).
38. Ver Michael Oakeshotl, Ratiimalvtm in Politics and Olher Essays (ver
51. Robert Colquhoun, Raymond Aron, vol. 2, The Sociologist in Society,
nota 29, cap. 2).
1955-83 (Londres e Beverly Hills: Sage, 1986), pp. 85-86.
39. F.A. Hayek, Law, Legislation and Liberty, vol. 3, The Political Order of a
52. Quanto a Aron, ver especialmente Gaston Fessard, La philosophie
Free People (Chicago: The University of Chicago Press, 1973-1979),
historique de Raymond Aron (Paris: Julliard, 1980); e Robert Colquhoun,
p. 174.
Raymond Aron, vol. 1, The Philosopher in Hislory, 1905-55, e vol. 2, The
40. "The Three Sources of Human Values" (Londres: London School of Sociologist in Society, 1955-83 (Londres e Beverly Hills: Sage, 1986).
Economics, 1978). Obras chaves de Aron a respeito do nosso curto exame são The Opium
ofthe Intellectuah (Nova York: Doubleday, 1957); Eighteen Lectures on
41. Hayek, The Constitution of Liberty (ver nota 37 acima), p. 398.
Industrial Society (1967) e Democracy and Totalilarianism (1968), ambos
42. Samuel Brittan, The Role and Limite of Government Essays in Political de Londres: Weidenfeld e Nicolson; An Essay on Freedom (Nova York:
Economy (Londres: Temple Smith, 1983), cap. 3. World, 1970), ed. port.: Ensaio sobre as liberdades (Lisboa: Aster, 1965);
43. Para uma crítica sóbria nessa linha, ver Dallas L. Clouatre, "Making e Estudos políticos, trad. Sérgio Bath, pref. José Guilherme Merquior,
Sense of Hayek" (uma resenha tio livro de Gray), Criticai Review 1 apres. Rolf Kuntz (Brasília: Ed. Universidade de Brasfllia, 1985).
(inverno de 1987), pp. 73-89. 53. Coligido de Ralf Dahrendorf, Essays in the Theory of Society (Stanford
44. F. A. Hayek, Studies in Philosophy, Politics and Economics (Londres: University Press, 1968); ed. bras.: Ensaios da teoria da sociedade (Rio de
Routledge, 1967), p. 165. Janeiro: Zahar, 1974).

45. Sobre essa linha de crítica, ver Anthony de Crespigny, "F. A. Hayek: 54. Para um excelente resumo das opiniões de Dahrendorf sobre conflito
Liberdade para o progresso", in Filosofia política contemporânea (ver social, ver John A, Ilall, Diagnoses ofonr Time: Six Views of Our Social
nota 27, cap. 5). Condition (Londres: Heinemann, 1981), cap. 5.

46. James Buchanan, Liberty, Market and State - Political Economy in the 55. Ralf Dahrendorf, "Tertium Non Datur: A Commcnt on the Andrevv
1980s (Nova York: New York University Press, 1985), pp. 19 e Shonfield Lectures", in Government and Opposüion 24 (primavera de
123-139. 1989), pp. 133, 135.
244 O liberalismo - antigo e moderno Notas e referências bibliográficas 245

56. Ibid., p. 172. estão reimpressos em Alessandro Passerin d'Entrèves, ed., La liberta
política (Verona: Edizioni di Comunità, 1974).
57. Ibid., p. 18.
69. Anderson, "The Affinities of Norberto Bobbio" (ver nota 66, cap. 5),
58. Cf. Brian Barry, The Liberal Theory of Justice: A Criticai Examination of
p. 19.
the Principal Doctrines in "A Theory of Justice" liyjohn Rawls (Oxford:
Oxford University Press, 1973). 70. Norberto Bobbio, Stato, governo, società: per una teoria generalc delia
política (Turim: Einaudi, 1985), pp. 16, 41-42; ed. bras.: Estado, go-
59. Quanto à acusação de consumismo, ver C. B. Macpherson, Democralic
verno, sociedade: para uma teoria geral da política (Rio de Janeiro: Paz c-
Theory: lissays in Retrieval (Oxford: Oxford Univcrsily Press, 19715),
Terra, 1988).
cap. 4, p. 3.
71. Ibid, p. 109; ver também Norberto Bobbio, JI futuro delia democrazia
60. Ronald Dworkin, TakingRights Seriously (Londres: Duckworth), cap. 6.
(Turim: Einaudi, 1984), pp. 132-138; ed. bras.: O futuro da democracia:
61. Daniel Bell, The Cultural Contradiclion ofCapitalism (Nova York: Basic uma defesa das regras do jogo, trad. Marco Aurélio Nogueira (Rio de
Books), cap. 6 in fine. Janeiro: Paz c Terra, 1989).
62. Cl.John Rawls, "Kantian Constr uctivism in Moral Theory"', Journal' of 72. Cf. Celso Lafer, Ensaios sobre, a liberdade (São Paulo: Perspectiva, 1980).
Pliilosophy 77 (1980); e "The Mas k: Ubeilies and Tlieir Priorily", in S.
M. McMurrin, ed., The TannerL, dures on Nnmnn Values (Univcrsily of 7.3. Norberto Bobbio, Política e cultura (ver nola 31, cap. 4), p. 178.
Utah Press, 1982), vol. 3. 74. Bobbio, IIfuturo delia democrazia (ver nota 71 acima), p. 111,
63. Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia (Nova York: Basic Books 75. Richard Bellamy, Modem Italian Social Theory (ver nota 30, cap. 4),
1974), p. 160; ed. bras.: Anarquia, Estado e utopia (Rio dejaneiro: Zahar, pp. 165-166.
1991).
64. Quanto a típicas críticas liberais, ver a resenha de Brian Barry em
Political Theory 3 (agosto de 1975). Para uma seleta crítica, ver Jeffrcy
Paul, ed., Reading Nozick: Essays o<i "Anarchy, State and Utopia " (Oxford:
Ulackwdl, 1982).
65. Norberto Bobbio, Quale socialismo? (Turim: Einaudi, 1976), pp. 15,100;
ed. bras.: Qual socialismo? - debate sobre uma alternativa (Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1983).
66. Ver Perry Anderson, "The Affinitics of Norberto Bobbio", New Left
Review 170 (julho-agosto de 1988), e minha refutação "Defensa de
Bobbio", in Nexos 1 (Cidade do México, 1988).
67. Bobbio, (hiale socialismo? (ver nota 65 acima), p. 10.
68. A resposta de Bobbio a Delia Volpe, "Delia liberta dei moderni
comparata a quella dei posteri" (uma alusão espirituosa à famosa con-
ferência de Constant) e o próprio texto de Delia Volpe, "II problema
delia liberta equalitaria nello sviluppo delia moderna democrazia",
Leitura complementar 247

vro de Robert Paul Wolff, The Poverty of Liberalism (Boston: Beacon


Press, 1968) critica o pensamento liberal examinando os conceitos
de liberdade, tolerância, lealdade e poder. O livro de Kirk F. Koerner
Liberalism and Its Critics (Londres: Croom Helm, 1985) defende o
liberalismo contra as críticas de Macpherson, Marcuse, Strauss e
Leitura complementar Oakeshott. O livro de John Gray Liberalism (Milton Keynes: The
Open University Press, 1986) acrescenta uma excelente análise
conceituai da liberdade, mercado e Estado a um autorizado esboço
histórico do pensamento liberal. O livro de John A. Hall Liberalism
(Londres: Paladin, 1987) é uma tentativa sóbria e penetrante de
A literatura do liberalismo cresce mês a mês. As monografias, sele- defesa moderada de idéias e instituições liberais em termos de so-
tas e sumários históricos mencionados nas notas aos cinco capítu- ciologia histórica, embora também discuta as origens intelectuais
los não voltarão a ser mencionados aqui, em particular as histórias da doutrina liberal.
do liberalismo por De Ruggiero, Laski, Manning, Clarkc, Girard, A década de 1980 assistiu a notáveis respostas à restauração,
Mauncnl, Erceden e Burrow. Modernamente, podem se encontrar por Rawls, do contratualismo. Enquanto o livro de Atny Gtitnian
relatórios históricos globais em R. D. Cumming, Human Nature and, Liberal Equalüy (Cambridge: Cambridge University Press, 1980)
I lisloty: A Study <>j(the Developmenl oj Liberal J'ol.ilirai Thonght (Chicago defendia tini igualitarismo liberal próximo ao socialismo de merca
University Press, 1969), Nicola Matleuci, II liberalismo in un mondo do, Bruce Ackerman, em Socialjustice in the Liberal State (New Haven:
in Irasformazione (Bolonha: II Mulino, 1972), Massimo Salvadori, The Yale University Press, 1980), retomava o contratualismo conjectural
LiberalHeresy, Origins andHistoricalDevelopme.nl (Londres: Macmillan, de forma extremada, imaginando um planeta de colonos pioneiros
1977), Georges Burdeau, Le libéralisme (Paris: Seuil, 1979), c vol. 3 com sentimentos antiutilitários, nenhuma fortuna herdada, e ne-
de Jean-Jacques Chevalier, História do pensamento político (Rio de nhum início de vida privilegiado. Por outro lado, a obra de Michael
Janeiro: Zahar Editores, 1982-1983). A abordagem de Salvadori, Sandel Liberalism and the Limits of Justice (Cambridge: Cambridge
assim como o livrete de J. Salwyri Schapiro, Liberalism, Its Meaning University Press, 1982) questionava um princípio metafísico subja-
and Ilislory (Nova York: Vau Nostrand, 1965), anterior a ele, con- cente alegadamenle a toda a tradição liberal, inclusive a Rawls: a
centra-se na ideologia social e na história das instituições liberais prioridade ontológica do ego; e ele, por conseguinte, propõe uma
tanto quanto na teoria liberal. Esta é, por contraste, assunto do li- substituição comunitária do individualismo liberal. A seleta Liber-
vro de Giuseppe Bedeschi, Slorid dei pensiero liberale (Bari: Later/.a, alism, Reconsidered, editada por Douglas Maclean c Claudia Mills
1990), uma história recente que cobre o liberalismo de Locke a Croce (Totowa, New [ersey: Rowan & Allanheld, 1983), examina os pres-
e Kelsen. supostos filosóficos do credo liberal em diversos ensaios por, entre
Reavaliações críticas do liberalismo escritas de um ponto de outros, Ronald Dworkin, Theda Skocpol e Christopher Lasch.
vista radical incluem Anthony Arblastcr, The Rise and Decline of A obra de Harvey C. Mansfield The Spiril of Liberalism (Harvard
Western Liberalism (Oxford: Blackwell, 1984). Anterior a este, o li- University Press, 1978) é um inteligente exame "straussiano" que

246
^^aww-CTSSE-Snqfaimi»!

'.'•IS O liberalismo - antigo e moderno

termina c o m u m a crítica ao "liberalismo de p e p i n o " de Rawls e


No/.ick. O livro de (loiifricd Oiel/e l.ihrrnlisvi Pro/irr niul Pro/irr
Libera lis in (]olm l l o p k i n s University Press, 1985) e x a m i n a
Montesquieu, Smith, Kant. e Jeíferson c o m o teóricos da liberdade
responsável, respeitosa à lei. C) livro de Michael Wal/.er Sphrrcs of índice
Justice: A Defense of Pluralism, and Equality (Nova York: Basic Books,
1983) p r o p o r c i o n a u m a defesa nova e sensata da justiça distributiva
fundada no pluralismo liberal. O mais insistente m a n t e n e d o r do
liberalismo c o m f u n d a m e n t o s libertários tem sido o discípulo ameri-
cano de Mises, Murray R o t h b a r d (Man, Economy and State, M e n l o
Absoluüsmo, problemas políticos na,
Park, Califórnia: Institute for H u m a n Studies, 1970). Hobbes sobre, 67 124-125
Os paladinos liberistas franceses são Guy S o r m a n (La solulion Polizeistaat e, 133 Aristocracia, Ortega e, 144
Tocqueville sobre, 88 Aron, Raymond, 197-200
libérale [Paris: Fayard, 1984]) e H e n r i Lepage (Demain le libéralisme Autogoverno, local, Tocqueville
veja também Despotismo
[Paris: Livre de Poche, 1980]). Serge-Christophe Kolm (Le contrai esclarecido sobre, 92
social liberal [Paris: PUF, 1983]) é mais igualitário, e n q u a n t o Jean- Acton, lorde, 113-114 Auto-interesse, no Iluminismo,
Acúrsio, sobre dominium, 41 teoria econômica do, 55-56
Marie Benoist (Les outils de Ia liberte [Paris: Laffont, 1985]) t e n d e antes Autonomia, tipos de, 21, 22
Alain, 165-166
p a r a u m a vizinhança n e o c o n s e r v a d o r a de p e n s a m e n t o . Os neoli- Alberdi, Juan Bautista, 119, opinião autotélica de Mill
berais franceses ainda na casa dos 40 anos foram p r e c e d i d o s pela 121-124 sobre, 99
Alemanha, Auto-realização, liberdade de, 23
obra prolífica de Jean-François Revel, um crítico a r g u t o do totali- veja também Autotelia; Bildung;
liberalismo de esquerda na,
tarismo e do estatismo; mas, c o m exceção de Benoist, discutem o Liberdade
167-170
Autoridade,
liberalismo de preferência c o m o u m a prática social ao invés de teoria da liberdade na, 30-32
fontes de legitimidade da, 83
abordá-lo em suas premissas filosóficas. A política liberal t a m b é m teóricos do século XIX, 82-83,
fundada no consentimento, 44
132-139 limitações institucionais da,
foi revista na Inglaterra p o r George Watson em Theldea ofLiberalism: América, 84-85
Studies for a New Map of Politics (Londres: Macmillan, 1985) e na populismo lockiano na, 73 Montesquieu, como regular o
América p o r R o b e r t B. Reich em The Resurgent Liberal and Other republicanismo na, 70, 71, exercício da, 50
73-74 nação como fonte de, 107
Unfashionable Prophecies (Nova York: R a n d o m H o u s e , 1989). Final- veja também Estados Unidos (da reação liberal à, 17
mente, vale a p e n a mencionar q u e alguns desenvolvimentos na assim América) Rousseau c, 30
c h a m a d a filosofia pós-inodcrna (rataram da natureza de u m a cultu- América do Sul, Alberdi sobre Autoritarismo, de Fichte, 82-83
movimentos de libertação na, Aulotclm, 31-32, 02
ra liberal, mais c o n s p i c u a m e n t e na o b r a r e c e n t e do filósofo ameri-
122 Bildung e, 132
cano Richard Rorty (Contingency, Irony and Solidarity [ C a m b r i d g e Anarquismo, de Godwin, 117 liberais ingleses e, 164
University Press, 1989]). Argélia, ocupação da, liberais
franceses e a, 183, 184 Bagehot, Walter, The English
Argentina, Conslitution, 115 .
liberalismo na, 119-126 Bell, Daniel, sobre Rawls, 208

249
'.'.''O O liberalismo - antigo e moderno índice 251

ltcniham,Jeremy, escola Carlyle, Thomas, sobre Constant, Benjamin, Croce e, 140


militarista de, 78-81 utilitarismo, 95 Liberdade antiga e moderna, 25 definição tocquevilliana de, 91
lierlin, Isaiah, 186-188 Cassirer, Ernst, 168 limites institucionais da direta, 210
"Dois conceitos de liberdade", Ceticismo, político, no autoridade, 85 Hayek sobre, 193
25 conservadorismo inglês, 110 sobre autoridade legítima, 30 liberais conservadores e, 149
Bildung, 82, 132, 153 Chartier, Émile. Veja Alain sobre o espírito comercial, liberal, a partir da década de
conceito alemão de liberdade Ghevalier, Micbel, Alberdi e, 90-91 1870, 18
c, 31 121-122 sobre o Estado, 133 Mill sobre, 96
Blackstone, William, crítica de Cícero, Marco Túlio, sobre o juste milieu, 18 origens intelectuais da, 78-79
Bentham a, 79 De ojficiis, 39 Constitucionalismo, 46-47 Ortega sobre, 143
Bobbio, Norberto, 205, 210-218 De republica, 39 no liberalismo clássico, 46 Popper sobre, 180
Dalla struttura allafunzione, Comércio, nos Federalist Papers, 75 Renan sobre, 130
214,215 do ponto de vista do princípios mais importantes Sièyes sobre, 83
Estado, governo, sociedade, 213, Iluminismo, 56-58 do, 17 Spencer e, 118-119
215 liberalismo e sociedade Construtivismo, 59 Weber e, 138
O futuro da democracia, 211 comercial, 94 crítica de Hayek ao, 190 Desemprego, Dahrendorf sobre,
Qual socialismo?, 212 veja também Burguesia Contra-Reforma, direito natural 204
sobre liberdade negativa e Competição, papel da, no e a, 41 Despotismo,
positiva, 26 liberalismo clássico, 20 Contrato social, da maioria, 75, 91, 96
Bodin, Jean, Republique, 29 Comte, Auguste, Mill e, 100 Bobbio sobre, 216 esclarecido, 51
Bolingbrooke, visconde de, 70 I Comuna Vermelha de Paris. Veja direito natural e, 41, 43, 45 Dewey.John, 172-174
Bolívar, Simón, 76 França '•'• Rawls sobre, 205 Human Nature and Conduct, 172
Bonaparte, Luís Napoleão, 127 Comunismo, Herzen sobre, 104 veja também Contratualismo Individualism Old and Neto, 172
Bosanquet, Bernard, 164 Condorcet, marquês de, Contratualismo, Dicey, Albert V., 151
Bouglé, Célestin, "La crise du democracia plebiscitaria do, 78 Bobbio sobre, 216 The Law ofthe Constitution, 46
libéralisme", 159 filosofia republicana do, 60-61 Estado social e, 215-216 Dicionário político (Rotteck e
Bradley, Francis Herbert, 164 Consciência, Hobbes sobre, 67 Welcker), 134
Buchanan, James, 195 direitos individuais e, 37 veja também Contrato social Digesta, definição de liberdade no,
Burguesia, liberdade de, 23 Corporação, origens da, 160 40
Herzen sobre, 103 Consentimento, Croce, Benedetto, 139-143 Direito, como instrumento do
Tocqueville sobre, 90-91 como origem da autoridade poder estatal, 51
Burke, Edmund, 111 legítima, 44 Dahrendorf, Ralph, 196, 200-205 veja também Lei
Burocracia, Weber sobre, 137 legitimidade do governo e, 44, As classes sociais e seus conflitos Direito canônico,
Butler, Samuel, Hudibras, 66 209 na sociedade industrial, 201 constitucionalismo no, 47
segundo Locke, 45 "Incerteza, ciência e origens do, 47
Campbell, Colin, The Romantic segundo Nozick, 209 democracia", 201 Direito natural,
Ethic and, the, Spirit of Modem teoria do, 68 Life Chances, 202 comércio e, na opinião de
Coiisinnrrism, 62 Conservadorismo, Thr Modem Social Cov/lirl, 202 Smilli,57-5H
Caimis, Albcil, 183-185 I layek sobre, 193 Dai winismo social, 115, 11H--IK) inodelna teoria de direitos <:,
Capitalismo, Inglaterra e continente liberalismo social e, 151-152 39-45
do ponto de vista do comparados, 110-111 Democracia, Direito Romano,
Iluminismo, 56 na Alemanha, 134 Alain sobre, 166 influência na teoria européia
Hobson sobre, 161 veja também Conservadorismo Bagehot sobre, 115 do Estado, 50
veja também Comércio liberal; Tory, partido Bobbio sobre, 210-212, 213 liberdade no, 39-41
Carisma, teoria de Weber sobre, Conservadorismo liberal, na conseqüências econômicas da, Direitos,
137 Grã-Bretanha, 110-114 177 modernidade e, 36-39
O liberalismo - mitigo e moderno Índice 253

sociais, Aron sobre, 199 Ferry sobre o, 156-157 origens do constitucionalismo conservadorismo liberal na,
teoria do direito natural e, Green sobre o, 153 no, 46 109-114
39-15 Mnmboldt sobre o, 132 Tocqueville sobre, 88 Crise da Exclusão (c. 1680), 67
veja também Direitos humanos na sociedade industrial, 199 Fichte, Johann, 82 Guerra Civil na, 66
Direitos humanos, Nozick sobre o, 208-209 Figgis, J. H., sobre as fontes do liberalismo conservador na,
conservadorismo alemão e, 134 o indivíduo e o, 32-33 constitucionalismo, 46 115-119
liberdade como intitulamento poder do, e liberdade, 66 Filmer, sir Robert, Patriarca, 67 liberalismo de esquerda na,
e, 22-23 Spencer sobre o, 117 Fisiocratas, 51 174-178
no liberalismo clássico, 36 teoria de Bobbio sobre o, França, liberalismo social na, 151-155,
veja também Direitos 212-216 Comuna de 1870, 130 156-165
Divisão de poderes, teoria de Jellinek do Estado conceito de poder estatal, Revolução Gloriosa, 16, 113
como demarcação da dividido, 168 32-33 teoria da liberdade na, 27
autoridade estatal, 17 teoria de Kelsen sobre o, liberalismo de esquerda na, teóricos do século XIX, 95-101
segundo Bobbio, 213 168-170 165-166 Grécia, antiga, liberdade de
Dominium, 40, 45 Weber sobre o, 136 liberalismo do após-guerra e expressão na, 24
"Doutrinários", 85 veja também Autoridade Aron, 199
Dreyfus, questão, 158 Green, Thomas Hill, 152-155
Estado policial. liberalismo inglês clássico Grotius, Hugo, De iure belli ac
Duguit, Léon, 160 Veja Polizeistaat
Durkhcim, Émilc, 158-159 comparado, 100-101 pacis, 42
Estados Unidos (da América), republicanismo liberal na, Gtti/.ot, François, 80-87
Durkheimiana, escola, 159-160 Albcrdi sobre os, 121
Dworkin, Rouald, sobre Rawls, 155-160
liberalismo nos, 171 Revolução de 1830, Guizot e a, Ilalévy, Elie, The Era o/Tyrannies,
207 liberal-socialismo nos, 20 86-87 198
partido whig nos, 77-78 Hallam, Henry, 113
teoria da liberdade na, 28-30
Economia, Sarmiento sobre os, 120
teóricos do século XIX, 83-87, Hamilton, Alexander, 73-74
liberalismo clássico e, 35-36 Ética, grupo de Bloomsbury e a, 126-132 Harrington, James, Oceana, 70
política e, no século XX, 175 veja também Revolução Ilayck, Friedrich August von,
188-189 Evangelismo, justificação do Francesa 188-196
teorias iluministas de, 53-58 liberismo, 63 Frederico o Grande, rei da Bobbio sobre, 218
veja também Capitalismo; Evolucionismo, Prússia, Essay on the Form of Laxu, Legislalion and Liberty,
Comércio: Investimento de Ilayck, 19-1 (lovcrnmevt and the íhilies of 191-192
l ' ( llM . H . . I O , 1'i'jn tombem I >ai wini.siiio Mici.il Sooeteigns, 5 I O raniiti/io da servidão, 190
segundo Renau, 13 1 Kxislencialisnío, de Camiis e Freud, Sigmund, Os fundamentos da liberdade,
segundo Sarmiento, 121 Sartre, 183-184 ilayck sobre, 192 190, 193
Einaudi, Luigi, sobre sociedade Expressão, liberdade de, na Grécia Kelsen sobre, 170 Ilegel.G. W. F.,
liberal, 19 antiga, 21 Fricdnian, Milton, ('apitalismo e Filosofia do direito, rejeição do
Elite, Ortega sobre a rejeição liberdade, 191 contrato social, 82
moderna da, 143 Fascismo, Croce e o, 141
Hobhouse sobre, 164
Escolha pública, teoria da, 188, Federalismo, nos FederaliU Papers, Gentile, Giovanni, 141-142 sobre o cristianismo e
195 74 Gneist, Rudolf von, Der individualidade, 37
Espanha, liberalismo na, 143-148 Federalist Papers, The, 73-74 Rechtsstaat, 134-135 sobre o Estado, 31
Estado, Ferguson, Adam, sobre "sociedade Gobetti, Piero, 166 Hegelianismo,
aristocracia e, segundo Ortega, civil", 53 Godwin, William, 117 Green e o, 152
144 Ferry.Jules, 156-157 Governo responsável, conceito na Grã-Bretanha, 164
Constant sobre o papel do, 133 Feudalismo, inglês de, 77-78 Helvécio, igualitarismo de, 79
deificação hegeliana do, 82 opinião romântica dos Grã-Bretanha, Herzen, Alexander, 101, 102-104
durkheimianos e o, 160 conservadores sobre, 112-114 conceito de poder estatal, 32 Ends and Beginnings, 103
254 O liberalismo - antigo e. moderno Índice 255

Lettrrs to an Olá C.ommde, 104 Individualidade, Jellmek, Georg, 135 I .ibci alismo de esquerda,
Historicismo, modernidade e, 37 José II da Áustria, imperador, na Alemanha, 167-170
crítica de Berlin ao, 186-187 segundo Hegel, 37 revolução a partir de cima, 60 na França, 165-166
crítica de Popper ao, 178 segundo Mill, 62, 98 Jusnaturalismo, 40, 43 na Grã-Bretanha, 174-178
Croce e o, 139 veja também Individualismo veja também Ius na Itália, 166-167
do liberalismo francês, 126 Individualismo, Justiça, crescimento econômico e, Liberalismo social, 101-104
Hobbes, Thomas, Bentham sobre, 77-80 57-58 na França, 155-160
De eive, 43, 66 como valor whig, 76 Justiça social, teoria de Rawls na Grã-Bretanha, 151-155,
Leviatã, 44, 67 durkheimianos e, 159-160 sobre, 206 160-165
sobre liberdade e autonomia, liberais-sociais franceses e, Justiniano, Flávio Petro Sabácio, Liberdade,
27 158-160 Corpus Júris Civilis, 40 Alberdi sobre, 122-123
Hobhouse, Leonard, 161, Mill sobre, 98-99 Berlin sobre, 187-188
162-163 Orwell sobre, 183 Kant, Immanuel, sobre autotelia, como intitulamento, 22-23
Liberalism, 163 romantismo e, 61-62 31 de consciência, 23
Hobson.John, 161 Tocqueville versus Guizot e Kelsen, Hans, 167-170 definição segundo o Direito
Imperialism, 162 Constant, 89 Sozialismus und Staat (Socialismo Romano, 40
Work and Wealtk, 161 Indivíduo, o Estado e o, 32-33 e o Estado), 169, 170 de opressão, 22
Hugo, Victor, sobre o Industrialismo, Von Wesen und Wert der de participação, 23
romantismo, 61 Aron sobre, 197, 199 Demokratie (Da essência e do econômica, veja Liberismo
Humanismo cívico, 57-58 atitude de Tocqueville para valor da democracia), 170 estrutura industrial do Estado
liberalismo clássico e, 105-107 com o, 93 Keynes, John Maynard, 165, 174 e, 199
na Inglaterra, 69, 70, 76 Dahrendorf sobre, 202 A teoria geral do emprego, do juro Green sobre, 153
Tocqueville e o, 91, 94 Inglaterra. Veja Grã-Bretanha e da moeda, 176 Hobhouse sobre, 163
Humboldt, barão Wilhelm von, 82 Instrumentalismo, de Dewey, 172 Essays in Persuasion, 174 indivisibilidade da, 191
o Estado como "vigia noturno", Intitulamento, Kramnick, Isaac, sobre o Mill sobre, 98
132 conceito de, 203 republicanismo do século negativa versus positiva, 25, 26
On lhe Limits of State Action, 30 liberdade como, 22 XVIII, 72: para Hayek, 195
Hume, David, 52 Investimento, teoria de Keynes poder estatal e, 66
sobre, 176-177 Laband, Paul, 135 política, 23, 27
Idealismo, no pensamento de hegoria, 24 Laboulaye, Edouard, 128 religião e, 84
Green, 153 Itália, Lafer, Celso, 216 social, 22
Iluminismo, liberalismo conservador na, Latitudinarismo moral, do partido sociedade comercial e, 56
jacobinismo e, 60-61 139-143 whig, 76 | teoria de Croce sobre, 142-143
liberalismo e, 49-61 liberalismo de esquerda na, Legitimidade, 47 teorias nacionais da, 27-32
na Inglaterra, 73 166-167 Lei, j: Tocqueville sobre, 90-93
veja também Iluminismo escocês liberalismo do século XIX e Kelsen sobre o Estado e a, 168 Weber sobre, 138
Iluminismo escocês, 17 nacionalismo na, 101-102 Locke sobre o governo da, 50 Liberismo, 49, 218
"história filosófica", 53-54 Ius, 45 veja também Direito; Rechtsstaat como valor whig, 76
Imigração, ponto de vista liberal conceito romano tardio de, 40 Leroy-Beaulieu, Paul, UElat Croce sobre liberalismo e, 141
latino-americano de, 120-122, Suárez sobre, 42 moderne, 158 Green sobre, 154
124 Liberalismoj Hayek e, 191-193
Imperialismo, os liberais-sociais c Jacobinismo, tirania da virtude definição de Ortega sobre, 15 Keynes e, 174
o,161-163 sob o, 60-61 nos Estados Unidos, 20 progresso e, 59
Independência, Jaurès.Jcan, 19 origem do, 16 protestam ismo e, 63
segundo Tocqueville, 91 : jefferson, Thomas, agrarismo de, veja também Liberalismo de os sociais-liberais franceses e o,
veja também Liberdade 74 ; esquerda} Liberalismo social 158
',">0 O liberalismo - antigo e moderno índice 257

iililkarismo e, 81 Croce e o, 139 sobre o espírito comercial, 90 Palcy, William,


I .ihertarianismo, Kelsen sobre, 168-169 Moore, G. E., 175 Natural Theology, 63
Berlin e, 187 polêmica de Bobbio com o, Moralidade, The Principies of Moral and
como legado do liberalismo 212-213 polêmica entre Dewey e Political Philosophy, 39
clássico, 109 Massa, o homem da, Ortega sobre Trotsky sobre, 173-174 Parlamento, papel medieval do, 46
influência de Mill sobre o, 99 o, 145 veja também Ética • Participação, liberdade de, 23
no liberalismo iluminista, 59 Mazzini, Giuseppe, 101-102, 103 Mundo clássico, Smith sobre o Particularismo. Veja
Locke,John, Croce sobre, 140 fundamento econômico do, 57 Patrimonialismo
Carta acerca da tolerância, 39 Mercado, Hayek sobre, 189 Patriarcalismo, defesa da
Dois tratados sobre o governo, 68 Michelet, Jules, História da Nação, como;fonte de autoridade monarquia e do, 68
Segundo tratado sobre o governo, revolução: da queda da Bastilha à política, 107" Patrimonialismo,
sobre direitos naturais, 45 festa de federação, 126 Nacionalismo, ; • rejeição de Alberdi ao, 123
sobre civilização o Mill. James, 81. Luís Nupolcão c, 127 Rousseati c o, 28-29
prosperidade, 54 Essay on Government, 97 na Alemanha, e liberalismo, Paulo de Tarso, sobre os direitos
sobre o contrato social, 43 Mill, John Stuart, 95-101 , 82-83 li : dos cidadãos romanos, 22
sobre o governo da lei, 50 Autobiography, 95 Nicolet, Claudej. LTdée républkaine Paz, Octavío, 185
Luta de classes, Considerations on Represenlative en France, T55 i• Philosophes,
segundo Dahrendorf, 201, 204 Government, 97 Nietzsche, Fríedrich, Ortega crença na perfectibilidade do
veja também Marxismo On Liberty, 96, 98 influenciado por, 145 i homem, 49-50
Lulcro, Marimbo, Milton,John, "A<-rop:tf{ilit::i", 118 Nlsbet, Robert, l«.)(i teorias econômicas dos, 54
Ritsch sobre, 38 Minogue, Kenneth, The Liberal Nomogênese,1 Kelsen e a, 170 teorias políticas dos, 51
sobre a pecaminosidade Mind,m \ i Nozick, Robert, Anarquia, listado e Pluralismo de valores, 188 .
humana, 41 Míses, Ludwigvon, 189 Utopia, 208 . ., ;. .. Berlin e o, 187
Luxo, Modernidade, Weber sobre, 137 Pocock,John,
debate iluminista sobre o, 55 Mohl, Robert von, 133 Oakeshott, Michael, sobre sobre o "whiguismo", 72-73
segundo os philosophes, 54 Monarquia, construtivismo, 59 The. Machiavellian Moment,
centralização da, 29 Occam, Guilherme de, 44 sobre republicanismo clássico,
Macauley, Thomas, 113 limitada, 18 Oldenbarnevelt, Jan van, 42, 43 70
Madariaga, Salvador de, Monismo, rejeição de Berlin ao, Opção pública. Veja Escolha : Poiesis,. 57
Anarquia ou hierarquia, 185 . 187 pública Política, na visão de Maquiavel,
De Ia angustia a Ia libertad, 185 Montague, Francis Charles, 151 Organicismo, . 70-71
Madison, James, 74 Montalembert, conde Charles de, de Madariaga, 185-186 Polizeistaat, 133
Maine, sir Henry, 113 128 no conservadorismo inglês, 110 Popper, Karl, 178-181, 186
Maiüand, Frcderick William, Monlesquieu, Charles-Louis de Ortega y Gassel, José, 139-148 A lógica da pesquisa científica,
origem da corporação, Secondat, barão de, A desumanização da arte, 148 179
160-161 Do espírito das leis, A rebelião das. massas, 145 Poverty of Historicism, 178-179
sobre o parlamento medieval, sobre a liberdade, 24 O tema moderno, 146, 148 Positivismo,
46 sobre a sociedade inglesa, sobre o liberalismo, 15-16 Croce e o, 139
Maquiavel, Discursos sobre Tito 19 Orwell, George, 181-183 Kelsen sobre o, 19
Lívio, 70 sobre como regular o A revolução dos bichos, 181 legal, 135 •
Marshall, T. H., Citizenship and exercício da autoridade, 50 Insidethe Whale, 183 Mill e o, 100
Social Clnss, 200 influência de, 83 Mil novecentos e oitenta e quatro, Renane.o,. 129
Marsílio de Pádua, Defensor Pacis, sobre a igualdade em 182 Praxis, 57 ' •
44 monarquias, 91 Progresso,
Marxismo, sobre a separação de poderes, Paine, Thomas, sobre Sociedade e Alberdi sobre, 124
Camus sobre, 184-185 75 direitos naturais, 78 Hayek sobre, 190
258 O liberalismo - antigo e moderno índice 259

idéia do, 59-61 no século XVIII, 71 Saint-simonismo, Mill e o, 95 Stephen, James Fitzjames, Liberty,
Propriedade, nos FederalLit Papers, 74 Sarmiento, Domingos, 119-121, Equality, Fraternity, 116
os liberais-sociais franceses e, 123 Stubbs, William, Constitutional
Alberdi sobre, 123
Facundo: civilização ou barbárie, History of Medieval England, 46
como direito natural, 45 155-158
119-120 Suárez, Francisco, De Legibus ac
Green sobre, 154 Revolução,
Sartre, Jean-Paul, Camus e, 183 Deo Legislatore, 42
Locke sobre, 45 Camus sobre, 184
Schmitt, Carl, Subconsumo, teoria de Hobson
Suárez sobre, 42 crítica de Ortega ao culto da,
Constitutional Theory, 17 sobre, 161-162
Protestantismo, 146
Der Hüter der Verfassung (O Sufrágio universal, 18, 97
evangélico, 63 Revolução de 1848, 96, 102
Revolução Francesa, guardião da Constituição), 169 Summer, William Graham, 119
liberismo e, 62-63
Sen, Amartya, 202
Provisões, conceito de Burke sobre, 111
Servetus, Miguel, 37 Taxação, redistributiva,
(Dahrendorf), 202, 203, 204 -conceito de poder estatal e a,
Siedentop, Larry, sobre o Hobhouse e, 163
33
Quinet, Edgar, La Révolution conservadorismo e a, 111 liberalismo clássico, 100 Hobson e, 162
Guizot sobre, 86 Sieyès, padre, conceito de Taylor, Charles, 25
Française, 129
liberais franceses c a, 126 legitimidade, 83 Textos Federalistas. Veja The
Quinton, Anthony,
Simonjules, 155-156 Federalist Papers
sobre o conservadorismo liberais franceses tardios e a,
Sistema inglês de governo, 16 Thiers, Adolphe, 127
britânico, 111 93-94
Smith, Adam, A riqueza das nações, Thomas, Keith, sobre a discussão
sobre Popper, 181 Madame de Staêl sobre, 84
veja também Jacobinismo 53-58 política do século XVII, 72
Ricardo, David, Princípios de Soberania popular, 84, 85, 86 Tierney, Brian, raízes do
Raciovitalismo (Ortega), 145
Rawls, John, Uma teoria da justiça, economia política, 81 veja também Autoridade constitucionalismo, 47
Risorgimento, Socialismo, Tirania, da maioria. Veja
206
Raz, Joscph, The Morality of Crocc sobre o, 140 colapso na década de 1980, 19, Despotismo, da maioria
Freedom, 188 Ma/.zini c o, 102 217 Toc<i<irvil]<\ Alexis de, 87-95
Realização pessoal, liberdade de. Ritsehl, Albert, sobre Lulero, 38 liberal, nos EUA, 20 A democracia na América, 8!)
Veja Auto-realização; Autotelia Romantismo, Mazzini e o, 102 Mill sobre, 96-98
Rechtsstaat, 132-135 liberalismo e, 61-64 Ortega e o, 147 O antigo regime e a revolução, 88,
Reconquista, Ortega sobre a, 144 Mill e, 95-96 rejeição de Weber ao, 138 90
Reforma, Rosselli, Cario, 167 Sociedade, segundo Ortega, 143 Tolerância religiosa, Reforma
individualismo e a, 37 Rotteck, Karl von, 134 "Sociedade aberta" (Popper), protestante c, 38, 39
Rousseau, Jean-Jacques, 179-180 Tory, partido,
legitimação da dissidência
Constant sobre, 85 "Sociedade civil", origem do, 67
religiosa, 23
protestante, 48 Contrato social, sobre a legitimação histórica da, 37 perspectiva histórica do, 113
Religião, liberdade, 25, 28, 29 significado no Iluminismo, 53 Totalitarismo,
Burkee, 112 Discurso sobre a origem e os Sociologia, Aron sobre, 200
conservadorismo e, 128 fundamentos da desigualdade ideologia política e, 196-197 historicismo e, 179
entre os homens, 53 liberalismo francês e a, 158 Tradiciohalismo, no
c o Estado, I-Iobbes sobre,
Spencer, Herbert, 116-119 conservadorismo inglês, 110
66-67 Émile, 50
nação como sede da Bobbio sobre, 218 Treitschke, Heinrich von, 142
Rémusat, Charles de, 126-127,
autoridade, 107 The Man versus the State, 118 Tribalismo, Popper sobre, 179
128
Staél, Madame Germaine de, Troeltsch, Ernst, sobre a Reforma,
Renan, Ernest, 129-132 Royer-Collard, 85, 86
Ruggiero-, Guido de, History of Considérations sur Ia Révolution 38
Renouvier, Charles, 156, 157-158
Française, 84 Trotsky, Leon, Dewey e, 173
Republicanismo, European Liberalism, 32
Stahl, Friedrich Julius, Filosofia do
na América, 52, 105 Rússia, teóricos do século XIX,
direito, 134 Ulpiano, Instituía, 40
na França pós-1848, 127 101-104
260 O liberalismo - antigo e moderno

Unamuno, Miguel de, 145-146 Weber, Max, 136-130


Utililarismo, 62 "Política como vocação", 137
crescente conservadorismo do, Weimar, República de,
116 Dahrendorf sobre, 201
crítica de Green ao, 153 liberalismo de esquerda na,
democracia e, 78 167
liberalismo clássico e, 106 Welcker, Karl, 134
objeções de Spcncer ao, 117 Wesley, john, 62
reforma social e, 79 Whig, partido,
teoria do contraio social de nos EUA, 77-78
Rawls e, 205, 207 origem do, 67
veja também Bentham, Jeremy . Whiguismo,
antiabsolutismo e, 69 o
Vacherot, Étierme, 155 liberais conservadores e, 148 a
Valores, pluralismo de. Veja liberalismo e, 76-78 a
Pluralismo de valores liberalismo clássico e, 105
o
Vocação, teoria de, Weber sobre, Pocock sobre, 72
's
137 Yeats sobre, 105
E
Volpe, Galvano delia, 212
Vollaire, Traüêsur Ia lolérance, 39 Ycats, William Butlcr, sobre o
Vontade, consentimento e,.44 whiguismo, 105

!S
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