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MÃO
INTRODUÇÃO
Em 1921, cerca de setecentos monges, monjas e leigos tibetanos reuniram-se no
Eremitério de Chuzang, perto de Lhasa, para receber os ensinamentos de Lam-rim do
renomado mestre Kyabje Pabongka Rimpoche. Nos vinte-e-quatro dias seguintes, eles
ouviram o que se tornou um dos mais famosos ensinamentos que já foram dados no
Tibet.
O termo Lam-rim – passos no caminho até a iluminação – refere-se a um grupo de
ensinamentos que foram desenvolvidos no Tibet durante o último milênio baseado no
texto conciso e original chamado Uma Luz no Caminho do grande mestre indiano
Atisha (Dipamkara Shrijñana, 982-1054). De alguma maneira, Liberação na Palma de
Sua Mão representa a culminação da tradição Lam-rim no Tibet. Certamente para os
ocidentais, este livro tornou-se um dos Lam-rims mais significativos.
Há mais de 2.500 anos, Buda Shakyamuni passou quarenta e cinco anos
transmitindo uma vasta gama de ensinamentos para uma enorme variedade de pessoas.
Ele não ensinou a partir de um resumo pré-determinado, mas sim segundo as
necessidades espirituais dos ouvintes. Portanto, qualquer indivíduo que estude a
coletânea das obras de Buda acharia extremamente difícil discernir um caminho claro
que pudesse colocar em prática. A importância do Lam-rim de Atisha foi ter colocado
os ensinamentos de Buda em uma ordem lógica, um passo a passo compreendido e
praticado por qualquer pessoa que queira seguir um caminho budista,
independentemente de seu nível de desenvolvimento.
Atisha não só confiou no que o próprio Buda ensinou, mas também levou ao Tibet a
tradição oral viva destes ensinamentos – as linhagens ininterruptas de método e
sabedoria que foram transmitidas por Buda, respectivamente, a Maitreya e a Manjushri,
e depois transmitidos até Asanga, Nagarjuna e muitos outros grandes iogues indianos
até os mestres espirituais do próprio Atisha. Assim, além de escrever o primeiro texto
de Lam-rim, Atisha também transmitiu estas tradições orais tão importantes, que ainda
existem, e que estão sendo transmitidas aos ocidentais pelos grandes lamas
contemporâneos como Sua Santidade o XIV Dalai Lama.
Os discípulos de Atisha fundaram uma escola conhecida como Kadam, e a maioria
de sua tradição foi absorvida pela escola Gelug do Budismo Tibetano, que foi fundada
pelo grande Tsongkapa (1357-1419). Muitos lamas Kadam e Gelug escreveram
comentários sobre o Lam-rim, sendo o mais famoso a obra-prima de Tsongkapa, Os
Grandes Estágios do Caminho (Lam-rim Chen-mo): Pabongka Rimpoche seguiu as
linhas gerais deste texto no seu ensinamento de 1921, que acabou se transformando no
Liberação na Palma de Sua Mão. Mas, enquanto a obra de Tsongkapa tem uma ênfase
acadêmica, Pabongka Rimpoche focaliza mais as necessidades dos praticantes. Ele
entra em grandes detalhes em temas sobre como preparar-se para meditar, o guru ioga e
o desenvolvimento da bodhicitta. Portanto, Liberação é um texto altamente prático e
tão relevante aos praticantes ocidentais como foi aos tibetanos que lá estiveram.
Presente em 1921 estava Kyabje Trijang Dorje Chang (1901-1981), um dos
i
discípulos mais próximos de Pabongka, Tutor Junior do XIV Dalai Lama, e guru-raiz
de muitos lamas Gelug que fugiram do Tibet em 1959. Trijang Rimpoche tomou notas
dos ensinamentos e durante os trinta-e-sete anos seguintes editou-as incansavelmente
até estarem prontas para publicação em tibetano como Liberação na Palma de Sua
Mão.
Pabongka Rimpoche foi provavelmente o lama Gelug mais influente do século,
detentor de todas as linhagens importantes dos sutras e tantras, repassando-as aos mais
importantes lamas Gelug das duas gerações seguintes; a relação de seus ensinamentos
orais é vasta em profundidade e amplitude. Ele foi também o guru-raiz de Kyabje Ling
Rimpoche (1903-1983), Tutor Sênior do Dalai Lama, Trijang Rimpoche, e muitos
outros mestres altamente respeitados. A coletânea de suas obras ocupa quinze grandes
volumes e cobre todos os aspectos do budismo. Se você já recebeu ensinamento de um
lama Gelug, você foi influenciado por Pabongka Rimpoche. Um texto de Lam-rim
como Liberação jamais pode ser escrito novamente, e assim este livro representa a
culminação da tradição Lam-rim.
Existem quatro escolas principais do Budismo Tibetano, e em todas há
ensinamentos de Lam-rim, mas as escolas Nyingma, Sakya e Kagyu não enfatizam o
Lam-rim como a Gelug. Embora normalmente no currículo Gelug monástico o Lam-
rim só seja ensinado aos monges em um estágio mais avançado de suas carreiras,
muitas vezes este é o primeiro ensinamento dado aos ocidentais. Liberação é o Lam-
rim mais ensinado pelos mestres Gelug e tem sido o favorito de lamas como Sua
Santidade o Dalai Lama, seus dois tutores, Serkong Rimpoche, Song Rimpoche, Geshe
Ngawang Dhargyey, Geshe Rabten, Geshe Sopa, Lama Thubten Yeshe e Lama
Thubten Zopa Rimpoche.
Em sua breve introdução, Kyabje Trijang Rimpoche transmite uma forte sensação
do que foi estar presente nestes ensinamentos. Este texto é verdadeiramente incomum
entre as obras tibetanas porque é a transcrição editada de um discurso oral e não uma
composição literária. Assim, não só recebemos alguns ensinamentos muito preciosos –
a essência dos oito Lam-rims principais – mas também temos uma visão de como estes
ensinamentos eram dados no Tibet. Os pontos que detalham as características especiais
deste ensinamento podem ser encontrados na introdução de Trijang Rimpoche e no
final do Dia Um.
Cada capítulo corresponde a um dia de ensinamentos e normalmente começa com
uma breve palestra para acertar a motivação dos ouvintes. (Para uma visão geral dos
detalhes do caminho completo à iluminação conforme aqui apresentado, veja o resumo
do texto nos Apêndices). No livro, as motivações foram abreviadas em benefício do
novo material, mas o notável Dia Um tanto é uma motivação elaborada quanto uma
excelente meditação compacta de todo o Lam-rim. Em certo sentido, o restante do livro
é um comentário sobre este capítulo. Como Pabongka Rimpoche deixa bem claro do
começo ao fim, dedicar-se ao desenvolvimento da bodhicitta é a maneira mais
significativa de direcionar sua vida, e as realizações graduais mostradas no Dia Um o
levará a esta meta. No final do livro, Pabongka Rimpoche diz, "Pratique o que puder,
ii
para que os meus ensinamentos não tenham sido em vão... Mas, acima de tudo, faça da
bodhicitta a sua prática principal."
Estes ensinamentos contêm muitas coisas novas e nada familiares, especialmente
para os ocidentais, mas assim como em qualquer objetivo significativo, o estudo e a
reflexão trazem clareza e compreensão.
iii
aprimorar o manuscrito; minha mãe e meu falecido pai, que sempre me ajudaram e
apoiaram; Alan Hanlay, Lisa Heath e Michael Perrott; meus falecidos amigos Keith,
Kevan e Andy Brennand; e minha querida esposa, Angela, que compartilhou comigo
todas as dificuldades trazidas por este longo projeto, mantendo sempre a esperança e a
paciência; seu encorajamento e sacrifício foram inestimáveis.
Finalmente, gostaria de agradecer a Eva Van Dam e Robert Beer por suas belas
ilustrações, Gareth Sparham e Trisha Donnelly por entrevistarem Rilbur Rimpoche;
Ven. Sonan Jampa pelo índice, e aos da Wisdom Publications que editaram e
produziram este livro: Nick Ribush, Robina Courtin, Sarah Thresher, Lydia Muellbauer
e Maurice Walshe.
iv
PABONGKA RIMPOCHE
Uma Biografia por Rilbur Rimpoche
Meu três vezes, bondoso guru, cujo nome acho difícil sussurrar, o Senhor Pabongka
Vajradhara Dechen Nyingpo Pael Zangpo, nasceu ao norte de Lhasa em 1878. Seu pai
era um oficial, mas a família não era rica. Apesar da noite escura, uma luz brilhou no
quarto, e as pessoas de fora da casa tiveram a visão de um protetor no telhado.
Pabongka Rimpoche era uma emanação do grande erudita Jangkya Rolpai Dorje
(1717-1786), embora inicialmente pensava-se que fosse a reencarnação de um grande
geshe Kadam do Mosteiro de Sera-me. Rimpoche entrou no mosteiro aos sete anos de
idade, fez os estudos normais de um monge, recebeu sua graduação como geshe e
passou dois anos no Colégio Tântrico Gyuto.
Seu guru-raiz era Dagpo Lama Rimpoche Jampel Lhumdrub Gyatso, de Lhoka. Ele
era definitivamente um bodhisattva, e Pabongka Rimpoche era seu principal discípulo.
Ele viveu numa caverna em Pasang e sua prática principal era a bodhicitta; sua
principal deidade era Avalokiteshvara e ele recitava 50.000 manis [o mantra om mani
padme hum] todas as noites. Quando Kyabje Pabongka Rimpoche encontrou Dagpo
Rimpoche pela primeira vez em uma cerimônia de oferecimento de tsog em Lhasa, ele
chorou do começo ao fim movido por reverência.
Quando Pabongka Rimpoche terminou seus estudos, ele visitou Dagpo Lama
Rimpoche em sua caverna e foi então encaminhado a um retiro de Lam-rim nas
proximidades. Dagpo Lama Rimpoche ensinava-lhe um tópico de Lam-rim e depois
Pabongka Rimpoche partia e meditava no tópico. Depois, voltava e contava o que havia
compreendido. Se tivesse conseguido alguma realização, Dagpo Lama Rimpoche
ensinava um pouco mais e Pabongka Rimpoche voltava a meditar no assunto. Isto
continuou por dez anos (se isto não é surpreendente, o que será!)
Os quatro principais discípulos de Pabongka Rimpoche foram Kyabje Ling
Rimpoche, Kyabje Trijang Rimpoche, Khangsar Rimpoche e Tathag Rimpoche, um
dos regentes do Tibet. Tathag Rimpoche era o mestre principal de Sua Santidade o
Dalai Lama na infância e concedeu-lhe sua ordenação de monge noviço.
Eu nasci em Khan, no Nordeste do Tibet, e dois dos meus primeiros mestres foram
discípulos de Pabongka Rimpoche, então cresci num ambiente de completa fé em
Pabongka Rimpoche como se ele fosse o próprio Buda. Um destes mestres tinha um
retrato de Pabongka Rimpoche que soltava pequenas gotas de néctar entre as
sobrancelhas. Eu vi isto com meus próprios olhos, portanto podem imaginar o tamanho
da fé que eu tinha em Rimpoche quando finalmente cheguei à sua presença.
Mas eu também tinha um motivo pessoal para ter tamanha fé nele. Eu era o filho
único de uma família importante, e embora o XIII Dalai Lama tivesse me reconhecido
como um lama reencarnado e o próprio Pabongka Rimpoche tivesse dito que eu deveria
entrar para o Mosteiro Sera em Lhasa, meus pais não estavam felizes com esta idéia.
Mas meu pai morreu pouco depois disto e eu finalmente pude ir para o Tibet central.
Vocês podem imaginar minha empolgação ao embarcar numa viagem de dois meses a
v
cavalo? Eu só tinha quatorze anos e ser um monge era a coisa certa para um rapaz da
minha idade fazer. Eu senti que a oportunidade de ir a Lhasa, de me ordenar e viver
como um Rimpoche conforme o Dalai Lama havia dito, era tudo uma maravilhosa obra
de Pabongka Rimpoche.
Na época de minha chegada a Lhasa, Pabongka Rimpoche vivia em Tashi
Choeling, uma caverna acima do Mosteiro Sera. Marcamos um encontro e alguns dias
mais tarde minha mãe, meu chang-dze (o homem encarregado de meus assuntos
pessoais), e eu fomos a cavalo. Embora Rimpoche estivesse nos esperando naquele dia,
nós não tínhamos marcado um horário. Mesmo assim, havia acabado de pedir ao seu
próprio chang-dze para preparar chá e arroz doce que nos aguardava na chegada. Isto
me convenceu que Rimpoche era clarividente, uma manifestação do próprio
Vajradhara, que tudo vê.
Depois que comemos, fomos visitar Rimpoche. Lembro-me como se fosse hoje.
Uma escada estreita levava ao pequeno quarto de Pabongka Rimpoche, onde ele estava
sentado em sua cama. Ele parecia igual às fotos – baixo e gordo! Ele disse, "Eu sabia
que você viria – agora nos encontramos," e afagou o lado de minha face. Enquanto eu
estava sentado lá, um recém-geshe de Sera veio oferecer Rimpoche um prato especial
de tsam-pa que só é feito na ocasião especial de receber o grau de geshe. Rimpoche
comentou como era auspicioso este novo geshe ter vindo enquanto eu estava lá e como
ele havia enchido a minha tigela igual à sua. Imaginem o que isto fez à minha mente.
Quase não havia nada no quarto. O mais surpreendente era uma estátua de duas
polegadas de ouro puro de Dagpo Lama Rimpoche, o guru-raiz de Pabongka
Rimpoche, rodeado por pequenos oferecimentos. Atrás de Rimpoche havia cinco
thangkas de Tsongkapa depois de seu falecimento, da visão de Kedrub Je. A única
outra coisa no quarto era um lugar para uma xícara de chá. Eu também conseguia ver
uma pequena sala de meditação ao lado e ficava espiando-a (eu só tinha quatorze anos e
era muito curioso). Rimpoche me disse para ir até a sala e dar uma olhada lá dentro.
Tudo o que tinha era uma caixa de meditação e um pequeno altar: da esquerda para a
direita havia Lama Tsongkapa, Heruka, Yamantaka, Naljorma e Pelgon Dramze, uma
emanação de Mahakala. Abaixo das estátuas havia oferecimentos, arrumados ao longo
do altar.
Eu ainda não era um monge, então Jamyang, o antigo empregado indicado a
Pabongka Rimpoche por Dagpo Lama Rimpoche, que sempre ficava no quarto de
Rimpoche, foi enviado para buscar um calendário e marcar uma data para minha
ordenação, embora eu não a tivesse pedido. Rimpoche estava me dando tudo que eu
sempre quis e pude sentir como ele era tão bondoso. Quando parti, eu voava em uma
nuvem de total estado de beatitude!
O chang-dze de Rimpoche era um homem de cara muito feroz considerado a
emanação de um protetor. Certa vez, enquanto Rimpoche fazia uma longa viagem, o
chang-dez movido por devoção demoliu o pequeno e velho prédio onde Rimpoche
vivia e construiu uma grande residência ornamentada que rivalizava com as
acomodações pessoais do Dalai Lama. Quando Rimpoche retornou, ele não ficou nada
vi
satisfeito e disse, "Eu sou apenas um pequeno lama eremita e você não deveria ter
construído algo assim para mim. Eu não sou famoso e a essência do que ensino é a
renúncia da vida mundana. Portanto, estou envergonhado com estas acomodações".
Recebi muitas vezes ensinamentos de Lam-rim de Pabongka Rimpoche. Os
chineses confiscaram as minhas anotações, mas como resultado de seus ensinamentos,
eu ainda carrego em meu interior algo muito especial. Sempre que ele ensinava, eu
ficava inspirado a tornar-me um verdadeiro iogue, retirando-me para uma caverna,
cobrindo-me de cinzas e meditando. À medida que eu crescia, passei a sentir isto cada
vez menos, e agora não penso mais nisto. Mas, naquela época, eu realmente queria ser
um verdadeiro iogue, como ele.
Ele deu muitas iniciações, como Yamantaka, Heruka e Guhyasamaja. Eu mesmo
recebi estas iniciações dele. Nós íamos até a sua residência para as iniciações secretas
importantes e ele descia até o mosteiro para dar ensinamentos mais gerais. Às vezes,
fazíamos uma turnê a vários mosteiros. Visitar Pabongka Rimpoche era,
provavelmente, igual ao que acontecia ao visitar Lama Tsongkapa quando ele estava
vivo.
Ao ensinar, ele sentava-se sem se mexer por até oito horas. Cerca de duas mil
pessoas assistiam aos seus ensinamentos e iniciações, e um número menor assistiam os
ensinamentos especiais. Mas quando dava os votos de bodhisattva apareciam até dez
mil pessoas. Quando dava a iniciação de Heruka, ele tinha uma aparência especial. Seus
olhos ficavam abertos e penetrantes e eu quase o via como Heruka, com uma perna
esticada e a outra dobrada. Era tão intenso que eu começava a chorar, como se a própria
divindade Heruka estivesse ali Isto era muito poderoso, muito especial.
Para a minha mente, ele era o lama tibetano mais importante de todos. Todas as
pessoas sabem como os seus quatro principais discípulos foram grandiosos – bem, ele
era o mestre deles. Ele passou muito tempo pensando no sentido prático dos
ensinamentos e tendo uma realização interna deles, e havia praticado e realizado tudo
que tinha aprendido, até o estágio de consumação. Ele não jorrava simplesmente as
palavras, ele experimentava as coisas por si mesmo. E também nunca ficava com raiva;
toda raiva tinha sido totalmente pacificada por sua bodhicitta. Muitas vezes havia
longas filas de pessoas aguardando suas bênçãos, mas Rimpoche perguntava um por
um como estavam e tocava-lhes na cabeça. Às vezes dava remédios. Ele era sempre
gentil. Tudo isto o fazia ser muito especial.
Eu diria que ele tinha duas qualidades principais: do ponto de vista tântrico, as suas
realizações e habilidades de apresentar Heruka, e do ponto de vista do sutra, a sua
habilidade de ensinar o Lam-rim.
Pouco antes de falecer, ele foi convidado a explicar um Lam-rim abreviado no
mosteiro Dagpo Shidag Ling, in Lhoka, de seu guru-raiz. Ele escolheu um texto
chamado O Caminho Rápido, do Segundo Panchen Lama. Este foi o primeiro Lam-rim
que Dapgo Lama Rimpoche lhe ensinou e Pabongka Rimpoche dizia que seria o último
que ele, Pagongka Rimpoche, ensinaria. Sempre que visitava o mosteiro de seu lama,
Rimpoche desmontava do cavalo assim que o mosteiro estivesse à vista e se
vii
prosternava até chegar à porta de entrada – o que não era fácil devido ao seu corpo
volumoso; ao partir, ele andava de costas até o mosteiro ficar fora do alcance de sua
vista. Desta vez, quando partiu do mosteiro, ele fez uma prosternação quando estava
quase fora do alcance, e foi pernoitar em uma casa próxima. Tendo manifestado um
pequeno desconforto em seu estômago, Rimpoche recolheu-se aos seus aposentos. Ele
pediu que seus atendentes o deixassem enquanto fazia suas preces, que cantou mais alto
do que o normal. Depois, parecia que estava dando um ensinamento de Lam-rim.
Quando terminou, seus atendentes entraram no quarto e viram que ele tinha falecido.
Embora Tathag Rimpoche estivesse extremamente desconcertado, ele nos disse o que
fazer. Estávamos todos perturbados. O corpo de Pabongka Rimpoche foi vestido em
brocado e cremado da maneira tradicional. Um relicário incrível foi construído, mas os
chineses o demoliram. No entanto, consegui recuperar algumas das relíquias de
Rimpoche e dei-as ao Mosteiro Sera-me. Agora elas podem ser vistas lá.
Eu tive certo sucesso como estudioso, e como lama, sou conhecido, mas estas
coisas não são importantes. A única coisa que me interessa é que fui discípulo de
Pabongka Rimpoche.
O Venerável Rilbur Rimpoche nasceu no Nordeste do Tibet em 1923. Aos cinco anos
foi reconhecido pelo XIII Dalai Lama como a sexta encarnação de Rilbur Rimpoche de
Sera-me. Ele entrou na Universidade Monástica de Lhasa aos quatorze anos e tornou-
se geshe aos vinte-e-quatro. Meditou e ensinou o Dharma até 1959, quando passou a
sofrer sob intensa opressão chinesa durante vinte-e-um anos. Em 1980 recebeu
permissão para fazer algumas atividades religiosas, e ajudou a construir uma nova
stupa para Pabongka Rimpoche em Sera, já que os chineses haviam destruído a
original. Ele então veio a Índia e atualmente mora no Mosteiro Namgyal, em
Dharamsala.
viii
O Texto
Uma Instrução Profunda e Totalmente Inequívoca
de conceder A Liberação na Palma de Sua Mão,
Essência dos Pensamentos do
Inigualável Rei do Dharma [Tsongkapa],
O registro escrito do Ensinamento Conciso sobre
Os Estágios do Caminho à Iluminação,
Cerne de Todas as Escrituras,
Essência do Néctar das Instruções.
ix
Introdução por Trijang Rimpoche
Prasarin parana syaklutaki yanta,
Trayan guhyanata tigolama eka,
Sudhi vajradharottarah muni aksha,
Prayachha tashubham valaruga kota.
xi
Primeira Parte
AS PRELIMINARES
DIA UM
Kyabje Pabongka Rinpoche, um inigualável rei do Dharma, falou um pouco para
acertar a nossa motivação para os ensinamentos. Ele disse:
Desde tempos sem princípio, tivemos infindáveis corpos, mas não tiramos deles
nenhuma essência. Não há sofrimento que não vivenciamos, nem felicidade que não
experimentamos. Mas, independente de quantos corpos já tivemos, não conseguimos
extrair deles nenhuma essência. Agora, que conseguimos esta perfeita forma humana,
devemos fazer algo para tirar alguma essência. Enquanto continuarmos sem
discernimento, não daremos importância a esta forma humana tão significativa e não
lamentaremos desperdiçar este perfeito renascimento humano. Provavelmente
lamentaríamos muito mais desperdiçar dinheiro. Mas esta forma física que temos agora
é cem mil vezes mais valiosa do que qualquer jóia que realiza desejos.
Se limpar uma jóia que realiza desejos lavando-a três vezes e depois colocá-la no
topo de um estandarte de vitória, obterá sem esforço as boas coisas desta vida –
comida, roupas, etc. Mesmo se conseguir cem, mil, dez mil, e ou até cem mil jóias
dessas, elas não poderão fazer por você nem o mínimo que pode conseguir com este
renascimento, porque elas não podem ser usadas para evitar que seu próximo
renascimento seja nos reinos inferiores. Com sua forma física atual, você pode evitar
cair novamente nos reinos inferiores. Além disso, se quiser conseguir o renascimento
físico de um Brâmane, Indra, etc., poderá consegui-lo com o seu renascimento atual. Se
quiser ir aos reinos puros como Abhirati, Sukhavati, ou Tushita, poderá fazê-lo por
meio de seu atual renascimento físico. E não é só isto, pois poderá até mesmo alcançar
os estados de liberação ou onisciência através do atual renascimento. Tudo que precisa
é aproveitar a oportunidade. O mais importante é que através deste renascimento físico
poderá alcançar o estado de Vajradhara [a unificação do corpo ilusório e do grande
prazer sublime] dentro de uma vida curta desta era degenerada; coisa que, de outra
forma, demoraria incontáveis eons para conseguir. Assim, este renascimento vale mais
2
do que mil bilhões de jóias preciosas.
Se desperdiçar este renascimento, isto será uma lástima maior do que desperdiçar mil
bilhões de jóias preciosas. Não há perda maior; nada poderia cegar mais; nenhuma
auto-decepção poderia ser maior. O protetor Shantideva disse:
Então, você deve tentar extrair agora alguma essência de sua vida. Você certamente
vai morrer, e não há como saber quando isto acontecerá.
Estamos agora ouvindo este ensinamento de Dharma, mas nenhum de nós estará
vivo daqui a cem anos. No passado, Buda, o nosso mestre, reuniu as duas coletâneas
[de mérito e sabedoria primordial] durante muitos eons, conseguindo assim obter um
corpo vajra. Mas, para as aparências comuns, até ele entrou em nirvana [além do
sofrimento]. Depois, vieram os estudiosos, adeptos, tradutores, e panditas, tanto na
Índia quanto no Tibet, mas todos também já partiram desta vida. Deles, nada sobrou a
não ser seus nomes e o que ainda falam sobre eles. Enfim, não há ninguém que tenha
sido poupado pela morte. Como pode então esperar que só você vá viver para sempre?
Não há esperança alguma de que seja poupado!
Então, não só você vai realmente morrer, como também não pode ter certeza de
quando acontecerá. Não pode estar certo que no próximo ano ainda estará vivo neste
seu corpo humano, muito menos que ainda estará usando os três mantos de um monge.1
No ano que vem, nesta mesma época, talvez já terá renascido como um animal peludo e
com chifres na cabeça. Ou talvez, terá renascido como um fantasma faminto, por
exemplo, tendo que viver sem conseguir encontrar qualquer tipo de comida, nem
mesmo uma gota de água. Ou então poderá ter renascido nos infernos, tendo que
experimentar as misérias de sentir calor, frio, ser fervido, ou estar pegando fogo.
Após a morte, a sua mente continua; ela tomará um renascimento. Só há duas
migrações para este renascimento – os reinos superiores e os inferiores. Se renascer no
Inferno Sem Descanso, ficará lá com seu corpo indistinguível do fogo do inferno. Nos
infernos mais amenos, como o Inferno da Ressurreição Contínua, você será morto e
reavivado centenas de vezes por dia, e sofrerá tormentos contínuos. Mas como poderá
suportar isto, se não consegue suportar nem mesmo queimar sua mão no fogo? E vamos
sofrer nos infernos assim como sofreríamos com este calor em nossos corpos atuais.
Podemos questionar: "Não será mais fácil suportar o calor lá, e assim o sofrimento não
ser tão grande?", mas não é assim.
Se renascer como fantasma faminto, não conseguirá encontrar uma única gota de
água durante anos. Você acha difícil fazer um retiro em jejum, como então suportar tal
1
Embora a audiência de Pabongka Rinpoche consistisse de lamas, geshes, monges e monjas comuns, e leigos, muito
freqüentemente dirigia-se às primeiras filas de lamas e geshes estudiosos enquanto ensinava.
3
renascimento? E quanto ao reino animal, veja o caso de um cachorro. Examinem
detalhadamente os lugares onde vive, como precisam procurar comida e que tipo de
comida acabam encontrando. Você suportaria viver uma vida assim? Você pode pensar,
"Os reinos inferiores estão muito distantes." Mas entre você e os reinos inferiores só há
o fato de que você ainda respira.
Enquanto continuarmos sem discernimento, nunca suspeitaremos que poderemos ir
aos reinos inferiores. Provavelmente, pensamos que, bem ou mal, guardamos os nossos
votos, fazemos a maioria de nossas práticas diárias, e não cometemos nenhuma
negatividade grave, como matar uma pessoa ou fugir com o seu cavalo. O problema é
que não temos observado as coisas corretamente. Devemos repensá-las em detalhes.
Então, veremos que não somos livres para escolher se vamos aos reinos inferiores ou
não. Isto é determinado pelo nosso karma. Temos em nosso contínuo mental uma
mistura de karma virtuoso e não-virtuoso. Ao morrermos, o mais forte dos dois será
acionado pelo desejo e apego. Quando analisamos qual dos dois é mais forte em nosso
contínuo mental, vemos que a não-virtude é mais forte. O grau de sua força é
determinado pela força do motivo, ato, e passo final. Assim, embora possamos pensar
que só cometemos pequenas não-virtudes, na realidade, a sua força é enorme.
Veja um exemplo. Suponha que você ralhe com seus alunos. Você faz isto
motivado por forte hostilidade. Quanto ao ato, você usa palavras ásperas, que realmente
magoam. Quanto ao passo final, fica orgulhoso e com uma opinião inflada de si
mesmo. Estas três partes – motivo, ato e passo final – não poderiam ser melhores!
Suponha que você mate um piolho. O seu motivo é hostilidade forte. Você rola o piolho
entre os dedos, torturando-o por um longo tempo, depois eventualmente o mata. Para o
passo final, você fica arrogante e sente-se muito beneficiado com o ato. A não-virtude
fica muito poderosa.
Podemos pensar que a nossa virtude seja muito forte, mas de fato ela é muito fraca.
O ato, o motivo – a parte principal do ato– e o passo final – dedicação da virtude, etc.–
precisam ser feitos com pureza para que a virtude seja muito forte. Contraste isto com a
virtude que nós fazemos. Inicialmente, há o nosso motivo. Raramente somos motivados
até mesmo pelo menor dos motivos: o anseio por um renascimento melhor – muito
menos pelo melhor dos motivos: a bodhicitta [a mente que aspira a iluminação], ou o
segundo melhor motivo: a renúncia. Normalmente aspiramos os desejos relacionados às
banalidades desta vida; qualquer oração feita com esta finalidade é de fato pecaminosa.
Depois, na parte principal do ato, tudo o que fazemos é trabalhoso; quando recitamos
um rosário de om mani padme hum, por exemplo, não conseguimos fixar a nossa mente
na tarefa o tempo todo. Tudo é sono ou distração! É difícil fazer as coisas bem, mesmo
pelo tempo que leva recitar As Cem Deidades de Tushita uma única vez. E, quando
chega a hora das orações finais e dedicações, escorregamos novamente, direcionando-
as para esta vida. Assim, embora possamos pensar que fazemos grandes virtudes, na
realidade elas são frágeis.
Às vezes não fazemos a ação corretamente; outras vezes estragamos o motivo ou
passo final; e outras vezes ainda, não fazemos nada corretamente. Assim, em nosso
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contínuo mental, só o karma não-virtuoso é muito forte; e é a única coisa possível de
ser ativada ao morrermos. Se for isto efetivamente o que ocorre, o nosso destino só
poderá ser os reinos inferiores. É por esta razão que certamente renasceremos nos
reinos inferiores. Dizemos que nossos lamas são clarividentes, e pedimos que façam
adivinhações com dados, ou profecias sobre onde vamos renascer. Ficamos aliviados se
nos dizem, “Você terá um bom renascimento,” e temerosos se a resposta for, “Não será
bom.” Mas como podemos confiar nestas previsões? Não precisamos de adivinhações,
profecias ou horóscopos que nos digam aonde iremos em nossas próximas vidas. O
nosso Mestre Compassivo já fez esta previsão no cesto do sutra [sutra pitaka]. Já
recebemos esta previsão de muitos panditas e adeptos, tanto da Índia quanto do Tibet.
Por exemplo, Arya Nagarjuna diz em Guirlanda Preciosa:
Não podemos ter certeza – mesmo por meio de cognição válida direta – sobre onde
teremos nossos futuros renascimentos. Mas, nosso Mestre percebeu corretamente este
assunto tão obscuro de cognição válida, e o ensinou sem erro. Portanto, a certeza só é
possível por inferência, e devemos acreditar nos pronunciamentos autênticos do Buda
sobre o assunto.
Portanto, se é tão definitivo que renasceremos nos reinos inferiores, a partir de
agora devemos buscar uma maneira de evitar que isto aconteça. Se quisermos
realmente ficar livre dos reinos inferiores, devemos buscar um refúgio que nos proteja.
Por exemplo, um criminoso sentenciado à execução vai buscar a proteção de uma
autoridade influente para escapar da punição. Se estivermos maculados por karma
muito negativo devido aos nossos maus atos, estaremos correndo o risco da punição
pela lei [do karma] e iremos para os reinos inferiores. Devemos buscar o refúgio nas
Três Jóias [Buda, Dharma e Sangha], porque só elas podem nos proteger. Mas, não
devemos apenas buscar este refúgio, devemos também modificar nosso comportamento
conforme os ensinamentos. Se existisse alguma maneira dos Budas nos livrar de nossas
negatividades e obscurecimentos, lavando-os com água ou guiando-nos pela mão, por
exemplo, eles já o teriam feito e agora não teríamos mais sofrimentos. Mas, eles não
podem fazer isto. O Vitorioso ensinou o Dharma; mas somos nós que devemos
modificar o nosso comportamento segundo a lei das causas e efeito, e fazê-lo de forma
inequívoca. Um sutra diz:
Os Vitoriosos não lavam as negatividades com água;
Não livram os seres de sofrimento com o toque de suas mãos;
Não transferem as suas realizações de vacuidade para os outros.
Eles libertam ensinando a verdade da vacuidade.
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Assim, pode-se pensar, “Buscarei refúgio nas Três Jóias para ficar livre dos reinos
inferiores, e adotarei meios para libertar-me destes reinos. Modificarei meu
comportamento segundo as leis de causa e efeito.” Isto coloca a sua motivação no nível
do Lam-rim compartilhado com o nível de Pequena Capacidade.
Será que, basta livrar-se apenas dos reinos inferiores? Não, não basta. Você só
conseguirá um ou dois renascimentos nos reinos superiores antes de recair nos reinos
inferiores quando seu mau karma alcançá-lo. Esta não é a resposta final, não é algo que
podemos confiar. De fato, conseguimos muitos renascimentos nos reinos superiores e
depois recaímos nos reinos inferiores. Certamente vamos recair novamente. Em nossos
renascimentos passados, tivemos a forma dos deuses poderosos Brahma e Indra, e
vivemos em palácios celestiais. Isto já aconteceu muitas vezes mas deixamos estes
renascimentos para nos contorcermos na superfície de ferro incandescente dos infernos.
Isto aconteceu vezes seguidas. Nos reinos celestiais, desfrutamos o néctar dos deuses;
depois, quando deixamos estes renascimentos, tivemos que beber o cobre fundido nos
infernos. Nos divertimos na companhia de muitos deuses e deusas, depois vivemos
cercados pelos terríveis guardiões dos infernos. Renascemos como imperadores
universais e reinamos sobre centenas de milhares de súditos; depois renascemos como
servos e escravos, como condutores de mulas e vaqueiros. Às vezes renascemos como
deuses do sol e da lua, e nossos corpos irradiavam tanta luz que iluminávamos os
quatros continentes.2 Depois renascemos nas profundezas dos oceanos, entre
continentes, onde era tão escuro que não conseguíamos enxergar os movimentos de
nossos próprios membros. Independente do que conseguimos com este tipo de
felicidade mundana, ela não é confiável e não tem essência alguma.
2
Os quatro continentes aqui mencionados são os da cosmologia budista, que descreve cada sistema mundial (existem ao
total bilhões deles) como sendo um disco achatado com uma cerca de ferro em seu perímetro. Dentro há oceanos, e ao
centro uma enorme montanha chamada Meru, cercada por sete cadeias de montanhas douradas e quatro continentes, cada
um com seus dois sub-continentes, um de cada lado. O Monte Meru tem quatro níveis acima das águas do oceano e quatro
níveis abaixo.
6
Até os renascimentos de deuses e humanos não transcenderam a natureza do
sofrimento. No renascimento humano há os sofrimentos de nascimento, velhice, doença
e morte; há o sofrimento de separar-se das coisas queridas, enfrentar situações
desagradáveis, e buscar sem encontrar o que se deseja. Os semideuses também sofrem,
pois são mutilados ou feridos quando vão às batalhas, e sempre sofrem de inveja
inquietante. Ao renascer como um deus do Reino dos Desejos sofre ao exibir os sinais
da morte. Os deuses dos [dois] reinos superiores não manifestam nenhum sofrimento.
Mas, por natureza, ainda estão sob a influência do sofrimento aplicável a todos os
fenômenos condicionais porque não conseguiram liberdade suficiente para manter suas
situações atuais. No final, cairão e por isto ainda não transcenderam o sofrimento.
Enfim, enquanto não nos livrarmos de vez do samsara, a natureza do sofrimento
ainda não terá sido transcendida. Portanto, é preciso ficarmos definitivamente livres do
samsara; e é preciso fazê-lo neste nosso atual renascimento.
Normalmente dizemos, “Não posso fazer isto neste renascimento,” e rezamos pelo
nosso renascimento futuro. Mas, é possível sim fazê-lo neste renascimento. Temos um
perfeito renascimento humano, e esta é a forma física mais vantajosa para a prática do
Dharma. Encontramos as condições certas – encontramos os ensinamentos do Buda, e
assim por diante. Temos todas as condições certas, e então se não conseguirmos a
liberação agora, quando poderemos conseguí-la?
Portanto, você pode pensar, “Devo definitivamente libertar-me do samsara, haja o
que houver. A liberação só é conseguida por meio dos três treinamentos superiores.
Então, vou treinar-me nos três, e conseguir a minha liberação deste grande oceano de
sofrimento.” Ao pensar assim estará ajustando a sua motivação ao nível do Lam-rim
que é compartilhado com a Média Capacidade.
Mas será isto suficiente? Mais uma vez, não. Se conseguir o estado de Shravaka
[Ouvinte] ou Arhat Pratyekabuddha [Realizador Solitário] pelo seu próprio bem, não
terá realizado nem mesmo suas próprias necessidades e nada terá sido feito pelo bem
dos outros. Isto porque você ainda não abandonou algumas coisas, como os
obscurecimentos à onisciência e as quatro causas da ignorância. É como ter que
atravessar o mesmo rio duas vezes: embora possa ter alcançado todos os passos até o
estado de arhat no caminho Hinayana [Pequeno Veículo], será preciso desenvolver a
bodhicitta e treinar-se nas tarefas de um Filho dos Vitoriosos desde os passos básicos,
começando assim o caminho Mahayana de Acumulação. É como entrar num mosteiro e
trabalhar seu caminho de ajudante de cozinha até abade. Depois, entrar em outro
mosteiro e ter que começar tudo novamente, trabalhando na cozinha.
[Chandragomim] disse em sua Carta a um Discípulo:
7
Ou seja, embora não reconheçamos uns aos outros, não há um único ser senciente
que não tenha sido sua mãe. E assim como você teve incontáveis renascimentos, teve
também incontáveis mães. E cada vez que foram suas mães, a bondade que tiveram
com você foi igual à bondade de sua mãe atual. Não há a menor diferença entre a
bondade de sua mãe atual por você e a de todos os outros seres sencientes.
Mas, alguns podem sentir, “Todos os seres não são minhas mães. Se fossem, eu as
reconheceria e isto não acontece.” Mas é bem possível que muitos não reconheçam a
própria mãe desta vida. O mero não-reconhecimento não é razão suficiente para que
alguém não seja sua mãe. Outros podem pensar, “Mães de vidas passadas pertencem ao
passado. Não há consistência em dizer que ainda são nossas mães bondosas.” Mas a
bondade de suas mães no passado e a bondade demonstrada pela sua mãe atual em nada
difere. Se alguém lhe deu uma jóia no ano passado ou neste ano, a bondade é a mesma.
A época do ato não altera o grau de bondade. Assim, todos os seres sencientes foram
bondosos com você.
Como pode ignorar suas bondosas mães, que caíram no oceano do samsara, e só
trabalhar por sua própria libertação? Seria como crianças cantando e dançando na beira
da praia enquanto suas mães caem nas correntezas do oceano. A correnteza as carrega
para o oceano e apavoradas elas gritam por socorro, mas as crianças estão totalmente
esquecidas delas. O que é mais insensível ou desprezível? Dizem que as correntezas
nos oceanos [como na citação acima] são redemoinhos e é terrível quando um barco,
uma canoa, etc., caem no remoinho, pois certamente serão sugados. Parece que agora
você não tem relação com todos os seres sencientes, que na analogia caíram nas
correntezas do oceano do samsara. Mas não é assim. Todos são suas mães bondosas e
você deve retribuir-lhes estas bondades. Dar comida aos famintos, bebida aos sedentos,
riqueza aos pobres, etc. e satisfazer suas necessidades, retribuiria parte da bondade; mas
isto não traria grandes benefícios. A melhor forma de retribuir suas bondades é dando-
lhes as causas para que tenham toda felicidade e nenhum tipo de sofrimento. Não há
melhor forma de retribuir as suas bondades.
Com estes pensamentos, você será levado a pensar, “Que estes seres sencientes
tenham toda felicidade,” e assim desenvolverá o amor. Você também pensa, “Que eles
fiquem sem nenhum sofrimento,” e assim você desenvolverá a compaixão. O altruísmo
é desenvolvido ao sentir, “A responsabilidade de fazer com que estas duas coisas
aconteçam caiu sobre mim. Sozinho, vou trabalhar para este fim.”
Ainda assim, conseguirá fazê-lo? Você não consegue trabalhar nem mesmo pelo
bem de um único ser senciente, muito menos por todos eles. Quem então poderá? Os
Bodhisattvas que residem nos níveis puros 3 e os Shravakas ou Pratyekabuddhas podem
beneficiar os seres sencientes até certo nível; mas só conseguem fazer um pouco do que
os Budas podem fazer. Cada raio de luz do corpo de um Buda pode levar inúmeros
seres sencientes a um estado de amadurecimento, ou até mesmo à liberação. Os Budas
3
Há dez níveis de desenvolvimento dos Bodhisattvas – seres determinados a iluminarem-se pelo bem de todos os seres
sencientes. Os níveis puros são os oitavo, nono e décimo. A partir do oitavo nível o Bodhisattva alcançou os estágios
irreversíveis e a iluminação está garantida. Isto é descrito em maiores detalhes no Dia Doze.
8
emanam corpos que aparecem diante de cada ser senciente. Estas formas são talhadas
conforme as disposições, faculdades [mentais], desejos e instintos destes seres. Os
Budas ensinam-lhes o Dharma em suas próprias línguas. Estas são algumas das
qualidades dos Budas. Os Budas são realmente incomparáveis na maneira de trabalhar
pelo bem dos seres sencientes.
Mesmo assim, poderemos alcançar esta Budeidade? Sim, e o melhor renascimento
físico para conseguí-lo é o perfeito renascimento humano. Conseguimos um tipo muito
especial de renascimento físico: nascemos do útero de um ser humano do Continente
Sul, e temos os seis tipos de constituintes físicos. Tudo que precisamos é aproveitar
esta oportunidade para alcançar o estado de Vajradhara numa única vida. Nós
conseguimos obter este renascimento físico. O meio para alcançar a Budeidade é o
Dharma do Veículo Supremo; e os ensinamentos do Segundo Vitorioso [Je Tsongkapa]
são totalmente inequívocos. Os seus ensinamentos imaculados combinam os sutras e os
tantras. E, agora, encontramos estes ensinamentos.
Em suma, encontramos todas as condições corretas e estamos livres de quaisquer
condições desfavoráveis. Só extraviaremos se não fizermos esforço algum para
alcançar a Budeidade. Não teremos sempre um renascimento físico como este, e nem
este Dharma. Alguns podem alegar, “Agora é um tempo degenerado; nossa hora é
ruim.” Mas desde a existência cíclica sem princípio nunca tivemos um tempo
potencialmente mais benéfico para nós do que agora. A nossa hora não poderia ser
melhor. Encontramos uma situação como esta apenas uma vez. Devemos portanto
trabalhar pela nossa Budeidade, haja o que houver.
Assim, isto deve levá-lo a sentir, “Farei tudo que puder para alcançar a minha meta:
a incomparável e total iluminação pelo bem de todos os seres sencientes.” Este
pensamento invoca a bodhicitta, e é a maneira de ajustar a motivação segundo o Lam-
rim de Grande Capacidade. Você terá desenvolvido a bodhicitta se tiver este
pensamento de maneira sincera e não forçada.
Você deve praticar para alcançar esta Budeidade, e deve saber o que praticar para
ter sucesso. Algumas pessoas querem praticar o Dharma, mas não sabem o que fazer,
podem ir a um local solitário e recitar alguns mantras, fazer algumas orações, ou até
alcançar alguns dos [nove] estados mentais [que levam à quietude mental], mas não
saberão fazer mais nada. Você deve estudar as instruções inequívocas que nada deixam
de fora sobre a prática do Dharma. Assim, saberá todas estas coisas. E a instrução mais
soberana é o Lam-rim, os estágios do caminho à iluminação. Portanto, desenvolva a
motivação: “Ouvirei atentamente o Lam-rim, e depois o colocarei em prática.”
Em geral, é vital ter uma destas três motivações no início de cada prática, mas, o
mais importante, é que ao ouvir um ensinamento do Lam-rim, qualquer uma destas
motivações não basta. Você deve pelo menos ouvir tendo uma forma de bodhicitta
forçada ou produzida. Para quem já experimentou o desenvolvimento da bodhicitta,
pode ser suficiente refletir sobre uma frase curta como “Pelo bem de todos os seres...”
mas isto não basta para transformar a mente de um principiante. Se refletir no Lam-rim,
9
começando pela imensa dificuldade de conseguir um perfeito renascimento humano,
sua mente vai se voltar para a bodhicitta. Isto não se aplica só ao Lam-rim. Quando
Gelugpas freqüentam um ensinamento, iniciação, transmissão oral, ou coisas assim,
devem repassar todo o Lam-rim como uma preliminar para acertar a nossa motivação.
Até orações curtas devem incluir todos os três níveis do Lam-rim. Esta é uma
característica suprema de distinção dos ensinamentos dos antigos Kadampas, e nossa os
neo-Kadampas. 4 Meu precioso guru disse isto várias vezes. Aqueles de vocês que terão
a responsabilidade de preservar estes ensinamentos devem estudar assim. (Mas, ao dar
uma iniciação de longa vida, a prática é não falar sobre impermanência, [morte], e
coisas assim, já que não seria um gesto auspicioso: deve-se falar só da dificuldade de
obter este benéfico e perfeito renascimento humano).
Algumas pessoas podem sentir num ensinamento de Dharma, “Sou muito
afortunado de estar estudando isto, mas não consigo colocá-lo em prática”. Alguns
freqüentam porque imitam os outros – “se você for, eu também vou.” Ninguém
freqüenta estes ensinamentos para ganhar dinheiro fazendo rituais nas casas das
pessoas, mas isto acontece com outros ensinamentos como as iniciações principais. Ao
freqüentar outros ensinamentos – iniciações, por exemplo – você pode pensar que
receberá o poder de subjugar os maus espíritos recitando mantra, e coisas assim; ou
pode pensar que vai subjugar doenças ou espíritos, conseguir riquezas, adquirir poder,
etc. Outros ainda, não importa quantos ensinamentos recebam, tratam o Dharma como
se fosse, por exemplo, um capital para começar um negócio; parecem pessoas prontas
para ir à Mongólia em uma viagem de negócios. Estas pessoas acumulam enormes
negatividades. Buda, o nosso Mestre, discutiu os meios de alcançar a liberação e a
onisciência. Explorar tais ensinamentos para fins mundanos equivale a forçar um rei a
sair de seu trono e varrer o chão.
Portanto, se tiver alguma das más motivações acima, livre-se dela; faça surgir
alguma forma de bodhicitta produzida e então ouça os ensinamentos. Isto é suficiente
para ajustar a motivação.
Segue aqui o corpo principal dos ensinamentos.
Primeiro, o Dharma que você vai praticar deve ter vindo do Buda e discutido pelos
panditas [indianos]. A sua prática deve ser uma de onde os grandes adeptos tiraram as
suas compreensões e realizações; caso contrário, uma instrução poderia ser chamada de
“profunda” mesmo não sendo algo dito pelo Buda e sendo desconhecido pelos outros
adeptos eruditos. Se meditar nestas instruções, correrá o perigo de obter um resultado
nunca antes conseguido – nem mesmo pelos Budas! Portanto, examine bem o Dharma
que será a sua prática. Como disse Sakya Pandita:
4
Das quatro principais escolas do Budismo Tibetano –Nyingma, Sakya, Kagyu e Gelug– Pabongka Rinpoche foi um
grande lama da tradição Gelug. Os antepassados desta tradição foram os Kadampas, praticantes dos ensinamentos de
Atisha. Na realidade, as escolas Kagyu e Gelug vêm dos Kadampas. Os Gelugpas são às vezes chamados de neo-
Kadampas. Esta evolução está indicada no Dia Seis na explicação de como os três grupos de Kadampas na visualização do
campo de méritos foram passados por Je Rinpoche a um grupo de mestres Gelug.
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Ao fazer negócios com cavalos, jóias e coisas assim,
Você questiona tudo, examina tudo.
Vejo como você é diligente
Com as pequenas ações desta vida!
O bem ou o mal em todas as suas vidas futuras vem do santo Dharma,
Mas você trata o Dharma como um cão engolindo a comida:
Você é respeitoso com qualquer coisa que apareça,
Sem primeiro verificar se aquilo é bom ou ruim.
Quando compra um cavalo, por exemplo, você examina muitas coisas, faz
adivinhações prévias e muitas perguntas aos outros. Veja o exemplo de um monge
comum. Mesmo ao comprar chá prensado, ele verifica várias vezes a cor, peso, e
formato. Ele procura certificar-se de que o chá não foi danificado pela água, etc., e pede
a opinião de outras pessoas. Mas, se não tivesse sorte, isto só afetaria algumas xícaras
de chá.
Você investiga estas coisas incansavelmente, embora só tenham valor temporário.
Mas não investiga o Dharma que vai praticar, embora seja a base de sua esperança pelo
resto de seus renascimentos. É assim que um cão engole a sua comida. Como isto é
errado! Se errar aqui, estará arruinando a sua esperança eterna. Então, é preciso
examinar o Dharma que pretende praticar antes de engajar-se nele.
Se examinar este Dharma, o Lam-rim, verá que é o melhor de todos. A
profundidade extraordinária dos tantras secretos vem do Lam-rim. Se não desenvolver
os três pilares do caminho [renúncia, bodhicitta, e visão correta da vacuidade] em seu
contínuo-mental, você não poderá iluminar-se nesta vida. Ouvi falar de muitos
ensinamentos supostamente profundos que vêm de visões ou poderes ocultos – e, em
comparação, os três pilares do caminho pode não parecer uma peça de instrução
particularmente excitante.
Mas, o Lam-rim não foi inventado por Je Rinpoche [Lama Tsongkapa], Atisha, etc.
A sua linhagem vem do próprio Buda, perfeitamente iluminado, e só dele. Mas, quando
compreender que algumas coisas recebem o nome de Lam-rim e outras não, verá que
todas as escrituras são Lam-rim. O precioso conjunto Sutras da Perfeição da Sabedoria
é supremo entre todas as escrituras de nosso Mestre. Nestes sutras ele ensinou
ostensivamente a parte profunda dos estágios do caminho [a sabedoria da vacuidade]
que é o cerne dos oitenta e quatro mil Dharmas; também ensinou secretamente a parte
vasta do caminho do Lam-rim [os métodos dos Budas]. Esta então é a fonte da
linhagem. A parte vasta foi transmitida a Maitreya, o principal discípulo de Buda, que
por sua vez a transmitiu a Asanga. A parte profunda do Lam-rim foi transmitida por
Manjushri a Nagarjuna. Foi assim que a linhagem do Lam-rim dividiu-se em duas – a
Profunda e a Vasta.
Visando tornar o Lam-rim mais claro, Maitreya compôs Os Cinco Tratados,
Asanga escreveu os Cinco Textos sobre Os Níveis, e Nagarjuna escreveu Os Seis
Tratados Lógicos, e assim por diante. Portanto, as linhagens Profunda e Vasta do Lam-
11
rim desceram separadamente até o grande e inigualável Atisha. Ele recebeu a Linhagem
Vasta de Suvarnadvipi e a Profunda de Vidyakokila e combinou as duas em um único
fluxo. Herdou também a Linhagem dos Mais Poderosos Feitos que Shantideva recebeu
de Manjushri, bem como as linhagens dos tantras secretos, e assim por diante. Assim,
as linhagens que herdou continham os sutras e os tantras completos.
Atisha compôs a Luz no Caminho à Iluminação no Tibet. Este trabalho combina os
pontos chaves da doutrina completa. Mais tarde estes ensinamentos adquiriram o nome
de Lam-rim. Desde os tempos de Atisha, as linhagens relativas à visão profunda e às
tarefas vastas foram combinadas em um único fluxo. Mas isto foi novamente dividido
em três durante o período Kadampa: as linhagens dos Clássicos, Estágios do Caminho,
e Instruções, que concentravam em aspectos diferentes. Ainda mais tarde, Je Tsongkapa
recebeu todas as três linhagens de Namka Gyeltsen, de Lhodrag, ele próprio um grande
adepto, e de Chokyab Zangpo, o abade de Dragor. Desde então, passou a ser uma única
linhagem.
O grande Je Rinpoche fez súplicas em suas preces [aos detentores da linhagem
desta tradição] ao lado da Rocha do Leão em Retreng, norte de Lhasa; e lá começou a
escrever um livro sobre o caminho. Ele carregava uma estátua de Atisha. A estátua
retratava Atisha com sua cabeça inclinada para um lado. Sempre que Rinpoche fazia
súplicas a esta estátua, ele tinha visões de todos os gurus da linhagem do Lam-rim e
discutia o Dharma com eles. Além disto, teve visões de Atisha, Dromtempa, Potowa, e
Sharawa durante um mês. Estes últimos três se dissolveram em Atisha, que colocou a
mão na cabeça de Je Rinpoche e disse, “Dê este ensinamento e eu o ajudarei.” Isto
significa que foi ele quem pediu a Tsongkapa para escrever Os Grandes Estágios do
Caminho. Je Rinpoche escreveu até a parte final que trata de quietude mental. O
Venerável Manjushri pediu então que ele concluísse o livro. Como resultado, Je
Rinpoche escreveu a seção sobre a visão especial. Portanto, fique certo de que o livro é
um verdadeiro tesouro de bênçãos, mesmo sem considerar as outras pessoas que
também pediram a Je Rinpoche para compô-lo. Isto é veladamente ensinado na
passagem do final do livro que diz, “Ao reunir as boas obras dos Vitoriosos e seus
Filhos...”
Mais tarde ele compôs Os Estágios Médios do Caminho resumindo a essência do
que não foi tratado em Os Grandes Estágios do Caminho. Este trabalho de média
extensão trata principalmente das linhagens orais diretas e linhagens mais antigas dos
ensinamentos; os dois Lam-rims complementam-se com diferentes pontos chaves das
instruções orais.
Talvez você não saiba como integrar estes textos em sua prática. Je Rinpoche mais
tarde disse:
Portanto, leia os seguintes textos: O [Terceiro] Dalai Lama, Sonan Gyatso, escreveu
12
A Essência de Ouro Puro. O grande Quinto Dalai Lama escreveu o Lam-rim As
Palavras do Próprio Manjushri como um comentário a este texto. O Panchen Lama
Lozang Choekyi Gyeltsen escreveu O Caminho Fácil, e Lozang Yeshe [uma outra
encarnação do Panchen Lama] compôs o seu comentário, O Caminho Rápido. O
próprio Je Rinpoche escreveu três Lam-rims: O Grande, O Médio, e O Pequeno
(também conhecido como Cânticos da Experiência). Além destes quatro ensinamentos
concisos dos Dalai Lamas e Panchen Lamas, Ngawang Dragpa de Dagpo escreveu O
Caminho da Escritura Excelente. Estes são os oito ensinamentos mais famosos do
Lam-rim.
Você deve receber, separadamente, os ensinamentos da linhagem para estes textos
raiz e os comentários. Não basta receber apenas um deles. E há, ainda, duas linhagens
de ensinamentos sobre As Palavras do Próprio Manjushri, uma mais detalhada do que
a outra. Uma destas foi preservada na Província Central, e a outra no sul; isto resultou
na divisão das duas. Você deve também receber separadamente os discursos destas
duas linhagens. O Chanceler Tagpugpa e seus seguidores avaliaram mais tarde as
linhagens deste texto. Ele alegou que se tivesse lido este texto mais cedo, não teria tido
tantos problemas com os tópicos de meditação Lam-rim. Como ele disse: os
ensinamentos concisos de O Caminho Rápido e as duas linhas de As Palavras do
Próprio Manjushri fazem, juntos, algo particularmente profundo.
Quando Buda ensinou, não havia nenhuma tradição de duas linhagens – uma para
transmissões orais e uma para discursos orais. Só mais tarde, quando seus ensinamentos
já não eram totalmente compreensíveis, os discursos foram ensinados separadamente.
Os discursos com uma discussão detalhada das palavras de um texto foram chamados
discursos formais. Um discurso conciso refere-se aos ensinamentos orais que não
elaboram muito as palavras do texto, mas expõem o cerne da instrução, muito
semelhante a um médico habilidoso dissecando um cadáver perante seus alunos. A
maneira como apontam os cinco órgãos sólidos, os seis órgãos ocos, etc., daria uma
introdução clara. No discurso informal, o lama fala a partir de sua própria experiência,
e o ensinamento é projetado para ter o máximo efeito no contínuo-mental de seus
discípulos. O ensinamento prático é o seguinte: Os discípulos ficam juntos em uma
casa de retiro. O lama ensina um tópico, e os discípulos começam a meditar nele, e só
recebem ensinamentos no tópico seguinte quando alcançam alguma compreensão. Este
tipo de discurso chega a nós em linhagens abençoadas por realizações. Eles são muito
benéficos para pacificar o contínuo-mental.
O ensinamento que darei agora é um discurso informal. Poucos aqui presentes não
são afortunados porque só têm tempo para assistir a este tipo de ensinamento uma ou
duas vezes. Eles estão interessados nestes ensinamentos, embora mais tarde possam
seguir caminhos separados. Pelo bem deles, estarei combinando O Caminho Rápido e
as duas linhagens de As Palavras do Próprio Manjushri. Mais tarde, quando chegar
nesta parte, ensinarei o Treinamento da Mente em Sete Pontos e o Trocar-se pelos
Outros.
Não tenho inibição alguma de dar este ensinamento. Isto vai criar méritos-raiz para
13
estes dois nobres falecidos, em cujas memórias, dou este ensinamento. Ao ensinar o
Lam-rim, não preciso medir os benefícios ou perigos para o guru ou para o discípulo,
algo que preciso fazer quando dou outros ensinamentos, como as iniciações. Um
ensinamento de Lam-rim só pode ser muito benéfico.
Todos vocês: pratiquem o que puderem; e rezem por estes dois nobres homens que
já se foram.
Kyabje Pabongka Rinpoche deu uma breve transmissão oral das linhas de abertura
destes textos de Lam-rim. Depois, fomos dispensados.
14
DIA DOIS
Lama Pabongka Rimpoche começou:
15
diferentes de títulos – alguns para os Lam-rim curtos, outros para as versões mais
longas. Você deve seguir os títulos específicos dos ensinamentos que tiver recebido.
Seguirei principalmente a prática de meu precioso guru de aplicar títulos ao texto O
Caminho Rápido. Este conjunto específico de títulos está adornado de muitas
instruções orais, que nunca foram escritas antes. Mas ele era muito cuidadoso ao
ensiná-las em público, e eu também as recebi em particular. Tive muito cuidado ao
reuni-las e passá-las ao papel. Elas não são curtas demais, nem longas demais, e
possuem características bem peculiares, que se mostraram efetivas.
Os estudiosos do Mosteiro de Nalanda costumavam falar de três purezas antes de
um ensinamento: a pureza dos ensinamentos orais do mestre; a pureza do contínuo-
mental dos discípulos; e a pureza do Dharma a ser apresentado. Os estudiosos de
Vikramashila, em suas introduções, costumavam discutir a grandeza do autor, a
grandeza do Dharma, e como ouvir os ensinamentos. Eu vou seguir esta última
tradição.
Este discurso nos estágios do caminho até a iluminação tem quatro partes
principais: (1) a grandeza dos autores, para mostrar que o ensinamento vem de uma
fonte imaculada; (2) a grandeza do Dharma, ensinada para aumentar a nossa fé nas
instruções; (3) a forma correta de ensinar e ouvir o Dharma que possui estas duas
grandezas; (4) a seqüência que os discípulos devem receber estas instruções. Os quatro
títulos são encontrados em Os Grandes Estágios do Caminho [de Tsongkapa].
Independente de qual Lam-rim esteja sendo apresentado – O Caminho Fácil, O
Caminho Rápido, etc. – e independente da quantidade de detalhes que esteja sendo
dada, a tradição oral diz que devemos começar com estes títulos, caso contrário, as
pessoas não desenvolverão suficiente convicção.
Atisha escreveu A Luz no Caminho no Tibet; o termo Lam-rim veio mais tarde. O
texto raiz utilizado nos temas de todos os ensinamentos como o Lam-rim, o caminho
supremo, os ensinamentos graduais e assim por diante, é a sua obra-prima, A Luz no
Caminho. Assim, Atisha tornou-se virtualmente o autor de todos eles. Até o grande Je
Tsongkapa escreveu, “O autor disto é na realidade Atisha.” Portanto, eu realmente
deveria contar-lhes a biografia detalhada de Atisha, mas só há tempo para uma versão
mais curta.
Farei isto em três títulos: (1) como nasceu em uma das famílias mais ricas; (2)
como alcançou suas boas qualidades naquele renascimento; (3) após conseguir estas
qualidades, o que fez para propagar a doutrina.
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Herdeiro de um rei, um poderoso príncipe.
Que todos eles possam seguir o santo Dharma!
Isto surpreendeu a todos. No templo, todos os outros, inclusive sua mãe e seu pai,
rezaram para que tivessem vidas longas e livres de doenças, muita riqueza, para que
não caíssem nos reinos inferiores, para que renascessem nos reinos superiores, e coisas
assim. O príncipe no entanto rezou:
O próprio fato de que Atisha fazia isto aos seis anos me parece um sinal de que
mesmo então ele tinha grandes conhecimentos.
Aos onze anos, muitas princesas adequadas a serem suas concubinas passaram a
empregar várias artes de sedução perante o príncipe, como cantar e dançar; mas isto só
inspirava-lhe renúncia e recuo. Uma jovem menina de tez escura, que era uma
emanação de Tara, implorou-lhe:
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Sua Alteza! Não se apegue! Oh afortunado, não se apegue!
Se um herói como Sua Alteza ficasse preso no pântano do desejo,
Seria como um elefante atolado no meio do junco num brejo.
Pessoas trajadas com ética não se rebaixam.
Vamos considerar o que ela dizia. Ela pedia para ele não se apegar, em primeiro
lugar, às coisas desta vida e, em segundo lugar, ao samsara em geral. A imagem do
elefante preso na armadilha, significa o seguinte: um elefante tem um corpo enorme e é
mais difícil de ser desatolado. Ela comparava esta imagem com sua afirmação, “Se um
herói como Sua Alteza ficasse preso...” Se uma pessoa comum comete uma má ação,
isto só prejudica a si própria e não pode prejudicar os ensinamentos. Mas, se os grandes
lamas ou as reencarnações dos lamas agem sem consistência, isto enfraquece os
ensinamentos naquela área. Se estas pessoas agem corretamente, isto promove os
ensinamentos naquela área. Parece-me também que ela dizia que é muito importante
que pessoas grandiosas, como vocês, tenham conhecimento, ética e bondade, e que
devem preservar as puras tradições Gelugpas.
O príncipe disse-lhe que a sua súplica havia lhe agradado muito.
Logo depois, o rei cercou o príncipe com cento e trinta cavaleiros armados.
Habilidosamente, o príncipe fingiu que ia explorar as montanhas rochosas nos
arredores. Seu verdadeiro propósito era procurar um guru. Ele conheceu o brâmane
Jitari que vivia numa destas montanhas. Jitari deu ao príncipe o refúgio e os votos de
Bodhisattva, e falou sobre Bodhibadra, de Nalanda, com quem Atisha tinha elos
kármicos do passado. Então, o príncipe foi ver este guru e fez-lhe um oferecimento de
jóias. Isto agradou a Bodhibadra. O guru entrou em estado de absorção meditativa e
abençoou as três portas [corpo, palavra e mente] do príncipe. Ele também deu ao
príncipe muitas instruções de como desenvolver a bodhichitta, e depois encaminhou
Atisha ao Guru Vidyakokila, que também deu instruções para desenvolver a
bodhichitta. Vidyakokila enviou Atisha a um outro guru do seu passado, Avadhutipa
[Vidyakokila, o mais jovem].
Ele se encontrou com Avadhutipa, que disse, “Volte hoje ao reino de seu pai.
Analise as desvantagens da viver como um leigo!”
Assim, ele voltou para casa, muito para a alegria de seus pais, “Onde esteve,
Chandragarbha?” perguntaram-lhe. “Você está cansado? Está triste? Que bom que
voltou!”
Ele respondeu:
O príncipe respondeu:
22
também todas as diferentes práticas das dezoito sub-escolas [da seita Vaibhashika]
como quais membros da Shanga devem dar aos monges uma parcela de suas esmolas,
ou qual água é própria para beber; portanto, tornou-se a jóia suprema de todas as
dezoito destas sub-escolas da Índia.
Mas, embora tenha recebido e praticado todo o Dharma do sutra e tantra que existia
na Índia naquela época, ele continuou a se perguntar qual era o caminho mais rápido
para a iluminação. E Rahulagupta, que vivia numa caverna no Monte Krshnagiri sabia
disto através de sua clarividência. Ele foi até Atisha e disse, “Qual a vantagem de
simplesmente ter visões de deidades, manifestar diversos grupos de deidades em suas
mandalas, conseguir muitos poderes psíquicos, ou ter uma concentração uni-focada
firme como uma montanha? Treine sua mente no amor e na bodhichitta!
Avalokiteshvara de Mil-Braços é a deidade da compaixão. Adote-o como a sua deidade
tutelar e comprometa-se a trabalhar pelo bem dos seres sencientes até que o samsara se
esgote.”
Um dia, Atisha andava ao redor do trono vajra da iluminação em Bodhgaya.
Enquanto andava no caminho de circumambulação10 ele presenciou a conversa entre
duas estátuas. Em outra ocasião, duas meninas que haviam transcendido as limitações
do corpo humano, estavam conversando no céu ao sul de Bodhgaya.
“Em que Dharma deve treinar-se alguém que queira uma iluminação rápida e
completa?” perguntou uma das meninas.
A outra respondeu, “Treinar-se na bodhichitta!”
“Sim, o treinamento da bodhichitta é o meio mais nobre.”
Ele havia parado de circumambular para ouvir, e acolheu isto em seu coração assim
como um vaso recebendo todo o conteúdo de outro.
Certa vez, ele estava em pé ao lado do muro de pedras construído pelo Acharya
Nagarjuna. Havia uma velha e uma menina. “Qualquer um que queira rapidamente a
iluminação completa,” disse a mulher para a menina, “deve treinar-se na bodhichitta.”
A estátua de Buda sob a sacada do Grande Templo em Bodhgaya certa vez falou
com ele enquanto ele circumambulava. “Oh mendigo!” disse, “Se quer se iluminar
logo, treine-se no amor, na compaixão, e na bodhichitta.”
Certa vez, enquanto circulava ao redor de uma pequena cela de paredes de pedra,
uma estátua de marfim do Buda Shakyamuni disse-lhe, “Oh iogue! Treine-se na
bodhichitta se quiser logo a iluminação completa!”
Portanto, Atisha desenvolveu mais bodhichitta do que jamais havia conseguido
antes e para desenvolvê-la ao máximo, questionou-se, “Quem detém as instruções
completas sobre este assunto?” Ele indagou e descobriu que o grande Guru
Suvarnadvipe era famoso por ser um mestre de bodhichitta. Atisha fez planos para ir
até Suvarnadvipa [na Indonésia] para receber as instruções completas da bodhichitta.
Ele navegou o oceano durante treze meses num barco com alguns mercadores que
10
N.T. Circumambulação é uma prática em que o praticante anda ao redor de objetos e monumentos sagrados, recitando
mantras, fazendo práticas de purificação, com as devidas visualizações, etc. Em todo monumento sagrado há um caminho
ao seu redor próprio para esta prática. Aqui no caso ele andava em volta do trono vajra, i.e. o local onde Buda se iluminou
em Bodhgaya, na Índia, onde foi construída uma “stupa", monumento que simboliza a mente de Buda.
23
viajavam a negócios. Kamadeva, o poderoso deus-demônio da luxúria, não suportava
ver os ensinamentos de Buda se espalharem e, para obstruir a bodhichitta de Atisha, fez
o barco virar para o lado contrário soprando um vento frontal.
Então, bloqueou a passagem do barco com uma enorme baleia monstruosa, do
tamanho de uma montanha, lançou raios do céu, e coisas assim. Isto causou muita
devastação, e o Pandita Kshitagarbha implorou a Atisha que usasse seus poderes de
deidades iradas. Atisha entrou em estado de meditação de Yamantaka Vermelho e
subjugou as hostes dos demônios. Eventualmente a sua comitiva chegou à Indonésia.
Atisha já era um grande estudioso e adepto. Aos dezoito meses de idade e sem que
ninguém o estimulasse, disse palavras que provavam que ele já era familiarizado com a
bodhichitta. Mas, ele suportou de bom grado todas estas dificuldades para chegar à
Indonésia, o que deve nos convencer que nada é mais fundamental no Mahayana do
que a preciosa bodhichitta.
Atisha passou treze meses nesta viagem, e nunca tirou os seus mantos, o sinal de
sua ordenação. Ele não viajou como nós. Atualmente, quando os monges viajam em
peregrinação, colocam roupas leigas assim que cruzam os limites do mosteiro. Alguns
até carregam longas lanças. Eu acho que os estranhos devem sentir medo deles e
pensar, “Será que estes homens são degoladores?” No futuro, devemos dar exemplo
não retirando os nossos mantos – o sinal de que somos ordenados. Isto vai beneficiar os
ensinamentos. O onisciente Kedrub Rimpoche disse:
Os corpos dos seres ordenados
São embelezados pelos dois mantos cor de açafrão.
Quando os ordenados adotarem os sinais das pessoas leigas,
Este tipo de comportamento arruinará os ensinamentos.
Alguns alegam, “Devemos estar amadurecidos por dentro”, e não preservar coisas
externas. Isto não é um bom exemplo para os ensinamentos. Todas as ações externas da
Sangha devem ser feitas de forma calma e disciplinada. Shariputra foi guiado à verdade
[do caminho da visão] pelas maneiras de Arya Ashvajit.
Voltando à estória, Atisha chegou à Indonésia. Aportaram na ilha e viram alguns
meditadores, discípulos do grande Suvarnadvipi. Atisha e todos os seus discípulos
descansaram uma quinzena, e pediram aos meditadores que contassem a vida do Guru
Suvarnadvipi. Se estivéssemos lá, teríamos ido o mais rápido possível até a sua
presença, mas Atisha não. Ele examinou a vida do guru. Ele estava nos dando um
exemplo: devemos primeiro investigar corretamente um guru.
Alguns meditadores correram na frente até o Guru Suvarnadvipi e contaram-lhe, “O
grande erudito Dipankara Shrijñana, o principal estudioso de toda a Índia oriental e
ocidental, juntamente com cento e vinte e cinco discípulos, viajaram por mar durante
treze meses, passando por grandes dificuldades. Eles vieram receber do senhor, oh
guru, a mãe fundamental [O Sutra da Perfeição da Sabedoria] que fez nascer todos os
Vitoriosos dos três tempos. Eles também vieram pela prática Mahayana do treinamento
da mente para desenvolver a bodhichitta em suas formas de aspiração e atuante.”
24
“Que maravilha que tal grande erudita tenha vindo à nossa terra,” disse
Suvarnadvipi. “Devemos dar-lhe as boas-vindas.”
Enquanto o grande Atisha se aproximava do palácio do Guru Suvarnadvipi, ele e
seu grupo viram uma procissão distante vindo para dar-lhes as boas-vindas. O próprio
Guru Suvarnadvipi a liderava. Atrás dele vinham quinhentos e trinta e cinco monges.
Eles pareciam Arhats. Usavam os três mantos da cor adequada de um monge,
carregavam os vasos próprios para água e seguravam belos bastões de ferro. Sessenta e
dois noviços participaram. Ao todo, eram quinhentos e noventa e sete pessoas
ordenadas. Assim que a comitiva de Atisha viu esta imponente procissão, tão
semelhante às dos Arhats da época do Buda, eles se alegraram do fundo de seus
corações.
Então, os panditas versados nas cinco ciências, como Atisha e o Pandita
Kshitigarbha, e os monges instruídos nas três cestas, partiram para a residência de Guru
Suvarnadvipi. Eles usavam sandálias próprias de um monge, e cada um usava os três
mantos belamente tingidos com açafrão de Kashmir tão apreciado pela escola
Mahasamgika. Para que as pessoas pudessem fazer o gesto muito auspicioso de dar
esmolas, todos carregavam tigelas de esmolar de ferro em bom estado. Traziam com
eles todos os utensílios prescritos, como um recipiente de latão para água com
capacidade de uma drona,medida do país de Magadha, e o bastão de ferro que o Senhor
dos Ensinamentos tanto louvava. Todos usavam chapéus de pandita com pontas
rombudas – para indicar falta de orgulho – e seguravam leques cerimoniais. Os cento e
vinte e cinco seguiram Atisha em fila única, mantendo entre eles a distância prescrita –
uma linha [tão perfeita] quanto o arco-íris de cinco cores. Tudo era tão magnífico; os
deuses virtuosos estavam satisfeitos e fizeram cair uma chuva de flores em sinal de
respeito. Todos da ilha se admiraram com as ações dos dois gurus, e sua fé aumentou.
Atisha deu ao guru um vaso totalmente transparente. Podia-se ver que estava cheio de
ouro, prata, pérolas, corais e lápis-lázuli. Este gesto auspicioso previa que ele receberia
as instruções completas nos treinamentos da bodhichitta, como um vaso que recebe
todo o conteúdo do outro.
Eles se retiraram para o quarto do guru no Palácio do Pára-sol Prateado, Lá, Guru
Suvarnadvipi ensinou inicialmente quinze [dos setenta] tópicos de Um Ornamento à
Realização, de Maitreya, juntamente com suas respectivas instruções orais, como um
gesto ainda maior de auspiciosidade. O mestre imediatamente se afeiçoou a Atisha, e
compartilharam as mesmas acomodações. Assim, começaram doze anos em que Atisha
e seus discípulos receberam as instruções completas de todos os significados ocultos
dos Sutras da Perfei-ção da Sabedoria – a “sagrada mãe” – da linhagem que Maitreya
passou a Asanga. Receberam, também, instruções exclusivas no treinamento da mente
na bodhichitta por meio de trocar-se pelos outros; a linhagem para isto foi dada por
Manjushri a Shantideva. Eles estudaram, contemplaram, e meditaram completa e
exaustivamente estas instruções. Por meio do trocar-se pelos outros; eles
desenvolveram, aos pés deste guru, a genuína bodhichitta em suas mentes.
O guru certa vez dirigiu-se a Atisha, agora senhor da doutrina, e previu que ele teria
25
discípulos se fosse ao Tibet.
Sua Alteza, não permaneça aqui.
Vá para o norte, ao norte, para a Terra das Neves.
26
Gyatsoen Senge, juntamente com outros oito, para trazer Atisha. Eles levaram muito
ouro, mas não conseguiram. O próprio rei do Dharma foi em busca de mais ouro para
ajudar a trazer o pandita de volta.
O khan de Garlog sabia que o rei estava agindo para propagar a doutrina, então,
capturou Yeshe Oe e ameaçou-o de morte se ele não abandonasse seus ensinamentos. O
rei foi jogado na prisão. O seu sobrinho paterno, Jangchub Oe, foi até lá tentar libertar
seu tio, apenas para ouvir do khan de Garlog, “Ou você abandona os seus planos de
trazer o pandita e se torna meu servo ou então me traga o peso do rei em ouro. Com
qualquer uma destas alternativas, eu o libertarei.”
Jangchub Oe prometeu entregar o ouro. Ele ofereceu ao khan duzentos onças de
ouro que tinha consigo, mas o khan não aceitou. Eventualmente, ele trouxe ao khan o
peso do rei em ouro, menos a cabeça. O khan de Garlog não estava interessado, “Quero
a cabeça e tudo,” ele disse.
Jangchub Oe não tinha mais meios de conseguir mais ouro. Então, foi até o portão
da prisão de Yeshe Oe. “Tio,” ele exclamou, “você tem sido extremamente bom. Você
é uma vítima de suas ações do passado. Se eu declarar guerra contra este homem para
derrotá-lo, muitas pessoas morrerão, e temo que renasçam nos reinos inferiores. Este
homem me disse para não convidar o pandita, mas em vez disto tornar-me seu servo.
Mas, se abandonarmos o Dharma, teremos nos rendido a este rei pecaminoso. Penso
que será melhor que você permaneça fiel ao Dharma. Ele me disse que queria o seu
peso em ouro. Eu tenho buscado ouro, mas só consegui o suficiente para igualar o peso
de seu corpo sem a cabeça. Isto não o satisfez, e agora preciso buscar o restante.
Voltarei com o resgate. Até lá, pense em seu karma passado, faça súplicas às Três Jóias
e, acima de tudo, tenha coragem e crie méritos.”
Seu tio riu e disse, “Eu pensava que você levava uma vida fácil e era mimado
demais para enfrentar dificuldades ou ter alguma coragem. Agora vejo que, quando eu
morrer, você manterá as tradições de nossos ancestrais. Você agiu bem. Isto me deixa
contente. Eu achava que seria errado eu morrer sem ter estabelecido no Tibet um
governo impecável do Dharma. Estou velho e se não morresse agora, viveria mais uns
dez anos. Se der tanto ouro só para isto, vai desagradar às Três Jóias! Em minhas
infindáveis vidas passadas, não morri nenhuma vez pelo Dharma. Então, não dê ao
khan nem mesmo uma partícula de ouro; será maravilhoso morrer pelo Dharma. Onde
encontraríamos ouro para a minha cabeça? Leve todo o ouro à Índia, e faça o que puder
para trazer o Pandita Atisha.” “Se ele recebê-lo, diga-lhe: ‘Entreguei minha vida ao
khan de Garlog pelos ensinamentos de Buda e por seu próprio bem. Olhe-me com
compaixão pelo resto de minhas vidas. Meu único pensamento era que viesse ao Tibet.
Só fiz isto para que os ensinamentos de Buda espalharem no Tibet. Então, faça o que
peço. Abençoe-me para definitivamente nos encontrarmos em vidas futuras.’ Meu
sobrinho, esqueça de mim; pense nos ensinamentos do Buda!”
O tio estava muito enfraquecido, e o som de sua voz era muito comovente. Mas,
Jangchub O e podia ver que seu tio tinha a coragem de só pensar nos seres sencientes
do Tibet, nos ensinamentos do Buda, e em Atisha. Ele forçou-se a deixar o tio. Sua
27
coragem saiu fortalecida e ele agiu inteiramente segundo os desejos do tio.
No Tibet, muitas pessoas faziam várias religiões rudes passarem por tantra.
Algumas destas pessoas eram o Acharya Saias Vermelhas, o infame Pandita Saias
Azuis, e os Dezoito Mendigos de Artso. Para derrotar estas pessoas pacificamente, o rei
Jangchub Oe rezou às Três Jóias pedindo orientação sobre qual de seus súditos seria a
pessoa certa para trazer Atisha. Todas as consultas com dados e cálculos astrológicos
indicavam Nagtso, o tradutor. Na ocasião Nagtso vivia no Templo Dourado de
Gungtang. O rei convocou-o até Ngari, mas temia que o tradutor não fosse à Índia.
Então, o rei Jangchub Oe fez Nagtso sentar-se no trono real e ofereceu-lhe presentes.
“Implore a Atisha,” disse o rei. “Diga-lhe, ‘Você tem sido muito louvado por seu
conhecimento, ética e bom coração. Meus ancestrais, reis e ministros de estado do
passado, estabeleceram aqui os ensinamentos do Buda, que virou hábito, floresceram e
se espalharam. Agora os ensinamentos do Buda estão em estado lastimável. Uma raça
de demônios tomou posse. Os já falecidos estudiosos do passado ficariam tristes com
isto. Tanto eu quanto meu tio enviamos muito ouro à Índia, mas depois de tantos
gastos, de riqueza e de homens, ainda não trouxemos Atisha de volta. Nosso rei não
suportou isto e foi em busca de ouro. Ele foi aprisionado por um khan malvado. Sua
Majestade deu a sua vida. Se desapontar a nós, seres sencientes ignorantes da remota
terra do Tibet depois de termos demonstrado tamanha coragem, como poderemos
considerá-lo compassivo e objeto de refúgio dos seres sencientes?”
“Eu tenho mil e quatrocentas onças de ouro. Leve-as e coloque-as nas mãos do
guru. Diga-lhe, ‘O nosso Tibet é como a cidade de fantasmas famintos, encontrar ouro
em nosso país é como procurar um único piolho numa ovelha, é muito difícil de se
achar. O ouro que vê aqui é toda a riqueza do povo do Tibet. Mas, Oh protetor, se não
for ao Tibet, isto mostrará que tem pouca compaixão. Então nunca faríamos nada para
sermos melhores.’ Nagtso, você sustenta o vinaya. Conte nossa estória pessoalmente a
Atisha. Se ele ainda recusar, explique a situação até que ele a entenda completamente.”
O rei chorava tanto que havia lágrimas em seu colo e na mesa à sua frente. Nagtso o
tradutor, cujo nome verdadeiro era Tsultrim Gyaelwa, não havia viajado muito antes e
não estava nada ávido para partir para terras distantes, mas ele não conseguia negar.
Temos um provérbio: “Quem vê alguém chorando começará a chorar também.” Ele
nunca havia encontrado Yeshe Oe antes, mas sabia bem que o rei dizia a verdade. Ele
estava ciente de que o tio havia gasto muita fortuna, e que os dois haviam dado as suas
próprias felicidades pelo bem do Tibet para que pudéssemos ser felizes. O rei, um
homem de alta posição, havia tocado profundamente a Nagtso. Ele estava sem fala, seu
corpo tremia, sua face estava coberta de lágrimas e era incapaz de encarar o rei. O rei
pedia-lhe que arriscasse tanto a sua vida quanto os seus membros, mas Nagtso não era
apegado a nenhuma das felicidades desta vida, e então disse que iria.
Ele recebeu as mil e quatrocentas onças de ouro do rei e seus sete ministros, e
tomou o caminho da Índia. O rei acompanhou-o por longa distância. “Monge, você está
fazendo isto por mim,” disse o rei. “Está arriscando sua vida e membros. Com grande
perseverança está agora viajando a lugares que vão lhe criar muitas dificuldades.
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Quando voltar, retribuirei a sua bondade.” O rei afastou-se um pouco e depois disse,
“Faça súplicas ao Grande Compassivo [Avalokiteshvara] enquanto estiver viajando.”
Quando Nagtso o tradutor e sua comitiva chegaram ao reino do Nepal, encontraram
um homem alto que disse, “Creio que você está indo a lugares distantes numa grande
missão. Você terá sucesso em sua missão se enquanto viajar repetir: ‘Homenagem às
Três Jóias! Que o santo Dharma, a fonte dos Budas dos três tempos, se espalhe na Terra
das Neves!’ Diga isto enquanto viaja. Assim, sua viagem será fácil.” Perguntaram
quem ele era. “Vocês saberão quem sou,” ele disse.
Havia também muitas emanações diferentes de Dromtoenpa [que em breve seria o
principal discípulo de Atisha]. Estas emanações removiam os muitos perigos que
ameaçavam Nagtso e sua comitiva na estrada.
Enfim, chegaram aos portões de Vikramashila. Havia um parapeito sobre o portão,
e Gyatsoen Senge, que entendia a língua tibetana, gritou-lhes de uma fenda no
parapeito: “Senhores tibetanos, de onde vieram?”
“Viemos do Alto Ngari,” responderam.
“Há um porteiro. Deixem todas as suas coisas com ele. Tenham uma boa noite de
sono em algum abrigo. O portão será aberto logo ao primeiro sinal de luz.”
Eles entregaram o ouro ao filho do porteiro, que o guardou num quarto interno.
“Confiem em mim como confiariam em seu melhor amigo” ele disse. “Não se
preocupem. Durmam bem.” Eles acharam que a pequena criança, dizendo estas coisas
não poderia ser uma pessoa comum. Isto deixou suas mentes em paz.
Na manhã seguinte, assim que o portão foi aberto, uma criancinha apareceu. Ele
usava um chapéu pontudo e se vestia como um nômade tibetano – com os trajes
completos de duas camadas de lã e carregando uma pequena tigela de madeira. “De
onde vieram vocês tibetanos?” a criança perguntou. “Vocês não parecem mal pela a
viagem.”
A comitiva de Nagtso achou encorajador encontrar alguém falando o dialeto dos
nômades. “Viemos de Alto Ngari,” disseram. “Tivemos uma viagem tranqüila. O que o
traz aqui? Para onde está indo?”
“Eu também sou tibetano,”respondeu a criança. “Estamos indo ao Tibet. Nós
tibetanos temos a língua muito solta. Somos muito ingênuos. Não sabemos guardar um
segredo. As coisas importantes devem ser feitas em segredo. Gyatsoen Senge está
hospedado nas acomodações tibetanas. Perguntem por aí e encontrarão.” E com isto,
ele se foi.
Eles entraram numa longa alameda, seguiram por ela, e encontraram um homem
santo e velho com um bastão de bambu para caminhar “De onde vieram?”, perguntou.
“O que os trouxe aqui de tão importante?”
“Viemos do Alto Ngari,” responderam. “Viemos buscar o ilustre Atisha. Onde fica
a casa de Gyatsoen Senge?”
O santo velho homem inclinou o seu bastão e virou seus olhos. “A criança que
encontraram esta manhã disse a verdade. Os tibetanos não conseguem ficar de bocas
fechadas! Vocês contam todos seus segredos às pessoas espreitando nos becos. Como
29
podem esperar conseguir alguma coisa assim! É bom que tenham me contado. Mas não
digam isto a ninguém a não ser Atisha. Eu lhes mostrarei a porta de Gyatsoen Senge.”
O velho abriu o caminho lentamente, mas Nagtso não conseguia acompanhá-lo.
Nagtso encontrou-o esperando na soleira das acomodações tibetanas.
“Coisas importantes devem ser feitas lentamente” disse o velho. “Apresse-se
lentamente. O que você quer está muito longe e é preciso subir uma montanha passo a
passo. Esta é a casa dele.”
Nagtso entrou e fez um oferecimento de ouro a Gyatsoen Senge, o tradutor.
Gyatsoen perguntou-lhe. “De onde vieram?”
Ele contou sua estória detalhadamente.
“Parece que você já foi meu discípulo,” disse Gyatsoen, “mas não o reconheço. Não
diga a ninguém que veio convidar Atisha. Diga que veio aprender. Há um Ancião
chamado Ratnakarashanti, que é muito poderoso aqui e é o mestre de Atisha. Ele não
deve suspeitar de suas intenções. Devemos agora fazer-lhe um oferecimento de uma
onça de ouro. Diga-lhe ‘Fracassamos em convidar qualquer pandita.’ Depois, não se
apresse; não deixe nada lhe preocupar. Na hora certa, habilmente convidaremos Atisha
para vir aqui.”
Nagtso e Gyatsoen Senge foram ver o Ancião Ratnakarashanti presenteando-o com
uma onça de ouro. Nagtso conversou com ele por um tempo, contando a estória
combinada.
O Ancião então disse, “Isto é maravilhoso! Os outros panditas não conseguem
subjugar os seres sencientes. Isto não é nenhum exagero. Os ensinamentos do Buda
podem ter originado na Índia, mas sem Atisha, os méritos dos seres sencientes aqui vão
declinar.” Ele também disse muitas outras coisas.
Durante algum tempo foi muito difícil encontrar Atisha. Mesmo assim, emanações
de Avalokiteshvara haviam proporcionado muitas oportunidades auspiciosas para
Atisha viajar ao Tibet. Então chegou o dia em que não havia nenhum outro pandita ou
rei por perto para suspeitar o que estava acontecendo; Gyatsoen Senge chamou Nagtso
e levou-o ao quarto de Atisha. Eles ofereceram a Atisha uma mandala-mundial de um
cúbito de altura, montada sobre uma peça de ouro que era rodeada de outras pequenas
peças de ouro.
O tradutor Gyatsoen Senge falou por ambos. Ele contou como o rei do Tibet era um
Bodhisattva, e como o Dharma havia se espalhado sob os três Dharmarajas [Songtsen
Gampo, Trisong Detsen e Raelpa Chaen]. Ele contou como o rei Langdarma havia
perseguido os ensinamentos e como o grande lama Gompa Rabsael havia conseguido
preservar a Sangha e aumentar o seu número. Falou do sacrifício que o tio do rei fez
para levar Atisha ao Tibet. Deu o recado de Jangchub Oe, e descreveu o tipo pervertido
de Dharma que prevalecia no Tibet.
“O rei Bodhisattva do Tibet,” Gyatsoen disse, “enviou este homem para convidá-lo,
oh valoroso protetor. Não nos iluda dizendo que irá no ano que vem. Olhe
compassivamente para o Tibet!”
“O rei tibetano é um Bodhisattva,” disse Atisha. “Os três Dharmarajas eram
30
emanações de Bodhisattvas. Gompa Rabsael era uma emanação de um Bodhisattva, se
não fosse como poderia ter reacendido as brasas dos ensinamentos. Os reis do Tibet são
Bodhisattvas. Não seria correto desobedecer as ordens de um Bodhisattva. Sinto-me
envergonhado perante este rei. Ele gastou uma fortuna. Vocês tibetanos estão em estado
lastimável, mas eu sou responsável por muitas chaves [de templos e mosteiros] e já
estou velho. Tenho muitos ofícios a executar. Não posso esperar poder voltar do Tibet.
Mesmo assim, investigarei este assunto. Por enquanto, guarde o seu ouro.” Ele então os
dispensou.
Atisha investigou se seria benéfico para os ensinamentos do Buda se ele fosse ao
Tibet movido por amor aos seus possíveis discípulos tibetanos. Verificou, também, se
haveria um impedimento à sua própria vida. Avalokiteshvara, Tara, e assim por diante,
disseram que, se ele fosse, isto seria muito benéfico para os seres sencientes e para os
ensinamentos. Mas, se fosse, o seu tempo de vida seria encurtado. Atisha perguntou
quanto seria. E disseram-lhe que, se não fosse, viveria até noventa e um anos, e se fosse
só viveria até setenta e três anos, o que significa que sua vida seria encurtada em quase
vinte anos. Neste ponto Atisha pensou em todos os benefícios de sua ida ao Tibet e que,
se isto implicasse em ter uma vida mais curta, ele aceitaria. Ele havia desenvolvido
tanta determinação que não se preocupava com sua própria vida.
Mas Atisha não queria ir imediatamente ao Tibet, porque a Sangha da Índia e seus
benfeitores diriam que a Índia, a própria nascente dos ensinamentos, iria declinar. Para
evitar tal conversa, Atisha usou seus meios hábeis: em vez de dizer que estava indo ao
Tibet, disse que ia fazer uma longa peregrinação de ofere-cimentos em Bodhgaya e
outros lugares sagrados, e que passaria bastante tempo viajando. Dromtoenpa, sendo
um Dharmaraja no verdadeiro sentido, habilmente se manifestou na forma de
comerciantes. Sem que ninguém suspeitasse, eles levaram de volta para o Tibet, muitas
estátuas santas do Arya Manjuvajra [uma forma de Guhyasamaya], etc. --os símbolos
dos corpos dos Budas-- bem como muitas escrituras --os símbolos da palavra iluminada
dos Budas. Atisha pediu permissão ao Ancião para viajar ao Nepal e Tibet. Lá havia
muitas stupas excepcionais e locais de peregrinação, e ele só ficaria ausente o tempo
necessário para vê-los. O Ancião observou que Atisha estava bastante inclinado a ir e
que os tibetanos estavam determinados a levá-lo, então permitiu que fosse por período
de tempo pequeno. Nagtso o tradutor prometeu traze-lo de volta em de três anos.
Assim, Atisha e seus discípulos deixaram a Índia rumo ao reino do Nepal. O rei
tibetano veio com trezentos cavaleiros e deu-lhes exuberantes boas-vindas. Dizem que
o povo local instantaneamente desenvolvia fé só ao vê-lo, e que os seus contínuos-
mentais foram subjugados.
O rei Jangchub Oe submeteu seu pedido a Atisha. Ele contou como no passado os
três Dharmarajas haviam suportado centenas de dificuldades para estabelecer os
31
ensinamentos do Buda aqui ao norte, na Terra das Neves. Mas Langdarma havia
perseguido os ensinamentos. Os próprios ancestrais de Jangchub Oe, os Dharmarajas de
Ngari, haviam restabelecido os ensinamentos do Buda no Tibet sem considerar suas
próprias vidas. Mas agora algumas pessoas se ocupavam do tantra e ignoravam o
vinaya. Outros juraram pelo vinaya e ignoravam os tantras. Os sutras e tantras eram
tidos como opostos, como quente e frio. As pessoas faziam suas próprias práticas
fantasiosas e, mais precisamente Acharya Saias Vermelhas e Acharya Saias Azuis
ensinavam uma doutrina de liberação através de relações sexuais com os praticantes de
cabelos longos dos tantras antigos. Os ensinamentos haviam declinado tanto que eram
como balelas sem sentido. Ele continuou com muitos detalhes e seus olhos se encheram
de lágrimas.
“Compassivo Atisha,” ele disse, “por ora, não ensine os Dharmas mais profundos e
surpreendentes aos seus discípulos não-civilizados do Tibet. Peço que, em vez disto,
ensine o Dharma da lei de causa e efeito. Também, que seja do agrado do protetor
ensinar compassivamente algum Dharma sem erro e fácil de praticar, um que você
mesmo pratique, que inclua todo o caminho, que seja benéfico aos tibetanos em geral, e
que englobe todas as escrituras do Vitorioso --os sutras, tantras e comentários.”
“Além disto, é preciso que alguém tenha os votos pratimoksha [de liberação
individual]11 para ser um candidato aos votos de bodhichitta em sua forma atuante?
Alguém consegue se iluminar sem a combinação de método e sabedoria? É permitido a
alguém assistir a um ensinamento do tantra sem ter recebido a iniciação? É permitido a
alguém conceder a efetiva iniciação de sabedoria [onde o discípulo recebe uma
consorte real] às pessoas com votos de celibato? É permitido realizar práticas secretas
do caminho tântrico sem ter obtido a iniciação de um mestre vajra?”
Estas são algumas das perguntas feitas por ele.
Atisha estava altamente satisfeito com isto, e então compôs Uma Luz no Caminho à
Iluminação. Em apenas três fólios ele elucida os pensamentos dos sutras e tantras. E
começa assim:
Atisha não disse “meu nobre discípulo Janchub Oe” porque havia recebido muitos
oferecimentos dele; mas sim porque estava muito satisfeito com a maneira como
Jangchub Oe havia perguntado sobre o Dharma. Meu próprio precioso guru me disse:
“Atisha não teria ficado nada satisfeito se ele tivesse pedido, ‘Por favor conceda-me
uma grande iniciação ou uma iniciação menor.’”
11
N.T. - Votos pratimoksha são: não matar, não roubar, não mentir, não tomar intoxicantes, não o ter má conduta sexual.
32
Uma Luz no Caminho responde as perguntas de Jangchub Oe. Logo depois de ter
surgido, os ensinamentos rudes e perversos no Tibet desapareceram de volta para onde
haviam vindo.
Atisha promoveu ainda mais a doutrina na área de Ngari, mas quando os três anos
estavam quase acabando, e devido à sua promessa ao Ancião, Nagtso o tradutor disse,
“Agora devemos retornar à Índia.”
Atisha pareceu consentir, então foram até Puhreng. Mas Tara havia dito
anteriormente várias vezes a Atisha, “Seria muito benéfico para os ensinamentos se
você acolhesse um grande upasika [praticante leigo] do Tibet.” Agora ela dizia
repetidamente, “O upasika logo chegará aqui,” então Atisha estava sempre atento à sua
espera.
“Meu upasika não chegou,” ele disse, “Como poderia Tara mentir!”
Certo dia Dromtoenpa apareceu enquanto Atisha estava visitando um benfeitor.
Drom foi até o quarto de Atisha e lá soube que Atisha havia ido ver seu benfeitor mas
já deveria estar voltando. “Não posso esperar mais nem um momento,”disse Drom
Rimpoche, “preso aqui enquanto ainda não me encontrei com meu guia espiritual
Mahayana. Vou até onde ele está.” Ele saiu e encontrou Atisha numa viela. Drom
Rimpoche fez prosternações longas12 e aproximou-se de Atisha, que colocou suas mãos
na cabeça de Drom enquanto pronunciava muitas coisas auspiciosas em sânscrito.
Enquanto Atisha esteve com seu benfeitor, ele havia dito, “Preciso de um pouco de
comida para meu afortunado upasika,” então ele trazia a comida. Atisha era um
vegetariano rigoroso, e a comida que havia recebido consistia de bolas de massa de
cevada fritas em ghee, Drom comeu a massa de cevada, mas guardou a manteiga
clarificada, colocando-a numa lamparina de manteiga grande o bastante para ficar acesa
a noite toda. Ele colocou-a ao lado do travesseiro de Atisha, e dizem que ele continuou
colocando lamparinas semelhantes ao lado do travesseiro de seu mestre todos os dias
pelo resto da vida de Atisha. Naquela noite Atisha deu a Drom Rimpoche uma
iniciação majoritária e adotou-o como seu filho espiritual.
Eles partiram de Puhreng e foram para Kyirong no distrito de Mangyul, com a
intenção de atravessar o Nepal a caminho da Índia, mas a passagem estava bloqueada
porque havia estourado uma guerra. Eles não podiam mais prosseguir. Então, Drom
insistiu com Atisha para que voltassem ao Tibet, enquanto Nagtso suplicava para que
continuassem a viagem à Índia; o tradutor estava frustrado porque não podiam viajar de
volta à Índia.
Atisha disse-lhe, “Você não deve se preocupar muito. Você não fez nada errado,
pois não é possível cumprir a sua promessa."
Isto deixou o tradutor muito feliz: “Muito bem,” ele disse. “Vamos voltar ao Tibet.”
Então, Atisha decidiu regressar ao Tibet. Ele não podia prosseguir até a Índia
12
N.T. - A prosternação é a prática de reverenciar um objeto sagrado ou ser superior. Há a prosternação mental (feita com
o pensamento), de palavra (através de recitação de mantras) e de corpo. A prosternação de corpo pode ser pequena ou
longa. Na primeira, toca-se o chão com os joelhos e mãos e leva-se a cabeça até o chão, na outra, leva-se o corpo inteiro ao
chão. Uma forma mais simples de prosternação de corpo é unir as palmas das mãos (como fazemos ao rezar) na direção do
objeto ou pessoa sendo reverenciada.
33
porque a estrada estava bloqueada na ocasião como resultado do karma coletivo dos
tibetanos.
Eles enviaram uma mensagem à Índia dizendo, “Atisha não pode voltar pelo Nepal
como o Ancião havia ordenado devido à luta que está sendo travada. Isto significa que
teremos que regressar ao Tibet por uns tempos. Vocês podem convidar Atisha de volta
assim que os problemas se acalmarem? Como seria muito benéfico para os seres
sencientes, podem permitir que Atisha permaneça no Tibet? Enquanto ele estiver aqui,
ele escreverá mais tratados como o que segue anexo.”Eles enviaram uma cópia
autografada de Uma Luz no Caminho de Atisha, junto com bastante ouro.
Naquela época, a Índia não era como o Tibet [do tempo atual]. Os novos livros do
ano eram submetidos a uma assembléia de panditas e cada um dos fólios passava por
fileiras de juizes para ser avaliado. Os livros que não tinham erros gramaticais ou de
conteúdo eram apresentados ao rei, e o autor recompensado. A estes trabalhos era
concedida a publicação. Os tratados de conteúdo falho – mesmo escritos
impecavelmente em versos – eram amarrados ao rabo de um cão. O cão era levado
pelas das ruelas da cidade, e assim tanto o autor quanto o livro eram ridicularizados.
Depois, pediam ao rei para que não publicasse tal tratado. A composição do Grande
Atisha na realidade não precisava ser submetida a este teste. Mesmo assim, foi
submetida aos panditas. Estes ficaram muito impressionados, porque o trabalho, de
apenas três fólios, ensinava sucintamente todos os assuntos de todo o sutra e tantra e se
alguém dependesse deste trabalho, iria considerar todas as escrituras como instruções
para si mesmo.
Satisfeitos, declararam unanimemente, “A ida de Atisha ao Tibet não foi excelente
só para os tibetanos, mas também provou ser o melhor para os indianos. Atisha não
teria escrito isto se tivesse permanecido na Índia, porque os indianos são mais sábios e
tem mais perseverança. Ele sabe que os tibetanos são obtusos e de pouca perseverança,
então escreveu este tratado breve e muito benéfico.” Eles foram pródigos em louvar a
estada de Atisha no Tibet.
Ratnakarashanti o Ancião escreveu-lhes: “Foi assim que ele foi louvado pelos
panditas, portanto dou minha permissão para que permaneça no Tibet, já que isto será
tão benéfico para os seres. Só peço que ele escreva um comentário a esta obra como
compensação por não estar aqui.” (Mas, a obra encontrada nas edições dos comentários
traduzidos, sendo supostamente o comentário do próprio Atisha, é tida como
adulterada).
Nagtso ficou muito feliz. “Eu carreguei uma montanha de responsabilidade que me
foi imposta pelo Ancião. Hoje a tirei de meus ombros.”
Pouco antes de Atisha ir à Província Central, Drom Rimpoche escreveu às pessoas
importantes de lá, dizendo: “Eu me esforcei muito para Atisha ir à Província Central,
portanto quando receberem a minha próxima carta, partam imediatamente para dar-lhe
as boas-vindas.” Mais tarde ele escreveu, “Que os mestres da Província Central, como
Kawa Shakya Wangchug, etc. partam imediatamente para dar-lhe as boas-vindas.”
Drom destacou este Kawa como o mestre mais importante do Tibet.
34
No início desta jornada, uma pessoa chamada Kutoenpa reclamou, “Onde está o
meu nome?” e responderam-lhe, “Você foi incluído entre os etceteras.”
“Eu não sou homem que mereça estar relegado aos etceteras!” disse, e tentou estar à
frente da procissão. Então todos começaram a se empurrar para ficar na posição de
liderança.
Nesta época, os mestres tibetanos costumavam usar chapéus de abas largas, capas
de brocado, e coisas assim --um costume que indicava os grandes lamas. Assim que
Atisha viu estas pessoas vindo à distância, ele disse: “Muitos espíritos nocivos do Tibet
apareceram por aqui!” e cobriu sua cabeça com seu manto. Os grandes lamas então
desmontaram, colocaram os três tipos de mantos e se aproximaram. Isto agradou a
Atisha, que então os recebeu.
Eventualmente, chegou à Província Central, e lá fez muito para girar a roda do
Dharma. Ele provou ser uma grande força atrás dos ensinamentos. Passou três anos no
Alto Ngari, nove anos em Nyetang, e cinco nas Províncias Central e Tsang – um total
de dezessete anos no Tibet. Obras como A História dos Kadampas afirmam que ele só
esteve lá por treze anos, mas nossa tradição de dezessete anos começou com o grande
Tsongkapa. Segundo ele disse:
Se você for ao Tibet, os filhos serão mais ricos do que os pais. Os netos
serão mais ricos do que os filhos. Os bisnetos serão mais ricos do que os
netos. Os tataranetos serão mais ricos do que os bisnetos. Então será menos
rigoroso.
Aqui, o pai é Atisha. Os filhos são Dromtoenpa, Legden Sherab, etc. Os netos são
os três Irmãos Kadampas [Potowa, Gampopa, Chaen Ngawa]. Os bisnetos são Langri
Tangpa, Geshe Sharawa, e assim por diante. Os tataranetos são Sangye Boenton,
Sangye Gompa, e outros daquela geração. O significado de “serão mais ricos” é que os
ensinamentos se espalharão sendo transmitidos de geração a geração. Atisha reavivou
as tradições dos ensinamentos que haviam esmorecido, e espalhou outras raras
tradições. Ele expurgou qualquer idéia errônea que estava maculando e diluindo os
ensinamentos, e portanto fez com que os preciosos ensinamentos ficassem imaculados.
Mas, a partir de então, este ensinamento nos estágios e níveis do caminho foram
obscurecidos por certos tantras inúteis e iniciações menores, e assim o ensinamento
ficou um tanto corrompido.
35
Este ensinamento sobre os estágios do caminho à iluminação foi dado a Drom.
Drom perguntou, “Porque os outros receberam instruções nos tantras, e o Lam-rim foi
dado só para mim?”
Atisha respondeu, “Não encontrei ninguém, além de você a quem confiá-lo.”
Ele deu o ensinamento a Drom em privacidade. Drom deu-o em público, e a partir
de então surgiram três linhagens. A Tradição Clássica Kadampa, foi a linhagem que foi
passada de Potowa a Sharawa. Ela tratava dos estágios do caminho à iluminação
através dos grandes clássicos. A Tradição Kadampa de Lam-rim foi a linhagem que foi
passada de Gampopa a Neuzurpa. Este era um tratamento mais curto do Lam-rim,
dando os estágios do caminho em sua seqüência. A Tradição da Instrução Oral
Kadampa veio através do Geshe Chen Ngawa a Zhoenue Oe. Este tratamento seguiu as
instruções dos gurus em ensinamentos como a essência dos doze elos interdependentes.
Estes ensinamentos ainda existem, mas não mais sob estes nomes. A interpretação
tradicional que se ramifica desde Ngagwang Norbu, um ocupante do trono de
Ganden13, afirma que os academicamente mais inclinados devem praticar o Lam-rim
segundo os cinco principais tópicos de debate.14 Isto segue a Tradição Clássica. As
pessoas que não conseguem praticar assim, mas têm percepção aguçada e perseverança,
devem estudar e contemplar os Lam-rims grande e médio [de Tsongkapa]. Esta prática
segue a Tradição Kadampa de Lam-rim. Quem não consegue praticar estas, deve
trabalhar com alguma instrução sucinta, como O Caminho Fácil ou O Caminho
Rápido. Elas estariam seguindo todas as seções dos estágios do caminho. Isto seria a
Tradição da Instrução Oral Kadampa. O meu próprio precioso guru, meu refúgio
supremo, me deu esta interpretação tradicional.
Como já disse, Je Tsongkapa pegou estas três linhagens e combinou-as em uma
única. Também já contei como o grande Tsongkapa escreveu os Lam-rims grande,
médio e pequeno. Manjushri aparecia sempre a Je Rimpoche, e eles tiveram uma
relação guru-discípulo. Manjushri deu a Tsongkapa uma quantidade infinita de Dharma
profundo de sutra e tantra. Isto está na biografia de Je Rimpoche. Portanto, alguém
pode alegar que Je Rimpoche recebeu o Lam-rim de Manjushri, mas o próprio Je
Rimpoche concentrou-se no trabalho de traçar a linhagem de volta até o nosso Mestre
Shakyamuni. Ele nunca disse que tivesse vindo de qualquer visão, ou de qualquer
linhagem mais recente, e coisas assim. Este é um dos prodígios de sua biografia15
Quando Je Rimpoche estava escrevendo Os Grandes Estágios do Caminho e havia
chegado à parte da visão especial, Manjushri disse-lhe jocosamente, “Tudo isto não
vem sob o meu ensinamento chamado Os Três Pilares do Caminho?”
Tsongkapa disse a Manjushri que escreveria o livro da seguinte maneira. Ele
utilizaria os três pilares como força vital do caminho, e utilizaria os assuntos discutidos
em Uma Luz no Caminho como ponto de partida. Então daria corpo à obra com muitas
13
N.T. O “ocupante do trono de Ganden” refere-se ao abade do Mosteiro de Ganden.
14
Estas são: o caminho do meio (Madhyamaka), cognição válida (pramana), metafísica (abhidharma), Perfeição da
Sabedoria (Prajnaparamita), e disciplina (vinaya).
15
N.T. Para melhor entender esta linhagem, favor observar o organograma e relação da linhagem que foram preparados
pela tradutora e que seguem anexos no fim do texto.
36
outras instruções Kadampa. Mas Tsongkapa pensava que mesmo se escrevesse a parte
sobre visão especial em seu grande Lam-rim, não ajudaria muito os seres sencientes.
Manjushri disse, “Escreva sobre a visão especial, pois isto trará benefício mediano aos
seres sencientes."
Há muitos destes detalhes biográficos místicos e inconcebíveis sobre ele. Neste
ponto do ensinamento eu deveria contar-lhes a biografia de Je Tsongkapa em detalhes,
mas não há tempo para isto. Vocês devem fazer um estudo detalhado das obras sobre a
sua biografia.
Este ensinamento de Je Tsongkapa inclui todos os ensinamentos de Atisha. Ele
também contém instruções inigualáveis de excepcional profundidade, através das quais
pode-se alcançar a unificação do Não-mais-aprender dentro de uma única vida, mesmo
nestes tempos degenerados. O Lam-rim de Je Rimpoche contém muitas coisas
particularmente profundas que não são encontrados nem nos Lam-rims dos Kadampas
do passado; pode-se ver isto ao lê-los em detalhes.
Agora, existem muitas linhagens tradicionais que vêm de Tsongkapa sobre o Lam-
rim. As mais famosas destas linhagens principais são as oito tradições orais associadas
aos oito grandes ensinamentos. Ontem vimos isto. Tanto A Essência de Ouro Puro e As
Palavras do Próprio Manjushri são consideradas composições segundo os sutras. O
Caminho Fácil e O Caminho Rápido são relacionadas aos tantras.
Segue aqui um pouco de como a Linhagem do Sul de As Palavras do Próprio
Manjushri foi transmitida. Este é o mais curto dos dois tipos de ensinamentos deste
texto. O Quinto Dalai Lama indicou um ensinamento mais curto quando marcou certas
passagens no texto. Ele também deu um conjunto de instruções diferentes para a
visualização do refúgio, a visualização do campo de mérito, e as visualizações da casa
de banho, etc. Estas instruções são bastante diferentes daquelas das linhagens da
Província Central. O Dalai Lama passou a Linhagem do Sul ao Lama Purchog
Ngagwang Jampa Rimpoche de Epa, que por sua vez a transmitiu a Lozang Ketsuen, a
autoridade monástica responsável pelas acomodações do Dalai Lama. A biografia de
Lozang Ketsuen tem um detalhe extraordinário. Ele era excepcionalmente inteligente e
legou muitas variantes dos ensinamentos --algumas com mais detalhes, outras com
menos. Para afastar a sua confusão, ele sabia que teria que perguntar ao próprio senhor
do Dharma, o Quinto Dalai Lama. Ele teve uma audiência e recebeu todo o
ensinamento em uma hora ou duas. O Dalai Lama nomeou-o abade de Potala. Lozang
Ketsuen passou a última parte de sua vida praticando num local solitário chamado
Lam-rim Choeding, onde atingiu um alto grau de realizações.
Lozang Ketsuen passou o ensinamento a Puentsog Gyatso, o grande adepto de
Yerpa, que completou todo o discurso prático (vide Dia Um) em três meses. Puentsog
Gyatso desenvolveu uma extraordinária realização de quietude mental e visão especial.
Ele passou este discurso prático a muitos discípulos em Yerpa. Ele desenvolveu os seus
poderes através da prática da mandala do corpo de Heruka, e considera-se que a
maioria dos lamas da Linhagem Sul seguiu este padrão.
Puentsog Gyatso passou a linhagem ao Lama Kacho Tendar de Epa, que passou ao
37
Abade Gedun Jamyang. Gedun Jamyang escreveu uma obra à parte sobre a Linhagem
do Sul, porque ele temia que alguns erros estavam se perpetuando quanto a quais
passagens de As Palavras do Próprio Manjushri haviam realmente sido marcadas pelo
Quinto Dalai Lama para o benefício da Linhagem do Sul. O livro de Gedun Jamyang
circulou só em cópias manuscritas até que Kyabje Drubkang Geleg Gyatso gravou-o
em blocos de madeira.
Gedun Jamyang passou a linhagem para Je Ngagwang Tutob, que por sua vez a
transmitiu a Tempa Gyatso, abade do Colégio de Dagpo. Enquanto Tempa Gyatso
completava os seus estudos, ele foi escalado para várias tarefas domésticas e dizem que
alcançou a visão do caminho do meio [a correta visão da vacuidade] enquanto cortava
lenha. Ele por sua vez a transmitiu ao Seto Lama Kalden. A biografia de Seto Lama
tem um fato surpreendente: Ele era totalmente desapegado de qualquer oferecimento
que recebia, não importa o que fosse: dinheiro, lenços cerimoniais, roupa de lã, e coisas
semelhantes. Ele também não dava estas coisas. Ele simplesmente as jogava numa
caverna próxima. Várias gerações depois, as moedas e a lã roída pelas traças foram
encontradas após uma busca. Ele não as tinha dado porque temia que isto mais tarde
pudesse aumentar a sua arrogância.
Então o Seto Lama passou os ensinamentos a Je Lozang Choepel, que os transmitiu
ao Geshe Tubten Rabgye. Sempre que Tubten Rabgye meditava, ele cantava a oração
de súplicas do Lam-rim e depois ficava em silêncio. Quando outras pessoas vinham
visitá-lo, achavam que ele estava dormindo, mas de fato testemunhavam sua meditação
uni-focada. Ele transmitiu a linhagem ao monge chamado Jangchub Togme.
Este homem era só um simples monge, não um geshe ou um lama. Ele vivia no
Eremitério Dragri. Depois de oferecer bolos rituais, ele praticava o Lam-rim uni-
focadamente todos os dias no gramado do lado de fora do eremitério. Ele desenvolveu
tal amor e compaixão em seu contínuo-mental que sempre estava triste. Todos os dias
os meninos que cuidavam dos rebanhos se divertiam observando-o secretamente. Para
eles, ele parecia ser apenas um velho se lastimando.
Nesta época, a Linhagem do Sul de As Palavras do Próprio Manjushri corria o
risco de se extinguir porque a linhagem deste discurso só havia sido dada a este monge.
Um abade aposentado do Colégio de Dagpo, Lozang Jinpa, que ordenou o meu próprio
precioso guru, fez uma busca detalhada de outras pessoas que teriam recebido o
discurso da Linhagem do Sul, mas descobriu que só este monge o havia realmente
recebido. Lozang Jinpo duvidou que ele fosse capaz de dar um discurso informal, mas
se não pedisse o discurso, a linhagem seria quebrada.
Certo dia, ele foi até o monge e disse, “Não há mais ninguém que detenha o
discurso da Linhagem do Sul de As Palavras do Próprio Manjushri. Seria uma grande
lástima se esta linhagem se quebrasse! Você poderia transmiti-la a mim só pelo bem da
linhagem? Eu então poderia transmiti-la a você, mas desta vez embelezado com
referências escriturais e provas lógicas.”
“Como alguém como eu pode transmitir isto?” perguntou o monge.
Ele continuou alegando ser incapaz de fazê-lo, mas quando finalmente deu o
38
discurso, acrescentou muitas instruções profundas que eram unicamente resultado de
suas experiências pessoais. Je Lozang Jinpa ficou atônito.
Em seu louvor Lozang disse, “Para a minha vergonha eu disse-lhe, ‘Vim só para
receber a transmissão.’ Ele é um grande geshe Kadampa da Tradição das Instruções
Orais.”
O próprio Lozang Jinpa havia alcançado uma extraordinária concentração uni-
focada de quietude mental e visão especial. Ele, também, desenvolveu isto com a
prática da mandala do corpo de Heruka. Ele vivia no Mosteiro Bangrim Choede do
Baixo Dagpo. Je Kelzang Tenzin era o seu irmão mais novo, que mais tarde foi viver
no Eremitério Lhading no Alto Dagpo. Ele muitas vezes dizia que Je Lozang visitaria
Lhading, mas Lozang nunca conseguia se afastar. Algum tempo depois, enquanto
estava em absorção meditativa, Lozang viu cada detalhe do eremitério, tanto do lado de
dentro quanto de fora.
“Eu dei uma olhada em seu eremitério e vi tudo,” Lozang disse a Kelzang Tenzin
quando recebeu sua visita. Ele até falou a Kenzang de detalhes como as árvores de
zimbro à direita e à esquerda da casa. “E há uma coisa grande e branca que se mexia
numa das sacadas da casa. O que é isto?” perguntou. Era uma cortina sendo agitada
pelo vento. Lozang Jinpa havia visto isto em sua absorção meditativa.
Lozang Jinpa passou a linhagem ao seu irmão Kelzang Tenzin. Kelzang mais tarde
tornou-se um grande adepto de sutra e tantra. Quando dava ensinamentos, raios brancos
de luz eram emitidos pelos seus olhos e circulavam toda a platéia de discípulos. Ao
final dos ensinamentos, os raios se dissolviam e voltavam aos seus olhos. As pessoas
viram isto muitas vezes. Muitos ficavam pasmos ao vê-lo dando ensinamentos
enquanto ao mesmo tempo andava no caminho de circumambulação, e coisas assim.
Ele tinha visões de todo o campo de mérito da prática do Guru Puja. Quando morreu,
havia no topo de seu crânio um desenho milagroso do campo de mérito do Guru Puja.
Isto ainda está no Eremitério de Lhading.
Ele deu ensinamentos a Kelzang Kedrub, que também conseguiu poderes
clarividentes através das práticas de Heruka. Por sua vez, ele as transmitiu ao meu
próprio e precioso guru, meu refúgio e protetor.
Esta foi a explicação rápida de como a Linhagem do Sul de As Palavras do Próprio
Manjushri chegou até nós. Vocês devem conhecer isto em mais detalhes. Procurem nas
biografias.
Agora, quanto a Linhagem da Província Central de As Palavras do Próprio
Manjushri. O grande Quinto Dalai Lama transmitiu-a a Jinpa Gyatso, um ocupante do
trono de Ganden. Eventualmente a linhagem veio até Lozang Lundrub, outro sucessor
do trono de Ganden. Je Lozang Jinpa a recebeu dele.
Os discursos informais de O Caminho Rápido têm a seguinte história. O Que Tudo-
Vê, Panchen Lama Lozang Yeshe, ditou o texto mas nunca ninguém solicitou os
discursos de linhagem. O Panchen Lama ficou parcialmente cego na velhice, e quando
alguém queria uma transmissão oral de algumas páginas importantes do texto elas
tinham que ser re-escritas em letras bem graúdas. O grande adepto Lozang Namgyal
39
estava na época no Eremitério Jadrel. Ele leu O Caminho Rápido e achou que a
posteridade ficaria empobrecida se não obtivesse a linhagem de seus discursos. Ele
embrulhou seus pertences e foi até Tashi Lhumpo. Lá, disse ao atendente do Panchen
Lama que queria a transmissão da Coletânea de Obras do Panchen Lama; e que estava
especialmente interessado em receber o discurso de O Caminho Rápido.
Agora, Lozang Namgyel era apenas um monge comum, mas estava pedindo muito
e a visão do Panchen Lama estava fraca. O atendente ficou perplexo e ralhou com
Lozang Namgyal redondamente; Lozang voltou para casa mas não podia suportar a
situação. Ele fez o pedido mais três vezes, mas o atendente nada fez a respeito. Em
desespero, Lozang Namgyel disse, “Ouça, eu não estou pedindo a você para dar um
ensinamento! Leve meu pedido ao Panchen Lama!” O atendente perdeu a calma e
contou ao Panchen Lama ainda sentindo raiva. O Panchen Lama, no entanto, estava
muito feliz em dar a transmissão a Lozang Namgyal, e durante todo o ensinamento ele
não teve nenhum problema com sua visão.
O meu próprio e precioso guru me contou esta estória várias vezes. Mesmo assim,
Lozang Namgyal não está na lista oficial de nossos gurus de linhagem Supõe-se que
tenha vindo até nós através de Purchog Ngagwang Jampa como está claro na recitação
do rito preparatório intitulado Um Ornamento para as Gargantas dos Afortunados.
[vide Dia Seis]
Portanto, agora dei um breve esboço da grandeza dos autores, embora não tenha
mencionado todos os lamas e seus discípulos. Se fosse fazê-lo em detalhes, teria que
seguir os dois volumes de biografias dos gurus de linhagens escritas por [Yeshe
Gyaltsen] um tutor de Sua Santidade o Dalai Lama. Pelo menos foi isto que meu
próprio precioso guru disse. Não temos tempo para isto, mas se conseguirem uma cópia
do livro, devem lê-la sempre.
Agora, ao fim de qualquer ensinamento sobre uma estória de vida, devemos fazer
orações como:
Oh guru, que o meu corpo seja
Exatamente como o seu,
Que o meu séquito, vida, e arredores
Se tornem os mesmos que os seus;
Que até meu próprio nome
Seja o seu nome supremo.
Devemos também meditar na alegria que devemos sentir.
40
BUDA
Maitreya Manjushri
Método Sabedoria
Parte Extensa Parte Profunda
Bodhichitta Vacuidade
Asanga Nagarjuna
Atisha
Lam-rim
Kadampas
Estágios do Instruções de
Clássicos
Caminho Linhagem
Je Tsong Khapa
41
Guru Buda Shakyamuni
Maitreya Manjushri
Asanga Nagarjuna
Vasubhandu Chandrakirti
Vimuktisena Vidyakokila mais velho
Vimuktisenagomin Vidyakokila mais jovem
Paranasena (Avadhutipa)
Vititasena
Cairochana
Haribhadra
Kusali
Ratnasena
Suvarnavipi
Atisha
Dromtoenpa
Gelugpa Lineage
42
Je Tsongkhapa
Jampel Gyatso
Kaedrup Rinpoche
Basoje
Choekye Dorge
Gyalwa Ensapa
Sangye Yeshe
Lozang Choekyi Gyaeltsen (Primeiro Panchen Lama)
Koenchog Gyaelsen
Lozang Yeshe (Segundo Panchen Lama)
Purchog Ngagwang Jampa
Lozang Nyaendrag
Yoentaen Ta –yae
Tempa Rabgye
Lodroe Zangpo
Lozang Gyatso
Tenzin Kedrub
Lozang Lhumdrub Gyatso
Jampa Tenzin Trinle Gyatso (Pabongka Rimpoche)
Lozang Yeshe Tenzin Gyatso (Trijang Rinpoche)
43
DIA TRÊS
Como disse Shantideva:
“Perceber que todos os ensinamentos são consistentes” significa que cada pessoa
coloca em prática estes ensinamentos para se iluminar.
“Ser consistente” significa “ser harmonioso.” O Mahayana, Hinayana, Vinaya,
tantras, etc. parecem se contradizer se analisados do ponto de vista literal, mas todos
eles ou são a prática principal que nos leva à iluminação, ou um caminho secreto que
leva à iluminação. São, portanto, consistentes. Suponha que você esteja com uma febre
alta. Inicialmente o seu médico proibirá o consumo de carne, álcool, etc. Ele diz: “Se
não abandoná-los, pode ser fatal para você.” Mais tarde, quando a febre sair da crise e
houver um excesso de vento16 o médico recomenda comer carne, álcool, etc. Agora,
isto foi dito só a uma pessoa e só há uma pessoa dizendo-o. As duas afirmações, a
primeira proibindo carne e álcool, e a posterior permitindo-os, parecem inconsistentes,
mas não é assim. Ambas foram ditas visando a cura do paciente.
Você pode também sentir, “Hinayana, Mahayana, sutras, tantras, etc foram talhados
para discípulos específicos então estes ensinamentos não são todos obrigatórios na
prática de uma pessoa para iluminar-se.” Novamente, isto não está certo. Quem falou,
estava falando a uma pessoa sobre as práticas para a iluminação. Quando aquela pessoa
estava no nível de Pequena e Média Capacidades, o Buda explicou primeiro a cesta
Hinayana dos ensinamentos17 A pessoa deveria meditar em coisas como
impermanência e sofrimento. Depois de algum progresso, a pessoa chegaria então ao
nível de Grande Capacidade, e ele então explicava a cesta Mahayana. Neste nível a
pessoa recebia as explicações sobre bodhichitta, as seis perfeições, e coisas assim.18
Então, a pessoa se tornava um recipiente adequado para os tantras, e Buda explicava o
16
Segundo a medicina tibetana, três humores governam a condição dos seres sencientes: vento, bilis e fleugma. Quando
estão equilibrados, a saúde é mantida, mas o menor desequilíbrio produz a doença.
17
N.T. Os ensinamentos eram guardados em rolos dentro de cestas e eram agrupados nas cestas conforme o conteúdo, por
exemplo, a cesta de Abidharma (ensinamentos metafísicos) a cesta do vinaya (votos e regras monásticas), e a cesta dos
sutras (ensinamentos).
18
N.T. Bodhichitta é a mente altruísta que almeja a iluminação pelo bem de todos. As seis perfeições são: generosidade,
moralidade, paciência, esforço entusiástico, concentração e sabedoria.
45
Vajrayana, os dois estágios [de Tantras Iogas Superiores] e as práticas tântricas [de
consorte]. Mas, todas estas práticas são adequadas para que alguém como você siga e
alcance a iluminação. Assim, qualquer escrituras do Vitorioso pertence ou ao fluxo
principal do caminho ou a um de seus caminhos secretos; nenhuma destas escrituras é
supérflua para a prática que leva à iluminação.
A principal preocupação de um Bodhisattva é trabalhar pelo bem dos seres
sencientes. Portanto, o Bodhisattva deve ensinar os três caminhos que levam aos três
tipos de discípulos [Shravaka, Pratyekabuda, e Bodhisattva] às suas formas particulares
de liberação. Mas se os Bodhisattvas não conhecerem estes caminhos não poderão
ensiná-los aos outros. [Dharmakirti] diz em seu Comentário de Coisas Válidas: “Os
meios para estes fins são obscuros; e é difícil discuti-los.” O caminho que leva a uma
compreensão dos caminhos que pertencem aos três veículos é algo que os Bodhisattvas
devem desenvolver em seus contínuos-mentais para terem certeza das rotas diferentes
para conseguir algum benefício para os outros. Um sutra diz:
46
verdades, e trabalhar pelas [duas últimas destas verdades]19 e a prática dos três
treinamentos superiores.20 O nível de Grande Capacidade contém as práticas que
causam a excelência definitiva da onisciência – práticas como desenvolver a
bodhichitta, as seis perfeições, etc. Portanto, todos estes tópicos formam uma prática
harmoniosa que leva a pessoa até a iluminação e devem ser compreendidas como sendo
completamente consistentes.
Dromtempa, um dos reis do Dharma, disse: “Meu lama sabe como considerar todos
os ensinamentos como os quatro cantos de um caminho de quatro lados.” Estas são suas
palavras exatas, que já foram interpretadas de várias formas. Os quatro cantos são as
três Capacidades, com o tantra sendo a quarta. Ou então, não importa como se joga um
dado, uma face quadrada sempre cai virada para cima, de forma similar, cada tópico de
meditação inclui em si todo o caminho.
Pode-se seguir estas explicações, mas meu próprio precioso guru, meu refúgio e
protetor, disse-me:
47
Atualmente, ninguém considera as escrituras dos Vitoriosos – como, por exemplo,
As Palavras de Buda Traduzidas como algo a ser colocado em prática, mas sim como
algo a ser recitado em cerimônias. As pessoas realmente estudam os clássicos dos dois
antepassados [Asanga e Nagarjuna] que comentam estas escrituras, mas o fazem apenas
para citá-los nos debates. Até mesmo o mais erudita dos estudiosos, quando está preste
a embarcar em alguma prática de meditação, não sabe como integrar qualquer um
destes textos às suas práticas, apesar de uma vida inteira estudando e contemplando-os.
Eles procuram pessoas com a reputação de grande meditador, mas na realidade não
sabem nada, ou estudam algumas sadhanas de como observar o funcionamento
consciente da mente; depois, servilmente, meditam nessas coisas. O Grande Tsongkapa
disse o seguinte:
Note também: há uma diferença entre realizar que toda escritura é consistente e
tomar todas as escrituras como instruções. Ter a primeira realização não significa
necessariamente que tenha a segunda. Mas se tiver a segunda, necessariamente terá a
primeira.
50
próprio precioso guru, meu refúgio e protetor, disse-me que em geral eles são os três
níveis do Lam-rim; porém, e mais importante, eles reduzem-se à necessidade de
praticar os três pilares do caminho. Isto certamente é correto. O grande Tsongkapa
esclareceu os pensamentos dos Vitoriosos sobre a visão correta. Em Os Três Pilares do
Caminho Tsongkapa disse:
Na realidade, isto diz que você não terá compreendido os pensamentos do Vitorioso
se não tiver realizado a visão correta – o que significa que a força da sua realização
daquela visão é que lhe permite finalmente alcançar os pensamentos do Vitorioso. No
mesmo poema, Tsongkapa diz, “...a importância da essência das escrituras dos
Vitoriosos...” Isto se refere ao pilar da renúncia. Ele continua dizendo, “...o caminho
louvado pelos Vitoriosos e seus Filhos...” Isto se refere ao pilar da bodhichitta. Por fim,
ele diz, “...o portal dos afortunados que desejam a liberação...” Isto se refere ao pilar da
visão correta. Portanto, está implícito que você ainda precisa dos outros dois pilares:
renúncia e bodhichitta. Portanto, ao confiar no Lam-rim, você descobre com facilidade
que o tópico dos grandes clássicos almeja o desenvolvimento destes três pilares em seu
contínuo-mental. Então, você terá facilmente descoberto os pensamentos do Vitorioso.
Suponha que os grandes clássicos fossem um oceano. Os pensamentos do Vitorioso
– os três pilares do caminho, por exemplo – seriam as jóias dentro deste oceano; o
Lam-rim seria o barco; o guru que ensina o Lam-rim seria o capitão. Embora o oceano
contenha três jóias, você só perderia a sua vida se as procurasse sem o barco. Se não
fizer um uso similar do Lam-rim, será difícil descobrir os pensamentos do Vitorioso,
mesmo se consultar estes grandes clássicos. Você deve depender de um guru, o hábil
capitão, subir no barco, o Lam-rim, e então facilmente encontrará as jóias nos clássicos:
estes pensamentos supremos.
51
os obscurecimentos que resultam são muito graves. O Sutra Tecendo Tudo Junto diz:
Manjushri, os obscurecimentos que resultam do karma de abandonar o santo
Dharma são sutis. Manjushri, abandona-se o Dharma quando considera
alguma escritura do Tathagata boa e outra ruim. Quem abandona o Dharma,
como resultado, também deprecia os Tathagatas; e também fala mal da
Sangha. Abandona-se o Dharma ao alegar, “Esta [escritura] é correta,” e
“Esta é incorreta.” Abandona-se o Dharma ao alegar, “Isto foi ensinado para
Bodhisattvas,” ou “Isto foi ensinado para Shravakas.” Abandona-se o Dharma
ao alegar, “Isto foi ensinado para Pratyeka-buddhas.” Abandona-se o Dharma
ao alegar, “Isto não é algo em que um Bodhisattva deve treinar-se.”
Se estiver convencido das três primeiras destas grandezas, você não vai ignorar
nenhum dos ensinamentos do Vitorioso; e renderá o mesmo respeito a todos eles, pois
todos são para serem postos em prática. Você deve se proteger contra considerar
alguma parte do Dharma boa e outra parte ruim – o maior fator que contribui para o
abandono do Dharma. Além do mais, se pensar em como se devotar corretamente ao
seu guia espiritual, você estará livrando-se de quaisquer obscurecimentos kármicos que
possa ter em relação a ele. E, ao se convencer, por exemplo, da verdade do perfeito
renascimento humano ou da impermanência, automaticamente deixará de cometer atos
nocivos relacionados ao apego a esta vida. Você cessará o seu comportamento instável
associado à auto-estima egoísta quando seguir o tópico de meditação sobre bodhichitta.
Você então se treinará no tópico de meditação sobre a ausência do ego, ocasião em que
dará um fim ao seu apego ao ego. Automaticamente você cessa todo o seu
comportamento mais instável e não-Dharmico como resultado de desenvolver a
realização de cada tópico de meditação do Lam-rim.
Vou dar um exemplo para explicar como estas três primeiras grandezas promovem
o seu desenvolvimento. Suponha que vá pintar uma imagem religiosa. Como você sabe,
é preciso reunir as condições certas: você deve ter todo o material para a pintura – uma
tela, tintas, pincéis, etc. Este conhecimento é análogo à realização de que toda escritura
52
é consistente. Você deve saber como pintar, como utilizar todo este material – assim
como deve tomar todas as escrituras como peças de instruções. E fazer um bom
trabalho de pintura é similar a descobrir com facilidade os pensamentos do Vitorioso.
Estas quatro grandezas são tomadas convencionalmente de duas maneiras: as quatro
grandezas da apresentação (as próprias palavras usadas), e as quatro grandezas do
tópico (o significado destas palavras). As escrituras têm estas quatro associadas à
apresentação. Porém, dizem que é mais importante que a pessoa tenha as quatro
associadas ao tópico.
Isto conclui as quatro grandezas. O Lam-rim possui, além destas quatro, mais três
características: (1) o lam-rim é completo porque contém todos os tópicos do sutra e
tantra; (2) é fácil de se colocar em prática porque enfatiza os passos para domar a
mente; (3) é superior às outras tradições porque contém instruções dos dois gurus que
estudaram nas tradições dos dois antepassados.
53
Mesmo por um tempo pequeno, ganha-se
Os benefícios de estudar e discutir
Todo o santo Dharma.
Contemple seu significado,
Pois isto certamente é poderoso.
22
Os remédios tibetanos muitas vezes são chamados pelo nome do principal ingrediente seguido de um número para
indicar quantos ingredientes são no total.
54
elevado êxtase que o samsara pode oferecer. Nossas próprias mentes foram
responsáveis por isto. Nada é considerado melhor do que o Lam-rim para pacificar a
mente; o Lam-rim dá grande ênfase nos meios para alcançarmos isto. Portanto, o Lam-
rim é fácil de ser colocado em prática.
Ou seja, este título determinará se os ensinamentos que seguem terão efeito sobre
seu contínuo-mental. Será difícil traduzir meus ensinamentos em contemplação e
meditação se não entender este título, assim como erraria todas as datas até o décimo
23
N.T. Estes são os gurus que lideram as linhagens de sabedoria (vacuidade) e método (compaixão) conforme foi visto no
Dia Dois.
55
quinto dia [lua cheia] se tomar o dia errado como sendo o primeiro do mês lunar [lua
nova].
Há três títulos neste ponto: (1) como ouvir o Dharma; (2) como ensinar o Dharma;
(3) o que discípulos e mestre devem fazer juntos ao final.
Isto é, por virtude de seu estudo, você saberá todos os pontos chaves para modificar
o seu comportamento. Você compreenderá o significado da cesta vinaya e, como
resultado, deixará de cometer ações nocivas por estar seguindo o treinamento superior
da ética. Você compreenderá o significado da cesta do sutra, e como resultado
abandonará coisas sem sentido como distrações [triviais], por seguir o treinamento
superior da concentração uni-focada. Você compreenderá o significado da cesta
abhidharma, e então abandonará os enganos por meio do treinamento superior da
sabedoria. Portanto, o seu estudo o permitirá atingir o nirvana.
Em Os Contos de Jataka está dito;
56
Que não lhe faz nenhum mal.
É a melhor das forças tarefas
Para despachar contra seus maus atos.
É um fundo supremo
De fama e glória.
Você não tem melhor talento
Ao encontrar pessoas dotadas.
Você impressionará os eruditas
De qualquer assembléia.
Em outras palavras, não se pode ver nada num quarto totalmente escuro, apesar de
estar cercado por muitas coisas e ter os olhos bem abertos. De forma similar, você pode
ter o olho da sabedoria, mas sem a lamparina do estudo, nada saberá dos pontos
exigidos para modificar o comportamento. Se acender uma lamparina no quarto escuro,
você conseguirá ver com nitidez todas as coisas dentro dele; assim, com a lamparina do
estudo e o olho da sabedoria você poderá compreender todos os fenômenos.
Os Níveis de Bodhisattva [de Asanga] fala em detalhe destes benefícios, e de como
ouvir os ensinamentos com as cinco atitudes. A primeira atitude é considerar o
57
ensinamento como um olho, por meio do qual desenvolve-se cada vez mais sabedoria.
Depois, deve-se considerar o ensinamento como uma luz, pela qual este olho de
sabedoria vê a verdade relativa e suprema. Deve-se considerá-lo como algo precioso
que só ocorre raramente no mundo. Considere o ensinamento como muito benéfico, e
através dele obterá os frutos apreciados pelos grandes Bodhisattvas. Por último, deve-se
considerá-lo como algo totalmente não proibido, porque vai lhe capacitar alcançar a
quietude mental e a visão especial.
Os seus estudos são também posses supremas que ninguém pode tirar-lhe. Ladrões
podem carregar seus bens mundanos, mas não podem tirar-lhe as sete jóias dos Aryas –
ou seja, seus estudos, etc – nem as boas qualidades da educação, ética e bom coração.
Até nos melhores tempos, os seus bens materiais dão muita dor de cabeça, por
exemplo, quando retorna à sua cidade natal, que posse levará na viagem? Os seus
estudos não são assim. Você pode até levá-los consigo quando morrer. Por isso dizem
que é muito importante que nós, simples monges, não devemos ansiar por chaleiras
ricamente decoradas com alças de bronze, ou por panelas de cobre, e coisas assim;
devemos ansiar é pelas sete jóias dos Aryas.
O estudo é como uma arma para vencer seu inimigo: a sua cegueira. Pelo estudo,
você destruirá todos os seus enganos – o seu verdadeiro inimigo. O estudo é também o
seu melhor amigo, que nunca lhe dará um conselho errado. Os seus estudos anteriores o
aconselharão sobre qualquer ação específica: se a hora é certa para agir, como agir na
hora certa, como evitar agir se a hora é errada, seus benefícios, suas desvantagens, etc.
Meu próprio e precioso guru me disse, “Enquanto o Rei Lhalama Yeshe Oe estava
sozinho na prisão, ele ficou cada dia mais determinado. Isto aconteceu por causa dos
conselhos que recebeu de seu companheiro – seus estudos anteriores.”
O estudo é também um parente que nunca lhe esquece em tempos difíceis. Parentes
comuns fingem ser seus amigos quando você está bem de vida; quando os tempos estão
ruins, eles fingem não reconhecê-lo. Mas o estudo é o melhor dos parentes, pois lhe
será particularmente útil quando a época for difícil e você estiver sofrendo, doente,
morrendo, etc.
Antes do grande Tsechogling Rimpoche se tornar tutor de um dos Dalai Lamas,
havia uma época em que ele era pobre. Ele encontrou na estrada um tio que viajava
para fazer comércio. Tsechogling Rimpoche disse-lhe algo, mas o tio falou como se
não conhecesse Rimpoche. Quando Rimpoche passou a ser tutor do Dalai Lama e
ocupou uma das mais altas posições de autoridade, o tio foi vê-lo, apresentando-se
como tio.
Certa vez havia um homem que começou a vida pobre. Ninguém se dizia seu
parente. Depois ele ganhou um dinheiro com o comércio e muitas pessoas apareceram
alegando serem parentes. Ele chamou todos para almoçar com ele. Ele colocou montes
de dinheiro na cabeceira da mesa, e depois, recitou o seguinte verso enquanto se
prosternava perante o dinheiro: "Um homem que não era meu tio tornou-se meu tio. Oh
montes encantadores de dinheiro, eu vos rendo homenagem!" Ou seja, não se pode
confiar em parentes comuns.
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Se devemos buscar nossos parentes há muito perdidos, porque não buscar o estudo,
a contemplação e a meditação. Aliás, no Lam-rim de Ketsang a última linha do verso
mencionado acima diz: “Oh, meu vale-refeição, eu rendo-lhe homenagem!” Mas a
versão que dei é exatamente como o meu próprio precioso guru costumava contar esta
história.
O estudo é também o remédio para os enganos, e um exército a ser despachado
contra a não-virtude. É também o melhor deposito de fama e glória; o melhor prêmio a
se obter dos seres santos; a melhor maneira de conseguir o respeito dos eruditos.
Os Contos de Jataka também diz:
Isto é, o estudo tem infinitas qualidades boas. Você desenvolverá fé nas boas
qualidades das Três Jóias através do estudo; e então se esforçará para fazer
oferecimentos aos Budas e assim por diante. E também por causa de sua fé nas leis
fixas do karma, ficará feliz em modificar o seu comportamento, etc. Você
compreenderá os defeitos das duas primeiras das quatro verdades [sofrimento e origem
do sofrimento], e as boas qualidades das duas últimas [a cessação e o caminho].
Portanto, estará sempre trabalhando para chegar à sua meta final [a Budeidade].
Nos dizem, “É correto até cortar e vender a própria carne para conseguir estudar.”
Mas, agora que consegue estudar no conforto, sem precisar mutilar o seu corpo, você
deve estudar o melhor possível. O verso acima foi dado ao Bodhisattva [Principe]
Chandra [Vyilingalita, uma das vidas prévias de Shakyamuni], depois que ele pregou
mil pregos em seu corpo para cada linha no verso.
A profundidade do estudo determina quantas vezes você precisa contemplar. Esta
quantidade determina o tempo para desenvolver a compreensão através de suas
meditações e, por sua vez, você chegará a ter sabedoria.
Os jovens devem estudar os cinco temas de debates, quando entram nos grandes
mosteiros. Há uma enorme diferença entre quem estudou e quem não estudou – mesmo
o que reconhece ser as Três Jóias. Talvez você tenha filhos para cuidar. Se você leu
muito pouco, não deve criá-los para ser como você. Faça-os estudar e em sua próxima
vida desenvolverá a mesma sabedoria deles agora. Os velhos com pouca inteligência
podem querer estudar os grandes clássicos, mas a morte interromperá seus estudos
antes que se livrem dos conceitos errôneos. Estas pessoas são, portanto, incapazes de
completar muito estudo. Mas estudando algo como o Lam-rim, podem conseguir certa
compreensão de todo o caminho. Tsongkapa certa vez disse ao Panchen Lama Lozang
Choekyi Gyalten em sonho:
59
Observem os Bodhisattvas no terceiro nível,
Eles estão insatisfeitos com a quantidade de seus estudos.
Ao ouvir seus ensinamentos, renda aos mestres do Dharma o mesmo respeito que
renderia a nosso Mestre Buda.
Os Níveis do Bodhisattva de Asanga, diz que devemos ouvir livres de enganos e
sem a mente se distrair com as cinco coisas (abaixo). Devemos também estar livre de
orgulho. Há ainda a menção de seis coisas que devem estar presentes ao ouvir: (1) o
momento certo; (2) consideração; (3) respeito; (4) falta de raiva; (5) o fato que mais
tarde colocará os ensinamentos em prática; (6) não procurar defeitos no mestre.
Vejamos o primeiro: o momento certo. O guru deve dar um ensinamento se isto o
deixa feliz, se não tem outras ocupações naquele momento, etc. Então, não devemos
pedir ou ouvir seus ensinamentos sempre que nos for conveniente, pois isto seria muito
presunçoso e egoísta. Geshe Potowa certa vez se hospedou no Mosteiro Kakang no
planalto da Província Central para editar vários textos escriturais. Um homem veio até
ele e pediu ensinamentos. Geshe Potowa levantou e adotando uma atitude zangada,
mandou o homem embora. O homem saiu logo, o que mostra que devemos ser
habilidosos quanto ao momento certo.
60
Mostra-se “consideração” fazendo prosternações e levantando-se na presença do
mestre. Render “respeito” inclui lavar suas mãos e pés. “Falta de raiva” é não se
aborrecer se precisar fazer algum trabalho por ele. “Procurar defeitos” é reclamar.
Poderia significar também desprezar o Dharma e seus mestres – um ato relacionado aos
seus enganos.
Também não se deve fixar-se em cinco coisas: sua ética degenerada, sua casta
baixa, suas roupas pobres, sua voz desagradável ou maneira pobre de falar, e seu uso de
palavras rudes. Deve-se abandonar qualquer idéia de ver estas cinco coisas como
defeitos.
Isto tem duas partes: (1) abandonar os três tipos de falhas que impedem a pessoa de se
tornar um recipiente digno, (2) cultivar as seis atitudes auxiliares.
Estes três são: (1) a falha de ser como um recipiente virado para baixo; (2) a falha de
ser como um recipiente sujo; (3) a falha de ser como um recipiente com um vazamento
no fundo.
Se um recipiente está virado para baixo, não importa quanto líquido nutritivo seja
despejado nele, nada entrará. Você pode estar assistindo a um ensinamento, mas nada
compreenderá se sua mente estiver distraída e seus ouvidos não estiverem captando o
que está sendo dito. Não há diferença entre isto e não ir ao ensinamento. Você deve
ouvir como uma corça – um animal muito apegado ao som. Dê toda a atenção ao
ensinamento. Mas, “dar toda a atenção” não é ouvir o Dharma só com metade da
atenção e ter a outra metade da mente distraída. Significa que deve acompanhar todo o
ensinamento de perto. Seja como a corça: devido ao seu apego ao som, fica tão absorta
[quando alguém toca uma flauta] que um caçador pode atirar suas flechas com
facilidade.
Um recipiente pode não estar virado para baixo, mas se conter veneno então tudo
que for despejado nele não servirá mais para ser usado, mesmo se antes era salutar. Os
seus ouvidos podem estar captando tudo, mas alguns de vocês podem estar motivados
por pensamentos de progredir nos estudos, e outros motivados por pensamentos de
61
repetir o que ouviram para outras pessoas, e coisas assim. Ser motivado por um anseio
pela paz [da liberação] só para si é um progresso nestas motivações, mas ainda é falho e
então se assemelha a um recipiente sujo. Portanto, é preciso pelo menos ouvir com a
bodhicitta induzida como sua motivação.
Um recipiente pode não estar virado para baixo nem sujo, mas se o fundo estiver
vazando não reterá líquido algum, não importa o quanto despejar nele. Os seus ouvidos
podem estar captando tudo e a sua motivação pode ser impecável, mas a menos que
ouça cuidadosamente você esquecerá tudo imediatamente. É muito difícil tomar as
medidas para evitar esquecer um ensinamento, portanto devemos usar algo como um
lembrete – um livro ou um conjunto de subtítulos por exemplo. Devemos repassar
continuamente o material pensando, “O que foi ensinado neste ponto específico?” E, o
mais importante, reunam-se entre as sessões dos ensinamentos e repassem um pouco o
que foi dito.
Quanto a abandonar estas falhas do recipiente, em um sutra o Bhagavan salientou
“ouvir bem, ouvir da melhor maneira, e reter na mente.” “Ouvir bem” refere-se a
abandonar a falha do recipiente sujo, “ouvir da melhor maneira” refere-se a abandonar
a falha do recipiente virado para baixo; e “reter na mente” significa abandonar a falha
do recipiente com um vazamento no fundo. É assim, então, que devemos ouvir.
Estas são: (1) a atitude que você é como um paciente; (2) a atitude que o Dharma é
como o remédio; (3) a atitude que o seu guia espiritual é como um médico habilidoso;
(4) a atitude que a prática diligente é como a cura; (5) a atitude que o seu guia espiritual
é um ser santo como os Tathagatas; (6) a atitude que o Dharma deve permanecer por
muito tempo.
Esta atitude é vital, pois as outras seguirão naturalmente. Pode parecer perverso
meditar que somos pacientes quando não estamos doentes, mas o ponto aqui é que
estamos seriamente doentes com a doença dos enganos. Como o Geshe Kamaba disse,
pode ser perverso alguém que não esteja doente meditar assim mas, embora não
saibamos, estamos de fato com a doença grave e crônica dos três venenos: apego, raiva
e ignorância.
Podemos estar pensando: “Como posso estar doente sem saber?” Mas, quando
temos uma febre alta, podemos delirar, cantar, etc. e não nos sentirmos doentes.
62
Estamos também seriamente doentes com os enganos e não temos consciência disto.
Novamente, você pode pensar: “Se eu tenho uma doença não deveria sentir dores?
Mas não sinto.” Mas de vez em quando você sente as dores agudas que vem dos três
venenos. Você pode estar pensando, “Como assim?” Suponha que vá ao mercado e veja
um artigo atraente que é muito caro. Quando volta para casa, fica muito aborrecido
pensando em como conseguí-lo. Esta é a dor do apego. Quando vê, ouve ou recorda
algo desagradável – um comentário ferino, por exemplo – você se sente angustiado.
Isto é um exemplo da dor da hostilidade. Examine esta parte em detalhe e analise o
orgulho, ciúme, etc. Os enganos são doenças sérias, dolorosas, intoleráveis e crônicas.
Assim, você contraiu muitas doenças – as doenças do apego, hostilidade, ciúme, e
assim por diante. Você é cuidadoso para não contrair nem mesmo uma doença comum,
mas sofrer dos vários enganos em nada o preocupa. Shantideva afirma em Engajando-
se nos Feitos dos Bodhisattvas:
Se você está doente, não tem médico e simplesmente toma um remédio por conta
própria, você pode se enganar quanto à sua condição – se é doença quente ou fria, por
exemplo – e quanto aos estágios que a doença alcançou. O remédio que toma pode não
ajudar e pode até colocar em risco a sua vida. Seguramente, é preciso confiar num
médico habilidoso. Talvez você não confia num guia espiritual, mas acha que é
63
suficiente praticar Dharma dos livros. Mas, não desenvolverá realizações ou
compreensões de suas recitações, meditações etc. O seu contínuo-mental ficará cada
vez mais fixo em suas próprias maneiras. Então, quando decidir que deve praticar o
Dharma, deve confiar seriamente num guia espiritual assim como confiaria num
médico habilidoso. Como paciente, você fica muito feliz quando encontra o médico
certo. Você escutará o que o médico diz, e o tratará respeitosamente. Você deve fazer o
mesmo quando encontrar um guia espiritual. Como está dito em O Sumário das
Qualidades Boas e Preciosas:
É o remédio que ajuda o paciente, mas talvez você não siga o conselho do médico e
simplesmente deixa o remédio ao lado de sua cama. Se não melhorar, não pode culpar o
médico, porque não seguiu suas recomendações e não pode culpar o remédio porque
nem mesmo o tomou.
O guia espiritual é como um médico habilidoso, mas se ouvir muitas instruções
orais, que são como o remédio para pacificar a doença dos enganos, e não colocá-las
em prática, as instruções não trarão benefício ao seu contínuo-mental, não importa quão
profundas ou vastas sejam. Você não deve culpar o guru, nem culpar o Dharma. A falha
foi toda sua. Como diz O Sutra Soberano da Concentração Uni-focada:
64
Eu lhe ensinei bem o Dharma,
Se não fizer um bom uso de seus estudos,
Você será como o paciente que deixa o remédio
Dentro da caixa, pensando,
“Isto não pode curar a minha doença.”
Então, não basta ter o remédio; para ser curado é preciso administrá-lo corretamente
e seguir os conselhos do médico. Você deve aplicar o seu conhecimento no significado
das instruções orais para pacificar esta doença dos enganos e colocar estas instruções
em prática. Em Os Grandes Estágios do Caminho [de Tsongkapa] encontramos:
Com o estudo vem a compreensão, mas ela deve ser utilizada. É, portanto, vital
colocar em prática o máximo possível do que estudou.
Em O Sutra de Súplica ao Altruísmo diz o seguinte sobre as pessoas cujos hábitos
tem sido o de ter uma longa lista de iniciações e ensinamentos recebidos, mas nada
colocar em prática:
Em outras palavras, tais pessoas são como quem deseja cana-de-açúcar mas estão
mais apegados ao gosto da casca – e será só o que comerão da cana.
Eles são como pessoas que vão assistir uma peça teatral,
Como pessoas que cantam louvores a outros heróis.
Eles perderam as essências,
Como o perigo de ser super apegados a ensinamentos orais.
Eles são como pessoas que imitam os atores numa peça. Você não deve praticar só
estudando; deve tentar colocar os estudos em prática. Se não fizer isto, o Dharma o
torna intratável e quase mais nada. Estudo demais e muito pouca prática é chamado de
“causa para tornar-se inflexível com o Dharma.” Nos primeiros estágios dos estudos, a
65
meditação parece ser apenas de benefício marginal para sua mente. Mas seus estudos
causarão menos impacto ainda se não levá-los adiante através de freqüentes meditações
e reflexões. Eventualmente se cansará dos ensinamentos, mesmo se forem as instruções
mais profundas. Os seus estudos não trará nenhum benefício ao seu contínuo-mental.
Você terá se tornado inflexível com o Dharma, e como disse o Acharya Bararuchi em
Cem Versos:
Em outras palavras, isto é o pior que poderia acontecer. Se pessoas que se tornaram
inflexíveis a outros ensinamentos receberem ensinamentos do Lam-rim, elas podem ser
subjugadas; mas se forem inflexíveis também com o Lam-rim, é bastante impossível
subjuga-las. Você deve, portanto, cuidar deste ponto.
Estude qualquer coisa que vai praticar, e relacione ao seu próprio contínuo-mental
tudo que estudar. O rei do Dharma, Dromtempa, disse o seguinte da necessidade de
combinar estudo, contemplação e meditação:
Se leprosos com mãos e pés deformados tomarem remédio só uma ou duas vezes,
as suas condições não mudam; eles precisam tomar um remédio poderoso durante um
longo período. Vimos sofrendo a doença crônica e virulenta dos enganos desde os
tempos sem princípio, e não basta colocar o significado de uma instrução em prática
apenas uma ou duas vezes. É preciso que haja um esforço sério – tão constante quanto
24
N.T. Os tibetanos carregam a manteiga em recipientes feitos de couro que com o uso ficam extremamente rígidos.
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o fluir de um rio. Acharya Chandragomin disse:
É preciso colocar tudo imediatamente em prática, assim como Geshe Chaen Ngawa.
Ele estava lendo um trecho do vinaya que discute couro e peles; e leu que era proibido
o manuseio do couro por alguém ordenado. Na ocasião, ele estava sentado num tapete
de couro. Ele imediatamente retirou-o. Continuando a leitura, viu que esta regra pode
ser relaxada em países remotos onde os seres ordenados podem lidar com couro. Então,
ele pegou o couro e recolocou-o em seu assento.
A primeira pessoa a ensinar o Dharma foi o nosso Mestre o Buda, e ele próprio
manifestou o caminho e seus resultados. Ele ensinou o Dharma adequadamente aos
outros, e os pontos que ensinou de como modificar nosso comportamento são
inequívocos. Portanto, ele é uma autoridade. Ao lembrar estes fatos sobre o Buda,
deve-se sentir, “Como poderiam estar equivocados os seus ensinamentos do Dharma?”
Podemos ir além e compará-lo com a atitude de que um ser santo que ensina na mesma
tradição seja um Tathagata. Deve-se então pensar “Este santo ser – o meu guru – é uma
emanação do Tathagata Shakyamuni."
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ouve o Dharma para saber se sua mente tem algumas falhas. Se descobrir algo, deve
ficar aflito e pensar, “Minha mente chegou até isto!” Então, vai querer fazer o possível
para se livrar das falhas. Os Contos de Jataka diz:
68
voltarei para cá.”
Então, Sudasaputra disse, “Não importa o que você diga, isto não pode ser verdade.
Depois de ser salvo uma vez das garras do Senhor da Morte, quem voltaria à sua
presença?”
“Eu não lhe dei a minha palavra e prometi voltar? Eu sou o Príncipe Chandra, e
valorizo a verdade tanto quanto a minha própria vida.”
“Eu não confio no que diz; mas estou disposto a experimentar. Volte e veremos se o
que diz realmente é verdade. Volte, complete o seu negócio com o brâmane – seja o
que for – e depois volte rapidamente. Eu estarei preparando o fogo para assá-lo. Vou
esperá-lo.”
O príncipe voltou para casa e deu ao brâmane quatro mil onças de ouro como
pagamento para os quatro versos que o brâmane havia ensinado. O pai do príncipe
tentou por vários meios impedi-lo sem conseguir. O príncipe voltou ao covil.
“Você parece surpreso de me ver à distância,” disse o príncipe, “agora você pode
me comer.”
“Sei que chegou a hora de comê-lo,” respondeu Sudasaputra, “mas o fogo está
soltando muito fumaça. Se eu assar a sua carne agora, a carne ficaria estragada e
cheirando a fumaça. Enquanto isto, o que foi que o brâmane disse que você valorizou
tanto? Eu gostaria que você me ensinasse.”
“As palavras eloqüentes do brâmane mostraram como distinguir entre o Dharma e o
não-Dharma. As suas maneiras são piores do que os rakshas carnívoros. Que benefício
teria com o estudo?”
Sudasaputra não suportou este comentário, “Pare! Vocês reis matam gazelas com
suas armas. Certamente isto vai contra o Dharma!”
“Os reis que matam gazelas infringem o Dharma,” respondeu o príncipe Chandra,
“mas comer carne humana é pior. Os humanos são superiores às gazelas. E se é errado
comer a carne de alguém que morreu de morte natural, como poderia matar e comer
pessoas ser algo correto?”
Sudasaputra então disse, “Se voltou a mim, você não aprendeu muito com as
escrituras.”
“Eu voltei para manter a minha palavra, portanto eu aprendi muito com as
escrituras.”
“Os outros homens tinham medo quando eu os tinha em minhas garras. Mas você
provou ser um herói, você não perdeu a compostura. Você não tem medo de morrer.”
“Aqueles homens estavam cheios de remorso porque haviam cometido ações
nocivas,” disse o príncipe. “Mas não há ação nociva que eu me lembre de ter cometido.
Portanto, não temo. Eu me ofereço a você pode me comer.”
A esta altura, Sudasaputra havia desenvolvido fé no príncipe. Seus olhos estavam
cheios de lágrimas e os pelos de seus corpos arrepiados. Ele olhou o príncipe com
admiração e falou de seus pecados. Sudasaputra disse, “Cometer deliberadamente uma
ação nociva contra você seria como beber um poderoso veneno. Por favor, ensine-me o
que o brâmane tão eloqüentemente lhe ensinou.” Então ele recitou o verso acima:
69
Quando vejo a forma de meus maus atos
Claramente no espelho do Dharma;
Minha mente fica atormentada;
Irei agora me voltar para o Dharma.
Príncipe Chandra viu que ele havia se tornado um recipiente adequado ao Dharma,
e disse:
70
instruções. Um exemplo: Quando Kelsang Gyatso, o Sétimo Dalai Lama, dava um
ensinamento de Lam-rim, ouviu-se um homem comentar: “Hoje foi realmente muito
informativo! O Dalai Lama nos disse que a Fortaleza Lundrub no Distrito de Pempo
também era conhecida como “Fortaleza Mayi Cha.”
Outros ficam observando se os ensinamentos do lama seguem os textos. Lama
Tsechogling Rinpoche, tutor de um dos Dalai Lamas, disse “Atualmente os discípulos
parecem verificar a precisão dos lamas.” Ouvir um ensinamento assim nunca trará
benefícios. É muito importante observar a sua mente enquanto escuta. Quando os lamas
ensinam o Lam-rim, sua maior preocupação não deve ser se eles cometem algum erro;
eles ensinam principalmente para domar os contínuos-mentais de seus discípulos.
Num ensinamento os discípulos não devem ouvir da maneira descrita acima.
Qualquer coisa que o lama falar deve desafiá-lo. Você deve ouvir principalmente para
domar sua mente. Se agir assim, desenvolverá as suas primeiras realizações durante
aquele ensinamento. Isto é algo que não acontece quando um lama visita o seu quarto e
você oferece uma tigela de chá – mesmo se ele for um lama que dá ensinamentos
sentado num trono alto. Mesmo ao estudar sozinho, seus estudos não causam o mesmo
impacto que ouvir um ensinamento.
Tudo que Geshe Potowa ensinava beneficiava as mentes das pessoas – até suas
anedotas sobre pássaros. Havia também um grande estudioso chamado Geshe Chokyi
Oezer, mas suas instruções não eram benéficas para a mente, mesmo as mais profundas
ou vastas. Algumas pessoas mencionaram isto a Potowa, e Potowa disse, “Todos os
ensinamentos dele são excelentes, mas há uma diferença entre a maneira como
ensinamos.” Pediram a Potowa para explicar mais. “Ele ensina para comunicar fatos,
enquanto todo o meu Dharma é direcionado para dentro. Esta é a diferença.”
Geshe Chokyi Oezer ouviu o comentário e foi receber ensinamentos de Geshe
Potowa. Os ensinamentos provaram ser muito benéficos, mesmo não havendo nada no
ensinamento que ele já não soubesse. Geshe Chokyi mais tarde comentou,
“Compreendi coisas que nunca havia compreendido antes.”
Devemos fazer como Geshe Dromtempa ensinou:
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sejam os ensinamentos do Dharma que receba, você poderá transformá-los num
demônio; e o Dharma só alimentaria os seus enganos. Eu penso que isto é muito
comum. Devemos cuidar disto com seriedade.
Isto tem quatro partes: (1) pensando nos benefícios de ensinar o Dharma; (2) sendo
respeitoso com o Dharma e seu mestre; (3) o que pensar e fazer enquanto ensina; (4) a
diferença entre quem você deve e quem você não deve ensinar.
É vital que quem estiver ensinando o Dharma não transforme o ato de dar o Dharma
aos outros em algo motivado por enganos. [Vasubandhu] diz em Um Tesouro de
Metafísica:
Eu o ouvi dando
Ensinamentos e iniciações:
Ele faz isto bem
Mas me deixa doente
No mais fundo do coração,
Quando ele ansiosamente
Recebeu garantias de doações.
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são eles? São: a pessoa terá boa memória; terá discernimento; ficará
inteligente; será firme; terá sabedoria; obterá realização completa da
sabedoria transcendental; o apego diminuirá; a hostilidade diminuirá; sua
ignorância profunda diminuirá; não será perturbado por demônios;
receberá a atenção dos Budas; receberá proteção de não-humanos; os
deuses concederão seus brilhos; desafetos não levarão a melhor; não será
separado de seus entes queridos; suas palavras terão peso; terá destemor;
terá a mente mais pacificada; será louvado pelos estudiosos; o seu ato de
dar o Dharma será digno de ser lembrado.
O primeiro dos benefícios, ter boa memória, significa que não esquecerá do
Dharma. Ter discernimento se refere à convicção que se ganha nas formas supremas de
meditação. Ter inteligência se refere à convicção que se ganha com as contemplações
mais habituais. Firmeza significa que você não poderá ser influenciado. Ter sabedoria
se refere à sabedoria mundana adquirida nos caminhos de acumulação e preparação;
sabedoria supramundana é a sabedoria adquirida durante os caminhos da visão e da
meditação.
Seis destes vinte benefícios são resultados que correspondem à causa inicial. Quatro
outros benefícios resultam dos estados de separação. Seis benefícios são resultados
ambientais e há um resultado de maturação kármica. [mais detalhes no Dia Treze]
Pabongka Dorge Chang na realidade falou mais longamente deste assunto do que aqui
registrado.
Outros benefícios são mencionados em O Sutra Solicitado por Ugra, onde diz que
uma pessoa ordenada adquire mais méritos através do ato dar até mesmo um verso de
Dharma, do que uma pessoa leiga pode receber com inúmeros atos de generosidade
material.
Você deve ter estes benefícios em mente. Assim, vai querer ensinar e sentirá que a
sua própria felicidade resultará disto. Estes benefícios não vêm apenas de ensinar o
Dharma de um trono alto de meditação. Mestres que instruem seus alunos também
recebem estes benefícios. Quando recitar um texto do Dharma, você deve imaginar que
está lendo para uma audiência de deuses, nagas (seres semelhantes a serpentes),
criaturas, etc. que estão todos ao seu redor. Você receberá os mesmos benefícios se
fizer isto. Faça o mesmo ao memorizar um texto. Você receberá estes benefícios de
suas conversas com outras pessoas se ensinar os pontos-chaves de como modificar o
comportamento. Mas note: faz também uma diferença se você for o guru da pessoa ou
não.
Ngawang Dragpa de Dagpo disse: “O Buda, nosso Mestre, arrumou o seu próprio
73
trono quando ensinou a 'sagrada mãe.' ” Isto é quando o Bhagavan ensinou o conjunto
dos Sutras da Sabedoria da Perfeição, ele fez para si um trono de ensinamentos com
suas próprias mãos – mãos que carregavam as marcas e sinais de um Buda e eram tão
belas quanto um ramo estendido de uma árvore dourada. Quando o Dharma merece este
respeito até mesmo dos Budas, devemos ensiná-lo realmente com grande reverência.
Quando aconteceu a primeira assembléia budista, Ananda e os outros oradores
foram sentados em cima de quinhentos mantos de açafrão fornecidos pelos outros
Arhats. Fizeram isto por respeito à grandeza do Dharma que estava sendo ensinado.
(Aqui, devo acrescentar que os três mantos de um monge era a roupa adotada por Buda,
mas muitos monges atualmente usam seus mantos para limpar objetos ou como
almofada. É muito errado fazer isto.)
O Dharma deve ser respeitado por causa de sua grandeza. Vocês devem recordar as
boas qualidades de nosso Mestre e a sua bondade, e desenvolver respeito.
1) O QUE PENSAR:
Ou seja, você não deve esconder os pontos-chaves das instruções, pois isto seria
uma forma de avareza com os ensinamentos. Durante seus ensinamentos de Dharma,
você não deve fazer auto-elogios dizendo, “No passado eu fiz isto e aquilo, etc.” Você
não deve ficar sonolento enquanto ensina. Não deve discutir os defeitos alheios com
apego ou hostilidade como motivação. Não deve ter preguiça e adiar um ensinamento
porque realmente não quer ensiná-lo. E, deve abandonar o ciúme que surge porque
suspeita que outros estão sendo promovidos.
Você deve ter amor e compaixão fortes para com seus ouvintes; e deve também
manter as cinco atitudes. Estas cinco são as mesmas que as seis atitudes acima,
omitindo a atitude de que a prática diligente do Dharma vai curá-lo. Em outras
palavras, estas cinco atitudes são: eles são os pacientes, o Dharma é o remédio, você é o
médico, e assim por diante. Você deve então sentir que a virtude que resulta de ensinar
corretamente enquanto mantém estas cinco atitudes lhe dará felicidade.
A razão porque uma das seis foi omitida é porque ela se aplica mais aos discípulos
do que ao mestre.
74
2) O QUE FAZER ENQUANTO ENSINA:
Você deve lavar-se antecipadamente; sua aparência deve ser limpa com roupas
novas. Sente-se em um trono elevado. As suas maneiras devem ser alegres. Ensine por
meio de analogias, citações, e lógica formal para que o significado fique claro.
Mesmo assim, fico muito encabulado e meio infeliz de sentar neste trono alto
quando há altos lamas encarnados sentados abaixo de mim. Mas, devo sentar-me aqui
em respeito à grandeza do Dharma. De fato, é maravilhoso que este costume não tenha
morrido nas províncias Central e de Tsang. Como uma estória conta, se este costume
não fosse mais seguido, e o lama se sentasse em um trono baixo para ensinar, as
pessoas estranhariam ouvir: “Eu recebi esta linhagem de vários grandes lamas.”
“As suas maneiras devem ser alegres" significa que deve sorrir aos seus discípulos
enquanto ensina. Longdoel Lama Rinpoche por outro lado costumava ralhar com seus
discípulos e ameaçá-los com uma vara na mão enquanto ensinava.
Se confundir-se com a ordem dos títulos, os ensinamentos serão tão confusos
quando o ninho de um corvo. Se omitir os pontos difíceis e só ensinar as partes fáceis,
os seus ensinamentos serão como mingau de um velho. Os mestres que não
compreendem corretamente o significado interno do ensinamento e precisam recorrer a
palpites são como pessoas cegas dependendo de suas bengalas. Isto é errado.
Meu próprio precioso guru, meu refúgio supremo, contou-me o seguinte. Quando
estiver pronto a ensinar o Dharma, acerte a sua motivação corretamente enquanto
caminha de seu quarto ao local do ensinamento. Imagine que os gurus-raiz da linhagem
do Dharma que vai ensinar estão sentados no seu trono, um guru sobre o outro.
Prosterne-se três vezes ao trono. Os gurus se fundem nos outros, um por um;
finalmente todos se fundem em seu próprio guru raiz. Enquanto sobe no trono, o seu
próprio guru se funde em você. Depois, quando sentar-se, estale seus dedos e recite um
verso sobre a impermanência, como o seguinte:
Você deve sentir, “Isto é só por uns poucos minutos, é apenas algo impermanente.”
Você deve suprimir qualquer opinião inflada de si mesmo, senão, como disse meu
lama, você pode desenvolver orgulho ao sentar no trono elevado e sentir, “Agora sou
alguém importante!”
Dizem que se deve recitar mantras para derrotar os demônios, mas tradicionalmente
recitamos O Sutra do Coração e batemos palmas três vezes. Je Drubkang Geleg Gyatso
75
costumava seguir a tradição de usar melodias e cânticos lentos para os seis ritos
preparatórios. De fato, quando deu um ensinamento de Lam-rim, ele adotou ritmos bem
lentos para estes ritos. Algumas pessoas pediram-lhe para encurtar os ritos
preparatórios, porque estavam prolongando o ensinamento. Ele respondeu, “O que é
isso? Todo o sucesso do ensinamento depende dos ritos preparatórios.” E ele não os
encurtou.
Como já disse, pode-se desenvolver o primeiro tipo de realização do Lam-rim
durante este ensinamento. Mas deve-se dar uma oportunidade para que as realizações se
desenvolvam, e seu desenvolvimento depende de se construir as acumulações [de
mérito e sabedoria primordial], purificar obscurecimentos, fazer súplicas em orações, e
coisas assim. Este é o pensamento por trás da prática preparatória durante os
ensinamentos. Não se deve ficar distraído o tempo todo – os olhos vagando, a boca
recitando fórmulas automaticamente – durante os ritos. Leve a sério esta acumulação de
méritos, auto-purificação, e súplicas, pois são cruciais para desenvolver alguma
compreensão dos tópicos de meditação enquanto assiste os ensinamentos.
Agora, voltando a como conduzir um ensinamento. Após oferecer uma mandala-
mundial [Dia Cinco], toque a sua cópia do texto à sua cabeça [em respeito e como uma
benção], e acerte novamente a sua motivação. Reze para que o que está prestes a fazer
beneficie o contínuo-mental de seus ouvintes. A prática de Dubkang Geleg Gyatso era
fazer estas orações não só quando tocava o livro à sua cabeça, mas também quando
colocava o seu chapéu.
Agora, a maioria de vocês sabe que quando um ensinamento está para ser dado, há
uma ligeira mudança no verso do refúgio. Este verso normalmente é:
O Lama diz, “Pelos méritos adquiridos através do ato de dar o Dharma...” enquanto
os discípulos dizem, “Pelos méritos adquiridos através de ouvir o Dharma...”
Outra coisa que devo mencionar é a tradição de ler em voz alta parte do texto do
Lam-rim a ser ensinado naquele dia. Considera-se melhor que quem estiver dando o
ensinamento faça a leitura todos os dias, ou pelo menos uns dois dias e depois a tarefa
fique a cargo de um dos seus principais discípulos. De qualquer forma, era preciso
contar quais são as tradições.
Enquanto ensinar, deve imaginar que deuses como Indra, nagas e outros espíritos
vieram ouvir. Você deve fazer o gesto de dar o Dharma enquanto recita o verso,
“Deuses e espíritos...” Aparentemente, os deuses não suportam sentar no chão. Então o
guru deve imaginar que está dando-lhes permissão para permanecer no ar e ouvir. As
pessoas que sustentaram a responsabilidade de preservar a doutrina devem guardar no
coração estas tradições.
76
A DIFERENÇA ENTRE QUEM VOCÊ DEVE E QUEM VOCÊ NÃO DEVE
ENSINAR
Em geral, conforme está dito em A Transmissão do Vinaya: “Não ensine nada que
não tenha sido pedido.” Ou seja, não é correto ensinar algo que não foi solicitado. E
não deve também concordar imediatamente a ensinar no momento em que é feito o
pedido. Você deve dizer, movido por modéstia, “Eu não compreendo este assunto
corretamente, portanto não posso ensiná-lo,” ou “Como eu poderia ensinar isto a
pessoas tão elevadas como vocês.” Você deve testar o desejo das pessoas de ter um
ensinamento, e só ensinar quando tiver certeza que sejam recipientes adequados. O
Sutra Soberano da Concentração Uni-focada diz:
Mas, você é obrigado a ensinar certas pessoas algo não solicitado se existir motivo
imperativo para fazê-lo. Como disse Je Tsong Khapa, “Conhecendo um recipiente
adequado, ensine mesmo sem ser solicitado.”
Está dito que você também deve seguir as vinte e seis regras estabelecidas no
vinaya: não deve ensinar a pessoas que estejam sentadas enquanto você ainda estiver de
pé ou a pessoas reclinadas [no chão]; ou a pessoas que ocupam um assento mais
elevado, [e assim por diante].
Chegamos, então, ao nosso terceiro título principal.
77
ORAÇÃO DE LAM-RIM
Lama Tsong Khapa
Pelas duas acumulações que reuni com muito esforço e por tanto tempo,
Que preenchem uma vastidão como o céu,
Possa eu tornar-me um Vitorioso, poderoso, líder de seres
Àqueles cujos olhos mentais estão fechados pela ignorância.
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Segunda Parte:
OS RITOS PRELIMINARES
79
DIA QUATRO
Isto está subdividido em: (1) a raiz do caminho: devoção a um guia espiritual, e (2) o
correto treinamento a seguir após confiar no guia espiritual.
Estes títulos foram tirados dos textos do grande Tsongkapa. Eles ensinam um dos
pontos mais cruciais para nossa prática. As palavras “a raiz do caminho” afirma o
seguinte. Todas as folhas, frutos, ramos, e tronco de uma árvore são resultado de suas
raízes. Todas as compreensões e realizações – desde a dificuldade de obter o perfeito
renascimento humano até a unificação do Não-Mais-Aprendiz – de forma semelhante,
derivam exclusivamente da nossa devoção a um guia espiritual. A palavra após em “o
correto treinamento a seguir após confiar no guia espiritual” nos diz que ação deve vir
80
primeiro. Afirma que receberemos todas as realizações até a unificação quando tivermos
a devoção correta ao nosso guia espiritual. Assim, é vital logo de início, ter a devoção a
um guia espiritual.
Os primeiros três títulos principais que já cobrimos são também encontrados em Os
Grandes Estágios do Caminho. Os títulos que seguem são diferentes; eles são tirados dos
ensinamentos concisos.
Isto tem duas partes principais: (1) o que fazer durante suas sessões de meditação. (2)
o que fazer entre as sessões de meditação.
O ponto mais importante está aqui nestes dois títulos, um destinado às sessões de
meditação e o outro aos intervalos entre as meditações. Toda rotina diária de uma pessoa
pode ser dividida em períodos, e cada um destes períodos pode ser dividido entre o que
acontece durante as sessões de meditação e o que acontece fora das sessões. Assim, cada
ação de seu corpo, palavra e mente ocorre num desses períodos de meditação ou períodos
entre as sessões de meditação. Se tornar estes períodos frutíferos, todo o dia se torna
frutífero. Estenda isso por um período de meses, anos, etc., e toda a sua vida se torna
significativa. Isto é crucial.
Este título tem três passos: (1) os ritos preparatórios; (2) como fazer a parte principal
da sessão; (3) o que fazer na ultima parte da sessão.
É errado dar pouca atenção aos preparativos. Se quiser fazer uma boa xícara de chá,
por exemplo, você deve levar a sério o ato de comprar chá. De forma semelhante, se
quiser desenvolver experiências religiosas durante a parte principal da sessão de
meditação, antes você deve fazer corretamente os ritos preparatórios.
1) OS RITOS PREPARATÓRIOS
São seis: (1) limpar o quarto e arrumar os símbolos do corpo, palavra e mente
iluminados; (2) obter oferecimentos honestamente e arrumá-los harmoniosamente; (3)
adotar a posição de sete-pontos de Vairochana, sentado num assento confortável, e depois
tomar refúgio, desenvolver a bodhicitta, etc., com um estado mental especialmente
virtuoso; (4) fazer súplicas ao campo de mérito; (5) oferecer a oração de sete ramos e
mandala – práticas que contém todos os pontos-chaves para acumular [méritos] e auto-
purificação; (6) outras súplicas feitas, segundo as instruções orais, para assegurar que seu
contínuo mental foi adequadamente impregnado [pelas suas meditações].
81
(A) LIMPAR O QUARTO E ARRUMAR OS SÍMBOLOS DO CORPO,
PALAVRA E MENTE ILUMINADOS
Guru Suvardnavipi, segundo sua biografia, costumava limpar seu próprio quarto. A
origem desta prática é um sutra que afirma: “O Bodhisattva senta de pernas cruzadas num
ambiente limpo.”
A razão de limpar o seu quarto e a seguinte. Se seu guru ou alguma autoridade lhe
fizesse uma visita, você faria uma boa limpeza, não é? Similarmente, quando convida seu
guru, os Vitoriosos e seus Filhos ao seu quarto [durante a meditação], você deve limpá-lo
em seu respeito.
Não haverá benefício algum se o fizer com a mesma motivação dos faxineiros leigos
de Potala, Sera ou Drepung, por exemplo, porque eles fazem seus trabalhos pelas suas
próprias felicidades, ou para impressionar os outros. Ao contrário, você deve sentir que
está fazendo-o em respeito ao campo de mérito, que convidará ao seu quarto como
prelúdio de um tópico de meditação específico do Lam-rim; você estará meditando para
alcançar a Budeidade pelo bem de todos os seres sencientes. E muito benéfico pensar
assim.
Um sutra fala de cinco benefícios: a sua mente fica clara, as mentes dos outros ficam
claras, agrada os deuses, acumula-se karma para ser belo, e quando deixar este corpo
renascerá nos reinos celestiais. Meu próprio precioso guru disse-me que os deuses que
sustentam a virtude estão constantemente visitando os reinos humanos e protegendo
quem pratica o Dharma corretamente. Mas não limpar seu quarto desencoraja-os e eles
não podem oferecer proteção, porque evitam coisas que não estejam limpas. Limpar seu
quarto agrada o seu guru, os Budas e assim por diante, e não apenas os deuses que
sustentam a virtude.
Você acumula karma para ser belo. Isto se refere não só à beleza física, mas também
será causa de ter uma ética pura. Ética pura não faz o corpo bonito, mas é algo muito belo
para a percepção dos Budas e seus Filhos. Como disse Tsongkapa:
Dizem que renasceremos nos reinos celestiais, mas devemos considerar isto como
sendo, acima de tudo, os campos búdicos.
Arya Chudapanthaka alcançou o estado de arhat limpando o quarto. Vou contar
rapidamente a sua estória.
Na cidade de Shravasti, houve certa vez um brâmane. Todos os seus filhos morreram
ao nascer. Uma das velhas da vizinhança disse-lhe, “Se tiver um outro filho, me chame.”
O brâmane teve outro filho, então chamou a mulher. Ela disse-lhe para lavar o bebê,
envolvê-lo em tecido branco, encher sua boca com manteiga e entregá-lo a uma menina
82
para cuidar. O brâmane foi instruído a dizer à menina para levar o bebê a uma certa
encruzilhada onde quatro estradas se encontravam. Ela deveria render respeito a qualquer
homem santo ou brâmane que passasse, dizendo-lhes, “Este bebê rende homenagem aos
seus nobres pés.” Se o bebê sobrevivesse, ela deveria voltar com ele ao entardecer; se
morresse, ela deveria abandoná-lo.
A menina foi conscienciosa e passou o dia na grande encruzilhada. Primeiro alguns
sacerdotes Tirtikas passaram, e a menina seguiu as ordens da velha senhora. Os
sacerdotes disseram, “Que esta criança sobreviva, que sua vida seja longa, e os desejos de
seus pais se realizem.”
Mais tarde passaram alguns monges, que disseram quase a mesma coisa. A menina
então levou a criança até a estrada do Bosque Jetavana. Ela encontrou Buda em sua ronda
de esmola, e fez o mesmo que antes. Buda disse o mesmo que os outros, acrescentando,
“Que seus pais tenham todos seus desejos do Dharma satisfeitos.”
Ao entardecer, a menina viu que o bebê ainda vivia, então levou-o de volta para casa.
O bebê recebeu o nome de Mahapanthaka [Grande Estrada], porque havia sido levado à
estrada. Mahapanthaka cresceu e tornou-se um sábio em todos os ramos do saber védico.
Ele ensinou os ensinamentos esotéricos a cem meninos brâmanes.
O brâmane teve outro filho, e novamente chamou a anciã. A mesma rotina se repetiu,
mas desta vez o bebê ficou com uma menina preguiçosa que só levou o bebê até uma
pequena viela. Nenhum homem santo ou brâmane passou por lá. O Buda, que
constantemente olha por todos os seres, noite e dia, sabia que ninguém passaria na viela,
então foi ate lá. A menina rezou para ele, e ele respondeu com as mesmas palavras que
antes. Mais tarde, ela viu que a criança ainda estava viva e levou-a para casa. Ele foi
chamado de Chudapanthaka [Pequena Estrada]. Quando cresceu, tentou aprender a ler.
Ele precisava aprender palavras como siddham, mas quando lia a sílaba sid se esquecia
do dham. Quando conseguia lembrar-se do dham, havia se esquecido do sid. O mestre de
Chuda disse a seu pai, o brâmane, “Preciso ensinar muitos outros meninos brâmanes. Não
posso ensinar este menino.”
Chudapanthaka foi enviado a um declamador profissional dos Vedas para ler.
Primeiro ele estudou a palavra om blu. Quando aprendia o om, se esquecia do blu.
Quando aprendia o blu, se esquecia do om. Isto levou seu mestre ao desespero. O mestre
disse ao pai do menino, “Seu outro filho Mahapanthaka compreende com um mínimo de
instrução, mas eu não posso ensinar a este – tenho que ensinar a outros meninos.”
Então o nome Chudapanthaka passou a significar “lerdo”, “o mais lerdos dos lerdos”,
“pequeno” e “o menor dos pequenos.”
Depois os pais dos dois Panthakas morreram. Mahapanthaka tornou-se budista e
monge. Ele tornou-se um estudioso das três cestas e um Arhat. A herança de
Chudapanthaka acabou e ele foi ao encontro de seu irmão mais velho. Mahapanthaka
examinou seu irmão para ver se ele tinha algum potencial para o Dharma. Maha
descobriu que ele mesmo poderia desenvolver o potencial do irmão e então ordenou
Chuda.
Chuda passou os próximos três meses tentando aprender este verso:
83
Não deixe seu corpo, palavra ou mente pecar.
Fique livre do desejo que aflige todo mundano
Tenha memória, esteja vigilante;
Evite tudo que prejudica, e qualquer sofrimento.
Buda disse:
“Meu filho, o seu abade não suportou tantas dificuldades durante três incontáveis
eons para completar as seis perfeições. Ele não compôs um verso para você – eu, sim.
Não poderá o Tatagatha ensinar-lhe e ler?”
"Oh, monge," disse Chudapanthaka, "Eu sou o mais lerdos dos lerdos, o menor dos
menores. Como poderia aprender a ler?"
Buda, nosso Mestre, respondeu:
84
“Então engraxe as sandálias e os sapatos dos monges,” disse o Buda. “Vocês monges
devem deixá-lo fazer isto para que ele possa purificar o seu karma. Vocês devem recitar
estas palavras para que eventualmente ele acabe aprendendo.”
Então, quando Chuda havia aprendido esta segunda recitação, o Buda disse-lhe,
“Você não precisa mais engraxar as sandálias. Faça a segunda recitação enquanto varre o
templo.”
Agora que Chuda tinha recebido a tarefa de varrer o templo, ele desenvolveu
perseverança enquanto varria. Mas quando acabava de varrer o lado direito, o lado
esquerdo já tinha ficado sujo, e quando acabava de varrer o lado esquerdo, o lado direito
já estava novamente sujo. Isto acontecia pelo poder do Buda. Mesmo assim, Panthaka
persistiu, e seu karma e obscurecimentos foram purificados. Então, teve o pensamento,
“Quando o Mestre disse, ‘Abandone a sujeira, abandone as máculas,’ será que ele estava
se referindo à sujeira interna ou externa?" Então, surgiu em sua mente três versos que ele
nunca ouvira antes:
E assim por diante. Ele tentou compreender estes versos e através de suas meditações
alcançou o estado de arhat.
Aliás, é assim que os versos aparecem no sutra. Os textos dos ritos preparatórios, e a
tradição oral dos gurus, dão a seguinte versão para os versos:
Em termos de prática, isto é mais fácil de compreender. Mas ainda assim, é melhor
consultar a versão original.
Buda então anunciou a todos as boas qualidades de Panthaka dizendo, “Ananda, vá e
diga a Panthaka, ‘Você deve ensinar o Dharma às monjas.’ e também diga às monjas, ‘O
seu mestre agora é Panthaka.’”
Panthaka compreendeu que Buda estava agora anunciado suas boas qualidades, então
prometeu cumprir o que lhe foi pedido.
85
As monjas ficaram espantadas com a notícia e disseram, “Vejam como estão rindo de
nós mulheres! Ele não conseguia aprender nem mesmo um único verso em três meses.
Como poderia ensinar a nós, que sustentamos os três cestos?”
Mais tarde algumas delas disseram, “Vamos fazer algo para não termos que agüentar
esse ignorante.” Doze monjas se reuniram. Algumas construíram um trono extremamente
alto, mas sem escadas. Outras foram até à grande cidade de Shravasti e anunciaram a seus
habitantes, “Amanhã nosso mestre estará nos visitando. Ele é um dos maiores Shravakas.
Vamos ouvir o seu Dharma. Quem ainda não viu a verdade [ou seja, quem não alcançou
o caminho da visão] deve vir e ouvi-lo para que não fiquem vagando longamente no
samsara.”
Centenas de milhares de pessoas foram ao ensinamento. Alguns foram buscando
diversão, outros na esperança de acumular virtudes raiz. Naquele dia Panthaka saiu para
esmolar. Depois, liderou os outros monges, depois de terem saído do estado de absorção
meditativa, até a casa de retiro de monção das monjas onde iria ensinar o Dharma. Assim
que se aproximou do trono, viu que era muito alto. E pensou, “Ou elas tem muita fé em
mim, ou estão me testando.” Ele entrou em absorção meditativa por um instante, e viu
que estavam testando-lhe. Ele esticou seus braços, como um elefante estica a tromba, e
puxou o trono para baixo. Algumas pessoas viram isto e outras não. Ele se sentou no
trono e novamente entrou em absorção meditativa. Do trono, Panthaka subiu até o céu e
produziu os quatro tipos de emanações milagrosas em cada um dos quatro pontos
cardeais do compasso. Estas voltaram e se absorveram nele, e agora o seu trono passou a
ser sustentado por leões.
“Irmãs,” ele começou, “eu demorei três meses para aprender um único verso. Agora,
durante os próximos sete dias e noites, vou explicar o seu significado. O Baghavan disse,
‘Não deixe seu corpo, palavra ou mente pecar.’ Ele estava nos ensinando a abandonar as
dez não-virtudes. Quando ele disse, ‘todo mundano,’ ele se referia aos cinco agregados. A
palavra ‘aflige’ refere-se ao apego, hostilidade e profunda ignorância que aflige estes
agregados...”
Ele só ensinou detalhadamente o significado da primeira metade deste verso, e
mesmo assim doze mil seres chegaram a ver a verdade [suprema]. Outros manifestaram
um dos quatro tipos de resultados [tornando-se O-Que-Entrou-na-Corrente, O-Que-
Retorna-Uma-Vez, O-Que-Não-Mais-Retorna, ou um Arhat]. Algumas pessoas tornaram-
se Shravakas, outras Pratyekabuddhas, e ainda outras entraram no Mahayana; cada uma
desenvolveu o desejo de conseguir seu tipo específico de iluminação [como um Arhat
Mahayana ou Hinayana]. A maioria dos presentes desenvolveu fé nas Três Jóias. Quando
Panthaka voltou mais tarde ao Bosque Jetavana, o Mestre Buda declarou, “Entre meus
Shravakas, Panthaka e o mais hábil em converter pessoas.”
Portanto, é errado sentir, “A meditação tem mais valor; ações como varrer tem pouco
valor.” Mesmo Anathapindika [o homem que doou o Bosque Jetavana à Sangha]
costumava aparecer todos os dias para varrer o bosque. Um dia ele estava muito ocupado
para ir, e como não havia mais ninguém para varrer em seu lugar, o próprio Buda – como
relatam os sutras – segurou uma vassoura comum em suas mãos douradas e varreu o
86
bosque.
Meu próprio precioso guru costumava me dizer que as várias reencarnações do
onisciente Dalai Lama tinha o hábito de praticar os ritos preparatórios. De tanto varrer,
eles gastavam suas vassouras e não sobravam pelos – as vassouras pareciam rabos de
asnos. Muitas delas foram preservadas com fitas amarelas amarradas nos cabos para
mostrar que certa vez foram propriedades do Dalai Lama. Isto é um detalhe biográfico
muito importante; demonstra que principiantes como nos devemos levar estas coisas a
sério.
É melhor varrer seu quarto antes de cada sessão de meditação, quer o quarto precise
ou não. No mínimo, deve varrer seu quarto todos os dias. De qualquer forma, a sua
motivação deve ser a que expliquei acima. Imagine que está varrendo para fora as
máculas obscurecendo os contínuos-mentais dos outros seres sencientes e o seu. Imagine
que as varridas da vassoura estão aperfeiçoando, amadurecendo, e purificando, fazendo
com que seu quarto seja purificado num campo búdico. Você deve recitar algo enquanto
varre, assim como Chudapanthaka feza. Você pode dizer, “Abandone a sujeira, abandone
as máculas,” ou melhor ainda:
25
Marcadores de pequenas pedras, palhas colocadas num jarro ou imagens tsa-tsa de argila, são normalmente colocadas do
lado de fora de uma sala de retiro para marcar as fronteiras do retiro, a menos que esteja sendo conduzida dentro de um
mosteiro. Neste caso, não é possível colocar um marcador na verdadeira fronteira do retiro, então coloca-se no parapeito
na janela da cabana. Para um retiro de Lam-rim, estes marcadores são visualizados como os quatro maharajas, os
guardiãos das quatro direções cardeais de cada sistema-mundial, para afastar interferências. Quando apenas um marcador é
usado, ele é visualizado como Vaishravana, o protetor do Leste e também da ética e riqueza material.
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fora de seu quarto. Neste caso, visualize as paredes externas de seu quarto como os
maharajas; esta tradição oral específica vem de Purchog Ngagwang Jampa.
Vamos agora ver como os símbolos do corpo, palavra e mente iluminados são
arrumados. O guru, a deidade de meditação, etc., devem seguir a mesma ordem da
visualização do campo de mérito [Dia Cinco]. Mas você pode se afastar um pouco desta
ordem se eles não couberem no altar. Algumas pessoas pensam que é mais efetivo rezar
aos protetores do Dharma, espíritos-reis, espíritos de poder e coisas assim; e dão a eles
uma posição mais proeminente do que a estátua de Buda. Já vi isto várias vezes. Isto é
sinal de que estas pessoas não tomaram refúgio adequado: o ato de tomar refúgio não está
dentro de seus contínuos-mentais. Algumas pessoas dão o lugar principal a qualquer
estátua feita de ouro, prata ou bronze; mas colocam as estátuas de argila no fim da fila.
Isto é um sinal que só consideram estas figuras como pedaços de propriedade. Também
não é correto arrumar as pinturas religiosas segundo a antigüidade. Algumas pessoas até
penduram suas pinturas nas cortinas que usam como porta. Como poderia isto estar certo?
Há pessoas que dormem com os pés apontando para as imagens de Budas e Bodhisattvas.
Isto é muito desrespeitoso – um claro sinal de que não tomaram refúgio. Outros tratam
estátuas, pinturas, etc. velhas e esfarrapadas como sujeira, abandonando-as em algum
santuário à beira de estrada. Dizem que isto é como tirar seus méritos de dentro de sua
casa. Você deve considerar estas estátuas e imagens como se realmente fossem aquele
Buda ou Bodhisattva específico.
Talvez não tenha muitos destes símbolos de corpo, palavra e mente iluminados, mas
para simbolizar o corpo iluminado, você deve usar definitivamente a imagem de nosso
Mestre, o Buda, para se lembrar dele, bem como uma imagem de Je Rinpoche para se
lembrar de seu guru. Um pequeno sutra ou cópia do Lam-rim serve como símbolo da
palavra iluminada. Um “tsa-tsa” [pequeno cone de argila formando uma stupa] servirá
para simbolizar a mente iluminada. Se tiver um vajra e sino, eles poderiam simbolizar a
mente iluminada. Algumas pessoas parecem considerar vajra e sino apenas como
implementos simbólicos manuseados por deidades; na realidade eles representam a mente
iluminada. E um grave ato subvalorizar seu vajra e sino.
Você não precisa arrumar seu altar todos os dias, mas deve considerar as imagens em
seu altar como verdadeiras quando olhá-las.
É errado sentir que você já viu as imagens em seu quarto tantas vezes que já se
cansou delas. Todas as vezes que vê-las durante o dia, você é inundado de instintos
extraordinariamente fortes. Dizem que é dezesseis vezes mais benéfico olhar uma
representação do Buda do que olhar a figura verdadeira. Como está dito no Sutra do
Lótus Branco:
88
versão que citei segue a tradição oral. Se nos dizem que é benéfico olhar a imagem do
Buda quando estamos com raiva, pense nos benefícios que recebemos olhando-as com fé!
Arya Shariputra era um dos dois principais discípulos de Buda e estava constantemente
ao seu lado. Isto é considerado como resultado de uma ação feita numa vida passada: ele
olhou um desenho do Buda e ficou maravilhado.
Arya Shariputra era um mensageiro naquela vida passada. Certa noite viu um templo
e entrou. Ele acendeu uma lamparina bem brilhante e começou a consertar suas botas
enquanto descansava. Ele viu o mural do Tathagata na parede oposta, e pensou, “Que ser
maravilhoso! Eu gostaria muito de encontrá-lo pessoalmente.” Ele fez orações silenciosas
e dizem que, como resultado, tornou-se um dos principais discípulos do Buda.
Agora vemos Budas feitos de argila, bronze, etc., mas quando tivermos a
concentração uni-focada chamada “a corrente do Dharma,” veremos nirmanakayas
supremos [corpos de emanação]. E quando alcançarmos o primeiro dos dez níveis de
Bodhisattva, encontraremos os sambhogakayas [corpos de utilidade]. E por isso é
importante manter a atitude de que as estátuas de Budas são Budas verdadeiros.
89
um presente, então não será “insinuação.”
“Dar para receber,” é dar alguma bagatela para receber algo melhor. Por exemplo,
você pode levar ao seu benfeitor um lenço cerimonial ou um pote de chá, ou qualquer
outra coisa, para que ele o recompense ou faça um oferecimento ao seu mosteiro em seu
nome. Em outras palavras, você usou o presente como meio de conseguir algo melhor.
Atualmente chamamos isto de “mordendo a isca.” Hoje em dia as pessoas estão bem
espertas em cometer este tipo de meio de vida errado. Mas, presentear seus benfeitores
sinceramente e sem esta motivação, não é um meio de vida errado – mesmo se eles o
recompensar.
“Pressionar os outros” significa importunar alguém por algo que ele não quer dar, ou
fazer alguém dar-lhe algo que iria dar a outra pessoa. Ou, você poderia dizer coisas como,
"Meu benfeitor fulano-de-tal me deu chá e manteiga realmente bons.” Mas se disser estas
coisas sinceramente, sem a intenção de receber presentes, não é meio de vida errado de
“pressionar os outros.”
“Mostrar o melhor comportamento,” significa fazer o que gosta na privacidade de seu
quarto, mas agindo, na frente de seus benfeitores, como um bom monge que observa
todas as normas, com a esperança de receber algo por causa de seu comportamento
disciplinado. Mas meu próprio precioso lama, meu refúgio e protetor, me disse que se não
tiver estas intenções, mas sentir que “Não seria correto perturbar esta pessoa leiga,” e
comportar-se como um bom monge – contrastando com a maneira com que se comporta
em casa – você não esta “mostrando o seu melhor comportamento.”
Um outro ponto: se pessoas ordenadas, como nós, quebrarem as restrições relativas
aos três tipos de votos que tomamos e obterem ganhos materiais pela venda de coisas,
sofreremos conseqüências pesadas se usarmos estes materiais nos oferecimentos.
“Motivos falsos” sifnifica fazer oferecimentos movido pelo desejo de fama ou para
impressionar os outros. Em outras palavras, as ações são influenciadas por más
motivações. Como disse Drogen Rinpoche: “Até os oferecimentos que faz às Três Jóias
só são feitos para serem vistos pelos outros.” Em outras palavras, todo oferecimento que
fazemos é feito com o desejo de fama, auto-progresso, e coisas assim. Caímos novamente
nas oito preocupações mundanas. Certamente é melhor fazer oferecimentos com a
motivação de simplesmente querer uma vida longa ou ficar livre de doença. Algumas
pessoas dizem que estão fazendo oferecimentos a Sangha motivadas por profundo
respeito pela Sangha, e não na esperança de receber méritos. Na realidade, estão fazendo-
o principalmente por reputação.
Se estivesse esperando alguém em sua casa hoje, você varreria com mais cuidado e
colocaria mais oferecimentos em seu altar do que normalmente faz. Você não ofereceria
só uma lamparina, e encheria a casa com incenso aromático. Mas é difícil dizer se você só
está querendo impressionar a sua visita, ou se o oferecimento vai lhe beneficiar ou
prejudicar. Geshe Ben Gungyel soube que um benfeitor vinha visitá-lo. Geshe Ben
arrumou os melhores oferecimentos que conseguiu encontrar para oferecer às Três Jóias.
Depois, sentou em sua almofada de meditação e examinou sua motivação. Ele viu que
havia feito o oferecimento para impressionar seu benfeitor. Então, pulou de seu assento e
90
jogou cinzas em cima de todo o oferecimento, dizendo, “Oh monge! Não tente enganar-
se!” E deixou os oferecimentos cobertos de cinzas.
Padampa Sangye ouviu isso enquanto estava em Langkor, no Alto Dingri, e em
louvor disse que, de todos os oferecimentos feitos no Tibet, o mais nobre era de Ben
Gungyel. As pessoas perguntaram porque isto era assim. Padampa respondeu que o geshe
havia conseguido encher de cinzas a boca das oito preocupações mundanas. Padampa
estava extremamente feliz, mas obviamente não estava elogiando os oferecimentos que
Geshe Ben havia feito originalmente. Ele estava louvando o ato de cobrí-los com cinzas!
Então e muito importante fazer um oferecimento junto com bodhicitta. Não faça as
oito preocupações mundanas a sua motivação, nem faça oferecimentos para conseguir um
renascimento superior, a excelência definitiva [da liberação], e coisas assim.
Nos dizem para “arrumá-los harmoniosamente.” Algumas pessoas podem pensar, “Eu
não quero impressionar os outros,” e podem arrumar seus oferecimentos de qualquer
jeito. Você não deve fazer isto: deve se esforçar para arrumá-los da forma mais bonita
possível. Nos dizem que arrumar belamente seu altar agirá como causa para as marcas e
sinais de um Buda quando se iluminar.
Você mesmo deve colocar os oferecimentos; se mandar seus discípulos ou
empregados arrumar os oferecimentos, você não receberá nenhum dos méritos. Quando
Atisha estava extremamente doente, ele mesmo oferecia as tigelas de água embora suas
pernas estivessem sem firmeza. As pessoas diziam-lhe “Oh, Atisha, isso é demais para
você. Nós podemos fazer isto por você.”
A resposta de Atisha era, “Então, quando eu como você não deveria me dizer, ‘Oh
Atisha, isto e muito difícil,’ e comer a minha porção de comida por mim?”
Quando os Dharmarajas da Índia antiga praticavam grandes atos de generosidade,
eles não mandavam algum ministro ou outra autoridade distribuir os presentes. Mas, o
rajá construía um pavilhão e se sentava dentro dele cercado por pilhas de jóias para
distribuição, que ele mesmo pessoalmente entregava. Isto era chamado de “prática
extraordinária de generosidade.” Então é muito importante colocarmos os oferecimentos
com nossas próprias mãos.
Você também deve oferecer a primeira porção de sua comida – mas apenas a melhor
parte; você não deve oferecer legumes murchos ou, caso seja rico, a parte bolorenta de
seu tue [um doce tibetano].
Temos a tendência de guardar a melhor manteiga e farinha de cevada para nosso
próprio uso, e deixar de lado a pior parte dizendo, “Isto é para os oferecimentos!” Isto não
seria igual a varrer nossos méritos? Mesmo assim, lamparinas de manteiga são
oferecimentos de luzes e não de manteiga derretida, então alegam que não tem problema
oferecer manteiga um pouco rançosa.
Não é preciso sentir-se intimidado com tudo isso se você for pobre. Tendo
abandonado levar uma vida normal pode levá-lo a pensar que não tem nada a oferecer.
Mas se sua fé for forte o bastante, você também poderá fazer oferecimentos, mesmo se
não tiver nada que possa dar. Como disse o grande Atisha:
91
A água no Tibet tem oito propriedades, então basta oferecer tigelas de água no
Tibet. Se existisse na Índia algumas destas flores silvestres, as pessoas dariam
ouro por elas.
Então, você pode não ter nada a oferecer, mas ainda pode ter grande força atrás de sua
acumulação de méritos se só oferecer tigelas d’água.
Agora discutirei estas oito propriedades da água. Seguirei as explicações de meu
próprio e precioso guru sobre os benefícios karmicos que se ganha de cada uma destas
oito propriedades. Em O Comentário ao Tesouro de Metafísica de Vasubandhu, de
Jampelyang, estas oito propriedades são explicadas:
Os oito benefícios [karmicos] correspondentes são os seguintes. Sua ética será pura
porque a água oferecida é fresca. Por ser deliciosa, você apreciará os alimentos mais
deliciosos. A leveza da água significa que sua mente e corpo ficarão em forma. A
suavidade da água resulta num contínuo-mental gentil. Uma mente clara resulta da
clareza da água. Sua ausência de odor purificará seus obscurecimentos [kármicos]. Como
a água não fere o estômago, seu corpo estará livre de doenças. Ser fácil para a garganta
significa que você terá voz agradável.
Quando Drubkang Geleg Gyatso entrou pela primeira vez numa casa de retiros do
Mosteiro Sera Je, ele tinha muitos poucos pertences e mantimentos. Ele nem mesmo tinha
um conjunto de tigelas para seus oferecimentos de água. Para fazer o oferecimento, ele
tinha de dar uma boa lavada em sua tigela de comida e então colocar o seu oferecimento
de água dentro. Se quisesse beber chá, primeiro pedia licença às Três Jóias para pegar a
tigela emprestada. Ele usava a tigela e quando acabava de tomar seu chá, lavava
novamente a tigela e fazia outro oferecimento de água.
Você pode oferecer mentalmente qualquer coisa. Pode ser flores de verão, frutas,
água clara e fresca, e coisas assim. Meu próprio precioso guru me disse, “Você pode
também consagrar os oferecimentos recitando o mantra para aumentar os oferecimentos
[Dia Cinco] e depois dedicar a virtude. Busque detalhes na biografia de Tridagpo
Tsepel.” De qualquer forma, a sua fé e o principal fator – não o que você esta oferecendo.
Alguns podem pensar que basta oferecer água, flores, etc.26, o que pode levá-los a
pensar se poderiam reservar as coisas realmente valiosas para seus próprios fins. Tais
pensamentos poderiam causar seu renascimento como fantasma faminto. Você deve
oferecer o melhor do que tiver.
Alguns monges comuns que renunciaram a todo trabalho mundano podem pensar,
26
N.T. - Aqui ele se refere aos oferecimentos tradicionais que são: água de lavar, agua de beber, flores, incenso, luzes,
perfume, comida e música.
92
“Eu não devo fazer oferecimentos materiais. Dizem que seres ordenados devem se
concentrar em oferecer o que conseguiram realizar através de suas práticas [meditativas].
Basta eu fazer este tipo de oferecimento.” Mas se este pensamento levá-lo a nunca fazer
qualquer oferecimento material, então em renascimentos após renascimentos, você nem
mesmo terá pequenas coisas para oferecer!
Se tudo o que tiver a oferecer for pequeninos bolos rituais e meio bastão de incenso,
não subestime o seu valor. Você aumentará os seus méritos se oferecê-los. Mais tarde
este mérito lhe trará bens materiais para fazer oferecimentos mais grandiosos. Isto é
ilustrado pela vida de Geshe Puchungwa. Como o próprio Geshe Puchungwa disse:
De fato, certa vez ele ofereceu incenso que valia vinte e duas moedas de ouro. Mesmo
assim, alguns podem alegar, “Geshe Puchung era um ser realizado que se devotou
inteiramente à meditação. Não espere conseguir a iluminação de tais atos externos.” Uma
alegação destas demonstra como estão pouco familiarizados com o Dharma. Você deve
pensar que os Bodhisattvas que alcançaram um dos dez níveis fazem oferecimentos aos
Vitoriosos durante eons, por meio de centenas de milhares de corpos de emanação, cada
um com centenas e ate milhares de braços. Certamente você deve fazer o maior número
de oferecimentos que puder.
Agora, segue um pouco sobre como fazer oferecimentos. Vamos fazer oferecimentos
de tigelas de água, por exemplo. Você deve limpar bem as tigelas. Deve colocar as tigelas
em uma linha reta. Elas não devem estar muito afastadas umas das outras, porque isto
pode resultar em você se separar de seu guru. Se estiverem muito juntas e se tocarem,
você poderá se tornar lento de inteligência. Se colocar as tigelas fazendo muito barulho,
poderá ficar louco, e coisas assim. Evite fazer estes tipos de coisas. Se colocar as tigelas
enquanto ainda estiverem vazias, os seus méritos diminuirão. Você deve segurar a pilha
de tigelas em sua mão e despejar um pouco de água na tigela de cima.27 Consagre isto
com as três sílabas om ah hum. Despeje quase toda a água na tigela seguinte, deixando só
um pouco na primeira tigela. Coloque a primeira tigela no altar e continue este processo
com todas as tigelas. Assim, não estará colocando tigelas vazias no altar. Depois acabe de
encher as tigelas do altar, evitando segurar o jarro de água só com uma mão, pois isto é
considerado desrespeitoso. Você deve agir como se estivesse servindo chá a um
maharaja.
Um grão de cevada é grosso no meio e fino em ambas pontas; e assim que deve
despejar a água [isto é, no início um pouco, depois bastante, e depois ir afilando]. Se
27
N.T. As tigelas tibetanas próprias para oferecimentos se encaixam uma dentro da outra, cabendo todas elas fácilmente
empilhadas na palma da mão.
93
deixar a água transbordar, pode resultar que a sua ética fique frouxa, mas se as tigelas
forem enchidas insuficientemente, o seu padrão de vida pode declinar. A superfície da
água deve estar abaixo do nível da borda das tigelas em uma distância igual a espessura
do grão de cevada.
Lamparinas de manteiga são oferecimentos de luzes, então elas devem ter uma chama
com muita luz. Dizem que devem queimar o máximo possível, porque isto e um gesto
auspicioso para ter uma vida longa. Você deve decidir por si mesmo como oferecer as
outras coisas, como flores.
Os sutras dizem que cada oferecimento que fizer tem dez vantagens.
A parte traseira de sua almofada de meditação deve ser ligeiramente mais alta. Isto
tem um significado tântrico profundo; e também evitará dores em suas nádegas quando se
sentar em meditação por longos períodos.
Debaixo do tapete de sua almofada, você deve desenhar, com giz branco, uma
suástica no sentido dos ponteiros do relógio. A suástica significa a cruz vajra e deve
recordá-lo da passagem da vida de Buda quando ele sentou no trono vajra [em
Bodhgaya]. Simboliza também que a sua prática ficará firme. Mas, não é correto sentar
em uma cruz vajra verdadeira, já que é um dos implementos simbólicos que as deidades
tutelares seguram. Coloque capim durva [um capim longo com muitos segmentos] e
capim kusha sobre a suástica. Mais uma vez, a fonte desta prática é a vida de Buda. O
capim durva aumenta o seu tempo de vida. Está dito nos sutras: “Durva aumenta o tempo
de vida..” Ou seja, a sua vida aumenta ao sentar-se nele. E, também, “Kusha é limpo e
virtuoso.” Em outras palavras, kusha é uma substância que elimina a poluição e a
sujeira.28 Quando os brâmanes indianos recebiam uma poluição de casta, eles passavam a
noite num monte de capim kusha. Espalhe o kusha debaixo de seu assento para eliminar
estas coisas.
A “postura de oito pontos” mencionada no título acima, se refere à postura de sete
pontos de Vairochana, sendo o oitavo ponto o ato de contar a sua respiração. Gyalwa
Ensapa disse:
28
N.T. O capim kusha é longo e reto, simbolizando também a mente unificada. Este capim macio é muito usado na India
como uma vassoura.
94
As pernas ficam na posição vajra [ou “lótus completo”]. E também permitido sentar
na posição de meio lótus ou simplesmente de pernas cruzadas como a “postura do
Bodhisattva.” Mas, a posição vajra é obrigatória para as meditações tântricas do estágio
de consumação.
Coloque as suas duas mãos na postura de absorção meditativa. A mão direita repousa
sobre a mão esquerda.29 As pontas dos dois polegares se tocam mais ou menos na altura
do umbigo. As suas costas devem estar retas, com as vértebras tão retas quanto uma pilha
de moedas. Dizem que os canais vento-energia são endireitados quando o corpo está reto;
os ventos-energia podem então ser regulados e a mente fica mais maleável.
Os dentes e lábios não devem estar muito fechados nem muito abertos, o melhor e
deixá-los na posição natural. Coloque a ponta da língua em seu céu-da-boca, para que a
sua boca não fique seca. Quando entrar em absorção meditativa profunda, vai evitar
também que a saliva escorra de sua boca.
A sua cabeça deve estar ligeiramente inclinada para baixo, fazendo uma ligeira
pressão em seu pomo-de-adão. Dizem que “os olhos devem estar focalizados na ponta de
nosso nariz”, mas você só precisa realmente focalizar seus olhos para que vejam os dois
lados de seu nariz. O propósito disto é que fica mais fácil cortar o torpor ou agitação
mental [Dia Vinte e Um]. Algumas pessoas fecham bem os olhos quando fazem
visualizações. Isto é incorreto. Outras seitas dizem para dirigir os olhos para cima,
imitando pessoas que possuem as melhores faculdades dos sentidos, cuja percepção é a
percepção do dharmakaya [o corpo da verdade]. Mas isto é estranho à nossa tradição.
Os ombros devem estar nivelados, e não um mais alto do que o outro.
Estes são os sete pontos da postura Vairochana. Eles tem significado da maior
profundidade para o estágio de consumação, mas agora não é hora de falarmos disto. Esta
postura sentada é de importância crucial, como Marpa de Lhodrag diz: “A soma de todas
as meditações tibetanas não se iguala à maneira como eu, Marpa, o tradutor, senta.” A
postura é atribuída ao Buda Vairochana porque ele é o aspecto purificado do agregado da
forma sob o formato de uma deidade.
O oitavo ponto é o ato de contar a sua respiração. Quando a mente primária é não-
virtuosa, os fatores mentais secundários que a acompanham também são não-virtuosos.
Nesta situação, é difícil gerar um estado mental extremamente virtuoso. Por exemplo,
você pode passar mecanicamente pelo procedimento de desenvolver a bodhichitta
enquanto está com muita raiva, e recitar, “Pelo bem de todos os seres sencientes, que
foram minhas mães...” mas você não tentará gerar um estado mental virtuoso enquanto a
mente primária e os fatores mentais secundários que a acompanham permanecerem não-
virtuosos. Você deve, ao contrário, mudar o seu estado mental para um estado neutro.
Suponha que um tecido de algodão seja branco, mas com manchas pretas. É difícil tingi-
lo de outra cor. Mas se lavar bem o tecido na água, ele fica totalmente branco e é muito
mais fácil tingí-lo de vermelho, amarelo, ou de qualquer cor que queira.
29
N.T. Ambas as palmas viradas para cima.
95
O chamado estado mental neutro não é nem virtuoso nem não-virtuoso. É como o
tecido de algodão sem as manchas. Você pode perguntar, “Qual é a técnica para contar a
respiração e mudar o nosso estado mental para neutro?” Dirija a sua mente para dentro e
examine a sua motivação. Se achar que está sob o poder do apego, hostilidade, e coisas
assim, você deve respirar de uma maneira mais relaxada. Não deixe a sua respiração
passar ruidosamente pelas narinas. Ela não deve ser nem muito forte nem muito irregular.
Depois, enquanto inspira, pense, “Eu estou inspirando. Esta é a primeira vez.” Depois,
repita uma segunda vez. Continue a contar, sete, onze, quinze, vinte-e-um, ou quantas
forem, mas não use o seu rosário guardar a conta. Não se deixe distrair de contar. Seres
comuns não conseguem reter duas coisas ao mesmo tempo na mente, e por isso a mente
mudará de um estado hostil ou apegado para um estado neutro.
Dizem que se deve fazer a seguinte visualização. Ao expirar, imagine que os seus
enganos tomam a forma de raios negros situados dentro do ar que sai. Ao inspirar, as
bênçãos dos Vitoriosos e seus Filhos vêm dentro do ar que entra, desta vez na forma de
raios brancos de luz. Mas, isto não é obrigatório, e apenas algo que mostrou ser útil.
Uma vez que a mente tenha se tornado neutra, é mais fácil gerar um estado mental
virtuoso. O meu próprio precioso lama me deu este exemplo. Suponha que seja um
inverno terrivelmente frio, e só há uma almofada no chão – a sua, mas alguém já está
sentado nela. Se você mandá-lo se levantar grosseiramente, ele recusará. Se, em vez
disso, se afastar um pouco e disser, “Que grande coisa está acontecendo ali!” E parecer
dar uma olhada. A pessoa se levantará para ver. Você poderá sentar-se na sua almofada se
for rápido o bastante! De maneira semelhante, é difícil deixar de ter apego enquanto
cultiva um estado mental não-virtuoso, não importa o quanto tente. Se fixar a sua mente
nos movimentos da sua respiração, isto redireciona a mente e pacifica os enganos. Então
é mais fácil gerar um estado mental virtuoso. Mas lembre-se que ainda é fácil gerar um
estado mental virtuoso se a mente primária e os fatores mentais que a acompanham não
forem não-virtuosos; assim, pode ser que não precise contar a respiração. Este é o motivo
de dizer que existem sete ou oito pontos.
Talvez não precise contar a respiração, mas mesmo assim deve gerar um estado
mental virtuoso no início de sua sessão de meditação. Quando começar qualquer prática
virtuosa, é vital acertar a sua motivação corretamente logo no início. O Grande
Tsongkapa escreveu Perguntas sobre o Altruísmo Mais Branco, onde ele indica uma série
de coisas aos mestres de meditação no Tibet. Uma das perguntas foi: “O que é tão
importante no início da meditação quanto as palavras 'em sânscrito' no início de um
texto?30 O Panchen Lama Lozang Chokyi Gyaltsen respondeu esta e outras questões em
seu texto O Riso Melodioso de Lozang Dragpa - Respostas às "Perguntas sobre o
Altruísmo Mais Branco.” Ele disse:
30
Todas as traduções das escrituras Budistas começam com as palavras "Em sânscrito" seguidas pelo título original em
sânscrito; isto garante a sua autenticidade.
96
Assim como as palavras “Em sânscrito”
Devem aparecer no início de um texto.
Foi isto que você quis afirmar, oh guru inigualável.
Atisha disse:
97
“Vocês não conseguiram nada?” ele perguntou aos brâmanes.
Eles perderam a calma e disseram: “Se tivéssemos a oportunidade, cortaríamos as
cabeças de todos os homens santos de Shakyamuni e as deixava apodrecendo no chão.”
O kshatriya havia desenvolvido fé [na Sangha] porque havia recebido muita comida.
“Quando eu for rico,” disse, “eu gostaria de dar ao Buda e sua Sangha alimentos com
cem sabores diferentes todos os dias.”
Eles estavam andando enquanto falavam, e todos os três tinham chegado a cidade de
Shravasti. Eles pararam para cochilar em frente a uma árvore. Uma carreta extraviada
passou por eles e as suas rodas deceparam as cabeças dos dois brâmanes.
Mais ou menos ao mesmo tempo, um mercador morreu em Shravasti. Ele não tinha
tido filhos, e todos os homens livres de Shravasti se reuniram para decidir quem tinha
méritos mais grandiosos, pois tal pessoa se tornaria o herdeiro do mercador. Eles
encontraram o kshatriya dormindo; ele sempre estava debaixo da sombra da árvore apesar
das sombras das outras árvores mudarem de lugar. Então, tornou-se chefe dos
mercadores. O kshatriya era tão bom quanto a sua palavra e fez doações ao Buda e a
Sangha. Ele ouviu o Dharma e chegou a ver a verdade. Como está dito naquele sutra
específico:
98
Nossa motivação faz uma diferença enorme no tipo de resultado kármico virtuoso que
vamos receber, e na força destes resultados. Suponha que quatro pessoas estejam
recitando juntas um rosário de preces a Tara. Um tem bodhichitta como motivação. Outro
está motivado pela renúncia. O terceiro anseia por um melhor renascimento. O último só
aspira as preocupações desta vida, boa saúde e coisas assim. Embora os quatro recitem a
mesma quantidade, há uma grande diferença no tipo de resultados kármicos que vão
obter. A recitação da primeira pessoa foi feita com o desenvolvimento da bodhichitta; a
recitação agirá, portanto, como causa para sua iluminação. E também um feito de um
Filho dos Vitoriosos, e Dharma Mahayana. Isto não se aplica aos outros três.
A recitação da segunda pessoa foi feita junto com renúncia. Portanto, agirá como
causa para a liberação e será um antídoto contra o samsara. É um Dharma do nível de
Capacidade Média. A recitação das outras duas pessoas não contribuirão nem mesmo
para suas liberações; as recitações estariam classificadas sob a verdade da origem do
sofrimento.
A recitação da terceira pessoa não contribui para a onisciência nem para a liberação.
É só um meio de evitar que renasça nos reinos inferiores. É um Dharma do nível de
Capacidade Pequena.
A recitação da quarta pessoa só pertence a esta vida e portanto, nem mesmo e
Dharma. E será difícil que tenha qualquer efeito nesta vida. Como disse Atisha:
Pergunte-me quais são os resultados de só pensar nesta vida e eu direi: são apenas os
resultados desta vida. Pergunte-me o que acontecerá em suas próximas vidas e eu direi:
você estará no inferno ou será um fantasma faminto ou um animal.
Portanto, quando nós monges vamos a cerimônias ou prática de debates, devemos
fazê-lo com a motivação de bodhichitta; depois até mesmo os nossos passos serão atos de
um Filho dos Vitoriosos. Cada passo valerá mais do que cem mil moedas de ouro. Mas se
fizermos qualquer doação de chá, sopa, ou o que for, para que a hierarquia monástica
fique satisfeita conosco, a doação só se encaixará na descrição de Atisha.
A motivação do meditador também determina se as meditações terão sentido. Atisha
disse que a verdadeira meditação preciosa era a meditação no guru. Se meditar movido
pelo desejo de receber chá, peças de seda e coisas assim, todas as suas meditações serão
maculadas. Se meditar até mesmo com o mais leve pensamento de colocar um fim no
oceano de renascimentos, os méritos que receber vão transbordar os próprios limites do
espaço.
Assim, se não adotar as motivações corretas para algumas práticas de virtude – sejam
pequenas ou grandes – a prática não levará a nada. Tais práticas incluem estudo,
contemplação, meditação, fazer donativos, prática da generosidade, e assim por diante.
Portanto, é preciso ter seriedade, adotando uma motivação correta logo de início. Alem
disso, como isto é Dharma Mahayana, não basta adotar intenções virtuosas, você deve
fazer suas práticas com um tipo muito especial de estado mental virtuoso – a bodhichitta.
Se sua bodhichitta for espontânea, ela se desenvolverá por si só e você não terá que
fazer o seguinte. Se a sua bochichitta for do tipo produzido, você deve ativá-la
conscientemente. A sua mente não mudará de rumo se, sem qualquer preparação, você
99
simplesmente recitar: “Pelo bem de todos os seres sencientes...” Você deve, ao contrário,
começar com algo como, “Eu consegui um perfeito renascimento humano...” e terminar
com “Vou alcançar a iluminação pelo bem de todos os seres. Portanto, vou meditar neste
ensinamento dos estágios do caminho a iluminação." Falei sobre isso alguns dias atrás.
Em outras palavras, você deve trabalhar o seu caminho indo desde o tema da dificuldade
de se obter um perfeito renascimento humano até a seção de desenvolvimento da
bodhichitta. Então, a sua mente será transformada.
Os santos do passado deram vários ensinamentos – alguns breves, alguns detalhados –
de como acertar a motivação. Alguns alegaram que se não tivéssemos sido capazes de
realizar alguma transformação mental através de algum processo de transformação do
pensamento, seria suficiente acertar a nossa motivação por meio de certas recitações.
Mas, é a mente que acerta a nossa motivação, não a boca. Assim, devemos transformar
nossa mente inundando-a com o significado do texto que estamos recitando.
Portanto, estando neste estado mental especialmente virtuoso, você deve agora tomar
refúgio. Mas cuidado: estou combinando os três textos de Lam-rim neste ensinamento e
você não deve ficar confuso, pois cada texto tem sua própria versão dos ritos
preparatórios, da visualização do Refúgio, e do campo de méritos. Parece que agora a
prática e ensinar os ritos preparatórios segundo a versão da Linhagem do Sul por causa de
sua conveniência. Mas, você deve usar a versão de O Caminho Rápido em sua recitação
diária.
Antes de tomar refúgio, você pode invocar a visualização do refúgio. A versão desta
visualização em O Caminho Rápido é a seguinte.31 Visualize à sua frente um trono
enorme e precioso, sustentado por oito enormes leões. Se situar o trono muito alto, a sua
mente se tornara muito agitada, se muito baixo, sua mente ficara entorpecida. O ideal
seria visualizar o trono nivelado com o espaço entre as suas sobrancelhas. Cinco tronos
menores se encontram neste trono grande: um no centro e os outro quatro ao seu redor
nas quatro direções cardeais.
O trono central e ligeiramente mais alto que os outros quatro. Gere a visualização de
Buda Shakyamuni, nosso Mestre, neste trono central. Por natureza ele é o seu guru raiz
que lhe ensina o Dharma. Os detalhes desta visualização do Buda devem seguir o texto
que estiver recitando. Você deve sentir que ele é o seu guru por natureza, porque é na
dependência de seu guru que você desenvolverá todas as realizações – os resultados de
seguir o caminho. O seu guru tem o aspecto de Buda Shakyamuni porque Shakyamuni e
o Senhor dos Ensinamentos, a própria fonte do Dharma. Sua mão direita adota o mudra
(gesto) de tocar-a-terra, significando a derrota de Kamadeva, o demônio da luxúria. A
mão esquerda de Shakyamuni segura uma tigela de esmolar, que contém vários néctares.
Um deles é o néctar que tudo cura, significando a derrota dos cinco agregados
demoníacos. Depois há o néctar da imortalidade – significando a derrota do Senhor da
Morte [Yama}. O néctar da sabedoria primordial não-contaminada significa a derrota dos
31
N.T. Para facilitar o entendimento e evitar confusão, a descrição da prática segundo O Caminho Rápido se encontra em
negrito.
100
enganos. Você deve pensar que isto significa que Buda derrotou estes quatro demônios
que o afligiam e que nós também em breve vamos derrotar os nossos quatro demônios.
No coração de Buda está Vajradhara; este é o ser de sabedoria. No coração de
Vajradhara há uma sílaba hum azul, isto é o ser de concentração. Você deve visualizar
estes três seres estando um dentro do outro. Esta visualização está relacionada ao tantra.
Você pode estar indagando: “Muitas pessoas já me ensinaram o Lam-rim. Quais
destes deverei visualizar como a figura central?” Adote como seu guru principal aquele
que mais beneficiou o seu contínuo-mental.
Maitreya está sentado no trono menor à direita de Buda. Maitreya está cercado por
tronos ainda menores, onde sentam-se os gurus da Linhagem de Feitos Extensos.
Manjushri está sentado no trono menor à esquerda do trono de Buda. Como o anterior, ele
também está cercado por tronos menores, onde sentam-se os gurus da Linhagem da Visão
Profunda. Vajradhara está sentado no trono atrás de Buda; Vajradhara está cercado pelos
gurus da Linhagem das Práticas Consagradas.32
No trono em frente ao Buda está sentado o seu próprio guru-raiz, desta vez em seu
aspecto normal. Você não deve visualizar seus defeitos físicos; por exemplo, na vida real
ele pode ser cego, mas você não o visualiza assim. A sua mão direita faz o gesto de
ensinar o Dharma, a mão esquerda faz o gesto da absorção meditativa. Um vaso de
iniciação doador de vida, cheio de néctar de imortalidade, repousa na palma de sua mão
esquerda. Estes dois gestos indicam que ele é um Buda, pois pode ensinar o Dharma
enquanto permanece absorvido na meditação da vacuidade. O gesto de ensinar o Dharma
também encoraja os seus discípulos a estudar; o gesto de absorção meditativa os encoraja
a colocar os seus estudos em prática. O Grande Tsongkapa disse:
101
gurus temos, não temos nenhuma idéia e precisamos contá-los em nosso rosário. Mas
podemos imediatamente dizer quanto dinheiro temos em nosso bolso! Isto mostra como
não consideramos seriamente o guru como a raiz do caminho.
Nesta visualização, os seus gurus que ainda estão vivos estão sentados em almofadas.
Aqueles que já morreram, sentam-se em lótus e discos lunares.
Estaremos usando o termo “os cinco conjuntos de gurus” porque os gurus nesta
visualização estão sentados em cinco grupos. As outras figuras no campo de mérito –
desde as deidades tutelares até os protetores do Dharma – circulam estes gurus. As outras
figuras estão em pé ou sentados no trono maior que sustenta os cinco tronos menores. Na
tradição oral de meu próprio e precioso guru as deidades de meditação se posicionam ao
redor dos cinco conjuntos de gurus. Isto segue a prática do Tutor Tsechogling Rinpoche.
As deidades do círculo mais interno são as do Ioga Tantra Superior. Elas estão rodeadas
pelas deidades do Ioga Tantra. Depois vem aqueles do Charya Tantra [Tantra de
Atuação], e o Kriya Tantra [Tantra de Ação]. Chuzang Lama Yeshe Gyatso coloca os
quatro tipos de deidades nas quatro direções cardeais: o Ioga Tantra Superior na frente, o
Ioga Tantra à direita, etc. Devido a esta arrumação, em desenhos da versão de Chuzang
da visualização do campo de mérito, só estão visíveis as deidades do Ioga Tantra
Superior.
Em todo caso, as deidades de meditação estão cercadas pelos Budas em sua forma
suprema nirmanakaya. Proeminente neste grupo estão os mil Budas deste eon afortunado,
os oito Tathagatas [Suvanam, Ratna, etc.], os trinta e cinco Budas de Confissão, etc. A
finalidade disto é a seguinte. Há, em geral, um número infinito de Budas; mas nosso
relacionamento mais forte é com estes Budas deste eon afortunado. Nos dizem que
orações feitas aos outro sete Tathagatas durante o reinado dos ensinamentos do Buda
serão bem sucedidas. Os trinta e cinco Budas de Confissão têm grande poder para
purificar ações negativas e votos quebrados [Dia Seis].
Os Budas por sua vez estão cercados pelos Bodhisattvas, como os oito Filhos mais
próximos [do Buda Shakyamuni: Manjushri, Vajrapani, etc.]. Estes tomam a forma de
deuses masculinos.
Os Bodhisattvas estão cercados pelos Pratyekabuddhas, como os doze
Pratyekabuddas. Eles estão rodeados pelos Shravakas – os Dezesseis Arhats Superiores
[Angaja, Ajita, etc.] e assim por diante. Todos tomam a forma de monges. Eles exibem as
boas qualidades de pureza, seguram tigelas de esmolar, cajados de ferro e livros de folhas
de palmeiras. Os Shravakas podem ser distinguidos dos Pratyekabuddhas pela
protuberância ligeiramente menor na coroa de suas cabeças. Na realidade, este grupo
exibe marcas semelhantes às marcas e sinais [dos Budas].
Os Shravakas estão rodeados pelos dakas e dakinis1 tais como Khandakapala e
Prachandali. Eles tomam as formas descritas no Tantra de Heruka.
Os dakas e dakinis33 estão rodeados pelos protetores supramundanos do Dharma –
principalmente pelos senhores do Dharma dos três níveis do Lam-rim [Mahakala de seis
braços, Vaishravana e Kamayama].
33
N.T. São deuses próprios do Tantra, sendo os Dakas deuses masculinos e as dakinis deusas femininas.
102
Há duas tradições orais a respeito dos quatro maharajas dos quatro pontos cardeais.
Uma tradição coloca-os no trono principal; a outra tradição, coloca-os em pé sobre
almofadas de nuvens abaixo do trono. A razão disto é a seguinte. A primeira tradição
considera estes maharajas figuras supramundanas. A segunda dá-lhes apenas o status
mundano. É errado incluir figuras mundanas menores como espíritos-reis nesta
visualização. Certa vez, mostraram uma pintura deste campo de méritos ao Lama
Tsechogling Rinpoche, tutor de um dos Dalai Lamas. O artista havia desenhado um
espírito-rei entre os protetores. Rimpoche apontou a figura e disse: “Ah, se ao invés disto
ele tivesse pintado uma jóia que realiza desejos!”
Visualize livros de Dharma na frente de cada uma das figuras nesta visualização do
refúgio. Os livros são por natureza a jóia do Dharma realizado, mas tomam a forma de
livros – isto é, o Dharma transmitido. Os livros estão embrulhados em seda e possuem
marcadores coloridos. Visualize que estes livros estão lhe ensinando o Dharma [emitindo
o som das palavras que eles contém].
Há muitas versões da visualização do refúgio. Uma tradição tem as Três Jóias unidas
em uma única figura [a do guru], outra versão tem várias figuras de pé em níveis
horizontais diferentes. Mas, a descrição acima tem todo o simbolismo necessário
relacionado às Três Jóias. Mas notem: esta visualização não é bi-dimensional como uma
pintura. Nem as figuras são sólidas como estátuas de argila: eles são corpos de arco-íris
cuja natureza é de luz clara e brilhante. Eles estão aqui em pessoa, e irradiam luz
brilhante. Em A Transmissão do Vinaya encontramos três comparações em louvor do
corpo iluminado:
As figuras estão também debatendo o Dharma entre si. De fato, há uma imensa
quantidade de atividade acontecendo: alguns estão chegando enquanto outros vão realizar
várias tarefas. Há muito ir e vir, como pessoas em negócios de estado entrando e saindo
dos portões do palácio do rei. As figuras – desde Buda Shakyamuni até os maharajas –
enviam emanações pelo bem dos seres sencientes, enquanto outras emanações retornam a
eles. Cada poro destas figuras é também um campo de méritos. E assim por diante. A
visualização deve ser a mais detalhada possível.
Você também deve pensar que as figuras neste campo de méritos estão extremamente
felizes com você. Como disse Drubkang Geleg Gyatso, normalmente você não faz aquilo
que os Vitoriosos e Seus Filhos pedem; mas faz aquilo que eles pedem que não faça.
Então, não há ocasião em que possam ficar felizes com o que fez. Mas, agora você esta
fazendo algo para agradá-los. Suponha que uma mãe tenha um filho que seja o tempo
todo malcriado. Se uma vez ele fizer algo de bom, isto agradará sua mãe mais do que
qualquer outra coisa. Nós estamos sempre fazendo as coisas erradas. Mas, aqui estamos,
tentando meditar no Lam-rim. Isto agrada os Vitoriosos e Seus Filhos mais do que
qualquer outra coisa.
103
Neste ponto, você gera a motivação para tomar refúgio. Você deve fazer isto através
da seguinte recitação [de Um Ornamento para as Gargantas dos Afortunados, de Jampel
Lhumdrub].
O resultado de gerar as causas para tomar refúgio será que você toma refúgio
corretamente. Estas causas são medo e fé. O medo é dos sofrimentos gerais e específicos
do samsara. A fé é a crença de que as Três Jóias podem protegê-lo destes sofrimentos. E,
para tomar o refúgio incomum, do tipo Mahayana, você precisa de uma causa adicional:
amor e compaixão pelos outros seres atormentados por estes sofrimentos. Vou tratar deste
assunto – as causas para tomar refúgio – em maiores detalhes durante a parte principal do
ensinamento.
Visualize-se rodeado por todos os seres sencientes juntamente com seus pais. Eles
estão sentados juntos, e estão passando o sofrimento de seus diversos tipos de
renascimentos nos diversos reinos, mas você os visualiza na forma de seres humanos – ou
seja, como seres capazes de falar e compreender. Você os guia na recitação da fórmula do
refúgio, e deve pensar que todos estes seres estão tomando refúgio com você.
Dizem que quando você recita a fórmula quádrupla do refúgio em cerimônias
públicas, você deve repeti-la na ordem, isto é:
34
N.T. Esta fórmula pode ser também recitada
Em sânscrito: ou Em tibetano:
Namo Gurubhya Lama-la kyab su chio
Namo Buddhaya Sangye-la kyab su chio
Namo Dharmaya Chos-la kyab su chio
Namo Sanghaya Gedun-la kyab su chio
104
Mas, ao tomar refúgio durante as suas meditações, você deve repetir cada parte da
fórmula várias vezes isoladamente.
Assim, quando estiver repetindo “Tomo refúgio no guru” (ou Namo Gurubhya)
focalize sua atenção nos cinco conjuntos de gurus e tome refúgio enquanto recebe deles
os néctares purificadores. Suponha que vá recitar um rosário desta parte da fórmula. Nas
primeiras cinqüenta recitações você deve visualizar que os néctares estão purificando
suas qualidades não-Dharmicas. Durante as últimas cinqüenta repetições, você visualiza
que suas qualidades Dharmicas aumentam. Assim, para a primeira metade da recitação,
você imagina que os cinco tipos de néctares coloridos, juntos com luzes das cinco cores
[branco, vermelho, azul, amarelo e verde], descem dos gurus. O néctar branco predomina.
Eles entram no seu próprio corpo e mente e também nos corpos e mentes de todos os
demais seres sencientes. Os néctares purificam todas as ações negativas e
obscurecimentos acumulados por você e pelos seres sencientes desde os tempos sem
princípio. Isto se aplica especialmente a ações como colocar em perigo o corpo do guru,
desobedecer as suas ordens, perturbar a sua paz mental, desprezá-lo, e não ter fé no guru
– enfim, todas as ações negativas e obscurecimentos adquiridos com relação ao seu guru.
Estas negatividades escorrem para fora de seu corpo sob forma de uma lama negra e você
sente que foi totalmente purificado.
A segunda parte da recitação é como segue. As qualidades Dharmicas a serem
aumentadas são, por natureza, as boas qualidades do corpo, palavra e mente do guru. Mas
elas tomam a forma dos cinco tipos de néctares e luzes coloridas. Desta vez, predomina o
néctar amarelo. Eles descem [dos gurus]. Pense que você e todos os seres sencientes em
geral recebem um aumento de duração de vida, méritos e boas qualidades dos
ensinamentos transmitidos e realizados. Em particular, você e estes seres recebem as
bênçãos do corpo, palavra e mente de seu guru.
Quando recita “Eu tomo refúgio no Buda” (ou Namo Buddhaya) você repete quase a
mesma coisa. Segundo os tantras, “Buda” significa as deidades tutelares das quatro
classes de tantra; segundo o sutra, Budas são as formas nirmamakaya supremas. Néctares
purificadores descem de ambos os tipos de Budas no campo de méritos.
As negatividades que acumulamos com relação aos Budas são: com uma motivação
nociva, fazer sangrar o corpo de um Tathagata, fazer julgamentos sobre as qualidades das
imagens de Buda, penhorar imagens, considerar imagens como mercadorias a serem
compradas ou vendidas, destruir os símbolos da mente iluminada [isto é, as stupas], e
assim por diante.
Um exemplo do primeiro tipo de ação negativa – causar sangramento em um Buda –
foi Devadatta [o primo ciumento de Buda], que usou uma catapulta gigantesca para atirar
pedras no Buda. [Dia Doze] Este ato fez o Buda sangrar. Nós não cometemos este tipo
específico de ação nociva, mas já cometemos as demais.
Quando examina imagens [de Buda] procurando defeitos no acabamento, você está
julgando a sua qualidade. Certa vez, o Mahayogi mostrou a Atisha uma estátua de
Manjushri. Ele perguntou a Atisha se a estátua era boa e se valia o preço para comprá-la
105
com uma [moeda] sho de ouro que Rongpa Gargewa havia lhe dado. Atisha respondeu,
“Uma estátua de Manjushri nunca poderia ser ruim. Mas o artista era apenas medíocre.”
Em outras palavras, só fale da qualidade do artista, pois não é correto apontar os defeitos
da própria imagem. Penhorar estátuas e ganhar dinheiro com elas são coisas corriqueiras.
Você deve evitar fazer estas coisas a qualquer custo.
Na segunda metade da recitação, quando você aumenta as suas boas qualidades,
imagine que os dez poderes, os quatro destemores, as dezoito qualidades exclusivas,
tomam a forma de néctares descendentes. O resto é igual ao que foi dito acima.
Depois, recite “Tomo refúgio no Dharma” (ou Namo Dharmaya). Os néctares descem
vindos dos livros na visualização. Este néctar é por natureza o Dharma realizado.
As negatividades que acumulamos com relação ao Dharma são: abandonar o santo
Dharma, vender escrituras, não mostrar o devido respeito pelas escrituras, lucrar com a
venda de um livro, etc. Corremos o perigo de cometer estas ações negativas, e elas tem
conseqüências extremamente pesadas.
Abandonar o Dharma é depreciar o Mahayana e favorecer o Hinayana; depreciar o
Hinayana e favorecer o Mahayana; jogar o sutra contra o tantra; favorecer uma das
linhagens tibetanas – Sakya, Gelug, Kagyu, ou Nyingma – e depreciar as outras, etc. Em
outras palavras, abandonamos o Dharma cada vez que favorecemos nossos próprios
princípios e depreciamos o resto. Também abandonamos o Dharma quando passamos por
cima de textos, jogamos fora algum texto, etc. Algumas pessoas fazem até coisas como
sentar nos textos. Fazendo isto, acumulam propositadamente karma nocivo. Abandonar o
Dharma é um ato extremamente pesado, como está dito em O Sutra Soberano das
Concentrações Uni-focadas. Mas, eu já cobri isto em grandes detalhes [Dia Três].
É uma ação extremamente pesada vender escrituras, e lidar com elas como se fossem
mercadorias comuns.
Você não trata as escrituras com o devido respeito se colocá-las no chão sem sua capa
de tecido. Se você limpa os dentes e usa a goma dentaria para grudar pedaços de papel
colorido nas paginas35, se lamber o seu dedo para virar uma página, ou colocar coisas em
cima dos livros de Dharma. Estas também são ações muito pesadas. Quando Atisha viu
um escrivão usar o dedo para limpar os dentes e depois grudar um remendo colorido na
página de um livro de Dharma, Atisha não suportou vê-lo. Ele se voltou ao tantrista e
disse, “Ah, que errado, que errado!” Dizem que isto levantou a fé do tantrista em Atisha –
de tal forma que buscou ensinamentos com ele. Pessoas como nós, que estamos sempre
manuseando livros, devem ser especialmente cautelosas: sempre corremos o risco de
cometer uma destas ações.
Se usar algo comprado com dinheiro obtido com a venda de livros, você terá “lucrado
com a venda de livros.” Isto também tem conseqüências pesadas. O quinto dos sete
Shagpa Rimpoches, Denten Kyergampa, era um grande adepto do tantra de
Avalokiteshvara. Seu benfeitor, um leigo, ficou sem dinheiro e vendeu um conjunto do
35
Os tibetanos não sublinham os trechos importantes nos livros. Mas grudam um pedaço de papel colorido no início do
trecho, ou então passam aquarela vermelha ou amarela sobre as palavras a serem enfatizadas. Como não havia cola
facilmente disponível no Tibet, os preguiçosos pegavam um pouco da película sobre seus dentes e a usavam como cola.
106
Sutra da Perfeição da Sabedoria em Cem Mil Versos. O benfeitor convidou Kyergampa e
três outros monges a sua casa, pensando que fazendo isto iria purificar a sua ação
negativa. Ele serviu alimento comprado com o dinheiro recebido pela venda dos livros.
Naquela noite, Kyergampa ficou seriamente doente. Kyergampa podia ver, quando em
meditação uni-focada, uma letra “A” se movendo rapidamente pelo seu corpo. Isto
causava-lhe dores agudas. Ele fez súplicas às suas deidades tutelares, e Avalokiteshvara
veio até ele.
107
pessoas, o que causa atrito entre os dois grupos. Todos os envolvidos, e não apenas a
pessoa que causou a divisão – irão de mãos dadas aos reinos inferiores.
Houve certa vez um geshe Kadampa chamado Selshe que causou divisão na Sangha.
Mais tarde, após a morte do geshe, o Geshe Dromtempa comentou que se o seu discípulo
Selshe tivesse morrido três anos antes, teria morrido como um mantenedor das três cestas,
mas ele morreu três anos muito tarde. “O seu mosteiro Toepur,” disse Drom, “foi a sua
ruína.” E segundo a tradição oral dos mestres de Lam-rim, Selshe ainda está no inferno.
Dizem que o lugar onde uma divisão ocorre fica manchado pela negatividade: outras
pessoas não conseguirão desenvolver realizações naquele lugar, mesmo se praticarem
durante doze anos.
Hostilidade ou apego pode dividir a Sangha em “panelinhas” cujos membros pensam
em termos de “nós” e “eles” e “ah, se houvesse mais gente do nosso lado.” Eu penso que
isto é a principal causa de atrito. Se os membros da Sangha não se entendem, não fazem
nada para melhorar a leitura, estudo ou contemplação das pessoas – muito menos para
ajudar as pessoas atingirem os estados de concentração dhyani que poderiam utilizar para
abandonar os enganos [manifestados]. O pior prejuízo que este tipo de atrito pode causar
e levar os ensinamentos a um declínio. Um sutra afirma:
Esta citação nos diz, em outras palavras, que o principal para os membros da Sangha
é a boa convivência.
“Roubar oferecimentos da Sangha é desapropriar os fundos da Sangha, não entregar à
Sangha impostos arrecadados em seu nome, um membro da Sangha usar algo destinado à
Sangha em geral, etc. Os administradores dos mosteiros são muito vulneráveis a estas
coisas. Alguns monges cujo trabalho é lidar com benfeitores do mosteiro, tem mais
preocupação pelo benfeitor, e pode dizer-lhe, “Não precisamos de tudo isto.” Isto é um
ato de privar a Sangha. Privar a Sangha até de um pouco de manteiga é roubar da boca da
comunidade em geral; é causa para renascer no Inferno Sem Descanso. Outras formas de
desfalcar a Sangha resulta em renascimento nos infernos adjacentes.
Isto está ilustrado pela estória de Arya Sangharakshita. Quando voltava de uma visita
às regiões dos nagas, ele viu alguns seres num inferno ocasional à beira da praia. Aqueles
seres-infernais tomavam muitas formas e formatos; alguns pareciam corda, alguns
pareciam potes de argila, outros como vassouras, pilões, pilares, paredes e até uma pipa
d'água. Eles estavam se lamentando e fazendo gemidos de doer o coração. Sangharakshita
mais tarde perguntou ao Buda, “Que karma amadureceu em tais resultados?”
Buda contou-lhe o seguinte. As criaturas dos infernos que eram como cordas e
vassouras certa vez foram pessoas que privaram a Sangha de cordas e vassouras quando
os ensinamentos do Buda Kashyapa [o Buda anterior] ainda existiam. As cordas e
vassouras eram destinadas para o uso da Sangha em geral, mas estas pessoas colocou-as
de lado para o seu próprio uso.
108
A criatura que parecia um pote de argila havia sido um ajudante leigo da Sangha. Ele
estava fervendo algum tipo de remédio num pote de argila, e algum monge dirigiu-lhe
comentários maldosos. Ele perdeu a calma e quebrou o pote. Isto foi o resultado daquela
ação.
A criatura-pilão havia sido um monge. Ele chamou um noviço em seu quarto e
mandou que amassasse alguns grãos num almofariz e pilão. O noviço estava ocupado e
disse que o faria daqui um pouco. O monge perdeu a calma e disse, “Se eu colocasse as
minhas mãos em seu pilão, eu o amassaria e não pensaria no grão!” Ele renasceu na
forma de pilão como resultado destas palavras insultuosas.
Os seres que pareciam paredes e pilares foram pessoas que cuspiam nos templos da
Sangha. Alguns deles tinham até espirrado nas mãos e limpado as mãos nas paredes e
pilares dos templos.
A criatura que parecia uma pipa d'água tinha uma cintura muito pequena. Isto foi o
efeito amadurecido do seguinte karma. Ele havia sido um monge que deixava a Sangha
passar fome quando só distribuía os alimentos do verão no outono seguinte.
Portanto, se pegar algo que pertence à Sangha sem permissão, mesmo algo como uma
vareta da pilha de madeira da Sangha, você certamente renascerá no inferno ocasional.
“Criticar a Sangha” significa abusar de seus membros com palavras ásperas,
xingando-os, e coisas assim, seja pela frente ou pelas costas. Um brâmane chamado
Manavagaura insultou membros da Sangha de Buda Kashyapa. Ele renasceu como um
tipo de monstro-marinho. Eis uma pequena versão de sua estória.
Na Índia houve certa vez quinhentos pescadores que costumavam jogar suas redes no
rio Gandaka para pegar peixe, tartaruga, etc. Um dia, um tipo de monstro-marinho entrou
pelo rio [um afluente no norte do rio Ganges]. O seu corpo era imenso. Os quinhentos
pescadores não conseguiram pegar o monstro. Eles pediram ajuda a vaqueiros,
cortadores-de-capim, trabalhadores na colheita e transeuntes. Centenas de milhares de
pessoas deram uma mão e a coisa foi arrastada até à margem do rio. Eles viram que o
monstro tinha dezoito cabeças e trinta e dois olhos. Muitas centenas de milhares de
pessoas se reuniram para ver o espetáculo. Entre a multidão, havia seis mestres Tirthikas
e outras pessoas assim. Buda, que tudo pode perceber, independente de quando ocorreu,
foi até lá para fazer um pronunciamento sobre as leis de causa e efeito. Ele estava
acompanhado de muitos monges de sua Sangha.
Scoffers disse, “Este santo homem Gautama alega estar além de tais espetáculos
vulgares. Mas, lá vem ele!”
As pessoas que acreditavam nele disseram, “Buda está acima destas coisas. Buda vai
aproveitar esta oportunidade para ensinar algum Dharma maravilhoso a estas pessoas
aqui.”
Um trono foi arrumado, e Buda sentou-se nele, cercado por seus seguidores. Ele
abençoou o monstro para que pudesse recordar suas vidas passadas e compreender a fala
humana. Então Buda disse-lhe: “Você é Manavagaura, não é?”
109
“Você esta passando por um amadurecimento de alguma ma ação de corpo, palavra e
mente?”
“Sim, estou.”
“Quem lhe orientou mal?”
“Minha mãe.”
“Onde ela renasceu?”
“No inferno.”
“Como você renasceu?”
“Como um animal.’
“Quando morrer, aonde renascerá?’
“Eu renascerei no inferno.” E naquele instante, a criatura começou a chorar.
Os seguidores de Buda estavam totalmente admirados. Por sua insistência, Ananda
perguntou quem era esta criatura que podia lembrar vidas passadas e falar em língua
humana. Buda então recitou sua estória.
“Certa vez, no tempo de Buda Kashyapa, durante o reinado do Rei Krkin, alguns
brâmanes vieram de um outro pais e desafiaram as pessoas a um debate. Um brâmane
chamado Gaurashanti derrotou os outros filósofos em debate e o rei deu-lhe o título da
montanha onde o debate ocorreu. O filho do brâmane tinha longos cabelos louros, e
portanto foi chamado de Manavagaura [Brâmane Louro]. Este filho estudou a arte de
escrever e coisas assim, e se tornou um sábio que também derrotava os outros em
debates.”
Seu pai morreu e sua mãe temia que os outros poderiam tirar-lhe os prêmios que ele
havia ganho em debates. Ela pediu a seu filho, “Você pode derrotar qualquer filósofo em
debates?”
“Eu posso derrotar qualquer um, menos os homens santos de Kashyapa,” ele
respondeu.
“Até eles você vai derrotar,” ela disse.
“Por respeito à sua mãe, ele foi debater com eles. Ele encontrou um monge que lhe
perguntou qual era o significado de um certo verso. Ele não conseguiu apresentar uma
resposta, desenvolveu fé na Sangha e voltou para casa.”
“Você derrotou os homens santos?” sua mãe perguntou.
“Mãe, se houvesse alguma testemunha, eu teria sido derrotado.”
“Filho, neste caso leia as escrituras do Buda.”
“Elas não são abertas para pessoas leigas.”
“Então ordene-se. Depois que conseguir a sua sapiência, deixe de ser monge.”
Ela foi tão insistente que ele se ordenou e tornou-se um erudita das três cestas.
Novamente sua mãe perguntou, “Você derrotou estes homens santos?”
“Mãe, eu só recebi as transmissão dos ensinamentos, eles tem as transmissões e as
realizações dos ensinamentos. Eu não posso derrotá-los.”
“Filho, independente do tema do Dharma que surgir no debate, você deve insultá-los.
Eles têm medo de cometer qualquer má ação e nada dirão em retaliação. As pessoas
pensarão que você venceu o debate.”
110
“Gaura seguiu suas instruções. Quando debateu com os monges ele perdeu a calma e
disse, “Seu cabeça de elefante! Como você poderia saber o que é Dharma e o que não é?”
Ele também xingou-os de “Cabeça de cavalo,” “Cabeça de camelo,” “Cabeça de asno,”
“Cabeça de Touro,” “Cabeça de Macaco,” “Cabeça de Leão,” “Cabeça de Tigre,” etc. Ele
usou dezoito insultos diferentes contra eles. Como resultado desta ação negativa, ele
renasceu como um tipo de monstro-marinho com dezoito cabeças.”
Este foi o pronunciamento do Buda.
Também é errado desprezar os membros comuns da Sangha. As pessoas podem dizer,
por exemplo, “Aqueles monges depravados,” mas eu já mencionei que não há diferença
entre quatro seres comuns que são monges e a Arya Sangha. Seria a mesma coisa que
dizer estas coisas a Maitreya ou Manjushri.
Tratamos os membros da Sangha de nossa própria classe social muito
despretensiosamente. Podemos dizer, “Tomo refúgio na Sangha,” mas agimos de maneira
diferente. Como meu próprio lama precioso disse, quando os seres ordenados sentam-se
entre as fileiras [da Sangha no templo], todos devem considerar o outro como seu refúgio.
Mas não é isto o que realmente fazem, mas ao contrário, procuram defeitos nos outros.
Eles pensam: “Fulano, o velho monge no meio daquela fila, é muito avarento. Beltrano, o
monge atrás dele, não é fácil, tem um gênio!” e assim por diante. Eles acham defeito em
cada membro da Sangha.
Você pode sentir, “Nenhum deles é melhor que eu!” mas a fórmula “Tomo refúgio na
Sangha” se aplica a toda a Sangha que se possa encontrar nas dez direções. Talvez você
deva compor a sua fórmula muito própria de refúgio. Que tal: “Tomo refúgio na Sangha,
menos nesta pessoa, naquela pessoa...” Lama Konchog disse:
111
passo; o processo todo demoraria sete rosários para se completar.
Você faz exatamente o mesmo com as outras três partes da fórmula de refúgio. Os
Budas são todos nos cinco grupos seguintes: as deidades das quatro classes de tantra, e os
Budas do sutra. Os cinco grupos de Dharma são: Dharma dos Shravakas, Dharma dos
Pratyekabuddhas, Dharma Mahayana comum [do sutra], os Kriya Tantra, Charya Tantra,
Ioga Tantra, e o Ioga Tantra Superior. Os cinco grupos da Sangha são: Bodhisattvas,
Shravakas, Pratyekabuddhas, dakas e dakinis, e os protetores do Dharma.
É também a prática recitar “Tomo refúgio no guru, nas deidades de meditação e nas
Três Jóias,” seguido da visualização dos néctares purificadores descendentes. Mas, os
textos não são explícitos quanto a isto.
Dizem que a visualização dos néctares purificadores descendentes é uma tradição
tântrica; as luzes purificadoras descendentes é uma tradição do sutra. Os néctares
purificadores podem descer de três maneiras. Eles podem vir ate você dentro de um tubo
de luz; podem descer ao redor de uma superfície cilíndrica de luz; ou eles podem descer
como uma chuva pesada.
Depois, você recita o trecho de Ornamento para as Gargantas dos Afortunados:
Tome refúgio na primeira parte, e desenvolva ainda mais a sua bodhichitta ao dizer
“Com os méritos que alcancei com a generosidade e outras perfeições...” Pense para si
mesmo, “Pela virtude de meus méritos raiz, que adquiri através de praticar generosidade,
manter minha ética, praticar a paciência, etc., possa eu atingir a Budeidade pelo bem de
todos os seres sencientes.” Eu não preciso dar agora mais nenhum detalhe sobre isto, já
que mais adiante falarei sobre isto em detalhes de como internalizar este tópico [Dia
Doze]. Tomar refúgio é como se tornar súdito de um rei; desenvolver a bodhichitta é
como pagar-lhe tributos.
Neste ponto visualize os resultados de ter desenvolvido a bodhichitta, e tome esta
visualização como parte do caminho. Faça isto da seguinte maneira. Do coração do Guru
Shakyamuni surge uma imagem duplicata dele que se dissolve em você. Você se torna
por natureza Shakyamuni – isto é, um Buda. Incontáveis Shakyamunis se emanam de
você e se dissolvem nos seres sencientes que também se tornam Shakyamuni por
natureza; agora, eles também são Budas. Alegre-se e sinta, “Quando desenvolvi a
bodhichitta, pensei 'Vou guiar todos os seres sencientes ao estado da Budeidade.' Agora
eu atingi esta meta.”
Esta visualização simula os resultados de desenvolver a bodhichitta: que você foi
totalmente bem sucedido nos tantras e suas mandalas. Fazer esta visualização tem seus
benefícios correspondentes, e também contém todos os pontos chaves encontrados em
112
ensinamentos como Sacudindo para Fora o Conteúdo do Samsara, ou Purificação dos
Seis Tipos de Seres Sencientes e Suas Moradas.
Depois, você medita nos quatro imensuráveis. Pense assim: “Mas, na realidade sou
incapaz de levar todos os seres sencientes a tal estado – posso apenas fazer isto em minha
visualização. O que deve ser culpado por isto? Meus sentimentos de apego pelos seres de
minha intimidade, e sentimentos de hostilidade pelos que estão distantes de mim.” Depois
pense nas palavras de O Ornamento às Gargantas dos Afortunados de Jampel Lhumdrub,
enquanto recita:
113
aumentar a sua bodhichitta pensando, “Vou alcançar a Budeidade para levar todos os
seres sencientes, que são como crianças controvertidas, a um estado de equanimidade,
livre de apego e hostilidade.” Ou pode pensar, “Vou alcançar a Budeidade para guiar
todos os seres sencientes à felicidade – começando com a felicidade que resulta de eu
esfriar os infernos quentes, e terminando com o êxtase completo da iluminação.” Ou pode
pensar, “Vou alcançar a iluminação para libertá-los do sofrimento – desde os sofrimentos
dos infernos até os obscurecimentos mais sutis que impedem que se iluminem.” Cada
uma destas três maneiras de desenvolver a equanimidade contém em si todo o caminho
dos três níveis de capacidade.
Você pode então questionar, “Neste caso, porque desenvolver a bodhichitta e o resto
antes de treinar a mente na seção do caminho do nível de Pequena Capacidade?” Mas,
mesmo quando você treina nas seções dos níveis de Média e Grande Capacidade, você
segue estes treinamentos para desenvolver a sua bodhichitta – embora isto possa não estar
óbvio. Você precisa apreciar este fato logo de início. Eis dois exemplos. Se quiser subir
até o topo de um desfiladeiro, primeiro precisa ter o pensamento de ir até lá. Ou, quando
desenha a imagem de uma deidade, você deve primeiro certificar-se de que as proporções
da imagem vão sair corretas, e para isto desenha um quadriculado, etc.
Há dois tipos de progressos rápidos. O primeiro tipo é alcançar a iluminação em uma
vida fazendo um progresso mais rápido do que poderia fazer usando o Veículo da
Perfeição [Paramitayana]. O segundo tipo de progresso rápido é ainda mais rápido do que
o primeiro: se iluminar nesta curta vida disponível a alguém nestes tempos degenerados.
O primeiro tipo é conseguido por meios dos tantras das primeiras classes; o segundo,
através da mais elevada das quatro classes de tantra.
Há uma outra versão para estes dois tipos de progressos rápidos. O primeiro tipo é
atingir a iluminação em uma curta vida disponível nestes tempos degenerados por meio
da mais elevada classe dos tantras. Esta é uma característica comum a todas as escolas -
Sakya, Gelug, Nyingma e Kagyu. O segundo tipo, que se supõe mais rápida ainda, é
conseguido considerando os Ioga Tantras Superiores segundo as instruções orais
confidenciais da escola Gelug como o sangue-vital do caminho. Se praticar uma
combinação dos tantras de Guhyasamaja, Heruka, e Yamantaka, poderá alcançar a
iluminação em apenas doze anos. O que sair errado é devido ao praticante. Antes destas
linhagens confidenciais evoluírem – elas se ramificam do grande Tsongkapa – havia
pessoas que conseguiam suportar grandes austeridades – pessoas como Milarepa, Gyalwa
Goetsang, etc. – que precisavam apenas de três anos para alcançar a iluminação. Esta
interpretação é da tradição oral que vem desde Chanceler Tagpupa. O seu pensamento era
que muitos dos mestres Gelugpa do passado, como Ensapa e seus discípulos, parecem ter
alcançado a Budeidade em uma única vida sem muitos esforços heróicos. Eles seguiram a
tradição de O Caminho Rápido de como tomar refúgio e desenvolver a bodhichitta.
A linhagem de As Palavras do Próprio Manjushri da Província Central dá a
visualização do campo de méritos, para ser usada como o local de nosso refúgio, igual à
tradição que acabei de descrever. Este não é o caso da Linhagem do Sul: esta tradição
apresenta uma visualização bem diferente do campo de mérito de nosso refúgio. É, de
114
fato, uma tradição oral confidencial totalmente diferente.
A visualização da Linhagem do Sul é a seguinte. Visualize à sua frente muitos lótus
crescendo do chão. Eles crescem no meio de belas nuvens e arco-íris, e só as partes
superiores das flores estão visíveis. A flor central é a maior e nela senta-se Shakyamuni.
À sua direita e esquerda estão respectivamente Maitreya e Manjushri – cada um em sua
própria flor de lótus. Seus ombros estão nivelados com os de Buda. Atrás de Maitreya e
Manjushri estão sentados os gurus que pertencem respectivamente às Linhagem de Feitos
Extensos e Linhagem da Visão Profunda. Estes gurus formam duas filas: sentam-se um
atrás do outro, os primeiros sentam-se atrás de Maitreya ou de Manjushri. As fileiras de
gurus formam uma espiral, rodeando Shakyamuni. Os últimos gurus destas linhagens
sentam-se um ao lado do outro. Deve-se visualizar que cada guru se senta em sua própria
flor de lótus, à frente de Shakyamuni, mas em um nível ligeiramente mais baixo, sentam-
se seus próprios gurus – aqueles de quem você realmente recebeu ensinamentos. Você
não precisa visualizar a Linhagem das Práticas Consagradas.
Os Budas sentam-se no alto do espaço entre nuvens e arco-íris; eles se alinham à
direita e esquerda dos gurus. Abaixo dos Budas sentam-se os Bodhisattvas, Shravakas e
Pratyekabuddhas; os protetores do Dharma estão abaixo deles.
Abaixo de seu próprio guru há três flores de lótus multicoloridas. Na flor central esta
Mahakala [De Seis Braços] de pé sobre um disco-solar. Ele está em sua forma
Kurukellejnana. Ele é o senhor do Dharma do nível de Grande Capacidade. À sua direita
está Vaishravana, sobre uma flor de lótus e disco-lunar. Ele é o senhor do Dharma do
nível de Media Capacidade. À esquerda de Mahakala está Kamayama de pé sobre um
disco-solar e flor de lótus. Ele é senhor do Dharma do nível de Pequena Capacidade.
As razões para considerá-los como senhores do Dharma dos três níveis de capacidade
são as seguintes. A forma Kurukellejnana de Mahakala é na realidade Avalokiteshvara, a
personificação da compaixão de todos os Vitoriosos surgindo na forma de uma deidade
protetora. O que está sendo apontado aqui é que você desenvolverá amor e compaixão
seguindo o nível de Grande Capacidade se confiar neste protetor. No nível de Media
Capacidade, a pessoa deve praticar principalmente os três treinamentos superiores – com
maior ênfase no treinamento da ética. O Maharaja Vaishravana prometeu perante Buda
guardar a parte das três cestas do vinaya, bem como o treinamento superior da ética.
Confiando-se, em particular, neste protetor desenvolve-se estas partes do caminho no
contínuo mental. O Dharmaraja Yama representa a impermanência de todos os
renascimentos; ele também classifica as pessoas segundo as leis de causa e efeito e
segundo as virtudes ou não-virtudes que cometeram. Se confiar neste protetor do
Dharma, facilmente se desenvolve realizações do nível de Pequena Capacidade – isto é,
da impermanência, causa e efeito, etc.
É assim que você deve se relacionar com estes protetores de Dharma enquanto eles o
guia pelo caminho. Há uma infinidade de pontos secretos e profundos de como os gurus,
as deidades de meditação, etc. aceleram-lhe pelo caminho, levando-o muito rapidamente
à sua iluminação. Manjushri ensinou estes pontos ao grande Tsongkapa, mas esta não é a
hora para discuti-los.
115
Outros protetores do Dharma estão à direita e à esquerda dos três senhores dos três
níveis de capacidade. Estes três senhores devem também ser colocados de forma que suas
bases de lótus estejam em níveis diferentes [com Mahakala no mais alto].
Os procedimentos para internalizar a tomada de refúgio e tudo o mais são iguais ao já
explicado para a Linhagem do Norte.
Esta linhagem em particular acrescenta então uma passagem chamada “Súplicas ao
Refúgio.” A passagem diz, “Guru e Três Jóias preciosas, eu tomo refúgio e rendo-lhes
homenagem. Por favor, abençoem meu contínuo-mental.” Isto está baseado nas
instruções orais do grande Sakya Rimpoche.
116
DIA CINCO
Pabongka Dorje Chang falou um pouco sobre como devemos acertar as nossas
motivações. Ele citou este verso de Nagarjuna:
Então Rinpoche fez referência aos títulos que ele já havia falado:
Como disse o grande Tsongkapa, quando nossa mente está muito debilitada – ou
seja, quando estudamos mas não conseguimos reter as palavras, quando contemplamos
mas não compreendemos, e quando meditamos mas nada se desenvolve em nosso
contínuo mental – somos instruídos a confiar no poder do campo de méritos.
Somos oprimidos por uma grossa camada de obscurecimentos kármicos; nossa
posição é desesperada porque não retemos as palavras que estudamos, não temos uma
compreensão adequada apesar de nossas contemplações, e apesar de nossas meditações
não desenvolvemos nenhuma realização em nossos contínuos mentais. Mas, se
fizermos súplicas a este campo de mérito especial, acumulamos [méritos], e
purificamos obscurecimentos, e em breve obteremos resultados. O grande Tsongkapa
perguntou a Manjushri em que método deveria se empenhar para rapidamente
desenvolver realizações em seu contínuo mental. Manjushri disse-lhe que deveria se
concentrar numa combinação de tres coisas: fazer súplicas ao seu guru; considerar seu
guru como inseparável de sua deidade meditacional enquanto trabalha duro construindo
a sua acumulação de méritos; e continuando principalmente a internalizar os tópicos de
meditação que constituem a prática.
Portanto, construir sua acumulação [de méritos] e purificar seus obscurecimentos
117
amadurecerá seu contínuo mental. Você não desenvolverá realizações se continuar
internalizando os tópicos de meditação de Lam-rim sem invocar as bençãos do campo
de méritos através de súplicas; apesar de sua perseverança, seu progresso será
dolorosamente lento. Mas, se amadurecer o seu contínuo mental, desenvolverá
realizações sem muito problema e seus defeitos amadurecerão rapidamente – como se
facilmente livrando-se de pús. Suas boas qualidades também amadurecerão e estarão
prontas para serem apreciadas – tal como uma fruta madura prestes a cair da árvore. O
grande Tsongkapa nos deu exemplo quando energicamente acumulou [méritos] e fez
auto-purificação em Oelga Choelung através de prosternações, oferecimentos de
mandala, e assim por diante. Ele teve então uma visão de Nagarjuna e seus quatro
discípulos. Um destes discípulos na visão, Buddhapalita, abençoou Tsongkapa
colocando sobre sua cabeça uma cópia em sânscrito do comentário do próprio
Buddhapalita, A Busca da Budeidade. Naquele dia Tsongkapa teve um desejo de ler
este comentário, e, enquanto para a aparência comum, ele repassava o décimo-oitavo
capítulo, na realidade desenvolvia a realização da visão imaculada dos Prasangikas. Ele
já havia lido este comentário várias vezes mas, para as aparências comuns desta vez seu
contínuo mental estava maduro para este tipo de realização.
Há muitos incidentes semelhantes nas biografias de outros santos do passado. Je
Kelzang Tenzin é um dos gurus de linhagem deste Dharma. Certo dia, estava para ir à
vila Hrungpa em Dagpo para ler escrituras na casa de alguém. Ele pediu a Kelzang
Kedrub um livro para levar para a leitura. Foi-lhe dado uma antologia Kadampa que
continha um cântico vajra baseado na prática do treinamento da mente. Assim que
Kelzang Tenzin leu, ele desenvolveu a bodhicitta autêntica em seu contínuo mental. No
dia seguinte, enquanto fazia súplicas ao campo de mérito durante seus ritos
preparatórios, chegou à parte que invoca os nomes dos autores do Lam-rim. Esta
passagem começa: “Oh Virtuosos, que cuidam com amor dos seres sencientes...”
Naquele momento, dizem que ele sentiu uma nítida sensação de calor intenso em sua
testa.
Assim, quando um contínuo mental está suficientemente maduro, desenvolve-se
realizações repentinamente, até mesmo a partir das circunstâncias mais triviais. Como
Dolpa Rinpoche afirmou:
Se com coragem você também constrói a sua coleção [de méritos], purifica
seus obscurecimentos, e faz súplicas aos seus gurus e deidades, vai
desenvolver realizações que julgava nunca poder desenvolver, mesmo após
cem anos de tentativas; isto acontece com todos os fenômenos condicionais;
eles não permanecem estáticos.
118
muito durante suas assembléias, práticas de debate, e assim por diante. Deve-se levar
essas coisas a sério; o seu propósito é a acumulação e a auto-purificação.
A quem fazemos súplicas para acumular mérito e nos purificarmos? As súplicas são
feitas ao campo de mérito. Portanto, a meditação no campo de mérito é vital, e foi
tratada sob um título separado. O termo “campo de mérito” significa que esta
visualização é um campo fértil para construir seu estoque de méritos. As pessoas
valorizam um campo comum que produz boas safras, o campo de mérito dá grande
força para a sua acumulação, auto-purificação e súplicas. Portanto, é preciso que a
visualização deste campo de mérito seja levada a sério. Um campo comum só produzirá
alguns alqueires. O campo de méritos produzirá resultados de energia imensurável a
partir de pequenas sementes. Os campos comuns só podem ser plantados durante certas
épocas do ano. O campo de mérito está sempre pronto para ser plantado em qualquer
estação do ano, com as sementes de saúde e felicidade. É uma pena deixar este campo
sem ser aproveitado e não semear nele algumas sementes de mérito. Como o grande
Tsongkapa disse:
Também:
Assim, se é tão crucial fazer súplicas ao campo de mérito, você pode agora estar se
indagando: “Como devo fazer isto?” Então, explicarei este processo, começando com a
versão do campo de mérito segundo O Caminho Rápido, porque cada texto de Lam-rim
tem sua própria versão dos ritos preparatórios.
Neste ponto talvez esteja pensando: “Antes que eu possa começar a visualização do
campo de mérito, devo dissolver a visualização do refúgio. Como devo fazer isso, se os
textos não são claros neste ponto?” Existem três instruções diferentes sobre a
dissolução da visualização do refúgio. Elas não são discutidas claramente de forma que
dê alguma elucidação. Estas instruções são: a visualização do refúgio se transforma em
luz amarela, que se dissolve no espaço entre as suas sobrancelhas; ou então imagine
que a visualização se transforma em vacuidade não-focalizada, ou então toda a
visualização do refúgio sobe ao espaço e após visualizar o campo de mérito abaixo
dele, a visualização do refúgio se funde ao campo de mérito na hora em que os seres de
sabedoria entram no campo de mérito. Estas três instruções são vagas e é preciso recitá-
las oralmente.
119
O primeiro passo para visualizar o campo de méritos é a consagração da superfície
da terra. Recite [do Ornamento para as Gargantas dos Afortunados, de Jampel
Lhundrub]:
Pense que tudo o que segue acontece dentro dos limites do seu quarto. Visualize
que toda a superfície do chão é vasta – como se estivesse no meio de uma vasta
planície. Esta superfície é plana, e feita de ouro encrustado com desenhos em lapis-
lazuli, ou de lapis-lazuli com desenhos em ouro. A superfície cede ao ser tocada e
recupera a forma quando não há pressão. Só de tocá-la sente-se bem-aventurança. A
superfície está pontilhada de árvores preciosas, e vários pássaros mágicos pousam nas
árvores e cantam o Dharma. Existem piscinas de água, e seus fundos estão cobertos
com pó de ouro. Toda a planície está rodeada por montanhas de jóias e coisas assim.
Visualize segundo o Sutra da Exposição dos Campos Puros. Pedrinhas também
incluem pedras ásperas e cacos de argila – na India, costumava-se jogar fora os
recipientes velhos e o país ficava cheio de fragmentos de argila. A superfície é
ambientalmente perfeita e não está prejudicada por fissuras nem fossas.
Os oferecimentos devem ser consagrados. Na realidade, talvez tenha apenas
colocado um conjunto de sete tigelas de água e acendido um bastão de incenso, mas se
em sua meditação pensar que toda a terra e o céu estão repletos de uma grande
abundância de oferecimentos - como o de Arya Samantabhadra37- acumulará os méritos
destes vastos oferecimentos. Como está dito no Sutra de Avatamsaka: “A maioria dos
oferecimentos são oferecimentos de pavilhões...” Em outras palavras, as coisas
oferecidas são: parassóis, dosséis, e estandartes de vitória. Deve-se também incluir
flores, incenso, lamparinas, perfume, comida, etc. A comida, por exemplo, deve ser
suntuosa e visualizada cercada por uma rede de raios de luz. É bom recitar o mantra
para a abundância dos oferecimentos ou o mantra de oferecimentos:
Dizem que ao recitar este mantra, uma enorme quantidade de oferecimentos cairá
37
O Bodhisattva Samantabhadra é reconhecido pelos seus vastos oferecimentos aos Budas. Há duas maneiras de
visualizar a grande profusão de oferecimentos de Samntabhadra: segundo o sutra e segundo o tantra. Os oferecimentos
segundo o sutra são oferecimentos de tudo que é bom e suntuoso, no meio de raios de luzes de cinco cores. Oferecimento
tântrico é êxtase e vacuidade combinados.
120
ao redor dos Vitoriosos e seus Filhos, mesmo que se tenha colocado apenas os mais
simples oferecimentos físicos.
Depois, invoca-se o poder da verdade [do Ornamento para as Gargantas dos
Afortunados, de Jampel Lhundrub]:
Pela verdade das Três Jóias; pela grande força das bençãos de todos os
Budas e Bodhisattvas, juntamente com a força por ter completado as
acumulações; pelo poder da pureza do inconcebível dharmadhatu [esfera da
verdade], que tudo se transforme em vacuidade.
121
Em seu coração, Shakyamuni e Vajradhara azul
De uma face, duas mãos, segurando o sino e o vajra.
Vajradhara está sentado em união com Dhatvoshvari;
Eles experimentam a combinação de êxtase e vacuidade;
Usam ornamentos preciosos e mantos de seda celestial.
122
três componentes para simbolizar que os que estão sobre elas são mestres dos três
pilares do caminho. O lótus simboliza também os Níveis de Pequena e Média
Capacidade; os discos solar e lunar simbolizam o Nível de Grande Capacidade.
Depois, visualize a figura principal nesta base de lótus. Quem é a figura principal
do campo de méritos do Guru Puja? Alguns dizem que é Je Rinpoche; outros afirmam
que é seu guru-raiz; outros o chamam até de Guru Puja Je Lama. Mas ele é chamado
Lama Losang Tubwang Dorje Chang. É chamado Lama porque ele é o seu guru;
Lozang porque é Tsongkapa [cujo nome de ordenação era Lozang Dragpa]; Tubwang
porque ele é nosso Mestre Shakyamuni, e Dorje Chang porque ele é Buda Vajradhara.
Portanto, ele é quatro coisas, mas as quatro são inseparáveis. É esta a figura principal
da visualização do campo de mérito. Isto significaria que os quatro contínuo-mentais
diferentes estão combinados? Não é isto que realmente acontece; como poderíamos
fazer quatro contínuo-mentais diferentes em um! Os quatro são uma única entidade
desde o início. Podemos concebê-los como contínuo-mentais separados, mas há provas
usando a lógica e autoridade escritural que devem convencê-lo de que estes quatro são
na realidade um só.
Os quatro são uma entidade. Mas para nós, Vajradhara é azul, segura um vajra e um
sino, e usa roupas do sambhogakaya; Shakyamuni tem a cabeça raspada, não usa nada
nos pés, e se veste como nirmanakaya. Assim, nunca associamos os dois juntos. Isto
não é correto. Buda demonstrou a sua suprema forma nirmankaya sempre que ensinou
o vinaya ou o sutra. Quando ensinou os tantras, ele apresentava a sua forma Vajradhara.
Além disso, quando ensinou o tantra de Guhyasamaja, ele apareceu como Vajradhara
com tres faces e seis mãos. Ele apareceu como Heruka de quatro cabeças com doze
mãos enquanto ensinava o tantra de Heruka. E assim por diante. Ele apareceu num
número infinito de formas para adequar um determinado sutra ou tantra, mas ainda era
Shakyamuni. Assim, Vajradhara e Shakyamuni são uma entidade: eles não são
contínuo-mentais separados. Quando Shakyamuni não tinha mais nenhum discípulo
direto, entrou no nirvana. Mas mesmo depois disto, apareceu muitas vezes na India
como panditas e adeptos, e ensinou o Dharma com estas formas. Durante a primeira
disseminação dos ensinamentos no Tibet, apareceu como Shantarakshita,
Padmasambhava, etc., e ensinou o Dharma. Na segunda disseminação no Tibet, ele se
manifestou como muitos eruditas-adeptos para ensinar o Dharma: Atisha, Je
Tsongkapa, e assim por diante. Mas Je Lozang Dragpa é por natureza a mesma entidade
que Shakyamuni.
Buda disse que Shakyamuni-Vajradhara no futuro tomaria a forma de gurus quando
prevalecessem as cinco degenerações. Portanto, você pode estar se indagando, “Quem.
então, é a emanação de Shakyamuni-Vajradhara que deveria estar trabalhando agora
pelo meu bem?” Não procure além de seu guru. O Tantra Shrikhasama diz:
123
Tal como outras versões de um retrato
Ainda personificam o mesmo grande êxtase;
Ainda sentem o mesmo grande êxtase,
Mas aparecem de diversas maneiras.
124
fala de seu conteúdo. Pode-se também imaginar que o texto é um em que esteja se
especializando em seu estudo, contemplação ou meditação.
Os três mantos que usa são cor de açafrão. Há na realidade três tipos de cores de
açafrão: amarelo, amarelo-avermelhado, e vermelho. Estas cores correspondem ao xale,
vestimenta superior sem manga, e vestimenta inferior. Ele usa um chapéu amarelo de
pandita; com a ponta ereta. Estas cores diferentes significam muitas coisas, mas tomaria
muito tempo para discutí-las. Estes detalhes podem ser encontrados nos discursos sobre
as práticas As Cem Deidades de Tushita e Guru Puja.
Visualize Shakyamuni sentado no coração de Tsongkapa. Vajradhara está sentado
no coração de Shakyamuni. No coração de Vajradhara se encontra o ser de
concentração – a sílaba hum azul. Estas figuras não são seres separados sentados um
dentro do outro, como um conjunto de recipientes. Shakyamuni está no coração de
Tsongkapa para mostrar que externamente o guru parece tomar a forma de um monge,
mas internamente é Shakyamuni. E Vajradhara está no coração de Shakyamuni para
mostrar que o guru é secretamente Vajradhara. Falamos dos “três seres sentados um
dentro do outro”, então pode-se ficar tentado a pensar que as três figuras acima serão
suficientes. Mas, os dois primeiros são seres de compromisso. O Vitorioso Vajradhara é
o ser de sabedoria. Portanto, é necessário visualizar um hum azul em seu coração para
servir de ser de concentração. Esta meditação nos três seres é uma das chaves mais
profundas do tantra, e não ouso discutí-la aqui.
A recitação continua [segundo Um Ornamento para as Gargantas dos
Afortunados]:
125
E ao voltar trazem os seres de sabedoria de suas moradas naturais.
E eles indistinguivelmente se fundem e se estabilizam.
O guru está sentado na posição vajra. Medite que seus [cinco] agregados [vide Dia
22] são os cinco Dhyani Buddhas, e assim por diante. Esta meditação é tirada do tantra
raiz da mandala do corpo de Guhyasamaja. Discutirei isto apenas sucintamente. Esta
instrução é dada em detalhes em A Guirlanda Vajra, o tantra explicativo [de
Guhyasamaja]. Nossa meditação é a mesma da mandala do corpo de Guhyasamaja de
três faces e seis mãos. Se não conseguir isto, visualize conforme a versão de uma face e
duas mãos discutidas nos Ioga Tantras. O agregado da forma [simbólica] do guru, se
extende da ponta da protuberância na coroa de sua cabeça, até sua linha-de-cabelo; este
agregado é por natureza o Buda Vairochana. O agregado de cognição se extende de sua
linha-de-cabelo até sua garganta; este agregado é por natureza o Buda Amitabha. E
assim por diante, [conforme descrito no tantra de Guhyasamaja].
Portanto, os cinco Dhyani Buddas, símbolos dos cinco agregados, sentam-se um
sobre o outro. A protuberância na coroa da cabeça de um toca a base de lótus do
Dhyani Buda acima dele. Gere esta visualização no centro do corpo do guru --como o
cerne de uma árvore. Os seus quatro constituintes físicos são representados pelas quatro
consortes que abraçam estes Budas. Os oito Bodhisattvas – Kshitagarbha e os outros –
representam suas veias, músculos e juntas, bem como os seus seis sentidos; seus olhos,
etc. Suas veias e músculos, por natureza Maitreya, que está sentado em sua
protuberância na coroa. Samantabhadra está sentado nas oito juntas principais do guru.
A recitação não menciona explicitamente as cinco consortes vajra – Vajrarupa, etc. –
mas, como na mandala do corpo de Guhyasamaja, elas estão em união sexual com
alguns destes Bodhisattvas masculinos.
O texto afirma “seus poros são...Arhats.” Estes Arhats não são Shravakas e
Pratyekabuddhas: são Arhats Mahayana, isto é, Arya Budas. De fato, cada poro da
figura central é um campo-búdico. Pense que nestes campos, números infinitos de
Budas estão fazendo os doze feitos: alguns estão subjugando Mara, outros giram a roda
do Dharma, e assim por diante. Este é o significado da expressão “todos os campos-
búdicos aparecem no corpo de um Buda.” [vide Dia 12]. Um dos tantras de
Avalokiteshvara cita o nome de cada campo-búdico destes poros, bem como o nome do
Tathagata que lá reside. Deve-se aplicar esta informação a todas as figuras de Buda. A
maioria dos textos dá o número de vinte e um mil, mas o número exato não está fixado.
Visualize as dez deidades iradas sobre os dez segmentos de seus membros, e tendo
a mesma natureza deles – por exemplo, Yamantaka na sua mão direita.
Existem agora cinco deidades no coração da figura central. A maneira como
colocam é a seguinte: O maior é Akshobhya [Dhyani Buda]. Shakyamuni senta em seu
coração. Vajradhara está no coração de Shakyamuni. Mamaki senta em frente a
Akshobya, em união sexual com ele. Manjushri [um dos oito Bodhisattvas] senta atrás
de Akshobya, virado para a frente.
O corpo da figura principal emite raios de luz, com várias emanações na ponta
126
destes raios – emanações como os protetores das direções, e assim por diante. Pense
que grandes deuses como Indra e Brahma estão prostrados sob as pernas da figura
principal.
Embora talvez não esteja visualizando isto muito claramente, mesmo assim é vital
ter a convicção de que os agregados, os constituintes físicos, sentidos, etc. de seu guru,
são na realidade os cinco Dhyani Budas, as quatro consortes, deidades iradas, etc. Isto
basta quanto a maneira de visualizar a figura principal. Segue agora como se visualiza o
seu séqüito.
Raios de luz fluem do coração da figura principal. Alguns vão à direita e se alargam
– sobre eles sentam-se [os lamas da] Linhagem de Feitos Extensos; outros raios vão
para a esquerda e se alargam para [os lamas da] Linhagem da Visão Profunda. Alguns
raios fluem à frente até os gurus que pessoalmente lhe ensinou o Dharma; outros raios
fluem para traz – e [os lamas da] Linhagem das Práticas Consagradas sentam-se sobre
eles, mas num nível ligeiramente mais alto do que os outros grupos.
Agora, há muitos pontos profundos sobre a maneira como são colocados os
membros da Linhagem das Práticas Consagradas. Os membros mais conhecidos desta
linhagem são Vajradhara, Tilopa, Naropa, Dombhipa, Atisha, e assim por diante. Mas,
como Drubkang Geleg Gyatso salientou, os membros das outras duas linhagens
transmitiram a Linhagem das Práticas Consagradas de um guru para outro, sem deixar a
linhagem se degenerar. Portanto, não é necessário visualizar uma outra linhagem.
Kardo Lozang Gomchung, por outro lado, alega que a Linhagem das Práticas
Consagradas, consiste de membros das linhagens de Guhyasamaja, Heruka e
Yamantaka. Je Ngagwang Jampa e Lama Yongdzin Rinpoche alegam que ela é
composta principalmente por duas linhagens: As Dezesseis Gotas do tantra dos
Kadampas e a Linhagem Secreta Gelupga.
Uma instrução profunda que recebi de meu próprio precioso guru mostra como
combinar estas três versões diferentes. Agora, a transmitirei sem reter nada. Visualize
uma coluna vertical de imagens neste grupo atrás da figura principal. Todas as figuras
nesta coluna – com exceção de Vajradhara [a figura mais ao alto] – tomam o formato
de Manjushri, começando pelo próprio Manjushri e indo até o seu próprio guru. À
direita desta coluna vertical estão os gurus dos tantras de Guhyasamaja e Yamantaka.
Cada uma destas duas linhagens forma suas próprias colunas verticais. À esquerda das
imagens de Manjushri estão as linhagens do tantra de Heruka e do tantra das Dezesseis
Gotas. Novamente, cada um forma sua própria coluna vertical. Je Sherab Gyatso em
seus escritos descreveu um arranjo semelhante. Existem outras instruções, mas para
maiores detalhes consulte O Livro dos Kadampas, as obras de Kachen Namkha Dorje
sobre Guru Puja, discursos gravados de Tutor Tsechogling sobre Guru Puja, as auto-
biografias dos gurus de linhagem desta prática, e os textos de Sherab Gyatso, acima
mencionados.
Há também uma instrução oral muito especial em como colocar os gurus das
escolas dos antigos e novos-Kadampas [vide Dia 6]. Isto é suficiente quanto a
visualização dos gurus.
127
A base de lótus do primeiro nível tem quatro pétalas. Coloque as trinta e duas
deidades do sistema vajra de Akshobya do grupo de Guhyasamaja na pétala frontal; as
treze deidades do tantra de Yamantaka estão de pé na pétala à direita de Guhyasamaha;
as sessenta e duas deidades da versão Luipa do tantra de Heruka estão sobre a pétala à
esquerda de Guhyasamaja. As nove deidades da versão Kapalin de Hevajra estão em pé
sobre a pétala traseira.
Segundo outras tradições, visualize Guhyasamaja – o principal tantra pai – em pé
sobre a pétala à direita da figura principal. As deidades de Heruka – o principal tantra
mãe – estão em pé à esquerda da figura principal. As deidades de Yamantaka – o tantra
que tem todos os pontos chaves tanto do tantra pai como do tantra mãe – estão na pétala
do meio em frente à figura principal.
De qualquer forma, visualize a mandala completa de cada tantra juntamente com
suas respectivas deidades residentes. Se isto fôr demais para você, visualize as deidades
principais e seus séquitos completos [sem suas mandalas]. Se também não conseguir
isto, visualize apenas as deidades principais.
No segundo nível abaixo, visualize as outras deidades do Ioga Tantra Superior, com
Kalachakra na frente. As deidades do Ioga Tantra pertencem ao terceiro nível. As
deidades do Charya Tantra estão no quarto nível. As deidades do Krya Tantra estão no
quinto. No sexto, temos os Buddhas, tomando suas formas nirmanakaya. No sétimo os
Bodhisattvas. No oitavo os Pratyekabuddhas. O nono tem os Sravakas. O décimo, os
dakas e dakinis. E no décimo-primeiro, visualize os protetores do Dharma.
As letras-sílabas – por natureza os três vajras [corpo, palavra e mente iluminados] –
estão visíveis nos três pontos dos corpos das figuras do campo de mérito: isto é, um om
branco, a natureza do corpo vajra e do Buda Vairocana, sobre a coroa de suas cabeças,
[um ah vermelho (a palavra vajra e Buda Amitabha) sobre suas gargantas; e um hum
azul (a mente vajra e Buda Akshobhya) em seus corações]. Embora os textos de
recitação não digam explicitamente, afirmam que um sva amarelo deve estar visível em
seus umbigos ( Buda Ratnasambhava por natureza). Um ha vermelho também deve
estar localizado nas partes intimas de cada figura; sua natureza é o Buda
Amoghasiddhi. Os três vajras são exclusivos dos Budas. Assim, deve-se considerar
todo o campo de mérito como Budas por natureza – mesmo os Shravakas,
Pratyekabuddhas, e assim por diante, que aqui são apenas formas manifestas de Budas.
Compreenda-os também como sendo, sem exceção, emanações de seu guru. Há até
uma instrução para ver cada um como seres de compromisso, de sabedoria e de
concentração.
Também nos dizem para desenvolvermos outras três atitudes com relação ao campo
de mérito: a clareza de que sua aparência é impressionante, que seja considerada como
real, e que acredite que um objeto maravilhoso a se fazer oferecimentos.
Ao completar este processo de visualização convide os seres de sabedoria. Na
verdade, eles não precisam ser convidados, irão até você se imaginá-los. Um sutra diz:
“Os Munis virão perante qualquer um que faça um esforço para visualizá-los.”
Nos debates, ouvimos a afirmação que “não há lugar que não seja percebido pela
128
cognição válida dos Budas.” Devemos colocar tais afirmações em bom uso. Podemos
facilmente comparar isto com um ponto do tantra: quando os seres que atingiram o
êxtase da unificação, a mente e corpo iluminados se tornaram uma mesma entidade.
Ou seja, qualquer lugar permeado por sua onisciência é também permeado pelo
corpo iluminado. Se tentamos apenas visualizar as deidades do campo de mérito, as
deidades tomarão seus lugares à nossa frente – só não conseguimos vê-las devido ao
nosso karma e obscurecimentos [resultantes]. Isto é mostrado nas estórias sobre como
Asanga alcançou a visão de Maitreya, ou como Chandragomin o fez com
Avalokiteshvara. Portanto, os Munis vêm sem esforço à nossa frente como o reflexo da
lua que aparece na superfície de água em potes ao ar livre. Assim que começamos a
visualizar o campo de mérito, os Budas vêm até nós, mas não os vemos. De forma
similar, não vemos, por exemplo, os nagas e os espíritos que vivem em buracos de água
ou em santuários à beira de estradas.
Mesmo assim, se as bençãos ou méritos [da presença dos Budas] são recebidas ou
não, depende de se ter a atitude de que eles estão alí em pessoa. O convite é feito para
afastar o receio de que estes seres – seu refúgio – possam não vir e também para
estabilizar a sua visualização.
Enquanto recita estas palavras, pense: “Os seres do campo de mérito possuem as
qualidades de onisciência, amor e habilidade. Portanto, assim como na estória de
Magadhabhadri, todos estão vindo em procissão infinita e mágica.38 Ao mesmo tempo,
luz irradia dos corações dos seres no campo de mérito. Esta luz toca o coração de todos
os Budas nas dez direções e campos de méritos inteiros saem do coração de cada Buda.
38
A filha de Anathapindika (vide Dia 4) casou-se com um rei estrangeiro e foi viver longe da India Central. Em sua dor,
rezou ao Buda e, certa manhã, em resposta ás suas preces, Buda veio até ela junto com o seu séquito de Sravakas. [vide
Dia 9].
129
Todos estes campos de méritos se fundem num campo que paira sobre a visualização
original. Este campo então irradia vários conjuntos completos de seres de sabedoria,
que se dissolvem em cada membro de seu campo de mérito. Imagine que cada ser de
seu campo de mérito agora, por natureza, personifica totalmente seu local de refúgio.
Se fizermos esta visualização, não faremos julgamento do valor do campo de
mérito; a visualização também é um gesto auspicioso para o futuro quando estaremos
verdadeiramente trilhando o caminho e apreciarndo seus frutos.
Aliás, esta é uma tradição tântrica, portanto os seres de sabedoria são atraídos, vêm,
se unem aos seres de compromisso, e depois os agradamos [com oferecimentos].
Depois disto, banhamos as figuras. O campo de mérito é imaculado de pecados,
obscurecimentos kármicos, sujeira, e coisas assim, mas certa vez foi dito: “O
Dharmakaya não tem máculas; mas para serví-lo e render-lhe respeito...” Em outras
palavras, faremos esta prática para purificarmos a nós mesmos dos karmas,
obscurecimentos, etc.
Há várias maneiras de visualizar a casa de banho mas, como esta prática específica
está relacionada ao Ioga Tantra Superior, a casa de banho tem quatro portas e fachadas
ornamentadas [como palácios celestiais no coração de uma mandala tântrica]. A casa
tem apenas um andar; o pagode é sustentado por quatro pilares feitos de substâncias
preciosas. Dentro do prédio, a face inferior está decorada com pérolas. Há uma piscina
no centro do prédio. O fundo da piscina é de cristal coberto por uma camada de pó de
ouro, o centro é ligeiramente mais alto do que as bordas – como casco de tartaruga. Os
outros detalhes arquiteturais seguem as descrições habituais dos Iogas Tantras
Superiores. Há um número específico de plataformas de madeira ou tronos para
acomodar os seres do campo de mérito; passagens levam até estes tronos ou
plataformas de três lados e cada passagem tem quatro degraus. Um muro baixo feito de
substâncias preciosas circula o prêdio; neste muro há um nicho de jóias para colocar as
roupas daqueles do campo de mérito que em breve serão descartadas. Visualize as
roupas novas que irá oferecer ao campo de mérito, os jarros [da casa de banho] e assim
por diante.
Se tiver os implementos do ritual do banho, use a tigela para representar a piscina.
Coloque um pouco de água de seu vaso de iniciação na tigela. Desenhe duas linhas
horizontais em seu espelho com a água do vaso [use penas de pavão que ornam o vaso
como instrumento de escrita]; então faça duas linhas verticais, formando nove espaços
num arranjo quadrado. Com mais água do vaso desenhe os pontos; um no quadrado do
centro, e um em cada uma das quatro direções cardinais [deixando os quadrados dos
cantos vazios]. O desenho quadrado representa a casa de banho; os cinco pontos, as
cinco familias de Dhyani Budas.
Recite a seguir:
130
Feitos de substâncias preciosas;
Adornada com um dossel de finas pérolas.
Logo após o nascimento [de Buda],
Os deuses lavaram seu corpo;
Então, também lavarei com águas celestiais
Os corpos dos Sugatas.
Om sarwa tathagata abhishekata samaya shriye ah hum
Corpo nascido de dez milhões de virtudes e excelências,
Palavra que realiza as esperanças de infinitos seres,
Mente que vê todo conhecível tal como são:
Eu lavo o corpo de Shakyamuni-Vajradhara.
Om sarwa tathagata abhishekata samaya shriye ah hum
Eu lavo os corpos da Linhagem de Feitos Vastos.
Eu lavo os corpos da Linhagem da Visão Profunda.
Eu lavo os corpos da Linhagem de Práticas Consagradas.
Eu lavo os corpos dos gurus de minha linhagem.
Om sarwa tathagata abhishekata samaya shriye ah hum
Eu lavo os corpos dos Budas, nossos mestres,
Eu lavo o corpo do santo Dharma, nosso protetor.
Eu lavo os corpos da Sangha, nossos salvadores,
Eu lavo os corpos das Três Jóias, nosso refúgio.
Om sarwa tathagata abhishekata samaya shriye ah hum
No início desta passagem, visualize que o campo de mérito desce até a casa de
banho, ou visualize escadarias que os seres usam para descer. Em qualquer caso, recite
o mantra “Om sarwa tathagata...” e emane três deusas de oferecimentos para cada um
dos seres do campo de mérito. Uma deusa lava a frente do corpo, uma unge o corpo, e
uma coloca as roupas novas. Enquanto os seres são lavados, imagine que a primeira
deusa pega água da piscina e derrama sobre o ser do campo do mérito; as mentes do
campo de mérito desenvolvem grande êxtase enquanto isto acontece.
Depois do banho, seus corpos são enxugados enquanto este verso e mantra são
recitados:
Então imagine que o terceiro conjunto de deusas dão as roupas novas. Recite:
Cada ser recebe uma veste apropriada: roupas de uma deidade pacífica, ou deidade
irada. Imagine que Dromtenpa recebe um casaco azul forrado com pele de lince; ele
também recebe um cinto que dá seis voltas na sua cintura. Suas roupas simbolizam que
o caminho dos três níveis de capacidade está coberto com as seis perfeições. Fazer isto
é um gesto dos mais auspiciosos.
As deusas então dão ao campo de mérito seus ornamentos e implementos
apropriados. Recite:
As velhas roupas deixadas pelas deidades nos nichos ornados de jóias antes de
entrar na casa de banhos, se transformam em luz, que dissolve entre suas
132
sombrancelhas. Alternativamente, imagine que um representante de cada um dos seis
tipos de renascimentos se apresenta para receber a sua parte destas relíquias. Seis
canaletas saem da piscina e levam a água do banho aos seis reinos; sinta que esta água
remove todos os sofrimentos de todos os outros seres. Também – como seres humanos
são insaciáveis – visualize que a água se transforma em bens para suprir toda possível e
imaginável necessidade humana. Pense então que a casa de banho e tudo o mais se
dissolvem na vacuidade.
133
devemos fazer oferecimentos.
Segundo os ensinamentos escritos sobre esta oração, cada corpo que você emana
deve ter um número infinito de cabeças. Isto pode não ser conveniente! Basta imaginar
todos os corpos com que você nasceu desde os tempos sem princípio --mas sob a forma
humana.
A oração continua:
134
Em cada átomo existem tantos Budas
Quanto existem átomos [no universo], e aqueles Budas
Se sentam entre Bodhisattvas. Portanto também acredito que
Todos Os Vitoriosos preenchem a amplitude de todos os fenômenos.
Este verso significa que todo Buda na existência pode se sentar sobre um único e
pequenino átomo. Suponha que cem pessoas olham um grão de cevada
simultaneamente; aquele único grão ocupa a consciência do olho de cem pessoas. A
sabedoria primal de todos os Budas pode igualmente se ocupar com um único átomo. O
corpo físico de um Buda é também encontrado em qualquer átomo tendo a sabedoria
primal de Buda. Isto é uma propriedade da unificação e, porque sua mente e energia
dos ventos são sempre encontrados juntos.
A oração continua:
Para se prosternar, deite todo o seu corpo no chão como uma árvore caída
sobre o chão, assim como fez Kumara Manibhadra.
135
Com suas mãos assim unidas toque o topo de sua cabeça; isto concede o potencial
para alcançar a protuberância na coroa da cabeça. Toque então suas mãos entre suas
sombrancelhas. Isto concede o potencial para atingir o urna –o cabelo encaracolado na
testa. Então toque suas mãos na sua garganta, o que concede o potencial para alcançar a
fala iluminada, uma voz com as sessenta nuances melodiosas. Então toque suas mãos
no seu coração, para ter o potencial de alcançar a mente iluminada. Todas estas ações,
colecionar méritos e purificar-se; purificam o karma e os obscurecimentos de seu
corpo, palavra e mente.
Se você se abaixa e se levanta do chão com as mãos curvas, dizem que poderá
renascer como um animal com cascos redondos. Deve-se então manter os dedos juntos
e achatá-los no chão. Não faça um punho. Estas ações o ajudarão a conseguir teias de
luz entre seus dedos das mãos e dos pés [uma das marcas de um Buda]. Toque o chão
com suas mãos e testa. Note que há um relacionamento entre como se levanta do chão e
o tempo em que transcenderá o samsara – portanto, você deve se levantar tão
rapidamente quanto uma raposa correndo. Também, caso não se levante
suficientemente rápido, mas permaneça sonolento no chão, poderá renascer como uma
espécie animal que se arrasta – um réptil por exemplo. Portanto, não se renda à tentação
de descansar no chão. Se não endireitar seu corpo entre as prosternações [após se
levantar], mas deixar as costas meio curvas, poderá renascer como um animal que não
fica em pé sobre as pernas trazeiras. Portanto, endireite seu corpo. Não faça um grande
número de prosternações apressadas; faça cada uma delas corretamente. Je Rinpoche
nos aconselhou não só a acumular um grande número de prosternações – fazer cem mil
como prática preliminar, e assim por diante; mas a preferir a qualidade.
Alguns podem alegar “Vou fazer meu retiro de preliminares”,39 e encurtam suas
prosternações. Isto é errado. Deve-se construir as acumulações e purificar os
obscurecimentos sempre, até que se alcance a iluminação. Os principiantes como nós
devemos trabalhar arduamente nas acumulações e purificações durante todas as nossas
vidas. Acumulação e auto-purificação são muito mais importantes do que meditação:
você não alcançará absolutamente nada se alegar “Terminei meu retiro de preliminares”
e então facilitar as coisas depois disso.
Se suas prosternações já estão aumentando seu estoque de méritos e já estão
purificando os seus osbcurecimentos, você não deve se preocupar se ainda não
completou as cem mil prosternações. Isto é mostrado por uma estória. Havia quatro
pessoas fazendo um retiro juntas. Uma delas não havia completado um grande número
[de repetições da fórmula do refúgio], e as outras três perguntaram quantos ele havia
alcançado. Ele respondeu: “Vocês só têm como meta um grande número?” Idealmente
deve-se completar um grande número de prosternações feitas corretamente; se não,
39
A maioria das tradições do budismo tibetano recomenda fazer um retiro de preliminares antes de receber ensinamentos
ou fazer um longo retiro de deidade. Isto inclue pelo menos recitar as formulas de refúgio e bodhicitta, fazer oferecimentos
de mandala, prosternações, e recitar o mantra de Vajrasattva junto com a visualização, fazendo-se cada uma delas cem mil
vezes. A tradição Gelug coloca ênfase em fazer estes métodos de purificação e acumulação de méritos continuamente e
não uma única vez.
136
conte suas prosternações para que as pessoas possam se alegrar com sua virtude.
Pode-se normalmente render homenagem enquanto cuida de sua rotina diária. Ao
andar por uma rua e ver, por exemplo, os símbolos do corpo, palavra e mente
iluminados, deve-se unir as mãos. Esta é uma forma de homenagem: dizem que se você
realmente souber como praticar, poderá converter todos os movimentos de seu corpo
em Dharma.
Achamos que é uma grande vergonha deixar um campo produtivo sem ser plantado
durante um ano, mas isto não é nada. É cem mil vezes mais desafortunado não
acumularmos nenhum mérito através do campo de mérito. Embora qualquer virtude-
raiz que acumulamos não seja Dharmica se for feita com pelo menos o anseio por um
renascimento melhor, o resultado final é sempre o mesmo quando se trata do campo de
mérito. Se você acumula mérito com o campo de mérito ao render-lhe homenagem,
fazer oferecimentos e assim por diante, aquele mérito definitivamente será causa para
alcançar a Budeidade – mesmo que sua motivação não seja nem mesmo o desejo de um
renascimento melhor. Mesmo se fizer oferecimentos aos Budas com maus motivos, esta
ação contribuirá para a sua iluminação. Os resultados que se obtém são especiais por
causa do poder do campo de mérito. Uma ilustração: mesmo se não plantar a semente
corretamente num campo fértil, você ainda pode estar certo de obter bons resultados.
Nos versos acima, a loção mencionada é um líquido feito fervendo-se vários
ingredientes aromáticos, como incenso. As “flores excelentes” e assim por diante
podem não ser oferecimentos supremos, mas a frase “Um sublime cortejo...” deve se
referir a todos os oferecimentos mencionados antes. O “incenso” deve ser de apenas um
137
tipo – sândalo, por exemplo. Os “pós de incensos” são de sândalo, etc. “Montes”
referem-se a montículos de pós de incenso. “Montes de pós de incenso”, no entanto,
tem outra interpretação. “Pós de incenso”significa pós aromáticos; “montes” pode ser
um sachet de tecido que guarda estes pós. Os sachets são presos em dosséis e liberam
fragrância ao serem soprados pelo vento. A Oração de Nobres Atos menciona sete tipos
de oferecimentos – flores excelentes, e assim por diante.
Supremos oferecimentos são as mais sublimes emanações de Budas e Bodhisattvas,
que produzem através de suas bodhicitta e orações. Embora não possamos fazer este
tipo de oferecimento, há o que podemos oferecer. O Sutra Solicitado por Sagaramati
menciona dois: manter o Dharma, e desenvolver o desejo pela suprema iluminação. O
Sutra do Lótus Branco da Compaixão menciona um terceiro – utilizar seus estudos ao
colocá-los em prática. Nossos gurus nos instruem a fazer um quarto tipo de
oferecimento supremo: nossa virtude-raiz transformada em oferecimentos materiais.
O supremo oferecimento de “manter o Dharma” abrange desde manter os
ensinamentos transmitidos e realizados até mesmo memorizar uma única sílaba de um
mantra. “Colocar os estudos em prática” significa praticar o significado de qualquer
coisa que tenhamos estudado ou memorizado. Devemos seguir o exemplo de Geshe
Chaen Ngawa lendo o livro do vinaya e tirando a sua pele de couro [vide Dia 3]. Dizem
que se ficarmos esperando por alinhamentos auspiciosos dos planetas para começar
nossas práticas, poderemos morrer primeiro. Mesmo colocando em prática o que sabe
sobre limpar sua casa é um oferecimento de sua prática. Pessoas que são bem versadas
nos clássicos não devem fazer nada além de colocar os estudos em prática. Como
Butoen Rinpoche disse,
138
oferecer principalmente o que praticamos então, quando somos pobres, não
praticaremos comportamentos errados. Mesmo se tiverem dinheiro, as pessoas
ordenadas devem trabalhar mais duramente apenas no oferecimento de sua prática.
Drolungpa diz em seu Estágios dos Ensinamentos:
Certo dia Dromtoenpa visitou o grande iogue Gampopa. Gampopa passava o tempo
todo em meditação uni-focada, e seu conjunto de mandala ficava negligenciado,
coberto por poeira. Drom perguntou porque ele não estava oferecendo mandalas.
Gampopa disse a Drom que por ora estava contemplando coisas internas, e havia se
tornado profundamente absorto. “O que está querendo dizer?” disse Drom em
reprovação. “Atisha foi muito melhor meditador do que você, e no entanto fazia
oferecimento de mandalas três vezes ao dia.” Depois disso, Gampopa se esforçou mais
em fazer oferecimentos de mandala e, como resultado, desenvolveu realizações.
Se você for rico, deve ter um conjunto de mandala feito de ouro, prata, cobre ou
semelhante. Caso contrário, servem as de pedra, lousa, cerâmica ou madeira. Je
139
Rinpoche usou uma mandala de pedra durante seu retiro em Oelga. O conteúdo da
mandala deve ser jóias, grãos, e remédios. Ou então bastam pedrinhas, areia, e coisas
assim. Se for rico, construirá uma enorme coleção de méritos ao oferecer o melhor. A
base da mandala deve ser a maior possível e pelo menos não deve ser menor do que o
seu próprio prato de comida. Você deve oferecer mandalas ao menos uma vez por ano,
ou uma vez por mês.
Coloque uma gota de perfume nas pontas dos dedos. Então, ou coloque o polegar
no centro [acima da base] e mova seus dedos em torno da borda, ou coloque seus dedos
no centro e mova o polegar ao redor da borda.
Faça o oferecimento conforme segue: Segure a base de mandala em sua mão
esquerda com um pouco de grãos [na palma]. Com seu antebraço [direito], esfreque a
base muitas vezes no sentido horário. Imagine que está afastando suas negatividades e
obscurecimentos. Então, esfregue a base três vezes na direção contrária: imagine que
seu tempo de vida, corpo, palavra e mente estão sendo abençoados. Recite então [as
orações de oferecimento de mandala longa, curta ou interna].
Há várias maneiras tradicionais para preencher a mandala. Tome o leste da base da
mandala como sendo ou aquele lado que está voltado ao campo de mérito – os seres a
quem faz os oferecimentos – ou o lado voltado para si. Durante um oferecimento de
mandala, tome o leste como sendo o lado da base da mandala voltado para os seres a
quem faz o oferecimento. Use o lado voltado para si como sendo o leste quando for
fazer uma mandala de súplicas. É melhor adotar aqui a segunda convenção, porque
você está pedindo ao campo de mérito para condeder suas bençãos.
A versão dos trinta-e-sete montes da mandala pertence à tradição de Sakya Drogoen
Choepag. Estes trinta-e-sete montes representam: Monte Meru (1); os [quatro]
continentes (4); os [oito] continentes adjacentes (8); as montanhas preciosas (1); as
árvores que realizam os desejos (1); as vacas que realizam os desejos (1), a lavoura
silvestre não-arada (1); os sete símbolos de poder real [a roda preciosa, etc] (7); o vaso
da fortuna (1); as oito deusas (8); sol (1); lua (1); parassol (1); estandarte da vitória (1).
Je Rinpoche segue a tradição dos vinte-três montes. A diferença entre esta e a
mandala de vinte-cinco montes é que não se faz dois montes para a mais poderosa base
de ouro e para a cadeia de montanha de ferro.
O lay-out da visualização do Monte Meru e os quatro continentes na mandala segue
o Tesouro de Metafísica [de Vasubandhu]. Refira-se a este livro para uma descrição
detalhada do lay-out. Os oceanos e o Monte Meru estão rodeados por um círculo de
montanhas de ferro. No seu centro estão Monte Meru, que é feito de quatro tipos de
substâncias preciosas. A face leste é branca; a face sul, azul; a oeste, vermelho; e a
norte, dourada.
Imagine que há vastas quantidades de montanhas preciosas e coisas assim em cada
um dos continentes. Estas montanhas preciosas, árvores que realizam os desejos, etc.,
são recursos de cada continente específico. A vaca que realiza desejos é feita de
substâncias preciosas; sua urina e estêrco são de ouro. A lavoura silvestre não-arada é
um tipo de arroz sem casca. Se colhida pela manhã, já cresceu até o anoitecer; se
140
colhida ao anoitecer, já cresceu novamente pela manhã.No oferecimento de mandala de
vinte-cinco montes, não se faz montes separados para cada um destes quatro itens –
eles estão implicitamente incluídos no oferecimento dos quatro continentes.
Aliás, os sete símbolos preciosos de poder real são mencionados no verso: “Feito de
ouro do Oceano Jambuna...” Estes sete itens [mais o vaso da fortuna] flutuam no
espaço, ocupando as direções cardinais e sub-direções entre os continentes e o Monte
Meru. Os montes representando as oito deusas – a deusa da beleza, etc. – pertencem ao
oferecimento de trinta-e-sete montes mencionado acima, embora as deusas devem estar
em pé sobre as saliências ao redor do Monte Meru [na visualização]. Mas na versão dos
vinte-cinco montes não se faz nenhum monte para representar estas deusas, pois já se
ofereceu um monte representando o próprio Monte Meru.
O monte que representa o sol é colocado à esquerda do Monte Meru; o da lua vai à
direita da montanha; o do precioso parassol atrás do Monte Meru; o do estandarte da
vitória é colocado em frente às montanhas e em sua direção – é auspicioso fazer isto.
Alternativamente, pode-se colocar o sol no oeste, a lua no leste, o parassol ao norte, e o
estandarte da vitória ao sul. Isto também é auspicioso.
Ofereça riquezas de deuses e humanos enquanto faz um monte no centro. Não
visualize a mandala maior do que é, mas visualize os quatro continentes, os reinos
celestiais e tudo o mais, de tal maneira que também não diminuam. Tutor Tsechogling,
enquanto estava em Tashi Lhuenpo, deu um exemplo muito útil: Pode-se ver todo o
rosto de uma pessoa em uma bolha na superfície de uma tigela de chá. É também como
ver um pequeno rosto num espelho [curvo], ou uma montanha através do olho de uma
agulha.
Deve-se trabalhar gradualmente a visualização de bilhões de universos em três
estágios – cada vez, multiplique as visualizações por mil. Em outras palavras, comece
com um grupo de mil mundos, depois mil grupos de mil mundos cada um, depois mil
deste tipo de grupos.
Em minha opinião, o verso “Ofereço esta base, consagrada com perfume...” foi
usado por Sadaprarudita quando fez oferecimentos a Dharmodgata [vide Dia 7]. Há
duas versões para este verso. Uma diz “Tudo visualizado para o campo búdico...” O
“para” significa que a visualização é feita “para os Budas no campo de mérito.” Mas
pode ser errado oferecer-lhes o mundo impuro do Monte Meru e os quatro continentes.
Assim “Em um campo búdico...” significa que o Monte Meru, os quatro continentes e
tudo o mais, são um mundo impuro apenas no primeiro momento [da visualização]; no
segundo momento todos se transmutam num campo puro. Estas duas visualizações têm
seus próprios benefícios correspondentes.
Dagpo Rinpoche afirme em seu Versos sobre a Mandala: “Brahma e Indra dão
assistência àquele que mantem o voto...” Ou seja, está dizendo que deve-se imaginar
que Brahma o ajuda [a fazer oferecimento de mandala] caso mantem os votos de
monges e monjas. Se não tiver estes votos, deve ter também um monge ajudando-o.
Mas o Monte Meru e os quatro continentes foram formados pelo karma coletivo dos
seres sencientes; portanto, você não precisa da ajuda de Brahma e Indra, etc, para fazer
141
os oferecimentos; o sistema mundial completo do Monte Meru e os continentes são o
resultado ambiental de sua própria parcela daquele karma coletivo.
Visualize um bilhão de conjuntos de Monte Meru e os quatro continentes --se
conseguir fazer esta visualização. Se não, basta visualizar apenas um sistema mundial.
Oferecer a mandala corretamente, é tão benéfico quanto realmente oferecer os quatro
continentes, Monte Meru, e assim por diante. Por exemplo, quando o Dharmaraja
Ashoka era criança num renascimento anterior, colocou sujeira na tigela de esmolar de
Buda Vipashyin, imaginando que a sujeira era ouro. Mas, ele recebeu os mesmos
benefícios de oferecer ouro verdadeiro, e como resultado, em seu renascimento como
Ashoka, construiu dez milhões de stupas em um único dia. Assim, não há nada melhor
do que oferecer uma mandala mundial para acumular méritos --completa a sua
acumulação, é conveniente e direto de se fazer. Portanto, esta base redonda de cobre é
algo crucial de se ter!
Ao final do oferecimento de mandala, incline a base em sua direção ou na direção
contrária, despejando o conteúdo de volta ao tecido recipiente. Se quiser receber mais
bençãos, despeje o conteúdo em sua direção; despeje-os na direção contrária quando
procura afastar as interferências.
Coloque ênfase em fazer corretamente a visualização em vez de fazer um grande
número de oferecimentos de mandala. Se quiser acumular um grande número de
qualquer coisa, basta fazer esta seção de oferecimentos dos ritos preparatórios muitas
vezes. Recite o verso “Ofereço esta base, consagrada com perfume...” junto com “Até a
iluminação, eu tomo refúgio no Buda, Dharma e na suprema assembléia...”, e então
faça os oferecimentos de sete-montes: um para o Monte Meru, quatro para os
continentes, um para o sol e um para a lua.
Bhikshuni Lakshmi teve sua visão de Arya Avalokiteshvara depois de fazer vários
oferecimentos de mandala; Je Tsongkapa fez vigorosamente oferecimentos de mandala,
e assim por diante, enquanto esteve em Oelga Choelung --e como resultado
desenvolveu a visão correta. Assim, todos devem se esforçar para fazer esta prática.
142
DIA SEIS
Então Kyabje Pabongka fez uma revisão dos títulos que já havia falado
143
Quem certa vez foi descuidado,
Poderá se tornar escrupuloso;
São então tão graciosos
Quanto a lua sem nuvens,
Assim como Nanda, Angulimala,
Ajatashatru e Shrankara.
Foi também dito: “As ações negativas pesadas dos habilidosos são muito leves; o
mais leve pecado do tolo é pesado.” Ou seja, o fator determinante é ser ou não
habilidoso em expiar nossas negatividades. O Brahmin Shankara matou sua própria
mãe, Angulimala matou novecentos e noventa e nove pessoas; Ajatashatru executou o
próprio pai. Mas, depois de terem cometido estes crimes hediondos, foram capazes de
ver a verdade [ou seja, entrar no caminho da visão] por causa de suas confissões
fervorosas.
Com a forma mais forte de confissão, purifica-se as ações negativas até a própria
raiz; a forma mediana de confissão torna as ações mais leves; e a forma mais leve de
confissão evita que a força dessas negatividades aumente. Mas se não confessar suas
ações negativas de forma alguma, a sua força duplica a cada dia, fazendo com que uma
ação negativa pequena se transforme numa grande. Por exemplo, matar um piolho é um
pecado leve. Mas se não expiá-lo, depois de quinze dias a ação fica 16.384 vezes mais
forte. É quase o mesmo de matar um ser humano.
Não queremos confessar nossas ações negativas; nossa falta de crença nas leis da
causa e efeito está falha e significa que não temos medo de cometer delitos. Se
tivéssemos esta crença, evitaríamos cometer até mesmo o menor dos delitos. Por
exemplo, sempre que Atisha cometia um pequeno delito enquanto viajava, ele parava e
purificava-o rigorosamente, mesmo em público. Poderíamos fazer isto também, mas
normalmente pensamos que não temos nenhum grande pecado a confessar --isto é só
porque não pensamos em como cometemos tais ações. Se fossemos pensar
profundamente nisto, saberíamos exatamente quantas ações não-virtuosas cometemos
com nossa mente, e palavra --más intenções, tagarelice, fofoca, insultos, etc-- desde que
acordamos hoje. Podemos ser ordenados, por exemplo --mas, deixando de lado
qualquer voto majoritário que tenhamos quebrado, não só quebramos nossos outros
votos com a freqüência de gotas de chuva numa carga d'água, como também falamos
que isto não prejudica. No entanto, não colocar nossas vestes inferiores de forma reta,
por exemplo, é o bastante para quebrar um voto tântrico majoritário.40 Quebramos os
votos majoritários de Bodhisattva tão freqüentemente quanto as gotas de chuva.
Quebrar um voto minoritário de Bodhisattva é cem mil vezes pior do que quebrar um
voto pratimoksha majoritário de um monge. Quebrar um voto majoritário de
40
Quando um monge coloca suas vestes de forma errada, na realidade só quebra um voto minoritário. Mas, há também
um voto tântrico majoritário de nunca desprezar seus votos pratimoksha, então, ao quebrar um, ele também quebra o outro.
144
Bodhisattva é cem mil vezes mais sério do que quebrar um voto minoritário de
Bodhisattva; quebrar um voto tântrico secundário é cem mil vezes mais sério, e quebrar
um voto tântrico raiz, é ainda cem mil vezes mais sério. Então, se contarmos os maus
atos que cometemos desde que acordamos esta manhã, veremos que temos muitas
causas completas para renascermos nos reinos inferiores. O dia inteiro somos
oprimidos por muitas atos maus –as dez ações não virtuosas, os três venenos, etc. O
pior destes nos levará a um renascimento nos reinos dos infernos; o mediano, nos
levará a renascimento como espíritos famintos; e o mais leve, a renascimento como
animais. Um “grande pecado” não precisa ser matar uma pessoa ou roubar seu cavalo;
pode até ser chamar um aluno de cachorro num momento de raiva. Algo como criticar
seres karmicamente potentes é também um grande pecado. Só no dia de hoje,
adquirimos todas as causas para nos levar aos reinos inferiores.
Você deve estar se indagando, “Se o caso é este, o que pode ser feito?” De nada
adianta ficar simplesmente amedrontado com isso; --ao fazer centenas de milhares de
prosternações, você deve recitar o mantra de cem sílabas, e coisas assim-- expiar e
purificar todas as ações negativas cometidas desde o princípio do samsara. A menos
que receba os sinais de que estas ações foram purificadas, você deve fazer estas práticas
até a sua morte. Estes sinais foram mencionados no Encanto de Kandakari, refira-se a
Os Grandes Estágios do Caminho e outros assim. Portanto, faça a meditação de
Vajrasattva e recite vinte e uma vezes o mantra de cem sílabas à noite, antes de dormir.
Deve-se também fazer incansávelmente as prosternações completas enquanto se recita
o Sutra da Confissão de Quedas Morais. Confesse à noite os votos quebrados durante o
dia; pela manhã, confesse os votos quebrados na noite anterior. Não deixe que um
único voto quebrado passe um dia inteiro sem ser purificado. Mesmo se não fizer
muitas outras práticas, trabalhar arduamente nesta será mais do que suficiente.
Suas ações não virtuosas são fonte de todo sofrimento nesta vida e em vidas futuras.
Se puder expiá-los, estará se livrando do sofrimento e desenvolvendo realizações e
insight. Por exemplo, quando você adoece neste renascimento, o que faz com que fique
doente é algum tipo de não-virtude já acumulada, portanto ter rituais e coisas assim
feitos em seu benefício pode não ajudar, porque os resultados destes rituais
amadurecerão independente da doença. Mas, não tenha a visão errônea de que tais
rituais não trazem benefícios. Suponha que algumas ervilhas já estão crescendo num
campo e você semeia cevada para que as ervilhas não cresçam mais; isto teria mais ou
menos o mesmo efeito dos rituais. Se uma ação negativa já rendeu frutos, não há nada
que se possa fazer a respeito. Por isso, você deve confessar suas ações negativas antes
de experimentar seus resultados; isto é como destruir as sementes. Se expiar pequenos
delitos, eles serão purificados; delitos maiores serão enfraquecidos. Se confessar suas
grandes ações negativas e as ações negativas cujos resultados certamente teria que
experimentar nos reinos inferiores, elas irão, ao contrário, amadurecer nesta vida, como
febres fortes e coisas assim. Embora as ações negativas não têm nenhuma qualidade
boa, elas possuem a propriedade de poderem ser purificadas. De fato, não há nenhuma
ação não virtuosa que não possa ser purificada com a confissão. A extensão em que
145
uma ação não virtuosa pode ser purificada é determinada pelo poder de sua intenção e
das ações para expiá-la. Portanto, deve-se ter um grande remorso, exercitar a restrição e
coisas assim.
Alguns praticantes do Dharma sofrem nesta vida muitas coisas indesejáveis, mas
isto é bom porque significa que o mau karma, cujos resultados estes praticantes de
outra forma vivenciariam em renascimentos futuros, amadureceu para eles nesta vida.
Estes praticantes podem sofrer uma queda em seus padrões de vida, por exemplo, mas
isto significa que algum karma que teria resultado num renascimento como espíritos
ávidos amadureceu nesta vida. Alguns pecadores parecem ter toda a sorte, têm longa
vida, e coisas assim. Isto é resultado de uma reminiscência de ações virtuosas em suas
vidas passadas que aconteceu de ter amadurecido nesta vida, mais tarde terão que
descer aos estados onde serão atormentados pelo sofrimento. Um exemplo de praticante
que sofre é Dromtoenpa -um verdadeiro ser do Dharma- que contraiu lepra no final da
vida. Portanto, não mantenha visões errôneas, fique feliz quando estiver doente e coisas
assim. Sofre-se uma perda enorme se destruir alguma virtude com a raiva; também
lucra-se muito com os pecados que purifica.
Para purificar uma ação negativa, deve-se ter o conjunto completo dos quatro
poderes oponentes.
O poder da base é o de reconhecer exatamente a quem fazer a confissão. Mas, em
nossa tradição significa que se acumulou um pecado com relação a uma base em
particular, a purificação daquela ação depende daquela mesma base, assim como ao cair
no chão, dependemos do chão para levantar novamente. Portanto, se cometeu ações
negativas com relação ao Buda ou aos seres sencientes, o poder da base é tomar refúgio
[nos Budas e assim por diante] e desenvolver a bodhicitta [para com os seres
sencientes]. Já expliquei ambas anteriormente.
O poder do repúdio é o arrependimento; se tiver isto, evitará [cometer a mesma
ação novamente]. Deve-se conhecer as leis da causa e efeito para que isto aconteça com
alguma força. Suponha que três pessoas ingeriram comidas envenenadas. Uma delas
morre, uma adoece, e uma não sofre nenhum efeito [por enquanto]. Esta última pessoa
terá grande remorso, tentará quaisquer meios para retirar o veneno de seu organismo, e
decidirá nunca mais comer aquilo novamente. Os seres sencientes acumularam as
mesmas ações não-virtuosas, que se assemelham a venenos. Alguns já renasceram nos
reinos inferiores. Outros estão sofrendo constantemente as doenças sérias e crônicas
dos três venenos --isto se assemelha à segunda pessoa, que adoece. Eles também terão
que cair nos três reinos inferiores. Nós já cometemos estas mesmas ações karmicas,
portanto devemos sentir arrependimento e evitamos cometê-las novamente.
O poder de abster-se de más ações significa restrição. Deve-se fazer isto
adequadamente: com resolução extremamente firme. E não se deve permanecer apático
depois de estudar os benefícios de confessar nossas falhas. Exercita-se restrição da
seguinte maneira. As ações que está propenso a fazer, como usar linguagem áspera,
também ameaçam transformar em mentira a sua promessa de nunca mais repetí-las. Se
não exercitar a restrição, os quatro poderes não estarão completos. Abandone até a raiz
146
as coisas que puder abandonar. Há ainda algumas coisas que se poderá abandonar por
apenas um ano; outras que se poderá abandonar por apenas um mês. Mas se todo dia
decidir abandonar estas coisas, estará abandonando as coisas que pode abandonar por
apenas um dia. O motivo de treinar-se desta maneira é para quebrar a continuidade de
se fazer tais coisas. Isto é uma instrução particularmente habilidosa e muito útil que
recebi de meu próprio precioso guru.
Dizem que há seis tipos principais de “poder de aplicar todos os antídotos”. Estes
são os próprios meios para purificar as ações que lhe causaram arrependimento.
Portanto este poder é qualquer ação feita com relação aos nomes dos Tathagatas,
qualquer mantra, qualquer sutra, meditação na vacuidade, fazer oferecimentos, e
qualquer coisa feita com relação a imagens. Você na realidade não precisa dizer: “Eu
admito estes, eu confesso estes”: [que são palavras da Confissão das Quedas Morais],
mas se fizer alguma ação virtuosa --mesmo recitar um certo número do mantra om mani
padme hum-- para purificar algum pecado, esta ação é então um poder de aplicar todos
os antídotos. Se nós, monges e monjas comuns pensarmos que, como ato de
purificação, estamos passando por todas as dificuldades de calor e frio para podermos
assistir os ensinamentos, estes atos também passam a ser exemplos deste poder em
particular.
Deve-se fazer uso de todos os quatro poderes. O mais fácil dos seis tipos de poder
de aplicar todos os antídotos são as ações feitas com relação aos nomes [dos Budas];
era a prática dos santos do passado fazer prosternações enquanto recitavam As
Confissões das Quedas Morais [também conhecido por Sutra dos Tres Montes Nobres].
Esta recitação contém todos os quatro poderes e é tão benéfica que o grande Je
Rinpoche, cujas boas obras eram tão extensas quanto o próprio espaço, costumava usá-
la para construir suas acumulações e fazer auto-purificação. Portanto, foi prática do
grande Je Rinpoche fazer esta confissão recitando este sutra. Mesmo os grandes
adeptos como Namkha Gyaeltsaen de Lhodrag purificaram seus obscurecimentos desta
maneira. Todos os adeptos-estudiosos posteriores fizeram esta prática e o grande adepto
Lozang Namgyael afirmou que esta era a mais nobre das práticas. Quando purifica seus
pecados, a sua mente fica tranqüila --como alguém que pagou os juros de um grande
empréstimo.
As pessoas que estejam fazendo um grande número de prosternações devem colocar
seus pensamentos de forma correta enquanto fazem o ramo da homenagem; mas tudo
que precisam fazer [fisicamente] naquela parte específica da oração dos sete ramos é
juntar as palmas das mãos, porque é melhor incorporar o ato de fazer um grande
número de prosternações ao ramo da confissão.
Faça esta prática da seguinte maneira. Primeiro, recite três vezes o mantra de
multiplicar virtude: Om sambhara sambhara vimanasara maha vajra hum. Om smara
smara vimanaskara maha vajra hum. Então recite a Confissão das Quedas Morais.
Embora as deidades deste sutra já sejam membros do campo de mérito, faça a
seguinte visualização para dar-lhes proeminência especial: Trinta e quatro raios de
luzes irradiam do coração de seu guru, dez raios para cima, dez para baixo. Sete raios
147
vão para a direita de seu guru e outros sete para a esquerda. Há trinta e quatro tronos
preciosos, cada um repousando num destes raios. Os tronos são sustentados por
elefantes e decorados com pérolas. O elefante é o animal mais forte, portanto os tronos
têm elefantes sustentando-os como um símbolo de que estes Budas têm o maior poder
de purificar as ações negativas. Todas as trinta e cinco deidades possuem corpos de
cores diferentes e seguram implementos simbólicos diferentes, mas para simplificar,
divida-os em cinco grupos de sete, com cada grupo tendo o corpo da mesma cor e os
mesmos implementos dos cinco Dhyani Buddhas. O primeiro grupo de sete toma a
forma de Akshobhya; depois, Vairochana; depois Ratnasambhava; Amitabha; e
Amogashiddha. Há duas exceções a este esquema. Buda Shakyamuni pertence na
realidade ao primeiro grupo de sete, mas a figura de Shakyamuni no coração do guru é
suficiente. O Rei dos Poderosos Nagas [Geyaraja] é branco do pescoço para cima; o
resto de seu corpo é azul. Ele faz o gesto de subjugar os nagas: os dedos medianos
mantidos eretos e se tocando. Todas estas figuras estão de alguma forma em frente ao
campo de méritos.
Há três maneiras de recitar este sutra. Uma delas é recitar o sutra inteiro do começo
ao fim um certo número de vezes. Ou pode-se recitar um certo número de vezes só a
primeira parte, começando com nosso Mestre Buda Shakyamuni e terminando com
Buda, Rei do Senhor das Montanhas [Shailendraraja]; neste sistema repete-se apenas os
nomes algumas vezes [e a segunda parte só uma única vez]. Ou, suponha que vá recitar
o sutra vinte e cinco vezes em uma sessão de meditação; recite então o nome de cada
Tathagata vinte e cinco vezes individualmente. Esta terceira instrução torna fácil
dirigir-se a cada Buda e receber sua ajuda individual. Assim como no segundo sistema,
depois de terminar de recitar os nomes, basta recitar o resto do sutra apenas uma vez.
Há muitos benefícios em recitar os nomes de cada Tathagata. Refira-se aos
comentários relevantes. Se os nomes dos sete Budas da Medicina forem acrescentados
aos outros trinta e cinco, diz-se que quaisquer orações feitas nestes tempos
degenerados, enquanto ainda existirem ensinamentos budistas, se realizarão [vide Dia
Quatro]. Devemos estar ansiosos por benefícios e bênçãos imediatos, portanto faça
mais prosternações enquanto recita os nomes destes sete Budas.
Todas as repetições da palavra “Tathagata” em nossa versão da Confissão das
Quedas Morais não aparecem no sutra original, mas não seria correto recitar os nomes
destes Budas sem um epíteto. Deve-se portanto acrescentar o título “Tathagata” antes
de cada nome, tal como Je Rinpoche costumava fazer.
Recite então A Confissão Geral, ou semelhante. Este texto diz “apego,
hostilidade...”; suas causas são os três venenos. As três portas são corpo, palavra e
mente que teriam então a natureza não virtuosa.
Aliás: A Confissão de Quedas Morais afirma, “Confesso todo e cada pecado”, isto
significa que esta é uma maneira de confessar as transgressões de cada um dos três
tipos de votos. O ponto é trazer nossa atenção às ações não-virtuosas que estamos
sempre cometendo para que possamos levar a sério a sua purificação.
148
A Oração Real de Feitos Nobres diz:
Em outras palavras, não há necessidade de desgastar seu corpo e sua voz, pois você
pode colecionar um estoque incomensurável de méritos ao rejubilar-se tranqüilamente.
O Rei Prasenajit certa vez pediu a Buda que lhe ensinasse algum Dharma que fosse
conveniente para praticar enquanto cuidava de suas obrigações reais. Foi-lhe dito para
praticar três coisas: rejubilar-se, desenvolver a bodhicitta, e dedicar sua virtude. Mas o
júbilo deve estar isento de pensamentos de ciúmes ou competitividade. Se alguém que
não gosta de nós faz algo virtuoso, por causa do ciúme dizemos, “Eles só estão fazendo
isto por causa das aparências --não traz benefício algum.” Não devemos agir assim. Se
nós, monges comuns por exemplo, nos rejubilamos corretamente quando nosso
companheiro de quarto faz uma cerimônia de centenas de oferecimentos, certamente
receberemos algum benefício. Se o nível [de realização ou ordenação] dele for menor
do que o nosso, receberemos duplamente o benefício do que ele fez; se ele é nosso
igual, ganhamos o mesmo benefício; mesmo se ele for superior, ainda assim ganhamos
metade. O que poderia ser mais lucrativo? E se rejubilarmos com os feitos dos Budas e
Bodhisattvas do passado, e assim por diante, receberemos um décimo dos benefícios
porque o contínuo mental deles é muito mais elevado do que o nosso. Se
trabalhássemos as práticas virtuosas durante todo o nosso tempo de vida, alcançaríamos
apenas uma fração das virtudes-raiz feitas num único dia por um Bodhisattva do
primeiro nível, enquanto as virtudes-raiz de um Buda estariam bastante além de nós.
Mas se rejubilarmos com as virtudes destes Bodhisattvas poderemos receber metade do
que eles têm. Esta única técnica mental é a maneira mais efetiva de construir uma
grande coleção [de méritos]. O Dharma está florescendo aqui na Província Central, e
muitas pessoas fazem prosternações, oferecimentos, circumambulações, servem [os
mestres], meditam, estudam, e assim por diante. Se nos rejubilarmos com tudo isto,
149
receberemos uma grande quantidade de virtudes raiz.
Neste ponto, os gurus tratariam deste assunto na seguinte ordem: rejubilar-se com
feitos como quando aqueles [que em breve serão] Budas desenvolveram a bodhicitta
pela primeira vez; depois rejubilar-se com os feitos dos estudiosos e adeptos do passado
na India e no Tibet; e rejubilar-se com as recitações dos seus companheiros de quarto.
No entanto, existem duas outras maneiras de meditar neste ramo: (1) rejubilar-se com
sua própria virtude; (2) rejubilar-se com a virtude dos outros.
Isto tem dois sub-títulos: (1) rejubilar-se com a virtude feita em suas vidas
passadas que pode ser medida por meio de cognição válida inferida; (2) rejubilar-se
com suas virtudes desta vida que podem ser medidas por meio de cognição válida
direta.
150
Se examinarmos nosso atual comportamento, poderemos ver aonde
renasceremos em nossas vidas futuras. Não precisaremos pedir a pessoas com poderes
clarividentes para fazer adivinhações e coisas assim.
151
O QUINTO RAMO: PEDIR PARA GIRAR A RODA DO DHARMA
Originalmente, nosso Mestre o Buda não girou a roda do Dharma durante sete
semanas [após a sua iluminação], mas como está dito:
Em outras palavras, o deus Brahma pediu a Buda para ensinar, portanto Buda
girou a roda do Dharma pela primeira vez, ensinando as quatro nobres verdades aos
cinco primeiros discípulos. Buda relacionou as quatro verdades por três vezes; portanto,
ele falou sobre doze aspectos. Isto girou a roda do Dharma transmitido. Então Ajnata-
kaundinya tornou-se o primeiro destes cinco a alcançar o estado de arhat, e os outros
quatro se tornaram Os-que-Entraram-na-Corrente. Portanto os discípulos conseguiram
alcançar a girada da roda do Dharma realizado em seus próprios contínuos mentais; isto
precisa ser antecedido pelo recebimento da roda do Dharma transmitido. Por sua vez,
isto deve ser precedido pelo pedido para que seja girada a roda do Dharma transmitido.
É por isso que pedir para girar a roda do Dharma é um dos sete ramos. Como
[Vasubandhu] disse em seu Tesouro de Metafísica:
152
O SEXTO RAMO: SUPLICAR AO CAMPO DE MÉRITO PARA NÃO
ENTRAR EM NIRVANA
Enquanto estiver fazendo o ramo de petição e o ramo das súplicas, você deve
imaginar que os membros do campo de méritos aceitam ambos os pedidos.
Isto se refere a acertar a sua motivação [no começo] e dedicar [os méritos no
final]. Dedicações são necessariamente uma forma de oração, mas para uma oração ser
uma dedicação, deve haver algo a ser dado em dedicação.
153
Há seis pontos a serem feitos aqui: (1) O que está sendo dedicado? Suas virtudes-
raiz. (2) Porque são dedicadas? Para que não se percam. (3) Para que fins são
dedicadas? Para sua suprema iluminação. (4) Para o bem de quem são dedicadas? Pelo
bem de todos os seres sencientes. (5) Como são dedicadas? Como diz o Ornamento à
Realização: “Através de método e percepção correta.” Ou seja, faz-se a dedicação com
o pensamento que combina método e sabedoria tendo, por exemplo, a percepção correta
dos três componentes do ato de dedicação [ou seja, que o que se está dedicando, o fim a
que é dedicado, e os seres a quem se dedica não possuem existência inerente]. Isto evita
o apego ao que está sendo dedicado como se fosse algo estabelecido como verdadeiro.
(6) A natureza da dedicação: é feita juntamente com o desejo de que suas virtudes-raiz
não desapareçam; faça isto junto com o desejo de converter a virtude em causa para a
sua completa iluminação.
Este tipo de oração tem muito poder. Por exemplo, no momento não nos falta o
Dharma por virtude das orações feitas pelo nosso Mestre, o Buda. Shariputra se tornou
o sábio dos sábios, pelo poder de suas preces, dedicações, e coisas assim. Nossa virtude
é como o cavalo; nossas orações, a rédea. Além disto, matérias primas, como ouro e
prata, podem ser moldadas tanto na estátua de uma deidade como num recipiente
comum --tudo depende do artesão. De forma similar, os resultados de nossas virtudes
serão altos ou baixos, dependendo de nossas orações e dedicações. Certa vez havia um
homem que tinha as mais poderosas virtudes-raiz, que agiriam como causas para que
renascesse seis vezes como um brâmane. Mas na hora da morte, viu um elefante
particularmente belo e desenvolveu o apego, e como resultado renasceu como
Bhumisudrda, o elefante que serve como montaria de Indra.
Desde que eu era criancinha, sempre recitei esta oração:
Como resultado, agora estou sempre ensinando! Lamento que eu não tenha ao
contrário rezado para praticar unifocadamente numa montanha deserta.
Em suas orações, não dedique suas virtudes para a felicidade desta vida. Se não
dedicar [a virtude], ela poderá ser destruída quando ficar com raiva. Está escrito no
Engajando-se nos Feitos do Bodhisattva:
154
afirma em seu Engajando-se no Caminho do Meio:
As citações acima não estão na bastante conhecida e atual versão daquele sutra, mas
Buda ensinou muitos sutras, e é provável que Sagaramati tenha solicitado mais de um.
Um sutra diz como fazer a dedicação [de méritos]: “Compartilhe-as com os seres
sencientes.” O Ornamento à Realização, de Maitreya, afirma:
É melhor executar
Esta forma extraordinária
De dedicá-las totalmente.
Esta forma é um aspecto
41
Um dos mensageiros tinha uma grande quantidade de finíssima farinha de cevada, o outro tinha uma pequena
quantidade de farinha de cevada negra de baixa granulação. O segundo ardilosamente sugeriu que misturassem suas
farinhas. O primeiro mensageiro consentiu, e depois reclamou. Mas já era muito tarde, pois à esta altura as duas farinhas já
estavam misturadas e o segundo mensageiro havia comido mais do que sua cota justa.
155
Da percepção correta,
E é caracterizada
Pela correta [apreensão].
Em outras palavras, faça esta prática porque ela é extraordinária: evita o apego à
idéia] das coisas serem estabelecidas como verdadeiras.
A forma mais conhecida de dedicar a virtude para a nossa completa iluminação é o
pensamento: “Que por esta virtude, eu possa alcançar a completa iluminação pelo bem
dos outros.” Ainda assim, estamos compartilhando nossas virtudes-raiz com todos os
seres sencientes, e é como misturar estas virtudes com as virtudes dos Vitoriosos --
virtudes-raiz que resultaram de seus feitos extensos pelo bem dos outros e que nunca se
soube que possam se acabar. Também, oferecemos nossas virtudes-raiz para contribuir
para os feitos realizados pelo bem dos outros, e portanto é vital orar para que estas
virtudes levem todos os seres sencientes à iluminação. [Maitreya] afirma no Um
Ornamento aos Sutras:
156
Rejubilar-me, fazer pedidos, e suplicar
Dedico-as todas à minha iluminação.
Em outras palavras, dedicar estas coisas resulta em sua completa iluminação. Mas
tanto reter o santo Dharma em seu contínuo mental quanto o resultado de se fazer isto --
alcançar a completa iluminação-- dependem de você estar sendo guiado por um mestre
espiritual. Portanto:
Ou seja, é suficiente dedicar sua virtude para ser guiado por um guru. Portanto faça
as suas dedicações em uma das três maneiras acima.
As palavras “pequena virtude” derrotam a opinião inflada que temos de nós
mesmos: então, não ficamos orgulhosos. “Qualquer... virtude que eu tenha acumulado”
significa todo karma que tivermos acumulado. A linha “Dedico-as todas à minha
iluminação” é a própria dedicação da virtude para alcançar a completa iluminação.
Não há diferença entre dedicar algo para se tornar uma causa, ou dedicar para que
resulte em outra coisa --assim como não há diferença entre pedir cevada, o ingrediente
principal, ou tsampa [a comida feita de cevada tostada], que é o resultado.
De qualquer maneira, não sabemos como fazer estas dedicações corretamente,
portanto também recitamos:
Dizem que esta é a melhor prece que já foi feita pelos Budas de todos os três
tempos. Estes Budas então trabalham para realizar esta oração. Dizem que estes dois
versos contêm as milhões de preces incontáveis feitas pelos Filhos dos Vitoriosos que
dedicaram suas virtudes da mesma maneira com que Manjushri e Samantabhadra o
fizeram. Mas notem: além disto, devemos fazer este ramo juntamente com a percepção
157
correta em concordância com a visão.
Aqui está a maneira como a oração de sete ramos age como um antídoto aos três
venenos. A Homenagem age contra o orgulho; Oferecimento, contra a avareza;
Confissão, contra todos os três venenos; Rejubilar-se, contra o ciúme; Pedir para Girar
a Roda do Dharma age contra estar privado do Dharma; Súplica para não entrar em
Nirvana, contra inadvertidamente caluniar o guru; Dedicação, como um antídoto para a
raiva. Além disto, os sete ramos incluem os processos de acumulação, auto-purificação,
e aumento. Quatro ramos e meio constroem a acumulação. O ramo da Confissão é a
purificação. Metade do ramo de Rejubilar-se e todo o ramo de Dedicação aumentam as
nossas próprias virtudes-raiz.
Os textos não estão claros quanto a isto, mas segundo a tradição oral de Kyabchog
Dagpo Rinpoche, cada um destes sete ramos deixam diferentes traços kármicos. O
ramo de Prosternação deixa traços no sentido de conceder a protuberância na coroa do
praticante; já mencionei este fato [vide Dia Cinco]. Oferecimento deixa traços que irão
permitir que se consiga riqueza ou o siddhi “tesouro-espacial”42; Confissão, traços para
alcançar o completo abandono dos dois tipos de obscurecimentos; Rejubilar-se, um
corpo carismático; Pedir para girar a roda do Dharma, [a voz brâmane de um Buda];
traços de Suplicar para não entrar em Nirvana permitirá que se consiga um corpo vajra
ou o conhecimento de como prolongar a vida; Dedicação, resulta em obter todas as
qualidades de um Buda em geral.
Então oferece-se outra mandala antes de fazer a próxima súplica, ou então pode-se
oferecê-la depois disto. A súplica é a seguinte:
Refugio-me no Guru e nas Três Jóias Preciosas. Por favor, abençoem meu
contínuo mental. Por favor, abençoem-nos para que eu e todos os seres
sencientes, que foram minhas mães, deixemos de ter todos os tipos de
pensamentos errôneos, desde o desrespeito aos nossos mestres espirituais até
o apego aos sinais dualísticos do ego. Por favor, abençoem-nos para que
possamos desenvolver facilmente todos os tipos de pensamentos corretos --
desde respeitar nossos mestres espirituais, e assim por diante. Por favor,
abençoem-nos e pacifiquem todas as nossas circunstâncias internas e
externas de impedimentos.
42
Esta é a habilidade de magicamente produzir riquezas.
158
impedimentos internos e externos pacificados. Do ponto de vista tântrico, é preferível
dizer: “...desde ter desrespeitado nosso mestres espirituais até as aparências dualísticas
mais sutis que ocorrem durante as alucinações, a luminescência interna, e as fases do
portal” [que ocorre antes de entrar no estado da clara luz]. O texto que usamos para os
ritos preparatórios na realidade não afirma isto após as palavras “...desde desrespeitar
nossos mestres espirituais...”, mas penso que podemos substituir esta versão tântrica
pelas palavras que seguem. Dizem que não há nada Dharmico que não possa ser
incluído nas três coisas acima. Os impedimentos são os seguintes. Impedimentos
externos à prática são guerras, reis perseguindo o Dharma, e coisas assim.
Impedimentos internos são doenças e coisas assim, ou os impedimentos secretos devido
a nossa mente ser incapaz de fazer uso do Dharma ou não estar adaptada para isto.
É nossa prática habitual, acrescentar as palavras "Por favor, abençoem-nos..."
Já disse que o melhor método para desenvolver realizações no seu contínuo mental
é fazer súplicas ao seu guru, enquanto o considera inseparável de sua deidade tutelar.
Desenvolveremos experiências e realizações religiosas em nosso contínuo mental por
força das bênçãos que recebemos; e as bênçãos dos Vitoriosos e seus Filhos serão
absorvidas em nosso contínuo mental como resultado de nossas petições.
Tais petições são trabalhadas de maneiras diferentes, mas a seguinte passagem é a
mais abençoada de todas. Dizem que é uma pena se não usar esta versão em sua
recitação.
159
Paranasena, que atingiu o mais maravilhoso estado,
Vinitasena, que treinou sua mente em caminhos profundos,
Vairochana, estimado por seus feitos poderosos:
Eu suplico aos três amigos dos seres.
Haribhadra, que espalhou o caminho de aperfeiçoar a sabedoria,
Kusali, que manteve todas as instruções dos Vitoriosos,
Ratnasena, que cuidou de todos com amor;
Eu suplico aos três capitães dos seres.
Survanadvipi, cuja mente possui a bodhicitta,
Dipamkara Atisha, que manteve a tradição dos antepassados,
Dromtoenpa, que tornou claro o caminho nobre:
Eu suplico às três colunas dos ensinamentos.
[Súplicas à Linhagem da Visão Profunda]
Shakyamuni, expoente inigualável, salvador supremo,
Manjushri, que personifica toda a onisciência dos Vitoriosos,
Nagarjuna, o mais exaltado Arya a ver o significado profundo,
Eu suplico às três sublimes jóias dos filósofos.
Chandrakirti, que esclareceu os pensamentos dos Aryas,
Vidyakokila, o melhor discípulo de Chandrakirti,
Vidyakokila mais jovem, um verdadeiro [Filho] do Vitorioso
Eu suplico aos três intelectos poderosos.
Dipamkara Atisha, que percebeu corretamente a profundidade
Da mútua dependência e manteve o caminho dos antecessores,
E Dromtoenpa, que esclareceu o nobre caminho
Eu suplico às duas jóias de Jambudvipa.
160
em você.
Na realidade, nos ritos preparatórios de As Palavras do Próprio Manjushri,
tradicionalmente não se recita a quarta linha de todos os versos duas vezes; mas nos
ritos preparatórios do Caminho Rápido e Caminho Fácil, recita-se.
Enquanto recita a última linha do verso “Meu precioso guru...” pela primeira vez,
imagine que esteja purificado de todos os impedimentos para desenvolver em seu
contínuo mental os estágios de ambas as partes extensa e profunda do caminho. Ao
recitar pela primeira vez as linhas de aberturas dos versos da Linhagem de Feitos
Extensos, imagine que purificou todos os impedimentos para que desenvolva em seu
contínuo mental os estágios da parte extensa do caminho; para a Linhagem da Visão
Profunda, imagine o mesmo acontecendo para as partes profundas do caminho.
Quando recitar estas linhas pela segunda vez, imagine que as réplicas daqueles
gurus particularmente mencionados se dissolvem em você e você desenvolve as
realizações nos caminhos profundo ou extenso.
Então segue-se os gurus da Tradição Kadampa do Lam-Rim.
Note que estes gurus de linhagem são colocados depois dos gurus da Linhagem de
Feitos Extensos. Isto pode levar à indagação: “Será que pertencem à Linhagem de
Feitos Extensos?” Não, não pertencem, embora estes gurus tenham vindo depois
daquela linhagem.
161
Lhalung Wangchug, grande estudioso afiado nas escrituras,
Goenpo Tinpoche, protetor dos seres de todos os três reinos;
Eu suplico aos três grandes Anciões.
Zangchenpa, cuja ética era imaculada,
Tsonawa, que sustentou as cem mil seções do vinaya,
Moendrapa, que aperfeiçoou as vastas metafísicas;
Eu suplico aos três grandes salvadores dos seres.
Senhor de vastos e profundos Dharmas,
Que protegeu todos os seres afortunados,
Cujas nobres obras espalharam os ensinamentos;
Eu suplico ao glorioso guru.
Note que este ultimo verso é uma súplica a Choekyab Zangpo, o abade de Dragor
[vide Dia Um]. A oração da linhagem continua:
Estas linhagens parecem desordenadas, mas não estão. A recitação se encaixa com
a seguinte instrução oral. Depois que a Linhagem de Feitos Extensos foi passada até
Atisha, ele a combinou com a Linhagem da Visão Profunda. Assim, Atisha também
passou a Linhagem da Visão Profunda a seu discípulo principal Dromtoenpa. As três
linhagens Kadampa estão relacionadas separadamente. Gampopa é o primeiro da
Tradição Kadampa do Lam-rim; esta linhagem foi passada até Namkha Gyaeltsaen.
Depois, a Tradição Clássica vai de Potowa a Choekyab Zangpo. A Tradição das
Instruções vai de Chaen Ngawa Tsultrimbar a Namkha Gyaeltsaen. Neste ponto as três
linhagens passam a ser uma única linha. Começa-se a petição a Je Rinpoche, uma
[forma modificada de] seu mantra, para receber uma benção muito especial:
163
Lodroe Zangpo, que trabalhou para a liberação de todos os seres,
Lozang Gyatso, habilidoso na maneira correta de ensinar;
Eu suplico aos três inigualáveis gurus.
Ao meu supremamente bondoso guru raiz [Jimpa Gyatso];
O inigualável, que sustentou tanto ensinamentos quanto práticas,
Que concedeu tanto transmissões quanto insight;
A quatro tipos de afortunados receptivos;
Com grande reverência de corpo, palavra e mente, eu suplico.
Ao que muito estudou, que estendeu
A mandala da instrução oral
E revelou as práticas ocultas dos dois estágios;
Eu suplico a Tenzin Kaedrub
O mais bondoso lama encarnado, cujo corpo
Continha todo o refúgio passado, presente e futuro,
Cuja palavra ensinou com a eloqüência de Manjushri,
Cuja mente era um oceano de sabedoria espontânea
Dos três treinamentos superiores e da causa e efeito;
Eu suplico a Lozang Lhuendrub Gyatso. 44
Sois olhos que vêem todos os vastos ensinamentos,
E o melhor portal para a liberação dos afortunados,
Motivado por amor, usastes meios hábeis;
Eu suplico a estes mestres espirituais, doadores de luz.
Esta súplica é bem curta, mas cada verso contém todos os pontos principais da
biografia de cada guru. Se memorizar estes versos virá a rejubilar-se e desejará estudar.
Ao repetir a última linha de cada verso pela segunda vez, ou ao recitar as outras linhas
contendo o sumário das biografias individuais, sinta que está recebendo as mesmas
qualidades que eles receberam dos ensinamentos transmitidos e realizados.
Tradicionalmente, acrescenta-se mais um verso no fim: “Glorioso lama, em sua
biografia...” Então, se não for fazer separadamente uma meditação retrospectiva no
Lam-rim, deve-se recitar O Alicerce de Todas as Boas Qualidades [de Je Rinpoche]. Se
for fazer a meditação retrospectiva separadamente, não há necessidade de recitar isto; é
também melhor dissolver a visualização do campo de mérito. O processo de dissolução
é o seguinte. Visualize que raios de luzes fluem do coração de Guru Vajradjara e
iluminam as outras figuras. Então, mais ou menos como a evaporação da condensação
num espelho, as figuras mais abaixo do campo de mérito, isto é. os quatro maharajas e
44
Mais dois versos de louvor a Pabongka e Trijang Rinpoche, respectivamente, são incluídos neste ponto da oração
completa da linhagem de gurus do Lama-rim, que pode ser encontrada na versão completa do rito preliminar Um
Ornamento para a Garganta dos Afortunados
164
assim por diante, são progressivamente absorvidas nas figuras acima; isto acontece até
chegar às deidades que estão de pé sobre as quatro pétalas no lótus mais elevado. Estas
quatro deidades recolhem-se na figura de Vajradhara no coração de Buda Shakyamuni.
Os gurus da Linhagem da Visão Profunda recolhem-se no Guru Manjushri; os dos
Feitos Extensos, no Guru Maitreya; os da Linhagem de Práticas Consagradas, no Guru
Vajradhara; e seus próprios gurus, de quem recebeu ensinamentos, recolhem-se na
figura de seu guru raiz em sua forma comum --como normalmente o vê. Enquanto
mantém a clareza de sua visualização pense, “Como sou afortunado por ter realmente
visto os Budas e Bodhisattvas.” Maitreya e Manjushri então se dissolvem em luz, que
se dissolve na figura principal. Vajradhara se dissolve na figura principal como um ser
de sabedoria. A figura de seu próprio guru raiz em seu aspecto normal não deve, no
entanto, se dissolver em luz --isto seria um gesto inauspicioso enquanto ele ainda está
vivo. Portanto, esteja vivo ou não, ele se dissolve em Vajradhara no coração da figura
principal de forma semelhante a de empurrar um grão de cevada em um naco de
manteiga. A árvore que realiza os desejos, o trono de leões e tudo o mais, se dissolvem
na base do lótus da figura principal. A própria figura principal então se dissolve em luz,
que por sua vez se dissolve em seu guru que está sentado na coroa de sua cabeça. Então
a base de lótus usada pela figura principal se dissolve na base de lótus de seu guru
sobre a sua coroa. Depois, visualize que seu guru raiz em sua cabeça se transforma em
nosso Mestre Shakyamuni; considere-o como a personificação de todos os refúgios, e
faça-lhe a oração de sete ramos curta e um oferecimento de mandala. Faça então
súplicas fervorosas somente a seu guru. Continue a fazer estas súplicas a um único guru
--meio semelhante a ser travado num ponto por meio de um pino enfiado no chão. Não
sinta que poderia ser melhor se fizesse as súplicas a uma outra pessoa. Não faz sentido
fazer esta petição a muitas pessoas.
Faça a petição assim como faria à personificação das Três Jóias e de todos os
refúgios. Os seguintes versos são tirados do Livro Milagroso dos Gelugpas, portanto,
são especialmente abençoados:
165
Eu suplico-lhe, oh Shakyamuni-Vajradhara.
Meu divino guru, personificação de todo o Dharma,
Eu suplico-lhe, oh Shakyamuni-Vajradhara.
Meu divino guru, personificação de toda a Sangha,
Eu suplico-lhe, oh Shakyamuni-Vajradhara.
Meu divino guru, personificação de todos os dakas,
Eu suplico-lhe, oh Shakyamuni-Vajradhara.
Meu divino guru, personificação de todos os Dharmapalas,
Eu suplico-lhe, oh Shakyamuni-Vajradhara.
Meu divino guru, personificação de todos os refúgios,
Eu suplico-lhe, oh Shakyamuni-Vajradhara.
Note porem: os comprimentos das linhas devem ser iguais, não estrague a métrica
dizendo, por exemplo, “Meu mais divino guru, senhor do dharmakaya desimpedido...”
Durante as práticas do treinamento da mente, quando estiver treinando-se na meditação
de igualar-se aos outros, já que Arya Avalokiteshvara é a suprema deidade da
compaixão, troque estes versos pelos seguintes: “Meu mais divino guru, senhor dos
quatro kayas, Eu suplico-lhe, oh Guru-Avalokiteshvara...” Faça o mesmo com
Manjushri quando meditar na vacuidade.
Aqui termina os ritos preparatórios. Neste ponto, segue um tópico de meditação de
Lam-rim, que vai desde o primeiro tópico – devoção ao seu mestre espiritual – até a
quietude mental e visão extraordinária. Não dissolva a figura de seu guru sobre sua
cabeça; ele continua sentado lá enquanto você medita. Se perder a visualização,
visualize-o novamente e ofereça uma mandala.
Portanto, comece agora a parte principal da sessão de meditação. Medite no Lam-
rim de sua escolha, seja uma versão curta ou longa – O Caminho Fácil, O Caminho
Rápido, e assim por diante. Depois, além disto, faça as práticas do treinamento da
mente. Então, faça súplicas para desenvolver as realizações de uma seção específica do
Lam-rim que acabou de meditar; os cinco néctares descem do corpo de seu guru; pense
que os néctares estão purificando-o das coisas que são seus empecilhos naquela seção
do Lam-rim em particular. Os néctares também o fazem desenvolver aquela parte do
caminho em seu contínuo mental. Note que os ritos preparatórios que antecede as
palavras: “Eu suplico-lhe, Shakyamuni-Vajradhara” são as mesmas para todos os
tópicos de meditação que segue.
A passagem: “Desde os tempos sem princípio, eu e todos os seres sencientes, que
foram minhas mães, nascemos no samsara e por um longo tempo até agora temos
experimentado os muitos sofrimentos diferentes do samsara...” é tirado diretamente de
O Caminho Fácil. Se estiver meditando na Grande Capacidade, omita as palavras
“nascemos no samsara e por um longo tempo” quando fizer esta oração.
166
Agora, medite durante a parte principal da sessão. As técnicas de familiarização
direcionadas a um assunto único é o que chamamos de meditação. Temos pensamentos
de falta de fé em nosso mestre espiritual, portanto, dirigimos nossa atenção aos
pensamentos de fé nele; usamos esta técnica para nos familiarizarmos com estes
pensamentos e para ganharmos o controle sobre eles. Isto é meditação.
Nossas mentes estão sob o poder dos enganos, e para cessar isto, nossa atenção é
dirigida a outra coisa.
Há dois tipos de meditação: meditação analítica e de fixação. A meditação analítica
é pensar repetidas vezes sobre as citações, raciocínios, lógica formal, e assim por
diante. Discutirei isto num nível simples. Na realidade, fazemos meditação analítica o
tempo todo, mas a direcionamos de maneira errada -é meditação analítica nos três
venenos.
Tome o exemplo da raiva. Primeiro você não se lembra de seu inimigo e não
desenvolve nenhuma raiva, só desenvolve a raiva ao recordar-se dele. Internamente,
você se lembra do que ele fez, das injustiças que fez, e até da maneira como lhe olhou.
Externamente, sua face ruboriza e suas axilas ficam suadas. Se aquele seu inimigo
estivesse à sua frente, sem dúvida daria-lhe um soco na cabeça! Em outras palavras,
você fez uma meditação analítica --e é a mesma coisa com o apego, etc.
Quando debatemos, involuntariamente pensamos apenas em usar o debate para
derrotar os outros. Se analisarmos como nossa mente pensa, veremos que é da
meditação analítica que estou falando. Num sentido somos grandes meditadores --
fazemos meditação analítica exclusivamente nos enganos e nos três venenos, e
alcançaremos algo muito diferente dos outros grandes meditadores; dizem que
corremos o perigo de ir a um mundo onde todos os morros e vales são brasas
vermelhas. Em vez de fazer tais meditações analíticas que não são benéficas, devemos
fazer meditação analítica sobre o que constitui um precioso renascimento humano,
porque este tipo de renascimento é tão difícil de se conseguir, como ele é tão benéfico,
e assim por diante.
Deve-se estar seguro dos títulos individuais do Lam-rim. Na seção que trata da
meditação do precioso renascimento humano e como ele é difícil de se conseguir,
medita-se em coisas específicas, e é um grande empecilho seguir meditações num
tópico de Lam-rim excentricamente, fazendo o que bem entender durante a sessão toda,
porque sente que “É Dharma, nada pode andar errado”. Isto é como misturar soda num
jarro de sal. Tal meditação fica arruinada pelo excitamento e torpor; as práticas
virtuosas que praticar por toda sua vida serão falhas. Se isto acontecer, pode sentir,
“Meditei sobre este tópico,” mas não se deve confiar em tais pensamentos.
Não deixe que isto aconteça. Veja o caso da meditação sobre a morte e
impermanência. É suficiente meditar nas citações, raciocínios, lógica formal, e
exemplos dados sobre o assunto --poderia até acrescentar alguns itens como, por
exemplo, a pessoa que morreu hoje em sua vila. Além disto, tome os ensinamentos
orais do seu guru como raiz, e acrescente a isto até mesmo as coisas como o folio que
encontrou num santuário no caminho. Se pensar sobre os tópicos por muitos ângulos,
167
desenvolverá realizações com facilidade, assim como desenvolveu sentimentos de
hostilidade ao pensar sobre coisas por vários ângulos.
Até alcançar a quietude mental, suas meditações são apenas analíticas. Depois de
atingir a quietude mental, poderá fazer a meditação de fixação, onde a mente é dirigida
a uma coisa. Algumas pessoas alegam que meditação de fixação é para suplicantes,
enquanto meditação analítica é para estudiosos; que meditação analítica é um
detrimento à meditação de fixação, e coisas assim. Tudo isto é bobagem.
168
Terceira Parte
OS ALICERCES DO CAMINHO
169
DIA SETE
170
será guiado corretamente no caminho, e poderá se extraviar. Assim, é vital confiar
desde o início em um guia espiritual. Observe também as palavras de Je Rinpoche [que
diz que o mestre é a “raiz do caminho.”]
A maneira de devotar-se a um guia espiritual começa com quatro títulos: (1) as
vantagens de confiar num guia espiritual; (2) as desvantagens de não confiar num guia
espiritual ou de descuidar de sua devoção; (3) devotando-se através de pensamento; (4)
devotando-se através de ações.
Na tradição oral de meu próprio guru, Dagpo Rinpoche, este título é sub-dividido
em dois: (1) você se aproxima da Budeidade praticando as instruções que lhe foram
ensinadas; (2) você também se aproxima da Budeidade fazendo oferecimentos e
servindo ao guru.
Um benefício geral de confiar num guia espiritual é que se ficará mais próximo
da Budeidade. Embora outros caminhos e seus estágios necessitam de muitos
incontáveis éons para alcançar a Budeidade, algumas pessoas podem ser guiadas a este
estado em uma única vida porque devotaram-se a um guia espiritual. Os mais altos
tantras alcançam isto muito rapidamente --guru ioga é também o sangue-vital do
caminho tântrico. Isto pode ser visto, por exemplo, na estória de vida de Je Milarepa.
Eu poderia citar versos como: “Através de sua bondade, o estado de grande
beatitude...” ou, “Através de sua compaixão, a esfera de grande beatitude...” Ou seja,
devotando-se corretamente ao guru, pela sua bondade e compaixão ele lhe concederá o
estado do dharmakaya --a esfera de grande beatitude-- em uma vida única e breve, o
que nestes tempos degenerados nada mais é do que um instante. A duração da vida
humana é apenas um instante se comparada ao tempo de vida dos seres nos infernos
abaixo ou dos deuses acima.
171
Asanga a Tushita. 45
45
Asanga passou apenas uma única manhã em Tushita recebendo ensinamentos de Maitreya, mas quando retornou à terra,
descobriu que haviam se passado cinqüenta anos.
172
alcançada com rapidez ou não. Se confiar nele, se colocar em prática as suas instruções,
você se aproximará da Iluminação. E alcançará a Iluminação mais cedo se confiar em
quem pode ensinar o caminho completo, em vez de confiar em quem só pode ensinar o
nível da Pequena Capacidade. Se um discípulo que for um receptáculo adequado [isto
é, alguém que pode suportar austeridades], encontrar um guru capaz de ensinar o
caminho completo, dizem que todas as dificuldades se derretem. É quase como se os
próprios Budas tivessem arrumado isto. Padampa Sangye disse:
Nagarjuna disse:
Ou seja, se caísse do topo de uma montanha alta, não poderia evitar sua queda
mesmo se sentisse, “Posso voltar”. De maneira similar, se sua devoção ao guru for
sólida, isto o levará à liberação do samsara, apesar de pensar, “Eu não serei liberado”.
Mas você não poderá trilhar nem mesmo o mais trivial dos caminhos se não confiar
num guru.
Dizem que este geshe costumava recolher a manteiga congelada que ficava em
suas tigelas após as refeições e dá-la ao cachorro de Lopa.
Está dito num tantra: “É melhor oferecer a um poro do guru do que a todos os
Budas dos três tempos.” Note que a frase “oferecer a um poro do guru” significa
oferecer ao cavalo do guru; seu cão-de-guarda; atendentes, e assim por diante. Não
significa seus poros corpóreos comuns.
174
Buda manifestou a nós o seu corpo [na suprema forma nirmanakaya] mas não
fomos suficientemente afortunados para receber ensinamentos do Dharma dele
[naquele aspecto]. Precisamos, portanto, de um corpo iluminado adequado ao nosso
grau de boa fortuna para nos ensinar o Dharma. Assim, os Vitoriosos das dez direções
se emanam como gurus pelo nosso bem é um pouco como uma comitiva moderna
nomeando um porta-voz. Quando nos devotamos corretamente ao guru, os Budas
sabem disto e ficam satisfeitos. [O Lam-rim A Essência de Néctar] diz:
Ou seja, Os Vitoriosos nos amam assim como uma mãe ama seu filho único. Os
Budas sabem disto e ficam satisfeitos quando nos devotamos corretamente aos nossos
gurus --a raiz de toda saúde e felicidade e o único meio de nos libertar dos sofrimentos
do samsara e dos reinos inferiores.
Ou seja, Os Vitoriosos podem não ter sido realmente invocados, mas mesmo
assim tomam seus lugares no corpo de seu guru. Quando o guru fica satisfeito com seus
oferecimentos, eles também ficam. Mas se só fizéssemos oferecimentos aos Vitoriosos
e seus Filhos, só receberíamos os benefícios de fazer oferecimentos, e não os de agradá-
los também. Fazer oferecimentos ao guru traz os dois benefícios: o oferecimento em si
e o de agradar os Budas.
175
VOCÊ NÃO SERÁ PERTURBADO POR DEMÔNIOS OU MÁS
COMPANHIAS
Como está dito num sutra, por causa de sua confiança correta num mestre
espiritual, seu mérito aumentou muito. Devido a este aumento, você não será
perturbado por demônios e más companhias. O Sutra da Grande Peça nos diz:
Também nos é dito: "Deuses e demônios não podem impedir [aqueles com]
méritos."
Quando confiar num guia espiritual, saberá como modificar seu comportamento,
e realmente agirá desta maneira --da mesma forma como agora você cessa
automaticamente seus maus atos quando está perto de seu guia espiritual ou na casa de
seu mestre. O Sutra de Colocar Estacas afirma:
“Coisas feitas por pessoas movidas por karma e enganos são difíceis [de serem
feitas] por Bodhisattvas [que estão] sob os cuidados de virtuosos guias espirituais.”
O Lam-rim A Essência de Néctar diz: “Enquanto confiar respeitosamente nele,
você automaticamente cessará todos os enganos e malfeitos...”
176
de formigas num local tão distante que um abutre levaria dezoito dias para alcançá-lo.
Até hoje, ele é afamado como o avô dos ensinamentos Kadampa. E os bons trabalhos
do próprio grande Atisha só foram feitos pelo poder de sua correta devoção ao guru.
A extensão do trabalho de um santo dependerá de sua devoção. Zhoenue Oe, que
veio de Jayul, confiou no Geshe Chaen Ngawa e serviu-o bem. Certo dia ao levar o lixo
para fora, deu apenas três passos quando desenvolveu a concentração contínua uni-
focada do Dharma.
Quando Sakya Pandita certa vez pediu [a seu tio] o venerável Dragpa Gyeltsen
para compor um trabalho sobre guru ioga, Dragpa em princípio disse, “Você só me
considera um tio, não um guru” e não escreveu a obra. Mais tarde, quando Dragpa caiu
doente, Sakya Pandita cuidou dele, e então o guru escreveu sobre guru ioga. A partir de
então, Sakya Pandita o considerou como um Buda, e não apenas um tio, e tornou-se um
pandita sábio nas cinco ciências.
Tenpa Rabgye, que mais tarde ocupou o trono Ganden, preocupava-se tanto
quando seu tutor ficava doente que ele mesmo quase morria. Tenpa realizou a visão
porque cuidou de seu tutor tão bem.
Purchog Ngagwang Jampa um dia carregou para a casa de Drubkang Geleg
Gyatso um enorme saco de esterco seco [usado como combustível para cozinhar].
Purchog passou por muitas dificuldades, e Drubkang Geleg Gyatso deu-lhe um antigo
solidéu cheio de “oferecimento interno” consagrado. Purchog bebeu a oferenda e seu
contínuo mental foi abençoado, desenvolvendo uma intensa renúncia e cansaço do
samsara.
Portanto, se confiar em um guru, seus insight e experiências no caminho
aumentarão muito. O Lam-rim A Essência de Néctar afirma:
Experiências e realizações
Nos estágios do caminho
Se desenvolverão e aumentarão como resultado.
177
Isto é, devotando-se corretamente ao seu guia espiritual, esta ação dará um
resultado similar: você não será privado de guias espirituais virtuosos em todas as suas
vidas futuras. Se considerar seu atual guia espiritual, que é um ser comum e mediano,
como sendo realmente um Buda, e devotar-se corretamente a ele, mais tarde encontrar
gurus como Maitreya e Manjushri, ouvirá seus ensinamentos. É por isto que o Lam-rim
A Essência de Néctar diz:
Em outras palavras, você esgota o karma para renascer nos reinos inferiores. O
Sutra para Kshitagarbha diz:
Ao fazer isto, você purifica o karma que [de outra forma] o faria vagar
pelos reinos inferiores por milhões de imensuráveis éons; este karma
ocorrerá na vida atual como coisas prejudiciais ao corpo e mente --
fome, epidemia, e coisas assim. [O karma] é purificado até mesmo por
uma reprimenda, ou por pesadelos. Você pode suplantar o karma numa
manhã dando seus méritos-raiz a um número imensurável de Budas, ou
guardando seus votos.
178
CURTO E LONGO PRAZOS
Atisha disse que havia confiado em cento e cinqüenta e dois gurus, mas nunca
perturbou uma única vez a paz de espírito de nenhum deles. Assim, suas boas obras na
Índia e no Tibet foram tão extensas quanto o próprio espaço por causa de sua excelente
devoção aos seus guias espirituais.
As desvantagens de não confiar num guru são as opostas das oito vantagens acima:
ou seja, você não se aproximará da Budeidade, e assim por diante.
Há 8 desvantagens de descuidar-se de sua devoção. Quando começar a confiar num
guru, é um ato muito grave descuidar-se de sua devoção; deve-se, portanto, receber
ensinamentos de Dharma só depois de investigar completamente se tal pessoa tem ou
não valor.
179
largado a ordenação. O Lam-rim A Essência de Néctar diz:
Se ficar com raiva de seu guru, você destrói [a quantidade equivalente de]
méritos raiz igual ao número de momentos que sua raiva durou desde o início até o fim.
Você deve então ficar nos infernos pelo mesmo número [de éons]. Do Tantra de
Kalachakra:
Suponha que fique com raiva pelo tempo de um estalar de dedos. [Dizem que
estalos de dedos duram sessenta e cinco momentos]. Você destrói as virtudes-raiz
acumuladas em sessenta e cinco grandes éons e deve permanecer no Inferno Sem
Descanso por aquela duração de tempo. Portanto, se desrespeita ou deprecia seu guru,
ou tem raiva dele, ou o desagrada, você deve expiar estas negatividades em sua
presença enquanto ele ainda estiver vivo; caso contrário, deverá expiá-las perante
alguma de suas relíquias.
180
VOCÊ NÃO ALCANÇARÁ O ESTADO SUPREMO, MESMO SE
CONFIAR NO TANTRA
Não importa que grande pecador possa ser, ter cometido os cinco crimes
hediondos e assim por diante, em breve você alcançará a meta suprema se confiar, por
exemplo, no caminho do tantra Guhyasamaja. Mas, se de coração desprezar seu mestre,
dizem que não atingirá a meta suprema não importa o quanto pratique.
Não importa quão arduamente possa praticar alguém que descuida dos
compromissos [tântricos] com seu mestre, ele só alcançará os infernos. O Ornamento
ao Tantra Vajrahrdaya diz:
181
Pandita Naropa esqueceu a ordem de seu guru e debateu com alguns Tirthikas e assim
não alcançou a meta suprema naquela vida, mas teve que esperar até chegar ao bardo.
Manjushri previu que dois noviços específicos de Khotan alcançariam a meta suprema
naquela vida, mas os dois desenvolveram visões errôneas sobre o Dharmaraja Songtsen
Gampo. Por causa de suas dúvidas, em vez de alcançar o siddhi supremo [da
Budeidade], quando voltaram à sua terra natal, só conseguiram o siddhi de serem
capazes de encher sacos com ouro. Portanto, se tiver visão errônea sobre seu guru, isto
vai adiar o seu desenvolvimento de insight e realizações e enfraquecer as causas que
produzem os siddhis principais.
Ao se misturar com más companhias, seus insight e realizações se turvam. Seja
cuidadoso com isto. Hoje em dia, a maioria das pessoas se apega a esta vida; todos
supervalorizam esta vida. Mesmo pessoas de quem você gosta e pensa que o ajudou,
são na realidade más companhias. “Más companhias” não usam capotes pesados, nem
têm chifres nas cabeças; “más companhias” são pessoas que fazem você fazer algo não
virtuoso movido por preocupação com seu bem-estar, ou que lhe impede de fazer algo
virtuoso. Ignore estas pessoas, seja quem for. Considere-as perigosas como elefantes
alucinados ou um bando de mongóis, e evite-as. Há ainda pessoas que têm poucos
desejos e estão contentes. A elas dizem coisas como, “Só desista de pouco. Não é bom
desistir de muito!” Isto parece plausível, mas as pessoas que dizem isto na realidade são
más companhias. Mas não as contradiga nem as insulte, esta não é a maneira correta de
praticar.
182
Corretamente permanecerão
Em qualquer dos infernos aterrorizantes,
Como o Inferno Sem Descanso.
O Tantra da Iniciavo de Vajrapani afirma que esta é a pior penalidade para quem
deprecia seus gurus. Os sutras contam muitas estórias sobre os infernos, mas este tantra
não ensina que uma pessoa que deprecia seu guru renascerá nos infernos; o tantra
afirma:
Em outras palavras, Buda não ousou entrar em detalhes porque sabia que o
mundo desmaiaria. Ele ensinou apenas que tais pessoas ficariam no Inferno Sem
Descanso por muitos anos.
Nunca é correto depreciar seu guru. Além de não depreciá-lo pessoalmente, não
183
se deve olhar nem mesmo para quem já fez isto, como diz esta estória. Uma vez,
enquanto o grande adepto Lingrepa ensinava o Dharma, um discípulo de Chag o
tradutor apareceu. Este discípulo tinha quebrado seus compromissos [tântricos]. De
repente, a boca de Lingrepa ficou paralisada; ele foi incapaz de ensinar e partiu.
Não só não pensamos sobre nossa devoção ao guru, mas nunca nem mesmo
analisamos nossas ações e fazemos gestos auspiciosos e inauspiciosos com nossos
gurus. Foi um gesto inauspicioso quando Milarepa ofereceu a Marpa um pote de cobre
vazio. Quando Marpa inicialmente ofereceu-lhe uma cerveja, Milarepa bebeu tudo --
isto foi um gesto inauspicioso. Quando Marpa se prosternou a uma deidade tutelar [em
vez de fazê-lo ao seu guru Naropa], foi um gesto inauspicioso.
184
debater com Je Rinpoche antes de se conhecerem. 46
46
Gyaltsab Rinpoche já era um grande sábio antes de se tornar discípulo de Je Tsongkapa. Procurou originalmente este
famoso mestre com a intenção de derrotá-lo em debate. Quando eventualmente o encontrou, Tsongkapa estava ensinando
uma grande multidão. Sem nenhum temor, Gyaltsab subiu os degraus do trono com seu chapéu e mochila enquanto
Tsongkapa chegava um pouco para o lado para deixá-lo sentar. À medida que os ensinamentos progrediam, Gyaltsab
primeiro retirou seu chapéu, depois a mochila, e finalmente desceu os degraus, fez três prosternações e se sentou. Isto
acabou sendo um bom augúrio: antes de morrer, Tsongkapa passou seu manto e coroa a Gyaltsab e nomeou-o seu sucessor
ao trono de Ganden --a posição mais elevada na escola Gelugpa.
185
DIA OITO
186
Existem conjuntos individuais de qualificações: um para ser um abade ou mestre de
ordenação capaz de ensinar o vinaya; um para ser um guia espiritual do Mahayana; e
um para ser um mestre vajra dos tantras secretos. Descreverei principalmente as
qualificações de um guia espiritual Mahayana. [Maytreia] diz em seu Ornamento dos
Sutras:
Estas são, ao todo, dez qualificações: o contínuo mental dos gurus deve ser
subjugado pela ética. Suas distrações mentais devem ser pacificadas pela concentração
uni-focada. O apego ao ego deve ser muito pacificado pela sabedoria. Quando um
bastão de incenso é colocado entre outras peças de madeira, a madeira adquire a sua
fragrância; o discípulo também adquire as boas qualidades e os defeitos do guru. Assim,
os gurus devem ter qualidades melhores do que as suas. Quanto a realizações da
talidade, isto é o seguinte: eles descobriram a visão por meio da sabedoria alcançada
com os seus estudos. A visão é a que segue a escola Prasangika. Isto é sabedoria
superior; não estou me referindo à sabedoria que vem de descobrir a visão através das
escola Svatantrika e das outras escolas. [vide Dia Vinte e dois]. O resto da citação é
fácil.
Os gurus devem ter todas estas qualificações, e devem definitivamente ter ao menos
estas cinco: um contínuo mental subjugado por cada um dos três treinamentos
superiores [ética, concentração, sabedoria], amor e compaixão, e realização da talidade.
Geshe Potowa disse:
Todos da família de meu mestre Yerpa acreditava que Yerpa nunca havia
estudado muito e que não tinha paciência quando ficava frustrado. Tudo isto não
vale nada. Yerpa possuía as cinco qualificações e qualquer um que o
encontrasse era beneficiado.
Nyentenpa não tinha absolutamente nenhuma habilidade para ensinar,
embora pudesse discutir todos os tópicos exigidos. Não pensaríamos que alguém
que freqüentasse os ensinamentos de Nyentenpa poderia compreendê-los, mas
não é bem assim. Ele possuía as cinco qualificações e qualquer um que estivesse
próximo a ele era beneficiado.
Embora pessoas assim serão raras até o fim dos tempos, o ponto é que devemos
187
confiar em alguém que tenha principalmente boas qualidades em vez de defeitos, que
coloque vidas futuras antes da vida atual, e os outros antes de si próprio. Se não fizer
isto e encontrar um guia não-virtuoso, você poderá acabar como Angulimala, a quem
um guia espiritual errado ensinou um caminho pervertido e então cometeu pecados
horríveis. Então, investigue completamente o guru, e só confie nele após se certificar de
que é digno disto.
Discípulos também devem ter cinco qualificações: devem ser honestos, não devem
ter apego a seus próprios grupos e serem hostis a outros grupos; devem ter sabedoria de
distinguir o certo e o errado; devem ansiar pelos ensinamentos; devem ter grande
respeito por seus gurus; e devem ouvir com suas mentes colocadas adequadamente [ou
seja, ter uma sólida motivação]. Se tiverem estas cinco, progredirão no Dharma.
Então, como se faz para se devotar a um guru?
Isto tem dois sub-títulos: (1) a raiz: treinando-se para ter fé em seu guru; (2)
lembrando a bondade do guru e desenvolvendo respeito por ele.
Estes dois títulos usam tanto escrituras quanto lógica, formando assim uma
edificação incontestável. Se você meditar neles, ficará muito feliz de devotar-se
corretamente ao seu guia espiritual. Se não meditar neles, você só vai querer pedir-lhe
ensinamentos [sem ter nenhum outro relacionamento].
Em certa ocasião, um homem pediu duas vezes a Atisha, “Atisha, por favor me
dê instruções.” Atisha não disse absolutamente nada e o homem repetiu novamente o
seu pedido --desta vez gritando.
“Ei! Ei!” disse Atisha, “Sinto que minha audição é sólida, bastante sólida! Aqui
está minha instrução: Tenha Fé! Fé! Fé!”
O grande Gyaelwa Ensapa disse:
188
Suas experiências e realizações serão grandes ou pequenas
Conforme sua familiaridade com a fé seja grande ou pequena
Seu bom guru é a fonte de todos os siddhis.
Contemple as qualidades e ignore as falhas de seu guru.
Mantenha as instruções do guru na palma de sua mão,
E prometa guardá-las até o fim.
Você deve vê-lo como um Buda porque quer ganho e não perda. Você quer
ganho, logo se considerar seu guru como um Buda, seja ele um Buda ou não, você
alcançará sem esforço todos os seus desejos nesta vida e em vidas futuras --certamente
um grande ganho. Para ilustrar isto: uma velha tinha fé no dente de um cão [acreditando
que fosse o dente do Buda]; o dente então produziu pílulas-relíquia. O Livro Azul dos
Encantos diz:
Ou seja, a benção do guru em si pode ser grande ou pequena. Mas, a benção que
se recebe depende de quanto se consegue vê-lo como um Buda, um Bodhisattva, etc. Se
alcançará ou não os siddhis, vai depender se sua reverência a ele é grande ou pequena.
189
Atisha disse que o Tibet não tinha adeptos porque os tibetanos só consideravam os
gurus como pessoas comuns.
O guru pode realmente ser um Buda, mas se não treinar para ter fé não
conseguirá ver suas qualidades; ao contrário, só sustentará uma perda: diferentes tipos
de sofrimento. O Buda tem infinitas qualidades mas Devadatta e Upadhana só viam a
aura de luz da largura igual ao comprimento do braço; não conseguiam ver as outras
qualidades do Buda. Logo, sofreram uma grande perda. Geshe Potowa disse:
Não só devemos ver o guru como um Buda, mas também podemos de fato fazê-
lo. Há dois meios para isto: se só aprecia parte de suas qualidades, pode pôr um fim à
sua falta de fé e, esta fé vai suplantar qualquer pequeno defeito que possa ver nele.
Deve-se usar estes dois meios para fazer com que os defeitos que veja nele alimente a
sua fé. Pense nisto.
Em O Tantra de Iniciação de Vajrapani encontramos:
190
COMO CONSIDERÁ-LO CORRETAMENTE
Há o perigo que alguns possam pensar: “Mestres espirituais na realizade não são
Budas, portanto devemos repensar a seção do Lam-rim que trata da devoção ao mestre
espiritual.” Mas o ponto é que não devemos colocar conceitos errôneos como este no
mais profundo recôndito de nossa mente.
Devemos pensar assim: O guru é um Buda mas você não o percebe. A razão é a
seguinte: Vajradhara está presente entre nós, tomando a forma de gurus. O Tantra Real
de Hevajra afirma:
191
para trabalhar pelo nosso bem.
Se pensa que não é assim, e procura motivos para todo guru não ser uma destas
emanações de Vajradhara, este processo de eliminação o deixará sem nenhuma
emanação de Vajradhara. Isto contradiz as citações acima; deve haver entre eles [pelo
menos] uma emanação de Buda. Reflita nisto. Se só buscar motivos para que não sejam
Budas, você não encontrará a emanação, logo seu pensamento é falho. Ao contrário,
sinta: “Todos os meus gurus nada mais são do que emanações do Buda”.
Estas citações são suficientes para aquele tipo de pessoa que acha fácil acreditar.
Mas, será muito mais convincente se o provarmos pela lógica.
Como mencionei na seção sobre o campo de mérito, a única lua no céu dá vários
reflexos distintos nas superfícies de água contida em vários recipientes diferentes. De
forma similar, a sabedoria primordial das mentes de todos os Budas, a sabedoria
primordial que é a combinação de beatitude e vacuidade, é inseparável do Dharmadhatu
[esfera da verdade], e aparece aos discípulos sob vários aspectos: como Sravakas aos
discípulos melhor subjugados por Sravakas; como Pratyekabuddhas aos discípulos
melhor subjugados por Pratyekabuddhas; e [como Bodhisattvas ou Budas] aos
discípulos melhor subjugados por Bodhisattvas ou Budas. No Sutra do Encontro de Pai
e Filho encontramos:
192
Guiais os seres como uma criatura comum;
Como uma rede mágica que nos recolher.
Ou seja, os três kayas de todos os Budas estão contidos nos três mistérios do
guru [vide Dia 12]. O guru é uma emanação de todos os Budas criados para realizar
boas obras. Suponha que o principal dançarino de um ritual monástico se vista de
Acharya [um papel cômico] e dance. Depois se veste como Dharmaraja e dança aquela
parte. Ele só trocou de roupa; mas ainda é o mesmo dançarino. Ou então, pode-se
escrever muitas coisas diferentes com a mesma tinta vermelha, mas todas têm a mesma
natureza da tinta vermelha. Pense então, “Nossos gurus nada mais são do que
emanações de Vajradjara, que usa os meios hábeis para nos subjugar.”
Um inflamável não pega fogo se não for usada uma lente de aumento [para
captar os raios solares]. Você pode ter tipos diferentes de comida, mas a comida não
chegará ao estomago se não passar pela boca. Ao confiar no guru, você recebe
igualmente bênçãos e karma positivo dos Budas. O guru é o agente de todas as boas
obras dos Budas porque ele faz você executar todas as suas ações positivas.
Se o caso é este, não tenho nenhum receio de que ele seja o Buda. As boas obras
dos Budas são as bênçãos que concedem enquanto trabalham pelo bem dos seres
sencientes. Estas bênçãos são recebidas na dependência do guru. Se isto é
necessariamente o caso, é impossível que os gurus sejam comuns; eles têm de ser
Budas. Se fossem seres comuns, então o agente das boas obras dos Budas seria um ser
senciente. Se este fosse o caso, significaria que os Budas precisam da assistência de
seres comuns. Os Budas não precisam de tal assistência. Quando os Budas trabalham
pelo bem de seres sencientes, não precisam nem mesmo da ajuda de Shravakas,
Pratyekabuddhas ou dos grandes Bodhisattvas, portanto, como poderíamos falar de
serem assistidos por seres comuns!
Portanto, Budas se emanam como seres comuns para que os seres sencientes
sejam afortunados o bastante para vê-los. Eles também se emanam como barcos,
pontes, etc, mas estas coisas nos parecem meramente como trabalho de carpintaria --não
detectamos nada mais sobre eles.
Sakya Pandita citou o exemplo das lentes:
193
Os discípulos recebem as boas obras dos Budas na dependência de um guru. Se
o guru não fosse um Buda, os Budas não precisariam de sua assistência, assim como o
rico não precisa da ajuda de pedintes. Pense nisso: gurus e Budas são um e o mesmo; a
razão disto é que de outra forma os Budas dependeriam dos gurus.
Emanações dos Budas estão fazendo isto; não há mais ninguém para nos ensinar
os meios para benefícios supremos, renascimentos superiores e excelência definitiva.
Meu próprio guru disse, “Há um Buda guardião sentado sobre a cabeça de
cada ser senciente!”
194
o NÃO SE PODE ESTAR CERTO DAS APARÊNCIAS
Você deve se assegurar de que os seus gurus atuais são na realidade Budas e
agentes das boas obras de todos os Budas. Mesmo assim, você não os vê como Budas e
alega: “Eu os vejo como seres comuns porque vejo este e aquele defeito neles”. Vamos
analisar isso.
O que vemos não é certo e nem confiável. Nossa perspectiva vem de nosso
karma. Adquirimos uns tipos de karma e não outros; mas não podemos afirmar que
temos um certo karma e não temos um outro. [Chandrakirti] diz em Engajando no
Caminho do Meio: “Um espírito faminto pensa que um rio corrente é pus...” Ou seja,
quando três tipos diferentes de seres kármicos --um deus, um humano e um espírito
faminto-- vêem uma tigela de líquido refrescante, um vê néctar, outro vê água, e outro
vê pus e sangue. Para espíritos famintos a lua no verão parece quente e o sol no inverno
parece frio. O tantra de Kalachakra e o abhidharma [metafísica] foram formulados para
dois tipos de discípulos; num ensinamento, o Monte Meru é descrito como sendo
redondo; noutro, é quadrado. Arya Asanga viu o venerável Maitreya como um cão com
as pernas trapeiras paralíticas e infestadas de vermes. Buddhajñana viu Acharya
Manjushrimitra como um monge que vivia com uma mulher, lavrava o campo, e comia
sopa de minhocas. O povo local achava que Tilopa era só um pescador louco e nunca
suspeitou que fosse um grande adepto, até mesmo Naropa o viu grelhando um peixe
vivo. Krishnacharya viu Vajravaratu como uma leprosa. Portanto, devemos ficar felizes
que nossos mestres espirituais não nos aparecem como um cavalo, um cachorro ou um
asno – nós o vemos como um ser humano. Chaen Ngawa Lodroe Gyeltsen disse:
195
imperceptíveis.
Você não é afortunado o bastante para ver o guru como um verdadeiro Buda
porque não tem o contínuo mental de alguém suficientemente afortunado para vê-lo.
Isto é você não tem a cognição válida especial para ver o guru assim.
Isto completa nossa análise.
Mesmo quando alguém não parece ser um Buda, isto não quer dizer que não
seja um Buda; e mesmo quando ele realmente parece ser um Buda, não se pode ter a
certeza de que o seja. Certa vez quando o Arhat Upagupta, o quarto patriarca budista,
estava ensinando o Dharma, o demônio Kamadeva causou uma perturbação. Upagupta
subjugou o demônio e disse: “Nunca conheci o Buda, portanto por favor emane uma
semelhança exata dele”. O demônio emanou uma forma igual ao Buda, completa com
marcas e sinais, etc., sem nenhuma omissão ou acréscimo. Upagupta estava à beira de
se prosternar porque estava agora vendo o Buda em pessoa, mas o demônio desfez a
emanação muito rapidamente [para que pudesse fazê-lo].
Nos tempos antigos os grandes adeptos como Nagarjuna pareciam às aparências
normais como monges comuns, mas na verdade eram Budas.
Ainda assim, se surgir uma concepção errônea sobre os defeitos do guru, você
não deve dar um fim neles imediatamente. Por exemplo, antes de lavar roupas sujas,
primeiro você verifica cada mancha. De forma similar, você deve permitir que tais
concepções errôneas [a respeito dos defeitos de seu guru] surjam. Porque? Porque você
não sabe se o guru tem estes defeitos aparentes ou não. Como já salientei, as aparências
kármicas não podem estar erradas? Uma concha branca parece amarela a alguém com
uma doença biliosa; alguém com doença do tipo vento vê uma montanha nevada como
sendo azulada; para alguém sentado num barco, as árvores na praia parecem se mover;
pessoas com cataratas têm ilusões de ver cabelos caindo, e assim por diante.
Se estas causas triviais e temporárias de erros podem obscurecer tanto, porque
não estaríamos errados quanto às coisas existentes já que estamos permeados de
inúmeras causas de erros – karma e enganos.
Conheço um lama encarnado que contraiu uma doença biliosa quando estava em
peregrinação. Três caixas de prata de relíquias na sua hospedaria pareceram-lhe ser de
ouro, porém mais tarde, quando estava livre da doença, as caixas novamente pareciam
ser de prata.
Quando Gyaelwa Ensapa visitou a grande estátua de Maitreya em Rong, ele
debateu com alguns estudiosos Sakya de lá, mas eles não compreenderam um ponto
difícil da terminologia budista. Ensapa citou o Sutra de Oito Versos da Perfeição da
Sabedoria em sânscrito para salientar o significado desses termos, mas os Sakyas não
acreditaram nele. Eles disseram que ele era um espírito maligno, não um homem da
seita Gelugpa. Portanto, não veja o exterior; veja as boas qualidades, as realizações e as
renúncias das pessoas.
Só os próprios Budas percebem o dharmakaya [corpo da verdade]. Nem mesmo
o Arya Bodhisattva pode percebê-lo; mas pode ver o sambhogakaya. Até para ser capaz
de ver o supremo nirmanakaya, deve-se definitivamente ser um ente comum com karma
196
puro. O lam-rim A Essência de Néctar afirma:
Mesmo na época da vida de Buda, haviam Tirtikas que não podiam ver suas
marcas e sinais; só conseguiam ver nele uma massa de defeitos. Devadatta considerou
os feitos de Buda como uma simples fraude.
Uma perspectiva correta é ver o guru como uma medida de seu valor. Um chefe
de bandidos de Golag Arig Superior viajou a Lhasa para ver a estátua de Shakyamuni
no templo principal, mas ele não conseguia ver coisas como lamparinas de manteiga,
muito menos a estátua. A encarnação anterior de Oen Gyelsae Rinpoche disse-lhe para
purificar seus karmas e obscurecimentos. O bandido então fez realizar uma cerimônia
com dez mil oferecimentos e circumambulou locais sagrados, mas ainda não conseguia
ver a estátua. No entanto, começou a ver as lamparinas de manteiga.
Quando Lozang Doendaen Rinpoche da Universidade de Gomang [parte do
Mosteiro Drepung] dava uma transmissão oral de As Palavras Traduzidas de Buda, um
monge na audiência não conseguia ouvir a transmissão ou ver o livro. Em vez disso, via
carne picada na frente de Rinpoche. Enquanto Rinpoche dava a transmissão, o monge
imaginava que Rinpoche comia a carne, e no final do dia imaginava que via pessoas
recolhendo a carne.
Qualquer coisa é possível quando nossa perspectiva é só aparências kármicas. A
quantidade de purificação de nossos karmas e obscurecimento determina o nível das
aparências.
Sua perspectiva não é confiável: assim, longe de avaliar seu guru, você não pode
avaliar ninguém -colegas, amigos, cães-de-guarda, deuses, etc. Só pode avaliar a si
mesmo. Despreze isto e estará sujeito a dúvidas.
Quando Gyaelwa Ensapa estava para atingir a unificação, havia pessoas que o
chamavam de Ensa Louco. O Dharmaraja Karmayama distinguiu-se como discípulo de
Je Rinpoche. Certa vez, Je Rinpoche ia revelar uns pontos profundos e difíceis sobre os
tantras secretos e Karmayama o impediu. Isto aborreceu Gyeltsen Zangpo, e Kedrup
Rinpoche teve de dizê-lo para não fazer tanto rebuliço.
O Bhagavan Buda disse, “Só seres como eu podemos avaliar o valor de uma
pessoa”.
Na Índia, um noviço foi até a Ilha Vachigira para confirmar o relato de que
todos os homens de lá eram dakas e suas mulheres eram dakinis. Mas, enquanto esteve
197
lá não conseguia ver as boas qualidades de ninguém e, em vez disto, desenvolveu fé em
um charlatão.
Naro Boenchung disse o seguinte sobre Milarepa:
Estas estórias caçoam de tudo que vemos. Então, não sabemos nada nem mesmo
sobre nossos amigos mais íntimos. Assim, como segurança, treine-se para ver tudo
como sendo puro. Muitos estudiosos achavam que o grande Shantideva, um verdadeiro
Filho dos Vitoriosos, só vivia para três coisas: comer, dormir e se aliviar. Eles não
conseguiam ver suas boas qualidades. De forma semelhante, nossa perspectiva também
não é confiável.
Não se pode estar seguro de que o que vê como um defeito seja na realidade um
defeito. A forma de ver e reconhecer as coisas anda junto. Upadhana, um monge que
conhecia as três cestas, permaneceu errado em seus pensamentos e pontos de vistas
porque achava: “Vejo o Buda pelo que é seus ensinamentos sobre as causas do karma
são fraudes que servem aos seus propósitos. Não é verdade que ele não tenha mais
nenhum defeito”. Se Upadhana errou, o que diríamos de nós!
Quando um mestre fica sem dormir e dia-e-noite faz recitações, os alunos que
gostam muito de dormir verão isso, do fundo do coração, como defeito. Se os alunos
bebem cerveja, podem achar que têm sorte se seu mestre também bebe cerveja; tomarão
isto como uma boa qualidade. Portanto, muitas coisas vistas como defeitos não são
defeitos e, além disso, não se pode estar certo do que são boas qualidades. Você não
pode estar certo de que o guru não esteja apenas simulando um defeito como um
ensinamento para o seu próprio bem. O Sutra do Encontro de Pai e Filho e O Grande
Sutra do Nirvana de Buda relatam como os Tathagatas, sempre que for benéfico, se
manifestam como pessoas hostis, miseráveis, aleijadas, loucas, imorais, etc.
Sutras e tantras podem ser, geralmente, definitivos ou interpretativos. Há muitas
interpretações quanto a uma escritura ser tomada literalmente ou não. Mas quando o
Vitorioso Vajradhara disse que no futuro apareceria no aspecto de gurus, a afirmação
foi literal e distinta, algo que podemos verificar por nós mesmos. Podemos
compreender que não há ninguém a não ser o guru para nos ensinar o caminho à
liberação e à onisciência. Seria contraditório e anticonvincente pensarmos: “Meu guru,
que segundo Vajradhara é um Buda, não é um Buda porque tem tal e tal defeito”.
O que está dito acima é prova positiva: pode-se compreender que o guru tem
sido um Buda desde o princípio. Você desenvolverá realizações de como se devotar ao
guia espiritual quando se convencer de que a lógica e as referências escriturais acima
provam que o guru é um Buda e experimentará um tipo de mescla do guru com todos os
198
Budas.
Quanto a mesclar sua própria mente com a mente do guru, é o seguinte: quando
se está totalmente iluminado, a sua mente e a mente dos gurus, que é beatitude e
dharmakaya, se mesclam e se tornam uma só Neste ponto você está iluminado, e tornou
um guru por natureza; atingiu o estado do guru. Seu corpo, palavra e mente estão
totalmente mesclados com os do guru. É por isso que você deve ter um relacionamento
próximo com ele; sua mente deve continuamente se aproximar e se amoldar à mente do
guru.
Segundo Ketsang Jamyang e seus discípulos, isto tem quatro títulos: (1) o guru é
muito mais bondoso do que os Budas; (2) sua bondade em ensinar Dharma; (3) sua
bondade em abençoar sua mente e seu contínuo mental; (4) sua bondade em atraí-lo ao
seu círculo através de presentes materiais.
Em termos de boas qualidades, o guru é igual aos Budas; mas sua bondade
geralmente é maior do que todos os Budas. Infinitos Budas guiaram incontáveis seres
sencientes durante imensuráveis éons no passado, mas nós não estávamos entre eles. O
Guru Puja afirma:
Ou seja, 75 mil Budas, outros 76 mil Budas, e mais 77 mil outros, e assim por
diante, vieram ao mundo para ser objeto da construção de acumulações de Buda nosso
Mestre. Além disso, só neste éon, os Budas Krakuchchanda, Kanakamuni, Kashyapa, e
etc., guiaram um ilimitado número de discípulos, mas não conseguiram nos subjugar. O
guru está nos ensinando agora o caminho completo e inequívoco. Até mesmo as
manifestações anteriores dos Budas não poderiam fazer melhor. Assim, embora o guru
e os Budas sejam iguais em termos de boas qualidades, o guru é superior em termos de
bondade.
Geshe Potowa disse que o guru é como alguém que dá comida a quem está
199
morrendo de inanição, enquanto os Budas são como os que dão pedaços de carne em
épocas de fartura. Suponha que tivéssemos escapado da pobreza e enriquecido e alguém
então nos desse comida e propriedade. De forma similar, quando já tivermos alcançado
os caminhos mais elevados, teremos visões de muitos Budas, receberemos inspirações
deles, e coisas assim, mas no presente isto não nos ajuda em nada enquanto estivermos
em estado tão deplorável. O guru, como alguém que dá comida quando somos pobres,
nos ensina quando estamos prestes a cair no grande precipício dos reinos inferiores. Isto
é um meio de nos guiar para que tenhamos alguma esperança de alcançar a Budeidade.
Isto é bondade do guru. Kedrub Rinpoche diz: “Guru supremo e sem igual, mais
bondoso do que todos os Vitoriosos...” Ou seja, podemos ter fé em outros Budas e
Bodhisattvas mas não os encontramos. Agora que estamos privados do Dharma, o guru
nos ensina o próprio Dharma, portanto ele é mais compassivo.
47
Neste curto parágrafo, Pabongka relaciona muitas figuras da transmissão dos ensinamentos de Buda tanto na Índia
quanto no Tibet. Os sete patriarcas dos ensinamentos eram sucessores de Guru Buda Shakyamuni a quem foram confiados
a responsabilidade de manter e espalhar sua doutrina. Os oitenta mahasiddhas eram iogues tântricos com realizações na
Linhagem de Práticas Consagradas. As seis jóias da Índia eram os grandes panditas Nagarjuna, Asanga, Aryadeva,
Vasubandhu, Dignaga e Dharmakirti; os dois seres supremos eram os mestres vinaya Gunaprabha e Shakyaprabha.
No Tibet, Padmasambhava era o grande santo que veio da terra mística de Oddiyana para afastar os
obstáculos para que o Dharma se espalhasse sob o Rei Trisong Detsen e o mestre Indiano Shantarakshita --começando o
que mais tarde ficou conhecido como a escola Nyingma do Budismo Tibetano. Os cinco senhores dos Sakyas eram os
cinco primeiros grandes mestres que estabeleceram a escola Sakya. Marpa e seu discípulo Milarepa eram os pais
fundadores da escola Kagyu. Atisha e seus discípulos introduziram as linhagens da escola Kadampa. Je Tsongkapa
combinou todas estas linhagens juntamente com as práticas das outras três escolas e fundou a escola Gelug.
200
Incontáveis Budas que trabalharam
Pelo bem de todos os seres sencientes
Partiram e devido aos meus maus atos
Não estive entre os que foram curados por eles.
Em outras palavras, devemos pensar como segue: “Não nascemos nos lugares
certos, nem fomos aos locais visitados por ele; também, todos os santos do passado ou
não conseguiram ou desistiram de nos guiar. Somos a escória das escórias. Que grande
compaixão tem o nosso guru em nos socorrer”.
Um grande Bodhisattva certa vez entregou-se, junto com seus filhos, filhas, e
parentes aos ferozes yashas pelo bem de um verso de Dharma. Quando nosso Mestre
renasceu como Vylingalita, ele enfiou mil estacas de ferro em seu corpo para receber os
ensinamentos do Dharma. Ao renasceR como Rei Ganashava, queimou sua carne com
mil lamparinas e pulou numa vala em fogo; como Rei Paramavarna, usou sua pele
como papel e sua costela como caneta. O Grande Atisha suportou grandes dificuldades
navegando o oceano durante treze meses para receber ensinamentos de Lam-rim,
desatento aos perigos de tempestade, monstros marinhos, e coisas assim. Pessoas como
Marpa e Milarepa passaram por muitas dificuldades para receber ensinamento do
Dharma. Mesmo hoje em dia não é fácil viajar à Índia, mas os tradutores do passado
arriscavam suas vidas para ir até lá e receber os ensinamentos do Dharma; em
retribuição aos ensinamentos, sempre ofereciam mandalas de ouro aos seus gurus. Só
recordar as dificuldades que haviam passado fazia-os tremer. Então, como seu guru é
bondoso ao lhe ensinar o caminho completo --nem mesmo os Budas poderiam dar um
ensinamento melhor sem exigir que você suportasse a menor dificuldade! Atisha disse:
Que grande mérito você deve ter para receber um Dharma tão profundo
sem passar por nenhuma dificuldade! Seja sério! E pratique bem!
Suponha que alguém esteja para morrer por ter ingerido remédio, comida e
veneno. Um médico estaria demonstrando grande bondade se o fizesse vomitar o
veneno e se transformasse o remédio em ambrosia da imortalidade. Pois bem, temos
cometido ações não-virtuosas que nos levará aos reinos inferiores: isto é como ingerir
veneno. O guru nos faz purificar tais ações. Normalmente, acumulamos virtude visando
coisas desta vida: vida longa, boa saúde, presentes e fortuna. O guru nos faz mudar de
direção, ter motivação sólida, fazer orações puras, e dedicar nossa virtude. Assim, nossa
virtude se transforma em algo que beneficia as vidas futuras. Ele também faz-nos
transformar a virtude que colecionamos para alcançarmos um renascimento superior e
liberação até a suprema e completa Budeidade. Quem poderia então ser mais bondoso?
O Lam-rim A Essência de Néctar afirma:
201
Se dizem que não podemos retribuir
A bondade de termos sido ensinado um verso,
Mesmo se fizermos oferecimentos por tantos éons
Quanto o número de letras do verso,
Como retribuir a bondade
De termos sido ensinado o caminho nobre completo?
202
Muitos meditam no estágio de geração
Mas a meditação no guru é mais elevada.
Muitos fazem recitações
Mas fazer súplicas ao guru é mais elevado.
Se você sempre suplica-lhe
Certamente vai vivenciar
Sua inseparabilidade dele.
203
nenhuma iniciação para amadurecê-lo ou prepará-lo, não pode nem mesmo ler livros
sobre o tantra. Uma pessoa com iniciação entrou no portal dos tantras secretos, coisa
muito mais rara do que a vinda dos Budas. É por bondade que o mestre vajra coloca
sementes em seu contínuo mental, que certamente amadurecerão em resultados (os
quatro kayas), dentro de dezesseis vidas se seus votos ainda estiverem intactos. Conte
as bondades de seu guru e pense: “Ele me deu isto, isto, isto...” Mas isto não é tudo.
Você obteve um corpo humano, pode ser feliz neste renascimento, ter riqueza, e coisas
assim. Tudo é resultado de ter seguido a ética e praticado a generosidade em vidas
passadas, e isto foi devido à bondade dos mestres que o fizeram praticar. Assim,
qualquer felicidade que possa ter é devido à bondade do guru.
Você pode então pensar: “Não é sempre o mesmo guru: diferentes gurus em
épocas diferentes contribuíram cada um com sua própria bondade individual”. Mas
estes gurus se emanaram da mesma base, as mentes de todos os Budas, a sabedoria
primordial de beatitude e vacuidade combinadas, que é una com o dharmadhatu. Os
gurus são todos o próprio Vajradjara se manifestando em diferentes aspectos. No Tibet,
por exemplo, havia o ser que era progenitor de nossa raça;49 havia as pessoas que
estabeleciam as leis; os tradutores do Dharma; Reis e seus ministros que espalharam e
sustentaram os ensinamentos; os mestres-tradutores e panditas; as reencarnações dos
Dalai Lamas; e coisas assim. Todos na realidade eram diferentes aspectos de Arya
Avalokiteshvara, o Sustentador do Lótus. De maneira similar, nossos gurus são uma
mesma entidade.
Je Rinpoche diz:
204
então agradar um será igual a agradar a todos. O mesmo com o desagradar; desagradar
um é igual a desagradar a todos eles. Você deve considerar todos como igualmente
bondosos e não demonstrar favoritismo em sua devoção.
Dizem que devemos recitar versos sobre a bondade do guru quando
contemplamos sua grande bondade. Os versos a seguir foram ditos por Kumara
Minibhadra na seção sobre a bondade do guia espiritual [no Sutra de Colocar as
Estacas]:
205
Difíceis de encontrar após mil éons de busca;
Isto é por bondade de meus santos tutores.
Estes, meus guias espirituais,
São protetores que me escudam dos reinos inferiores,
Capitães que me libertam do oceano do samsara,
Guias que me guiam a renascimento elevado e liberação.
Médicos que me curam dos enganos crônicos,
Rios que apagam os grandes fogos do sofrimento,
Lamparinas que removem a escuridão da ignorância,
Sóis que iluminam o caminho à liberação.
Libertadores das limitadoras prisões do samsara,
Nuvens que com gentileza chovem o santo Dharma,
Amigos queridos que me ajudam, afastando o mal,
Pais bondosos e sempre amorosos...
Então Kyabje Pabongka Rinpoche repassou cada tópico de meditação e antes de cada
tópico, fez uma súplica e visualizou a descida de néctares purificadores.
206
DIA NOVE
Kyabje Pabongka Rinpoche falou um pouco para ajustar nossa motivação, citando o
incomparável Atisha:
Ele repassou os títulos anteriores e então reviu brevemente o tema da devoção ao guia
espiritual.
207
[Segundo este texto], quando estiver em algum lugar sem seu guru, deve devotar-se
através de ações realizando os três primeiros ritos preparatórios: isto é, começar
invocando o guru e o campo de méritos, e depois lhes fazer oferecimentos, e assim por
diante. Assim, agrada seu guru com presentes materiais.
Consagre a superfície da terra como já foi explicado [Dia Cinco] e depois invoque o
poder da verdade. Visualize a superfície da terra como lapis lazuli com cruzes de vajra
desenhadas em ouro, o que parece sobressair em relevo, mas tocando-as percebe-se que
estão niveladas com a superfície.
[Segundo as linhagens da Província Central] no centro da superfície do chão há um
palácio quadrado. Ele tem quatro entradas e nenhuma fachada ornamental, portanto
assemelha-se ao palácio na mandala do Buda da Medicina. O palácio é enorme; em seu
centro há quatro plataformas sobre um grande trono suportado por leões --como uma
stupa sem o domo redondo.
Visualize sobre a plataforma [mais elevada] três tronos de leões. Eles estão no
fundo da plataforma; no trono do meio está sentado o Vitorioso Shakyamuni. Maitreya
senta-se no trono à sua direita e Manjushri no trono à sua esquerda. Os gurus de
linhagen dos Feitos Extensos e da Visão Profunda estão sentados atrás de cada um dos
dois. Há três tronos de leões na parte frontal da plataforma; Atisha, Nagtso o tradutor, e
Drontempa sentam-se neles.
Há um grupo de três tronos de leões na segunda plataforma. Tsongkapa o Vitorioso
está sentado no trono do meio, Sherab Senge à sua direita, Gedun Drub [o Primeiro
Dalai Lama] à sua esquerda. Na terceira plataforma há um outro grupo de três tronos de
leões. O grandioso Quinto Dalai Lama está sentado no trono central; à sua direita, Jinpa
Gyatso; à esquerda do Dalai Lama, Jampa Choedaen, ele próprio um guru
verdadeiramente glorioso.
Na quarta plataforma, o seu guru raiz está sentado no trono do meio. O texto diz
que seus discípulos principais devem se sentar à sua direita e à sua esquerda, mas
segundo as instruções orais, o guru do seu guru senta-se no trono à direita e o guru do
guru de seu guru senta-se no trono à esquerda. Seus outros gurus se sentam sob
almofadas de seda.
Uma tradição coloca todos os gurus das três cestas sentados nos três lados restantes
das plataformas; os Budas, Bodhisattvas, Shravakas, Pratyekabudas, protetores do
Dharma, etc. estão na parte traseira das plataformas.
Em outra tradição, visualiza-se os gurus de linhagem dos Feitos Extensos e da
Visão Profunda, em suas ordens adequadas, colocados à direita e à esquerda dos trios
de gurus. Visualiza-se uma linhagem de gurus de outra cesta vinaya nos lados direitos
das plataformas, os gurus da cesta abhidharma estão à esquerda e os gurus da cesta de
sutra estão no fundo da plataforma. Não é preciso visualizar as divindades tutelares, etc.
Se quiser fazer esta meditação, basta pensar que estas figuras estão presentes em
pessoa, embora não possa vê-las claramente. As figuras na parte traseira da plataforma
não estão escondidas pelos tronos de leões [do grupo frontal dos três gurus] e também
estão de frente para você.
208
A casa de banho tem quatro entradas. Dentro, há um conjunto completo de tronos
para o campo de mérito. Não há piscina na parte interna, e no centro do chão há uma
elevação. A oração de sete ramos e o resto é igual.
A Linhagem do Sul é bem diferente. Visualize à sua frente um grande trono que
sustenta sete plataformas, como o formato da stupa Kadampa. Os estágios são feitos de
sete substâncias preciosas; refira-se aos textos para detalhes. Os leões [que sustentam o
grande trono] estão sobre o chão. Há três escadarias construídas na frente dos tronos de
leões. O topo da plataforma tem uma tela ou cortina de fundo semelhante aos encostos
dos tronos dos grandes lamas com dois detalhes decorativos como ganchos nos cantos
superiores, segundo o texto “feitos de ferro temperado”. Estas decorações se parecem a
alças. O tecido é decorado com entalhes feitos com substâncias preciosas. Cada
plataforma tem também pequenas escadarias douradas que descem até as outras escadas
na frente dos tronos de leões.
A ponta da tela curva-se para cima e acima há um pináculo dourado com
estandartes de vitória à direita e à esquerda. No meio da primeira plataforma [a mais
alta] há um trono com encosto, para Shakyamuni. O trono é sustentado por seis
criaturas --naga, garuda, etc.-- simbolizando as seis perfeições. Há cinco almofadas de
brocado no trono de Shakyamuni. Maitreya senta-se à sua direita e Manjushri à sua
esquerda, em tronos com três almofadas cada. Estes tronos não são sustentados por
leões. Seu guru, em seu aspecto normal, senta-se à frente deles, sobre duas almofadas e
não precisa de trono. O guru de seu guru senta-se à sua direita; o guru do guru de seu
guru à esquerda. Cada um senta-se numa almofada. Seus outros gurus, que ainda estão
vivos sentam-se sobre tapetes. A parte central da plataforma fica vazia deixando um
caminho de passagem.
Seu guru, no aspecto normal, faz o gesto de ensinar o Dharma com a mão direita.
Na mão esquerda, segura um livro tibetano de folhas soltas, que está envolto por um
porta-livros ornamental de cinco camadas de seda.
Os gurus das linhagens de Feitos Extensos e Visão Profunda sentam-se
respectivamente à direita de Maitreya e à esquerda de Manjushri. A Tradição Kadampa
do Lam-rim continua após o final da Linhagem de Feitos Extensos e como um
importante gesto simbólico, o último assento da linhagem é deixado vago. Seus outros
gurus, que não estão na primeira plataforma, ocupam a segunda e terceira plataformas.
Os gurus da Tradição de Instruções Kadampa sentam-se enfileirados na quarta
plataforma com Chaen Ngawa ao centro. Os Bodhisattvas sentam-se na quinta
plataforma. Os Budas sentam-se nos cantos à direita e à esquerda das quatro primeiras
plataformas. Os Shravakas sentam-se na sexta; e os protetores do Dharma, na sétima.
Esta é uma tradição do sutra, portanto não se visualiza os gurus da Linhagem de
Práticas Consagradas. Se quiser incluí-los, imagine que estão lá em forma imanifesta.
As duas linhagens de As Palavras do Próprio Manjushri são tradições do sutra,
então não se deve gerar a visualização de seres de compromisso e coisas assim. As
figuras são invocadas, ou convidadas, como hóspedes. Para ilustrar: antes de
convidarmos nossos hóspedes a se sentarem para o jantar, devemos primeiro
209
providenciar os assentos. Assim, primeiro consagra-se os oferecimentos [vide Dia
Cinco] e depois convida-se os seres de sabedoria, que tomam seus lugares nos assentos
próprios. Você os convida e a maneira como visualiza-os vindo até você “assemelha-se
à maneira que Buda e sua comitiva foi até Magadhabhadri”.
Depois banhe seus corpos. Ao contrário do acima, a casa de banho tem quatro
portas de vidro, uma em cada direção cardinal. Não há nenhuma piscina central, mas há
muitos jarros. O teto tem um sistema de vigas e um pagode onde estão pendurados
sacos ou potes porosos contendo perfume. Durante a cerimônia do banho, imagine que
a água é despejada diretamente dos jarros. Os monges [do campo de mérito] descem em
grupos de três. Eles tomam seus lugares nos tronos [da casa de banhos] como acima, e
as roupas retiradas estão sob forma de raios amarelos de luz. As figuras são então
banhadas. O resto é igual ao acima.
Nem sempre há tempo para fazer a visualização completa dos jarros, etc. De fato,
não é necessário fazer sempre a cerimônia do banho durante os ritos preparatórios;
mesmo se só o fizer ocasionalmente, se livrará de obscurecimentos, impurezas
[mentais], e coisas assim. O resto da cerimônia do banho segue a seção que ensinei do
O Caminho Rápido [Dia Cinco].
Quando se dá um ensinamento baseado apenas em As Palavras do Próprio
Manjushri, deve-se neste ponto discutir a prática da não-dissolução da visualização do
campo de mérito. Quando, por exemplo, estiver fazendo um certo número de repetições
dos ritos preparatórios, recite O Alicerce de Todas as Boas Qualidades [de Tsongkapa]
na última parte da sessão. Se ainda não dissolveu o campo de mérito, comece a próxima
repetição do texto dos ritos após a fórmula para uma abundância de oferecimentos. Se
já dissolveu o campo de mérito, faça então só a oração de sete ramos, um certo número
de vezes.
Nos dias atuais deve-se fazer os ritos preparatórios segundo Um Ornamento para as
Gargantas dos Afortunados, em vez de seguir o discutido em As Palavras do Próprio
Manjushri, porque a primeira versão é particularmente profunda e é uma peça de
instruções abençoada e melhor do que qualquer outra.
Não há tempo que não possa ser incluído ou na própria sessão de meditação ou
210
entre sessões. É vital fazer uso correto dos períodos entre as sessões. Se treinar sua
mente durante uma sessão de meditação e então permiti-la ficar distraída entre as
sessões, isto vai prejudicar sua prática quando voltar à sessão de meditação. Mas, se o
período entre as sessões correr bem, seu perfeito renascimento humano se torna
significativo. É por isso que, em seus ensinamentos e textos, Je Rinpoche colocou tanta
ênfase no tempo entre as sessões quanto durante a própria sessão de meditação.
Tomemos este tópico específico de meditação como exemplo. Entre sessões, você
deve ler os relatos nos comentários autênticos sobre devoção ao guia espiritual. Como,
por exemplo, Naropa devotou-se a Tilopa, Milarepa a Marpa, Dromtempa a Lama
Setsuen e Atisha. Dizem que sua sabedoria enfraquece quando você lê outros tipos de
livros. Ler estórias, por exemplo, faz aumentar a sua hostilidade --portanto, para
aumentar sua sabedoria, não leia-os.
Para que não surja nem mesmo um pouco de ilusões, entre as sessões de meditação,
devemos nos tornar tão contidos que não usamos nem mesmo os nossos sentidos de
modo que possa causar distrações. Mas ainda não atingimos isto, portanto devemos
ficar sempre vigilantes com nossas três portas, e mesmo se, por exemplo, vermos algo
atraente, não devemos permitir que nossa mente se desvie.
Refira-se ao capítulo Mantendo a Vigilância da obra de Shantideva Guia do
Caminho do Bodhisattva para mais detalhes. O cerne daquele capítulo é:
50
Geshe Bem era parte de um grande grupo de monges recebendo oferecimentos de coalhada no templo. Bem Gung-Gyal
viu que seria um dos últimos a ser servido. Ele se viu sentindo inveja daqueles que já tinham recebido a sua, portanto,
quando chegou a sua vez, recusou a sua parte gritando, para a surpresa de todos, “Eu sou um ladrão.”
211
imediatamente morreu. 51
Atisha disse: “Verifique sua palavra quando estiver acompanhado; verifique sua
mente quando estiver só”. Cometemos ações não virtuosas quando estamos distraídos e
sem memórias. No momento, não sabemos nem mesmo o que é uma ação negativa.
Enquanto estamos sentados ou conversando, podemos distraidamente matar um piolho,
enquanto absteríamos de matá-lo se estivéssemos vigilante e pensássemos: “Não faça
isto, isto é pecaminoso”. De maneira semelhante, quando estamos num grande grupo de
amigos, e surgem vários assuntos na conversa, com uma parte de nossa mente devemos
verificar: “Exatamente o que estou prestes a falar?” Se estamos prestes a usar palavras
ásperas ou conversa fiada, devemos segurar nossa língua. Quando estamos sós,
devemos mentalmente verificar, “O que estou lembrando?” Devemos manter nossas
memórias e vigilância pensando: “Se eu me esquecer de guardar minha mente, não
estarei imediatamente consciente de que isto aconteceu. Portanto, não devo me
esquecer.”
Geshe Karag Gomchung certa vez escreveu quatro avisos e colocou-os nas paredes
de seu quarto. Ele escreveu: “Nada de pensamento distraído!” Mas nós não somos
como ele; valorizamos slogans como: “Quero o máximo de dinheiro possível!” e estes
são os nossos únicos lemas.
O tempo entre as sessões de meditação é extremamente importante, até mesmo
durante um retiro. Você pode ter uma pedra ao lado de sua porta para demonstrar que
está em retiro [Dia Quatro], e permanecer em alguma montanha nevada, mas seus
pensamentos podem não estar atentos. Meu guru disse, “Qualquer um cujo corpo está
em retiro deve também ser um praticante cuja mente está em retiro de atenção e
vigilância”. Faça sempre as coisas juntamente com atenção e vigilância; use estes
meios hábeis para deixar de ser distraído.
Je Milarepa disse que as banalidades mundanas podem agir como seus livros. Em
outras palavras, tudo o que você ver deve estimular seu amor, compaixão, renúncia, e
assim por diante. Por exemplo, Je Drubkang Geleg Gyatso viu uma formiga sendo
picada por uma abelha, e assim ganhou a convicção sobre a lei da causa e efeito.
Quando vamos ao mercado desenvolvemos ilusões como apego; ações não-
virtuosas acompanham cada passo que tomamos. Quando chega a hora de voltar para
casa estaremos carregando nas costas um enorme e pesado saco de pecados. Mas se
estivermos corretamente analíticos, e formos ao mercado com atenção e vigilância, isto
pode ser um estímulo supremo para nossa renúncia e [realização da] impermanência.
Precisamos transformar tudo o que for trivial num estímulo para a prática do Dharma
nessas linhas.
51
Há várias versões para esta estória. Segundo Geshe Ngawang Dhargyi , o homem ficou tão absorto com seus devaneios
que não percebeu que um rato estava roendo uma corda com um saco de farinha de cevada na ponta. A corda se ropeu, o
saco o atingiu na cabeça e ele morreu.
212
Kyabje Pabongka Rinpoche falou sobre a comida e como regular o seu consumo. Ele
também falou em oferecer diariamente bolos rituais (tormas) aos espíritos famintos. O
texto que discute isto com maior clareza chama-se: "Programações Diárias" e devemos
seguí-lo. Então, falou sobre os grandes benefícios que até mesmo os corvos [que
comerem o bolo] irão receber
Isto tem dois tópicos principais: (1) o estímulo de tomar a essência de seu perfeito
renascimento humano; (2) como extrair a essência.
213
AS LIBERDADES
214
No momento presente, sempre que dizemos “Que sorte!” estamos nos referindo a
algum dinheiro que possamos ter ganho, mas isto na realidade não é sorte. Quando
vemos os animais como cães e asnos, não devemos tratá-los como objetos de
curiosidade; devemos sentir: “Que sorte que eu não sou assim!”
Os deuses de longa-vida são como segue: renascer nos reinos da forma e sem forma
é um dos maiores resultados [kármicos] que se possa ter. No entanto, quando os deuses
nascem nesses reinos, eles sentem: “Renasci como um deus” e quando finalmente
deixam aquele renascimento, sentem “Estou deixando este renascimento como um
deus.” O resto do tempo estão absorto em concentração uni-focada tamanha que é como
se estivesse dormindo --eles desperdiçam todo o renascimento desta maneira totalmente
sem sentido. Como Asanga nos conta em seu Níveis de Shravakas, os deuses em outros
reinos celestiais podem ter alguns grandes instintos como virtudes, mas normalmente
passam o tempo todo absorto em prazeres e não recebem nenhum Dharma. O rei dos
doutores, Jivaka Kumarabhrata, quando ainda era um ser humano, foi discípulo de
Shariputra. Sempre que Jivaka estava fora andando num elefante e por acaso via
Shariputra, sem um momento de hesitação ele desceria do elefante. Mais tarde, Jivaka
renasceu nos reinos dos deuses e Shariputra foi até lá para ensinar-lhe o Dharma, mas
Jivaka estava tão absorto nos prazeres celestiais que ele simplesmente só levantou um
dedo [em reconhecimento e então voltou às suas diversões, não dando a Shariputra
nenhuma chance de ensinar-lhe o Dharma. É assim que no reino dos deuses não há
absolutamente nenhum pensamento de praticar o Dharma ou a renúncia. Eles só têm
tambores celestiais, pássaros mágicos, etc., que lhes falam sobre o Dharma; eles não
têm gurus como os nossos para dar-lhes instruções detalhadas.
Os quatro estados humanos desfavoráveis são os seguintes: se renascer numa região
remota, isto é, bárbara, não ouvirá uma palavra do Dharma. Se renascer num local
aonde o Buda não veio, não saberá como praticar o Dharma, ou mesmo que o pratique,
não o fará corretamente. O que faríamos se renascêssemos agora dessas formas? Pense
que sorte que não somos assim!
Mesmo se renascer num local central [isto é, budista], se renascer como um idiota
com uma mente defeituosa ou pouco clara, ou como um mudo com defeito na fala, ou
você não compreenderá o verdadeiro propósito do Dharma ou vai apenas fazer os
gestos e não praticará corretamente.
O maior empecilho para assumir o Dharma é ser uma pessoa com visões errôneas --
é por isso que Nagarjuna em sua Carta menciona isto em primeiro lugar. É muito
desafortunado se renascer agora como um muçulmano, por exemplo, porque nunca vai
adquirir a virtude-raiz de recitar até mesmo um rosário de om mani padme hum, mesmo
se sua vida for longa.
Portanto, conseguimos alcançar estes oito --embora na realidade seja difícil
alcançá-los todos adequadamente. É vital compreender que isto é o que queremos dizer
por sorte: que sorte seria maior do que a de termos estas oito coisas tão difíceis de
criar?
215
OS DOTES
Existem dez dotes; cinco são pessoais e cinco se relacionam aos outros.
216
realização dos ensinamentos. Como dizem os antigos Kadampas, isto não aconteceu;
não temos os ensinamentos em nosso contínuo-mental, portanto não devemos deixar
morrer a nossa parcela dos ensinamentos. Ou seja, os ensinamentos de Buda florescem
externamente, mas se os ensinamentos morrem em seu contínuo mental, a sua parcela
dos ensinamentos morre.
Os ensinamentos de Buda não só devem permanecer como devem sobreviver
intactos. De todos os princípio das seitas Indianas e das primeiras e subseqüentes seitas
tibetanas, os mais preciosos e imaculados são aqueles que combinam a visão pura e a
prática de sutra e tantra-- por exemplo, os ensinamentos de Je Rinpoche o Reformador,
a personificação de Manjushri o Protetor, ensinamentos que são ouro puríssimo. Eles
prevalecem em todo o Tibet, e você os encontrou. Para isto acontecer é muito mais do
que raro. Os ensinamentos de Je Rinpoche sobre sutras e tantras são mais eloqüentes do
que os que os antecederam. Tagtsang o tradutor, por exemplo, veio ver as
características especiais dos ensinamentos de Je Rinpoche num momento mais
avançado em sua vida e se disse vencido, que haviam acertado o alvo. Houve muitos
outros louvores semelhantes, mas mesmo após dias contando-lhes em detalhes como
estes ensinamentos de sutra e tantra são superiores aos outros, eu ainda não teria
terminado. Certa vez um mongol deu um presente ao Panchen Lama e foi-lhe dito que
teria um renascimento humano. Isto também teria acontecido se tivesse rezado para
encontrar os ensinamentos de Buda. Quem pode afirmar o que teria acontecido se
tivesse feito orações para encontrar os ensinamentos de Je Rinpoche!
Você encontrou tais ensinamentos, e não só isto: o quarto destes dotes também
está cumprido --os ensinamentos estão sendo seguidos-- porque, não havendo nenhuma
outra circunstância de impedimento, é fácil desistir de sua vida leiga e se ordenar. Na
realidade, “os ensinamentos estão sendo seguidos” significa que manifestadamente
pode-se ver que há pessoas obtendo um dos quatro resultados [como Aquele-Que-
Entrou-na-Corrente, Aquele-de-Um-Retôrno, Sem-mais-retornos, ou Arhat]. Portanto,
o quarto dote relativo aos outros, como está na realidade discutida em Níveis de
Shravakas, só se aplica a pessoas como o monge Udayi,52 e não ao Protetor Nagarjuna,
por exemplo. Durante o período de “ensinamentos da visão” [o período mais antigo dos
ensinamentos], as pessoas que obtiveram os quatro resultados deram o exemplo;
mesmo agora, os feitos dos santos são exemplos, portanto este fato serve de substituto
para se cumprir o quarto dote.
O quinto dote relacionado aos outros --que as pessoas em geral possuam amor
em seus corações-- significa que benfeitores, etc., forneçam as condições favoráveis aos
praticantes do Dharma, e que as pessoas em geral tenham um bom coração. Portanto,
este dote também está cumprido. É extremamente raro conseguir todos estes dezoito
pontos tão benéficos, no entanto, temos todos eles. Nós as alcançamos porque fizemos
todas as orações certas em nossas vidas humanas passadas: rezamos para receber dez
52
Udayi era um monge da época de Buda que, como não tinha realizações, frequentemente fazia coisas com repercussão
desafortunada. Para refrear e restringir tal comportamento, Buda estabeleceu o código de conduta vinaya –regras de
disciplina com a intenção de servir de guias para treinar e proteger a mente de seus seguidores.
217
itens e não receber os outros oito. Portanto, temos agora oito liberdades e dez dotes.
Isto tem três títulos: (1) os grandes benefícios a curto prazo; (2) os grandes
benefícios do ponto de vista supremo; (3) pensando sucintamente em como cada
momento pode ser muito benéfico.
Não importa que renascimento superior mereça ou que renascimento inferior queira
evitar, você pode ter sucesso usando bem a sua atual vida humana. Para alcançar um
renascimento superior deve-se praticar o seguinte: para ser abastado pratique a
generosidade, e para ter um séqüito magnífico pratique a paciência. Tudo isto você
pode praticar agora, neste renascimento humano. Você pode se indagar: “Como jamais
poderei alcançar renascimentos elevados como deuses e humanos e ter suas riquezas e
felicidades?” mas não há dúvidas de que você pode --é só praticar.
Se quiser alcançar seu próximo renascimento como um Brahma, Indra, ou um
monarca universal, você pode. Se quiser um renascimento que tenha as oito boas
qualidades de amadurecimentos kármicos [resultados] [vide Dia Treze], ou um
renascimento elevado com as sete boas qualidades, ou o renascimento físico correto
para as quatro rodas do Veículo Supremo [as quatro classes de tantra], você pode
alcançá-los.
Neste renascimento você também pode alcançar as causas para renascer nas terras
puras, Sukhavati, Shambhala, e assim por diante. O Lama Longdoel tornou seu perfeito
renascimento humano significativo ao praticar num eremitério; ele demonstrou pouco
interesse até mesmo em uma única tigela de farinha de cevada. Ele praticou para reunir
as causas para renascer como Rei de Shambala. Após fazer estas orações, pensou que
deveria então fazer um oferecimento ao Panchen Lama Palden Yeshe. E, perguntou ao
Panchen Lama: “Vou alcançar a minha meta?”
O Panchen Lama sabia da sua intenção e respondeu: “O velho lama está sendo
muito voraz! Sim, você conseguirá alcançar a sua meta”.
218
dos humanos nos outros três continentes, aqueles de Jambudvipa [o Continente Sul] são
os melhores candidatos.
A bodhicitta mais poderosa é desenvolvida nos renascimentos humanos.
[Chandragomin] nos diz em sua Carta a um Discípulo:
53
Ser do sexo feminino é considerado um nascimento menos favorável porque as mulheres normalmente enfrentam mais
impedimentos para praticar o Dharma do que os homens, seus corpos são geralmente menos poderosos, etc. Isto é tratado
com mais detalhe no Dia 13.
54
Segundo Amchok Rinpoche, os tibetanos leigos acreditam que esta famosa estátua no templo principal de Lhasa contém
uma jóia-que-realiza-desejos que circula através de seu corpo. Quem colocar a cabeça no joelho da estátua no momento
em que a jóia estiver passando por lá, terá seus desejos realizados.
219
se iluminou naquela mesma vida.
Tais pensamentos dão sentido ao perfeito renascimento humano. Mahayogi disse a
Geshe Chaen Ngawa que [esta prática] era mais do que suficiente.
Um perfeito renascimento humano é portanto difícil de adquirir. Que grande pena
se não usar de maneira significativa este renascimento que conseguiu. Isto seria como
um pobre encontrando um saco cheio de ouro e perdendo-o depois de gastar só uma
pequenina parcela.
Os textos não são claros quanto a este título, que complementa os outros dois sobre
as maneiras do perfeito renascimento humano ser tão benéfico. A instrução oral é a
seguinte:
Este renascimento tem o grande benefício adicional de “manter grande benefício a
todo dia, a todo momento”, você criará causas imensuráveis para sua liberação e
onisciência se não deixar passar nem mesmo o pouco tempo que leva queimar um
bastão de incenso, sem fazer uso dele, como por exemplo trabalhar arduamente na
construção de suas acumulações e purificar-se dos obscurecimentos. É um erro não
lamentar ter desperdiçado o perfeito renascimento humano, e no entanto lamentar ter
desperdiçado uma ou duas moedas de prata. Aryasudra [Ashvagosha] disse: “Como um
mercador que foi a uma ilha de jóias e retornou para casa de mãos vazias...” Em outras
palavras, o mercador vai a uma ilha de jóias, não adquire nenhuma, contrai dívidas
pesadas, e volta para casa de mãos vazias. Nós adquirimos este perfeito renascimento
humano só uma vez. Não haveria pena maior do que se deixássemos de praticar o
Dharma, só acumulássemos ações negativas, e depois fôssemos aos reinos inferiores.
221
Que irá aos reinos superiores
Quando colecionou ações negativas
Desde os princípios do samsara.
Em outras palavras, se uma única ação negativa pode lhe jogar assim nos reinos
inferiores, não há esperança de alcançar os reinos superiores quando considerar que tem
em seu contínuo mental um monte de ações negativas tão grande quanto o guarda-
tesouro do rei que você acumulou desde os tempos sem princípio.
Podemos sentir, “Mas o meu próximo renascimento não será imaculado devido à
bondade de meus preciosos gurus?” Mas se deixarmos de praticar o Dharma,
destruiremos tudo que nossos preciosos gurus fizeram por nós, assim como Buda não
pôde salvar seu primo Devadatta de cair no inferno.
Desperdiçar este bom renascimento, que recebeu só esta vez, e depois querer
receber outro perfeito renascimento humano para usar beneficamente é como um
homem pobre que encontra uma pepita e joga na água, pensando: “Se eu tivesse uma
outra, então a usaria”.
É difícil rezar sem nenhuma expectativa [de benefícios] nesta vida. Quando vemos
Shakyamuni no Templo de Lhasa e rezamos, fazemos logo orações para uma longa-
vida, sem doença, e com boa sorte. Conforme está dito em Guia do Caminho dos
Bodhisattvas:
222
virtualmente sem nenhuma chance de liberação. Quando se toma o caminho errado,
fica-se progressivamente mais distante de onde deveria estar indo; é por isso que não se
deve usar este renascimento atual para ir no caminho errado. Mas não diga que é muito
tarde; se você já for velho, não deve ter preguiça e tudo correrá bem. Veja o caso do
chefe de família Shrijata [Dia Quatorze].
Geshe Potowa diz em seu Analogias: “Grama no teto; pescoço da tartaruga...” o que
quer dizer:
Renascimentos nos reinos superiores são geralmente tão freqüentes quanto grama
crescendo nos declives das montanhas. Mas um renascimento humano com todas as
liberdades e dotes é extremamente raro --tão raro quanto placas de grama nos tetos das
casas.
O “pescoço da tartaruga” significa o seguinte: Suponha que haja uma bóia dourada
flutuando no oceano e sendo levada pelo vento. A bóia tem apenas um buraco e uma
tartaruga cega que mora no oceano põe sua cabeça para fora da superfície do oceano
uma vez a cada cem anos. A cabeça da tartaruga [provavelmente] não subiria
exatamente através da canga. De forma semelhante estamos no grande oceano do
samsara; por causa do poder de nossos enganos, os olhos de nossa sabedoria estão
fechados e normalmente vagamos de um estado dos reinos inferiores a outro.
Ocasionalmente nos libertamos dos reinos inferiores e conseguimos um renascimento
ímpar num estado humano por virtude das leis da probabilidade. Mas o mundo é
enorme e existem mundos em todos os pontos cardinais e intermediários do compasso;
não se pode estar certo se nestes mundos os ensinamentos de Buda florescem ou para
onde estão indo. Estes ensinamentos são como a bóia, e encontrá-los é também
extremamente raro.
Se uma tartaruga nadasse constantemente à superfície do oceano, provavelmente
encontraria a bóia de tempos em tempos; mas se ela só sobe à superfície a cada cem
anos, provavelmente [jamais] a encontrará uma única vez. Como na analogia, se
recebêssemos renascimentos humanos freqüentemente, é possível que poderíamos
encontrar o ensinamento de um Buda sempre que isto ocorrer. Porém, o caso não é este:
só ocasionalmente recebemos um ou dois renascimentos humanos.
Se a bóia dourada ficasse num único lugar, durante muito tempo a tartaruga não
subiria ao local exato, mas pelo menos haveria uma chance de que poderia acertar o
local algumas vezes, e então achar a bóia. Mas na realidade o caso não é este: a bóia se
move ao léu em todas as dez direções sobre a imensa superfície do oceano. E, como na
analogia, se os ensinamentos de Buda permanecessem sempre no mesmo mundo,
possivelmente poderíamos encontrá-los algumas vezes num renascimento humano. Mas
não podemos estar certos de que os ensinamentos de um Buda permaneçam num
mundo em particular. [De qualquer forma] tais ensinamentos só permaneceriam lá por
um tempo muito breve.
223
Não se pode alegar que a bóia e a tartaruga nunca se encontrarão, mas o caso é
praticamente este. Receber um perfeito renascimento humano é ainda mais raro, mas
isto não impede que ocorra até o fim do samsara.
Os elementos desta analogia significam o seguinte: O oceano é o estado samsárico;
a tartaruga somos nós; sua cegueira é a ignorância; a bóia são os ensinamentos de
Buda; e assim por diante. Esta interpretação da contemplação da dificuldade de receber
este perfeito renascimento é tida como uma tradição oral vinda de Je Drebkang Geleg
Gyatso.
Geshe Potowa diz ainda, em Analogias: “O menino de Loding...” Drom Loding
tinha um filho que sabia garimpar ouro. Este menino fez uma viagem comercial com
alguns amigos. O povo da localidade ficou sabendo da reputação do filho de Loding e
dizia: “Ah, se eu fosse o filho de Loding! Se eu soubesse garimpar ouro!” Ele ouviu
falar disso, mas continuou negociando. Só mais tarde decidiu garimpar. De forma
similar, recebemos um renascimento tão bom que é tema de orações dos Bodhisattvas
em Sukhavati. Mas seria uma grande pena se, após recebê-lo, não nos beneficiássemos
com isto.
Geshe Potowa disse: “E o peixe do homem de Tsang...” Certa vez um homem de
Tsang foi até a Província Central e comeu alguns peixes. Ele de fato se empanturrou e
estava a ponto de vomitar. Ele disse: “Seria uma pena vomitar uma comida tão
deliciosa!” e amarrou seu pescoço. Se é uma pena vomitar algumas vezes uma comida
apetitosa, o que não dizer de não se beneficiar com um renascimento que é tão difícil de
encontrar, e que só é conseguido uma vez em muitos éons.
Geshe Potowa então fala de: “Uma minhoca se prosternando...” Parece impossível
que uma minhoca vermelha e viscosa poderia sair da terra e se prosternar ao Buda. É
assim tão impossível para nós minhocas subirmos à superfície dos reinos inferiores,
tomarmos formas humanas, e até mesmo estudar e contemplar o Dharma.
Pense nestas várias analogias mostrando como os perfeitos renascimentos humanos
que adquirimos são tão raros e difíceis de conseguir.
224
cabem dez humanos. Há muitos seres no bardo; tantos que é como muitas centenas de
milhares de moscas que imediatamente se juntam ao redor do cadáver de um cavalo, ou
até mesmo uma centena de tais cadáveres.
Mesmo entre os renascimentos humanos, é extremamente raro nascer durante os
éons de iluminação, isto é, num éon em que o Buda vem ao mundo. E cada átomo da
iluminação é separado por muitas dezenas de milhares de éons de escuridão. Mesmo
dentro de cada éon de iluminação existem oitenta éons secundários, sendo vinte éons
secundários de vácuo e vinte de cada um dos seguintes: formação, estagnação e
destruição. Budas não vêm a um mundo durante sessenta destes éons secundários –
durante os éons de vácuo, formação e destruição. Nem vêm a um mundo em certas
épocas durante os vinte éons secundários de estagnação – durante o primeiro e o último
destes vinte éons secundários, quando os humanos tem vidas de duração imensurável, e
nas épocas em que a duração da vida humana está aumentando. Os Budas só vêm
durante as “eras escuras” quando o tempo de vida está diminuindo.55
Vamos falar do nosso tempo atual deste nascimento no Continente Sul. Os Budas
vêm durante os dezoito éons secundários intervenientes quando a duração da vida
humana segue um padrão cíclico. Poderíamos ter nascido quando, para as aparências
comuns, um Buda anterior tivesse entrado no nirvana e sua doutrina desaparecido. O
nascimento durante este período antes da vinda do próximo Buda não é diferente de
nascimento em um éon de escuridão. Mas não nascemos em tal época. Dizem que
depois que estes ensinamentos desaparecerem, 4,9 bilhões de anos humanos passarão
antes que o Buda Maitreya venha, mas nós também não nascemos durante esta era
escura interveniente: os ensinamentos de Buda ainda existem e nascemos no Continente
Sul, o único local sagrado onde estes ensinamentos podem ser encontrados. Nascemos
num dos poucos paises deste continente onde os ensinamentos são muito difundidos, e
paises como Tibet e Mongólia, são minoria. Nascemos no Tibet, um dos alicerces que
permite que o Dharma prospere. Mas aqui está um exemplo do que acontece no Tibet.
Gushri Kaelzang [um mongol], certa vez disse:
225
Em uma única família pode haver dez irmãos, mas só dois ou três deles entram para
um mosteiro. Até mesmo entre as pessoas nos mosteiros, os que praticam o Dharma
com pureza, colocando o Lam-rim em prática, são muito raros. Mas apesar de tudo isto,
não nascemos num lugar sem liberdade [para praticar].
Segundo a tradição oral de meu próprio precioso guru, o perfeito renascimento
humano é difícil de conseguir porque é difícil de ser alcançado, porque é por natureza
algo difícil de ser criado, e porque suas probabilidades, por analogias, provaram ser
baixas.
Kyabje Pabongka Rinpoche então discutiu como devemos pensar nestas três
razões.
Este renascimento que conseguimos pode realizar nossos mais afeiçoados desejos,
sejam eles bons ou maus. Estamos no limiar entre os reinos superiores e inferiores. Não
devemos colocar nossas esperanças em nada mais. Somos livres para escolher, portanto
não devemos nos enganar quanto a qual escolha leva à felicidade e qual leva à miséria.
Se nos enganarmos, o engano não vai durar só um ou dois dias --vai estragar nossas
esperanças eternas de todos os nossos renascimentos.
Que bom seria se você não fosse morrer! Só deve lhe restar um tempo desta vida:
dois anos, três anos, ou seja o que for. Se isto não motivar-lhe para realizar austeridades
dia-e-noite para praticar algum santo Dharma, pense: “Ousarei arriscar a voltar aos
reinos inferiores?”
É vital não deixarmos este nosso renascimento oportuno ser desperdiçado; um
precioso renascimento que só conseguimos uma vez, um renascimento sem preço,
criado de dezoito coisas. Suponha que um mercador vai a uma ilha de jóias e em vez de
pegar qualquer pedra preciosa, só passa seu tempo cantando, dançando, etc., até mesmo
se endividando com os outros mercadores. O que poderia ser mais insano do que
eventualmente retornar sem nenhuma jóia? Agora, você pode colecionar as jóias da
liberação e da onisciência. Não se poderia ser mais cego ou mais estúpido se não levar
estas jóias, mas ao contrário, criar as causas para ir aos reinos inferiores. Shantideva
diz:
Você deve extrair alguma essência deste bom renascimento que conseguiu – este
renascimento é tudo o que se precisa para extrair a essência. Construa suas
acumulações e algumas auto-purificações ao menos durante o tempo que leva beber
uma xícara cheia de chá! No melhor, você poderá se iluminar em uma vida, em um
226
corpo. Se não, você poderá alcançar a liberação. Se isto não acontecer, esforce-se pelo
menos para não cair nos reinos inferiores. O Sutra Soberano da Concentração Uni-
focada afirma:
227
Je Tsongkapa diz:
228
DIA DEZ
Kyabje Pagongka Rinpoche citou o seguinte louvor aos escritos do grande adepto,
Gedun Tenzin Gyatso:
Isto foi citado como parte de uma curta palestra para acertar a nossa motivação. Ele
relacionou os títulos já dados, e reviu o material que vem após o sub-título
“Devotando-se através de Ações”, que é parte da seção sobre “A Raiz do Caminho:
Devoção ao Guia Espiritual.”
Entre as meditações, leie principalmente livros que ensinem sobre o perfeito
renascimento humano. Se depois de pensar nas dificuldades de obter este renascimento
humano muito benéfico, você desenvolver o desejo de extrair alguma essência dêle,
você deve treinar sua mente nos três níveis do Lam-rim. A extensão de seu treinamento
da mente nesses três níveis determina o quanto irá extrair da pequena, média e grande
essência.
Se quisermos alcançar a Budeidade, devemos primeiro desenvolver realizações nas
seções iniciais do caminho; ou não desenvolveremos realizações nas partes posteriores.
Por exemplo, os Khampas deixam suas casas para verem a estátua de Shakyamuni no
Templo de Lhasa. As estradas os trazem pouco a pouco até aqui; é impossível pular
qualquer parte do caminho. Você também não pode desenvolver realizações nas partes
mais elevadas do caminho, como a compaixão, enquanto não tiver realizado as partes
mais baixas como renúncia, e assim por diante. [Shantideva] afirma em seu Guia do
Caminho dos Bodhisattvas:
229
e a outra a Chushur. A primeira quer ir para Tashi Lhunpo, mas deve primeiro
compartilhar parte do caminho com as outras duas. As três pessoas têm três coisas
diferentes em mente: duas viajam para Rong ou Chushur e a primeira pretende
continuar adiante até Tashi Lhuenpo.
Deve-se recorrer às seções das Pequena e Média Capacidades do Lam-rim,
expressamente para alcançar a Iluminação pelo bem dos seres sencientes. A prática em
si é o desenvolvimento da Bodhicitta, as partes dos níveis de Pequena e Média
Capacidade do caminho são apenas prelúdios. Você pode estar se indagando, “Neste
caso, basta ensinar o nível de Grande Capacidade logo de início. Duvido que os níveis
Pequeno e Médio sejam necessários.” Há dois motivos para que todos os três sejam
discutidos. Há pessoas que não podem treinar suas mentes inicialmente na Grande
Capacidade, assim, elas precisam praticar estágios através das Pequena e Média
Capacidades. Esta maneira é mais benéfica para pessoas com mentes boas, medianas ou
inferiores. Além disto, sem nenhuma familiaridade com as partes iniciais do caminho,
não se consegue desenvolver nenhuma renúncia no contínuo-mental, portanto, é preciso
derrotar qualquer orgulho que possa ter por ser um praticante do Mahayana ou um
seguidor dos tantras secretos.
Para desenvolver a prática em si, a bodhicitta, é preciso desenvolver uma
compaixão tamanha que você simplesmente não suporta que outros seres sejam
atormentados pelo sofrimento. Mas, para desenvolver esta compaixão, é preciso saber
com exatidão como você está infestado pelo sofrimento. E deve compreender que todo
o samsara, por natureza, é sofrimento. Mas primeiro é preciso temer os reinos
inferiores, porque sem isso não há nenhuma renúncia da felicidade humana e celestial.
Portanto, você deve treinar sua mente nas partes das Pequena e Média Capacidades.
Este treinamento é como o alicerce e as paredes que sustentam uma casa.
Ainda não alcançamos resultados avançados, mas eles viriam se treinássemos no
material introdutório. Je Milarepa treinou-os sob a tutela de Marpa, e muitos de seus
cânticos são sobre o seu desenvolvimento nessas realizações. O Lam-rim é necessário
para conseguir o progresso especialmente rápido prometido nos tantras secretos. É esta
a implicação dos nomes O Caminho Fácil e O Caminho Rápido. Milarepa alcançou a
unificação em uma vida não só devido ao tantra; ele já havia treinado no caminho dos
três níveis em vidas anteriores. Numa de suas vidas passadas, por exemplo, ele foi o
Kadampa Chagtrichog.
Embora quem embarque nos tantras secretos deva treinar-se previamente nas partes
compartilhadas do caminho, não fazemos isto: embarcamos direto nos tantras secretos,
não mantemos nossos compromissos tântricos e nem meditamos nos dois estágios.
Dizem que muitas pessoas assim vão para o Inferno Vajra.
Você deve ter, de saída, uma visão ampla. Deve sentir, “Estou preparado para usar
toda a minha vida humana para seguir apenas um tópico de meditação do Lam-rim”.
Mas nossa visão ampla é de coisas mundanas, que é a forma errada e contrária. Seja
míope com relação a coisas mundanas, não ao Dharma. Se achar: “É impossível
conseguir qualquer coisa no Dharma”, você não vai praticar corajosamente e não vai
230
querer passar um mês ou um ano meditando num único tópico de meditação.
Geshe Kamaba disse:
Ou seja, esqueça quanto a passarmos um mês num tópico de meditação, não temos
meditado num único tópico nem mesmo durante toda a duração de uma única sessão. E
como é irreal sentir, “Até agora não desenvolvi nenhuma realização!” Nós não fazemos
de uma certa prática o nosso ponto de partida, no entanto, rolamos os olhos para o topo
da cabeça [e fingimos meditar] quando fazemos apenas uma recitação de, por exemplo,
O Alicerce de Todas as Boas Qualidades [de Tsongkapa]. Se agimos assim, nosso
desejo de desenvolver insights e realizações no Lam-rim é muito ganancioso. É aí que
está o erro.
Karag Gomchung Rinpoche, um Kadampa, disse:
Estas três coisas são vitais. Você deve olhar bem para frente para a meta da
onisciência; ter visão ampla a respeito pelos níveis de Pequena e Média Capacidade; e
meditar para alcançar o ápice correto. Quando acontecer de receber o Dharma
oralmente de seu guru e então praticar freneticamente por uns poucos dias com
renúncia superficial, isto é um sinal certo de que não haverá progresso.
Isto tem três seções: (1) treinando sua mente nos estágios do caminho compartilhado
com a Pequena Capacidade; (2) treinando sua mente nos estágios do caminho
compartilhado com a Média Capacidade; (3) treinando sua mente nos estágios do
caminho da Grande Capacidade.
Isto tem dois sub-títulos: (1) desenvolvendo o anseio por um bom renascimento; (2)
ensinando os meios para a felicidade em seu próximo renascimento.
231
(A) DESENVOLVENDO UM ANSEIO PARA UM BOM RENASCIMENTO
Isto tem duas sub-divisões: (1) lembrando que seu atual renascimento não vai durar e
que você vai morrer; (2) pensando no tipo de felicidade ou sofrimento que vai ter em
seu próximo renascimento em algum dos dois tipos de migrações.
Isto tem três sub-títulos: (1) as desvantagens de não lembrar da morte; (2) as vantagens
de lembrar da morte; (3) a maneira de lembrar da morte.
Je Tsongkapa disse:
Você se agarra à idéia de que não vai morrer e pensa, “Ah, eu posso praticar o
Dharma o ano que vem, ou o ano depois”. Você está sempre adiando. Você pensa no
Dharma, mas não o pratica; permanece absorto com pensamentos como, “Eu quero este
objeto de valor”. Enquanto isto, sua vida humana está se esgotando.”
232
o A DESVANTAGEM DE QUE VAI PRATICAR MAS NÃO
CORRETAMENTE
Em outras palavras, você alcançará os poucos benefícios desta vida e suas vidas
futuras resultarão em renascimentos nos reinos inferiores.
Se agir assim, não estará sendo diferente de um leigo. Um praticante de Dharma
deve, antes de tudo, ignorar esta vida. Eu não estou dizendo que você deve ficar pobre,
até mesmo os pobres não ignoram esta vida e continuam vagando no samsara. O que
deve ser ignorado são as oito preocupações mundanas. Qualquer coisa misturada a estas
preocupações não é Dharma. O iogue Chagtrichog perguntou a Atisha: “Eu devo
meditar? Devo ensinar? Ou às vezes ensinar e às vezes meditar?” Atisha disse: “Essas
coisas não ajudarão”. Chagtrichog perguntou então o que deveria fazer e ele respondeu:
“Abandone as coisas mundanas”.
Lama Gyampa disse:
233
falou o seguinte sobre estas oito:
Se o grande meditador
Não rolar morro abaixo
O macarrão rolará morro acima até ele.
Quando eu era um leigo, usava uma espada afiada, flecha e lança no meu
cinto, mas tinha muitos inimigos e poucos amigos, Quando eu era solteiro
tinha campos que podiam render meia tonelada de trigo, portanto as
234
pessoas me apelidaram de “Bandido de Meia-tonelada”56 Eu costumava
assaltar as pessoas de dia e roubar as vilas Á noite; mas mesmo assim,
roupa e comida eram escassos. Agora que pratico o Dharma, não me falta
nem comida nem roupa, e meus inimigos me deixam em paz.
Se um anseio se transformasse
Num cadáver humano,
As coisas que você deseja
Afluiriam como abutres.
As boas obras de pessoas como Je Tsongkapa são vastas como o espaço; e isto é
porque ignoraram esta vida e praticaram o Dharma corretamente. Segundo uma estória,
um Sakyapa [que não percebeu isto, mas ao contrário pensou] que Je Rinpoche tinha
alcançado o poder de acumular riquezas, [chegou até mesmo] a perguntá-lo: “Qual é o
poder mais profundo para acumular riquezas?”
Quando morrer e seu cadáver for desfeito, será que você vai precisar até mesmo
a menor posse material? Na hora da morte, aceite-a completamente e diga a si mesmo:
“Vou morrer não importa o que eu faça, portanto, deixe que eu morra.”
Pense como as pessoas terão de pagar para se livrarem do seu cadáver; ficarão
nauseadas e farão qualquer coisa para se livrarem dele. Não tenha dúvida de que seu
corpo será retirado do seu leito de morte.
Assim, decida-se a ignorar as oito preocupações mundanas, e terá conforto,
felicidade e fama desta vida como se as tivesse cortejado. Portanto, quem anseia pelas
oito preocupações mundanas, é uma pessoa mundana; quem ignora esta vida é um
praticante do Dharma. Geshe Potowa perguntou a Dromtoempa, “Qual é a estreita linha
divisória entre o Dharma e o não-Dharma?”
Drom respondeu-lhe: “Se for um antídoto para enganos e ilusões, é Dharma;
caso contrário, não é Dharma. Se não tiver a concordância de todas as pessoas
mundanas, é Dharma; se todos concordarem, não é Dharma.”
56
Esta é a minha tradução para quarenta khal. O khal é uma medida de peso tibetana equivalente a 25 a 30 quilos,
portanto, quarenta khal é suficientemente próximo a meia-tonelada, por isso o apelido.
57
Estas são mencionadas de passagem. A relação completa é: 1) ignorar esta vida e se dedicar inteiramente ao Dharma; 2)
estar preparado para ficar pobre; 3) estar preparado para morrer pobre; 4) estar preparado para morrer sozinho sem
ninguém para cuidar de seu corpo; 5) estar determinado a praticar o Dharma independente de reputação; 6) estar
determinado a manter todos os votos puros; 7) estar determinado a evitar o desânimo; 8) estar preparado para ser proscrito;
9) aceitar o status mais baixo; 10) atingir a suprema Budeidade como resultado natural da prática.
235
O fato é que Dharma e coisas mundanas são opostos: quem tem tempo para
fazer recitações e cuidar da casa? Nossos corpos são pálidos reflexos dos corpos de
praticantes do Dharma e nossas mentes não são diferentes das dos mundanos; fazemos
das oito preocupações mundanas a nossa prática básica.
Tendo virado as costas para esta vida, a técnica principal para praticar o
Dharma de forma pura é meditar na morte e impermanência. Se você não ignorar esta
vida, qualquer Dharma que pratique vai involuntariamente fazê-lo escorregar de volta
para esta vida. Não deixe que sua cabeça vire por causa das oito preocupações
mundanas. Ignore sua ânsia por comida, roupas, e reputação. O critério disto é querer
ser como o Sétimo Dalai Lama, Kelzang Gyatso, ou o Panchen Lama Lozang Yeshe. O
Sétimo Dalai Lama disse que só possuía seus vajra, sino e três mantos – nada mais.
Contam que até mesmo um oferecimento de cem lingotes de prata não agradou ao
Panchen Lama Lozang Yeshe.
Pode ser que você não anseie necessariamente todos os três: comida, roupa ou
reputação. Alguns de nós podemos estar presos a apenas um deles; outros por dois;
outros de fato pelos três. Mas, dos três, o mais difícil de se abandonar é a reputação.
Muitas pessoas, não importa quem – eruditos, monges, mestres, meditadores –
querem boa reputação ou fama. Drogoen Rinpoche, Gyer Drowai Goenpo, disse:
236
Mas, são raras as pessoas que no íntimo não têm absolutamente nenhum desejo
de reputação. Geshe Potowa disse em sua Analogias: “A raposa e o macaco [espreitam
próximos à] porta do galináceo...” Em outras palavras, em vez de examinar o inferno
que se aloja em sua própria porta, você explora lugares longínquos; isto é, explora os
caminhos mais elevados, os níveis de Buda, tantra, e assim por diante, e não nota seu
anseio pelas banalidades desta vida. Você não está livre destas prisões. Esta é uma das
desvantagens de não se lembrar da morte.
Se não se lembrar da morte, não vai praticar o Dharma com seriedade, nem
conseguirá praticá-lo continuamente. Atualmente, não temos muita perseverança em
nossas práticas virtuosas; só praticamos até ficarmos entediados. A razão disso é que
não nos recordamos da morte e a impermanência. Geshe Karag Gomchung, por se
recordar da impermanência, nunca chegou a cortar o arbusto de espinhos em sua porta
de entrada. Milarepa costumava se vestir com pedaços de tecido e sacos de farinha de
cevada, e quando eventualmente caíam aos pedaços, nem mesmo se dava o trabalho de
costurá-los mas, em vez disto, praticava a virtude. Se tivéssemos uma recordação
semelhante da impermanência, não nos esforçaríamos em outras atividades;
trabalharíamos arduamente nas práticas virtuosas e não ficaríamos desanimados cada
vez que começássemos: ficaríamos tão somente muito satisfeitos em fazê-las.
Quando não lembra a morte, seu anseio pelas coisas desta vida aumenta e, para
conseguí-las, você ajuda algumas pessoas, prejudica outras, e assim por diante; você
desenvolve apego, hostilidade, ou profunda ignorância, e briga e discute com as
pessoas. Você vira alvo da conversa vulgar dos outros, e eventualmente seu próprio
comportamento vulgar o leva até mesmo a ferir-se na cabeça: todas as coisas levando à
sua degeneração.
Se não lembrar da morte, sua prática do Dharma será apenas um pálido reflexo
que será diluído pelo seu anseio pelas coisas desta vida. Então, um dia, de repente se
confrontará com um inimigo chamado “morrendo sem ter praticado o Dharma.” Você
verá que suas posses, aquilo que tanto desejou no passado, não traz nenhum benefício,
e saberá que não obteve nenhum Dharma divino, algo que certamente lhe teria ajudado.
Desenvolverá um remorso insuportável, mas tudo estará terminado – menos o seu
sofrimento. Cair de febre é conhecido como “a hora de fazer suas preces.” De forma
237
semelhante, ao saber que vai morrer, você murmurará palavras de arrependimento.
Geshe Kamaba disse que devemos temer a morte agora. Queremos morrer com
dignidade, mas ocorrerá o oposto: não temos medo agora, mas na hora da morte
estaremos batendo no peito. Em outras palavras, devemos temer a morte e a
impermanência desde o início, assim não precisaremos ter medo quando morrermos.
Mas agimos de forma contrária. Nunca pensamos, “Eu poderia morrer agora”, e por
isso continuamos complacentes. Que morte horrível teremos!
Pode-se ser rico e ter cem peças de ouro, ou ser um rei que reina sobre
todos os paises, mas tudo isto é oco e não traz nenhum beneficio na hora da morte.
Podemos ser repentinamente tomados por alguma doença virulenta e fatal, mas
ainda não conseguimos uma única coisa em que podemos confiar na hora da morte. Se
não morrêssemos logo, poderíamos sentir, “Agora vou definitivamente praticar o
Dharma”- mas nossa vida estaria chegando ao fim. Isto ajudaria tanto quanto segurar
um pouco de comida na mão, mas não decidir comê-la até aparecer um cachorro e
carregá-la com ele.
São estas as seis desvantagens.
238
meio-dia, vai dedicar a tarde a esta vida. Se dedicar-se a esta vida, o que quer que faça
não será Dharma.
É IMPORTANTE NO INÍCIO
Recordar-se da morte no início age como causa para embarcar no Dharma.
É IMPORTANTE NO MEIO
No meio, age como condição para estimulá-lo a trabalhar arduamente no
Dharma.
É IMPORTANTE NO FINAL
No final, levará sua prática do Dharma até o fim do estágio de
consumação.
Na hora da morte, você terá a confiança que vem por ter praticado o Dharma
infalível, e será como um filho que retorna à casa do pai. Lama Longdoel Rinpoche
disse:
239
COMO SE LEMBRAR DA MORTE
Isto tem duas seções: (1) a meditação de nove partes sobre a morte; (2)
meditação nos aspectos da morte.
Nem mesmo os antigos Kadampas tinham isto detalhado: consiste de instruções
tiradas da obra de Tsongkapa. Estas obras têm muitas instruções profundas, detalhadas
e únicas. Elas contêm os pensamentos dos tratados clássicos indianos sobre o tantra,
têm pontos especiais tirados da [própria] experiência [de Tsonghapa], seus títulos não
estão em desordem, e assim por diante.
Isto tem três raízes: (1) pensar na inevitabilidade da morte; (2) pensar na
incerteza da hora de sua morte; (3) pensar em como ao morrer nada pode ajudá-lo
exceto o Dharma. Para cada raiz, são dados três motivos, totalizando as nove partes.
Você inevitavelmente vai morrer. Não importa que tipo de corpo tenha, não
importa aonde vá, não importa que métodos usa, você não pode parar o Senhor da
Morte. Nem mesmo um corpo sólido o impedirá. Os Dizeres de Buda sobre a
Impermanência nos diz:
240
discípulos: Pramudita, o rei dos músicos celestiais, e Subhadra, o sacerdote brâmane
que não era budista. Eles não conseguiam suportar ver o Buda entrar em nirvana, e
Subhadra imediatamente faleceu. Quando nosso Mestre estava para entrar em nirvana,
ele tirou suas vestes superiores e insistiu para que as pessoas olhassem bem, pois é
difícil conseguir ver o corpo de um Tathagata. Seus últimos ensinamentos foram
concentrados na impermanência. Então, para mostrar que esta meditação era
fundamental, ele disse:
Buda então entrou em nirvana. Quando a maioria dos Arhats, que haviam
alcançado a liberdade [kármica] parcial ou completa, compreenderam o que havia
acontecido, eles também faleceram e entraram em nirvana; eles eram cerca de
quinhentos.
Além disso, os panditas indianos tais como os sete hierarcas dos ensinamentos,
os oitenta grandes adeptos, os seis ornamentos, os dois seres supremos, e assim por
diante; e no Tibet, Shantarakshita, Acharya Padmasambhava, o Dharmaraja Trisong
Detsaen, Atisha e seus discípulos, Tsongkapa e seus discípulos, e assim por diante,
todos entraram em nirvana, agora só restam suas reputações. Como poderíamos nós
escaparmos da morte?
Quando o Lama Tsechogling Rinpoche, um tutor do Dalai Lama, dava
ensinamentos de Lam-rim, dizem que na audiência havia muitos milhares de pessoas;
agora nenhum destes lamas ou discípulos estão vivos. Chuzang Lama Rinpoche dava
ensinamentos muito semelhantes a este que estamos dando, neste mesmo local; agora
só resta a sua reputação. Dentro de uns meros cem anos, tudo o que vai restar de todos
nós será o relato de que algo aconteceu aqui. Se depois de apenas cem anos todas as
pessoas que estão agora no Continente Sul --China, Tibet, Mongólia e assim por diante-
- até mesmo os bebês que nasceram hoje, certamente estarão mortos, nenhum
permanecerá vivo, então nenhum destino melhor nos espera.
De forma igual, se seu tempo chegou, não há local que não signifique a morte
para você. Os Dizeres de Buda sobre a Impermanência afirma:
241
tigela de esmolas do Tathagata; alguns foram colocados dentro do palácio no sol. Os
Sakyas foram mortos, e o dia de seu massacre há muito ficou para trás.
Fugir, subornar, usar a força, etc., tudo será bastante inútil se você for morrer.
Em Os Dizeres do Buda está dito:
242
SEGUNDO MOTIVO: PENSANDO EM COMO NADA ESTÁ SENDO
ACRESCENTADO AO SEU TEMPO DE VIDA, QUE ESTÁ SEMPRE
DIMINUINDO
Você definitivamente morrerá. Nada que seja precipitado por karma passado
pode receber outros acréscimos [e isto se aplica ao seu tempo de vida]. A cada
momento você se aproxima cada vez mais do Senhor da Morte. [Shantideva] afirma em
Engajando nos Feitos dos Bodhisattvas:
E, de Os Dizeres de Buda:
Em outras palavras, uma vez que tenha nascido, corre-se até a morte mais
rápido do que um cavalo-de-corrida, e não há descanso nem pelo tempo que leva
algumas poucas respirações. É possível que os cavaleiros de uma corrida de cavalo
possam conseguir um pouco de descanso, mas as pessoas destinadas a morrer não
conseguem nem um momento de descanso em suas corridas: cada momento os
aproxima de suas mortes. Em Os Dizeres de Buda está dito:
243
É assim também com a vida das pessoas.
244
Suponha que haja um grande monte de cevada no meio de uma planície.
As mulheres da localidade percebem que há uma enchente chegando, que
vai carregar a cevada. Mesmo assim, não fazem nada. A enchente vai
varrer a pilha embora antes que elas consigam pegar um único grão. Se,
em vez disso, trabalharem duro o tempo todo, sem se distraírem e pegarem
o máximo que puderem, talvez acabem conseguindo pegar um quarto ou
até mesmo metade da cevada. Se tiverem sorte, podem até pegar a cevada
toda e assim suprir suas necessidades. De forma similar, devemos praticar
o máximo possível o caminho das três capacidades antes que a morte
venha.
Pense nestes três motivos e vai sentir, “Definitivamente, vou morrer”; então
você vai decidir praticar o Dharma.
Se pudesse ter certeza de quando vai morrer, primeiro você faria todos os seus
trabalhos mundanos --subjugar seus inimigos, proteger os entes queridos, e assim por
diante. Depois, enquanto estiver vivendo na felicidade, você poderia praticar o Dharma.
Mas, não pode ter tanta certeza, portanto, é vital pensar na incerteza da hora da morte.
O Tesouro da Metafísica afirma:
Ou seja, na maioria dos outros continentes, a duração das vidas dos habitantes é
fixa.
Dizem que no início, os habitantes do Continente Sul tinham vidas tão longas
245
que não podiam ser medidas por anos; eventualmente suas vidas só duram dez anos.
Assim, o tempo de vida dos habitantes do Continente Sul, em geral não é fixo e isto é
especialmente verdadeiro nos tempos degenerados.
Geralmente não pensamos, “Eu nunca vou morrer,” mas, até que estejamos
morrendo, sempre pensamos “Vou morrer, mas não este ano”. Pode haver motivo para
se pensar assim. Alguns podem pensar “Eu não vou morrer ainda, porque sou jovem”.
Mas não adianta nada ser jovem. A ordem que a morte abate não segue a idade:
crianças freqüentemente morrem jovens e seus pais têm de enterrá-las. Além disso,
muitas pessoas mais jovens do que você já morreram. Alguns morrem assim que
nascem.
Outros pensam: "Eu não vou morrer, porque não estou doente”. Até isso não é
definitivo. Pacientes podem ser confinados às suas camas e mesmo assim não
morrerem, enquanto muitas pessoas saudáveis morrem de morte súbita. Alguns morrem
no meio de uma refeição, sem nunca ter tido a menor premonição de que iriam morrer
antes de acabar de comer. Alguns presentes em grandes cerimônias [num mosteiro]
foram ao templo com seus próprios pés, só para serem carregados de lá como cadáveres
numa maca. Muitas autoridades do governo preparam programas políticos grandiosos,
mas nunca chegam a executá-los, porque morrem antes de concluírem seus trabalhos.
Nas coletâneas de obras de muitos santos, aparece a anotação “inacabada”; eles só
conseguiram compor o título e alguns fragmentos de versos, e morreram antes de
terminar.
Dentre os parentes e amigos que nos rodeiam, podemos dizer que fulano
morreu, mas não pensamos “Isto também vai acontecer comigo”. Tratamos isto como
um simples objeto de curiosidade. Podemos até ouvir as pessoas dizendo, “Ele tem um
bom manto de açafrão. Espero que seja eu a ganhá-lo”.
A morte definitivamente o abaterá no futuro, mas é incerto quando isso vai
acontecer. Como dizem:
De Os Dizeres de Buda:
246
Como pode estar tão seguro de que não vai morrer amanhã?
Não nos preparamos para a morte que sabemos que vamos experimentar e cuja
hora de chegada é incerta. Não é certo que viveremos até uma idade avançada. Lembre-
se de que definitivamente é um erro fazer muitos preparativos para uma velhice
agradável.
Se não suporta pensar na chegada da morte hoje, amanhã, ou no dia seguinte,
deve pelo menos pensar como a morte pode abater qualquer um desde agora até o ano
que vem. Você não pode estar seguro quais das pessoas sentadas aqui vão morrer
primeiro --alguém na primeira fila, ou no meio, ou no fundo.
Não haverá um recado alertando-o: “Prepare-se para morrer agora”, de repente
a morte o abaterá um dia e você terá de deixar o que quer que esteja fazendo. Até
simples monges têm que parar de beber o chá com manteiga, comer farinha de cevada
ou massa e partirem para suas próximas vidas; isto mostra como a hora da morte é
incerta.
Agarrar-se à permanência é enganoso e faz você pensar que ainda tem muitos
anos de vida, mas chegará o dia em que vai morrer. Pessoas que vão morrer hoje de
doença ainda estão pensando, “Eu não vou morrer hoje”. Quando alguns alcançam um
ano astrologicamente desfavorável, podem pensar na morte e indagar: “Será que
morrerei este ano?” Mas mesmo se não houver um ano assim, não há um ano, desde o
seu primeiro até o centésimo, em que possa afirmar: “Não morrerei este ano”. Suponha
que tenha vinte e oito anos. Você deve pensar, “Eu posso morrer este ano. Fulano e
beltrano morreram com esta idade”.
Podemos dizer, “Juro que não morrerei este ano”, mas não podemos cumprir tal
juramento.
Não somos analíticos e podemos nos deixar levar quando vivemos em grandes
cidades ou comunidades. A morte e a impermanência são temas práticos para a
meditação porque não são difíceis de serem compreendidos como a ausência de ego.
São coisas que podemos ver por nós mesmos, são tangíveis.
Meu próprio precioso guru, meu refúgio e protetor, disse:
Se você não morrer dentro de um mês ou dois, eu rezo para que possa
conseguir algum benefício para seus próximos renascimentos; e, se
você não morrer em um ano ou dois, para que possa conseguir suas
esperanças eternas para todos os seus renascimentos!
Você deve repensar esta seção da maneira que eu ensinei, com as citações e
tudo o mais.
247
SEGUNDO MOTIVO: É INCERTO QUANDO IRÁ MORRER PORQUE HÁ
MUITOS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A SUA MORTE E
POUCOS QUE CONTRIBUEM PARA A SUA VIDA
Não só existem muitos fatores internos e externos que contribuem para a morte,
mas muitos dos fatores que contribuem para a vida podem também contribuir para a
morte. Casas podem ruir, barcos podem rachar ou virar, cavalos podem pinotear e
pisoteá-lo, seus amigos podem enganá-lo, a comida pode não lhe fazer bem, e assim
por diante. Muitas coisas podem agir como fatores que contribuem para a morte.
Nossa força-vital é como o gás incandescente na chama de uma lamparina;
como Nagarjuna diz:
248
diz em suas Cartas:
Sete sóis queimarão a terra, o Monte Meru, os oceanos,
E todos os seres sansáricos irão
Virar cinzas --nada permanecerá.
O que não dizer de pessoas extremamente insignificantes e coisas assim!
Muita coisa pode prejudicar o seu tempo de vida
Ele é mais impermanente do que bolhas na água soprada pelo vento.
Como é surpreendente que ainda acordamos respirando
Depois de termos dormido!
Em outras palavras, você nunca chega a fazer a sua prática quando um projeto
termina; em vez disto, surge um outro projeto e então você adia a prática até que aquele
projeto acabe. Depois haverá um outro e você pensará, “Vou atrasar minha prática até
que isto seja feito”. O trabalho mundano é como um rio; ele nunca pára. Como
Gungtang Rinpoche disse:
249
Se adia as coisas e diz: “Quando isto acabar vou praticar o Dharma,” ou, “Vou
praticar o Dharma amanhã” o trabalho nunca acabará mas sua hora da morte certamente
chegará.
Pense nos três motivos porque a hora de sua morte é incerta e imediatamente
vai abandonar o trabalho mundano, decidir não desperdiçar nenhum tempo e praticar o
Dharma. Mas não é necessário que os alunos [de um mosteiro] interrompam seus
estudos ou práticas de debates em grupo e partam para alguma caverna numa
montanha. Ao contrário, devem transformar em Dharma tudo o que fizerem. Suponha
que você só recite as palavras dos textos; você pode recitar o verso “Até a iluminação,
eu tomo refúgio no Buda, Dharma, e na assembléia suprema...” milhares de vezes, mas
verifique se pensou corretamente no verso mesmo só uma única vez, e verá que
raramente o fez.
Não importa que esforço coloque nos negócios, na fazenda, e coisas assim, eles
nunca passarão a ser Dharma; mas nós que somos ordenados devemos converter o que
fazemos em Dharma. É uma pena não praticarmos o Dharma rotineiramente; não é
pena alguma se simplesmente não conhecermos os fatos.
Você pode ser como Brahma, Indra ou um imperador universal, mas quando
morrer, você não levará um único servo; não terá a liberdade de levar nem mesmo uma
única posse --estas coisas não ajudam nada nessa hora. Você pode ser o rei mais
poderoso, que reina sobre todos os países, mas quando a morte vier, não poderá levar
nem mesmo um grão de cevada. Não haverá distinção entre você e um mendigo; não
será permitido nem mesmo um bastão de caminhar. “O rei deixará para trás suas
pompas; o mendigo deixará para trás seu bastão.” O Sutra da Árvore Viva afirma:
250
Ao nascer, nascemos sozinho,
Ao morrer, ficamos igualmente só.
O que seus amigos intrometidos poderão fazer
Se eles não tomam para si um outro sofrimento?
De uma grande pedra, certa vez um homem esculpiu um cubo. Uma outra
pessoa perguntou o que ia fazer com aquilo. “Ah, nada”, respondeu, “Eu só vou deixá-
lo para trás”. Assim também você terá de deixar para trás toda sua riqueza e todas as
posses que adquiriu neste renascimento.
251
cavalos, mulas e servos. Mas quando dermos o grande passo para o nosso próximo
renascimento, estaremos sós, sem amigos, e incapazes de levarmos até mesmo uma
única de nossas posses.
Je Milarepa disse:
252
--Isto será o seu companheiro.
253
manteiga barata. Se você for um lama, será vestido com seu traje de iniciação para ficar
com uma aparência melhor.
Atualmente, você pode trabalhar arduamente para ter uma casa boa ou
aquecida, roupas macias e tapetes, mas quando morrer, seu corpo será dobrado em três
partes, embrulhado com uma tira de couro e largado sobre pedras ou terra, e assim por
diante. Agora, você pode apreciar uma comida deliciosa, mas no futuro, terá de viver
do cheiro de oferecimentos queimados aos mortos. Atualmente, podem lhe chamar de
coisas boas como “Geshe”, “Senhor”, ou “Venerável monge”; no futuro chegará o
tempo em que o seu corpo será chamado de “cadáver”, e você será chamado de “o
falecido Fulano-de-Tal”. Sempre que vocês lamas verem seus trajes de iniciação,
devem lembrar que ao morrer, os seus restos mortais serão cobertos por eles. Ao
vermos nossos cobertores, devemos nos lembrar que nossos corpos serão embrulhados
nele. É assim que precisamos agir. Je Milarepa disse: “O aterrorizante nome de
‘cadáver’ será dado ao corpo do iogue”. Isto também se aplica ao seu corpo.
Depois da morte, você vai para o bardo, onde terá um medo inimaginável e
alucinações de tempestades de poeira e de fogo, de ser enterrado sob avalanches ou
montes de terra, de estar cercado por tições rodopiantes, de estar sendo varrido por água
ou vento, e assim por diante.
Alguns lamas alegam conceder à consciência das pessoas mortas uma
apresentação sólida do bardo e fazem o ritual de introdução ao lado da cabeça do
cadáver, mas a hora de dar uma verdadeira introdução ao bardo é agora. É mais
benéfico fazer isto antes de morrer. Podemos estar sempre certos de apreciarmos
comida e bebida, mas isto não acontecerá quando estivermos morrendo e tivermos de
dizer, “Ajude-me a sentar”. Como também é certo que não praticaremos o Dharma
nessa hora, já que não o praticamos agora que estamos vivos e bem. Mesmo assim,
esses rituais [de introdução da consciência do cadáver ao bardo] podem ser
ligeiramente benéficos, porque as bênçãos dos Budas são inconcebíveis.
Uma fonte das meditações nos aspectos da morte é Engajando-se nos Feitos dos
Bodhisattvas:
254
alguém que estimava a cabeça tanto, que se sua unha a arranhasse, ele dizia, “Ai!”
Se você for um monge comum, deixará sua cela vazia ao morrer e outra pessoa
se mudará para lá, dizendo: “Ele morreu tantos dias atrás e eu ganhei o quarto”.
Outra pessoa usará seus mantos de açafrão e dirá, “Eles eram do fulano-de-tal.
Eu os comprei.” E também, chegará definitivamente o tempo em que pessoas que no
momento não podem usar seus móveis, roupas, e assim por diante, vão comprá-los e
usá-los. É por isso que o Sétimo Dalai Lama Kelzang Gyatso disse: “Com o tempo
perderei até mesmo estas posses: estou feliz por ter tido tais jóias por empréstimo”. Em
outras palavras, são coisas que lhe foram emprestadas só por um breve tempo.
Se você não consegue pensar na sua própria morte, vá e testemunhe alguém
morrendo; é impossível não se recordar destas instruções em tal momento.
Não pensamos nisso, mas porque ficamos amedrontados quando vemos uma
corda [e a confundimos com uma cobra]? Este é o tamanho do medo que devemos ter.
Podemos morrer antes de gastarmos um manto cor-de-açafrão, por exemplo. Pense
nisto: nossas vidas são extremamente curtas.
Essas coisas são discutidas em Sutra das Instruções ao Rei. [Gedun Tenzin
Gyatso] em seu Lam-rim Chapéu Vermelho discute como a meditação na
impermanência pode ser um antídoto contra engordar numa época em que você tenha
acesso a roupas magníficas, comidas, e coisas assim. Ao ver suas posses, suas roupas e
coisas assim, sempre pense: “Estas coisas só estão disfarçadas como minhas. Chegará o
tempo em que outras pessoas vão dividi-las entre si, e não duvido que dirão, 'Isto
pertenceu ao morto.' Agora, eu estimo e cuido de meu corpo, mas chegará o tempo em
que se tornará o que chamamos de ‘cadáver’. Se eu o visse então, ficaria aterrorizado;
ficaria nauseado se o tocasse. Ele será amarrado com uma corda e todos os tipos de
coisas serão feitas com ele”. Pense como o resto de sua farinha de cevada será usada
em oferecimentos, como os rituais de introdução ao bardo serão feitos ao lado de sua
cabeça, e assim por diante. Algumas outras pessoas vão manusear seu crânio, dizendo,
“Este é o crânio dele. A qualidade não é tão ruim”. Um tempo assim está chegando, e a
partir de agora você deve fazer aquilo que não se lamentará.
O critério para que tenha desenvolvido realizações da morte e impermanência
em seu contínuo mental é se você quer ou não ser igual ao Geshe Karag Gomchung.
255
DIA ONZE
Em outras palavras, os três reinos – a terra, o Monte Meru e tudo – são como
nuvens de outono. Os seres nascem e morrem; é como assistir a um teatro, porque os
personagens podem mudar a cada momento. Nossas vidas não duram muito: são como
meros raios de relâmpagos. Elas passam por cessações de momento a momento, não
são estagnadas, e passam correndo como cachoeiras de montanhas altas. Portanto, você
deve pensar, “Vou praticar o Dharma imediatamente”. O Lam-rim é o melhor portal ao
caminho único seguido por todos os Budas dos três tempos. Assim, você deve assistir a
este ensinamento do Lam-rim para alcançar a Budeidade pelo bem de todos os seres
sencientes; depois, deverá colocá-lo em prática...
Então, ele relacionou os títulos já cobertos, e reviu o material da véspera sobre a
impermanência.
A seção “Desenvolvendo um Anseio por um Bom Renascimento”, tem uma
segunda sub-divisão:
256
Nesta vida, fazemos muitos planos que chamamos de “pensar no futuro”. Não é
nada disto. Tenha uma visão ainda mais ampla: investigue onde vai renascer. Se fizer
isto, verá que não pode escapar de ir ao reino superior ou ao reino inferior, e que não há
liberdade de escolha. Se tivesse um escolha, quem ainda estaria agora nos reinos
inferiores? Portanto, aonde você renascerá depende do seu karma.
Se tiver um karma misto, algum karma virtuoso e algum não-virtuoso, o mais
forte amadurecerá primeiro. Se forem igualmente fortes, aquele com o qual você está
mais familiarizado amadurecerá primeiro. Se estiver igualmente familiarizado com
todos, então o tipo produzido primeiro amadurecerá primeiro. Os comentários de
Vasubhandu ao seu Tesouro de Metafísica diz:
Para nós, o karma não-virtuoso é o mais forte dos dois. Nossos pensamentos
normalmente são só de apego e coisas assim. Assim sendo, todo karma produzido por
estes pensamentos é não-virtuoso. Mesmo nossas ações virtuosas inadvertidamente
ficam sob o poder de pensamentos não-virtuosos e muito pouco destas ações é dedicado
às nossas vidas futuras.
Veja o exemplo de repreender um discípulo. Sua motivação é de uma raiva muito
grande. Então, como a ação em si, você usa palavras que ferem os sentimentos da outra
pessoa. Como passo final, você se alegra com o que fez. Assim, a motivação, a ação em
si, e o passo final são todos muito poderosos.
A maioria de nossas ações nocivas são também muito poderosas, mas nossas
ações virtuosas são como segue: Certa vez havia um homem que costumava se distrair
com outros pensamentos sempre que recitava As Cem Deidades de Tushita. Ele
conversava com os outros enquanto recitava o texto muitas vezes do início ao fim. Nós
também verbalizamos as palavras dos textos, mas enquanto isto nossas mentes ficam
envolvidas com temas mundanos. Qualquer pequena virtude que tenhamos é destruída
por raiva ou visões errôneas. Até mesmo as nossas menores não-virtudes dobram de
tamanho a cada dia. Além disso, em nossas vidas passadas, quando renascemos como
insetos, criaturas, monstros marinhos, ferozes animais de rapina, e coisas assim,
cometemos muitas grandes ações nocivas. Estas, junto com as ações nocivas cometidas
nesta vida, constituem o vasto número de poderosas ações negativas que acumulamos.
Não somos capazes de remediar todas elas antes de nossa morte, expiando-as e
refreando-nos de repeti-las. Sabemos que isto é além de nossas capacidades atuais. Isto
prova por cognição válida direta que estamos mais familiarizados com a não-virtude; a
única possibilidade é que iremos aos reinos inferiores em nosso próximo renascimento.
Não poderemos ter certeza de que não iremos aos reinos inferiores até que
tenhamos alcançado o nível de paciência do caminho da preparação. Dizem que até os
257
mahatma Bodhisattvas renasceram lá.
Suponha que você durma esta noite como um monge no seu quarto confortável e
sua cama macia; então morre por causa de alguma ocorrência repentina desafortunada.
Na hora em que normalmente estaria acordando na manhã seguinte, você já pode ter
chegado ao local onde morros e vales estão cheios de fogo. Então o que você faria ?
Você não estará suficientemente movido a desenvolver a renúncia se
simplesmente meditar em como pode nascer nos reinos inferiores da mesma forma
como olha um objeto movido por curiosidade. Como disse Nagarjuna: “Lembre-se do
grande calor ou frio dos infernos como se tivesse passado um dia lá...” Ou seja, você
deve meditar para produzir insight em renascer neste ou naquele reino inferior (isto é
algo como as meditações do estágio de geração de uma deidade tutelar). Você deve
ficar com medo.
Temos em alta consideração as meditações de ter o corpo divino de uma deidade
tutelar, mas seria muito mais benéfico no início meditar por um tempo em ter o corpo
de um ser do inferno. Os sofrimentos dos infernos quentes vão facilitar nossa primeira
transformação mental e produzirão nosso primeiro desenvolvimento de renúncia. Isto é
um resultado salutar. Também ficaremos tristes; a tristeza tem grandes qualidades, ela
nos livra do orgulho arrogante, e coisas assim. Shantideva afirma:
258
Quando se está prestes a renascer nos infernos quentes, [o que se pode fazer?}
Como disse Gungtang Rinpoche:
Ou seja, no momento da morte você tem alucinações de estar com frio, então
desenvolve um anseio por calor, o que ativa o karma que leva a um renascimento nos
infernos quentes. Você morre; isto é como cair no sono. Você vivencia o bardo como se
fosse um sonho. Então, de repente, se encontra nos infernos quentes, que é como
acordar.
O fogo do inferno é sete vezes mais quente do que o fogo dos reinos humanos.
Vamos comparar estes dois tipos de fogo. Comparado ao fogo do inferno, o fogo
humano é tão frio que é como água refrescada por sândalo Goshirsha.59
Certa vez Maudgalyayana carregou uma pequena brasa dos infernos para o
reino humano e colocou-a na praia. Todos os seres humanos enlouqueceram com o
calor e não suportavam deixá-la onde estava. Se você renascer no meio de tal fogo, isto
não seria problema se seu corpo fosse pequeno e fosse imediatamente consumido pelo
fogo. Mas seu corpo é enorme, como uma cadeia de montanhas. Isto ainda não seria um
problema se as solas de seus pés fossem calejadas como a pele dos pés de alguns de
nós. Isto não acontece: seu corpo é como o corpo de um bebê no peito da mãe.
Portanto, os sofrimentos dos infernos quentes em geral são insuportáveis: o
sofrimento de ter um corpo --que está sendo queimado-- é enorme; o sofrimento de ter
a carne com tolerância à dor tão pequena quanto a de um recém-nascido; o sofrimento
que o que está queimando, o fogo, é extremamente quente, e assim por diante.
Existem oito destes infernos quentes.
59
Um conceito na literatura sânscrita é que o sândalo refresca tudo o que toca; o sândalo Goshirsha (sândalo coração de
cobra) é tido como o melhor para isto.
259
carnes esparramados se reúnam. Seus corpos ficam curados e como antes. Então, eles
fazem a mesma coisa novamente. Todo dia eles têm estes desmaios mortais; todo dia
eles têm muitas centenas de mortes diferentes e são reavivados muitas centenas de
vezes. Devemos desenvolver insight do que seria renascer lá agora, ser estraçalhado por
armas, desmaiar, reavivar, e assim por diante. Se nesta vida somos esfaqueados por
uma pequena faca, isto só nos matará uma vez --e mesmo assim sofremos dor e pavor
inconcebíveis. Neste inferno, morremos muitas vezes todos os dias e sempre
experimentamos este [pavor e dor]. Lá, nosso tempo de vida também seria muito longo;
nossas vidas humanas anteriores não sustentam nenhuma comparação. Nagarjuna disse
em sua Carta:
260
montanhas semelhantes a unhas.
O Inferno da Lamentação
Você é colocado dentro de uma casa de ferro incandescente. A casa não tem
portas e está ardendo em fogo, por dentro e por fora. Você sofre, pensando, “Não
encontrarei meio de escapar.” Seu grande sofrimento o faz gemer.
Kyabje Pabongka Rinpoche contou a estória de como Kokalika, uma pessoa do círculo
de Devadatta, renasceu neste inferno.
261
O Inferno Sem Descanso
Neste inferno não há chance de descansar; o sofrimento aqui é maior do que em
todos os infernos quentes mencionados acima. Quando queimamos pedras ou ferro no
fogo, elas não se distinguem do fogo. Os corpos dos seres que nascem neste inferno
ficam também indistinguíveis do fogo. Pode-se saber que existem seres sencientes
neste inferno apenas pelos sons patéticos que emitem. Eles são queimados por onze
fogos; os fogos dos quatro pontos cardinais, os quatro pontos intermediários, os fogos
do zênite e adir, e o fogo dentro de seus próprios corpos. Eles são como pavios. Seus
sofrimentos são ilimitados. Nagarjuna afirma em sua Carta:
Em outras palavras, o Inferno Sem Descanso contém mais sofrimento do que todo
o sofrimento dos outros três reinos --inclusive o Inferno Ainda Mais Quente.
Embora os infernos tenham estes sofrimentos, pensamos, “Eu não renascerei lá.”
Mas nunca poderemos estar certos de não renascer nestes infernos assim que deixarmos
esta vida. Não podemos estar confiantes de que não vamos para os reinos inferiores.
Definitivamente, acumulamos muitas causas para renascer no inferno; estas causas são
muito poderosas e não se degeneraram de forma alguma. Os piores casos de fazermos
qualquer uma das dez ações não-virtuosas causarão nosso renascimento nos infernos;
os casos medianos causarão nosso renascimento como fantasmas famintos; os casos
menores, renascimento como animais. Dizem que renasceremos no Inferno de
Ressurreição Contínua porque cometemos ações nocivas contra os votos pratimoksha
sem nos incomodarmos com isso; e no Inferno Sem Descanso porque não nos
importamos se quebramos os votos pratimoksha principais. Então, devemos ter
cuidado. Temos em nossos contínuos mentais muitas ações nocivas extremamente
graves; quebrar votos minoritários e delitos contra os votos pratimoksha e tântricos,
ficar com raiva de Bodhisattvas, desrespeitar os gurus, e coisas assim. Se tivermos
quebrado um voto tântrico principal renasceremos no Inferno Sem Descanso pelo
número de éons iguais aos momentos que se passaram até restaurarmos o voto,
retomando-o e expiando a ação nociva. No passado não ligamos quando quebramos um
voto pratimoksha minoritário; transgredimos as regras, e já acumulamos o karma para
renascermos em cada um dos oito infernos quentes a cada vez.
Nestes renascimentos vivenciamos o sofrimento até que os resultados dos meus
karmas se esgotem, pois não conseguiremos desligar nossa consciência de nossos
corpos. Nagarjuna diz em sua Carta:
Tais sofrimentos são completamente intoleráveis.
262
Os experimentaremos por bilhões de vezes;
Enquanto as não-virtudes não tiverem se esgotado
Não deixaremos de viver aquela vida.
A duração da vida nos oito infernos quentes é muito longa. O tempo de vida mais
curto é dos seres no Inferno da Ressurreição Contínua. Cinqüenta de nossos anos
humanos é igual a um dia para os deuses no Reino dos Quatro Maharajas; trinta destes
dias são como um de seus meses, doze destes meses, um de seus anos. Quinhentos
destes anos, à duração da vida de um ser no Reino dos Quatro Maharajas. Mas, isto é
apenas um dia no Inferno da Ressurreição Contínua. Trinta destes dias são como um
mês neste inferno, doze tais meses fazem um ano. A vida no Inferno da Ressurreição
Contínua é de quinhentos destes anos. Pode-se dizer que isto é 1,62 x1012 anos
humanos. As Palavras do Próprio Manjushri diz que é 1,66 x 1012 anos, mas isto é um
erro. Você deve consultar a edição do Mosteiro Meru deste texto ou os Lam-rims da
Linhagem do Sul.
Pode parecer estranho dizer que estes infernos quentes estão há tantas yojanas de
distância, mas não há nenhuma grande distância entre você e os reinos inferiores --
apenas o fato de que você ainda respira. Analise isto bem; você não pode ter certeza de
que não terá ido para um destes reinos no ano que vem, ou até mesmo amanhã. Se você
for a um destes reinos, o que vai fazer?
Como está não podemos suportar ver nossos corpos queimados por fogo ou
furados por uma agulha. Como então poderíamos suportar renascer num destes
infernos? Como disseram os Kadampas do passado, é como se só um de nossos pés está
no reino humano; já colocamos o outro na beira de um caldeirão do inferno, já criamos
a causa para renascer no inferno.
Tendo renascido nos reinos inferiores, é impossível ficarmos livres deles ou
encontrarmos qualquer refúgio. Assim, antes de renascermos lá, devemos trabalhar
duro enquanto ainda temos um resto de tempo de vida. Se não conseguirmos a melhor
coisa – a Budeidade – , ou a segunda melhor – ser um adepto ou um siddha – , devemos
pelo menos trabalhar com afinco para evitar que venhamos renascer nos reinos
inferiores, ao expiar nossas ações nocivas, e assim por diante.
o OS INFERNOS ADJACENTES
Do lado de fora, ao redor dos infernos quentes, como a cerca de ferro [que
rodeia este sistema mundial], há quatro infernos adjacentes: Vala Flamejante, o Pântano
Pútrido, o Plano de Facas Afiadas, e a Torrente Impenetrável.
Chega a época em que o karma dos seres renascidos nos infernos quentes
enfraquece; então estes seres escapam dos infernos quentes e vão aos infernos
adjacentes. Há também seres que renascem diretamente nestes infernos adjacentes.
Quando alguns dos seres estão prontos para escapar dos infernos quentes eles
ficam com a idéia de fugir; saem pelos portões dos infernos quentes, e chegam à Vala
263
Flamejante. Suas pernas queimam até os joelhos, e quando puxam suas pernas da vala,
elas se curam. Assim, as pernas se queimam a cada passo que dão. Eles passam muitas
centenas de milhares de anos atravessando a Vala Flamejante, sendo constantemente
atormentados com este sofrimento e desejando escapar.
Mais tarde, eles escapam da Vala, mas chegam ao Pântano Pútrido. Eles se
afundam até o pescoço e se contorcem; muitos vermes de bicos afiados como pássaros
furam seus corpos, comendo-os e deixando seus corpos como peneiras.
Os seres passam muitas centenas de milhares de anos atravessando o pântano,
esperando também escapar. Eles chegam ao Plano de Facas Afiadas. Este plano está
cheio de facas de ferro afiadas com as pontas viradas para cima. Eles vivenciam o
sofrimento das facas penetrando e cortando suas pernas. Eventualmente escapam e
chegam a uma floresta onde as arvores têm espadas em vez de folhas. Confundindo-as
com árvores verdadeiras, caminham debaixo delas. As folhas-espadas cortam seus
corpos, que então se curam e são novamente cortados. Estes são os sofrimentos que
experimentam. Quando os seres emergem da floresta, chegam ao tronco da árvore
Shalmali, que tem muitas lâminas de ferro afiadas. Os seres escutam os gritos de
pessoas que lhes foram mais caras vindo do topo da Shalmali. Mas ao escalá-la as
pontas das lâminas de ferro apontam para baixo perfurando seus corpos. Passando por
estes sofrimentos, continuam subindo. Quando chegam ao topo, pássaros pavorosos
arrancam seus olhos e cérebros. Então surge um grito vindo de baixo e os seres descem;
as lâminas de ferro apontam para cima e perfuram seus corpos. Quando chegam em
baixo, cães e feras selvagens os devoram a partir de seus pés. Os seres experimentam o
sofrimento de subir e descer assim até que seus karmas se esgotem.
Estes três tipos diferentes de ataques de armas devem ser contados como o
inferno adjacente.
Quando os seres se libertam destes, eles chegam à Torrente Impenetrável. A
água corrente está misturada com fogo, e queima e cozinha seus corpos como água
fervente cozinha ervilhas. Eles vivenciam este sofrimento por um longo tempo.
Estamos todos marcados para renascer nos infernos quentes. É vital, portanto,
trabalharmos arduamente nos meios de não renascer lá, isto é, modificando nosso
comportamento.
264
Se você desejar sensações corpóreas de frio no momento da morte, isto ativa o
karma de renascer nos infernos frios. Você experimenta o bardo como se fosse um
sonho; então renasce nos infernos frios, que é como acordar. Nestes locais existem
montanhas nevadas, cada uma com muitas yojanas de altura. Não há luz de sol, lua,
fogos, ou coisas assim. É tão escuro que não se consegue ver os movimentos dos
próprios braços. O chão é um campo de gelo; ao alto, uma nevasca devasta; entre estes
dois, sopra um vento frio. Não há nenhum meio de se aquecer --nenhum fogo, nenhum
sol, nenhuma roupa, nada.
Existem oito infernos frios, cada um progressivamente mais frio. Há o Inferno
de Bolhas, onde se desenvolve bolhas no corpo. O Inferno de Bolhas Estouradas é
ainda mais frio; lá as bolhas estouram, pingando sangue e linfa. O próximo inferno é
ainda mais frio; o corpo fica endurecido como pedra, não consegue se mexer e tudo o
que consegue dizer é “Achu” (“Brrr”).
O nome tibetano para este inferno é “Achu”. Esta é na realidade a palavra que
os tibetanos usam quando estão com frio, por isso equivale ao nosso som “Brrr”. A
palavra em sânscrito é “Huhuva”.
No próximo inferno, que é ainda mais frio, não se consegue dizer nem mesmo
isto, e só se consegue emitir o débil som “Hue” da garganta. No próximo inferno, não
se consegue emitir nem este som, a boca está firmemente fechada, os dentes cerrados.
O próximo inferno é ainda mais frio: seu corpo duro como um cadáver, tem cor azulada
e faz um som de rachar; ele racha como um lótus azul. O próximo é ainda mais frio; sua
carne racha como lótus vermelho. No próximo, sua carne desenvolve cem ou mil vezes
mais rachaduras semelhantes a lótus. No Inferno “Achu” e nos infernos abaixo deste, os
seres infernais salpicam os campos de gelo e as montanhas nevadas como enfeites de
jóias que decoram as stupas; seus corpos estão tão congelados que não conseguem se
mover. Chandragomin diz em Carta a Um Discípulo:
Isto é, muitas moscas com bicos venenosos se reúnem ao redor da linfa que
pinga das rachaduras dos corpos dos seres dos infernos, atacando-os. Até mesmo as
gotas de sangue que caem no chão ainda estão ligadas à consciência dos seres. Eles
vivenciam o sofrimento das gotas se congelando e rachando. Além disso, os seres
vivenciam tais sofrimentos como seres atormentados por várias doenças infecciosas.
Os Contos de Jataka mencionam as causas para renascer nestes infernos:
265
Aqueles que sustentam visões niilistas
Em todas as suas vidas futuras
Residirão nestes lugares
De escuridão e ventos frios.
Contrairão doenças
Que apodrecem seus próprios ossos;
Qual então o benefício
De ser perito em tais visões?
Em outras palavras, a causa é algo como manter visões erradas e niilistas, por
exemplo, a visão de que a lei da causa e efeito não existe.
Acumulamos muitas causas para renascermos nestes infernos, e desde então
elas não se degeneraram. Estas causas são as seguintes: roubar roupas dos outros,
retirar cobertas de estátuas, ou jogar seres sencientes, como piolhos, no frio congelante.
O tempo de vida dos seres nos infernos frios é como segue: Embora Asanga
afirme em Níveis de Shravakas que estes seres sencientes possuem um tempo de vida
tão longo quanto dos que renascem nos infernos grandes [ou quentes], o Tesouro de
Metafísica [de Vasubandu's] afirma:
Em outras palavras, o tempo de vida é tão longo quanto o tempo que leva para
esvaziar um silo que guarda oitenta alqueires padrão de Magadha de gergelim jogando
fora uma semente de gergelim a cada cem anos. Um octogésimo de um alqueire tem
quinze mil sementes de gergelim [logo, demoraria 9,6 x 109 anos para esvaziar o silo].
Este é o tempo de vida dos seres no primeiro dos infernos frios, o Inferno de Bolhas.
Nos infernos abaixo deste, a duração da vida aumenta vinte vezes a cada nível.
Estes infernos estão nos reinos humanos, à beira da praia, e coisas assim.
Certa vez alguns mercadores convidaram Arya Sangharakshita para
acompanhá-los até uma ilha. Ele desgarrou-se dos outros e andou até a beira da praia,
onde havia um belo templo. Os quinhentos membros da Sangha de lá o convidaram a
entrar. Os monges discutiam ao meio-dia, mas quando passava o meio-dia, tudo voltava
ao normal. Ele perguntou o motivo daquilo e lhe disseram que era o resultado de não
terem sido amistosos uns com os outros e lutado no passado quando os ensinamentos
de Buda Kashyapa ainda estavam em existência. O Arya também viu os seres infernais
266
na forma de paredes, pilares, pilões, cordas, vassouras, pipas de água, e potes de
cozinha. Mais tarde quando voltou de viagem, o Arya perguntou a Shakyamuni sobre
tudo aquilo. Já falamos da resposta de Buda quanto aos seres que se assemelham a
pilares, na seção dos ritos preparatórios [Dia Quatro]. A criatura com forma de pilão,
no entanto, havia sido um monge na época dos ensinamentos de Buda Kashyapa, que
perdeu a calma e disse a um novato: “Você deveria ser socado com um pilão”. Como
resultado destas palavras insultuosas, o monge havia se tornado uma criatura com a
forma de pilão.
Kyabje Pabongka Rinpoche contou como estes seres tinham experimentado estas
coisas desde o tempo dos ensinamentos de Buda Kashyapa até o momento presente.
Certa vez havia um capitão de navio chamado Kotikarna que havia nascido com
um brinco de uma pedra que valia dez milhões de peças de ouro. O Capitão Kotikarna
saiu navegando para obter jóias. Ele adormeceu na beira da praia e os outros
mercadores seguiram adiante sem ele. Ao acordar descobriu que um forte vento havia
apagado o caminho e até seu burro de carga não conseguia pegar o cheiro da trilha.
Kotikarna vagou, incapaz de encontrar o caminho. Viu uma casa como um palácio e
dentro um homem rodeado por quatro deusas. O capitão viu que à noite o homem tinha
uma beatitude tão grande como a dos deuses. Mas, durante o dia, a casa virava ferro
ardente lambida por fogo e as mulheres viravam quatro cães marrons. O homem caia
sobre seu rosto e os cães comiam sua carne pedaço por pedaço. Então, depois do sol se
pôr, tudo voltava ao estado original. Ele perguntou ao homem a causa daquilo. O
homem disse que havia sido um açougueiro na cidade de Sthira, mas seguindo o
conselho de Arya Katyayana, fez votos de não matar à noite, mas não foi capaz de
tomar estes votos de dia, e o resultado era este. O homem disse que tinha um filho em
Sthira que era açougueiro. Kotikarna deveria dar ao filho o seguinte recado: “Você não
deve matar; quando der esmola ao Arya Katyayana, deve dedicar as virtudes-raizes a
mim”. Como prova, o homem contou a Kotikarna que ele havia escondido um pote de
ouro no local [da casa do filho] onde eles guardavam as espadas.
Kotikarna seguiu em frente. Havia uma casa fina onde um homem e duas belas
mulheres apreciavam a felicidade e beatitude. Mas o homem viu que à noite, era bem o
oposto; as mulheres viravam cobras e comiam o homem a partir do topo da cabeça.
Kotikarna perguntou ao homem o motivo disto. O homem disse que quando havia sido
um brâmane em Sthira ele cometia adultério, mas tomou o voto com Katyayana para
não fazê-lo durante o dia. O resultado era este. Ele disse, “Vá e fale com meu filho em
Sthira”, e deu Kotikarna um recado para levar de volta. Como prova, contou a
Kotikarna que havia escondido um pote de ouro debaixo do fogão.
Então, o capitão seguiu adiante e viu um trono de quatro pés. Um fantasma
faminto segurava cada pé...
267
Estes são alguns infernos ocasionais. Existem infernos ocasionais nos reinos
humanos. Certa vez na Índia, quando o venerável Shirman cuidava de seus afazeres
diários, viu a forma de uma bela casa no céu; a casa estava ardendo em com fogo e nela
havia um homem, o renascimento de um açougueiro. O servo do açougueiro estava
dentro de uma montanha de ossos e passava por grande sofrimento.
Há uma estória de um castrador de animais que renasceu com o corpo imenso
como uma montanha. Este era o resultado kármico de suas ações.
Já acumulamos muitos casos de karma, cujos resultados certamente vivenciaremos
destas maneiras. Poderíamos jurar que todas estas coisas acontecerão conosco.
Um grande adepto viu um enorme peixe no Lago Yardrog. O peixe era o
renascimento de um homem chamado Tanag Lama da Província de Tsang. Quando
ainda era vivo, costumava comer muitos dos oferecimentos feitos a ele. O corpo do
peixe tinha metade da circunferência do Lago Yardrog e estava sendo comido por
muitas parasitas. O adepto apontou o peixe aos expectadores e disse, “Não comam
oferecimentos. Não comam oferecimentos”. Nós comemos oferecimentos porque
somos monges. Dizem que os pavões podem comer veneno, portanto, se praticamos o
Dharma e sabemos como comer os oferecimentos, podemos fazê-lo e este tipo de coisa
não acontecerá conosco. Mas não basta escolher o caminho mais fácil e comer
oferecimentos só porque você é ordenado. A Transmissão do Vinaya diz:
É melhor comer
Pedaços de ferro fundido
Queimando com línguas de chamas;
Pessoas com ética frouxa
Que não têm a restrição correta
Não devem comer as esmolas do distrito.
268
naquele dia. Aconteceu de ser o tronco de uma árvore, e ao retirarem a casca
descobriram um enorme sapo sendo comido por muitas criaturas menores. Dizem que a
primeira criatura era um lama que havia comido os oferecimentos feitos a ele e o
segundo era o principal atendente de algum lama de Derge.
Meu guru, a personificação de Vajradhara, me disse pessoalmente que quando ele
foi a Kham havia no Lago Doshul um enorme animal parecido com uma tenda cabelo-
de-yak. A criatura ficava submersa no lago durante o verão, mas no inverno, quando o
lago congelava, suas costas se projetava na superfície e muitas criaturas, pássaros e
similares, se alimentavam ali.
Estes são infernos ocasionais. Temos criado e ainda estamos criando incontáveis
causas para tais renascimentos. Devemos, portanto, pensar e repensar muitas vezes
como ainda teremos de vivenciar tais sofrimentos.
Pense assim. “No presente, não renasci no inferno, mas se tivesse renascido
como um fantasma faminto, seria muito atormentado por sofrimentos intoleráveis --
calor, frio, fome, sede, exaustão e medo-- que eu nem seria capaz de lembrar que
deveria praticar o Dharma, muito menos praticá-lo. Não tive tal renascimento, devido à
bondade de meus gurus. Como tenho um grande mérito de ser capaz de meditar até
mesmo superficialmente no Dharma do Lam-rim! Como tenho sorte!” Mas,
acumulamos em nossos contínuos-mentais muitos karmas que nos jogarão nesses
renascimentos; este karma ainda é poderoso e não se degenerou. Sabemos que está
além de nossa capacidade atual purificá-los a todos antes de morrermos.
E há mais. Nossos pensamentos no momento da morte são cruciais. Os
pecadores podem ter cometidos grandes ações nocivas nesta vida, mas se morrerem só
com pensamentos virtuosos em suas mentes vão ativar o karma virtuoso de uma vida
269
passada. Se os praticantes do Dharma estiverem com raiva, por exemplo, na hora da
morte, seu karma não-virtuoso será ativado. Normalmente, os pensamentos com os
quais temos mais familiaridade nesta vida serão os que se manifestarão no momento da
morte. Sempre tivemos familiaridade mais forte com os enganos, os três venenos, assim
nosso karma não-virtuoso será certamente ativado no momento da morte.
Pode-se ter aversão a comida e bebida, e sentir “Que eu nunca ouça novamente
a palavra comida”. Isto aciona o karma de renascer como fantasma faminto por seu
apego e hostilidade. Você não pode ter a certeza de que não renascerá nestes estado
desafortunado de um fantasma faminto; de fato, você normalmente renascerá como um.
Renascimentos de fantasmas famintos estão localizados em Kapilanagara, a
cidade dos fantasmas famintos, que está há mais de quinhentas yojanas sob o chão. Lá
não há absolutamente nenhuma grama, árvores ou água; todo o chão é devastado como
se ressecado pelo sol. Os corpos e membros dos fantasmas famintos são muito
desajeitados. Seus cabelos estão emaranhados em suas grandes cabeças, suas faces
enrugadas, e seus pescoços são extremamente finos e incapazes de suportar suas
cabeças. Eles possuem corpos enormes e pernas e braços que são finos como estacas e
incapazes de suportá-los. Eles têm cem vezes mais dificuldades de andar do que as
pessoas mais velhas de nosso reino humano. Durante muitos anos não encontram nada
para beber, portanto não há absolutamente nenhuma umidade em seus corpos, nenhum
sangue, linfa, etc. Seus músculos e veias estão envoltos por suas peles secas como um
tora seca envolta por couro marrom. Quando se movem, as juntas de seus braços e
pernas rangem como madeira seca ou como duas pedras se batendo. As juntas também
soltam fagulhas. Já que os fantasmas não tiveram nenhuma comida ou bebida por
centenas de milhares de anos, o seu sofrimento é imenso. Além disso, não há lugar
onde ainda não tenham estado em busca de comida e bebida. Eles ignoraram as
necessidades de seus corpos durante suas viagens e, portanto, estão exaustos. Estão
apavorados de verem Yamasujana [o rei da cidade de fantasmas famintos], temendo por
suas próprias vidas. No calor do verão, o luar os queima, e no inverno a luz do sol os
faz sentir frio. Portanto, são grandes os seus sofrimentos.
270
Fantasmas com Obscurecimentos Internos
Estes fantasmas famintos ocasionalmente conseguem comida mas esta não
passa em suas bocas. Seus pescoços têm nós que fazem com que seja muito difícil
engolir. Alguns fantasmas famintos têm de beber pus rançoso de seus próprios bócios.
Como diz a versão completa da estória de Katikarna, o alimento que comem tomam
várias formas correspondendo a diferentes tipos de karma que os fantasmas
acumularam: pedaços incandescentes de ferro fundido, cascas de grãos, pus ou sangue,
suas próprias carnes, e assim por diante. Os fantasmas devem aturar estes resultados
kármicos insuportáveis. Comida e bebida podem passar pelo pescoço de alguns
fantasmas famintos, mas se transformam em ferro fervente ao chegar no estômago, o
que além de não saciar a sede, cria um sofrimento ilimitado. Há um tipo de fantasma
faminto que não sofre isto, mas seus estômagos são tão grandes que a comida não os
sacia. Lâminas de chamas, o fogo da fome, saem das bocas de alguns destes fantasmas
famintos, o fogo-fátuo é simplesmente o fogo das bocas de tais fantasmas.
271
Nem mesmo pus, fezes, sangue ou coisas assim.
Quando estes fantasmas se encontram cara-a-cara
Eles se imploram mutuamente por pus rançoso
Dos bócios em suas gargantas.
Nos dois meses mais quentes do verão,
Até o luar é quente para os fantasmas famintos
No inverno, sentem a luz do sol fria
E as árvores ficam sem frutos.
Bastam-lhes olhar para os rios
Para secá-los.
Não podemos ter a certeza de que no ano que vem não renasceremos como um
destes fantasmas famintos. As causas de tais renascimentos são: não ser generoso, ou
seja, ser miserável com suas posses; ter uma enorme cobiça; um apego tão grande às
suas posses que se afeiçoa repetidas vezes; impedir que outras pessoas pratiquem a
generosidade; roubar as posses dos outros; roubar oferecimentos feitos à Sangha;
abusar da caridade; e assim por diante. Outra causa é chamar os outros de fantasmas
famintos; por exemplo, se chamar um membro da Sangha de fantasma faminto, você
renascerá como um deles por quinhentas vezes.
Quando os fantasmas famintos do tipo com obscurecimentos de nós recebem uma
gota de água, é porque não foram miseráveis ao dar água no passado. Os outros não
têm a boa fortuna de apreciar qualquer tipo de água.
Acharya Buddhajñana foi ao reino dos fantasmas famintos. Um fantasma faminto
extremamente patético com quinhentos filhos deu a Acharya um recado para levar para
o seu marido quando Acharya regressou aos reinos humanos. “Há doze anos”, ela disse,
“meu marido saiu para procurar alimento e neste tempo dei à luz a quinhentos filhos.
Não consegui sequer uma gota de água e assim tenho passado muitas dificuldades e
273
sofrimentos. Acharya, diga a meu marido para me ajudar voltando rapidamente do
reino humano com qualquer comida que tenha encontrado”.
O Acharya disse-lhe, “E se lá houver muitos fantasmas famintos? Não saberei qual
é seu marido”.
“Ele tem umas marcas que o identificam dos outros. Ele perdeu um olho e um de
seus membros é deformado”.
Quando Acharya regressou ao reino humano, viu alguns fantasmas famintos. Um
era exatamente o fantasma a quem deveria dar o recado. O Acharya contou sua estória e
deu-lhe o recado.
O fantasma faminto disse, “Vim a essa distância tão longa, mas em doze anos tudo
o que encontrei foi esta comida”. Ele segurava um pequeno pedaço de cuspe seco em
seus punhos cerrados; isto foi a posse mais querida. “Um monge que manteve sua ética
cuspiu isto e dedicou-o [aos fantasmas famintos]. Muitas centenas de fantasmas
famintos brigaram por ele, e eu venci”.
A menos que tenhamos cuidado, nunca poderemos ter certeza de que não haverá
um tempo em que teremos que fazer um almoço de fleuma seca.
Há vinte e cinco anos, depois que a mãe do monge noviço Uttara morreu, ele viu
um fantasma faminto apavorante. O amedrontado Uttara estava prestes a fugir, quando
o fantasma disse: “Não fuja!” Então Uttara perguntou, “Quem é você?” e recebeu a
seguinte resposta:
O noviço pediu ao Buda para dedicar orações a ela. Buda usou seus meios hábeis e
quando o fantasma deixou aquele renascimento, ela renasceu como um fantasma
faminto chamado Mahidhika, que era muito rico. Sua avareza era seis vezes pior do que
antes e ela não praticava nenhuma generosidade. O noviço a convenceu a oferecer ao
Buda um pedaço de tecido, mas ela se arrependeu da ação e roubou-o de volta.
Segundo a estória, isto aconteceu muitas vezes.
Kyabje Pagonka Rinpoche contou a estória de um monge que tinha um belo manto de
açafrão.Ele ficou tão apegado a ele que depois de sua morte, renasceu como um
fantasma faminto vestido de manto de açafrão.
Hoje em dia as pessoas avarentas são elogiadas como sendo “espertas” mas a
274
avareza em si é causa para renascer como um fantasma faminto. Agimos de forma
avarenta, logo é quase certo que renasceremos como fantasmas famintos no ano que
vem, ou no máximo dentro de quarenta ou cinqüenta anos -- isto é, se não pegarmos um
renascimento no inferno.
Isto tem duas seções: (1) pensando nos sofrimentos dos animais em geral; (2)
pensando nos sofrimentos de tipos específicos de animais.
Os animais vivenciam cinco tipos de sofrimentos: comer uns aos outros; ser
estúpido e ignorante; sentir calor e frio; fome e sede; ser explorado ou forçado a
trabalhar.
Os sofrimentos dos animais são os menores dos três reinos inferiores, mas,
nestes renascimentos comem uns aos outros e sofrem. Animais com enormes corpos,
monstros marinhos e coisas assim, possuem corpos de muitas yojanas comprimento.
Alguns monstros marinhos são tipos de peixes, outros são baleias incapazes de engoli-
los, e existem baleias que podem engolir outras baleias. Muitos animais menores
infestam os corpos dos monstros marinhos, comendo-os. Chega ao ponto que não
suportam mais isto e esfregam seus corpos nas pedras [submarinas]; isto mata as
parasitas que vivem em seus corpos; e o oceano fica vermelho por muitas yojanas.
As criaturas maiores devoram as menores e as menores se alimentam das
maiores. Os animais dos grandes oceanos são empilhados uns sobre os outros e
comidos por trás. Criaturas nascidas nas profundezas escuras dos oceanos entre os
continentes não se reconhecem, as mães não reconhecem seus rebentos e vice-versa;
comem qualquer coisa que caia em suas bocas, e vivem se alimentando uns dos outros.
Mesmo os animais no reino humano comem-se mutuamente: falcões comem
pequenos pássaros, pássaros comem minhocas, rapinas e animais selvagens comem-se
mutuamente, cães de caça espreitam os animais selvagens e os mata, e assim por diante.
Você não deve ver todo este sofrimento como se isto estivesse acontecendo em
um lugar distante; mas deve meditar neles para adquirir o insight de como você estaria
desamparado se renascesse como um destes seres sencientes.
Animais são estúpidos e ignorantes; nem mesmo sabem se estão sendo levados
a um lugar para abate ou a um lugar para serem alimentados, quanto menos saber
qualquer outra coisa. Eles sofrem de calor e frio. No verão, queimam-se até a morte e
no inverno congelam até morrer, e assim por diante.
Kyabje Pabongka Rinpoche nos falou mais sobre os sofrimentos inconcebíveis que os
animais têm.
275
Certa vez um lama apanhou em sua mão um verme vermelho comprido e
perguntou-lhe, “Você não é um monge Khampa?”
“Sim, sou”, respondeu com a fala humana.
Não podemos estar seguros de que não renasceremos como vermes. Pode-se
citar esta estória. O pai de um aldeão Bonpo morreu e Milarepa previu a outro homem
no vale que o pai renasceria debaixo de um pedaço de esterco. Podemos nos indagar,
“Como poderíamos ter tal renascimento?” Mas isto pode estar apenas uma hora
distante. Quando renascemos como vermes temos de viver nos contorcendo debaixo da
terra -- a menos que nosso buraco tenha sido invadido. Ou podemos ser comidos por
pássaros. Mas mesmo se comessem a nossa parte superior, ainda assim não
morreríamos, nossa parte inferior continuaria a se contorcer. Como podemos ter certeza
de que não viveremos assim? Mesmo se não fizermos mais nada, devemos trabalhar
com afinco para evitar nosso renascimento em tal estado prejudicial.
Além disso, a maioria dos animais têm formas e cores feias. Alguns são
redondos, sem braços ou pernas. Eles também têm fome e sede e passam todo o dia em
busca de alimento, sofrendo porque não conseguem encontrá-lo.
Se não conseguimos suportar agora quando alguém nos chama de velho cão
sarnento, o que faríamos se realmente renascêssemos como um? Veja a comida, bebida,
lugares de dormir, etc. dos cães.
Os únicos lugares onde conseguem encontrar comida são dentro das casas dos
humanos, mas quando entram todos dizem, “Entrou um cachorro!” e o afugentam sem
razão. O que mais poderia ser isto senão o resultado do mau karma do cachorro? Em
alguns mosteiros os cães uivam quando as cornetas soam chamando os monges para se
reunirem. Isto é um sinal de que alguns monges renasceram como cães.
Certa vez um lama em Dagpo recebeu manteiga de um benfeitor leigo e carne
de outro, mas não as consagrou. Ele morreu e renasceu como uma yak fêmea que
costumava dar muito leite na casa do leigo que havia lhe oferecido a manteiga. Mais
tarde a yak caiu de um penhasco e o rio a carregou. O leigo que havia lhe dado a carne
encontrou a yak. Quando ele havia comido a sua carne, descobriu escritos gravados
numa das costelas: “Eu retribui minha dívida de carne com o leigo fulano-de-tal, e
minha dívida de manteiga com o leigo sicrano-de-tal.”
Lamas, oficiais monásticos, geshes eruditos, e semelhantes podem receber
tratamento especial nos mosteiros, mas a lei da causa e efeito não faz absolutamente
nenhuma exceção. Se não formos cuidadosos agora, não será difícil para o cabeça de
uma família trocar de lugar com seu asno ou cão-de-guarda. Há uma estória de um
leigo que costumava sacrificar animais aos ídolos Tirthika atrás de sua casa sempre que
sua sorte ia mal; as coisas então andavam bem. As palavras de seu pai ao morrer
haviam sido, “Faça mais sacrifícios animais”. O pai mais tarde renasceu como um touro
e seu próprio filho realizou o sacrifício sêxtuplo nele. Há também a estória do leigo que
renasceu como um peixe no lago atrás de sua casa. Não podemos ter a certeza de que
tais coisas não acontecerão conosco.
O sofrimento de ser explorado é como segue. Veja o exemplo de um asno. Ele é
276
obrigado a carregar cargas embora suas costas possam estar cobertas de chagas.
Quando está próximo da morte, ele é simplesmente abandonado em qualquer lugar, e
então morre enquanto os corvos arrancam seus olhos até mesmo antes que ele pare de
respirar.
Devemos pensar nestas coisas para desenvolver insight em como é impossível
suportar tais sofrimentos num renascimento destes.
Isto tem duas sub-divisões: pensando (1) no sofrimento dos animais que vivem
em ambientes superlotados; e (2) no sofrimento de animais mais dispersos.
277
da Preparação. O Tesouro da Metafísica diz:
“Quem me protegerá
Destes grandes terrores?”
Com olhos arregalados
Percorrerei as quatro direções
Buscando um refugio.
Mas quando não encontrar nenhum refúgio
Nas quatro direções
Me entregarei ao total desespero.
Se estes lugares não tem refúgio,
Então, o que farei?
Observe e verá que o reino animal é o melhor dos três reinos inferiores, mas ainda
é impossível para os animais recitarem até mesmo um om mani padme hum, Não é
difícil para eles terem enganos poderosos ou os três venenos, e portanto acumulam
karma negativo novo e migram de reino inferior a reino inferior. Engajando-se nos
Feitos dos Bodhisattvas também afirma:
278
ainda não paramos de respirar. Num breve tempo --ainda este ano, ou no ano que vem,
ou no máximo dentro de alguns anos-- alguns de nós podemos renascer no inferno e
nossos corpos não se distinguirão do fogo. Outros podem renascer como fantasmas
famintos e não encontrarão nem mesmo uma gota de água ou pedaço de comida. Outros
renascerão como animais com chifres afiados nas cabeças e pêlos ásperos nos corpos.
Não podemos estar certos que não teremos tais renascimentos; seria tão fácil quanto
acordar de um sonho.
Ao recordarmos estas coisas não devemos vê-las como estórias que aconteceram
há muito tempo ou como mero objeto de curiosidade. O ponto é ter insight do que seria
renascer nestes reinos, e da certeza de que vamos renascer nestes reinos depois desta
vida. Suponha que fôssemos espectadores quando muitos criminosos estivessem sendo
punidos pelo edital do rei; então de repente fôssemos agarrados, levados da multidão, e
recebêssemos punição igual aos criminosos que nos antecederam. De maneira
semelhante, agora sentimos que muitos, muitos seres sencientes passam por
sofrimentos em algum lugar chamado “reinos inferiores” e olhamos com curiosidade
quando um açougueiro leva as ovelhas até o abatedouro; mas imagine o sofrimento e
medo que experimentaríamos se de repente chegássemos aos reinos inferiores, ou
virássemos uma ovelha e fôssemos pendurados de cabeça para baixo por algum
açougueiro e realmente sentíssemos sua espada entrar entre nossas costelas. Devemos
ter este tipo de insight. Buda, o Bhagavan, nos deu a seguinte predição:
Kyabje Pabongka Rinpoche reviu este material e também falou um pouco sobre como
seguir esta prática
279
DIA DOZE
Kyabje PabongkaRinpoche deu uma breve palestra para ajustar nossa motivação,
citando as palavras do grande Dharmaraja Tsongkapa:
Isto tem dois sub-títulos: (1) tomando refúgio, o santo portal para entrar nos
ensinamentos; (2) desenvolvendo fé na lei da causa e efeito --a raiz de toda saúde e
felicidade.
Isto tem cinco seções: (1) as causas nas quais a tomada de refúgio depende; (2)
em que tomar refúgio; (3) o critério para tomar refúgio; (4) os benefícios de tomar
refúgio; (5) conselho para quem já tomou refúgio.
280
Lozang Dragpa --Respostas a 'Perguntas sobre o Mais Branco dos Altruísmos', [de
Lozang Chokyu Gyaeltsen], que diz:
o A IDENTIFICAÇÃO DO REFÚGIO
Ou seja, quando pensar em como distinguir entre o que deve e o que não deve
ser seu refúgio, você vai querer tomar refúgio no Buda, o Mestre do budismo, em seus
281
ensinamentos, e naqueles que vivem segundo seus ensinamentos. A pessoa mundana
comum busca refúgio em criaturas mundanas: espíritos-reis, deuses, nagas, espíritos, e
coisas assim. Não-budistas buscam refúgio em Brahma, Indra, etc., mas estes são seres
ainda no samsara, portanto não são refúgios adequados.
Quem então é um refúgio adequado? Os Setenta Versos da Tomada de Refúgio
diz:
Ou seja, o único refúgio é as Três Jóias: Buda, Dharma, e Sangha. Mas se não
identificarmos corretamente os três, não tomaremos refúgio com pureza. Não somos
críticos e assim fingimos ser detentores-de-conhecimento Mahayana, mas quando algo
anda errado, surgem doenças e coisas assim, ou quando temos algum trabalho
importante a fazer, buscamos refúgio nos protetores de Dharma mundanos, em
espíritos-reis, deuses locais, etc, fazemos purificações com fumaça ou carregamos
talismãs de madeiras sob nossas axilas; corremos ao altar de qualquer deidade. Toda
esta atividade externa mostra nosso estado interno. Budistas devem se colocar sob os
cuidados das Três Jóias. De fato, podemos ter conseguido estar num mosteiro, mas não
somos nem mesmo qualificados para sermos budistas, muito menos detentores-de-
conhecimento Mahayana.
Nagas, espíritos-reis, e outros não têm estas três qualidades: onisciência, amor e
habilidade. Eles nem mesmo sabem quando vão morrer. Normalmente são da categoria
de animais ou fantasmas famintos, e seus renascimentos são inferiores aos nossos. Não
poderíamos usar um método pior do que confiar neles. Que meios poderiam ser pior do
que buscar refúgio neles? Longe de nos proteger do samsara e de sofrimentos dos
reinos inferiores, ou até mesmo dar-nos um pouco de ajuda, eles podem, ao contrário,
nos causar muito mal. Eis uma estória para ilustrar isto. Um homem com um bócio foi
certa vez até um lugar assombrado por espíritos comedores de carne. Um imposto de
carne que estes espíritos pagavam a outras criaturas estava vencido, portanto os
espíritos removeram o bócio do homem. Um outro homem com bócio foi até eles e
tomaram refúgio na esperança de conseguir os mesmos resultados, mas os espíritos não
destruíram seu bócio e sim fizeram-no maior. De forma similar, deuses mundanos e
espíritos malignos são às vezes benéficos e às vezes prejudiciais; eles nunca são
confiáveis.
Não-budistas fazem de Brahma, Indra, Shiva, Rudra, Ganesha, etc., seus
refúgios. Isto é um progresso com relação ao que foi dito acima, mas estes deuses ainda
não estão liberados do samsara e dos reinos inferiores, portanto não podem proteger
outros seres. Mas Buda, o Mestre do budismo, não é como eles. O Louvor Àquele
Digno de Louvor diz:
282
Você pode proclamar, "Eu sou amigo
De quem está sem proteção."
Sua grande compaixão pode abraçar todos os seres.
Oh Mestre, que tem grande compaixão,
Tem amor, age movido por amor.
É diligente, não é preguiçoso.
Quem mais poderia ser como você?
É protetor de todos os seres sencientes;
Um bom parente de todos.
283
súplicas a Avalokiteshvara enquanto estava sendo arrastado por um tigre. O tigre
imediatamente colocou-o no chão e o homem ficou livre de todo perigo.
Depois que Purna havia se ordenado e alcançado o estado de Arhat, alguns
parentes e mercadores foram ao mar para conseguir sândalo de primeira, mas seus
navios começaram a desintegrar. Os parentes suplicaram ao Arhat Purna [em suas
orações] e foram salvos das águas.
O rei dos nagas fez uma chuva de armas cair no Rei Prasenajit; Maudgalyayana
a transformou numa chuva de flores.
No entanto, todas as Três Jóias são necessárias para protegê-lo totalmente do
samsara e dos reinos inferiores. Para curar um paciente de uma doença grave, são
necessárias três coisas: um médico, o remédio, e as enfermeiras. De forma similar, para
se libertar da séria doença dos sofrimentos do samsara e dos reinos inferiores, do perigo
da paz [de Arhats Hinayana], ou da existência [samsárica], definitivamente precisa-se
de todos estes: o Buda, o mestre do caminho libertador, que é como o médico; o
Dharma, o caminho libertador dos três níveis de capacidade, que é como o remédio; e a
Sangha, os amigos dos praticantes de Dharma, que são como as enfermeiras. Portanto,
estes três são objetos de refúgio.
A Primeira Razão
Buda se libertou de todos os perigos. Pessoas se afogando ou presas em areias
movediças não podem socorrer umas às outras. Se os Budas, os salvadores em quem
tomamos refúgio, não tivessem libertado a si próprios de todos os perigos, eles não
poderiam libertar os outros.
Buda, nosso Mestre, está liberado de todos os perigos. Devadatta queria matar o
Buda e usou um mecanismo para atirar pedras nele, mas não conseguia machucá-lo.
Em Rajagriha, Ajatashatru soltou Dhanapala, um elefante louco e indomado. Todos os
outros Arhats ficaram apavorados e fugiram para o céu, mas Buda não teve medo e
subjugou Dhanapala. Um chefe-de-família chamado Shrigupta imaginou um plano para
jogar Buda num buraco de fogo, mas Buda não se queimou. Shrigupta envenenou a
comida de Buda, mas isto também não foi bem sucedido.
Depois que Pabongka Rinpoche contou esta estória em detalhes, ele continuou:
284
os perigos isto indica que ele abandonou os dois tipos de obscurecimentos, juntamente
com os seus instintos.
A Segunda Razão
Ele é habilidoso nos meios de libertar os outros dos perigos. Se estivesse livre
de todos os perigos pessoais, mas não fosse suficientemente hábil para saber como
proteger os demais, ele seria tão incapaz de proteger os outros quanto uma mãe com
braços amputados é capaz de salvar seu filho do afogamento. Mas o Bhagavan, o Buda,
é habilidoso nos meios de subjugar seus discípulos. Ele liberou pecadores tão grandes
como Angulimala, que era consumido por sentimentos de hostilidade; Pramudita, o rei
dos músicos celestiais; Uruvilvakashyapa, que era consumido pelo orgulho; criaturas
poderosas como yakshuni Hariti e yaksha Atavaka; pessoas com faculdades
entorpecidas como Chudapanthaka, que era consumido pela ignorância mais profunda;
pessoas velhas, que tinham tão poucos méritos-raiz como o chefe-de-família Shrijata; e
pessoas com grande luxúria como Nanda. É assim que Buda tem os meios hábeis de
subjugar discípulos.
A Terceira Razão
Ele reage compassivamente a tudo, sem sentimentos de intimidade ou
distanciamento. Se assim não fosse, ele só ajudaria aos que lhe são caros e não aos
inimigos. No entanto, Buda não tem sentimentos de intimidade ou distanciamento com
qualquer ser. Não há nenhuma diferença na ajuda que deu e na intimidade que sentiu
com Devadatta, seu inimigo jurado, e Rahula, seu próprio filho. Devadatta ingeriu uma
enorme quantidade de manteiga medicinal para competir [com um feito semelhante de
Buda], mas não conseguiu digeri-la e ficou muito doente. Buda, nosso Mestre, livrou
Devadatta da doença ao jurar que amava igualmente Devadatta e Rahula.
Buda Shakyamuni foi o Buda que veio em nosso atual sistema-mundial, mas se
fossemos comparar, veríamos que os outros Budas compartilham essas mesmas
qualidades.
A Quarta Razão
Buda trabalha pelo bem de todos, tenham eles ajudado ou não ao Buda. Nós não
fazemos isto: nem mesmo mantemos uma conversa com alguém oprimido ou
dirigimos-lhe algumas palavras amáveis, muito menos ajudá-lo. Trabalhamos pelo bem
de pessoas que nos tenham ajudado e não pelos que não o fizeram; portanto, não
protegemos os oprimidos. O Buda não age assim; ele trabalha pelo bem de todos, quer
tenham lhe ajudado ou não. Buda cuida dos doentes. Por exemplo, certa vez ele lavou o
corpo de um monge que estava tão doente que seu corpo estava coberto pelas próprias
fezes e urina. Ele cuidou de pessoas como o brâmane feio que tinha os dezoito sinais de
feiúra e que era proscrito mesmo entre os mendigos. Buda protegeu e cuidou de pessoas
que nunca tiveram sorte, como a filha do Rei Prasenajit chamada Vajri, que era
deformada e tinha o rosto de um porco; ou o filho do chefe-de-família Mahamati,
285
Svagata [Bem-vindo], que tinha tão poucos méritos que sua família aos poucos perdeu
toda a fortuna depois que ele nasceu. Svagata virou um mendigo, mas qualquer grupo
de mendigos a quem ele se juntava nunca conseguia comida. Ele foi renomeado de
Nada-bem-vindo. Onde quer que fosse, ninguém dava nada, assim tornou-se proscrito
entre os mendigos. Até mesmo quando ia em peregrinação, não o deixavam retornar.
Kyabje Pabongka Rinpoche falou em grande detalhe como Buda ofereceu sua
proteção.
Depois desta breve discussão, sobre as razões de tomar refúgio e em quem tomar
refúgio, Kyabje Pabongka Rinpoche continuou:
Deve-se tomar refúgio conhecendo as qualidades de cada uma das Três Jóias.
Portanto, isto tem três partes: (1) as boas qualidades do Buda; (2) as boas qualidades do
Dharma; (3) as boas qualidades da Sangha.
Buda tem quatro tipos de boas qualidades (1) de seu corpo; (2) de sua palavra.
(3) de sua mente; (4) de suas boas obras.
O Ornamento à Realização diz: “Suas mãos e pés [estão] marcadas por rodas,
suas [solas são macias e planas como o peito de uma] tartaruga. Em outras palavras, seu
corpo está adornado com os trinta-e-dois sinais”. O mesmo texto também fala das
“Unhas cor de cobre do Muni...” Ou seja, ele também está adornado com as oitenta
marcas.
286
Os “sinais” significam que ele tem o contínuo-mental de uma grande
personalidade. As “marcas” indicam que tipo de qualidades ele possui internamente. É
muito poderoso pensar sobre as qualidades naturais das marcas e sinais, as boas
qualidades e suas causas, e assim por diante. A Guirlanda Preciosa de Nagarjuna conta
que se somássemos todos os méritos do mundo, dos Pratyekabuddhas, dos Shravakas
Não-Mais-Aprendizes, dos imperadores do mundo, e assim por diante; todo este mérito
somado produziria um único poro do corpo de um Buda. Todos os méritos necessários
para produzir todos os poros de um Buda, multiplicados por cem, produziria uma das
marcas. Todos os méritos necessários para produzir todas estas oitenta marcas,
multiplicado por cem, produziria um destes sinais. Os méritos necessários para produzir
trinta destes sinais, multiplicados por mil, produziria o cabelo encaracolado urna [entre
as sobrancelhas de Buda]. Os méritos necessários para produzir este último sinal,
multiplicado por cem mil, produziria o Ushnisha. O mérito para produzir isto,
multiplicado por 1014 produziria a voz Brahma de um Buda. Mais ainda, toda parte do
corpo de um Tathagata, os sinais e as marcas, é um mestre de Dharma e executa os
feitos da palavra iluminada. Até mesmo seu ushnisha, seus poros, etc, executam os
feitos da mente iluminada e então percebem [os aspectos] relativo e supremo de tudo o
que é conhecível.
Acabei de seguir a tradição dos gurus de linhagem de Lam-rim do passado com
relação às qualidades do corpo iluminado com três linhas de um verso [de Cânticos da
Experiência, de Tsongkapa], cada linha tratando do corpo, palavra e mente iluminados.
287
celestiais. De Louvor em Símile:
288
Se todos os seres sencientes do mundo fossem
Pedi-lo, ao mesmo tempo, para esclarecer suas dúvidas
Ele o faria, na frente de todos
De uma só vez, com uma só fala,
E usando um único corpo, realizaria o feito
De esclarecer suas concepções errôneas.
Sua palavra tem outras qualidades, como conta Os Cento e Cinquenta Versos
em Louvor:
289
Desenvolve as mentes dos medíocres,
E destrói a falta de clareza mental dos inferiores.
Tua palavra é remédio para todos.
Mas isto não é tudo: a palavra iluminada tem um número infinito de qualidades,
tais como realizar as ações do corpo e mente iluminados.
Estas são discutidas em mais detalhes nos clássicos que mencionam as boas
qualidades devidas às vinte-e-uma divisões da consciência primal: os dez poderes, as
dezoito qualidades únicas, e coisas assim. Pessoas que estudam e contemplam os
clássicos precisam contemplar estes ensinamentos específicos para receber algum
benefício.
Em suma, há dois tipos de boas qualidades: as que vêm da onisciência e as que
vêm do amor. Como os Budas são oniscientes, mesmo quando estão em absorção
meditativa nas verdades supremas, eles estão cientes e percebem todo o conhecível tão
claramente quanto perceberiam uma fruta amlaka repousando em suas mãos. Pode-se
saber isto do Louvor Àquele Digno de Louvor:
290
único erro. Isto fez todos acreditarem.
A Transmissão do Vinaya diz que Buda recebeu pedaços de madeira que
haviam sido queimados e deixados num estado desordenado sob o oceano por um longo
tempo: ele reconheceu cada pedaço corretamente. Sem mais nada a orientá-lo, ele podia
afirmar que tal cinza era da madeira de tal distrito, e sabia se era do topo ou da base da
árvore.
Os poderes milagrosos da manifestação do corpo iluminado é a habilidade de
mostrar uma emanação a qualquer número de discípulos, dez milhões, um bilhão, ou o
que for. O poder milagroso da palavra iluminada é sua habilidade de falar a todos;
como já disse, a palavra ensina o Dharma simultaneamente na língua de cada ser
senciente e segundo o desejo de cada um. O poder milagroso da concentração uni-
focada da mente iluminada é o seguinte: Quando nosso Mestre tem um pensamento
mundano, as mentes dos outros seres sencientes, mesmo formigas, compreendem o que
o Tathagata quer dizer. Mas, quando ele tem um pensamento supra-mundano, até
mesmo os Bodhisattvas em sua última encarnação não podem compreender os
pensamentos do Buda. Quando o Buda ensinou os três Sutras da Perfeição da
Sabedoria, ele fez todos os mundos se transformarem em campos puros. Assim dizem
que a mente de Buda tem um número infinito de tais boas qualidades.
Suas boas qualidades de amor são descritas pelo Sétimo Dalai Lama:
Em outras palavras, o tipo de amor que temos por nós mesmos não se compara
nem mesmo com uma fração do amor que Buda tem pelos seres sencientes. Além disto,
seu amor não é como a compaixão intermitente que sentimos: só temos compaixão
quando vemos um ser senciente sofrendo e não quando não vemos. Um Buda sempre
percebe que todos os seres sencientes estão atormentados pelo sofrimento; seu grande
amor e compaixão para com eles é ininterrupta, e sempre funcionando. A compaixão de
um Buda vem finalmente pela força de sua familiarização com os treinamentos desde
que entrou pela primeira vez no caminho. É este o significado quando Os Cento e
Cinquenta Versos de Louvor diz:
291
Por longo tempo pela compaixão
E liberarás todos os seres iludidos.
60
O palácio de Indra repousa no centro da superfície perfeitamente plana de lápis lazuli em cima do Monte Meru. O seu
reflexo pode ser visto de qualquer ponto avantajado no topo da montanha. Esta região é chamada o Reino dos Trinta-e-
Três Deuses porque Indra tem a companhia de trinta-e-três deuses menores que o ajudam a reinar.
292
mente iluminada na dependência da concentração uni-focada sem enganos.
Em suma, os Bodhisattvas do oitavo nível para baixo precisam fazer grandes
esforços; os Bodhisattvas acima destes níveis fazem um esforço sutil para ter
motivação. Como estes Bodhisattvas precisam fazer tais esforços, suas boas obras não
se estendem simultaneamente a todos os seres sencientes; mas as boas obras de um
Buda não depende de tais coisas, ou da motivação, isto é, de pensamentos como:
“Trabalharei pelo bem dos seres sencientes”. Como uma ilustração: a lua no céu não
pensa, “Vou refletir”, no entanto o seu reflexo aparece na gota de orvalho na ponta do
capim e na superfície da água em centenas de milhares de recipientes, desde que a água
esteja clara e calma. As boas obras do Buda fazem efeito espontaneamente e sem
esforço nos contínuos mentais dos discípulos quando a hora é certa para que sejam
domados. De fato, as boas obras do Buda depende do corpo de verdade da sabedoria
primal [dharmajñanakaya] como uma de suas causas; isto age como condição
ambiental. Estas boas obras são portanto tidas como o resultado de suas qualidades
boas e positivas.
293
objetos a serem abandonados. Quando os Shravakas alcançam o estado de Arhat, têm
muito mais boas qualidades; podem combinar juntos muitos objetos físicos; podem
produzir muitas emanações pela meditação uni-focada na terra, água, fogo, ar e espaço
com a exclusão de tudo o mais; podem ir a qualquer lugar onde haja um discípulo, e
coisas assim.
De fato, os Shravakas Arhats possuem imensuráveis boas qualidades. Depois
que nosso Mestre entrou em nirvana, Ananda subjugou os Tirthikas, guiando oitenta
mil pessoas à verdade, no espaço de sete dias. Há uma estória sobre Upagupta. Certa
vez quando ele estava dando um ensinamento, Kamadeva fez chover comida e jóias, e
também emanou dançarinos. Arya Upagupta colocou guirlandas de flores nos
dançarinos pouco antes de começarem a dançar; ele consagrou as guirlandas-de-flores,
que então se transformou numa coisa extremamente repulsiva. Atualmente as pessoas
consideram os Shravakas como inferiores, mas qualquer um com as suas boas
qualidades teria de ser considerado um grande adepto.
Pratyekabuddhas tem cem mil vezes mais boas qualidades do que os Shravakas
e construíram suas coleções durante cem eons.
Por comparação, as boas qualidades de um Bodhisattva são infinitas. Enquanto
ainda estão nos caminhos da acumulação e preparação, e ainda agindo movidos pela fé
eles estão sempre aumentando seus estudos, contemplações, e meditações na
vacuidade. Eles treinam-se na compaixão, bodhicitta, e na visão profunda, assim
enfraquecendo seus preconceitos dualistas manifestados e completando suas primeiras
e imensuráveis coletâneas. Quando os Bodhisattvas estão no caminho da visão, eles
primeiro alcançam a forma extraordinária da prática da generosidade [a primeira das
seis perfeições]. Quando estão no nono nível do caminho da meditação, alcançam a
forma extraordinária de todas as seis perfeições e treinamentos superiores pela virtude
de suas corretas percepções da talidade.
Os Bodhisattvas do primeiro nível emanam centenas de corpos, cada um
cercado por centenas de outros Bodhisattvas. Estes Bodhisattvas do primeiro nível
conseguem ter a visão de centenas de eons, viajam entre centenas de mundos, entram
centenas de concentrações uni-focadas, vêem centenas de Budas, recebem as bênçãos
destes Budas, se emanam em centenas de campos-de-Budas, viajam a centenas destes
campos, abrem as portas para centenas de Dharmas, amadurecem centenas de seres
sencientes, e vivem por centenas de eons. Todo momento, estes Bodhisattvas do
primeiro nível lidam com centenas [de exemplos] destes doze tipos de qualidades.
Pode-se fazer a comparação destas doze qualidades para os Bodhisattvas dos
outros níveis. Os Bodhisattvas do segundo-nível alcançam milhares destas qualidades;
os Bodhisattvas do terceiro-nível, centenas de milhares; os Bodhisattvas do quarto-
nível, bilhões; os do quinto-nível, dez bilhões; os do sexto-nível, milhares de bilhões;
os do sétimo-nível, 1023; os do oitavo nível, um número igual aos átomos em cem
bilhões de mundos; os do nono-nível, um número igual aos átomos em um milhão de
incontáveis bilhões de mundos; os Bodhisattvas do décimo-nível alcançam um número
destas qualidades iguais aos átomos de um bilhão de incontáveis bilhões de mundos.
294
Em suma, os Bodhisattvas dos primeiros sete níveis impuros gastam dois incontáveis
eons construindo suas [duas] acumulações, enquanto os Bodhisattvas dos três níveis
puros levam mais um incontável eon para completar as acumulações restantes.
Os grandes clássicos discutem estas coisas longamente, portanto, a Sangha
possui imensuráveis qualidades boas.
295
Quando você toma refúgio o faz porque quer fazer oferecimentos, servir ao
Buda, e desenvolver o Dharma em seu próprio contínuo-mental.
296
E a palavra dos outros.
Aqui no Tibet não há nenhum verdadeiro Tirthika, mas há algumas pessoas que
alegam ser praticantes e estudiosos, mas não vêem nada errado em pincelar o dharma
dos Bons ou dos bárbaros, para bajular os outros, ganhar grandes seguidores, ou ajudar
a livrarem-se de dificuldades ao encontrá-las. Eles tomaram refúgio com duas caras;
eles desapropriaram [o ato de] tomar refúgio de seus contínuos-mentais e se baniram do
rol de budistas.
Alguns dizem, “Um pouco budista, um pouco bom”, mas não há razão porque
os mestres Bon, seus dharmas ou seguidores sejam suficientemente dignos de serem
refúgios; os três não possuem todas as qualidades necessárias. Seus mestres não têm
todas as qualidades necessárias, isto é ter abandonado todos os defeitos e coisas assim.
Seu dharma não é nem mesmo um meio para diminuir as ilusões. Eles alegam que sua
sangha está baseada nos votos pratimokshha, mas seus votos não têm a linhagem.
Bon não é um refúgio para os budistas; não é digno de ser um refúgio. Mesmo
assim, budistas e bonpos dizem coisas uns aos outros levados por apego e hostilidade, e
isto dificilmente leva a um debate honesto. É vital que saibam as fontes da religião
Bon. Elas são discutidas em estórias autênticas nos escritos dos estudiosos do passado.
Vocês devem conhecer estas coisas em obras como a do escritor Tuken Dharmavajra
como O Espelho da Eloquência, que discute o que os diversos mestres defendem e as
fontes de todos os seus princípios.
Mestres bon e seus ensinamentos e visões [filosóficas] possuem visões e
meditações não-budistas. Eles também plagiaram as escrituras budistas. Seus falsos
dharmas foram inventados há muito tempo atrás e este sistema prejudicial agora
prevalece em todo lugar; mas não é um refúgio adequado para pessoas que anseiam por
liberação, nem tampouco é confiável. Com isto em mente, Drigung Jigten Goenpo
disse:
297
Je Milarepa, o senhor dos yogis, disse:
Hoje em dia, algumas pessoas dizem que os deuses Bon, Shenrab e Oekar, são
uno com a deidade budista Avalokiteshvara. Eles alegam, “Para que todos os seres
sencientes possam ser discípulos dos Budas, muitas emanações de Budas e
Bodhisattvas apareceram entre o rol dos Bonpos. Portanto, seguir o sistema Bon não
prejudica em nada, só pode ser uma boa qualidade”. Eles fazem tais alegações
extravagantes movidos por suas cegueiras, pois seus contínuos-mentais foram afetados
por maus instintos formados com visões pervertidas. Se o que alegam fosse correto,
então imitar as ações de cães e porcos não prejudicariam em nada e só pode ser uma
boa qualidade, porque é possível que as emanações de Budas e Bodhisattvas apareçam
entre os animais. As pessoas que querem o melhor devem abandonar tais sistemas maus
e nauseantes, assim como descartariam as pedras que usam para limpar suas armas. O
único refúgio para os budistas é as Três Jóias. Budistas devem tomar refúgio com
298
pureza e é vital se entreguem ao seu refúgio.
Em suma, quando falamos “tomar refúgio”, não estamos dizendo para
simplesmente recitar as palavras. Assim como um criminoso busca a proteção de um
comandante, devemos temer os reinos inferiores, o samsara e assim por diante e
devemos estar convencidos de que as Três Jóias têm o poder de nos proteger. Então
devemos pensar com muita sinceridade, usando nossa mente principal e seus fatores
mentais, que estamos nos entregando aos cuidados das Três Jóias. Este é o critério de
tomar refúgio adequado. Desenvolver o refúgio em nosso contínuo-mental depende de
termos desenvolvido estes pensamentos em nosso contínuo-mental. Portanto, não sejam
como as pessoas que recitaram as formulas de tomada de refúgio bilhões de vezes, mas
não produziram a entidade do refúgio em seus contínuos-mentais. Você deve trabalhar
com afinco nas técnicas de desenvolver verdadeiramente as causas e o próprio refúgio
em seu contínuo-mental.
Há duas maneiras diferentes de tomar refúgio: meramente buscando proteção e
considerando as Três Jóias como algo que os outros alcançaram em seus contínuos-
mentais; e a forma especial de refúgio, considerando as Três Jóias como algo que pode
ser desenvolvido em seu próprio contínuo-mental e então decidindo-se a alcançá-lo. Há
maneiras de tomar estes dois tipos de refúgios em cada um dos três níveis de
capacidade do Lam-rim, mas como somos pessoas que estudam e contemplam os
clássicos, devemos principalmente tentar tomar o tipo especial de refúgio. No entanto,
estudar muito pode não ajudar na hora de tomar refúgio; se estudamos e contemplamos
meramente como um exercício intelectual, há o perigo de que nossa tomada de refúgio
não seja diferente daquele de uma pessoa leiga velha. Mas, mesmo quando não
conhecemos nada dos clássicos, devemos ter as duas causas para tomar refúgio e
devemos nos entregar às Três Jóias. Eis como se faz isto.
Pense como os pacientes se entregam aos cuidados de seus médicos, remédios e
enfermeiras. Se tiver as causas para tomar refúgio e se entregar de coração às Três
Jóias, desenvolverá corretamente o refúgio em seu contínuo-mental. Estas, então, são as
coisas principais. Sem elas, nada virá de recitar a fórmula do refúgio muitas vezes e de
alegar que é um Bodhisattva ou um detentor-do-conhecimento. Como os antigos
Kadampa diziam: “Aquele Superior à sua frente [no templo] pode não ter ainda se
unido ao rol dos budistas”.
299
outras pessoas, nem tome refúgio apenas verbalmente --mas, tome refúgio de coração.
Você se torna um budista somente quando desenvolve o ato de tomar refúgio
corretamente em seu contínuo-mental. A recitação da fórmula budista centenas de
milhares de vezes não faz de você um budista. Hoje em dia as pessoas dizem, “Você
deve recitar a fórmula do refúgio um número de vezes”, mas são raras as pessoas que
dizem “Você deve desenvolvê-lo em seu contínuo-mental”.
Certa vez em Dagpo, um monge chamado Atar fazia um retiro com amigos
onde deveriam recitar a fórmula do refúgio um determinado número de vezes. Atar
dedicou o pensamento correto ao significado atrás da tomada de refúgio e, portanto,
ficou atrás dos outros. Eles eram mais rápidos porque só repetiam as palavras do
refúgio; eles tinham quase completado um bilhão de repetições. Temendo que Atar não
completasse o número necessário, perguntaram-lhe quantos ele já havia completado, e
Atar disse-lhes, “Vocês só ficaram somando alguns números para a fórmula do
refúgio?” Portanto, se recitar a fórmula enquanto mantém sua atenção na tomada de
refúgio, você será significantemente amadurecido por isto.
Quando você toma qualquer dos três tipos de votos, deve primeiro tomar
refúgio. Se não o fizer, não receberá o voto. Assim como o chão sustenta a casa, a
lavoura, paredes, árvores, florestas, e assim por diante, o ato de tomar refúgio serve
como base para receber todos os votos.
Você pode ter cometido muitas ações kármicas no passado e acumulado muitos
obscurecimentos, por exemplo, os principais crimes hediondos como quando
Ajatashatru matou seu pai Bimbisara, que havia alcançado o resultado de Não-Retorno,
ou os crimes hediondos minoritários-- mas quando você toma refúgio, purifica tais
karmas e os obscurecimentos [resultantes] porque tomou refúgio no Buda. A partir daí
dizer os nomes dos Budas ou até mesmo ler o conjunto dos Sutras da Perfeição da
Sabedoria uma vez vai purificar muitos eons de ações negativas e obscurecimentos. A
cesta do sutra fala destes benefícios repetidas vezes. O Pequeno Sutra da Perfeição da
Sabedoria diz: “Se o mérito de tomar refúgio tivesse forma, os três reinos seriam muito
pequenos para sustentá-lo”. Em outras palavras, o mérito advindo do ato da tomada de
refúgio é imensurável.
Os Budas são seres karmicamente tão potentes que as virtudes raízes geradas
em relação a eles se tornam definitivamente causa para alcançar a iluminação completa
--mesmo se isto for feito sem motivação pura. O Sutra do Lótus Branco da Compaixão
diz:
300
alguma outra ocasião vai até o campo, fica na beirada e diz, “Oh sementes,
não sejam mais sementes! Oh sementes, não brotem, não cresçam. Eu não
quero o fruto. Eu não quero as recompensas!” Ananda, o que você acha?
Aquelas sementes deixariam de ser sementes por causa destas palavras?
- “Não, Bhagavan”, ele respondeu. “Não, Sugata”.
- Buda disse, “O fruto não deixaria de ser fruto? Ele não colheria nenhuma
recompensa?”
- “Não, Bhagavan”, ele respondeu. “Não, Sugata”.
Então Buda disse, “Ananda, quando as pessoas que louvam a existência
cíclica, que se alegram com a existência samsarica, fazem oferecimento aos
Budas, embora possam dizer, ‘Por estas virtudes raiz possa eu nunca entrar em
nirvana’. É bem impossível que eles nunca entrem em nirvana. Ananda, estas
virtudes raiz geradas com relação aos Budas resultarão no nirvana, embora
eles não queiram. Eu lhe digo, estas virtudes estarão se transformando até que
eventualmente entrem em nirvana. Portanto, sempre que se desenvolve
virtudes raiz ao dedicar um único pensamento aos Budas Bhagavans, o fruto
de todas estas virtudes raiz será o nirvana. Digo-lhe, estas virtudes-raiz estarão
se transformando até o alcance eventual do nirvana”.
301
ladrão fugiu; e repetiu o que o monge havia dito enquanto ele estava sob uma ponte
freqüentada por criaturas.
“Tenho sorte que só haviam três deles”, ele sussurrou. “Se houvessem mais, eu
teria sido morto!” Naquela noite, as criaturas foram incapazes de cruzar aquela ponte.
Estas foram algumas das estórias que Kyabje Pabongka Rinpoche contou.
61
Este mantra é recitado durante a visualização da vacuidade não focada que antecede a geração da visualização de uma
deidade. Ele significa "Sou a natureza (ou entidade) da pureza de todos os fenômenos."
302
Não há também nenhum meio melhor de realizar os desejos do que tomar
refúgio. Jangsem Retrengwa disse:
Isto tem duas partes: (1) conselhos sobre cada uma das Três Jóias
individualmente, (2) conselhos sobre as Três Jóias em comum.
303
Isto tem dois sub-títulos: (1) conselhos sobre o que não fazer; (2) conselhos
sobre o que fazer.
Como você tomou refúgio no Buda, não deve fazer coisas como buscar
refúgio em deuses mundanos. Mesmo agora há alguns monges que, levados ao
desespero quando as coisas não vão bem, rastejam desprezivelmente perante ídolos de
deuses mundanos. Eles são a vergonha dos praticantes do Dharma. Como já lhes disse,
só ao tomar apenas dois refúgios, você se exclui do rol dos budistas, porque tomar
refúgio deve anteceder o ato de tomar votos. Mesmo assim, pode-se oferecer bolos
rituais, fazer purificações com fumaça, oferecimentos de fogo a deuses, nagas,
espíritos-reis, espíritos e similares, se você só invocar a ajuda deles em assuntos do
Dharma. Mas, você não deve tomar refúgio neles. É como subornar alguém e pedir-lhe
ajuda; não precisa tomar refúgio neles.
Já que tomou refúgio no Dharma, não deve prejudicar os seres sencientes.
Afora prejudicar os seres ao matar, roubar, bater, e coisas assim, você não deve nem
mesmo arrecadar impostos injustos ou até mesmo, por exemplo, colocar num animal
uma carga mais pesada do que o normal. Estas coisas não são corretas.
Já que tomou refúgio na Sangha, você não deve se associar a Tirthikas [que
mantém visões errôneas]. Aqui no Tibet não há nenhum Tirthika de verdade, mas
existem pessoas semelhantes. Estas pessoas dizem “Você acha que existem coisas
como as Três Jóias ou a lei da causa e efeito? Isto é só coisa dita por lamas ou geshes
de língua macia.” Não é certo associar-se a este tipo de pessoa. Ainda não conseguimos
nenhuma estabilidade em nossas cabeças, logo há o perigo de que estas pessoas possam
virar nossas cabeças e mudar nossa maneira de pensar. Devemos nos manter distante
destas pessoas.
Na presença de Geshe Potowa, alguém disse que não era verdade que Buda
tinha vindo ao mundo. Geshe levou a melhor ao dizer, “Neste caso, você também não
poderia ter tido ancestrais”.
“Mas eu tive ancestrais!”, disse o homem. “Há evidência disto. Você deve
saber que existem documentos!”
Potowa então disse, “Pode-se tirar uma analogia aqui. Há evidência de que
Buda veio ao mundo: as suas escrituras”. O homem então ficou firmemente convencido
de que Buda realmente veio ao mundo”.
304
exemplo, de material pobre, ou podem haver muitos fragmentos de imagens de Buda
num santuário à beira da estrada, mas você deve continuar com a atitude de que estas
imagens são Budas verdadeiras.
Temos mais fé nas imagens feitas de latão, ouro, ou bronze indiano;
colocamos tais imagens no centro dos templos. Temos pouca fé nas imagens feitas de
argila e coisas assim, quando se quebram, as colocamos ao lado das cercas divisórias
[que no Tibet são feitas com esterco] e mais tarde as levamos a algum santuário à beira
da estrada. Mas os lamas do passado disseram que carregar tais imagens para fora da
casa é como carregar para fora os próprios méritos. Além disso, é sinal de que seu
respeito pelas Três Jóias está apodrecido até o cerne se deixar pinturas religiosas sem
restauração; os brocados esfiapados, e a tela central se enrolando quando fica velha.
305
O Sutra da Décima Roda de Kshitagarbha diz:
Se for assim, que tipo de malfeito estaria cometendo quem não respeita tal
pessoa? Como diz O Sutra da Súplica pelo Altruísmo:
306
refúgio perfeito, desenvolva fé e tome refúgio seis vezes ao dia.
O que quer que faça, confie nas Três Jóias. Não importa se o que faz, seja
coisa grandiosa ou pequena, confie nas Três Jóias, faça-lhes oferecimentos, e seu
trabalho se realizará. Não tenha maus pensamentos, não abrigue a malícia, nem tome
refúgio em espíritos locais, espíritos-reis, em Bon e coisas assim.
Não abandone as Três Jóias nem mesmo à custa de sua vida, ou como
brincadeira. Se desistir do refúgio que tomou, estará se expulsando do rol dos budistas.
E se você não é mais budista, não é mais um monge noviço, completamente ordenado,
um ser da família dos Bodhisattvas, ou até mesmo um praticante dos tantras secretos.
Desistir dos votos de refúgio pode não parecer grande coisa, mas significa também que
desistiu de todos os seus outros votos. Portanto, como eu disse, não abandone sua
fidelidade às Três Jóias mesmo se isto custar a sua vida ou, no mínimo, se for por conta
de uma brincadeira.
Não as abandone nem à custa de sua vida. Se violar isto, terá realmente
desistido de seu refúgio. E também, pode ser que não tenha desistido das
Três Jóias, mas toma refúgio em mestres que são contrários às Três Jóias.
Você estaria então violando [a instrução que não deve] aceitar outra religião
ou deixar de confiar em seu refúgio.
Eis um exemplo de alguém que não abandona as Três Jóias ao custo de sua
vida. Certa vez, alguns Tirthikas disseram a um detentor de votos leigos budista que se
ele desistisse de seu refúgio eles não o matariam. O upasika não desistiu e eles o
mataram. Ele renasceu nos reinos celestiais.
307
DIA TREZE
308
onisciência, amor, habilidade, e coisas assim. Que sorte ter encontrado tal refúgio”.
Siga o mesmo procedimento para os outros reinos inferiores.
Depois de dar três excelentes versões do ensinamento da tomada de refúgio,
uma versão elaborada, uma versão mediana, e uma versão curta -- Rinpoche continuou.
Como tomou refúgio nas Três Jóias, pode ter certeza de que evitou um ou dois
renascimentos nos reinos inferiores, mas não pode estar certo de que estará livre dos
reinos inferiores para sempre.
Se quiser ter certeza de nunca mais ir aos reinos inferiores, deve tentar seguir o
conselho que foi dado na tomada de refúgio [Dia Doze]. Eis um exemplo do que
acontece se não seguir o conselho. Quando um criminoso busca a proteção de um
oficial influente, este oficial pode dizer-lhe: “A partir de agora, você deve fazer isto e
não aquilo”. Se o criminoso não ouve e só comete mais crimes, nem mesmo aquele
oficial terá como protegê-lo; o criminoso vai novamente correr fora da lei.
De forma semelhante, se não guardamos os conselhos que acompanha a tomada
de refúgio, as Três Jóias nada podem fazer por nós. É por isso que nosso Mestre
ensinou que o Dharma é o único refúgio verdadeiro que nos proteger dos reinos
inferiores. O Dharma em si é o próprio ato de modificar nosso comportamento segundo
a lei da causa e efeito.
Se não desenvolver a fé de crer na lei da causa e efeito você só vai querer
praticar um pouco de virtude e abandonar só um pouco da não-virtude. Enquanto não
modificar devidamente suas ações segundo a lei da causa e efeito, você ainda poderá ir
ao inferno apesar de ser bem-versado nas três cestas ou ser um grande adepto e iogue.
Certa vez o Guru Avadhutipa olhou para Atisha enquanto cruzavam uma ponte e disse:
“Até que abandone o apego ao ego, e enquanto ainda der pouco valor à lei de causa e
efeito, lembre-se [sempre] que o estudioso fulano-de-tal e o iogue fulano-de-tal
renasceram no inferno”. Dizem que até o grande Ra, o tradutor, teve de passar alguns
momentos no inferno.
Um iogue do tantra de Yamantaka renasceu como um fantasma faminto mau
que fisicamente se assemelhava a esta deidade tutelar; o fantasma viajou da India ao
Tibet. O Grande Atisha disse, “Se permanecer aqui, o Tibet será prejudicado”, e então
dedicou bolos rituais ao fantasma e mandou-o embora.
Devadatta sabia muito Dharma, mas isto não o ajudou, pois ele renasceu no
Inferno Ainda Mais Quente. Um brâmane chamado Chanakya havia alcançado as
visões de Yamantaka e havia matado muitas pessoas com seus poderes paranormais.
Dizem que ele renasceu no Inferno Sem Descanso.
Se você não guarda a lei de causa e efeito, de nada adianta fazer um retiro
tântrico. Um iogue do tantra de Yamantaka de Baixo Paenpo, também renasceu como
um fantasma faminto com a forma da deidade tutelar. Alguns de seus colegas
309
praticantes estavam fazendo um oferecimento de fogo aos mortos; este iogue foi até lá
suplicar por comida.
Portanto, se não for capaz de modificar seu comportamento movido por crença
na lei de causa e efeito, de nada adianta ser um erudito ou um adepto. E está dito: “O
karma amadurece de maneiras inconcebíveis --até os senhores do amor nascem como
animais”. Em outras palavras, dizem que até mahatma Bodhisattvas renasceram nos
reinos inferiores quando ignoraram a lei de causa e efeito. Por isso, ajustar a motivação
é o início de todas as meditações, o ótimo renascimento humano é o início do Lam-rim,
e a lei de causa e efeito é o início de colocar o Dharma em prática. A lei de causa e
efeito foi até chamada de “visão correta para pessoas mundanas”. Aqui, “pessoas
mundanas” são os seres comuns; a frase completa significa que os seres comuns
devem, acima de tudo, agir conforme estas leis. Atualmente, um grande número de
pessoas finge ter a visão em alta estima, mas primeiro é preciso desenvolver fé de
crença na lei de causa e efeito para depois modificar devidamente seu comportamento.
Se não fizer isto, poderá até murmurar suas recitações e fingir que está lembrando do
Dharma, ou trabalhando arduamente imitando a absorção meditativa e fingir que isto é
meditar na visão, mas tudo isto é só sinal de que você não sabe o que significa
“Dharma”.
Algumas pessoas cometem ações negativas noite-e-dia e até mandam os outros,
servos e alunos, cometerem muitas ações nocivas em todo lugar. Estas pessoas podem
até acordar cedo e dormir tarde depois de fazer suas recitações, mas esta maneira de
praticar está errada.
Você deve então pensar na lei da causa e efeito para desenvolver esta fé de
crença. Existem aqui três seções: (1) pensando sobre causa e efeito em geral; (2)
pensando em pontos específicos; (3) como modificar suas ações depois de pensar
nestas coisas.
Isto tem duas subseções: (1) pensando na causa e efeito de maneira realmente
geral; e (2) pensando em alguns pontos específicos.
Isto tem quatro subtítulos: (1) o karma é fixo; (2) o karma aumenta muito; (3)
não se pode encontrar algo sem ter criado o karma para que isto aconteça; (4) uma vez
criado, o karma não desaparece por vontade própria. O próprio Bhagavan falou do
310
karma nestas quatro maneiras, então elas são muito vitais.
O karma é fixo
A Transmissão do Vinaya diz: “Qualquer karma criado trará um resultado
correspondente”. Ou seja, o resultado de uma ação virtuosa – a causa – só pode ser
felicidade; esta causa não traz sofrimento. O resultado de uma ação não-virtuosa – a
causa – só pode ser sofrimento; esta causa não traz felicidade. Este é o [aspecto] fixo da
causa e efeito. Por exemplo, é fixo que da semente de uma planta de sabor picante
surge uma fruta de sabor picante; da semente de uma planta amarga surge uma fruta
amarga; da semente de uma planta doce, uma fruta doce. A hora em que criamos causas
kármicas é agora, por isso devemos ter muito cuidado, porque é impossível colocar as
coisas em ordem quando a causa já produziu seus resultados.
Quando adoecemos, por exemplo, pode ser que encomendar rituais algumas
vezes não adianta; o ritual e a doença seguem seus caminhos próprios. Se plantar a
semente de uma planta picante como o chili, e depois que ela tenha começado a crescer
plantar uvas e pêssegos, por exemplo, em volta do chili para torná-lo doce, as plantas
só vão crescer individualmente [e o efeito desejado não acontecerá].
Causa e efeito é extremamente sutíl, porque qualquer causa acumulada trará o
resultado correspondente. O monge Priyabhadra tinha um corpo muito feio e uma voz
muito doce. Ambos foram causados pelo seguinte. Numa vida passada ele nasceu como
um trabalhador braçal quando um certo rei construía uma enorma stupa. A stupa era tão
grande que ele disse, “Porque estão construindo esta stupa tão grande? Ela nunca ficará
pronta!” Mais tarde, quando a stupa ficou pronta, ele ofereceu um sino à stupa para
purificar o que havia dito.
Enquanto Atisha estava no Tibet, um tibetano estava despreocupado e cometeu
alguma ação negativa trivial na sua frente. Isto foi demais para Atisha, que disse, “Ah,
você não deve ser tão descarado. Causa e efeito é sutil! Causa e efeito é profundo!"
Certa vez um monge deixou cair um pouco de graxa numa almofada usada pela
Sangha em cerimônias públicas. Na próxima vida, ele renasceu como um homem com
as costas pretas.
Em outra ocasião, quando um monge tingia seus mantos, estes se
transformaram em pedaços de carne de novilho; ele foi acusado de roubar um novilho e
passou seis meses na prisão. Isto foi tido como sendo o resultado do seguinte: Numa
vida passada ele acusou um Pratyekabuddha inocente de roubar um novilho. O
Pratyekabuddha foi jogado na prisão do rei por seis dias.
Sagama, mãe de Mrgaradhara, um ministro da cidade de Shravasti, tinha trinta e
dois filhos, todos lutadores. Um outro ministro do Rei Prasenajit fez com todos eles
caissem em desaprovação; o rei ordenou que todos fossem mortos e que a pilha de suas
cabeças fosse entregue à sua mãe. Este foi o resultado de trinta e dois ladrões terem, no
passado, roubado e matado um touro. A própria Sagama era a proprietária da casa dos
ladrões quando eles mataram o touro.
311
Kyabje Pabongka contou estas estórias em mais detalhes.
312
Depois, veio para casa, matou o filho e fez a mulher comer sua carne. Ela fugiu e
encontrou outro homem cuja mulher havia morrido. O homem tomou Utpala como
esposa, mas ele também morreu e, segundo o costume local, ela foi enterrada viva com
o cadáver dele. Um ladrão de túmulos a desenterrou e tomou-a como mulher. Mais
tarde, o rei matou este marido, que era chefe dos bandidos; mais uma vez ela foi
enterrada com o cadáver. Dizem que ela passou por estas penúrias como resultado do
seguinte. Num renascimento anterior, Utpala havia sido a principal concubina do rei.
Ela havia matado os filhos da rainha, mas fez vários juramentos negando.
Há muitas estórias assim. Causa e efeito é ainda mais sutil e mais obscuro do
que a vacuidade: os Arhats Shravaka e Pratyekabuddha podem compreender e ensinar
os detalhes sutis da vacuidade mas as sutilezas da causa e efeito esta sob a jurisdição
única dos Budas, e só se deve avaliá-lo através de seus autênticos pronunciamentos.
Esta lei, de fato, é tão sutil que deve-se evitar até mesmo a menor das ações negativas.
Os Dizeres de Buda explica:
313
linho fino. Ao se ordenar, as roupas se transformaram em mantos. Estes foram os
resultados de uma vida passada em que ela era uma mendiga, e ela e o marido só
tinham uma roupa para ambos, então se revezavam para sair. Mesmo assim, ofereceram
a roupa ao Buda Kanakamuni, embora isto pudesse significar as suas mortes. O ato
amadureceu num resultado tangível para ambos naquela mesma vida: o rei e suas
concubinas deram-lhes roupas.
Não se deve depreciar nem mesmo a prática de pequenas virtudes. De Os
Dizeres de Buda:
Estas duas seções de como o karma é fixo e como aumenta nos fazem decidir
que definitivamente devemos praticar a virtude e abandonar a não-virtude, e que
devemos praticar até mesmo a menor das virtudes e abandonar até mesmo o menor
gesto negativo.
Não se pode encontrar algo sem ter criado o karma para que isto aconteça
Quando há uma guerra ou outro conflito, algumas pessoas alegam, “Eu não
tinha nenhum Talismã contra armas, no entanto quando as pessoas atiraram muitas
armas, eu não fui ferido”. Você pode tomar isto como sendo surpreendente, mas é o
caso de não se encontrar algo para o qual não se criou o karma.
Algumas pessoas em princípio não são feridas por armas, mas mais tarde são
mortas. Alguns dirão, “Seus talismãs devem ter enfraquecido”, mas isto indica que não
compreendem a causa e efeito. Não foi nada disso: inicialmente estas pessoas não
tinham encontrado [uma situação criada por seus] karmas. Mais tarde, encontraram.
Quando alguém não encontra [uma situação criada pelo seu próprio] karma, não vai
morrer, apesar de ser queimado num fogo. Certa vez o chefe de família Agnibhu foi
queimado num fogo junto com o cadáver de sua mãe, mas não morreu e mais tarde
atingiu o estado de arhat. Ajatashatru roubou os elefantes dourados [de Kanakavatsa]
sete vezes, mas não conseguiu nenhum benefício, porque toda vez os elefantes
afundavam no chão.
Shyamavati, a concubina do Rei Udayana, havia alcançado o resultado de Não-
Retorno [e portanto, podia voar]. Seu séquito de quinhentas senhoras tinham visto a
verdade [isto é, alcançado o caminho da visão]. Mas quando Akala, o brâmane, colocou
fogo em suas acomodações, [porque numa vida anterior haviam queimado juntas a
cabana de um brâmane], elas só conseguiam voar uma pequena distância. Shyamavati
314
disse, “Quem nos rege se não o nosso próprio karma, que criamos e acumulamos?”
Como mariposas numa vela, todas mergulharam no fogo e foram queimadas. Mas entre
elas havia uma servente chamada Kubjottara, que não tinha nenhum poder milagroso
[mas não compartilhava este karma]. Ela escapou do fogo fugindo para um fosso cheio
de água.
Quando Virudhaka travou guerra contra os Shakyas, todos os setenta e sete mil
deles eram Aqueles Que Entraram na Corrente, mas isto não os salvou de serem
mortos. Os poucos que não haviam criado o karma apropriado fugiram para longe e
escaparam, enquanto o grande nome Shakya foi rebaixado.
A cidade de Ravana foi enterrada sob uma chuva de terra. O rei, seus ministros
e os súditos foram todos enterrados, mas dois ministros escaparam.
Estes são alguns exemplos de pessoas que não encontram algo porque não têm
o karma para isto.
Um sutra diz:
Depois de muito tempo, o karma não gasta, nem diminui, nem se torna
inexistente e coisas assim. Cedo ou tarde amadurecerá em um resultado como a estória
de Arya Vibhudatta, que havia alcançado o estado de arhat mas não conseguia esmolas,
ou se conseguia, a esmola desaparecia por alguma razão. Ao morrer, suas palavras
foram “A sopa das cinzas”. Depois deixou o seu corpo.
O chefe de familia Shrijata tinha em seu contínuo mental tão poucas e tão
pequenas virtudes-raiz para contribuir para sua liberação que um Arhat [Shariputra] não
as podia ver. Ele tinha recebido estes méritos-raiz da seguinte maneira. Shrijata
renascera, numa vida passada, como uma mosca, que foi atrás do cheiro de esterco seco
num ralo, pousou no esterco, e por acidente circumambulou uma stupa quando o
esterco foi varrido por água.
Certa vez um porco foi perseguido por um cão em volta de uma stupa; então,
após sua morte, renasceu como um deus.
Quando o rei Virudhaka perseguia os Shakyas, o próprio Bhagavan Buda tinha,
para as aparências comuns, uma ferida nas costas. Certa vez, numa vida passada como
uma criança, alguns pescadores apanharam dois peixes enormes para comer e havia se
alegrado com isto. A ferida nas costas era o resultado. A estória conta que o próprio
Virudhaka foi queimado vivo num incêndio, apesar de viver totalmente cercado de
água.
315
Buda previu que um jainista chamado Duhkhitaka morreria de indigestão. O
jainista passou a viver em jejum, mas de qualquer forma morreu devido a água e cana
de açúcar indigestas.
Nagarjuna alcançou o conhecimento da imortalidade, mas em uma vida anterior
ele havia degolado uma formiga enquanto cortava a grama, e por causa deste karma, ele
morreu perdendo a cabeça.
O Shravaka Maudgalyayana foi o melhor em fazer milagres, mas alguns
sacerdotes, cujas cabeças eram raspadas, exceto por um pequena e fina mecha de
cabelo na coroa, conseguiram espancá-lo com seus bastões. O corpo inteiro de
Maudgalyayana parecia um junco encurvado. “Sua carne e seus ossos foram
espancados até uma polpa”. Shariputra perguntou porque ele não tinha mostrado seus
poderes milagrosos. Maudgalyayana respondeu que ficou totalmente sob o poder de seu
karma; como poderia criar um milagre se nem era capaz de sair daquela situação?
Numa vida passada ele disse algo insultante à sua mãe; o karma não desapareceu por
vontade própria, e este foi o resultado.
Quanto a resultados de karma negativo, se você não pode purificar o seu karma
negativo através dos quatro poderes de confissão e restrição, ele não o abandonará nem
mesmo em sua última vida [como um Bodhisattva]. Como dizem O Sutra do Sábio e do
Tolo, Os Cem Versos dos Sutra, As Cem Estórias de Vida, A Transmissão do Vinaya,
etc, depois que se acumulou uma ação virtuosa ou uma ação não-virtuosa, o resultado
não desaparecerá. É impossível que o karma passe a ser inexistente, por isso é que
dizem que você deve modificar suas ações até mesmo no nível mais sutil.
As próximas duas seções discutem as ações não-virtuosas e contempla as
técnicas para assegurar que suas virtudes não sejam destruídas pela raiva. De qualquer
forma, você deve decidir modificar seu comportamento adequadamente segundo as leis
de causa e efeito. Os quatro títulos acima são principalmente para promover a fé na
causa e efeito. Quando quiser modificar seu comportamento segundo a causa e efeito
por causa de sua fé você deve pensar no caminho décuplo do karma – um esquema
geral descrevendo as ações virtuosas e não-virtuosas – porque isto facilita a tarefa de
modificar nosso comportamento. Em Engajando no Caminho do Meio encontramos:
316
Pratyekabuddhas; e é o alicerce para a suprema e completa iluminação dos
Bodhisattvas. Então, é vital para seres comuns inicialmente, nesta seção do nível de
Pequena Capacidade, manter a ética de modificar o comportamento segundo os lados
branco ou preto da causa e efeito.
Isto tem três seções: (1) pensando no lado preto de causa e efeito, (2) pensando
no lado branco de causa e efeito; (3) ensinando as portas que sem intenção levam ao
karma poderoso.
Isto diz que a virtude e a não-virtude podem ser resumidas em dez tipos.
Mesmo as pessoas ordenadas, e não só os leigos comuns, devem modificar seus
comportamentos. É por isso que Longdoel Lama Rinpoche era tão escrupuloso em
deixar as pessoas saber de qualquer uma das dez ações não-virtuosas que ele cometia –
na realidade, ele até chamava a atenção para elas.
317
sofrimento. Assim, derrotamos a felicidade – exatamente aquilo que queremos – como
se fosse um inimigo. Modificamos nosso comportamento ao avesso.
Algumas pessoas que pensam num nível baixo podem sentir, “Eu não sei quais
são as dez não-virtudes”. Mas se podemos aprender vinte ou trinta músicas é
impossível que não consigamos saber as dez ações não-virtuosas após ouvir falar nelas.
Nós iremos aos reinos inferiores não porque não conhecemos ou não estudamos o
Dharma, mas porque conhecemos o Dharma mas não o colocamos em prática. É vital
colocar o Dharma em prática.
As dez não-virtudes, as coisas a serem abandonadas, são:
Em outras palavras, matar, pegar o que não foi dado, e má conduta sexual são
as três não-virtudes do corpo. Mentir, provocar discórdia, usar palavras ofensivas, e
tagarelice são as quatro da palavra. As três da mente são cobiça, intenção nociva, e
visões errôneas.
Cada uma destas não-virtudes tem quatro componentes: a base, a intenção, o
ato, e o passo final.
MATAR
A base de matar envolve um outro ser, bem distinto de nós mesmos, que será morto –
uma ovelha, por exemplo. A intenção tem três partes: o reconhecimento, a motivação, e
as ilusões. Aqui, reconhecimento é reconhecer sem erro que algo é o que é. A
motivação é querer matar. As ilusões são qualquer uma das três ilusões. Um exemplo
de matar por hostilidade é ficar com raiva de um inimigo e abatê-lo com uma arma. Um
exemplo de matar por apego é matar uma ovelha por apego à sua carne, couro, etc. Um
exemplo de matar por profunda ignorância é um Tirthika ou alguém semelhante matar
um ser senciente para fazer um oferecimento de sua carne e sangue, com o pensamento
ou alegação de que isto não é uma má ação. O ato é realizar a matança usando veneno,
um dos cinco tipos de armas, ou de qualquer outra maneira. Matar não precisa ser algo
tão óbvio como esfaquear; pode também ser feito através de magia negra, mantras e
coisas assim. O passo final é a morte do outro ser.
Quando ocorre um conjunto completo destes, o processo kármico de matar foi
concluído. Mandar alguém matar não é nada diferente de você mesmo fazê-lo. O
Tesouro da Metafísica diz: “É tudo uma coisa só para os exércitos e assim por diante;
todos cometeram igualmente o ato”. Ou seja, se oito pessoas matam uma ovelha, cada
uma delas não vai receber uma parcela da ação nociva; cada uma recebe a ação não-
virtuosa completa de matar uma ovelha. Quando um general envia muitos soldados ao
massacre e mil homens são mortos, cada soldado cometeu a ação não-virtuosa de matar
318
tantos homens quanto um soldado individual é capaz de matar; o general, no entanto,
recebe a ação não-virtuosa completa de matar todos os mil homens.
Temos um bom exemplo aqui na Província Central, mas acredito que em
qualquer lugar do Tibet, pessoas ordenadas estão mandando outros abater gado para
eles, alegando que “Eles são nossos servos”. Mas, quem mata e quem mandou matar,
comete cada um a não-virtude de tirar uma vida. Se o monge tivesse matado com suas
próprias mãos, apenas uma pessoa teria cometido a não-virtude. Teria sido melhor se
em vez de pedir a ajuda de alguém, tivesse ele próprio feito o abate – a outra pessoa
não teria adquirido uma ação negativa adicional. Podemos pensar que não adquirimos a
não-virtude de matar um ser vivente, mas de fato a adquirimos porque é também uma
grande não-virtude mandar outros matar por nós.
Certa vez alguns monges e noviços colocaram uma cabra, uma ovelha, e um
touro em um curral. Quando os animais estavam para ser abatidos, a cabra disse aos
outros dois: “Eles querem nos matar”.
“Mas eles tomam refúgio todos os dias”, disse o touro. “Eles juntam as mãos,
fecham os olhos e dizem, ‘Que todos os seres sencientes tenham a felicidade e a causa
da felicidade’. Eles não vão nos matar!”
“Eles são discípulos do Buda”, disse a ovelha. “Quando entraram nos
ensinamentos, prometeram guardar o conselho que acompanha o refúgio. O principal
conselho é não fazer mal aos seres sencientes. Certamente não vão nos fazer mal”.
Os animais conversaram entre si por muito tempo. Então, naquela manhã bem
cedo, o açougueiro foi até a casa do monge. Os animais o viram e ouviram.
“Hoje estou ocupado,” disse o açougueiro acalorado. “Você não pode pedir para
outra pessoa lhe ajudar?”
“Acabaram os suprimentos para o almoço”, insistiu o monge. “Ajude-me
abatendo estes três hoje”. O açougueiro teve de prometer fazê-lo.
Os três animais ouviram que morreriam com certeza. Os dois que haviam dito
que isto não aconteceria choravam desolados. Exatamente nesta hora, o monge chegou,
tomando refúgio com as contas de seu rosário e recitando om mani padme hum. Ele
veio ver se a cabra, a ovelha e o touro estavam gordos o suficiente.
Os três disseram que não era correto monges matarem seres sencientes, ou
mandar outros fazê-lo. “Seria melhor se não fossemos mortos. Se morrermos, você
mesmo, monge, nos estará matando”.
O monge não fez nada. O açougueiro voltou e amarrou as pernas dos três
animais com uma corda. Com um taco ele deixou o touro inconsciente, enfiou uma
espada afiada até o fundo entre as costelas da cabra e da ovelha, e usou ganchos afiados
para cortar seus principais vasos sanguíneos. Assim, os animais passaram por
sofrimentos inconcebíveis. O touro gritou numa voz patética: “Ouçam-me todos os
Budas das dez direções. Tenho más notícias. Os monges desta terra são apenas pálidos
reflexos de monges, pois mandam matar seres sencientes – seres sencientes que certa
vez foram suas mães”. O estandarte de vitória do Dharma foi abaixado, e o estandarte
dos demônios subiu às alturas; todos os Budas e Bodhisattvas estavam tristes.
319
Este foi o dialogo entre o monge, a cabra, a ovelha e o touro – e tudo para o
lanche de uns poucos monges! Há uma versão mais longa em O Espelho Límpido.
Tais coisas diminuem os ensinamentos; é vital evitar matar seres viventes. Meu
próprio guru, meu refúgio e protetor era especialmente bom em fazer os outros se
arrependerem e desistirem de matar outros seres. Quando fui a Kham, consegui por um
fim ao abate em massa que Sog Tsendaen e outros mosteiros costumavam fazer para
levantar fundos. Eu achava que isto era o que melhor eu poderia fazer nesta vida pelo
Dharma.
MÁ CONDUTA SEXUAL
Para leigos, a base é qualquer orifício errado, ou todos os orifícios exceto a vagina;
qualquer hora errada, como quando a mulher está grávida, ou durante o dia em que
tomou votos de 1-dia; em qualquer local impróprio, como diante do guru, ou perto de
320
uma stupa; qualquer parceiro errado, como a própria mãe [ou pai].
Para as pessoas ordenadas, todas as atividades sexuais passam a ser má conduta
sexual.
O reconhecimento é: não se pode ter dúvidas de que o ato seja uma má conduta
sexual; mas quando um monge quebra um voto majoritário de celibato, dizem que não
importa se está enganado ou não.
A ilusão é um dos três venenos. A motivação é querer ser perverso. O ato são
os dois órgãos entrando em contato, e assim por diante. O passo final é concluído
quando se experimenta o orgasmo.
MENTIR
Pode-se mentir sobre oito coisas: (1) algo que viu com a própria consciência do olho,
ouviu com a própria consciência do ouvido, sentiu com a própria consciência do corpo,
nariz, ou língua, individualmente; (2) algo que viu com a própria consciência do olho,
etc, coletivamente; (3) algo que não viu com a própria consciência do olho, etc,
individualmente; (4) algo que não viu com a própria consciência do olho, etc,
coletivamente; (5) algo que experimentou com a própria consciência mental; (6) algo
que não experimentou com a própria consciência mental; (7) algo que sabe; (8) algo
que não sabe.
Você deve estar falando com alguém que compreenderá o que está sendo dito
em linguagem humana. Os componentes da intenção são os seguintes. O
reconhecimento é, por exemplo, reconhecer que você está dizendo que não viu algo
quando de fato viu. A motivação é querer dizer tal coisa. A ilusão é um dos três
venenos.
O ato é dizer as palavras mentirosas, ou mentir com um movimento da cabeça
sem dizer nada, por exemplo. O passo final é quando o outro compreende o que você
quis dizer.
No entanto, não seria correto dar uma resposta honesta se um assassino em
potencial lhe perguntasse: “Para onde foram nossas vítimas?” Mas, quem ainda tiver
alguma apreensão sobre isto deve fazer o seguinte. Ao ser perguntado, “O homem foi
por aqui?”, diga algo irrelevante para despistá-los, como “Hoje à noite eu vou assistir
ao fulano-de-tal”.
A base tanto pode ser pessoas que se entendem ou pessoas que não se dão bem. O
reconhecimento deve ser inequívoco; a motivação é querer causar divisão; a ilusão é
um dos três venenos. O ato é como segue. Você deseja causar divisão entre pessoas que
se dão bem, ou não permitir a reconciliação entre pessoas que não se dão bem; não faz
diferença se o que diz para provocar discórdia seja verdade ou mentira. Algumas
pessoas acham que agir assim é uma boa qualidade, mas não é. Provocar a discórdia
321
causa muitos danos e portanto não pode ser correto.
O passo final é quando as pessoas compreendem o significado de suas palavras.
Mesmo assim, o karma ainda não ficará completo se as palavras de discórdia tiver o
efeito oposto. Se não causar divisão entre as pessoas – pessoas que não se dão bem, etc
– o karma não é o de provocar discórdia porque as palavras não foram compreendidas.
PALAVRAS OFENSIVAS
A base de palavras ofensivas pode ser um ser senciente que serve de base para o
desenvolvimento de más intenções, ou um objeto inanimado como um espinho.
O reconhecimento deve ser inequívoco. A ilusão é um dos três venenos. A
motivação é querer dizer tais palavras. O ato é falar de defeitos da ética, raça, corpo,
etc, de outra pessoa. O que é dito pode ser verdade ou mentira; por exemplo, você pode
dizer, “Você está cego”, tanto para uma pessoa cega como para alguém que não seja
cego. Quando falar dos defeitos da ética, raça, corpo, etc, da outra pessoa, mesmo se
falar de maneira agradável, comete-se a ação não-virtuosa de palavras ofensivas se ferir
os sentimentos do outro.
O passo final é quando o significado das palavras é compreendido. As palavras
devem ser compreendidas; o processo kármico fica portanto incompleto se forem ditas
a objetos inanimados.
TAGARELICE
322
COBIÇA
A base é a posse ou propriedade dos outros. Suponha que vá ao mercado, veja uma
mercadoria atraente e pense, “Ah, se eu tivesse aquilo!” e fica quase doente de desejo.
O reconhecimento é reconhecer o objeto específico que serve de base para a sua cobiça
como sendo aquele objeto específico.
A motivação, ato e passo final devem ser assumidos como sendo funções
daquele pensamento. A motivação é pensar, “Ah, se este ou aquele objeto valioso fosse
meu”. A ilusão é um dos três venenos. O ato é quando o pensamento fica mais forte:
“Vai ser meu”. O passo final é quando o pensamento fica ainda mais forte e você
decide que empregará algum meio de conseguir para si aquele objeto valioso.
É possível até mesmo cobiçar as próprias posses.
Quando vamos ao mercado de Lhasa, por exemplo, desenvolvemos a cobiça
centenas de milhares de vezes, porque qualquer coisa que fizermos lá, o faremos sem
lembrança. Devemos aplicar o antídoto à cobiça e pensar em como estes bens ilusórios
são sem essência.
INTENÇÃO NOCIVA
VISÕES ERRÔNEAS
A base deve ser algo que exista: causa e efeito, as quatro verdades, as Três Jóias, e
assim por diante. Uma visão errônea é ver estas coisas como inexistentes; por exemplo,
negar estas coisas é afirmar que elas não existem.
O Tirthika Rshi Akshipada sentia luxúria por sua própria filha e queria dormir
com ela, então, compôs Os Cem Mil Versos onde alegava a não-existência de outros
renascimentos além deste atual. Outros exemplos são as dezesseis visões errôneas más,
fabricadas, e assim por diante.
O reconhecimento é como as outra nove formas de reconhecimento, exceto que
a pessoa não reconhece que o que está sendo negado é de fato verdadeiro. O ato é a
intenção de negar o que serve de base. O passo final é decidir que aquilo não existe.
Há pouca chance de que realmente [manteríamos visões errôneas], mas há o
323
perigo de que poderíamos ficar inclinados em fazê-lo devido a más companhias, isto é
pessoas com uma pequena quantidade de mérito.
Agora que podemos identificar corretamente as dez não-virtudes, é vital que
escrupulosamente evitemos cometê-las.
324
Existem de um a seis tipos de peso [em qualquer ação]. Dois exemplos de
tipos de peso são: lançar um olhar indignado a um Bodhisattva quando estiver com
muita raiva, ou matar um animal com sadismo. Cantar ou dançar com grande apego é
um exemplo de um único tipo de peso. Todos os seis tipos de peso estarão presentes se
um açougueiro, digamos, que sempre comete ações nocivas e nunca faz nada virtuoso,
fica com raiva de seus pais e os mata com sadismo.
Por mais leve que sejam nossas ações nocivas, estamos sempre acrescentando
algo ao seu peso.
325
praticantes do Dharma têm doenças, vidas curtas, e coisas assim. Há muitas causas para
isto: as causas destes efeitos se encontram em vidas passadas. Quando algo indesejável
nos acontece neste renascimento, pensamos que uma outra circunstância mais imediata
é a responsável, mas não é assim. Normalmente estas coisas são criadas por karma de
vidas passadas.
Ações correspondentes à causa é o seguinte. Nesta vida existem aqueles que,
desde a infância, gostam de roubar coisas; isto vem de terem tomado coisas que não
lhes foram dadas em outras vidas. Existem crianças habilidosas em fazer outras
crianças roubar; tais crianças gostam de roubar. Outras ações correspondentes às causas
são análogas e fáceis de compreender. As ações correspondentes às causas de cobiça,
intenção nociva e visões errôneas são: aumento no apego, hostilidade e profunda
ignorância.
As condições ambientais por tomar o que não foi dado são: pouca colheita e
frutas, geadas severas, granizos, e coisas assim; pouco leite ou coalhadas, etc. [Por má
conduta sexual] você viverá em lugares barrentos ou sujos; [por mentir] existirão
muitos trapaceiros ao redor; [por provocar discórdia] terá de viver em lugares onde a
terra é irregular; [por palavras ofensivas] você renascerá num lugar onde existem
muitos tocos de árvores e arbustos espinhentos; [por tagarelice] a colheita falhará e a
chuva cairá em épocas erradas; [por cobiça] todos os seus prazeres serão ofuscados;
[por intenção nociva] haverá muita guerra, doença e fome; [por visões errôneas] suas
fontes de água e coisas preciosas secarão.
Portanto, se você estudou e sabe o que acontece como resultado da não-
virtude e mesmo assim se envolve intencionalmente com a não-virtude, isto é como
pular de um penhasco com os seus olhos bem abertos.
A terra já foi muito boa, mas agora ela não é nada boa, tornou-se infértil e
coisas assim. O karma fez isto. Anteriormente neste eon afortunado, a terra era
magnífica, mas gradualmente declinou, e agora está com erosão, fendas e barrancos.
Isto tem duas seções: (1) ensinando o processo kármico branco; (2) ensinando
seus resultados.
326
correto”. Isto é a motivação. Quando este pensamento fica ainda mais forte e você
perceber que matar a ovelha seria uma má ação, você tenta abster-se totalmente de
matá-la; esta tentativa é o ato do karma branco que antecede matar a ovelha. Este
processo kármico se completa quando você está bem certo de que não vai matá-la; você
vê as desvantagens de matar a ovelha e pensa em abster-se completamente de matá-la –
isto [equivale] à ação kármica do corpo. Este é o passo final do karma branco de não
matar uma ovelha.
Quando for roubar algo que não lhe foi dado, por exemplo, a motivação para
não roubar seria o pensamento: “Esta coisa valiosa é a base de meu sofrimento e
degradação; esta má ação causará a minha ida aos reinos inferiores, portanto não seria
correto fazê-la”. O ato seria suas tentativas de abandonar esta ação kármica. O processo
kármico se completa quando você estiver bem certo quanto a abandonar [o ato].
Aplique os mesmos princípios a outras não-virtudes, como a má conduta sexual.
O Resultado Amadurecido
Você renascerá como um deus dos reinos superiores [isto é nos Reinos da
Forma e Sem Forma] por causa do karma altamente virtuoso; renascerá como um deus
do Reino do Desejo devido ao karma medianamente virtuoso; e como um ser humano,
devido ao pequeno karma virtuoso.
Resultados Ambientais
Estes são fáceis de se compreender: são os opostos dos resultados ambientais
das dez não-virtudes – ou seja, comida, bebida, remédios com grande poder, e assim
por diante.
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Poderoso Devido ao Campo
A generosidade fica cada vez mais poderosa quando praticada com as pessoas
comuns, com os próprios pais, com praticantes da virtude, Bodhisattvas leigos ou
ordenados, Budas, e o próprio guru, nesta ordem. É muito mais grave lançar um olhar
de desdenho a um Bodhisattva do que lançar todos os seres sencientes dos três reinos
numa prisão e arrancar seus olhos. É mais benéfico colocar as mãos juntas movido por
fé e em sinal de respeito a um Bodhisattva do que libertar todos aqueles seres
sencientes da prisão e devolver-lhes os olhos. De maneira semelhante, se um monge
mata um animal, ele só quebra um voto minoritário. Se ele mata um ser humano,
quebra um voto majoritário.
328
E se tornarão imensos como o próprio espaço.
As pessoas com votos tântricos vêem cem mil vezes mais aumento do que este.
Assim, alguém que não tomou nenhum voto não cria estas virtudes-raiz especiais.
Contraste isto com alguém mantendo os votos que a cada dia vê um aumento de virtude
e, portanto, recebe muitos benefícios. Aqueles de mente estreita não devem ter visões
errôneas: mesmo os leigos devem ser encorajados a tomar os votos de 1-dia, votos de
1-dia de jejum, e os votos de bodhisattva.
Existem dois tipos de proibições: natural e declarada. As proibições do primeiro
tipo são tidas como o seguinte. Uma de suas facetas são suas causas: suas verdadeiras
motivações são não-virtuosas. Outra característica é sua natureza: suas naturezas são
pecaminosas e personificam a não-virtude. Uma outra característica ainda é seu
resultado: uma parte de sua natureza é que são capazes de amadurecer num resultado
desagradável. Não importa se alguém tomou os votos ou não, se estes pontos básicos
estiverem presentes, aquela pessoa vai gerar um pecado proibido.
A segunda, a proibição declarada, é qualquer ação kármica, ou obscurecimento
[resultante], que vai contra uma norma estabelecida pelo Buda. Assume-se que seja
como segue. Uma de suas características é a causa: suas verdadeiras motivações são
pensamentos virtuosos ou neutros. Sua natureza é outra característica: personifica a
natureza neutra. Outra característica é seu resultado: parte de sua natureza é que são
capazes de amadurecer em resultados desagradáveis.
Se quebrar um voto minoritário e a causa, ou seja, sua motivação está ligada a
algo não virtuoso – pensamentos de ignorar seus votos e coisas assim – você cometerá
a ação não-virtuosa e quebrará um voto minoritário: isto é uma proibição natural e uma
proibição declarada. Se quebrar um voto minoritário com motivação neutra, você
quebrará o voto minoritário ao ir contra uma norma de Buda, mas não comete o pecado
– a proibição natural. Se um monge mata um animal ele comete um pecado – a
proibição natural de matar um animal – e quebra um voto minoritário – a proibição
declarada, pois matar um animal é uma transgressão minoritária dos votos de um
monge.
Tais ações negativas e quebra de votos minoritários podem ter a mesma
natureza, mas ainda estão limitadas a serem coisas separadas. Não importa quanto se
aplica alguns antídotos, como os quatro poderes, aos votos [minoritários] quebrados, e
embora consiga purificar completamente as ações que têm a mesma natureza, fazer isto
ainda não restaura adequadamente o voto [minoritário] quebrado que tem a mesma
natureza da ação negativa. Também, embora se possa restaurar adequadamente o voto
[minoritário] quebrado, se não for feita a expiação através dos quatro poderes, ele ainda
não foi purificado.
Toma-se os votos pratimoksha com o abade, mestre de ordenação e membros da
Sangha; estes votos devem portanto ser restaurados na presença de monges ou
membros da Sangha. Maus atos contra os votos de bodhicitta devem ser confessados e
purificados perante seus gurus, Os Vitoriosos, e seus Filhos; maus atos contra os votos
329
tântricos devem ser confessados e purificados na presença de um conjunto de deidades
de uma mandala específica.
Quando se cria grandes virtudes raiz como, por exemplo, fazer oferecimentos
ou construir nossas coleções [de méritos] é muito mais benéfico manter, pelo menos, os
votos Mahayana de 1-dia.
330
Existem muitos outros tipos de karma: o karma que se é obrigado a passar, o
karma que não se é obrigado a passar, karma que acumulou através de alguma ação,
ações realizadas que não acumularam karma, karma acumulado sem que se tenha feito
nada.
Os resultados do karma que se é obrigado a passar podem ocorrer em três
épocas diferentes. Com resultados tangíveis: devido a alguma motivação especial ou
campo de mérito vivencia-se os resultados durante a mesma vida em que o karma foi
acumulado. Com o karma a ser experimentado após o renascimento, vivencia-se os
resultados de uma ação kármica no próximo renascimento. Com o karma a ser
experimentado num número de vezes de renascimentos, vivencia-se os resultados de
uma ação kármica no renascimento seguinte ou em renascimentos subseqüentes.
Refira-se a trabalhos como Os Estágios Grande ou Médio do Caminho [de Tsongkapa]
para compreender isto em mais detalhes.
Existem três títulos aqui: (1) as qualidades amadurecidas; (2) suas funções; (3)
as causas para alcançá-las.
o AS QUALIDADES AMADURECIDAS
Existem oito destas qualidades: uma vida longa, um belo corpo, família de
classe elevada, grande riqueza, palavra confiável, grande poder e fama, ser do sexo
masculino, ser forte de corpo e mente.
Neste mundo, os bons frutos no campo vêm de boas sementes. Não cometa
nenhum erro: nossa riqueza, o fato de termos um renascimento elevado tão sólido, e
coisas assim, de forma semelhante vêm de ações kármicas de nossas vidas passadas. E
331
só ter os frutos da colheita deste ano não ajuda muito; deve-se fazer um esforço para
plantar a semente do ano que vem. De forma similar, não ajuda termos curiosidade
sobre nossos futuros renascimentos, ou pensarmos neles e ficarmos apavorados. Não se
conseguirá nada se simplesmente alcançar as causas para um renascimento elevado
comum; deve-se alcançar as causas para obter um tipo especial de renascimento
adequado à prática do Dharma. Até mais, deve-se ter as oito qualidades amadurecidas:
longa vida, um belo corpo, e assim por diante.
332
qualidades e fizermos preces puras para carregá-las para nossas vidas futuras,
receberemos como resultado estas oito qualidades em vidas futuras. Isto porque
resultados ocorrem quando um conjunto completo de causas estão reunidas.
Vejamos estas oito qualidades. As causas para a primeira, uma vida longa, são
abandonar o ato de matar ou intenção nociva com os seres sencientes; salvar vidas,
poupar uma vida e terminar o sofrimento de, por exemplo, vairões cujo lago está
secando; dar alimentos; aliviar um monge de trabalho pesado; dar remédio aos doentes
e cuidar deles; e coisas assim.
A principal causa para ter um belo corpo é praticar paciência. Mas, há outras
causas: oferecer brilhantes lamparinas de manteiga a imagens; construir novos objetos
representando corpo, palavra e mente iluminados; restaurar estes objetos quando caírem
em mau estado, renovar seus dourados e decorações; fornecer-lhes novas coberturas de
tecido; dar a outras pessoas roupas e jóias novas; e coisas assim.
Uma causa para renascer numa família elevada é não ter uma opinião inflada de
si mesmo – seja você leigo ou ordenado – ou de suas boas qualidades, raça, ética,
sabedoria, séqüito, roupas, etc. Outras causas são agir com humildade e abandonar todo
orgulho ou sentimentos de superioridade; e mostrar grande respeito por seres
potencialmente kármicos como seu guru, seu mestre de ordenação, abade, e membros
da Sangha. As pessoas ordenadas devem respeitar qualquer um mais sábio ou mais
antigo do que elas mesmas. Eruditas devem também aceitar o serviço ou prosternações
que os mais jovens lhes fizerem por respeito ao conhecimento em seus contínuos-
mentais; e quando um jovem está para receber os votos de monge, ele deve ser tratado
como um igual. Pode ser hábito render respeito aos praticantes ou às reencarnações dos
lamas, mas deve-se fazer coisas como respeitar os sábios e idosos; tais coisas devem ser
feitas corretamente como eram feitas na época de Buda.
O governo tibetano, o governo do palácio de Tushita, usa dezesseis leis
imaculadas de deuses e humanos que contém muitas coisas extremamente importantes:
os jovens devem respeitar os mais velhos; deve-se estimar as pessoas com boas
qualidades ou pessoas que foram muito bondosas com você, como seus pais; deve-se
ajudar as pessoas que caíram devido a doença ou pobreza; e coisas assim. Se estas
forem seguidas, ajudará a felicidade geral do país. A Transmissão do Vinaya conta a
estória de quatro animais amigos que se respeitavam uns aos outros conforme suas
idades. Por causa do comportamento ético destes animais, o povo de Kashi [perto de
Benares] usufruía de grande felicidade. Estes quatro amigos eram animais, e no entanto
era isto que acontecia quando animais mais jovens respeitavam os mais velhos; nem é
preciso dizer que nós praticantes do Dharma, pessoas ordenadas, e assim por diante,
devemos também fazer o mesmo-- e trará ainda mais felicidade!
As causas para ter riqueza são dar aos símbolos do corpo, palavra e mente
iluminados novas coberturas ou novas pinturas; dar roupas, alimento, bebida, jóias e
assim por diante para os que pedirem; ajudar as pessoas que não pedem ajuda; e fazer
oferecimentos ou praticar o máximo possível a generosidade para as pessoas com boas
qualidades ou para aqueles atormentados com o sofrimento.
333
As causas para ter palavra confiável são: ser meticuloso com sua palavra e
esforçar-se muito para abandonar a não-virtude.
As causas para ter grande poder e fama são: ser respeitoso e fazer oferecimentos
a seres karmicamente potentes como seu abade, mestre de ordenação, as Três Jóias, os
pais, pessoas mais velhas do que você e assim por diante; rezar para receber estas várias
qualidades, e assim por diante.
As causas para renascer do sexo masculino são preferir renascimentos
masculinos, não gostar do estado feminino por ver desvantagens suficientes para
repudiar tal estado e sentir que não é bom tomar tal renascimento; impedir a si mesmo
de desejar ter um corpo feminino desejável. Outra causa é invocar os nomes de grandes
Bodhisattvas, como no verso:
Outras causas: não falar mal de pessoas que o censuram, salvar seres de serem
castrados, etc.
As causas para ser forte de corpo e mente são: fazer tarefas que outros estão
muito ocupados para fazer, ou que são física, mentalmente ou de outra forma incapazes
de fazer; ajudar os outros; não bater ou chicotear os outros; dar alimento e bebida aos
outros, e assim por diante.
Se rezar para que seu renascimento com estas oito qualidades amadurecidas seja
também um instrumento de virtude, você pode ser como Atisha ou os Dharmarajas de
antigamente. Se não fizer estas nobres preces, seu renascimento poderá ser não-virtuoso
embora consiga um estado físico que tenha estas oito qualidades amadurecidas, e você
pode se tornar uma grande força trabalhando pela não-virtude --um rei de alguma
região remota, por exemplo. Portanto, é vital fazer fortes preces para que isto não
aconteça, para que não se tenha tal renascimento não-virtuoso.
Embora os ensinamentos do Dharma sobre a impermanência são importantes no
início, no fim, e no meio, a prática fundamental desta seção da Pequena Capacidade é a
de modificar o próprio comportamento segundo as leis de causa e efeito.
Isto tem duas partes: (1) o ensinamento geral; (2) em particular, como purificar-
se com os quatro poderes.
o O ENSINAMENTO GERAL
334
sobre virtude e não-virtude. Entre sessões, com vigilância e escrupulosidade você deve
modificar seu comportamento. Geshe Baen Gung-gyel costumava contar suas ações
virtuosas e não-virtuosas no final do dia com pedrinhas pretas e brancas; depois ele
modificava seu comportamento devidamente. Você deve fazer o mesmo.
De Engajando nos Feitos dos Bodhisattvas:
Já falei sobre este verso na seção dos ritos preparatórios [Dia Seis]. Nanda foi
dominado pela luxúria. Angulimala matou novecentos e noventa e nove homens,
Ajatashatru matou seu pai que era um Não-Retorno, e Shankara matou sua própria mãe,
e no entanto purificaram estas ações não-virtuosas. Suas ações não-virtuosas
anteriormente acumuladas também serão purificadas, então é vital combinar a expiação
destas ações com refrear-se de repeti-las.
Resumindo, nesta seção da Pequena Capacidade, você deve dar grande valor à
lei de causa e efeito, colocando em prática os pontos principais. Até mesmo o grande
Atisha se fez habilidoso nisto.
Certa vez em Paenpo havia um homem que costumava recitar O Selo de
Pangkong 62 e um homem que havia penhorado uma cópia do Sutra de Mil Versos da
62
Este foi o primeiro livro do Tibet, e está cercado de mitos. Supostamente, ele caiu do céu. O Sutra de Mil Versos da
Perfeição da Sabedoria, no entanto, é uma das escrituras mais sagradas e reverenciadas, e muitas vezes é colocado sobre o
altar para veneração.
335
Perfeição da Sabedoria. Imediatamente depois de suas mortes, os servos de Yama
guiou-os sob a terra levando-os à sua presença. O segundo homem mentiu, mas em
vão: foi-lhe mostrado o espelho de Yama. O espelho revelou quem havia vendido o
sutra, quem havia comprado, as lentilhas que o homem comprou com o lucro e até
mesmo a criança que apanhou as lentilhas quando foram entornadas. O homem foi
jogado num caldeirão gigante. O homem que costumava recitar O Selo de Pangkong
tomou refúgio e então retornou do reino dos mortos. Geshe Potowa disse-lhe, “Conte
sua estória aos outros”.
Você pode pensar, “No meu próximo renascimento, as ações não-virtuosas que
acumulei não vão me prejudicar porque meu abade, meu mestre de ordenação, e assim
por diante, não têm conhecimento delas”. Mas o Sutra Soberano da Concentração Uni-
focada diz:
336
cometê-las; pense, “Hoje eu não as farei”, e repita isto todos os dias.
O poder da base, é tomar refúgio e desenvolver a bodhicitta. Este é o motivo
destas duas orações serem feitas no início da meditações de Vajrasattva e recitações de
seu mantra, ou as Confissões de Transgressões, e assim por diante.
Temos acumulado todo tipo de ação negativa desde os tempos sem princípio;
nossa coletânea de ações nocivas é como o tesouro escondido de um rei. Mesmo assim,
como já disse na seção dos ritos preparatórios, se as expiarmos com vigor por meio dos
quatro poderes e evitarmos repeti-las, seremos capazes de purificar até mesmo o karma
cujas conseqüências certamente teríamos de sofrer. É melhor fazer isto usando
Confissões de Akashagarbha, Confissões das Transgressões, juntamente com
prosternações inteiras; ou O Sutra da Confissão de Suvarnabhasottama, conforme
discutido no volume de trabalhos avulsos de A Coletânea de Obras de Tsongkapa; e
coisas assim.
Dizem que o processo de purificação é mais efetivo se, na conclusão da
expiação, você sentir que toda e qualquer ação negativa foi purificada e então visualizar
a vacuidade não-focada o máximo possível.
Não ajuda ser indiferente quanto às próprias ações negativas nem continuar
temendo-as. É vital que nós principiantes façamos expiações vigorosas por muito
tempo, até que os sinais de que tenhamos nos purificado apareçam repetidamente,
conforme mencionado em O Encanto de Kandakari. Como já disse, monges comuns
purificam ações negativas freqüentando cerimônias públicas, práticas de debate, sendo
diligentes nos seus estudos e contemplações, e até participando de uma série de
torneios de debates entre as várias casas de seu mosteiro – se estas coisas forem feitas
com o objetivo de acumular mérito e como auto-purificação. Então, estas ações
poderiam aumentar suas acumulações. Analisar o conteúdo das escrituras é também
uma forma de meditação analítica: “meditação” não precisa ser retirar-se para alguma
caverna com o corpo sentado em determinada postura. Mas, se estudarmos só como um
exercício intelectual, ou para podermos derrotar os outros em debate, isto não é
Dharma.
Quando debatemos, não devemos fazê-lo só para tomar partido contra a pessoa
sendo examinada; devemos tomar isto como sinal de que também temos de tomar
partido contra nossos próprios contínuos-mentais. Isto significa que nós, que somos
ordenados, poderíamos estar praticando o Dharma o tempo todo; se pensarmos assim,
estas coisas se transformarão em Dharma, e não precisaremos necessariamente partir
sozinhos ou fazer alguma outra coisa para sermos praticantes do Dharma. Por outro
lado, os leigos devem dirigir um esforço especial para o Dharma. No entanto, as dez
virtudes são uma prática especialmente difícil para os leigos.
Meu próprio e precioso guru disse, “As partes do Lam-rim a seguir, o nível de
Média Capacidade e coisas assim, são uma extensão das práticas relativas à lei de causa
e efeito”.
Eis como fazer esta prática: Abandone qualquer pequena ação negativa que
puder. Quando estiver para matar um piolho, por exemplo, mesmo quando sua unha
337
estiver pousada sobre ele, abandone a ação com o pensamento, “Não seria correto”.
Quando tiver a intenção de mentir, lembre-se de segurar sua língua. Construa
gradualmente a sua prática de virtude.
Alguns pensam que cometer ações negativas triviais não prejudica porque elas
podem ser prontamente expiadas. Mas há uma diferença enorme entre não cometer uma
ação negativa, e expiá-la depois que tê-la cometido: uma diferença tão grande quanto
entre não quebrar a perna e remendá-la depois que foi quebrada. Em outras palavras,
você se distancia de obter estágios mais elevados no caminho, embora não seja
necessário experimentar os efeitos amadurecidos das ações negativas se purificá-las ao
evitar cometê-las e por expiação vigorosa; portanto, você ainda ficaria circulando no
samsara por eons. Cometer ações negativas causa, portanto, grandes danos.
Aqui termina a palestra. No passado você considerava esta vida mais
importante, e não tinha anseio algum por um bom renascimento. Agora, estudou o
Dharma do ótimo renascimento humano, impermanência, os sofrimentos dos reinos
inferiores, tomada de refúgio, e causa e efeito. Se sentir, “Eu devo trabalhar só para
meus renascimentos futuros”, ansiar apenas bons renascimentos, e perder o interesse
pelas banalidades desta vida, terá desenvolvido seu primeiro tipo de realização do nível
da Pequena Capacidade do Lam-rim. Mesmo se já desenvolveu isto, você ainda deve
meditar repetidamente, como disse Je Tsongkapa: “Você ainda deve estabilizar isto,
esforçar-se e treinar, embora já tenha esta realização”. Por isso, trabalhei para que
desenvolvam o primeiro tipo de realização de Lam-rim durante estes ensinamentos.
Então Kyabje Pabongka Rinpoche ensinou esta matéria um pouco mais. Depois
ensinou como seguir a prática.
338
DIA QUATORZE
Kyabje Pabongka Rinpoche citou dois versos das obras do grande Tsongkapa, que
começam: “Nossa vida e nosso corpo são como espumas na água...” Depois, falou um
pouco para acertar a nossa motivação, e mencionou os títulos já cobertos. Repassou,
também, o texto Desenvolvendo Fé na Lei de Causa e Efeito, o verdadeiro meio de
obter felicidade nos seus próximos renascimentos.
Isto tem duas seções: (1) desenvolvendo o anseio pela liberação; (2) averiguando a
natureza do caminho que leva à liberação.
339
agregados que nos afligem conforme segue: Os agregados se formam devido ao karma
e enganos. Existem três reinos onde isto acontece: o Reino do Desejo, etc.; há cinco ou
seis tipos de migrações63 onde isto acontece; e há quatro formas de renascimento, isto é
renascimento do útero, etc.64
As pessoas geralmente entendem que samsara significa tomar corpos desde o
Pico da Existência até o Inferno Sem Descanso. Quem não estudou pensa que samsara
significa circular entre residências temporárias, ou circular entre os seis tipos de
migrações. O uso correto da palavra pode ser este, mas isto não é o verdadeiro
samsara. Alguns estudiosos alegam que o samsara consiste de coisas como ser
concebido vez após vez; mas, a afirmação do Sétimo Dalai Lama, Kelsang Gyatso, é a
melhor: o samsara é o contínuo de nossos renascimentos nos agregados contaminados.
Fica-se, portanto, livre do samsara quem quebra a continuidade de reencarnar e de ser
concebido sob o poder de karma e enganos.
Os prisioneiros precisam desenvolver o desejo de libertarem-se da prisão antes
que fujam delas. Este desejo não será desenvolvido a não ser que considerem as
desvantagens de permanecer na prisão. Da mesma forma, se não quiser se libertar do
samsara, você não fará nenhum esforço para isto. E quando desenvolver o desejo de
libertação, como diz Aryadeva em seu Os Quatrocentos Versos: “Os estudiosos têm
tanto medo de renascimento superior quanto de renascimento nos infernos”. Em outras
palavras, tenha cuidado com o samsara. Pense nos sofrimentos do samsara, há duas
maneiras de fazê-lo: pensando nas quatro nobres verdades ou nos doze elos. Discutirei
agora a primeira dessas duas.
Quando o Bhagavan Buda deu ensinamentos pela primeira vez em Benares e
girou a roda do Dharma para os seus cinco primeiros discípulos, ele disse:
Ele discutiu três vezes cada uma das quatro nobres verdades, fazendo ao todo
doze versões. Esta foi a girada da roda do Dharma sobre as quatro nobres verdades.
Elas são chamadas “verdades” porque são verdades segundo a maneira como os Aryas
percebem as coisas.
Ao examinar a causa e seus efeitos, primeiro deve-se discutir a verdade da
origem do sofrimento. Mas aqui as quatro verdades não seguem esta ordem, porque a
verdade do sofrimento foi discutida primeiro. A razão disto é a seguinte: O sofrimento
foi ensinado primeiro porque devemos ser movidos a renunciá-lo. Se não o fizermos,
63
Os seis tipos são aqueles dos seis reinos: seres dos infernos, fantasmas famintos, animais, humanos, semi-deuses, e
deuses. Estes se transformam em cinco quando os semi-deuses são contados entre os deuses ao invés de ter uma
classificação separada.
64
Estes quatro são: renascimento de um útero, renascimento de um ovo, renascimento do calor e umidade, ou
renascimento milagroso. Este último na realidade é tido como o mais comum já que seres como os dos infernos, por
exemplo, nascem desta maneira. Esta é a natureza deste cativeiro, e liberação significa ser libertado dele.
340
não vamos querer abandonar as suas causas. Quando desejar obter um afastamento
destas causas, você trabalhará com determinação no caminho – a causa para obter tal
realização. Portanto, as quatro nobres verdades foram discutidas nesta ordem com o
intuito de refletir a prática do discípulo. Assim, estas quatro é o fundamental que
determina como aquelas pessoas que estão buscando a liberação devem modificar os
seus comportamentos.
O venerável Maitreya em seu Contínuo Sublime do Grande Veículo ensinou
algumas comparações sobre o sofrimento, a necessidade de destruir a causa do
sofrimento, e assim por diante:
Cada uma das quatro verdades tem quatro aspectos. Para a verdade do
sofrimento são: impermanência, sofrimento, vacuidade e ausência de ego. Para a
origem do sofrimento são: causa, origem, causa contributória, e produção intensa. Para
341
a verdade da cessação são: cessação, paz, esplendor, e resultado definitivo. E para o
caminho são: caminho, ação correta, realização, e liberação definitiva.
Os agregados contaminados têm três tipos de sentimentos: felicidade,
sofrimento e equanimidade. Embora reconheçamos os [sentimentos] contaminados de
sofrimento pelo que ele é, não percebemos que os outros dois também são sofrimentos.
Certa vez um praticante de tantra disse à sua mulher, “Alguém como eu está
pronto para ir às terras puras dos detentores-de-sabedoria no momento em que você
proceder mal." Mais tarde ele adoeceu, e sua mulher perguntou-lhe quando ele
morreria, “Mestre dos tantras, você está pronto para ir às terras puras dos detentores-de-
sabedoria. Nós procedemos mal?”
Ele respondeu, “É só porque estou impotente para continuar vivendo. Se assim
não fosse, em vez de ir a esta terras puras, preferiria ficar consigo.”
Como a estória do Acharya Manu, pensamos que há felicidade no samsara; não
sabemos que isto é só apego e que sua natureza é sofrimento. Quando soubermos que
isto é a verdade da origem – a própria causa do sofrimento – vamos querer abandoná-
lo.
Há duas origens: karma de origem e engano de origem. A verdade da cessação é
o resultado da ausência de sofrimento; a verdade do caminho são os meios para
alcançar a verdade da cessação. Para alcançar a verdade da cessação, deve-se colocar
em prática a verdade do caminho.
Para compreender o sofrimento pensr nos oito, seis e dois tipos de sofrimento.65
Estes são discutidos em Os Grandes Estágios do Caminho, de Tsongkapa. O
sofrimento humano vem sob a categoria dos oito tipos. Todos os três tipos incluem o
sofrimento que permeia todos os fenômenos condicionais.
A SINA DA INCERTEZA
65
Os oito tipos de sofrimentos são aqueles vivenciados no reino humano: nascimento, velhice, doença, separação da
beleza, encontro com o feio, buscar e não encontrar as coisas desejadas, e possuir agregados físicos e mentais que são a
própria natureza do sofrimento. Os seis tipos de sofrimentos são aqueles do samsara em geral: nenhuma certeza, nenhuma
satisfação, deixar repetidamente os corpos, tomar repetidamente renascimentos, mover-se do alto para baixo, e não ter
amigos. Os dois tipos de sofrimentos são aqueles do samsara em geral e aqueles dos seis reinos diferentes de renascimento
em particular.
342
renasceu como um peixe naquele açude. A mãe do leigo era apegada à casa e então
renasceu como o cachorro do homem. O inimigo do homem tinha sido morto por ter
estuprado a esposa do homem; como o inimigo era muito apegado àquela mulher,
renasceu como seu filho. O homem pescou seu pai, o peixe, e o matou. Enquanto comia
a sua carne, o cachorro – sua mãe – comia as espinhas do peixe, e por isso levou uma
surra de seu filho. Seu próprio filhinho, seu inimigo, estava sentado em seu colo.
Shariputra viu isto e disse:
Ou seja, embora estejamos certos que nossos inimigos, amigos, etc. sempre
serão como são, não podemos realmente ter tanta certeza. Os amigos, em outra época
em nossa vida, podem mais tarde passar a ser nossos inimigos; nossos inimigos podem
virar nossos amigos. E isto também vale para riqueza e pobreza: alguém que ontem era
rico pode virar um mendigo hoje porque foi roubado por seus inimigos, ou coisas
assim. Estes são tangíveis: as coisas mudam de momento a momento.
Shrijata viu uma cobra enroscada no corpo de uma mulher, uma grande árvore
sendo comida por insetos, um homem sendo abatido por muitos servos de Yama
usando máscaras diferentes, e o esqueleto de um monstro-marinho do tamanho de uma
cadeia de montanhas e tão grande que até poderia esconder o sol.
Então Maudgalyayana disse-lhe: “O primeiro era o renascimento de uma
mulher muito apegada ao seu próprio corpo. O segundo era um homem irresponsável
que fez mal uso da madeira da Sangha. O terceiro era o renascimento de um caçador, e
o quarto, bem Shrijata, este era o esqueleto de uma vida passada sua.”
“Certa vez, os ministros perguntaram ao seu rei como deveriam tratar um certo
criminoso. O rei estava absorto num jogo de xadrez e distraidamente disse, ‘Execute-o
conforme a lei.’ Por isso, o homem foi colocado à morte. Quando o rei terminou seu
jogo de xadrez, perguntou aos ministros o que haviam feito com o homem. Eles
343
responderam que o homem já estava morto. O rei sentiu grande remorso, mas mesmo
assim renasceu como um monstro-marinho por causa do ato negativo de ter mandado
executar o criminoso. Muito tempo se passou. Alguns mercadores que haviam saído ao
mar num navio estavam navegando direto para a boca do monstro-marinho. Os
mercadores estavam apavorados e tomaram refúgio no Buda. O monstro-marinho
ouviu-os tomando refúgio. Ele fechou a boca, morreu de fome, e seu cadáver foi
carregado até à praia pelos nagas do oceano.”
Assim, Shrijata primeiro renasceu como um rei, depois como um monstro-
marinho, e depois novamente como um ser humano. A incerteza do samsara é assim.
344
Embora não tenha nenhuma propriedade,
Se tiver o contentamento
Terá a mais pura riqueza.
Não importa que corpo tomemos, ele provará não ser confiável. A Carta de
Nagarjuna diz:
Ganhe o enorme gozo e prazer
Dos reinos dos deuses,
Ganhe o gozo livre de apego ao póprio Brahma,
E mais tarde alimentarás os fogos
Do Inferno Sem Descanso,
Onde o sofrimento é constante e ininterrupto.
Quando eras um deus do sol ou da lua
A luz de teu corpo
Brilhava sobre todo o mundo.
Mais tarde fostes à negra escuridão
Onde não conseguias enxergar os movimentos de tuas próprias mãos.
Ou seja, no passado tivemos inúmeros renascimentos em corpos de um Brahma,
um Indra, e assim por diante. Mas, não tiramos nenhum benefício. Depois, renascemos
no Inferno Sem Descanso, ou como um escravo, e coisas assim. De tempos em tempos,
renascemos como deus do sol ou da lua, e a luz de nosso corpo iluminou os quatro
continentes. Depois morremos, deixamos aquele renascimento e renascemos na
escuridão profunda dos oceanos entre os continentes, onde não conseguíamos ver nem
os movimentos dos nossos membros.
Não há riqueza humana ou celestial que não tenhamos vivenciado no passado,
mas nenhuma dessas riquezas provaram ser confiáveis. Já renascemos nos reinos dos
deuses, e sentamos em tronos incrustados de diamantes e coisas assim; até mesmo
nossa casa já foi toda feita de materiais preciosos. Já apreciamos tais coisas muitas
vezes, mas agora sentamos em almofadas de couro. Já renascemos até como Indra e
345
depois viramos um mendigo; nossos renascimentos como Indra não ajudaram nada.
Nos renascimentos elevados você passou muito tempo em prazeres,
Acariciando os seios e cinturas de mulheres;
Depois no inferno, você sentiu os instrumentos de tortura
Que amassava, cortava, e rasgava-lhe--
Que dor constante e intolerável!
Ou seja, você já pode ter nascido nos reinos dos deuses e por muito tempo
experimentado o prazer com as deusas. Depois, deixou aquela vida, renasceu no inferno
cercado por guardas infernais apavorantes e experimentou o sofrimento. Você bebeu a
ambrósia celestial da imortalidade; depois deixou aquele renascimento e teve que beber
o metal derretido dos infernos. Você já foi imperador universal, teve poder sobre
muitas centenas de milhares de súditos homens, teve à sua disposição os sete sinais do
poder real, e assim por diante. Agora você não tem nada que mostre isso, nenhum traço
de benefício. Como eu já disse, a desvantagem é que o seu apego aos objetos dos
sentidos aumentou, deixando-lhe descontente; então você acumulou ações negativas e
passou de reino inferior a reino inferior.
Meu próprio guru, meu refúgio e protetor, me contou esta estória. Certa vez um
lama estava morrendo e alguém perguntou se ele tinha uma última coisa a dizer. O lama
repetiu várias vezes, “As coisas no samsara não têm nenhuma essência.”
Não importa quanta riqueza ou opulência tenhamos, como no passado, não
tiraremos nenhuma essência delas. Quando renascíamos como imperadores universais,
todas as riquezas deste mundo não se comparavam ao valor de um de nossos sapatos.
Tínhamos muitas roupas, mas elas não nos beneficiavam.
Quando um rei e um mendigo são forçados a irem para o bardo, eles são
tratados igualmente: o bem ou o mal pode cair igualmente sobre eles.
Teria o nosso nobre Mestre recebido tal corpo nos tempos sem princípio?
Então, devemos trabalhar a partir de agora porque antes não praticamos
nunca o Dharma Mahayana.
346
Em vez de se livrar da dor,
No inferno você bebeu repetidas vezes
O bronze fundido e derretido;
Até mesmo as águas dos oceanos não se igualam a isto.
Você já nasceu como cães e porcos e comeu mais imundície do que o Monte
Meru – e se não fugir do samsara, terá de comer ainda mais.
Você já se separou de seus pais, filhos, irmãos, e assim por diante, e derramou
mais lágrimas do que o oceano --e se não escapar do samsara, terá de chorar ainda
mais.
347
Em outras palavras, já renascemos como minhocas enlameadas e já comemos
tanta terra e esterco que a quantidade não caberia nas bacias dos grandes oceanos. Mas
se não nos libertarmos do samsara, ainda comeremos muito mais.
Nagarjuna disse:
De A Transmissão do Vinaya:
348
Além disso, fazemos um grande esforço para construir uma casa e acumular
riquezas, mas pode ser que não cheguemos a vê-las concluídas-- inimigos podem
roubá-las, ou poderemos morrer.
Nós, lamas e discípulos, fazemos planos juntos, mas certamente seremos
separados dentro de alguns anos.
Como disse Kelsang Gyatso, o Sétimo Dalai Lama: “Em muito pouco tempo, o
elevado se tornará um escravo oprimido.” E também encontramos na Carta de
Nagarjuna:
Em outras palavras, isto é o que acontece aos seres elevados como Brahma,
Indra, e semelhantes.
Quanto aos mais subalternos: qualquer ganho mundano, status, e boa fortuna
não têm essência. Gungtang Rinpoche disse:
Em outras palavras, não só as vidas passadas e futuras não são confiáveis, mas a
atual também não é; há reis que ficam prisioneiros e coisas assim.
Certa vez Sangye Gyatso, um regente do Tibet, instituiu muitas reformas no
governo central. Ele era um homem rico e poderoso e também um dos maiores eruditas,
mas no final ele caiu no desgosto de Lhazang Khan, e esta foi a sua ruína. Ele foi
deixado durante dias no meio da Ponte Trizam em Toelung, e ninguém ousava ajudá-lo.
Sua esposa e seus filhos tiveram que vagar até os fins da terra como mendigos. O
próprio Lhazang Khan mais tarde foi derrotado pelos exércitos Dzungarianos, e foi
morto.
349
Ao nascer, você nasce só,
Ao morrer, você está igualmente só,
O que seus amigos intrometidos podem fazer
Se não assumem mais uma parcela de sofrimento?
Isto tem dois sub-títulos: (1) pensando nos sofrimentos dos reinos inferiores; (2)
pensando nos sofrimentos dos reinos superiores.
Isto tem três seções: (1) pensando nos sofrimentos humanos; (2) pensando nos
sofrimentos dos semi-deuses; (3) pensando nos sofrimentos dos deuses.
350
podemos pensar que os sofrimentos dos deuses e humanos são pequenos, mas ao
conseguirmos um renascimento mais elevado não transcendemos absolutamente
nenhum sofrimento. Renascemos como humanos mas se ignorarmos o fato de que
podemos receber grandes benefícios se praticarmos o Dharma, ainda teremos enormes
sofrimentos. Devido ao trauma de nascer de um útero, esquecemos totalmente como já
passamos pelos sofrimentos do nascimento. Se conseguirmos ter novamente um outro
renascimento humano, vamos experimentar novamente todos os sofrimentos do
nascimento, apesar de não nos lembrarmos deles agora.
Depois de entrar no útero de nossa mãe e até nascer para o mundo externo,
passamos por todo sofrimento associado aos cinco estágios do desenvolvimento no
útero e aos períodos em que cada parte do corpo se desenvolve. Primeiro, quando nossa
consciência é colocada no centro das gotas de sangue e esperma de nossos pais, o nosso
corpo é como um partícula de iogurte e o sofrimento é como ser fervido num caldeirão
gigantesco. Quando surgem a cabeça e o inchaço dos membros, sofremos como se
estivéssemos sendo esticados num cavalete. Cada membro acrescenta ainda mais
sofrimento. Quando nossa mãe bebe algo quente, quando se move, dorme, e coisas
assim, sofremos como se estivéssemos sendo fervidos numa fonte de água quente,
carregados pelo vento, ou esmagados sob uma enorme montanha. Como Chandragomin
diz em sua Carta a um Discípulo:
Em outras palavras, imagine que esteja num barril de ferro cheio de imundícies
de todo tipo e a tampa é colocada. Não há como ficar ali ainda que por um único dia,
mas, você já teve que estar no útero de sua própria mãe, na imundície mal-cheirosa e na
profunda escuridão, durante nove meses e meio.
Então, você desenvolve as cinco atitudes nos aspectos nauseantes do interior do
útero que o faz querer emergir. Mas, mesmo quando está sendo empurrado através do
cerviz, e como diz A Carta a um Discípulo:
Você é gradualmente espremido com tanta força
Quanto a de amassar sementes de gergelim.
Nascer: existe algo mais parecido?
Em outras palavras, o sofrimento é como ter seu corpo espremido para frente e
para traz. Ao emergir, sua pele é como couro cru esfolado; e quando o colocam numa
almofada, não importa quão macia seja, é como ser jogado num galho espinhoso. Ao
sentir um vento externo é como ser penetrado por uma espada. Quando sua mãe o toma
nos braços e o carrega, é como um pardal sendo carregado por um falcão. Estas coisas o
351
apavoram.
Todo o seu saber de vidas passadas está coberto por véus e você não tem
nenhuma sabedoria. Você precisa aprender tudo do começo, como comer, dormir,
andar e sentar.
Quando meditar no seu nascimento de um útero, isto não deve ser feito como se
estivesse vendo uma outra pessoa: você deve desenvolver a compreensão de que você
certamente vai ter um outro nascimento, e como isto seria. Você deve pensar nos
sofrimentos mencionados no Sutra para Nanda sobre a Entrada no Útero.
Alguns podem pensar que os sofrimentos do nascimento não fazem mal porque
já passaram. Mas, enquanto permanecermos no samsara, teremos de experimentar
novamente os sofrimentos do nascimento um número infinito de vezes.
Então Pabongka Rinpoche contou como isto seria difícil de suportar, e coisas
assim.
Os Sofrimentos do Envelhecimento
352
Todas estas coisas são defeitos do samsara. Geshe Kadampa Kamaba disse:
66
Durante a iniciação, um vaso é colocado na coroa da cabeça do iniciado e ele visualiza que águas ou néctares
transbordam do vaso, entram em seu corpo através do fontículo e então preenchem todo o corpo. Neste caso, Gungtang
Rinpoche está descrevendo os velhos como tendo recebido as águas da iniciação-da-morte, que preenchem seus corpos e
escorrem de suas bocas e narizes.
353
Suas faces torcidas e de pobre coloração
Não são porque estejam usando máscaras de macacos:
Seu empréstimo de juventude foi revogado,
E agora suas cores verdadeiras aparecem.
Suas cabeças se balançam e balançam...
Mas não porque estejam rindo dos outros:
Yama os cutuca com seu bastão,
Por isso não conseguem deixar de sacudir suas cabeças.
Suas faces olham para baixo, curvadas em direção ao chão,
Mas não estão buscando pedrinhas perdidas:
Suas memórias e jóias da juventude
Foram derramadas no chão -- daí a postura.
Eles usam todos os quatro membros para se levantar
Mas não porque estejam fingindo que são vacas:
Suas pernas não conseguem suportar seus corpos
Então precisam da ajuda de suas mãos.
Eles se sentam com um baque,
Mas não porque estejam furiosos com um amigo:
A saúde e a felicidade mental
Não agem mais como corrimão.
Quando andam, eles balançam e oscilam
Mas não porque estejam andando como um cavalheiro:
Eles estão sob a grande carga da idade
E o peso perturbou o senso de equilíbrio.
Suas mãos agarram as coisas e tremem
Mas elas não estão apanhando algum lucro no jogo:
Elas estão com medo que Yama
Roubará tudo que estiver ao alcance.
Eles comem e bebem muito pouco
Mas não porque estejam mesquinhos com suas refeições:
O fogo em seus estômagos declinou
Então os velhos temem que possam desmaiar
Eles só usam roupas finas e leves,
Mas não se vestem assim para dançar:
Eles perderam a força interna do corpo
E até mesmo as roupas se tornaram um estorvo
Eles ficam ofegantes e arfando por um sopro
354
Mas não porque estejam soprando mantras [como um lama]:
O som murmurante que fazem quando respiram
Prediz seus desaparecimentos...
A maneira como fazem suas tarefas diárias
Não é para divertir os outros:
O espírito maligno da velhice os capturou
E eles não estão livres para fazer o que querem.
Eles se esquecem de fazer todo o trabalho
Mas não porque sejam superficiais ou não se importam:
Suas habilidades declinaram,
Diminuindo suas memórias e mentes.
Em outras palavras, estas rugas e cabelos brancos são presságios de que serão
mortos por Karmayama. E há ainda mais sofrimento: angústia mental devido ao medo
da morte, e assim por diante.
Os Sofrimentos da Doença
Os Sofrimentos da Morte
355
O tempo faz a morte, a separação,
E a separação na morte.
Você sempre será separado
De pessoas queridas e agradáveis.
Elas não voltarão,
Não haverá nenhuma reunião.
Muito semelhante às folhas que caem
Ou o fluxo de um rio!
Por feio queremos dizer desagradável. Encontrar seus inimigos, e ser espancado
ou roubado; encontrar doenças e espíritos malignos, e suportar tormentos. Há um
número infinito de sofrimentos – enfrentar processos legais, o desagrado do rei,
ladrões, e coisas assim.
Se alguma circunstância desafortunada surgir e você sofrer grande fadiga
mental e corporal enquanto ainda estiver no meio de seus afazeres, até isto é porque
você ainda está no samsara. Por exemplo, quando um asno tem que carregar uma carga
pesada que causa feridas nas suas costas, é por virtude de seu próprio karma – se isto
fosse [karmicamente] impossível, não aconteceria. Geshe Potowa escreveu:
357
é uma forma de sofrimento.
Quando as autoridades investigam, acham que seus cidadãos estão felizes, mas
não estão. Suas comidas são simples, suas roupas estão rasgadas; eles são taxados em
suas propriedades, e portanto sem liberdade sobre elas; eles podem ser insultados,
chicoteados, e coisas assim. Alguns não têm comida nem roupas e são forçados a
buscar ajuda dos pais, familiares, e até mesmo de estranhos. Alguns nem mesmo têm
meios para fazer farinha de cevada e ainda assim têm que pagar impostos. Um desastre
pode cair sobre eles, eles podem sofrer punições severas, e coisas assim. Em suma,
estão noite e dia sob pressão.
Estes cidadãos podem achar que as autoridades são felizes, mas não é assim.
Em Os Quatrocentos Versos [de Aryadeva] está dito:
358
sinal de que com quem quer que façamos amizade isto aumentará o nosso sofrimento.
Tudo que usar, até mesmo chá, leva ao sofrimento. Seja qual for o lugar, até
mesmo mosteiros, é um lugar de sofrimento.
Quando ficamos pela primeira vez num mosteiro, ficamos infelizes. Então,
vamos a um eremitério com a esperança de que lá será melhor, mas até lá haverá
alguém com quem não nos entendemos. Então vamos em peregrinação. Isto também
não nos torna felizes, então voltamos à nossa terra natal pensando que isto deve ser o
melhor, e então ficamos impacientes.
Quando falamos com os outros, só discutimos coisas cansativas como comida,
moda e reputação das pessoas --e isto é o próprio mal que o samsara faz.
Apresentei-lhes o sofrimento humano. Quando não se tem [este ensinamento]
há o perigo de pensar que a sua localidade ou seus amigos é quem cria os seus
sofrimentos, ou que o samsara é algo que ocupa muito espaço. Então você precisa
compreender os problemas do samsara e conhecer a raiz do sofrimento, como já
expliquei. Até que se afaste do samsara, só experimentará infinitos sofrimentos, não
importa o que aconteça.
Você pode pensar, “Mas, se eu renascer como um semi-deus, eu não teria uma
certa felicidade?” Mas mesmo neste renascimento só se experimenta sofrimento.
Nagarjuna afirma em sua Carta:
67
O Monte Meru está semi-submerso no oceano. A montanha em forma de cubo tem oito saliências em seus lados, e
quatro delas estão debaixo d’água.
359
com sua tromba. Os semi-deuses atiram suas armas mas os deuses só morrem quando
seus pescoços são cortados; os semi-deuses podem morrer quando uma arma atinge
qualquer parte de seu corpo, logo são sempre derrotados e nunca vencem. Nós nos
aterrorizamos quando dois exércitos de forças diferentes lutam nos reinos humanos,
mas os semi-deuses devem travar tal guerra contra os deuses. Isto os apavora? Sim,
ficam completamente apavorados! Os exércitos dos semi-deuses travam estas guerras
continuamente até morrerem; portanto eles sofrem. As mulheres dos semi-deuses que
ficam em casa também são atormentadas pelo sofrimento, pois testemunham tudo na
superfície do Lago Sudarshana --a derrota dos exércitos dos semi-deuses, as mortes de
seus companheiros, e assim por diante.
Embora semi-deuses tenham sabedoria, seus renascimentos são tão velados pelo
karma que não são suficientemente afortunados para ver a verdade.
Neste caso, você pode indagar, “Serão os deuses felizes?” Não, os deuses do
Reino do Desejo também experimentam sofrimento: de cair quando acaba aquele
renascimento, de ser intimidados, mutilados, mortos ou banidos. O primeiro destes é
como Nagarjuna diz na sua Carta:
360
passam por este sofrimento durante sete dias de seu tempo. No Reino dos Quatro
Maharajas das direções cardeais, por exemplo, isto equivale a trezentos e cinqüenta
anos humanos.
Os deuses passam por “três fases”: o renascimento anterior que foi a causa de
renascerem como deuses, a situação atual como deuses, e onde renascem depois que
morrerem. Os deuses conhecem todas as três, por isso sabem onde vão renascer a
seguir. Os deuses não usam a primeira parte de seus renascimentos para criar nem
mesmo um único tipo de virtude, como considerar seus próprios sofrimentos e
desenvolver a renúncia, ou considerar os sofrimentos dos outros e desenvolver a
compaixão, assim seus méritos acumulados anteriormente se esgotam. Suponhamos
que você use um manto de monge que custe dez sang, enquanto os outros monges usam
mantos que custam apenas um sang. Isto significa que você esbanjou dez vezes mais.
De maneira similar, o prazer sublime dos reinos dos deuses é tão intenso que consome
muitos méritos, por esta razão os deuses normalmente renascem em reinos inferiores. É
por isso que dizem que agora é hora de acumular méritos e não de esbanjar os
resultados dos méritos. Os deuses sabem que cairão e isto aumenta seus sofrimentos.
Eles vêem que não terão abundância – os reinos celestiais, seu corpo, posses, amigos, e
coisas assim – e renascerão nos reinos inferiores. Este sofrimento mental é dezesseis
vezes maior que o dos infernos. Temos este sofrimento e angústia mental quando
morremos, embora estejamos incertos se nosso próximo renascimento será bom ou
ruim. Mas eles têm certeza porque vêem que certamente renascerão nos reinos
inferiores. Dizem coisas como: “Ah, não verei o Bosque das Carruagens
[novamente].”68
Os outros deuses e deusas não suportam nem olhar esta exibição dos sinais da
morte; eles os evitam como teriam evitado um cadáver e deixa-os em solidão. Os que
estão prestes a morrer dizem aos seus companheiros, “Eu só tenho pouco tempo de vida
e depois irei ao meu próximo renascimento, que será miserável, portanto quero estar
com você agora.” Eles fazem estas súplicas que tocam o coração, mas os outros não
conseguem olhá-los nos olhos.
Seus antigos companheiros e amigos firmes colocam flores na ponta de uma
vara e, mantendo distância, as colocam em suas cabeças. Eles dizem-lhe, “Depois de
morrer e deixar este renascimento, você renascerá no reino humano; que então possa
acumular méritos para renascer como um deus”. Isto é tudo o que fazem e só aumenta a
miséria [dos deuses moribundos] tornando suas angústias mentais ainda maiores.
Os deuses com menos quantidade de méritos vêem a majestade e fartura dos
deuses com mais méritos; isto é intimidante e está na raiz de um sofrimento e angústia
mental ainda maiores.
Quando deuses e semi-deuses lutam, eles experimentam os sofrimentos de
terem seus membros cortados, serem mutilados, e morrerem. Os deuses menos
poderosos sofrem porque os deuses mais poderosos os expulsam de suas moradas.
68
Um dos quatro bosques de prazeres limítrofes com o palácio de Indra no topo do Monte Meru.
361
Num renascimento como um deus dos reinos superiores [de Forma e Sem
Forma] nenhum sinal da morte é exibido, mas ainda são oprimidos pelo sofrimento de
todos os fenômenos condicionados: ainda há ilusões e obscurecimentos, e o sofrimento
de tomar maus renascimentos porque estão impotentes para continuar neste
renascimento, impotentes para controlar as próprias mortes ou onde vão renascer.
[Vasubandu] afirma em suas Instruções às Multidões:
Ou seja, você pode renascer em qualquer lugar do samsara, das profundezas dos
Infernos Sem Descanso às alturas do Pico da Existência, mas é como estar numa casa
de seis andares de ferro fundido – você ainda não transcendeu o sofrimento. Certa vez,
362
durante uma época de fome, algumas crianças pediram farinha de cevada, mas o que
receberam foi vários tipos de nabos. As crianças não tocaram em nenhum deles e
disseram: “Ugh! São só nabos!” De maneira similar, a natureza de qualquer lugar que
se renasça é de sofrimento, só diferem em certos aspectos e todos estão igualmente
felizes ou infelizes.
Em suma: você é torturado incessantemente pelos três tipos de sofrimento,
então dizem que estes três têm o comprimento e a extensão do sofrimento.
Nós no samsara temos pensamentos como, “Estou feliz” mas estes
pensamentos, pela própria natureza, são sofrimentos. Quando despejamos água fria
numa queimadura, ficamos temporariamente felizes. Todos os nossos sentimentos de
felicidade eventualmente se transformam em sofrimento, e portanto são o sofrimento da
mudança. Não só estes sentimentos felizes estão contaminados, como também todas as
suas mentes primárias e fatores mentais simultâneos e qualquer objeto contaminado que
sirva para desenvolver [sentimentos felizes] – são todos o sofrimento da mudança.
Quando você se queima, no início não fica realmente atormentado pelo calor,
embora a natureza da queimadura seja o calor. Mas isto é temporário e só enquanto
nada quente ou frio entra em contacto com a ferida. Da mesma forma, os sentimentos
contaminados da equanimidade – junto com suas mentes primárias simultâneas, fatores
mentais, e os objetos destes sentimentos – estão ligados à raiz das sementes de
sofrimentos e enganos futuros; eles também estão ligados aos maus estados mentais
onipresentes. Sentimentos de equanimidade são, portanto, o sofrimento que permeia os
fenômenos condicionados.
Quando, digamos, água quente entra em contacto com uma queimadura, você
desenvolve o sofrimento do calor manifestado, e isto é o pior sofrimento. Isto é como
sentimentos de sofrimento. Sentimentos contaminados de sofrimento que atormentam
corpo e mente –juntamente com as concomitantes mentes primárias, fatores mentais, e
objetos destes sentimentos– são sofrimento do sofrimento. Quando sentimos, “Estou
sofrendo” este é um sofrimento do sofrimento.
A sua noção de felicidade é em si o sofrimento da mudança. Um sinal de que
não é a felicidade, mas apenas a sua noção da felicidade está no fato de que, depois de
um tempo, seu sofrimento aumentará. No início, o sofrimento tinha apenas caído
abaixo do nível de seu limiar; mais tarde, se elevará acima do limiar e o período
intermediário é a sua noção de felicidade.
Suponhamos que agora estejamos sentados na sombra. Depois de pouco tempo,
sentiremos frio, então mudaremos para o sol. Por um tempo, parecemos felizes, mas
isto não é felicidade. Quando nos sentimos tristes, qualquer coisa que façamos só
aumenta nosso sofrimento; de maneira similar, se o ato de ficar no sol fosse felicidade,
nunca ficaríamos necessariamente infelizes, não importa quanto tempo ficássemos
sentados lá. Mas, não é isto o que acontece: pouco depois, sofremos novamente e temos
que voltar para a sombra. Nosso sofrimento subiu acima de seu limiar embora isto não
esteja óbvio.
O mesmo acontece quando andamos: ao cansar, nos sentamos e parecemos feliz
363
por um tempo, mas o sofrimento de ficar em pé só caiu abaixo do limiar; o sofrimento
de sentar ainda não está aparente embora em breve surgirá acima de seu limiar [quando
cansarmos de sentar]. Então diremos, “Vou dar uma caminhada”. Ao levantarmos
novamente, o sofrimento de sentar cai abaixo de seu limiar, e o sofrimento de estar em
pé mais uma vez ainda não surgiu acima de seu limiar e continuamente assim por
diante. [Aryadeva] afirma em Os Quatrocentos Versos:
364
condicionados, porque os estados malignos do sofrimento e enganos estão para sempre
se aderindo a eles. Enquanto tiver estes agregados, cada vez que não estiver sentindo
sofrimento, pouco depois será levado a desenvolver muito sofrimento por vários meios.
O sofrimento que permeia os fenômenos condicionados, portanto, permeia todo
sofrimento, e é a raiz dos outros dois tipos de sofrimento.
Os agregados criaram os veículos para o sofrimento deste renascimento porque
criam renascimentos futuros que levam ao sofrimento. Entre todos os sofrimentos, os
agregados são o pior: o samsara é um estado de desamparo onde se recebe o peso de
agregados contaminados e afligidos pela virtude do karma e enganos. Isto significa que
tomamos renascimento desde o Pico da Existência até o Inferno Sem Descanso, e
circulamos entre estes vez após vez. É por isso que é correto ver os próprios agregados
contaminados e afligidos como o samsara. Para se cansar do samsara, você deve se
cansar dos agregados contaminados e afligidos. Enquanto não se cansar do sofrimento
que permeia os fenômenos condicionados, você não estará verdadeiramente cansado do
samsara.
365
DIA QUINZE
366
pensamentos puros que levam à renúncia. A principal meta que devemos almejar é a
Budeidade. Para receber a Budeidade, é preciso ter bodhicitta; para ter bodhicitta, é
preciso primeiro ter compaixão; e para isto, primeiro é preciso reconhecer que todos os
seres sencientes já foram nossas mães. Devemos desenvolver renúncia meditando em
nosso próprio sofrimento no samsara, e depois desenvolver compaixão meditando nos
sofrimentos dos outros. Assim, certamente não podemos afirmar que a Grande
Capacidade não tem nenhuma meditação na renúncia.
Mesmo assim, a renúncia é o principal caminho da Média Capacidade. Quando
tivermos desenvolvido renúncia em nosso contínuo-mental, qualquer virtude que
criarmos será causa para a nossa liberação. Enquanto não desenvolvermos nem mesmo
uma forma produzida de renúncia, qualquer virtude que criarmos normalmente, só vai
girar a roda do samsara. Uma exceção é a virtude criada na dependência do poder de
um campo de mérito. Se não levarmos a sério ou se ignorarmos os três pilares do
caminho, qualquer Dharma profundo onde colocarmos nossos esforços – meditação nos
ventos-energia e seus canais, meditação nas deidades, recitação de mantras, e coisas
assim – não se tornará nem mesmo parte de um caminho que leva à liberação ou à
onisciência. Seria apenas uma perda de energia. Portanto, antes de embarcar em
qualquer coisa afirmando sua profundidade, é vital trabalhar o melhor possível na
renúncia, na bodhicitta e na visão correta.
Isto tem duas partes: (1) pensando na fonte dos sofrimentos – os estágios que
nos forçam ao samsara; e (2) verificando [verdadeiramente] a natureza do caminho que
leva à liberação.
PENSANDO NA FONTE DOS SOFRIMENTOS – OS ESTÁGIOS QUE
NOS FORÇAM AO SAMSARA
Isto tem três sub-títulos: (1) como as delusões se desenvolvem; (2) como o
karma é acumulado; (3) como deixamos um renascimento na morte e somos
concebidos em outro.
Isto tem quatro partes: (1) a identificação das delusões; (2) os estágios do seu
desenvolvimento, (3) as causas das delusões; (4) as desvantagens das delusões.
Há duas maneiras de encaixar [dentro da estrutura do Lam-rim] o título
Pensando na Fonte dos Sofrimentos – Os Estágios que nos Forçam ao Samsara. Uma
maneira é uni-la a um título anterior; a outra – como fazemos aqui – segue os discursos
tradicionais do Caminho Rápido e Caminho Fácil e coloca o título sob Verificando a
Natureza do Caminho que Leva à Liberação.
367
Primeiro você deve pensar nas desvantagens gerais e específicas do samsara,
deve ser movido a renunciá-lo, e deve desenvolver o desejo de ser liberado. Então se
perguntará, “Qual é a causa do samsara?” Depois de investigar a causa e habituar-se a
ela, você vai querer quebrar a continuidade da mesma.
A origem do sofrimento tem duas partes: delusões de origem e karma de
origem. Você deve carregar o peso dos agregados afligidos, e o karma é responsável
por isto. O karma foi desenvolvido por causa das delusões. Você acumulou um karma
imensurável no passado, mas sem as delusões do desejo e apego como uma causa
assistente e subsidiária, o karma sozinho não pode atirá-lo num outro renascimento:
seria como a semente sem umidade. Mesmo se você não tiver nenhum karma
acumulado do passado, se tiver delusões vai imediatamente acumular karma novo por
causa destas delusões, então receberá um conjunto de agregados samsáricos em seu
próximo renascimento. [Dharmakirti disse em seu] Comentário de Coisas Válidas:
As Delusões-Raízes
368
Ignorância, visões errôneas, e dúvida.
Apego
Quando vemos uma jóia, corpo, comida, bebida, ou qualquer outra coisa
atrativa, desenvolvemos pensamentos de não querer nos separar dela. Outras delusões
são iguais a poeira num pedaço de tecido – é fácil de removê-la; mas o apego, que
significa agarrar-se ou ter fixação em algo, é como o óleo embebido num pedaço de
tecido – é difícil de remover. Quando, por exemplo, queremos olhar um objeto, tocá-lo,
e coisas assim, um cantinho da mente anseia e se agarra a este objeto de apego; o apego
então se espalha e fica difícil de removê-lo.
Em outras palavras, o apego é a raiz que evita que sejamos movidos o suficiente
para renunciar ao samsara, e também é uma das principais coisas que nos prende ao
samsara.
Uma forma de cultivar seus antídotos é meditar nos aspectos feios do corpo, e
coisas assim. Aqui, você desenvolve a atitude de que o corpo é feio: que [como um
cadáver], tem um aspecto sangrento, um aspecto de decomposição, um aspecto de
inchaço, e que eventualmente será um esqueleto. Quando estiver apegado a alguém, por
exemplo, considere como esta pessoa é apenas um saco cheio dos seis tipos de
substâncias imundas. Quando estiver apegado a comer carne, pense como o ingrediente
principal é imundo e como foi preparado tirando-se uma vida. Então, o seu apego e
anseio diminuirão.
Raiva
369
renascimentos elevados”. Em outras palavras, de todas as delusões, a raiva tem a maior
força para destruir as virtudes-raízes e é o principal fator que nos arremessa aos reinos
inferiores. Portanto, a raiva causa grandes danos. Existem maneiras diferentes pelas
quais as virtudes-raízes podem ser destruídas, e até isto depende do objeto da raiva
[vide Dia Seis]. Devemos aplicar os antídotos para a raiva – paciência, etc. Falarei mais
sobre a raiva na seção sobre as seis perfeições mais adiante.
No entanto, é admissível bater em seus alunos se o fizer com o único intuito de
beneficiar suas mentes, e não movido por raiva.
Orgulho
Ignorância
70
O vapor de água é a névoa do orgulho. Só os arrogantes soltam esta névoa; não os humildes. Mas a neve nos
desfiladeiros mais baixos dura mais do que as neves das partes expostas das montanhas que derretem rapidamente.
71
Isto está explicado longamente no primeiro capítulo de Tesouro de Metafísica de Vasubandhu, e é muito complicado
370
Há um sistema que afirma que a ignorância é semelhante à visão que iguala o
“eu” ao que é perecível [ou seja, os agregados e coisas assim]. Um outro sistema afirma
que a ignorância e esta visão são coisas separadas. Por exemplo, suponha que o erro de
achar que uma corda seja uma cobra é como a visão que iguala o “eu” aos agregados].
A ignorância seria então como a causa deste erro: que a corda enroscada está na
escuridão, e que esta escuridão é responsável por nossa falta de clareza quanto ao modo
de existência da corda.
O primeiro sistema foi afirmado pelo esplêndido Chandrakirti, por Dharmakirti,
e por outros; o segundo, por Asanga e seus discípulos.
Dúvida
Quando duvida da lei de causa e efeito, isto impede que você consiga um
renascimento elevado; duvide das quatro verdades e não conseguirá a liberação. A
dúvida, de fato, prejudica muito. Portanto, é tida como sendo uma das cinco não-visões
[ou seja, as cinco primeiras delusões-raízes].
Visões [Delusõesas]
Esta é a visão errônea dirigida aos agregados – que têm a propriedade de ser
perecível – e considerá-los como sendo o “eu” e pertencer ao “eu”, isto é “eu” e “meu”.
Um exemplo: quando as pessoas lhe magoam ou prejudicam, o pensamento,
“Porque fizeram isto comigo?” se apresenta muito vívido em sua mente; você se agarra
a [este “eu”] como se assim existisse. Esta é a raiz dos maus atos.
Mesmo as formigas sustentam esta visão, igualando o “eu” com o perecível. Se
cutucar uma formiga no nariz com um pedaço de capim, ela imediatamente pensará, “O
que estão fazendo comigo?”, então se curva e finge de morta. Mais tarde, ela se vira e
foge. A visão que iguala o “eu” com o perecível a fez agir assim.
371
Visões Extremas
Estas visões são direcionadas para qualquer coisa em que a visão de igualar o
“eu” com o perecível se agarra; visões extremas tomam tais coisas como sendo
permanentes, estáveis, independentes, estabelecidas como verdadeiras, e assim por
diante. Visões tais como considerar a continuidade do “eu” como sendo descontinuada
depois da morte, são também visões extremas.
Embora sejam principalmente os não-budistas quem sustenta estas visões, nós
também poderemos [erradamente] considerar as coisas como sendo estabelecidas como
verdadeiras, ou considerá-las de outras maneiras igualmente tolas.
Esta é a visão de considerar, por exemplo, a cultivação dos cinco fogos, pular
sobre tridentes, ou a ética de ficar sobre uma perna,72 como sendo caminhos para a
liberação. Poderia também ser o ato de considerar algum modo de comportamento
como sendo supremo, coisas como sentar numa pele de animal. Algumas pessoas
percebem por clarividência sutil que na vida passada foram cachorros e isto as cega:
eles querem receber um corpo humano na próxima vida, então [confundindo com a
causa] imitam muitas ações dos cães, latem, e coisas assim. Tomam isto como algo
supremo; e então fazem seus corpos e palavras agirem mal assim.
As pessoas seguem estas más éticas porque sustentam, por exemplo, que tais
coisas são a principal causa da liberação.
Visões Errôneas
72
Estas são algumas técnicas não-budistas para desenvolver a quietude mental. Os fogos referidos aqui são acesos
próximos ao corpo do meditador, um em cada uma das quatro direções cardeais, com o sol acima sendo contado como o
quinto. O meditante deve ignorar o extremo calor e desconforto.
372
se sustenta a visão de que as coisas não existem de forma alguma. Alguns não-budistas
alegam que o mundo foi criado por Vishnu, que encarnou dez vezes no mundo; os
Samkhyas dividem todo o conhecimento em vinte e cinco categorias, e sustentam que,
em termos gerais, estes vinte e cinco princípios criaram o mundo; outros afirmam que o
mundo foi criado por Ishvara; e assim por diante. Estas pessoas alegam que algo foi
criado, quando não foi – portanto, são exageros. Mas, visões errôneas são negações.
Conte estes cinco tipos de visões errôneas como uma, acrescente as cinco não-
visões, e as seis resultantes constituem as vastas e sutis delusões-raízes.
Se você for um ser comum, deve aplicar os antídotos. Ainda assim, como disse
[Aryadeva] em seus Quatrocentos Versos: “Assim como as faculdades dos sentidos no
corpo, a ignorância reside em todas elas.” Em outras palavras, a ignorância profunda
permeia e age como causa para todos as outras delusões. No entanto, a ignorância
profunda é difícil de ser identificar, portanto, vou explicá-la a seguir.
373
Visões que igualam
O conjunto [de agregados com o “eu”]...
No início, agarro-me ao “eu”;
E desenvolvo apego às coisas e a “eles”...
Isto pode ser algo agradável, desagradável ou o que for. Encontramos tais
coisas, porque não abandonamos as sementes das delusões, como [Vasubhandu] diz em
Tesouro de Metafísica:
374
Não abandonar [as delusões]
Tanto vastos quanto sutis,
Permanecer na proximidade
De seus objeto;
E levar adiante
Pensamentos irrealistas--
Este é o conjunto completo
Das causas das delusões.
Em outras palavras, devemos nos distanciar dos objetos das delusões, pois se
não o fizermos, desenvolveremas delusões. As pessoas ordenadas devem evitá-las
vivendo em mosteiros, ermidas, e coisas assim. É benéfico para nós principiantes, e não
desenvolveremas delusões se não vermos estes objetos de delusões por um tempo.
Devemos, então, evitá-los o máximo possível. Em alguns textos do treinamento da
mente, encontramos:
E Asanga disse:
É preciso abandonar as más companhias. Mas, todos envolvidos nesta vida são
más companhias, já que suas conversas são sobre coisas que causam delusões – álcool,
jogos, e coisas assim. Não se deve dar atenção a tais pessoas, ou ser influenciado por
elas. Se não fizer isto, e cair sob sua influência, elas vão aumentar os suas delusões e
você participará de ações inconvenientes. Um exemplo: certa vez, havia duas pessoas
375
do reino de Pempo; uma bebia álcool e a outra não. O que bebia foi até Retreng; o
outro, até Lhasa. O que foi a Retreng encontrou os geshes Kadampa. O que foi a Lhasa
se envolveu com más companhias. Mais tarde, os dois se encontraram e por causa da
influência das companhias boas e más, o homem que costumava beber havia
abandonado a bebida, e o que não bebia álcool, passou a beber.
Chamamos a avareza de “parcimônia”, e a raiva de “estar zangado”, “estar
aborrecido” e coisas assim. Damos estes nomes doces, mas elas causam um grande
mal. Quando os alunos dependem de um mestre “parcimonioso”, que é mão-fechada
com todas as suas posses, a avareza dos alunos aumenta. O mesmo vale para mestres
mau-humorados. É muito fácil compreender as atividades das más companhias, assim,
devemos abandonar tais companhias.
Mesmo assim, embora as pessoas que anseiam as coisas desta vida
normalmente nada mais são do que más companhias, você não pode desamparar a
todos, por isso é vital tratar tais pessoas com cautela e não se associar muito a elas.
Certa vez havia um país onde todos bebiam a água da loucura e ficavam insanos. Só o
rei permanecia são, mas os outros só diziam, “O rei está louco”. De maneira
semelhante, os praticantes do Dharma dos dias atuais não se amoldam com a massa
popular, mas isto não prejudica, pois eles desejam estender, seguir, e ter sucesso em
suas práticas. Quando os maus amigos derem conselhos, não os contradiga: seja como
um velho yak teimoso e pratique a mais valiosa posse dos Kadampas – primeiro tenha
obstinação diamantina, depois apóie-se na sabedoria primordial diamantina, e
finalmente sujeite-se à temeridade diamantina.
Isto inclui ler livros de instruções que parecem plausíveis, mas que ainda geram
delusões. Quando lê estas obras nocivas – como as folclóricas façanhas de Gesar Ling,
tratados do amor, antologias de encantos tântricos ou posições sexuais, e coisas assim –
isto aumenta seu apego, hostilidade, e ignorância profunda. Mas se pensar nos feitos e
estórias das vidas dos santos, isto pode implantar as sementes da liberação em você.
Portanto, você deve ler tais estórias.
Ao se reunirem em grupos, as pessoas falam de muitas coisas que aumentam
apego ou hostilidade – falam do rei, do exército, mulheres, processos legais, etc. Isto
também é causa para desenvolver as delusões.
Zhangpa Rinpoche disse: “Você fica como que envolto em instintos por causa
de sua familiaridade com pensamentos nocivos...” Em outras palavras, pela sua grande
familiaridade com as delusões, você desenvolve apego, hostilidade, e coisas assim,
naturalmente, mesmo quando estiver distraído.
Temas delusões grandes ou pequenos, conforme a nossa familiaridade grande
376
ou pequena com tais delusões em nossas vidas passadas. Algumas pessoas
desenvolvem grande apego, hostilidade, etc, ao menor pretexto. Por exemplo, pessoas
familiarizadas com a raiva não conseguem tolerar nem um olhar maldoso, e coisas
assim. Não existe nada para essas pessoas a não ser aplicar antídotos, e fazer o possível
para evitar a continuação destes delusões.
377
você recebe menos presentes e serviços. Até os Budas e os protetores do Dharma o
criticam. Outros seres, e você também sofrerão porque suas delusões fazem com que os
outros queiram matá-lo, e coisas assim. Nesta vida você desenvolve a pior reputação
porque se envolve em processos legais, brigas, e coisas assim. E em vidas futuras
renascerá em terras remotas, ou nos reinos inferiores. Para resumir, há uma infinidade
de desvantagens, e dizem que todas são produzidas pelas delusões.
Portanto, quando desenvolver as delusões, você deve imediatamente reconhecê-
las como inimigas e empregar alguns meios para acabar com elas. De Engajando-se
nos Feitos dos Bodhisattvas:
Em outras palavras, não há inimigo mais poderoso do que este. Quando agradar
seu adversário, poderá pacificar a raiva dele e, por sua vez, ele não o prejudicará. Todos
os sofrimentos que você passou quando foi queimado pelo fogo do Inferno Sem
Descanso foram criados pelas delusões, e doravante, as delusões vão forçá-lo à feiura
do samsara, e portanto, são mais poderosos que todos os seus inimigos dos três reinos.
Os Kadampas antigos diziam:
378
COMO O KARMA SE ACUMULA
o KARMA MENTAL
Em outras palavras, uma ação kármica mental é, por exemplo, a mente primária
que nos provoca a sentir que devemos dizer palavras ofensivas; ou é uma ação kármica
da mente secundária que nos provoca ou encoraja enquanto estamos dizendo tais
palavras ofensivas.
o KARMA INTENCIONAL
Isto consiste de ações de corpo ou palavra motivadas pelo karma mental. Como
diz O Tesouro de Metafísica:
379
ser receba um renascimento nos reinos superiores. Drom Rimpoche disse que se todo o
povo de Retreng com votos leigos fossem preservar sua propriedade comum, seria
particularmente útil na criação de méritos-raiz depois da morte de um deles. Ou seja,
como todas estas pessoas leigas teriam a mesma propriedade, os méritos-raiz [criados
com relação a esta propriedade] seria especialmente benéficos para qualquer dos
colegas falecidos que ainda estiverem no bardo.
O karma arremessador para renascer nos reinos superiores é como segue.
Suponhamos que um ser já tenha acumulado méritos para renascer no primeiro estágio
de concentração dhyani. O karma não mudará em karma para renascer no segundo
estágio de concentração dhyani, ou onde for. É por isso que este karma é chamado de
“imutável”. Em O Tesouro da Metafísica encontramos:
Qualquer karma não acumulado junto com um dos três pilares do caminho só
será causa do samsara; qualquer karma criado quando estiver motivado pela renúncia
aos três reinos [do samsara] só poderá ser causa de sua liberação. Quando desistir desta
vida com o pensamento de que vai praticar o Dharma, mas não fizer isto junto com a
renúncia, etc., você poderá meditar na quietude mental em algum eremitério, mas
mesmo se tiver sorte, você só terá causa para renascer nos estados de concentração
dhyani dos Reinos Sem Forma ou do Reino da Forma. É por isso que, se quiser praticar
o Dharma, é vital buscar algumas instruções totalmente inequívocas.
O seu tempo de vida pode acabar. O seu mérito pode acabar. Você não está
livre do perigo. O Sutra dos Fatores que Contribuem para a Morte menciona nove
destes fatores na hora da morte. Estes e outros fatores podem matá-lo.
Os seus pensamentos ao morrer ativam o karma que vai arremessá-lo no
próximo renascimento depois da morte. Os agentes ativadores deste karma são desejo e
apego, e é isto o que acontece. Você pode pensar, “Vou me separar deste corpo!” e se
apegar ao seu corpo atual. O desejo inclui coisas como desejar calor quando estiver
para renascer nos infernos quentes.
O objeto que dispara este processo é o seu karma mais poderoso, seja ele preto
380
ou branco. Se seu karma preto ou branco forem iguais, então o objeto disparador será
aquele destes dois tipos que lhe for mais familiar. Se os dois tipos ainda forem iguais,
será então disparado o tipo de karma que foi feito primeiro.
A hora em que este disparo acontece é quando a mente ainda está ativa e ainda
tem a forma grosseira de reconhecimento [ou atitude] – seja fenômeno virtuoso ou
não-virtuoso, isto é, fé, compaixão, apego, raiva, etc. – e você ainda pode recordar tais
coisas sozinho ou outras pessoas podem ajudá-lo a se lembrar. Quando o
reconhecimento grosseiro cessa, como seus pensamentos ao morrer são sutis e seus
pensamentos são neutros, você não consegue se lembrar de nenhuma virtude ou não-
virtude.
Se quando estiver morrendo seus pensamentos forem de fé, e coisas assim, a
sua virtude será ativada. É então vital ativar pensamentos virtuosos quando os seus
pensamentos ao morrer chegar a ponto de [participar] deste processo de ativação. Você
pode ser um praticante do Dharma que continuamente cria a virtude, mas se ficar com
raiva quando estiver morrendo, vai ativar pensamentos não-virtuosos ao morrer que o
levarão aos reinos inferiores devido ao efeito amadurecedor de não-virtudes do
passado. E, o mesmo princípio se aplica a alguém que continuamente cria a não-
virtude.
Neste ponto, o ser estará indo aos reinos superiores ou aos inferiores. Se estiver
indo aos reinos superiores, o calor de seu corpo se dissipa a partir das partes inferiores
do corpo e se recolhe no coração. Se estiver indo aos reinos inferiores, acontece o
oposto: o calor se dissipa a partir das partes superiores do corpo e se recolhe nas
inferiores. Você também pode saber qual destas duas aternativas ocorrerá através de
sinais como o grau de desconforto que a pessoa experimenta durante a sua doença fatal.
“Desconforto durante a doença” se refere a quando uma parte principal do corpo falha.
Algumas pessoas alucinam ao morrer: por exemplo, elas podem imaginar que
estão sendo esmagadas por tijolos de chá ou por pessoas.
Kyabje Pabongka Rinpoche contou que viu em Lhasa um camareiro do governo central
morrer. Ele havia roubado chá; quando morreu, teve alucinações e achava que estava
sendo esmagado sob caixas de chá.
Quando uma autoridade da Província de Tsang morreu, ele disse, “Estou sendo
esmagado por muitas pessoas”, e deixou aquela vida num estado de pavor. E coisas
assim.
Isto também acontece com pessoas que fizeram ações virtuosas. Certa vez um
mendigo que vivia na beira da rua teve visões de um palácio e raios de luz branca
quando morreu.
Kyabje Pabongka Rinpoche também contou como uma velha em Chuzang, que havia
recitado muitas vezes om mani padme hum teve visões virtuosas ao morrer.
381
Tais sinais são apenas um prelúdio para a morte.
382
Forçam ao Samsara, seguindo os Estágios Médios do Caminho [de Tsongkapa], O
Caminho Rápido, e O Caminho Fácil. Agora discutirei este título segundo os doze elos
interdependentes, que também foram discutidos em Estágios Médios do Caminho [de
Tsongkapa]. Os Lam-rims O Caminho Rápido, e O Caminho Fácil não são claros
quanto a este tópico. Vou ensinar conforme o tratamento dado em As Palavras do
Próprio Manjushri, dando um pouco mais do que seus títulos.
A breve versão acima de como pensar nos estágios de ser forçado ao samsara –
isto é a origem do sofrimento – é suficiente. Mas, as pessoas que, por exemplo
estudaram os textos clássicos de debate devem pensar nisso através dos doze elos
interdependentes. Esta é a melhor coisa para certas pessoas excepcionais.
Kyabje Pabongka Rinpoche contou como certa vez o rei de Magadha, seguindo o
conselho do Buda, explicou o processo de renascimentos ao rei estrangeiro Utrayana,
usando o desenho de uma roda da vida. Utrayana desenvolveu um cansaço do
samsara. Rinpoche também contou como Geshe Puchungwa fez um estudo dos doze
elos e ensinou as Pequena e Média Capacidades segundo estes elos.
Por isto existir, aquilo ocorrerá. Por isto ter surgido, aquilo surgirá. De
forma similar, a ignorância serve como causa subsidiária para os
fatores composicionais...
Ignorância
Fatores Composicionais
383
função dos fatores composicionais. Assim, somos motivados pela ignorância de
estarmos cegos à lei de causa e efeito, e estamos criando karma não-meritório; ou
somos motivados pela ignorância de estarmos cegos ao modo de existência das coisas e
criamos karma não-meritório ou imutável. Todos estes tipos de karma são fatores
composicionais.
Consciência
Nome e Forma
Os Seis Sentidos
Uma vez que as faculdades dos seis sentidos – olho, ouvido, [nariz, língua,
corpo, mente] – tenham sido formadas, este elo só se aplica enquanto o ser não
conseguir fazer discriminação entre objetos sempre que houver presente um certo
objeto, uma faculdade, e a consciência sensorial. Dizem que as faculdades físicas e
mentais existem desde o período inicial do desenvolvimento fetal. Como exemplo de
384
renascimento transformacional nos dois reinos inferiores [os reinos do Desejo e da
Forma], o elo Nome e Forma e o elo dos Seis Sentidos ocorrem simultaneamente. No
Reino Sem Forma só há o elo Nome e o elo do sentido mental; não há nenhum elo de
forma ou dos cinco sentidos físicos.
Contato
Uma vez que o elo anterior tenha sido formado, o objeto [em potencial], a
faculdade [apropriada], e o sentido de consciência [apropriado] estão presentes e
também se tocam [isto é, interagem]; pode-se então discriminar entre objetos
agradáveis, desagradáveis, e neutros. Este é o elo Contato.
Sensação
Desejo
Apego
385
ação kármica na consciência. O desejo e o apego ativaram este instinto, que então se
tornou potente o suficiente para arremessá-lo num corpo num renascimento futuro.
Renascimento
Este elo começa logo após esta ativação – quando o karma [agora] potente, que
será responsável pela nossa reencarnação, servir de base para sermos concebidos num
dos quatro tipos de renascimento – e vai até imediatamente após a nossa concepção
neste renascimento.
Velhice e Morte
Uma vez que tenha tomado conhecimento dos doze elos e consiga distinguí-los,
você deve saber como agrupá-los corretamente em ramos. Existem quatro destes ramos:
o ramo precipitador, o ramo estabelecedor, o ramo precipitador resultante e o ramo
manifestado resultante.
A ignorância é como o semeador de sementes. A ação kármica – o fator
composicional – motivado pela ignorância é como a semente. E, assim como a terra
recebe a semente que é plantada; no momento da causa a consciência recebe a
impressão do instinto deste karma. Então, o ramo [arremessador] precipitante é
composto dos primeiros dois elos e meio: ignorância, fatores composicionais, e
consciência no momento da causa – não a outra divisão do elo da consciência, a do
momento do resultado.
Igual à semente que é nutrida pela água, adubo, calor, e umidade, assim também
desejo e apego ativam o karma para conseguir produzir um resultado. Como a semente
fica suficientemente potente pela água, adubo, calor e umidade para se transformar num
broto, o karma que foi ativado por desejo e apego certamente se precipitará nos
agregados de sua próxima encarnação através do elo devir (vir-a-ser). Assim, desejo,
apego e devir compõem o ramo estabelecedor.
Como a semente se transforma num broto, assim também o elo do renascimento
– ou seja, ser concebido em sua encarnação – é o componente do ramo resultante
manifestado.
Cinco elos e meio compõem o ramo precipitador resultante: a consciência na
hora do resultado, que eu já descrevi, nome e forma quando for o caso, os sentidos,
contato e sensação.
Velhice e morte, quando for o caso, são outros componentes do ramo
manifestado resultante. Portanto, o ramo manifestado resultante é composto pelo elo
renascimento e o elo velhice e morte.
386
Vejamos o exemplo de renascimento como um deus. Pelo poder de nossa
ignorância, isto é, por estarmos cegos à vacuidade, o instinto de algum karma
acumulado – karma que nos jogará no renascimento como um deus – é impresso em
nossa consciência. Então, sentimos, “Que bom seria um renascimento como um deus”,
e aspiramos isto em nossas orações, e coisas assim: isto é desejo. Depois, colocamos
mais esforço nesta aspiração: isto é apego. Na morte, estes dois formam o karma que
certamente nos jogará neste renascimento: isto é devir. Portanto, os três componentes
do ramo precipitador e os três do ramo estabelecedor – seis ao todo – são completados
nesta vida. Depois, renascemos como um deus. Os outros seis elos se completam neste
próximo renascimento como um deus: quatro deles – nome e forma, os sentidos,
contato e sensação – compõem o ramo precipitador resultante; e dois – nascimento,
mais velhice e morte – compõem o ramo manifestado resultante. É assim que os doze
elos se completam em duas vidas.
Vejamos o exemplo de renascimento nos reinos inferiores. O mesmo princípio
se aplica: por causa de nossa cegueira quanto à lei de causa e efeito, acumulamos karma
não-virtuoso, que é ativado por desejo e apego, etc.
É impossível que o círculo dos elos se complete dentro de uma única vida sob o
poder de uma ação kármica. O mais rápido que se pode completar uma rodada dos elos
é definitivamente dentro de duas vidas.
Demora mais quando formos incapazes de ativar algum karma através de desejo
e apego; então, os três componentes do ramo precipitador se completará em uma vida;
os três do ramo estabelecedor, em outra vida; e os quatro do ramo precipitador
resultante, bem como os dois do ramo manifestado resultante, se completarão em mais
uma outra vida. Um exemplo, acumulamos karma negativo para renascer nos reinos
inferiores, e o instinto fica impresso. Mas, no momento da morte o guru e os outros
provocam pensamentos virtuosos em nós; isto ativa o karma para um renascimento
humano, e em seguida renascemos como um ser humano. Quando morremos, através
de desejo e apego ativamos o karma negativo passado e então renascemos nos reinos
inferiores.
Em nosso exemplo poderia ocorrer muitos renascimentos entre os ramos
precipitador e estabelecedor, mas tais renascimentos são vidas que pertencem a outro
conjunto de elos e então não contam.
Para resumir: o mais rápido que conseguimos completar uma rodada de elos é
em duas vidas, e o mais lento, em três. Não é possível completá-la mais rapidamente ou
mais lentamente. Cada elo faz surgir o elo seguinte, portanto todo sofrimento –
renascimento, velhice, morte, e assim por diante– experimentado num ciclo. Enquanto
seguimos os elos que resultam de uma única ação kármica, podemos desenvolver vários
outros conjuntos de elos na fase relativa às suas causas. A velhice e a morte resultam do
renascimento; os fatores composicionais resultam da ignorância; e assim por diante.
Portanto, um elo segue o outro e a ignorância é fundamental para fazer a roda do
samsara girar.
387
Nagarjuna disse:
Em outras palavras, os três elos de delusões fazem surgir os dois elos do karma
e, destes surgem os sete elos do sofrimento. Destes sete elos surgem os três elos de
delusões, e assim por diante. O ciclo se repete, e a roda da vida gira ininterruptamente.
Esta é a girada da roda do sofrimento.
Os doze elos podem ser tratados seguindo outra seqüência. Se praticarmos um
caminho capaz de cessá-los, impediremos o elo dos fatores composicionais na medida
em que evitarmos que o elo da ignorância surja; isto põe um fim em todos os
sofrimentos de velhice e morte.
Para resumir: os doze elos interdependentes podem ser classificados sob os três
tipos de elos: os elos do karma, os elos das delusões, e os elos do sofrimento.
Ignorância, desejo e apego são os três elos das delusões. Os dois elos do karma são os
fatores composicionais e devir. Os demais elos são os sete elos do sofrimento. Como
diz Nagarjuna:
A primeira linha do verso fala dos três elos da motivação; a segunda linha, dos
dois elos kármicos das ações kármicas de corpo e palavra,73 isto é os fatores
composicionais e devir; a terceira linha, dos elos que vamos vivenciar.
A renúncia terá sido desenvolvida quando, como resultado da meditação nos
sofrimentos do samsara em geral e nos doze elos interdependentes, haja um anseio para
se libertar do samsara igual ao anseio de um prisioneiro para se libertar da prisão.
Então, você vai querer treinar-se num caminho que leva à liberdade.
Isto tem duas partes: (1) o tipo de renascimento que cessará o samsara; (2) o tipo
de caminho que cessará o samsara.
73
Este termo presumidamente tem um significado mais amplo e metafísico, já que é difícil ver como o elo formado
poderia ser uma ação da fala.
388
O TIPO DE RENASCIMENTO FÍSICO QUE CESSARÁ O SAMSARA
389
penetrar o tronco da árvore. Se seu braço estiver sem firmeza, o machado não cairá no
mesmo lugar do tronco. Ou, para ver um mural à noite você precisa ter acesa uma
lamparina de manteiga, que esteja protegida do vento. A sabedoria que compreende a
ausência de existência do ego é como o machado afiado; o apego à existência
verdadeira é o tronco a ser cortado; ver corretamente o modo de existência é como o
braço firme manejando o machado, ou a lamparina de manteiga jogando luz em como
as coisas são. Para desenvolver em seu contínuo mental uma concentração uni-focada
estável, que esteja livre de distrações mentais internas –como uma lamparina de
manteiga que não tremula ao vento– você deve livrar a sua mente das distrações
mentais externas grosseiras, isto é, primeiro você deve dedicar-se ao treinamento
superior da ética.
Para resumir, O Sutra Solicitado por Brahma, citado em Os Níveis de
Shravakas [de Asanga], diz:
Da Carta de Nagarjuna:
390
Capacidade. Portanto, falarei sobre dois dos treinamentos superiores –a concentração
uni-focada e a sabedoria – nas seções de quietude mental e visão extraordinária da
Grande Capacidade. Isto nos deixa apenas o treinamento superior da ética para ser
discutido; esta é a maneira tradicional de ensinar.
Onde quer que haja um monge preservando o vinaya, tal lugar tem
luminosidade, tem luz. Cuidarei para que o local não fique vazio; tal
local não me dará muito motivo de preocupação...
391
Este é um ponto vital.
O nosso Tibet, a Terra das Neves, tem características que normalmente não são
encontradas em outros países; e a raiz de nossa felicidade imediata e de longo-prazo é o
ensinamento de Buda. O fato destes ensinamentos ainda estarem florescendo não é por
causa de nossas casas, população ou decorações religiosas; eles dependem da ética dos
votos pratimoksha –a raiz dos ensinamentos. Se não os preservarmos corretamente, isto
demonstra que a nossa ética se extinguiu em nosso próprio contínuo-mental e em nossa
própria parcela dos ensinamentos, apesar de externamente os ensinamentos possam
estar espalhados como as pedras e o próprio solo.
392
Quando você não guarda a sua ética, como afirma o Sutra para os Monges:
Monges: é fácil abandonar sua vida e morrer – mas o mesmo não acontece
com o declínio ou a destruição de sua ética. Porque? Se abandonar sua
vida e morrer, então esta sua vida chegará a um fim; mas com o declínio
ou destruição de sua ética, abandonará a felicidade por dezenas de milhões
de eons, perderá a posição alcançada e experimentará uma grande queda.
393
Sutra do Sábio e do Tolo, e outros.
Você só deve tomar os votos que julgar ser capaz de manter; os votos de um
dia, todos os cinco votos leigos, quatro deles, ou três, apenas um, ou o que for. Até os
ordenados têm bons motivos para tomar os preceitos Mahayana de um dia
freqüentemente; estes votos são votos por apenas um dia, portanto você será capaz de
guardá-los com pureza.
Nós sempre tencionamos seguir os três treinamentos superiores, mas temos
apenas um pálido reflexo dos outros dois em nosso contínuo-mental. Mas poderíamos
realmente guardar os votos pratimoksha, assim, devemos nos esforçar para fazê-lo. Mas
para preservá-los, é preciso fechar as portas que nos fazem quebrá-los. Existem quatro
destas portas.
A primeira porta que leva à quebra de votos é a ignorância. Se não souber quais
compromissos básicos que deve guardar, não saberá se foram quebrados ou não.
Portanto, para fechar esta porta, é preciso se informar: procure os textos clássicos sobre
o vinaya, versos que resumem os votos, quaisquer conselhos sobre as três práticas
básicas das pessoas ordenadas, resumos de instruções básicas do vinaya, e coisas assim.
Depois, você deve saber a relação de regras a serem seguidas.
O desrespeito é também outra porta que leva à quebra de votos. Você deve
respeitar o seu preceptor e seus amigos cujos atos se afinam com o Dharma. Além
disso, é preciso ter a atitude de que os votos em seu contínuo-mental representam o
nosso Mestre, o Buda, e portanto devem ser respeitados. Não fique indiferente aos seus
votos; eles são como um substituto de nosso Mestre após o seu nirvana.
Uma outra porta que nos faz quebrar os votos é a delusão maior. A quebra de
votos também vem de qualquer delusão – apego, hostilidade, e assim por diante– que
for mais forte. Para suprimir os inimigos, primeiro é preciso subjugar aquele mais forte
entre eles – algum herói, um general, ou quem quer que seja. De forma similar, é
preciso aplicar o antídoto às delusões predominantes em seu contínuo-mental. Quando
o apego for a delusão maior, medite na feiura [do corpo]: que o corpo é um saco cheio
de sujeira; e desenvolva a atitude de que o corpo terá um aspecto sangrento, um aspecto
de inchaço, que será comido pelos vermes, que será um esqueleto, e coisas assim.
Como antídoto à hostilidade, medite sobre o amor. Como antídotos ao orgulho, pense
nas sinas sansáricas de velhice e morte, da incerteza, de constantemente mover-se de
cima para baixo, ou sobre a classificação completa destes elementos dos sentidos.
Medite que se há tantas coisas em seu próprio corpo das quais você nada sabe –os
agregados, elementos dos sentidos, faculdades dos sentidos, a interação-de-contato que
há entre suas faculdades e seu corpo, etc.– quantas outras coisa devem existir sobre as
quais você nada sabe! O antídoto para a ignorância profunda é a meditação na
originação interdependente; meditação na visão da vacuidade é o antídoto geral às
delusões.
A outra porta da quebra dos votos é o descuido. É preciso se lembrar e não se
esquecer de modificar o seu comportamento durante todo o tempo de sua rotina diária –
ao andar, dormir, sentar, comer, beber, e assim por diante. De vez em quando verifique
394
se o seu corpo, palavra e mente foram maculados por maus atos ou votos quebrados.
É preciso fechar as portas que levam às más ações ou transgressão de votos:
faça-o usando lembrança, vigilância, vergonha e decência. Ocasionalmente você ainda
poderá ser maculado por transgressões, por isso participe com freqüência de ritos de
purificação, etc., para purificá-los. A literatura clássica do vinaya diz que deve-se
reparar os votos auxiliares de três maneiras: tomando o último assento no rito de
purificação, rendendo respeito aos outros membros da Sangha, e sendo
temporariamente expulso do rito. Mas Ensapa e seus discípulos afirmavam que pode-se
purificar os votos auxiliares e outros votos menores se tiver arrependimento bastante e
exercitar a correta restrição.
Os nossos melhores, como o grande Atisha, e Tsong Khapa, que era
personificação de Manjushri, seus discípulos e outros, evitaram que sua ética fosse
maculada por maus atos; não conseguimos guardar nossos votos assim ou exercitar tal
restrição, mas poderíamos guardar os quatro votos-raiz leigos, juntamente com
abandonar bebidas alcoólicas, e guardá-los como protegeríamos os nossos próprios
olhos.
Como os votos pratimoksha são tomados de seu abade, mestre de ordenação, e
Sangha, é preciso reparar quaisquer transgressões de seus compromissos na presença da
Sangha. É por isso que quando se faz a expiação sozinho, só se consegue purificar a
ação não-virtuosa; mas é incapaz de purificar o voto quebrado, logo, não é benéfico.
Não fique indiferente aos votos [minoritários]: se nem consegue limpar os dentes após
as refeições, se usa sapato quando não deve, ou se usa mantos com mangas, como vai
conseguir guardar os outros votos? Os que fazem estas coisas, embora não quebrem
votos principais ou algum voto auxiliar, mesmo assim prejudicam muito a consideração
que as pessoas têm pelo Dharma. Tanto quanto possível, deve-se fazer os ritos de
consagração [que permite relaxar certas restrições menores].
Neste mundo, ao preparar seu almoço, chá, e coisas assim, você precisa ter
certas coisas à mão – manteiga, sal, carne, e coisas assim. Da mesma forma, para
alcançar os renascimentos que mais ansiamos para as nossas próximas vidas, não basta
só fazer algumas poucas coisas, como guardar a ética, praticar a generosidade, ou o que
for. Até mesmo as pessoas ordenadas devem também praticar a generosidade, etc., além
de manter a ética pura.
Alguns alegam: “As disciplinas dos votos pratimoksha estão na jurisdição de
pessoas com faculdades inferiores. Por isso, pessoas com faculdades superiores ou mais
afiadas não precisam ser limitadas por tais coisas: o caminho do tantra secreto é um
caminho rápido e suficiente para eles porque usa os três venenos como parte do
caminho”. Estas pessoas não valorizam os seus votos e agem com descuido. Mas,
mesmo se seguir os tantras secretos e tiver tomado os votos pratimoksha, é preciso
guardar estes votos corretamente. O Tantra Solicitado por Subahy diz:
395
Tantristas leigos, abandonem os sinais e rituais [dos monges]
Mas pratiquem tudo o mais.
396
Parte Seis
A Grande Capacidade
397
DIA DEZESSEIS
398
Como disse o Geshe Potowa:
É como ter que cruzar o mesmo rio duas vezes. E ainda tem mais. Os Arhats
experimentam um prazer sublime tão inconcebível quando estão absorvidos em suas
esferas de paz, que permanecem nesta absorção por muitos éons e sem nenhum desejo
de deixar este estado. Enquanto isto, alguém que esteve vivendo no inferno pode
conseguir um perfeito renascimento humano, entrar no caminho Mahayana e levar este
mesmo tempo para alcançar a iluminação. Assim, estes Arhats se colocaram a uma
grande distância da Budeidade. Suponha que alguém tenha estudado o Mahayana,
desenvolvido uma inclinação para isto, mas renasce no inferno por ter desenvolvido
visões errôneas. Esta pessoa poderia se iluminar mais rapidamente do que qualquer
pessoa com inclinações ao Mahayana que tivesse entrado no caminho Hinayana e
alcançado o estado de Arhat. Portanto, é melhor ser do primeiro tipo.
Por exemplo, quando o Shravaka Kashyapa recebeu ensinamentos do Dharma
Hinayana, havia sessenta monges que teriam alcançado o estado de Arhat. Mas
Manjushri já tinha ido até eles e ensinado o Dharma Mahayana. Este ensinamento
provou ser demais para eles e eles desenvolveram visões errôneas, e por isso
renasceram no inferno. Kashyapa pediu uma explicação ao Buda, nosso Mestre, e Buda
disse: “Este foi o meio hábil de Manjushri! Um ensinamento tão excelente!”
Da mesma forma, quando os Budas fazem os Arhats Shravakas e Pratyekabudas
saírem de suas absorções de prazer sublime, e leva-os ao Mahayana, estes Arhats não se
esforçarão para desenvolver qualidades como a bodhicitta em seus contínuos-mentais
devido à suas grandes familiaridades em provar a absorção sublime. Mesmo quando
tentam, é difícil conseguirem sentir compaixão e coisas assim, porque eles já se
libertaram de seus próprios sofrimentos. Os dois principais discípulos de Buda,
Shariputra e Maudgalyayana, disseram: “O Mestre ensinou o caminho Mahayana e
também os seus resultados. Estes são maravilhosos, mas nós somos como madeira
consumida pelo fogo: não poderíamos fazer mais”. Mas, observem: na realidade, isto
não se aplica a pessoas como Arya Shariputra, porque elas eram emanações [dos
Budas] tomando a forma de Shravakas. Esta afirmação se refere aos Shravakas mais
típicos que têm estes grandes empecilhos para a iluminação.
Portanto, quando tivermos alcançado alguma compreensão da renúncia,
deveremos entrar definitivamente no caminho Mahayana. Treinamos nossa mente na
parte do caminho compartilhada com a Média Capacidade especialmente para
desenvolver a renúncia em nosso contínuo-mental, e não para efetivamente trilhar o
caminho da Média Capacidade. Treinando a bodhicitta segundo a seção da Grande
Capacidade é a parte principal do caminho; as Pequena e Média Capacidades são uma
introdução, um suplemento às tarefas [de um Bodhisattva].
Como a primeira coisa a ser feita no estudo do caminho da Grande Capacidade é
399
regozijar-se, a tradição oral lida primeiro com os benefícios [da bodhicitta]. Segue
abaixo como estes benefícios são discutidos em As Palavras do Próprio Manjushri.
Falarei destes benefícios em dez tópicos: (1) ensinando que o único meio de entrar no
Mahayana é desenvolvendo a bodhicitta; (2) você recebe o nome de “Filho dos
Vitoriosos”; (3) você ofusca os Shravakas e Pratyekabuddhas; (4) você se torna um
objeto supremo de oferecimentos; (5) você reúne com facilidade uma enorme
acumulação de méritos; (6) você purifica rapidamente as ações negativas e
obscurecimentos; (7) você realiza tudo o que quiser; (8) você não é perturbado por
males ou empecilhos; (9) você completa em breve todo o caminho e seus níveis; (10)
você se torna uma fonte fértil de toda felicidade para os outros seres.
Se não tiver esta mente, as suas meditações no estágio de geração dos tantras
secretos serão como olhar fixamente as mansões da deidade [na mandala]; e suas
meditações no estágio de consumação, como dizem, será: “Inalando, segurando,
exalando...” Em outras palavras, estas práticas de vento-energia, etc. não seriam melhor
do que usar um fole!
A rapidez sem paralelo dos tantras secretos é devida ao fato de que eles
aumentam muito mais a nossa bodhicitta. Jangkya Roelpai Dorje disse neste louvor:
400
Eu estudei o Dharma com Purchog Ngagwang Jampa. Mesmo quando o Lama
Jampa dá uma iniciação majoritária, na hora das explicações da iniciação ele só fala do
Lam-rim. Se mais alguém fosse ver isto, acharia que Lama Jampa não sabe falar dos
tantras secretos, mas este lama fala de sua compreensão do caminho completo.
Um iogue no tantra de Hevajra que não tinha bodhicitta alcançou o estado do
Que-Entrou-Na-Corrente. Atisha ficou abismado ao ouvir isto e disse, “Isto mostra que
ele não tem a minha bodhicitta. E ainda mais pessoas que meditaram em Hevajra vão
para o inferno!” Mas aquele iogue tinha se saído muito bem porque muitas outras
pessoas que, sem bodhicitta, praticaram a recitação de mantras de muitas deidades
iradas, e renasceram como espíritos malévolos ou no inferno. Há uma estória sobre a
deidade local de Chushur. Anteriormente ele era uma pessoa que fazia retiros
majoritários, mas depois renasceu como um deus do local. Se o iogue Hevajra que
alcançou o nível do Que-Entrou-Na-Corrente tivesse tido bodhicitta, ele teria se
iluminado nesta mesma vida. Mas, em vez disto, alcançou o resultado Hinayana e nem
uma única causa para se iluminar; a culpa foi de sua falta de bodhicitta. A bodhicitta é
algo que podemos corretamente chamar de “Dharma profundo”.
Eu já contei várias estórias semelhantes, como a do Brâmane Chanakya, e a outra
do iogue indiano que praticava o tantra de Yamantaka e renasceu como um espírito
maligno que foi ao Tibet só para ser expulso pelo oferecimento de bolos rituais feitos
por Atisha. Mas temos também a estória do iogue do tantra de Yamantaka de Paenpo
que renasceu como um fantasma faminto na forma da deidade e foi observar uma
cerimônia de queima de oferecimentos para os mortos que estava acontecendo na casa
de seus antigos vizinhos e benfeitores.
Nos dias atuais, a maioria das pessoas valorizam coisas como visões de deidades,
clarividência, ou poderes milagrosos; mas, sem bodhicitta você ainda pode ir aos reinos
inferiores, e sendo clarividente ou tendo tais poderes não será de nenhuma utilidade.
Quando tiver esta mente da bodhicitta, você pode não fazer muito esforço em outras
coisas, mas terá a própria raiz do Dharma Mahayana. Qualquer tópico, seja de sutra ou
tantra, será ou não Mahayana dependendo se você tem ou não esta mente. Se você já
tem esta mente, até mesmo dar uma bolinha de massa de farinha de cevada a um animal
será causa para que consiga a completa iluminação. Isto também se aplica às atividades
cotidianas que normalmente são neutras em termos de caráter. Os Grandes
Bodhisattvas podem até converter a não-virtude em virtude porque fazem tudo junto
com a bodhicitta.
Quando você não tem esta mente, mas encontra as condições certas para
desenvolver a sabedoria que compreende a vacuidade, estas condições agem apenas
como causa para qualquer um dos três tipos de iluminação [como Shravaka,
Pratyekabuddha ou Buda]; então, aquela sabedoria é como uma mãe. Mas quando você
tem bodhicitta, tais condições agem unicamente como causa para a sua completa
iluminação. Assim, a bodhicitta é como um pai. É por isso que a anterior é chamada de
“mãe”.
Para resumir, a menos que não tenham qualquer anseio pela iluminação, todos
401
devem fazer da bodhicitta a sua prática básica. Qualquer coisa de valor – como as boas
qualidades em qualquer um dos três veículos – no fim, vem da bodhicitta. Se alguém
fosse perguntar qual é a nossa prática básica, poderíamos responder, “Eu recito
Hayagriva”, “Vajrapani”, ou “Yamantaka”, mas na realidade a maioria de nós
normalmente fazemos das três delusões venenosas a nossa prática básica! Atisha era
um erudito de todos estes Dharmas, mas isto não o satisfez. Em vez disto, ele navegou
os oceanos por treze meses difíceis para ouvir do Guru Suvarnadvipi as instruções
completas sobre bodhicitta, e fazer disto a sua prática básica. Ele rendeu muito mais
respeito a este guru que lhe ensinou estas instruções do que aos seus outros gurus. Mas,
Suvarnadvipi era um Chittamatrin e portanto suas visões [a respeito da vacuidade] eram
inferiores.
Por estas razões, devemos ver se podemos desenvolver esta bodhicitta em nosso
contínuo-mental. Não poderia haver melhor renascimento para desenvolvê-la do que o
nosso atual renascimento. Não há melhor instrução do Dharma para o treinamento da
bodhicitta do que este Dharma, o Lam-rim. Dada estas considerações, seria uma grande
pena se nada fizéssemos para desenvolver a bodhicitta em nossos contínuos-mentais.
Em todos os lugares há pessoas que gastam toda a vida cultivando a difícil prática de
viver de migalhas para se alimentar. Elas podem se orgulhar de ser a nata dos
praticantes, mas se extraviaram dos caminhos que levam à total iluminação, porque
pouca atenção é dada à bodhicitta. Isto é muito comum.
Devemos ver se achamos que podemos desenvolver genuinamente esta mente em
nossos contínuos-mentais, já que isto é o melhor que podemos fazer. Se isto falhar,
devemos ver se podemos conseguir algum tipo de experiência de bodhicitta produzida,
ou, se até isto falhar, ver se podemos conseguir um baixo nível de compreensão da
bodhicitta. Por isso dizem que se não nos esforçarmos nisto como um dos tópicos de
uma sessão específica de meditação, o resto da meditação ou recitação de mantras que
fizermos será apenas trabalho árduo sem sentido. Que grande lástima!
Hoje eu nasci
Na raça dos Budas,
Eu me tornei um Filho dos Budas.
402
Então, se você é ou não um Filho dos Vitoriosos depende unicamente disto. Se
não desenvolveu a bodhicitta, você não é um Bodhisattva, um Filho dos Vitoriosos,
embora possa ser clarividente, ser capaz de fazer milagres, ser letrado nas cinco
ciências, ter alcançado a compreensão direta da vacuidade, ou ter abandonado
inteiramente todos as delusões. Você não terá entrado no rol do Mahayana. Mas, se
desenvolveu este pensamento em seu contínuo-mental, você entrou no rol dos
Mahayanas, mesmo se você for um animal, por exemplo, um cão ou porco, ou mesmo
alguém sem nenhuma outra realização e ignorante como um asno.
Quando alguém desenvolve a bodhicitta, a terra treme e todos os tronos dos
Budas tremem. Como a grande terra foi produzida pelo karma coletivo dos seres
sencientes, quando alguém desenvolve a bodhicitta, isto é demais para a terra, que
então treme porque aquela pessoa com bodhicitta guiará muitos seres sencientes e
causará uma comoção no samsara.
Os Bodhisattvas querem considerar qualquer um que tenha desenvolvido esta
mente como seu irmão ou irmã. Os Budas das dez direções ficam tão felizes quanto um
imperador universal ao se tornar pai de um novo herdeiro. A partir daí, aquela pessoa se
torna um Filho dos Vitoriosos. Se acaso abandonarem esta mente, estarão se excluindo
do Mahayana. No passado, alcançamos muitos tipos de clarividência e poderes
milagrosos que a longo prazo não trouxeram nenhum benefício; assim, é melhor
compreender o Lam-rim. Ser clarividente e ter poderes milagrosos não é nem incomum
nem benéfico: está dito que recebemos estes poderes no bardo quando deixamos cada
renascimento.
403
Serão ofuscadas. E dizem que toda a pobreza do samsara é dissipada por ela.
Só a bodhicitta deve ser reconhecida como a essência dos 84.000 Dharmas.
Como disse Atisha, “Abandone esta vida! Familiarize-se com o amor, a compaixão e a
bodhicitta”.
Você deve render homenagem à lua nova e não à lua cheia. Da mesma
forma, qualquer um que se inspire em mim, deve homenagear o
Bodhisattva e não os Tathagatas... Quando um Bodhisattva anda num
coche, os Budas providenciarão deleites para seus cinco sentidos, e o
acolherão. Se não houver mais ninguém para puxar o coche, os próprios
Budas puxarão o coche com uma corda amarrada em suas próprias
cabeças.
404
foi engolida pela terra.
Nyugrumpa disse:
Je Tsongkapa disse:
Ou seja, não poderia haver nada melhor do que a bodhicitta para completar a sua
coletânea de méritos. Se, sem bodhicitta, você fosse generoso com centenas de milhares
de seres por muitas centenas de milhares de éons, e preenchesse bilhões de mundos
com jóias, os resultados kármicos disto eventualmente terminariam. Isto também não
seria um ato de um Filho dos Vitoriosos, e não agiria como causa para a sua Budeidade.
Mas com bodhicitta, se você desse uma bola de massa de cevada a um animal, os
resultados de sua ação nunca teriam fim. Seria o feito de um Filho do Vitorioso, e
agiria como causa para sua Budeidade. Se, com esta mente, você oferecer um simples
405
bastão de incenso, dizem que isto concede os mesmos benefícios de oferecer a
quantidade de bastões de incenso iguais aos números de seres sencientes. Se tiver esta
mente e recitar um único om mani padme hum, será tão benéfico quanto recitar este
mantra tantas vezes quanto o número de seres sencientes.
Certa vez, durante a vida de Buda, um mendigo ofereceu, com esta mente, uma
pequena lamparina de azeite ao Buda. Ananda não conseguia apagá-la e o Tathagata
disse que nem mesmo os ventos da destruição do fim do éon poderiam apagá-la com
seu sopro, por causa do crescimento contínuo do mérito.
De Guia do Caminho dos Bodhisattvas:
Em outras palavras, uma vez que você tenha adotado o voto da bodhicitta seja
em suas formas de aspiração ou de engajamento, você receberá um contínuo fluxo de
virtude, mesmo enquanto estiver dormindo ou desligado. Se há um grande benefício em
querer livrar um ser senciente de uma dor de cabeça, como poderia o desejo de libertar
todos os seres sencientes de todos os seus sofrimentos incomensuráveis da doença não
ser meritório? Em Guia do Caminho dos Bodhisattvas encontramos algo parecido:
406
Mas, a pessoa que desatentamente
Enche estômagos para metade do dia
É louvada como uma “pessoa de virtude”.
O que então não dizer de alguém
Que, durante muito tempo, sempre tem
Tentado satisfazer todos os desejos
De um número infinito de seres
Com a inigualável beatitude dos Sugatas?
Em suma, diz-se que quando se é motivado por esta mente, qualquer virtude
criada, concederá o benefício igual ao número total de seres sencientes.
Isto é, você pode ter cometido alguma ação tremendamente negativa que de outra
forma não poderia ser purificada, mas a negatividade seria consumida se você viesse a
gerar esta mente. Isto está exemplificado na estória de Arya Asanga. Num momento de
compaixão ele purificou muito mais ações negativas e obscurecimentos do que poderia
purificar em doze anos de práticas virtuosas. Além disso:
Em outras palavras, assim como não precisa temer [uma emboscada] quando a
estrada atravessa uma garganta estreita se você estiver na companhia de um amigo
muito heróico, se tiver bodhicitta você também não precisa temer os resultados de suas
ações negativas e seus obscurecimentos.
407
Ou seja, não importa o tamanho de sua pilha de ações negativas, elas serão
purificadas como se fossem queimadas pelo fogo do final de um éon.
Por estes motivos, para destruir suas negatividades, é melhor meditar na
bodhicitta durante uma sessão do que tentar purificar estas negatividades durante cem
anos usando outro meio sem esta mente.
Ao desenvolver esta mente, você alcança, sem esforço, todos os seus desejos,
tanto os temporais quanto os supremos. A melhor coisa a desejar é para que todos os
seres sencientes abandonassem seus sofrimentos indesejáveis e alcançassem as
felicidades desejadas. O Guia do Caminho dos Bodhisattvas diz:
408
coisas assim, em rituais de melhorias [para agradá-los e pedir ajuda], não poderemos ter
certeza de que de fato vieram. Mas se desenvolvermos esta mente, então mesmo se não
tivermos convidado os quatro maharajas, por exemplo Vaishravana, eles ainda nos
protegeriam como servos fiéis. O Sutra de Colocar Estacas diz:
409
VOCÊ SE TORNA UMA FONTE FÉRTIL DE TODA A FELICIDADE
DOS OUTROS SERES
410
Só poucos de nós a praticamos. Por outro lado, alguns de nós dizem que “a
bodhicitta é muito difícil de desenvolver”, e então deixam-na de lado, enquanto outros
dizem, “Esta é a parte comum do Mahayana. Nós meditamos em coisas mais profundas
como os dois estágios [do Ioga Tantra Superior]”, e deixam-na de lado. Isto é como um
homem buscando uma jóia que realiza desejos numa poça deixada pela marca do casco
de um touro em vez de procurá-la no oceano. Je Tsongkapa disse:
As boas obras de Atisha se espalharam por toda parte, tanto na Índia quanto no
Tibet. Isto aconteceu devido ao poder de sua devoção aos guias espirituais e de sua
bodhicitta. Como os antigos Kadampas diziam:
Você pode ter uma concentração tamanha que não consegue ouvir um
tambor sendo batido bem ao lado de seu ouvido, mas isto será inútil se
não tiver esta mente.
Nos sutras, está dito que a bodhicitta é como a roda preciosa de um imperador
universal, como a força-vital de alguém, ou como mãos.
Encontramos em O Contínuo Sublime do Grande Veículo:
411
Apreço pelo Veículo Supremo
É a semente da sabedoria;
É a mãe do desenvolvimento
Da Budeidade.
Isto é exemplificado como segue. Um pai age como causa determinante para uma
específica linhagem familiar, enquanto que a mãe é uma causa não determinante. De
forma semelhante, a preciosa bodhicitta é a causa determinante para a Budeidade; a
sabedoria que realiza a vacuidade é a causa não determinante para qualquer um dos três
tipos de iluminação. Portanto, esta sabedoria da vacuidade agirá como causa de uma
iluminação específica em qualquer veículo – Mahayana ou Hinayana – que você venha
encontrar. Assim, alguém que só tenha alguma compreensão da bodhicitta será
iluminado antes de alguém que não tenha bodhicitta e que medite, por exemplo, no
mahamudra, a grande perfeição [dzogchen], ou visões de conjuntos de deidades. A
bodhicitta é vital, e esta foi a mensagem do grande Atisha, que era alguém que
conhecia todo o santo Dharma e o praticava. Ele disse: “Medite no amor, na
compaixão, e na bodhicitta”.
Por esta razão, não coloque suas esperanças só na meditação em deidades e
recitação de mantras. Você deve se esforçar na bodhicitta. É significativo fazer um
grande esforço para desenvolver esta essência do Dharma em seu contínuo mental: o
esforço vale a pena. E, você certamente vai desenvolver a bodhicitta se meditar nela,
porque os fenômenos condicionais não permanecem estáticos [logo, a causa certa
produzirá os efeitos desejados]. Mas, antes da chegada de Atisha, havia uma cerimônia
no Tibet para conceder o desenvolvimento da bodhicitta. No início da cerimônia, as
pessoas recitavam, “Eu alcançarei a iluminação pelo bem de todos os seres sencientes,
que já foram minhas mães”. Eles haviam substituído a bodhicitta por uma mera
fórmula! Para desenvolver a bodhicitta em seu contínuo-mental é preciso treinar a
mente: sem tal treinamento da mente é difícil até mesmo familiarizar-se com a
bodhicitta, muito menos desenvolvê-la [passivamente] na sua mente da mesma forma
como recebe os votos pratimoksa. Certa vez Atisha disse sarcasticamente aos tibetanos,
“As pessoas que vocês tibetanos acham que são Bodhisattvas não têm nenhuma
familiaridade nem com amor nem com a compaixão!”
Os tibetanos perguntaram-lhe, “Neste caso, o que devemos fazer?”
Sua resposta foi, “Treinem-se nos estágios.”
É bastante impossível desenvolver a bodhicitta sem ter experimentado a grande
compaixão e por isso é preciso desenvolver a sua mente nos estágios.
Isto tem dois sub-títulos: (1) os estágios para treinar-se na bodhicitta; (2) como
desenvolver a bodhicitta através de uma cerimônia [i.e., através de rituais de tomada de
412
votos].
Há aqui mais dois sub-títulos: (1) treinando a mente através das instruções de
sete pontos de causa e efeito; treinando a mente trocando-se pelos outros.
As instruções de sete pontos de causa e efeito funcionam ao vermos todos os
seres sencientes como atraentes. Este foi o sistema usado por Atisha, Chandrakirti,
Chandragomin, Shantarakshita e outros. O sistema de Shantideva era o de treinar a
mente através do trocar-se pelos outros. Você conseguirá desenvolver a bodhicitta se
treinar-se em uma destas instruções, pois elas são linhagens que se ramificam desde o
próprio Mestre, e vieram até nós através de Maitreya e Manjushri.
A Lâmpada no Caminho e outras obras de Atisha apresentam as instruções de
Suvarnadvipi, o guru que mantinha estas duas instruções. O sistema de sete pontos de
causa e efeito foi popular durante os períodos Nyingma e Kadampa, mas as instruções
de trocar-se pelos outros foi passada adiante secretamente. E foi assim que a sua
linhagem chegou até Je Tsongkapa. Seus próprios ensinamentos nos conta como treinar
a mente nestes dois tipos de instruções; você deve praticar esta combinação das duas
instruções. Mas, embora devam ser combinadas em suas meditações quando treinar a
sua própria mente na bodhicitta, as duas instruções precisam ser discutidas
separadamente.
413
todos os seres sencientes se puder provar que eles realmente já foram suas mães,
recordar a sua bondade, e desejar retribuí-la.
Por isso, isto é conhecido como a instrução de “causa e efeito”, já que cada passo
é uma preliminar necessária para o passo seguinte. Não seja imprevidente e não pense
que este processo seja muito longo: você definitivamente conseguirá desenvolver a
bodhicitta se treinar os estágios. As instruções Kadampa são em geral profundas, e isto
é especialmente certo para os ensinamentos de Tsongkapa: ele as recebeu diretamente
de Manjushri, e eles discutiram todo o vasto sutra e tantra de modo bastante puro. Eles
foram até mais profundos do que os seus antecessores. Como meu precioso guru, meu
refúgio e protetor, disse:
Ou, como disse Dzogchen Pelge, “Oh, Tsongkapa, fonte eloqüente do sutra e
tantra...” Estes louvores vieram de seres altamente realizados.
“Conceder a Budeidade” parece bastante ambicioso; já é difícil conceder até
mesmo o caminho mais baixo da acumulação, Mas, se depender do Lam-rim, a
Budeidade será concedida. Mas, se não treinar a seqüência certa do caminho você não
desenvolverá a Budeidade. Portanto, primeiro treine-se para compreender que todos os
seres sencientes já foram suas mães. Se não considerar com seriedade o treinamento de
pensar assim, e não dedicar esforço para isto, apesar de desejar a Budeidade a sua
prática sairá às avessas. Você será tão perverso quanto as pessoas que pecam mas
querem a felicidade. Você pode estar se dedicando aos tantras secretos, um caminho de
grande rapidez, mas deve se esforçar nas técnicas do treinamento da mente da
bodhicitta. Se não o fizer, você será como um homem que quer ir até à Província de
Tsang, mas monta seu cavalo e cavalga [cegamente], com a impressão de estar indo a
Tsang. Mas pode, ao contrário, eventualmente chegar a Kongpo ou Rong!
A maneira de começar a desenvolver esta compreensão de que todos os seres
sencientes já foram sua mãe pode ser ilustrada conforme segue. Se você não preparar o
espaço para o desenho, o desenho não sairá. Se não desenvolver a equanimidade para
414
com todos os seres sencientes, apesar de meditar no amor, na compaixão, ou no que for,
você só vai desenvolver uma forma preconceituosa destas qualidades. Portanto, você
deve primeiro desenvolver a equanimidade imensurável.
O treinamento da mente através das instruções dos sete pontos de causa e efeito
não inclui tudo que está contido no trocar-se pelos outros e outros tipos de treinamento,
enquanto o treinamento da mente através do trocar-se pelos outros certamente contém
as instruções completas dos sete pontos.
o EQUANIMIDADE IMENSURÁVEL
415
vista, todos os seres sencientes são iguais e devem ser tratados com imparcialidade.
Do ponto de vista do outro, você pode achar que há diferença entre eles porque
alguns lhe beneficiaram nesta vida, enquanto outros lhe fizeram mal. Não é assim. O
benefício feito no passado é igual ao benefício feito agora. O mal feito no passado é
igual ao mal feito agora. Por exemplo, se alguém bateu na sua cabeça no ano passado
ou se bateu na sua cabeça este ano, o mal é o mesmo. Ganhar um bloco de chá prensado
no ano passado é igual a ganhar um neste ano. Veja o exemplo de dez mendigos.
Quando chegam pedindo esmolas, da parte deles eles são todos igualmente
merecedores de piedade por sua fome e sede, e estão todos precisando da mesma coisa.
De sua parte, todos eles igualmente não lhe fizeram mal ou magoaram você.
Se alcançar a equanimidade com os inimigos, os seres queridos e os estranhos
através desta contemplação, você pode estendê-la a todos os seres sencientes. Quando
tiver tal equanimidade com eles, você não vai classificá-los como inimigos ou amigos.
A partir de então e para sempre, você deixará de cometer ações mundanas negativas
como a de subjugar inimigos e apoiar amigos. Sem equanimidade, você vai discriminar
os seres, sentindo que este ou aquele deve ser deixado de fora de “todos os seres
sencientes”. As pessoas que fazem tais distinções nunca desenvolverão a bodhicitta.
Você deve aplicar seu esforço na equanimidade durante meses ou anos seguidos,
porque se só o fizer em algumas sessões de meditação você não terá progresso. As suas
esperanças de plantar a base para a sua iluminação só será pensar no que gostaria que
fosse verdade. Se realmente se esforçar neste treinamento da bodhicitta, então posso
assegurar-lhe que é mais valioso do que se esforçar e meditar em todos os tipos de
coisas menos benéficas que podem gastar o seu renascimento humano, como meditar
nas deidades, recitar mantras, ou tentar aprimorar as suas habilidades meditativas.
416
DIA DEZESSETE
Kyabje Pabongka Rinpoche falou que precisamos fazer da bodhicitta a nossa prática
principal, que as instruções do treinamento da mente são indispensáveis para o
desenvolvimento da bodhicitta, e assim por diante. Depois desta breve palestra para
acertar a nossa motivação, ele repassou os títulos já cobertos e reviu os benefícios das
meditações na bodhicitta e na equanimidade.
o O TREINAMENTO DA MENTE
417
A Primeira Causa: Compreendendo que Todos os Seres Sencientes foram
Sua Mãe
Você deve compreender que todos os seres sencientes certa vez já foram a
forma suprema do amigo ou parente: a sua mãe. Você não terá a menor oportunidade de
conseguir a bodhicitta se não desenvolver esta compreensão. Você pode refletir em
outros tópicos profundos como a vacuidade, usando muitos argumentos lógicos
diferentes. Portanto, tais tópicos não são difíceis de se compreender. Mas é difícil
convencer-se apenas pensando profundamente numa única citação escritural. Mesmo
assim, os de inteligência viva seguem idéias [Dharma] e para eles tudo precisa ser
provado pela lógica. Será difícil conseguirem realizações nesta seção já que ela tem
uma única linha solitária de raciocínio. Este raciocínio é dado no Comentário de Coisas
Válidas, [de Dharmakirti]:
O que precisa ser provado aqui é a natureza sem princípio de nossa consciência.
A mente de hoje é a continuação da mente de ontem, e isto por sua vez é uma
continuação da mente do dia anterior. Até aqui isto é compreensível. A mente logo
depois do nascimento é continuação da mente que estava no útero. A mente logo após
ter entrado no útero é continuação de alguma coisa que entrou lá. Como o samsara volta
no tempo ilimitadamente para trás, não se pode encontrar um ponto de partida para esta
mente. Isto prova que os seus renascimentos devem também voltar no tempo
ilimitadamente para trás. Segue-se então que o número de seus renascimentos é
infinito. Então, você já teve um número ilimitado de renascimentos. Assim como teve
uma mãe nesta vida, você teve uma mãe no passado toda vez que você nasceu de um
útero ou de um ovo. Para poder ter tal nascimento uma vez, você precisou ter uma mãe
e, de forma similar, para cem destes renascimentos, você teve cem destas mães; para
mil renascimentos, mil mães, etc. Você deve ter tido incontáveis mães, e logo é
impossível que todos os seres sencientes não tenham sido sua mãe.
Você pode contestar, “Admitindo que eu devo ter tido muitas mães, é irracional
dizer que todos os seres sencientes foram minhas mães, porque eles são infinitos”. Em
geral, você teve muitos renascimentos, Além disto, você renasceu inúmeras vezes com
a forma física de cada espécie animal, como corças, antílopes, minhocas, e coisas
assim. Portanto, recebeu inúmeros corpos de cada um dos incontáveis tipos de seres
sencientes. Você já renasceu muitas vezes mais do que a quantidade de seres
sencientes; e para cada um destes renascimentos, precisou de um número igual de
mães. Assim, não só todos os seres sencientes já foram suas mães, mas também não há
418
seres sencientes suficientes para que cada um tenha sido sua mãe uma única vez. Como
disse Nagarjuna em sua Carta:
Esta passagem se refere à linha direta de mães, ou seja, sua mãe, avó, bisavó e
assim por diante. Mas, aqui vou interpretar esta passagem segundo a tradição oral de
nossos gurus. Pegue toda a terra e faça pequenas bolinhas do tamanho de uma baga de
zimbro. Uma destas representa a sua mãe desta vida, uma a sua mãe da vida anterior,
uma à vida anterior àquela. Quando acabar com as bolas de terra, ainda não terá
alcançado nem cem milésimos do número de mães que já teve. Se todos os seres
sencientes não tivessem sido suas mães, haveria uma discrepância.
Além disso, como todos os seres sencientes definitivamente se iluminarão,
chegará um tempo em que não sobrará mais nenhum deles. Mas, como a existência
cíclica não teve nenhum começo para você, você já teve mais renascimentos do que o
número de seres sencientes. Assim, se todos os seres sencientes não tivessem sido sua
mãe incontáveis vezes, haveria uma discrepância. Todos os seres sencientes já foram
sua mãe, e muitas inúmeras vezes.
Não há nenhuma forma de ser senciente que você não tenha tido num
renascimento; pense como já renasceu inúmeras vezes nestas formas. Vamos tomar
renascimentos humanos como um exemplo. Não há nenhum lugar no continente onde
você não tenha renascido inúmeras vezes como ser humano. Da mesma maneira, você
já renasceu em todo sistema mundial ao leste, oeste, norte, sul, e assim por diante.
Portanto, como você já teve mais renascimentos do que o número de seres sencientes,
não só todos eles já devem ter sido sua mãe, mas cada um deles deve ter sido sua mãe
em renascimentos humanos. Logo, é razoável [concluir] que todos os seres sencientes
já foram sua mãe.
Se após esta contemplação você não tiver desenvolvido a compreensão, então
pergunte-se, “Eu já tive mãe alguma vez?” Você então pensará, “Obviamente que sim:
a minha mãe deste renascimento.” Depois, estenda isto à mãe de seu renascimento
imediatamente anterior, e assim por diante.
Os Lam-rims de O Caminho Fácil e O Caminho Rápido só tratam ligeiramente
de como meditar na compreensão de que estes seres já foram suas mães. Mas vou
expandir este título usando as instruções que herdei de meu próprio guru. Se as práticas
não devem degenerar, é vital que quem pratica regularmente, ou que tenha feito dos
ensinamentos uma responsabilidade sua, faça a seguinte meditação para facilitar o
desenvolvimento das pessoas nas realizações do Lam-rim.
Primeiro medite como sua mãe desta vida já foi sua mãe incontáveis vezes.
Depois, medite como seu pai já foi sua mãe. Depois faça isto com todos os seus amigos
e entes queridos; depois com estranhos. Depois, se tiver conseguido alguma percepção,
419
medite como seus inimigos já foram sua mãe. Só então faça este treinamento com
relação a todos os seres sencientes. Mesmo assim, você pode pensar, “Se todos os seres
sencientes já foram minhas mães, eu os reconheceria como tal, e isto não acontece, logo
eles não podem ter sido minhas mães”. Mas os próprios Budas observaram que não há
ser senciente que não tenha sido sua mãe. Na realidade, todos eles já foram sua mãe, só
que você não os reconhece como tal. A nossa mãe atual pode mais tarde renascer como
um cão, mas não seríamos capazes de afirmar isto; nós nem a reconheceríamos como a
nossa verdadeira mãe desta vida. Isto está ilustrado na estória de Utpalavarna e na
seguinte citação:
Portanto, por simplesmente não reconhecer um ser não é justificativa para que
este ser não tenha sido sua mãe; e nem este ser deixou de ser sua mãe só porque foi sua
mãe no passado. Se este fosse o caso, a mãe de sua infância não seria sua mãe na vida
adulta; nem sua mãe de ontem seria sua mãe hoje, porque ontem também é passado.
Este é um aspecto sutil da impermanência que é difícil compreender se não estudou a
respeito. Veja este xale, por exemplo. Um ano atrás ele era novo, não tinha manchas
nem furos. Mas a sua continuidade, isto é o xale de hoje, tem cheiro e está roído por
traças. Esta é a diferença entre os dois. Então, você deve refletir no fato de que não há
diferença entre suas mães em vidas passadas e futuras. De forma similar, se alguém
salvou sua vida no ano passado, você certamente lembraria aquela bondade este ano.
Eis o critério que determina se você desenvolveu ou não esta compreensão
depois de treinar-se bem: se ver um ser senciente – mesmo uma formiga – você
involuntariamente se lembrará que certa vez já foi filho daquele ser e dependia
completamente dele para todas as suas necessidades.
E Kyabje Pabongka Rinpoche falou que --assim como Atisha-- precisamos desenvolver
a compreensão de que todos os seres já foram nossas mães.
Quando tiver compreensão de que os seres sencientes já foram suas mães, você
deve pensar na imensa bondade que estes seres dedicaram-lhe como sua mãe. Veja o
caso de sua mãe atual: [enquanto esteve sob os seus cuidados] ela foi muito bondosa no
início, no meio, e no fim. No início, ela cuidou de você durante nove meses dentro de
seu corpo, estimando-o e protegendo-o. Ela foi muito cuidadosa com as coisas que
comia ou bebia, com medo de prejudicá-lo. Se nossas mães não soubessem cuidar de
nós tão bem, não teríamos sido capazes de encontrar o santo Dharma ou estudá-lo
420
agora. Isto não aconteceu porque podíamos cuidar de nós mesmos; mas aconteceu
devido à bondade de nossas mães.
Enquanto isto, logo após o seu nascimento, ela o pegou cuidadosamente com
ambas as mãos, embora você não tivesse nenhuma consciência disto e parecia repulsivo
como uma larva. Ela estava feliz como encontrara um tesouro. Ela o manteve aquecido
com seu próprio corpo, deitou-o em uma cama macia, e sorriu amorosamente, e até
limpou seu nariz escorrido com a própria boca porque temia que você pudesse se
machucar se ela usasse as mãos. Ela temia que limpar suas fezes com um pedaço de
madeira, ou algo assim, pudesse machucá-lo, então, ela usava as próprias mãos. Ela não
o deixava sozinho nem por um dia, e nem mesmo por uma hora. A cada dia ela o
salvou de centenas de coisas que provavelmente teriam lhe matado: um cachorro
poderia devorá-lo; um pássaro quase o feriu, ou você poderia cair de um penhasco. Se
seu filho sofria, você não acha que ela também sofria? Seus únicos pensamentos eram
para seu filho, mesmo enquanto dormia, ela não ousava ter um sono pesado como
antes. Aos poucos, ela também ensinou o filho como ficar em pé, como falar, e até
como comer e beber. Por esta razão podemos agora nos locomover, falar, etc., sem
dificuldades.
Ela não se incomodava com as ações negativas, má reputação ou sofrimento
que passava para ganhar dinheiro para sustentá-lo. Ela o ama mais do que a própria
carne, então, não tocava nas suas economias para gastos com ela mesma, mas usava
tudo só para você. Seja você quem for: homem ou mulher, casado ou prometido em
casamento, ou alguém ordenado, o seu padrão de vida se deve à bondade de sua mãe.
Enfim, ela fez o melhor que pôde dentro de seus conhecimentos e poderes, tudo em seu
benefício. A bondade dela de protegê-lo de todos os males e sofrimentos era infindável.
Todos os outros seres sencientes, como seu pai, também demonstraram a
mesma bondade. Como todos os seres sencientes já foram suas mães em vidas humanas
passadas -- não apenas uma, mas incontáveis vezes-- eles tiveram a mesma bondade
que a sua mãe nesta vida. Quando os outros seres sencientes foram suas mães e você
renasceu, por exemplo, como um animal selvagem, aquelas mães o trataram com amor,
cuidando de você. Elas até o lambiam com suas línguas. Quando sua mãe foi um
pássaro, por exemplo, ela o protegia com suas asas durante quase um mês. E, se havia
ameaçava hostil, como, por exemplo, um homem com uma vara, ela protegia seu
precioso filhote com a própria vida embora ela mesma poderia ter voado para longe.
Mais tarde, ela o alimentava e, se só conseguisse encontrar uma única minhoca, ela a
daria a você.
Portanto, os seres sencientes não foram bondosos com você apenas uma ou duas
vezes: eles vêm dedicando-lhe esta bondade em todo o tipo de situação. Sua bondade
vai além da conta. Certa vez um bandido de Golog esfaqueou uma égua na barriga. A
mãe pariu a sua cria no chão e lambeu-o para mostrar o seu amor. O bandido ao ver
isto, se reformou. Como pode ter certeza de que você não era aquele potro? E assim
como aquela égua pode ter sido tão bondosa consigo naquele renascimento, todos os
seres sencientes também já lhe demonstraram exatamente a mesma bondade.
421
A Terceira Causa: Retribuindo as Suas Bondades
Ou seja, nas nossas meditações de retribuir suas bondades, devemos sentir que
temos os meios de libertar estes seres sencientes presos nas correntes do oceano do
samsara. Agora a responsabilidade de resgatá-los é nossa, e seríamos completamente
desprezíveis se não o fizéssemos.
O Coração do Caminho do Meio diz o seguinte sobre a retribuição de suas
bondades:
422
Até agora eu estava possuído pelo demônio das ilusões;
Era como um líquido irritante derramado numa ferida,
Ou como ser golpeado --o que poderia causar
Tal miséria a uma pessoa tão doente?
Haverá alguma outra maneira de retribuir
Os que me amaram, me respeitaram e me ajudaram
Em meus outros renascimentos
Que não lhes traria sofrimentos mais tarde?
Os benefícios são enormes, tais como alcançar estas oito virtudes do amor. Você
renascerá como um imperador universal ou como Brahma tantas vezes quanto o
número de seres que teve como objeto de sua meditação no amor. É por isso que a
meditação é chamada de Brahmavihara ou “estágios de Brahma”. Mas se tiver como
objeto todos os seres sencientes, que se estendem até os limites do espaço, você
alcançará a forma de não-permanência [ou dinâmica] do nirvana – o estado
Mahabrahma [isto é, o nirvana Mahayana – a Budeidade].
É tão importante quanto uma semente, porque logo de início assegura que o
caminho seja o Mahayana. É tão vital quanto água e esterco, porque produz uma
perseverança ao longo do caminho que age como armadura contra o desânimo diante
das tarefas a serem realizadas por um Filho dos Vitoriosos. Finalmente, é tão
importante quanto a fruta a ser apreciada, porque é responsável por suas boas obras
contínuas em benefício dos outros depois que você alcançar a Budeidade. O grau de
424
força de sua bodhicitta é também uma função de sua grande compaixão; as várias
velocidades que os Bodhisattvas viajam pelo Lam-rim dependem da força de sua
compaixão. Outras coisas acontecem por meio da poderosa compaixão: os Bodhisattvas
entram nos tantras secretos em busca de um caminho ligeiro, e pelo poder de sua
compaixão rapidamente completam este caminho. Uma ilustração: quando uma criança
cai num buraco com fogo, seus pais vão socorrê-la imediatamente, enquanto outros
parentes não têm a determinação de socorrê-la tão resolutamente.
Em suas primeiras meditações na compaixão, tome como objeto uma ovelha
sendo abatida por um açougueiro; você desenvolverá a compaixão facilmente e
rapidamente. Você deve contemplar como a ovelha morre, a maneira sádica como é
morta; e como ela morre em estado de agonia e terror insuportáveis. A ovelha é
colocada deitada de costas. Suas pernas são amarradas juntas com uma corda. Ela
percebe que a sua vida está ameaçada, mas está desamparada, não pode escapar, e não
tem nenhum protetor ou refúgio para apelar. Seus olhos estão cheios de lágrimas e ela
encara fixamente o rosto do açougueiro.
Mesmo assim, quando vemos uma ovelha sendo abatida desta maneira,
imaginamos se ela é suficientemente inteligente para saber o que está acontecendo.
Certa vez um açougueiro estava abatendo um certo número de ovelhas. Depois de
matar as primeiras, ele amarrou uma delas para abater. Acontece que uma outra ovelha
estava em pé perto da faca do açougueiro e chutou terra em cima para escondê-la. Esta
estória mostra que os animais realmente experimentam pavor e sofrimento intolerável.
Embora as ovelhas que estejam agora pastando na colina verdejante ainda não foram
levadas ao matadouro, no final cairá sobre elas exatamente o mesmo. Para a sua
meditação na compaixão pense como elas já foram suas mães em muitas de suas vidas
passadas. Quando tiver desenvolvido alguma compreensão disto, em suas meditações,
recorde os sofrimentos dos reinos inferiores que você próprio pode ter que passar, então
medite como os outros seres sencientes também passarão --e estão passando-- por estes
sofrimentos. Algumas de suas mães serão queimadas por ferro incandescente e beberão
o cobre fundido nestes infernos. Algumas renascerão como fantasmas famintos e
sofrerão as torturas de fome e sede. E assim por diante. Desenvolva compaixão por eles
e depois pense da seguinte forma:
“A única diferença entre a ovelha na montanha e a ovelha sendo abatida no
matadouro é o tempo; os seres humanos que cometem ações negativas certamente
cairão nos reinos inferiores da forma semelhante. Portanto, embora possam ser pessoas
que no presente sabem se cuidar, elas não são diferentes das pessoas que já foram aos
reinos inferiores”.
Depois, medite na compaixão por sua mãe da vida atual, considerando as causas
dos sofrimentos que ela criou e o sofrimento que ela terá que passar. Medite assim para
desenvolver a grande compaixão:
“Os outros, como os meus conhecidos, trabalham muito para ganhar a vida --
mas isto só significa que cometeram ações não-virtuosas e quebraram os seus votos.
Temporariamente eles têm renascimentos elevados, mas passam pelas três formas de
425
sofrimento e mais tarde experimentarão os sofrimentos bem maiores dos reinos
inferiores, já que [sem saber] estão ocupados adquirindo as causas para que isto
aconteça. Além disto, todos os seres sencientes estão criando entes queridos, estas
minhas mães, não tivessem o sofrimento e as suas causas! Eu trabalharei para que isto
aconteça!”
Depois, faça a meditação mais difícil de ter como objeto de meditação, aqueles
seres com quem tem mais dificuldade de desenvolver compaixão. Se achar difícil
desenvolver compaixão por seres como Brahma, contemple como foi ensinado na seção
da Média Capacidade; e assim conseguirá desenvolvê-la.
Seguem os critérios para ter desenvolvido a grande compaixão em seu
contínuo-mental: Você a terá desenvolvido se, mesmo enquanto comer ou beber, pensar
sobre todos os seres sencientes, e quiser que todos eles se libertem do sofrimento assim
como uma mãe preocupada com seu filho predileto que foi abatido por uma doença
virulenta.
Mas a compaixão que só deseja que os seres se libertem do sofrimento é comum
aos Shravakas e Pratyekabuddhas. Apenas a compaixão de querer salvá-los
verdadeiramente de seus sofrimentos é exclusivo do Mahayana. Você deve desenvolver
este último tipo de compaixão. Mesmo assim, estas coisas são difíceis de serem
desenvolvidas e você deve se esforçar muito usando todas as técnicas. Se, no passado,
você teve uma doença grave, ao ver pessoas com a mesma doença, sentirá compaixão
por elas, já que você já passou pelo mesmo. Portanto, deve ser fácil desenvolver
compaixão depois de algumas ótimas meditações sobre os sofrimentos do samsara e
dos reinos inferiores que você possa ter que passar, conforme descrito nos níveis de
Pequena e Média Capacidade.
O amor pela força de atração tão forte que lhe faz estimar os seres sencientes e
considerá-los queridos é tanto uma forma de amor quanto o amor que deseja que eles
sejam felizes. Mas, uma forma é mais geral; a outra mais específica. Amor pelo poder
de atração é o somatório de três coisas; a compreensão de que todos os seres já foram
sua mãe, a lembrança de suas bondades, e o desejo de retribuir suas bondades. O amor
antecede, obrigatoriamente, a grande compaixão, já que faz surgir a geração desta
grande compaixão. A compaixão e o amor que deseja a felicidade não tem um
relacionamento de causa e efeito tão fixo assim. Uma seção de Os Grandes Estágios do
Caminho que lida com a retribuição da bondade de todos os seres sencientes conta
como meditar no amor que deseja a felicidade, e é bom meditar às vezes medite neste
tipo de amor antes de meditar na compaixão. Mas, meditar neste tipo de amor depois
das meditações na compaixão segue as instruções tradicionais de como fazer a prática.
A seguir vamos tratar do altruísmo. Neste estágio, meditamos principalmente no
amor que deseja que todos os seres sencientes sejam felizes. Mas, segundo os títulos de
Os Grandes Estágios do Caminho, devemos contemplar um pouco este tipo de amor
combinado com o tipo “força de atração” antes de contemplar a compaixão.
426
A Sexta Causa: Altruísmo
Você tem uma responsabilidade para com sua mãe. Da mesma forma você deve
assumir a responsabilidade de aliviar todos os seres sencientes de seus sofrimentos e
fazê-los felizes. Você deve decidir que você mesmo vai guiá-los até a Budeidade. Isto é
ser mais altruísta do que os Shravakas ou Pratyekabuddhas. Suponha que você veja um
homem prestes a se jogar num precipício. Esta cena vai levá-lo a sentir, “Será que não
há ninguém para salvá-lo?” Isto é uma reação de amor e compaixão, mas em vez de
deixar as coisas como estão, você pode decidir socorrê-lo você mesmo. Isto seria
análogo a este altruísmo. Shravakas e Pratyekabuddhas geralmente têm apenas amor e
compaixão --não altruísmo.
Meu precioso guru disse que a diferença entre o altruísmo e a maneira como se
assume a responsabilidade na seção, “Retribuindo Sua Bondade”, é ilustrada pelo
exemplo de um comerciante com intenção de comprar algumas mercadorias ou já tendo
fechado a compra. De maneira similar, alguém pode já ter tomado uma decisão num
ponto, mas não no outro.
Desenvolvendo a Bodhicitta
427
a completa iluminação. Como foi dito:
O desenvolvimento da bodhichitta é
Desejar a iluminação completa
Para beneficiar aos outros.
428
Um dia este homem encontrou um pedaço de carne, Ele pensou, “Se eu fosse dividir
este pedaço de carne com toda a minha família, não haveria o suficiente para todos.
Eles ainda estariam com fome, e sei que isto seria uma medida temporária. Eu mesmo
vou comê-la toda. Assim terei forças para procurar mais alimento para todos”. Então
ele comeu toda a carne e foi em busca de alimento para todos. Assim, quando praticar
os tantras secretos, ou apenas repetir um rosário de om mani padme hum --ou, por
exemplo, quando for a uma prática de debates ou cerimônia de oferecimentos como um
monge comum-- faça estas coisas sempre com esta mente.
Quando experimentar o desejo consciente de alcançar a Budeidade pelo bem de
todos os seres, você terá desenvolvido a bodhicitta semelhante à camada externa de um
pedaço de cana de açúcar. Mas, além disto, se experimentar o desejo involuntário de
alcançar a iluminação completa pelo bem de qualquer ser senciente que veja, você terá
desenvolvido a verdadeira bodhicitta em seu contínuo-mental. Você terá entrado no
caminho Mahayana de acumulação e terá iniciado os três grandes éons de [reunir as
duas] acumulações. Você alcançará as qualidades infinitas e ganhará os nomes de
“Filho dos Vitoriosos” e “Bodhisattva”. Quando praticar depois de ter alcançado esta
realização, certamente se iluminará rapidamente mesmo se não recorrer ao caminho
tântrico.
Há dois tipos de desenvolvimento da bodhicitta segundo a sua natureza – de
aspiração e de engajamento; há quatro tipos segundo a nossa localização no caminho –
a bodhicitta do tipo fé, ou do tipo analítico, etc.; três tipos segundo o modo de
desenvolvimento da bodhicitta – o tipo real, etc.: e há outros vinte e dois tipos de
desenvolvimento da bodhicitta. Dizem que é muito importante conhecer estas várias
apresentações.75
Isto completa a seção no desenvolvimento da bodhicitta seguindo as instruções
de sete pontos de causa e efeito. Agora discutirei o sistema do treinamento da mente
que utiliza o trocar-se pelos outros. Este foi o sistema de Shantideva, um grande Filho
dos Vitoriosos. Embora a bodhicitta seja desenvolvida se treinar a sua mente no método
de sete pontos de causa e efeito ensinado acima, mesmo assim vamos falar do sistema
de trocar-se pelos outros, porque este pensamento é muito poderoso. Os antigos
Kadampas usavam esta técnica.
429
Faça este santo ato em segredo!
Em outras palavras, esta prática não agradará quem não for um recipiente
adequado. Desde a época de Atisha até a de Geshe Chekawa este ensinamento era
guardado sob o selo do segredo. Há muitos textos do treinamento da mente, como Os
Venenos Conquistados pelo Treinamento da Mente de Pavões; mas o ponto alto deste
gênero é o famoso Treinamento da Mente em Sete Pontos. Se praticar este
ensinamento, isto será ainda mais benéfico do que o que já ensinei. Portanto, vou
ensinar este treinamento de sete pontos usando uma variante do texto-raiz.
Há várias maneiras de apresentar este texto. Seguirei os ensinamentos da
linhagem vinda de Ngulchu Dharmavajra e seus discípulos.
Primeiro, a grandeza dos autores deste ensinamento. A linhagem veio do Buda
Shakyamuni até o grande Atisha; ele a transmitiu a Dromtempa sob o selo do segredo.
Drom deu ensinamentos de Lam-rim aos seus discípulos em público, mas secretamente
passou este treinamento da mente a Potowa e outros. Potowa o passou a Langri Tangpa
e Geshe Sharawa. Sharawa deu ao seu discípulo Chekawa todos os ensinamentos da
bodhicitta. Durante a época de Chekawa estes ensinamentos se tornaram públicos.
Geshe Chekawa nasceu em uma família de grandes tantristas Nyingma e
tornou-se um conhecedor das cinco ciências, e assim por diante, mas isto não o satisfez.
Acontece que ele viu Os Oito Versos do Treinamento da Mente de Langri Tangpa, que
diz:
Chekawa então pensou no significado disto, mas Langri Tangpa morrido. Ele
encontrou Sharawa, o sucessor de Langri Tangpa, e pediu instruções no treinamento da
mente, e através de suas meditações, desenvolveu a bodhicitta em seu contínuo-mental.
Chekawa passou esta instrução a muitos leprosos, que se auto-curaram através de suas
meditações. O ensinamento foi até conhecido como “O Dharma dos Leprosos”.
Chekawa pensou que seria uma lástima se este ensinamento fosse mantido secreto, e
ensinou-o em público. Ele se comprometeu a escrever O Treinamento da Mente em
Sete Pontos, dividindo os ensinamentos em sete seções. O ensinamento tem sido
chamado de “Instruções da Essência de Néctar” porque é a instrução suprema no
treinamento da mente e o permitirá alcançar o estado imortal da Budeidade.
A grandeza deste Dharma pode ser visto ao se referir atrás à seção dos
benefícios da bodhicitta e como a bodhicitta é como um diamante. De forma
semelhante é capaz de afastar a escuridão da mente egoísta, assim como uma fração dos
raios do sol pode afastar a escuridão. Ele é capaz de afastar a doença da mente egoísta,
da mesma forma que uma parte da árvore medicinal pode afastar a doença. Nestes
tempos em que os cinco tipos de degenerações são lugar comum e um outro Dharma
pode não ser efetivo, este treinamento da mente vai ajudá-lo e você não será perturbado
430
por circunstâncias desafortunadas. Este Dharma tem muitas grandezas.
Ele começa com “Homenagem à Grande Compaixão”. Esta homenagem não
está sendo feita ao Arya Avalokiteshvara [O Grande Compassivo]: assim como o
Acharya Chandrakirti rendeu honras à compaixão na abertura de Engajando-se no
Caminho do Meio, aqui é a grande compaixão que está sendo homenageada. Segue
então as sete seções do corpo principal deste treinamento da mente.
A Bodhicitta Absoluta
76
Hastikovapa cometeu o erro de ensinar primeiro a bodhicitta absoluta, a sabedoria da vacuidade, a um rei que mandou
executar o mahasiddha antes que ele tivesse a oportunidade de dar o resto dos ensinamentos sobre a bodhicitta relativa, a
compaixão.
431
Meditando como Eu e o Outro Somos Iguais
Isto é antecedido pela mesma seção que já falamos acima, isto é, desde
“Equanimidade” até “O Amor por Força da Atração”.
Depois contemple conforme segue. Como diz o Guru Puja:
432
Qualquer medo, qualquer sofrimento,
Tudo vem de estimar a si mesmo,
Porque devo ter este grande demônio?
77
Esta é a minha tradução para tae (gtad), um objeto usado em simpatias de magia negra (ou seja, o mal feito a um objeto
também afeta a vítima). O tae tibetano na realidade é um desenho circular.
433
de vodu. Quando atiramos bolos rituais, o fazemos pelos seres sencientes – nossas mães
anteriores – enquanto dizemos, “Isto é para qualquer um que seja meu inimigo”. Como
isto é errado! Este é o ponto da citação, “A auto-estima egoísta é o pássaro de cabeça
azul do mau augúrio; o treinamento da mente é o suborno para fazer este transtorno ir
embora”.
Certa vez, um homem que praticava Chod78 apoderou-se de um local onde vivia
um espírito. Este espírito usou sua magia para viver lá: um dia os dois benfeitores do
homem entraram em discussão, o homem foi apartar a briga, um deles pegou uma arma
e o matou. Eu ouvi esta estória de meu precioso guru. A raiz final de tais mortes
violentas nada mais é do que a auto-estima egoísta. Guia do Caminho dos Bodhisattvas
diz:
Ou seja, o que nos trouxe sofrimento desde os tempos sem princípio no samsara
foi a nossa própria auto-estima egoísta. “Estimar a si mesmo” e “apegar-se ao eu” são
duas coisas bastante distintas, mas elas são discutidas neste treinamento da mente como
se fossem a mesma, pois há algumas semelhanças. Para resumir, ambas estão na raiz de
todos os problemas. Uma delas funciona tomando o “eu” --os seus sentimentos de “eu”
-- para ser estabelecido como verdadeiro. A outra funciona quando não se abandona a
idéia do “eu” e então acalenta [esta idéia].
Em suma, todos os problemas surgem do pensamento profundamente enraizado
de “Eu quero alguma felicidade”, mas se não conseguir subjugar sua mente egoísta, não
terá nenhuma felicidade. Você nunca verificou antes qual raiz é culpada pelo seu
sofrimento, mas esta raiz é o estimar a si mesmo. A partir de agora, verifique o que
deve merecer a culpa e veja a sua mente egoísta como um inimigo. Pratique as técnicas
para abandoná-la.
78
A prática de Chod ou “cortar fora” é um método irado e poderoso para desenvolver a bodhicitta que foi transmitido à
menina tibetana Machig Labdron em uma visão de Padampa Sangye. Uma importante característica do Chod é o
oferecimento de Kusali que envolve um praticante visualizar seu corpo sendo picado, colocado numa taça craniana,
transformado em néctar e oferecido a todos os seres sencientes --especialmente àqueles que são inimigos ou maus. Os
praticantes habituais de Chod eram facilmente reconhecidos no Tibet pelo grande tambor damaru, chamado changdeu, e
pelo trompete de fêmur humano, chamado kangling. A prática bem sucedida depende da profundidade da realização do
praticante nos três pilares --renúncia, compaixão e reconhecimento da natureza ilusória do corpo e dos outros fenômenos.
Com estas qualificações podia-se ir alegremente até os cemitérios ou lugares freqüentados por maus espíritos, invocá-los e
oferecer o próprio corpo.
434
Contemplando as Muitas Boas Qualidades Que Resultam de Estimar os
Outros
Shantideva disse:
Certa vez, nós fomos iguais ao nosso Mestre e, como ele, vagávamos no
samsara. Mas em algum tempo no passado o supremo Muni começou a estimar os
outros e progrediu para realizar tanto as próprias metas quanto as dos outros,
erradicando seus enganos e alcançando a consumação de todas as boas qualidades. Mas
nós, desde os tempos sem princípio no samsara, temos estimado só a nós mesmos.
Temos labutado e labutado tendo em mente apenas a nossa própria felicidade, mas nada
435
ganhamos em troca. Tudo que fomos capazes de fazer só serviu para irmos aos reinos
inferiores e mesmo agora tudo que temos é sofrimento. Se o oposto tivesse acontecido e
em algum tempo no passado tivéssemos agido como o nosso Mestre Compassivo, todo
o nosso sofrimento teria sido erradicado. Sem dúvida teríamos tido a suprema
felicidade e seríamos capazes de suprir magnificamente as necessidades dos outros.
Mas não foi isto o que ocorreu e agora estamos na nossa situação atual.
Certa vez, durante uma cerimônia de melhorias num certo monastério, um
geshe de Dagpo inseriu na cerimônia algumas das maldições encontradas em A Roda de
Facas [Afiadas]. Um exemplo:
Isto causou grande alvoroço. Mas o ponto estava feito: reconheça o seu
verdadeiro inimigo.
Um tantrista certa vez praticou feitiçaria e matou muitos ladrões. O Primeiro
Dalai Lama, Gyalwa Gedun Drub, filho de Lubdron, rezou para que este feiticeiro
pudesse lançar um feitiço na auto-estima egoísta do próprio Dalai Lama. Mas como ele
não tinha nenhuma auto-estima egoísta, a magia do feiticeiro foi incapaz de prejudicá-
lo.
Certa vez, Drugpa Kunleg fez bolos rituais enquanto realizava um ritual pelo
seu irmão mais moço, Chogyal, [para afastar obstáculos]. Não havia ainda chegado a
hora de jogar os bolos para fora e Kunleg teve uma idéia: porque não jogar os bolos na
auto-estima egoísta? Então ele jogou os bolos no colo de seu irmão!
Nosso Mestre Compassivo também estimou os outros [em suas vidas
anteriores]. Certa vez ele renasceu como o Rei Padmaka. Ele morreu numa epidemia e
renasceu como o Peixe Rohita, cuja carne curou muitos seres sencientes atacados pela
epidemia. Quando ele renasceu como uma tartaruga, ele socorreu quinhentos
mercadores que haviam caído no mar; depois deu seu corpo a oitenta mil moscas. Ele
deu metade de seu corpo quando era o Rei Shrisena. Quando ele era o Maharatnachuda
ele tinha uma jóia na coroa de sua cabeça. Ele de fato cortou-a fora de sua carne para
dá-la a alguém. Como Príncipe Prakrti ele deu seu corpo a uma tigresa faminta que
estava prestes a comer sua própria cria. Como Chandraprabha ele deu a sua cabeça.
436
sencientes para a nossa alimentação diária, eles são como um campo que dá safras
magníficas, ou como jóias que realizam desejos. Todos os seres sencientes nos
mostraram a sua grande bondade não só quando foram nossas mães, mas também
quando não foram nossas mães. Nós continuamos vivos só por causa de suas bondades.
Por exemplo, um único saco de farinha de cevada é resultado de muito trabalho árduo.
Alguns seres sencientes tiveram que arar o campo; outros regaram; outros debulharam
o grão; e assim por diante. Este prédio onde estamos é o resultado da bondade de
muitos seres sencientes: muitos animais e pessoas tiveram que carregar terra, construir
paredes, fazer a carpintaria, buscar água, e coisas assim. Este meu xale está agora
pronto para ser usado, mas primeiro um grande número de carneiros teve que produzir
a lã; depois alguns seres teceram o pano e outros o costuraram.
É pela bondade de todos os seres sencientes que temporariamente temos este
perfeito renascimento humano; e por fim, através de suas bondades vamos desenvolver
a bodhicitta, treinar nas tarefas da [bodhicitta] e até mesmo obter a Budeidade.
Ganhamos todas estas coisas através de sua bondade, porque os seres sencientes são
objeto de nossa compaixão, de nosso desenvolvimento da bodhicitta, e de nossa
generosidade. Eles são a base de nossa ética, e o objeto de nossa paciência.
De Guia do Caminho dos Bodhisattvas:
Ou seja, os seres sencientes conseguirão todas as suas metas para você tanto as
temporárias quando as supremas. Assim, eles são como a jóia que realiza os desejos, e
é por isso que só é certo estimar os outros seres.
437
DIA DEZOITO
Kyabje Pabongka Rinpoche falou um pouco para acertar a nossa motivação, citando o
grande Dharmaraja, Tsongkapa:
438
O nosso texto-raiz diz:
Treine-se alternadamente em dar e tomar
Ou seja, de manhã medite que está tomando o sofrimento que vai experimentar
naquela noite; depois passe a tomar o sofrimento do dia seguinte; depois, o seu
sofrimento pelo resto do mês, depois para o resto do ano; depois pelo resto de seu
renascimento atual; depois pelo resto do seu próximo renascimento; depois por todos os
seus futuros renascimentos. Passe então para os seus pais, parentes e amigos, estranhos,
inimigos, e assim por diante, até incluir todos os seres sencientes. Treine-se em cada
um destes passos, e depois passe para o próximo, tomando todos os sofrimentos,
negatividades, obscurecimentos, etc. [de cada nível específico]. Você deve seguir estes
passos porque no início não vai pensar em tomar o sofrimento de pessoas inimigas.
Portanto, algumas vezes medite começando consigo mesmo e seguindo adiante desta
maneira. Outras vezes trabalhe começando pelos infernos até os Bodhisattvas do
décimo nível. Às vezes comece com os homens e mulheres que residem na parte
superior de seu vale e vê trabalhando para baixo; às vezes comece com aqueles que
residem na parte de baixo e siga para cima. Tome até o sofrimento de um cão sendo
apedrejado. Visualize que as coisas que você toma não desaparecem, mas são colocadas
de lado -- são levadas bem ao centro de seu coração. Se isto o fizer temer pela sua
própria vida, isto é bom!
439
Pode ser que você não seja capaz de realmente tomar estas coisas quando fizer a
meditação, mas a meditação lhe dará um grande impulso para completar a sua
acumulação de méritos; e se a sua mente tornar-se mais familiarizada [com este
processo], eventualmente você poderá realmente tomar estas coisas, assim como está
ilustrado na estória de Maitriyogi.79
Dar para desenvolver o seu amor é como segue:
79
Maitriyogi viu um cachorro sendo atingido na perna por uma pedra. Ele tomou para si o sofrimento e encontrou uma
contusão em seu braço.
440
Venerável e Compassivo Guru: abençoe-me para que
Todos os sofrimentos, negatividades e obscurecimentos
De todos os seres, que já foram minhas mães,
Amadureçam, sem exceções, agora mesmo sobre mim;
Possa eu dar a minha felicidade e virtude aos outros,
E que todos os seres sejam felizes.
Existem até estórias dos lamas do passado que costumavam recitar estes versos
com seus rosários.
Você deve também empregar algum método para aumentar sua bodhicitta
enquanto cuida de suas rotinas diárias. Refira-se ao Sutra Avatamsaka e O Sutra na
Jurisdição do Empenho Totalmente Puro. Quem quiser fazer da bodhicitta a sua prática
principal deve constantemente consultar e contemplar o Sutra Avatamsaka assim como
fez o grande Tsongkapa, segundo a biografia desta incorporação de Manjushri.
441
e abandonam o Dharma. Quando estas coisas acontecem é difícil praticar o Dharma.
Nada é pior do que praticar dedicadamente o Dharma e depois abandoná-lo. Por isso é
necessário conseguir transformar circunstâncias desfavoráveis em um caminho e em
algo que não prejudicará o Dharma. Isto tem dois títulos: (1) convertendo [as
circunstâncias] através do pensamento; (2) convertendo-as através das ações.
Este primeiro tem dois outros sub-títulos: (1) convertendo-as pela análise; (2)
convertendo-as pela visão.
Ou seja, sempre que ficar doente e coisas assim, sinta que este karma negativo,
estas negatividades e obscurecimentos --cujos resultados você normalmente teria que
experimentar nos reinos inferiores-- amadureceram neste seu atual renascimento. Isto
vai fazê-lo muito feliz. Além disto, você deve ficar feliz e sentir, “Eu já estive
442
praticando o dar-e-tomar [visualizando-me] tomando as negatividades e
obscurecimentos dos seres sencientes. Agora realmente consegui fazê-lo”. Reze para
que o resto dos sofrimentos dos seres sencientes amadureçam sobre você e imagine em
sua meditação que isto alivia os seres sencientes de todos os sofrimentos que, de outra
forma, teriam que vivenciar. Enquanto estiver fazendo este “tomar”, pense do fundo do
coração, “Se eu pudesse realmente tomar o sofrimento dos seres sencientes, eu o faria
de bom grado”. Se praticar assim, até mesmo a doença não será empecilho para você.
As suas práticas virtuosas aumentarão, tal qual na estória do discípulo de Kenpang
Dragyen, que contraiu lepra e foi curado em Kyimo Dzatreng.
Está dito:
443
Ao passar por sofrimentos, você fica infeliz e isto remove o orgulho; você
também sente compaixão pelos outros em razão de seu próprio sofrimento, e isto age
como causa para que queira abandonar [as coisas que devem ser abandonadas]. Quando
o sofrimento não surge em nosso caminho, achamos que tudo vai bem e que estamos
felizes. Não devemos agir assim, pois está dito:
Ou seja, o seu orgulho aumenta muito quando os outros o elogiam. Mas tanto o
orgulho quanto o elogio vão desapontá-lo. Você não consegue ver os seus próprios
defeitos, e embora ser criticado não seja agradável, você depois examinará as suas
ações e ficará cuidadoso em mudar o seu comportamento.
Está dito:
444
Convertendo as Circunstâncias Através da Visão
445
DIA DEZENOVE
Kyabje Pabongka Rinpoche deu uma breve palestra para acertar a nossa motivação.
Como texto, ele escolheu A Oração de Maitreya que diz:
(1) equaminidade;
(2) reconhecendo que todos os seres foram suas mães;
(3) as duas maneiras de recordar a bondade deles: ordinária e especial.
(4) o desejo de retribuir suas bondade.
446
(8) o tomar, envolvendo uma visualização que vai aumentar sua compaixão.
(9) o dar, envolvendo uma visualização para aumentar o amor que deseja a
felicidade dos outros --um dos dois tipos de amor.
Ao final de tudo:
447
Considere que suas mentes egoístas são culpadas por todas as circunstâncias
desfavoráveis, problemas, doenças, etc. Faça com que os resultados de seus karmas
cheguem a um fim e retire deles os seus sofrimentos. Compreenda que estas coisas que
você tomou vão amadurecer em você e serão motivo de deleite.
Ao agir assim, alguém familiarizado com o treinamento mental nunca estará
infeliz, porque todas as circunstâncias desfavoráveis parecerão úteis. Por esta razão, o
treinamento mental é chamado de “origem da cidadela da felicidade”. Torna-o também
tolerante até mesmo com circunstâncias desfavoráveis triviais. Por exemplo, quando
um mercador pega a estrada ele precisa levar as coisas filosoficamente. Se chover, pelo
menos ele não será roubado! Se nevar, pelo menos as suas mulas de carga não ficarão
mancas. Em Guia do Caminho dos Bodhisattvas encontramos:
448
para que não fiquem doentes, e coisas assim.
Se sua casa for inundada, você deve ver a raiz do problema e dar um fim nele.
Quando estiver sujeito ao sofrimento, você deve igualmente abandonar as
negatividades --a causa do sofrimento-- e reunir as suas duas acumulações --a causa da
felicidade. Se você expiar suas negatividades por meio da recitação da Confissão Geral
depois de terminar a cerimônia de cem oferecimentos, você concluirá os quatro tipos de
ações: é também apropriado fazer preces do treinamento da mente no final desta
cerimônia.
O texto diz:
Em outras palavras, você deve recorrer ao treinamento da mente assim que haja
alguma circunstância favorável ou desfavorável, para poder convertê-la imediatamente
no caminho.
449
além de nós, como vão também os seus feitos, como sacrificar a própria cabeça, braços
e pernas. No entanto, estes são resultados da familiaridade. Podemos no início não
saber como trabalhar com metais ou carpintaria, mas podemos vir a compreendê-las e
então não serão mais difíceis para nós. De forma similar, até mesmo sacrificar as nossas
vidas seria tão fácil quanto dar uma tigela de verduras se tivermos certa familiaridade
com [os pensamentos] de doar nossa vida. Dizem que “Nada fica mais difícil com a
familiaridade”. Alguns grandes seres do passado poderiam fazer uma meditação
retrospectiva completa do Lam-rim enquanto montavam a cavalo: faziam isto enquanto
colocavam um pé no estribo e passava o outro sobre a sela antes de colocá-lo no outro
estribo. Isto também é resultado de familiaridade. Meditação e familiaridade são
sinônimos. Como poderia ser fácil beber chá de uma tigela cheia, se não estivesse
familiarizado em fazê-lo?
O poder do repúdio é como segue. No momento, a auto-estima egoísta é a única
coisa que você normalmente desenvolve, e é preciso parar com isto. É preciso repudiar
a auto-estima egoísta: abatendo-a sempre que ela mostrar a cara, assim como você
golpearia um cão ladrão.
O poder da oração é a dedicação, logo antes de dormir, das virtudes-raiz que
foram adquiridas durante o dia para que sirvam para aumentar os seus dois tipos de
bodhicitta.
Estes cinco poderes se aplicam a esta vida. Existem também cinco poderes na hora da
morte: eles compõem a prática de treinamento mental da transferência [para dirigir a
sua mente ao seu novo renascimento].
O poder da semente branca é assim: suponha que esteja muito apegado às suas
posses. Destrua este apego distribuindo-as como oferecimentos, etc. Dê as suas posses
como um oferecimento votivo a recebedores karmicos potentes; ou deixe em legado
todos os seus bens e imóveis. Depois de sua morte, nada poderia ajudar mais, nem
mesmo uma outra pessoa criando méritos-raiz em seu benefício. Se você não o fizer, eis
o que pode acontecer.
Um monge era apegado à sua tigela de esmolar, e renasceu como uma cobra. O
Buda empurrou-a até uma floresta. Isto fez com que a cobra ficasse com raiva, e o fogo
de sua raiva destruiu a floresta e a própria cobra. Então, ele renasceu no inferno, e seus
450
três corpos [ou seja, o cadáver do monge, o cadáver da cobra e o corpo do ser do
inferno] queimaram simultaneamente.
Uma pessoa estava obcecada por algum ouro escondido debaixo do chão. Ele,
também, renasceu como cobra, e foi forçado a oferecer o ouro ao Buda.
Estas estórias mostram o que acontece se não se desfizer de as suas posses.
Mas, você também pode estar apegado ao seu próprio corpo e renascer, por exemplo,
como um verme morando dentro daquele corpo. Certa vez o cadáver de uma mulher
estava deitado na beira da praia. Um verme que parecia uma cobra vivia no cadáver e
ficava deslizando constantemente para dentro e para fora da boca, nariz, olhos, orelhas,
e assim por diante. Dizem que esta criatura era o renascimento de uma menina apegada
ao seu próprio corpo e que ficava sempre se olhando no espelho. Portanto, na morte,
construa as suas [duas] acumulações, e faça fortes orações para aumentar a sua
bodhicitta. Estas coisas são vitais para as pessoas que são apegadas aos seus próprios
corpos.
Um monge modesto era extremamente apegado ao seu dinheiro. Ele morreu e
virou um sapo que passava as horas agarrando este dinheiro.
Há pessoas que não conseguem morrer quando deveriam, devido a um apego
poderoso. Um velho monge de Amdo era apegado a comidas gordurosas e estava por
isso com dificuldade para morrer. Gungtang Jampelyang usou de seus meios hábeis e
disse, “Tenha um desejo de ir à Terra Pura de Tushita. Lá, a comida gordurosa será
melhor do que a comida que ganhamos cada ano nos festivais sagrados do sétimo mês”.
O monge imediatamente deu o seu último suspiro. Existe um certo risco que isto
também poderia acontecer conosco. É vital abandonarmos coisas como o apego.
O poder do repúdio é confessar e depois retomar os votos quebrados na hora da
morte. Isto deve ser feito forçosamente. Se você pratica os tantras secretos você deve
restaurar os seus votos tântricos e votos de Bodhisattva quebrados, seja através de uma
auto-iniciação ou recebendo novamente a iniciação. Enquanto é importante fazer isto o
tempo inteiro, é especialmente importante faze-lo ao morrer. Se não o fizer, esta
sombra cairá sobre você: pode ser que você não consiga ir a lugares como as terras
puras, etc., apesar de estar preparado para tal viagem.
O poder da oração não é rezar para ir às terras puras, etc. Ao contrário, você
faz orações que auxiliarão no desenvolvimento da bodhicitta e reza para que os
sofrimentos, negatividades e obscurecimentos de todos os seres sencientes possam
amadurecer sobre você.
O poder da familiaridade é como segue. Tendo sempre se familiarizado com a
bodhicitta, você deixa aquele renascimento enquanto medita nela em virtude desta
familiaridade. Não se poderia fazer algo melhor. Adote a posição de deitar-se sobre o
lado direito na postura do leão dormindo, enquanto direciona a sua mente para o seu
novo renascimento. Foi assim que o nosso Compassivo Mestre entrou em nirvana, e só
ao fazer isto já faz uma grande diferença que ajuda-lhe a alcançar as terras puras.
451
Capacidade. No entanto, algumas pessoas praticando a Grande Capacidade devem fazer
a transferência e coisas assim enquanto meditam na bodhicitta. Você pode pensar que
este último método não seja o meio de alcançar as terras puras, mas definitivamente
não é este o caso. Quando Chekawa estava morrendo, ele disse a seus atendentes para
rapidamente fazerem oferecimentos. “Eu rezei para ir ao Inferno Sem Descanso pelo
bem de todos os seres”, ele disse, “mas não é isto o que vai acontecer: estou tendo
visões das terras puras!” Há uma estória semelhante sobre Geshe Potowa. Uma mãe e
seu filho foram varridos por um rio. Eles desenvolveram pensamentos gentis entre si e
ambos renasceram em Tushita.
Certa vez uma balsa de couro, que servia como travessia em Jasa, ao sul, estava
sobrecarregado e ia afundar. Um mensageiro desenvolveu pensamentos de bondade e
então pulou no rio. No entanto, ele não morreu e foi cercado por luzes do arco-íris. A
bodhicitta é uma forma superior do bom coração: assim, se você ativar até mesmo uma
forma produzida de bodhicitta, não há dúvida que você renascerá num estado favorável.
Damos mais importância às práticas de transferência da mente que empregam
os mantras hik e phat do que à bodhicitta. Colocamos importância demasiada em
receber sinais de realizações destas práticas. Se você praticar falando hik muitas vezes
sem fazer qualquer visualização, os sinais de ter conseguido a habilidade de transferir a
mente pode se manifestar [como um inchaço] na coroa de sua cabeça, mas isto é a
simples ação dos ventos-energia e não algo a se maravilhar. Esta forma de treinamento
da mente para direcionar o renascimento não envolve hik ou phat, mas é a mais
profunda de todas as práticas de transferência da mente. Depois de praticar as outras
formas de transferência da mente, é ainda duvidoso se conseguiu fechar ou não a porta
aos renascimentos nos reinos inferiores. Se dirigir o seu renascimento através destes
cinco poderes, pode ficar bem certo que não renascerá em nenhum destes estados
desafortunados.
452
Há duas testemunhas principais: você e os outros. A sua prática pode estar
longe de ser perfeita, mas você pode dar a impressão de que seja perfeita. Os outros
podem dar-lhe valor nominal e respeitar a sua ética aparentemente pura. Dizem que há
quatro estados de amadurecimento para as mangas. Estes quatro dizem respeito ao
amadurecimento ou não-amadurecimento dentro e fora da fruta. Você pode ser como a
manga que está madura do lado de fora, mas ainda é verde por dentro. Neste caso, seus
movimentos seriam estudados, como a de um gato espreitando sua presa, e aqueles que
não conhecem nenhum outro Dharma o achariam uma pessoa boa. Não aja assim! Não
seja também maduro por dentro e verde por fora. Se você demonstrar disciplina
externa, os outros não se ofenderão. Quando se é disciplinado internamente, o seu
contínuo mental é enriquecido com a sua prática. Portanto, tanto o interior quanto o
exterior devem ser sólidos. Está dito que: “Os Bodhisattvas não abandonam a má-
reputação”. Em outras palavras, embora deva cuidar para abandonar as ações que
possam servir como base de má reputação, a coisa mais importante é conservar o auto-
respeito.
Se você ficar rico, não deve ficar mentalmente infeliz com qualquer preconceito
de aumentar ou proteger sua riqueza. Se você não for rico, não deve se preocupar com o
seu sustento. Pense nas desvantagens de ser rico. Seja feliz e contente: saiba como
converter as condições favoráveis ou desfavoráveis no caminho à iluminação.
Ao ser elogiado ou condenado, não permita que as oito preocupações mundanas
guie suas cabeças [feias]; verifique as razões de estar feliz ou triste, e então você não
terá infelicidade mental.
O critério de ter treinado a sua mente é como segue:
O cavaleiro inexperiente não será atirado pelo seu cavalo se manter a mente no
seu trabalho, mas quando sua mente vagar, ele será atirado para fora. O cavaleiro
experiente nunca é atirado para fora, mesmo quando estiver distraído. Quem não
dominou este treinamento da mente é como o cavaleiro inexperiente. Se alguém
insultá-lo quando ele estiver desatento, ele inicialmente ficará com raiva, e só depois se
lembrará e pacificará a sua raiva. Uma pessoa com uma mente treinada não ficará com
raiva quando levar uma surra ou receber insultos dos outros, mesmo quando sua mente
estiver distraída.
453
O critério de ter sido treinado
É quando se conseguiu revertê-la
Ou seja, o critério de ter treinado a sua mente nas meditações sobre a morte e
impermanência ou renúncia efetivamente é que você deixa de se preocupar com as
banalidades desta vida, ou de aspirar a fartura do samsara. De forma similar, você
dominou o treinamento da mente se reverteu a sua auto-estima.
Com familiaridade você receberá os cinco sinais com este tipo de treinamento
da mente. Você será um grande asceta porque é capaz de ser paciente. A sua mente não
tenderá aos enganos sejam quais forem os sofrimentos, males, etc., que caiam sobre
você. Você será uma grande personalidade porque estima os outros mais do que a si
mesmo. Você será um grande praticante de virtude porque em todas as suas atividades
nunca se afastará das práticas dos dez tipos de comportamento Dharmicos. Você será
um grande sustentador do vinaya porque consegue permanecer calmo, composto, e
bastante impoluto pelo menor pecado ou não-virtude. Você será um grande iogue
porque pratica o verdadeiro caminho Mahayana.
Não deixe que pensamentos velhos e obstinados em seu contínuo mental fiquem
como estão: use alguns corretivos para melhorá-los. O melhor tipo de pessoa vê as
melhorias em um dia; o tipo mediano, vê em um mês; e o tipo mais inferior, em um
454
ano. Você deve ver qual destes que você consegue. Se até isto for além de sua
capacidade, então, embora já seja monge e tenha envelhecido, você ainda terá
preservado os pensamentos que tinha antes de ser ordenado. Não seja como as pedras
atrás de sua casa [que, ano após ano, nunca mudam]. Mude suas aspirações! Elas
devem ser mudadas em bodhicitta, renúncia, realização da impermanência, e coisas
assim. Mas não modifique seu comportamento externo. Há aqueles que não têm nem
dois annas de boas qualidades desenvolvidas internamente, mas fingem estar
praticando e externamente usam o olhar distante “mais-santo-que-vós”, e coisas assim.
Você deve apenas desenvolver percepção e aprimorar a sua mente: não faça nenhuma
exibição externa. Nem deixe ninguém saber que fez grandes progressos; seja como
Shantideva ou Arya Chudapanthaka que secretamente abandonaram [os enganos] e
desenvolveram realizações. Até o glorioso Chandrakirti parecia ser apenas um pandita
nada excepcional e ninguém lhe dava muita atenção. Mas, internamente ele alcançou
siddhis e foi capaz de tirar leite do desenho de uma vaca. Tais seres não se fizeram
notáveis. E os lamas do passado da tradição Kadampa também não cortejavam a fama
praticando em público, revelando seus sinais de realizações, e coisas assim. Siga seus
exemplos! Quando faz propaganda, você encontra muitos impedimentos: é como se
vangloriar sobre a sua jóia que realiza desejos. Não somos nada diferentes dos seres
mundanos e voltamos às coisas desta vida. Mas, quando fazemos até mesmo uma
prática do Dharma, fazemos tudo para que todos saibam disso, como se tivéssemos
içado uma bandeira no topo de uma montanha. Não seja assim. Nesta tradição de
Atisha e os Kadampas, você deve ocultar as suas boas qualidades assim como uma
lamparina de manteiga escondida dentro de um pote.
Isto é você deve analisar os seus defeitos e não apontar os defeitos dos outros.
Senão, você só vai procurar defeitos em seus colegas praticantes, nos membros de seu
colégio monástico, ou nos monges em sua casa, etc.; então naturalmente encontrará
defeitos até mesmo nos Budas. Não atribua defeitos aos outros, pois se o fizer, vai
apenas ignorar ainda mais as pessoas, diminuí-las, e coisas assim.
Purifique primeiro aquele engano em seu contínuo mental que for o maior. Se o
apego for o maior, purifique-o aplicando antídotos como meditações nos aspectos feios
[do corpo].
455
Abandone toda esperança de um resultado.
Ao fazer algo virtuoso, não espere recompensas nem algum amadurecimento favorável
[do karma].
Não cultive nenhum “alimento” de virtude que esteja misturado com o veneno
da auto-estima.
Tratemos do resto, sem citar ainda mais o texto-raiz. Se você desenvolver um
engano, aplique logo o seu antídoto, e não o deixe persistir --trate-o com parcialidade.
O texto fala de quatro Dharmas a serem executados por praticantes de virtude,
por exemplo, “não retribuir uma má ação com outra má ação”. Você não será um
praticante de virtude se não cumprir estes quatro Dharmas,80 pois perante seu abade e
mestre de ordenação você prometeu praticá-los. Se alguém lhe diz, “Seu velho cão
sarnento!”, não retalie com “Seu ladrão!” Se alguém o golpeia uma vez, não devolva
dois golpes.
Não passe seu tempo esperando vingar-se de algum mal, como se estivesse
esperando de tocaia no local onde a estrada atravessa um desfiladeiro para fazer mal a
esta pessoa. Os tolos de mentes mundanas pensam que é melhor passar sorrindo por
ressentimento que estão secretamente ancorando. Isto só demonstra que o Dharma e as
ações mundanas são opostos.
Se você conhece algum defeito grosseiro de outra pessoa, não a diminua na
frente dos outros nem ataque seus pontos fracos. Não levante nenhum de seus defeitos.
Da mesma forma, não recite mantras irados para destruir as criaturas e coisas assim.
Quando fizer alguma coisa errada, não culpe dolosamente outra pessoa.
Também não banque o esperto culpando os outros quando as coisas andam erradas, não
coloque a carga de um dzo sobre um boi.
A mente é treinada para subjugar a auto-estima egoísta. Mas se suas meditações
causarem um aumento de sua auto-estima --e você não faz mal às criaturas porque quer
conseguir fama, presentes, e coisas assim-- o encanto estragou. Não faça assim.
Não tenha pressa em conseguir a posse de algo que seja propriedade comum,
nem tente conseguir o melhor para si estando lá primeiro --ou seja, não corra uma
corrida.
Não deixe o deus se tornar um diabo significa não permita que o seu
treinamento da mente deixe de agir como um antídoto à auto-estima mas que ao
contrário o nutra.
Não pense, “Se meus inimigos morressem ou se arruinassem --então eu seria
feliz”. Isto seria buscar a felicidade na infelicidade.
Estes são os dezoito compromissos.
80
Estes são na realidade os quatro principais preceitos de um monge. Eles não estão relacionados aqui.
456
o OS VINTE-E-UM CONSELHOS
457
pais, e colegas de quarto.
Continue a meditar, quer tenha ou não as condições necessárias como alimento
e roupas. Não deixe que isto se aplique a você.
458
Tenha visão ampla,
Fique ligado...
Em outras palavras, quando você pratica a virtude, você deve sempre manter o
grau certo, nem muito intenso, nem muito relaxado. Depois de ter terminado o yoga de
acordar a cada manhã, você deve praticar durante um tempo certo. Mais tarde, aumente
isto, e assim cobrirá um grande terreno. Isto é como a estória do piolho e da pulga.81
O texto diz:
81
A estória se assemelha à fábula de Aesop da Tartaruga e a Lebre. Aqui o piolho ganha a corrida, enquanto a pulga
gasta toda a sua energia pulando.
459
sistema Madhyamaka.
Ao dar um discurso formal do Lam-rim, tradicionalmente não se repete três ou
quatro vezes o material que segue esta seção no desenvolvimento da bodhicitta.
460
DIA VINTE
Kyabje Pabongka Rinpoche falou um pouco para acertar a nossa motivação. Ele citou
estas linhas de O Resumo das Preciosas Boas Qualidades:
Isto é, todos os Budas dos três tempos seguiram os passos dos outros Budas,
nunca se desviando das tarefas das seis perfeições. Não há nenhum outro caminho nem
no sutra nem no tantra, e textos como os nossos também ensinam este caminho.
Ensinarei esta seção mais tarde, assim, por enquanto podemos deixá-la de lado.
Se você não tiver bodhicitta, não importa quais meditações faça com esperança
de atingir a Budeidade --sejam elas no mahamudra, dzogchen, no caminho do meio, ou
nos estágios de geração e consumação, etc.-- elas não o levarão nem um pouquinho
mais próximo da Budeidade. E se isto não bastar, você nem mesmo entrará no portal do
Mahayana. Assim, todos devemos nos concentrar na prática da bodhicitta. Durante
muitos éons os Budas perceberam as coisas com a sabedoria primordial de sua
onisciência, mas eles não viram qualquer método melhor do que este ou nenhuma outra
porta de entrada no caminho.
461
método e sabedoria. As cinco primeiras perfeições vem sob o método. A última
perfeição, que inclui a visão especial, vem sob a sabedoria.
Falarei disto em dois títulos: (1) como treinar-se nas seis perfeições para amadurecer
o seu próprio contínuo mental; (2) como treinar-se nas quatro maneiras de reunir
discípulos para amadurecer os contínuos-mentais dos outros.
Isto tem três sub-títulos: (1) a maneira geral de treinar-se nos feitos dos Filhos
dos Vitoriosos; (2) em particular, como treinar-se nas duas últimas perfeições; (3) como
treinar-se no Vajrayana.
São seis títulos: (1) generosidade; (2) ética; (3) paciência; (4) perseverança; (5)
concentração-[dhyani]; (6) sabedoria.
o GENEROSIDADE
A generosidade é por natureza, o pensamento que deseja dar seu corpo, posses,
e virtudes-raiz. A generosidade é classificada em três tipos.
Este tipo de generosidade vai desde dar uma colherada de farinha de cevada, até
sacrificar a própria vida e corpo. Se não puder dar algo, pense como no passado já
nasceu como Brahma, Indra, um monarca universal, etc. Naquelas ocasiões, você era
muito rico, mas como deixou de praticar generosidade, você não tirou nenhuma
essência daqueles renascimentos, e isto o colocou em sua situação atual. Você deve
também praticar dar sem esperar nada em retorno, nem quaisquer efeitos [kármicos]
amadurecedores. Se a sua generosidade for motivada pela bodhicitta, então o ato de dar
um bocado de comida ou um pouco de farinha de cevada limpa a mendigos, os pobres,
e assim por diante --e até mesmo a minhocas e formigas-- seria uma [verdadeira]
prática de generosidade, e um feito de um Filho dos Vitoriosos. Você deve também
satisfazer as necessidades dos recebedores porque os resultados kármicos não serão
462
insignificantes.
Quando fazemos um grande oferecimento em sinal de respeito às Três Jóias,
sentimos que fizemos muito, o que nos enche de orgulho. Isto não é uma forma pura de
generosidade! Mas, não é correto sentir remorso depois de ter dado coisas materiais,
pensando “Eu dei demais”, ou “Eu dei para a pessoa errada”. Ao dar algo, ajuste a sua
motivação antes e depois: o ato está sendo feito pelo bem de todos os seres sencientes,
suas mães. Faça também orações fortes. Não importa se o ato de generosidade seja
pequeno ou grande, não espere o retorno de benefícios por oferecimentos, recebimento
de honrarias, e assim por diante.
Esta forma de generosidade pode até ser ensinar um único verso de quatro
linhas do Dharma a alguém que queira ouvi-lo, se isto for feito tendo em mente o
benefício daquela pessoa. Até mesmo dar aos nossos alunos uma lição de como ler
livros é ser generoso com o Dharma. Para fazer isto, não é preciso que seja chamado de
lama e dê instruções do alto de um trono de meditação. A generosidade com o Dharma
é melhor que qualquer forma de generosidade. E também, a sua memorização,
recitação, ou estudo de textos se transformarão em ato de generosidade com o Dharma
se imaginar que está rodeado por deuses que sustentam a virtude e por todos os seres
sencientes, que também estão ouvindo. O que mais precisa ser dito sobre isto, a não ser
que quando minhocas, etc. ouvem as palavras do Dharma, isto deixa impressões
[virtuosas] em seus contínuos-mentais? Pense assim, mesmo quando só estiver lendo na
casa de seu benfeitor.
É preciso ter cuidado especial ao ir até a vila para fazer um ritual. O nosso
Mestre Compassivo ensinou os tantras secretos, os meios de obter a iluminação em um
renascimento. Se trocar isto pelos presentes recebidos para executar estes rituais, você
terá vendido o Dharma por bens materiais. Isto é como arrastar um rei de seu trono e
forçá-lo a varrer o chão. Faça estes rituais com a motivação correta.
Ser generoso com o Dharma não significa só ensiná-lo formalmente. Significa
também usar a sua conversa e coisas assim como meios diretos ou indiretos de levar os
outros até o Dharma. Aqueles que são ordenados devem praticar a generosidade
principalmente dando Dharma; mas devem também ser generosos com bens materiais
se isto não for um grande problema. Foi isto o que o Geshe Kadampa Sharawa tinha em
mente quando disse a um grupo de pessoas ordenadas:
Isto pode ser, por exemplo, liberar prisioneiros da cadeia ou socorrer quem está
463
se afogando. Salvar criaturas como minhocas do calor no verão e do frio no inverno é
uma forma deste tipo de generosidade. Não é preciso ir longe para praticar esta
“generosidade de conceder o destemor” -- é possível faze-lo com os piolhos em seu
corpo! Salvando insetos do afogamento, por exemplo, é muito fácil de fazer. Você só
precisa mexer uma de suas mãos. A visualização de dar que podemos encontrar na
seção sobre a prática de treinamento da mente também é uma prática de generosidade.
O Guia do Caminho dos Bodhisattvas nos conta fundamentalmente o que é a
perfeição da generosidade:
Se a perfeição da generosidade
Estivesse livrando todos os seres da pobreza,
Como poderia Buda, o Protetor,
Tê-la aperfeiçoado, quando até agora
Ainda existem seres com sede?
464
Mas não basta só pensar: você deve também realmente dar as coisas o máximo
possível. Você deve ser o mais generoso possível com pedintes, mas não é correto dar
as coisas adquiridas de forma errada [mesmo] quando não tiver mais nada a dar.
Em geral, as três primeiras perfeições devem ser a prática principal das pessoas
leigas. Está dito:
Dar o seu corpo pode não ser correto, por exemplo. Não dê o seu corpo
enquanto ainda estiver no estágio de desenvolvimento do processo de familiarização e
simplesmente aumentando seus pensamentos de generosidade. Só mais tarde será
correto dar o seu corpo quando, conforme mencionado em Guia do Caminho dos
Bodhisattvas, dar o seu corpo ficou tão fácil quanto dar um prato de vegetais.
Há algumas coisas que não devem ser dadas. Não pratique generosidade com
certas coisas excepcionais desaprovadas por causa de quem as recebe, por causa do que
está sendo dado, da hora, etc. Se o doador for um monge, ele não deve dar os seus três
mantos, etc. Também não se deve oferecer comida, depois do meio dia, a uma pessoa
ordenada. Não se deve dar comida impura, como alho ou cebola, a pessoas como
brâmanes, que estão obrigados por regras de limpeza [da casta]. Não se deve dar nada
podre, nem livros a pessoas que só querem criar controvérsias, nem dar veneno ou
armas a suicidas em potencial. Não se deve ensinar os tantras secretos a alguém que
seja um recipiente impróprio ou abrigar um criminoso da lei se tiver a certeza de que
ele trará prejuízos aos seres sencientes ou aos ensinamentos. E assim por diante.
É uma visão errônea pensar, “um ato de generosidade não tem resultado”. É
também de pouco benefício apoiar um ser senciente e ignorar as necessidades de todos
os demais. Treine-se para não ficar manchado pelas coisas acima, bem como pelo
seguinte: ter visões errôneas que o levam, por exemplo, a sacrificar o gado, diminuir os
outros, agir competitivamente, ter uma opinião inflada de si mesmo, querer fama, sentir
remorso, ser derrotista, ou agir de maneira facciosa.
O Compêndio de Instruções de Shantideva fala de três coisas: dar, proteger, e
manter puro. Em outras palavras, você aumenta seus pensamentos de dar seu corpo;
mas até que a hora esteja amadurecida, você deve proteger o seu corpo de condições
prejudiciais e guardar o corpo puro, não usando-o de forma não-virtuosa. O texto
também discute uma quarta: você deve ter as causas para receber este tipo de
renascimento novamente para que o seu próximo renascimento tenha as oito qualidades
resultantes do amadurecimento [kármico] --ou seja, aumentar.
Há um outro grupo de quatro: dar suas posses e aumentar os seus pensamentos
de generosidade; proteger-se até se tornar um recipiente karmicamente potente para os
oferecimentos dos outros; guardar-se puro não se deixando ficar maculado por meios
de vida errados ou ações nocivas; aumentar a extensão de sua generosidade para que
465
tenha o que dar em seu próximo renascimento.
Um outro grupo de quatro é discutida: dar suas virtudes do fundo do coração
aos seres sencientes; proteger sua virtude de ser destruída pela raiva; a pureza de ser
não se deixar macular por motivações impuras, como a de ansiar pela felicidade desta
vida, ou simplesmente querer evitar seu renascimento em reinos inferiores; aumentar o
seu senso de regozijo. E assim por diante. O texto efetivamente discute quatro grupos
de quatro. Você deve treinar-se na maneira ensinada neste texto.
De início, parece que isto significa que você deve ter a ética dos votos
pratimoksha para ser um candidato aos votos de Bodhisattva. Mas, no contexto tântrico,
isto também significa que os melhores candidatos para praticar os tantras secretos são
monges e monjas. Embora se possa também interpretar que os monges e monjas são os
melhores candidatos para seguir os treinamentos dos Bodhisattvas, isto não cobre todos
os casos; há deuses e nagas que são candidatos adequados para os treinamentos dos
Bodhisattvas [mas eles são barrados de receber a ordenação pratimoksha].
Neste caso, o que se deve fazer? Quando tiver o voto pratimoksha e conseguir
seguir os treinamentos do Bodhisattva, neste contexto você deve reconhecer a ética dos
votos como sendo os abandonos e as restrições que estejam de acordo com o voto
pratimoksha. Se não tiver o voto, você deve tomar a ética de restrição como sendo o
466
abandono da restrição das dez não-virtudes. O voto do Bodhisattva é uma entidade
distinta do voto pratimoksha ou da ética de abandonar as dez não-virtudes nos
contínuos-mentais dos Bodhisattvas.
Esta ética é todo esforço feito com suas três portas para realizar a virtude
enquanto tiver os votos da bodhicitta. Isto inclui fazer oferecimentos e prosternar-se
perante objetos karmicamente potentes; render respeitos; oferecer serviços; estudar;
contemplar, meditar; ensinar ou ouvir o Dharma; etc. Em suma, são todas as tarefas que
pertencem às seis perfeições feitas para amadurecer seu contínuo-mental e o dos outros.
Todos os feitos dos Filhos dos Vitoriosos se enquadram sob os três tipos de
ética. Em geral, todo o Lam-rim serve para aumentar estes três tipos de ética.
Isto consiste das quatro maneiras de reunir discípulos [vide Dia Vinte-e-Três] e
coisas assim.
Há ainda onze outras maneiras de trabalhar pelo bem dos outros: (1) ajudar os
que labutam e os que sofrem; (2) trabalhar pelo bem dos que estão cegos aos métodos
corretos; (3) trabalhar pelo bem do povo, beneficiando-os; (4) trabalhar pelo bem dos
ameaçados de perigo; (5) trabalhar pelo bem dos afligidos por misérias; (6) trabalhar
pelo bem dos desertados; (7) trabalhar pelos desabrigados; (8) trabalhar pelo bem
daqueles sem pessoas da mesma opinião; (9) trabalhar pelo bem de quem está no
caminho certo; (10) trabalhar pelo bem de quem está no caminho errado; (11) trabalhar
pelo bem [de todas estas pessoas] através de milagres.
Podemos trabalhar dez destas maneiras, com exceção de trabalhar por milagres.
Para resumir: esta ética inclui todas as ações de suas três portas motivadas pelos
pensamentos de beneficiar os outros.
Você deve seguir a ética de abandonar as dez não-virtudes mesmo quando não
tomou os votos pratimoksha. Você se treina nas seis perfeições para amadurecer seu
próprio contínuo mental; o sistema de seguir os três tipos de ética treina você nos feitos
que beneficiarão os outros.
467
Mas aquele que é paciente não fica desencorajado,
E só pode ser vencido pelos pensamentos de raiva;
Se isto acontecer,
Seria como a derrota nas mãos de todos.
468
Já que compreendeu plenamente como os tipos de paciência são classificados
por sua natureza, mais as desvantagens da raiva e coisas assim, você vai deixar que o
seu corpo seja novamente possuído pela raiva? Certa vez um lama tentou separar seu
discípulo e um ladrão que estavam brigando. Ele não conseguiu e o discípulo estava
batendo no homem. O lama colocou o seu dedo no nariz do discípulo e disse:
“Paciência! Paciência!” Imediatamente o discípulo recuperou a sua paciência perdida.
De que adianta fingir ser paciente se sua raiva já fez o estrago?
No início será difícil ser paciente; isto só virá mais tarde com a familiarização
com a meditação. Existem razões porque não é correto ter raiva de alguém que lhe
prejudica. Suponha que um homem dê um golpe na sua cabeça com um bastão. Para
não ter raiva, pense assim: “Se devo ter raiva do que realmente está me causando esta
dor, então devo ter raiva do bastão. Mas o bastão sozinho é impotente, ele está sendo
usado”. O homem que lhe golpeou também é impotente. Ele está sendo forçado a fazer
isto pelas delusões em seu contínuo-mental. Portanto, não é correto ficar com raiva
dele; ao contrário, fique com raiva de suas delusões. Tudo se reduz a uma coisa: a
maneira errada de se comportar é o fator causador imediato mais importante por você
estar sendo golpeado com o bastão. A raiz, no entanto, é o karma negativo que você
adquiriu ao ferir as pessoas no passado, e coisas assim. Portanto, já que isto resultou do
amadurecimento de suas próprias ações através da causa e efeito, de quem você deveria
ter raiva?
469
No momento não consigo tolerar
Quase nenhum sofrimento.
A raiva é a causa de sofrimento no inferno--
Porque não deixar de ter raiva?
A paciência de permanecer calmo perante seus atacantes é algo que você cultiva
com quem lhe faz mal, e não com quem lhe ajuda. Quanto mais existirem pessoas que
lhe façam mal, mais oportunidades você terá de praticar a paciência. Então, você deve
pensar que estas pessoas aumentam a sua paciência. Atisha costumava estar sempre
acompanhado do bôbo da corte do Rei Asangavyaya, uma pessoa difícil de se conviver.
Quando pediram a Atisha que se livrasse dele, Atisha respondeu, “Com ele por perto, a
minha paciência tem uma oportunidade de desenvolver completamente as suas
qualidades!”
Em suma, sinta, “Se até mesmo os Shravakas, que trabalham pelos seus
próprios bens, não ficam com raiva perante os adversários, isto se aplica muito mais a
mim, que alego ser um Mahayanista”. Você deve estudar a estória de rshi
Kshantivardin.82
Você não deve só ser desapegado da felicidade, mas deve também considerar o
sofrimento como uma forma de adorno e usá-lo como remédio. Assim como na seção
anterior sobre o treinamento da mente, sempre que estiver assaltado por sofrimentos --
enquanto estiver suportando práticas ascéticas pelo bem do Dharma, quando estiver
doente, quando estiver sendo atacado por inimigos indesejáveis, ou até mesmo quando
estiver tendo um pesadelo-- transforme tudo isto em coisas que vão ajudar a sua prática
de Dharma; pense como estes sofrimentos gastam todo o karma negativo; aumentam
seu amor e compaixão; pense nas falhas do samsara; e coisas assim --seja paciente.
Quando experimentar o sofrimento, pense, “Isto substitui o sofrimento que de outra
forma eu teria experimentado nos reinos inferiores”. Isto vai fazê-lo feliz. Suponha que
um homem, que deveria ser executado, em vez disso tivesse as suas mãos amputadas.
Depois ele certamente ficaria feliz com isto. Pode-se, também, agüentar o sofrimento
de receber uma sangria ou uma moxabustão para acalmar os sofrimentos de uma
doença, portanto, quando passar por dificuldades pelo bem do Dharma, pense, “Que
bom! Isto substitui muito sofrimento nos reinos inferiores”. Nessas ocasiões, recorde as
boas qualidades do sofrimento. O Guia do Caminho dos Bodhisattvas diz:
82
Outra das muitas estórias citadas em livros, sobre quando Guru Buda Shakyamuni era um Bodhisattva. Neste caso, os
braços e pernas do rshi foram cruelmente decepados por um rei invejoso, mas o rshi permaneceu calmo e composto.
470
Desenvolve-se a compaixão
Pelos seres no samsara,
Evita-se as ações negativas e alegra-se na virtude.
Além disto, você deve aceitar o sofrimento e cultivar um estado onde você
aumentará as suas atividades salutares. Faça coisas como praticar o contentamento e ter
poucos desejos. Quando estiver fazendo práticas ascetas, pense, “Por ser monge, eu não
devo esperar nada melhor do que um lugar inferior para ficar, comida inferior, roupas
inferiores, etc. Portanto, espero poder treinar-me nas quatro coisas adequadas aos
Aryas, como estar contente com coisas de qualidade pobre: mantos, esmolas, lugares
para dormir, e coisas assim”. Se não fizer isto, vai desejar comida melhor, mais riqueza,
etc. e sempre estará buscando meios de aumentar suas posses. Você não pensará no
Dharma, não transcenderá a insignificância da vida humana.
Certa vez um mercador de madeiras ouviu nosso Mestre dizer: “Depois que um
tesouro enterrado é encontrado, um veneno rapidamente o permeia. Este veneno é
potente!” Mais tarde um mercador acha um tesouro que estava procurando e torna-se
um homem rico. O rei perguntou-lhe o motivo de sua riqueza. O mercador mentiu, e o
rei sabia. Pouco antes de ser executado, o mercador disse, “Foi rapidamente permeado
pelo veneno. Aquele veneno era potente!” Pediram-lhe que explicasse isto, e ele contou
a sua estória. A riqueza também é um grande veneno. Se nós, meros monges, tivermos
poucos desejos e ficarmos contentes, as condições nos serão favoráveis. Quando Je
Rinpoche partiu de Jadrel, ele e seus discípulos só tinham ao todo oito zho; mas tinham
poucos desejos e estavam contentes. Suas roupas não eram tão ruins e eles ficavam
contentes com tudo que acontecia. Suas comidas, roupas, etc., não atrapalhavam as suas
práticas. De forma similar, você deve estar satisfeito com suas posses, pois elas foram
adquiridas através de seus méritos. Seja paciente se acontecer algo desagradável como
receber críticas. Aceite os sofrimentos em suas atividades normais --como o
asceticismo de manter a postura ereta, etc. Aceite os sofrimentos que vêm de sustentar
o Dharma --fazer oferecimentos às Três Jóias, etc. Aceite os sofrimentos de passar sem
os prazeres sensuais, abandone ostentações, e contente-se com o que tiver, mesmo se
parecer feio e suas roupas forem de má qualidade, etc. Aceite o sofrimento de praticar a
virtude até se desgastar. Aceite o sofrimento de trabalhar pelo bem dos seres sencientes,
como por exemplo ter paciência embora saiba que terá de sofrer para evitar que alguém
seja morto, etc. E aceite o sofrimento resultante de viver de esmolas depois de
abandonar os meios de aumentar a sua riqueza através de comércio, agricultura, etc. E
assim por diante.
Assim, a paciência de aceitar o sofrimento é um assunto vasto.
471
aprendendo como modificar o seu comportamento ao memorizar e recitar textos; (3)
analisando o significado das boas qualidades das Três Jóias, o significado de sua meta
de iluminação, o caminho que leva a esta meta, o que significa “ausência de ego”, e o
que significa os ensinamentos das cestas profunda e extensa. Ou neste contexto você
pode fazer isto ao ter a certeza do significado das palavras neste Lam-rim, por exemplo.
Este tipo de paciência se assemelha à compreensão adquirida pelos lógicos em seus
debates.
A primeira destas três formas de paciência deve ser exercitada ao ser provocado
por seus adversários. As outras duas devem ser praticadas o tempo inteiro. Você deve
ser paciente durante os ensinamentos --não importa se forem muito longos, e coisas
assim. Ouça com atenção uni-focada; reflita no significado. Seja cuidadoso com seu
comportamento enquanto estiver participando de uma seção de debates em grupo;
suporte a fome e a sede. Deixe sua mente em concentração uni-focada ao memorizar ou
recitar textos. Os dois últimos tipos de paciência se aplicam até quando você estiver
indo à vila para fazer um ritual na casa de alguém.
o PERSEVERANÇA
A perseverança é a melhor
Entre uma gama inteira de virtudes
Quando cultivá-la, mais tarde terá sucesso.
Através da perseverança, rapidamente se alcança
O melhor dos estados de felicidade
E tem-se poderes psíquicos
Tanto mundanos como trans-mundanos
Através da perseverança, você conseguirá suas metas mundanas,
Através da perseverança, você virá a ser puro.
Através da perseverança, você será libertado
E transcenderá suas visões de igualar-se com o perecível.
Através da perseverança, você obterá
A Budeidade supremamente iluminada.
Assim, este texto diz que a perseverança é a melhor de todas as virtudes; tudo
até chegar à Budeidade deriva dela. O Guia do Caminho dos Bodhisattvas diz:
472
Assim, não se comporte como um asno teimoso batendo as patas quando
deveria estar fazendo recitações, etc. Você deve começar estas atividades tendo grande
deleite em fazer a virtude. Acostume-se a fazer só um pouco nos primeiros estágios,
aumente isto à medida que a sua perseverança aumenta.
Existem três tipos de preguiça que dificultam a perseverança.
A Preguiça de Indolência
Isto significa perder a oportunidade de fazer a virtude porque você está sempre
adiando-a. Você fica continuamente enrolando porque o seu coração não está
mergulhado na virtude. O antídoto necessário é a meditação na morte e impermanência
ou a dificuldade de se conseguir um perfeito renascimento humano.
A Preguiça de Ansiar por Atividades Nocivas
Isto é ansiar por atividades mundanas e engajar-se nelas, e numa ação nociva
também, porque ainda não se cansou delas. Respeito, sociedade, tagarelice, agricultura,
negócios, costura, e tecelagem são exemplos de tais coisas. Não falamos de
perseverança com relação a estas coisas: chamamos de obstinação. O Guia do Caminho
dos Bodhisattvas menciona o seu antídoto:
A Preguiça do Derrotismo
Esta é uma forma enraizada de derrotismo. Eis alguns exemplos disto: “Como
poderia alguém como eu alcançar a Budeidade?”, ou “Como poderia trabalhar pelo bem
de todos os seres sencientes?”, ou até mesmo “Como poderia alguém como eu
sacrificar meu corpo.braços ou pernas?”
Em vez disto, pense, “Serei paciente embora possa ter de passar a minha vida
inteira treinando um único tópico de meditação, como a dificuldade de conseguir um
perfeito renascimento humano”. Ou pense, “Eu posso ser perseverante com coisas
mundanas como comércio, e como ser tão paciente com tanto trabalho para um lucro
tão pequeno! Assim, se consigo isto, devo ser capaz de perseverar e trabalhar
esforçando bastante para alcançar a iluminação!” O Guia do Caminho dos Bodhisattvas
diz:
473
Não seja lento dizendo.
“Como eu poderia me iluminar?”
Os Tathagatas, que falam verdadeiramente,
Disseram esta verdade:
Todos os insetos, por exemplo,
Moscas, varejeiras azuis, e abelhas,
Podem, se a sua perseverança for forte,
Conseguir a suprema mas difícil-de-conseguir iluminação!
Alguém como eu nasceu na raça humana;
Eu reconheço o que contribui
E o que vai prejudicar.
Se eu não abandonar as tarefas do Bodhisattva
Porque não alcançarei a iluminação?
Ou seja, pense, “Nosso Mestre, que falou a verdade, disse que até moscas
podem se iluminar. Alguém como eu já nasceu como humano. Sei como falar, não me
faltam poderes de compreensão. Como poderia não me iluminar também? Eu posso
conseguí-lo”.
Você pode sentir, “Está bem, mas não posso fazer práticas ascetas como a de
dar a minha cabeça, braços e pernas”. Mas como está dito em Guia do Caminho dos
Bodhisattvas:
Em outras palavras, depois de começar sua meditação num nível baixo, você
pode mais tarde ficar tão despreocupado em dar sua cabeça, braços, e pernas, quanto
em dar um prato de vegetais. Quando tiver alcançado aquele nível, você se alegrará e
não achará difícil fazer tal sacrifício.
Você pode pensar, “Os Budas têm infinitas boas qualidades e estas seriam
difíceis de conseguir”. Contemple que você certamente pode alcançar estas qualidades
474
se praticar, porque o caminho utilizado para conseguí-las é infinitamente profundo e
vasto.
Ainda assim, você pode se opor, “Seria difícil para mim ter que ir aos reinos
inferiores pelo bem dos seres sencientes”. Guia do Caminho dos Bodhisattvas diz:
Ou seja, você pode ter de ficar no Inferno Sem Descanso pelo bem dos seres
sencientes, mas como abandonou as ações negativas, você não sofreria nem ficaria
infeliz, pois como foi dito, você não pode encontrar algo se não tiver criado o karma
para isto. Portanto, deve sentir, “Eu não serei infeliz lá --seria como ir às terras puras”.
Existem três tipos de perseverança.
Ou seja, treine-se para sentir que poderia até suportar ficar no Inferno Sem
Descanso por centenas de milhares de éons pelo bem de cada ser senciente. No
contexto tântrico, você deve entrar no tantra com o pensamento: “De minha parte, eu
poderia suportar isto. Mas os seres sencientes ainda estariam sofrendo por um longo
tempo”. O seu desejo é socorrer os seres sencientes de seus sofrimentos o mais rápido
possível, assim como uma mãe socorreria seu filho malcriado de se afogar. Nesta seção
da “Perseverança Semelhante a Armadura”, você treina pensar que suportaria ir ao
Inferno Sem Descanso pelo bem dos seres sencientes. Contraste isto com a Média
Capacidade, onde você desenvolve pensamentos de querer libertar-se do samsara. Você
pode imaginar: serão estes dois opostos? Mas não há contradição. Os Bodhisattvas
também temem renascer nos reinos inferiores sob o poder do karma e enganos. Desta
maneira eles não conseguiriam beneficiar a si próprios, muito menos beneficiar os
outros. Eles treinaram-se continuamente na bodhicitta e conseguiram a coragem de não
temer por si mesmos; ao contrário, ficariam felizes de tomar renascimento lá pelo poder
da compaixão e oração. Lá, eles não sofreriam nem teriam a menor angústia mental.
Este treinamento é chamado de perseverança semelhante a armadura porque você passa
475
dificuldades pelo bem dos outros numa época em que o Dharma se degenerou tanto que
as pessoas já não praticam estas coisas.
476
DIA VINTE E UM
Kyabje Pabongka Rinpoche deu uma breve palestra introdutória do Dharma. Ele citou
o seguinte verso de Gyaltsab Rinpoche Jampa Genpo:
São outros seis títulos: (1) cultivando os pré-requisitos da quietude mental; (2)
como conseguir efetivamente a quietude mental; (3) baseado nisto, como alcançar os
nove estados mentais; (4) como os estados mentais são conseguidos através dos seis
poderes; (5) como existem quatro tipos de processos mentais; (6) como a verdadeira
quietude mental se desenvolve [a partir deste ponto].
Como Kyabje Pabongka não tratou dos treinamentos superiores da concentração uni-
focada e da sabedoria na seção do nível de Média Capacidade; nesta seção ele trata
agora das duas últimas perfeições.
477
como um recipiente onde colocamos água. Portanto é vital desenvolver uma quietude
mental bem firme nos estágios iniciais. É preciso desenvolver a visão especial da
compreensão da vacuidade para poder cortar as raízes do samsara e alcançar a
liberação; mas, para isto, já deve ter conseguido uma quietude mental muito firme. Para
ver as coisas como são e com clareza, primeiro é preciso ter estabilidade e firmeza.
Suponha que esteja vendo um mural. Dois pré-requisitos são necessários para afastar a
escuridão que obscurece a pintura: uma lamparina clara e nenhum vento que a faça
tremular. De maneira semelhante, se você já alcançou a quietude mental, é muito mais
fácil desenvolver a realização meditando na dificuldade de conseguir um perfeito
renascimento humano ou meditando na impermanência. A Luz no Caminho de Atisha
fala do desenvolvimento da quietude mental para obter poderes clarividentes. De
qualquer forma, o fundamental para compreender tudo isto foi dito por Shantideva:
Assim, você deve alcançar a quietude mental cedo. Você não precisa
necessariamente desenvolvê-la após obter a bodhicitta, porque pode alcançá-la antes ou
depois dessa realização. Se conseguir alcançar a quietude mental terá um grande
progresso em suas meditações em qualquer prática dos três veículos.
Cultive primeiro os pré-requisitos para a quietude mental; sem eles nada
conseguirá. A Luz no Caminho diz:
Existem seis deles: (1) residir num local que conduz à meditação; (2) ter poucos
desejos; (3) estar satisfeito; (4) abandonar totalmente as várias demandas da sociedade;
(5) ter ética pura; (6) abandonar totalmente os pensamentos conceituais como o desejo.
O lugar onde faz a sua prática deve ter cinco características. O tipo de lugar
necessário foi descrito em Um Ornamento aos Sutras:
478
Qualquer lugar onde será sábio praticar
Possui excelentes provisões; é um lugar salutar;
Tem uma localização saudável, com amigos nobres por perto;
E tem as dependências que satisfaçam o iogue.
Se não for fácil ser auto-suficiente num lugar que esteja em conformidade com
o Dharma, você terá que continuar descendo até a cidade. Mas deverá estar bem
suprido por meios que sejam de acordo com o Dharma; caso contrário você pode
adquirir suprimentos por um meio de vida errado, ou obter coisas com ações negativas.
Nossos lamas dizem que estes tipos de provisões são perigosos. Portanto, você precisa
de provisões que sejam fáceis de conseguir, que não foram maculadas por alguma
grande ação não-virtuosa --em outras palavras, “excelentes provisões”.
O local onde você vive deve ser um local consagrado onde, por exemplo, os
santos do passado moraram. Quando principiantes moram num lugar assim, o próprio
lugar será uma benção para eles. Se não conseguir encontrar um lugar como este, então
onde quer que fique, o local não deve ser a casa de alguém que, por exemplo, quebrou
seus votos ou causou discórdia na Sangha.
O local deve também ser salutar --isto é, um lugar onde não há animais de caça,
ladrões, ou criaturas malignas. Deve também ter pessoas dispostas a ser benfeitores. Se
não, você pode pensar que consegue viver lá em segurança e mais tarde se lamentará.
Kyabje Pabongka ilustrou isto com uma estória sobre um lama do passado.
Pode ser que o local onde você vai viver seja o lar de criaturas de espíritos,
portanto é vital empregar algum meio gentil para subjugar seus contínuos-mentais, não
para expulsá-los.
Uma “localização saudável” significa um lugar onde não terá resfriados ou
febres e onde a água é própria para beber.
Seus amigos, também, devem ser amigos que conduzem à visão e atos
puros. As duas sombras destes seus amigos devem formar uma única
silhueta.
É claro que isto não significa que você só deve ter dois amigos ou que deve
viver sozinho. Significa simplesmente que vocês devem ter afinidades. É muito
prejudicial para os principiantes viverem sós e sem amigos. Você deve ter pelo menos
três amigos por perto; e se eles são amigos do Dharma, é melhor até ter mais. Mas, não
importa quantos amigos tenha, eles devem ser pessoas que mereçam o seu respeito, e
não pessoas que você trata como seus iguais; pois eles o farão ser nocivamente
descuidado.
Também está dito: “Como os sons são irritantes para a concentração...” O que
quer dizer que o lugar não deve ter o som de pessoas durante o dia ou o som de cães ou
479
água corrente durante a noite.
Como disse meu próprio guru, você deve ser alguém que possa ficar sobre os
próprios pés: através de estudo e contemplação, você eliminou imprecisões quanto ao
significado das coisas em que deve meditar. Mas, isto também pode significar que você
fez todos os preparativos necessários --como ter iniciações, ensinamentos, livros, etc. O
principal é tornar-se habilidoso na sua prática. Atualmente, as pessoas se sentem
forçadas a pedir adivinhações de dados e coisas assim porque não têm a menor idéia do
que seria o melhor a fazer para se sustentarem enquanto praticam. Não aja assim. Você
deve fazer os preparativos adequados para a sua prática do Dharma.
Ter poucos desejos significa não ter nenhum apego a grandes quantidades de
roupas finas, boa comida, etc.
Estar Contente
Contentamento é ter até mesmo o pior dos alimentos e roupas. Você será
apegado a coisas dos sentidos se não estiver contente e nem tiver poucos desejos. Você
não desenvolverá a concentração uni-focada porque ficará distraído pela necessidade de
proteger as suas posses, e coisas assim.
480
destas, e dizem que naqueles renascimentos não conseguiram alcançar a realização
suprema porque estavam imersos na prática de astrologia. Mas Togme Sangpo, um
verdadeiro Filho dos Vitoriosos, continuou meditando no amor e compaixão e a astúcia
de Pehar não teve sucesso.
Je Tsongkapa escreveu dezoito livros, mas não escreveu sobre medicina. Isto
não foi porque não sabia nada de profiláticos ou extratos de ervas. Ele não escreveu
sobre isto porque sentiu que prejudicaria a sua prática. Durante um ano ele estudou a
estrutura dos canais vento-energia do corpo. Este estudo desgastou a superfície de duas
ou três lousas, e seus dedos ficaram feridos [de tanto apagar as lousas]. No entanto, até
isto era ceder às demandas da sociedade. Não ajudou a sua prática.
Se esforçar-se para trabalhar estas coisas, então além da impressão
insignificante que ganha do assunto, você não conseguirá instilar-se de impressões que
resultarão num renascimento superior ou na excelência suprema. Você não alcançará
nada de significado profundo, e será como uma pessoa apegada a cana-de-açúcar que
não extrai nenhum suco. Algumas das dez ciências menores são de pequeno benefício,
então para que se preocupar em dominá-las?
Alguém disse: “No momento presente a sua velhice pode ser algo ainda não
revelado, mas o seu estado é lastimável enquanto estiver correndo atrás de objetos dos
sentidos”. Foi por este motivo que o pedinte Surate deu a jóia que realiza desejos ao
Rei Prasenajit dizendo: “Oh Rei, em todo este reino sois quem tem menos
contentamento. É melhor dar esta jóia a vós”.
Quando tiver cumprido todos os requisitos mencionados acima, você não levará mais
do que seis meses para alcançar a quietude mental.
481
Não-ajustamento; e reajuste.
Ou seja, cultive os oito ajustes, que são os antídotos às cinco armadilhas. Não
há nenhuma instrução melhor de como alcançar a concentração uni-focada do que as
encontradas nos tratados clássicos – as obras de Maitreya, os estudos de Asanga sobre
os vários níveis, textos do caminho do meio e seus estágios de meditação, etc. Devemos
buscar este tipo de instruções e depois meditar nelas. Em vez disso, poderíamos dar
muito valor às instruções orais de algum lama que não esteja de acordo com o Dharma
apresentado nos clássicos, ou poderíamos valorizar pequenas miscelâneas sobre
encantamentos, ou anotações de aulas, panfletos, etc. Isto é buscar algo onde não pode
ser encontrado. Mas, não há perigo disto acontecer se seguirmos a seção de quietude
mental de Os Grandes Estágios do Caminho de Je Tsongkapa.
Portanto, se não se referir a estes tratados clássicos, você poderá confiar no que
qualquer lama diga, afirmando que são “instruções”. Se isto acontecer, mesmo se
passar o resto de sua vida em alguma caverna na montanha, as suas meditações serão
prejudicadas pelo torpor sutil. Muitos erraram sobre o caminho mais secreto de
conseguir a quietude mental ao dirigir a atenção à própria mente. Eles perderam suas
grandes oportunidades. Colocar esforço em instruções erradas só tornará vazio o seu
renascimento humano. Muitos estudiosos tibetanos famosos se equivocaram sobre a
visão, sobre como meditar nela, etc. Aquele que distingue deve olhar detalhadamente as
tradições destes estudiosos e compreenderá que é verdade. Testemunhe o fato que a
maneira de Je Tsongkapa tratar da visão, as suas meditações, e as tarefas envolvidas,
estão de acordo com as obras de todos os panditas e adeptos indianos. Além disto, o
próprio Manjushri esclareceu as dúvidas de Tsongkapa. Assim, devemos confiar nas
suas instruções porque elas foram formuladas com estas escrituras autorizadas em
mente --escrituras que são isentas das nódoas do erro. Mas se colocar suas esperanças
em alguma instrução que não esteja de acordo com estes textos, ou que afirme coisas
que não estão nos textos, há o perigo de desenvolver algum tipo de realização que
nunca foi conhecida! Isto se aplica também aos estágios de geração e consumação dos
tantras secretos. Além disto, é impossível alcançar a concentração uni-focada mais
trivial sem esta instrução de como alcançar a quietude mental, cuja fonte é o shastras e
que trata dos métodos para desembaraçar-se das cinco armadilhas cultivando os oito
ajustes.
482
A fé que surge ao ver as boas qualidades da concentração uni-focada é como
segue. A armadilha da preguiça é não ter nenhum desejo profundo de ser capaz de
meditar uni-focadamente nem de ser capaz de entrar sempre em tal meditação. O
verdadeiro resultado final de seu treinamento [nesta concentração] é a maleabilidade
mental. Embora ainda não tenha isto, você deve pensar nas boas qualidades da
concentração uni-focada para desenvolver a fé. O Guia do Caminho dos Bodhisattvas
diz:
Ou seja, pense nos danos que uma mente distraída causa. Se desenvolver a
quietude mental, você conseguirá focalizar a sua atenção num tema, com bastante
firmeza, onde quer que faça alguma prática virtuosa. Por causa desta firmeza, você logo
alcançará a clarividência comum e coisas assim; o seu sono passará a ser uma
concentração uni-focada; os seus enganos serão realmente muito pequenos. E o mais
importante, será mais fácil você desenvolver rapidamente [as realizações] no caminho,
desde a devoção ao seu guia espiritual passando por todo o caminho até os estágios de
geração e consumação. E assim por diante.
Pense nestas boas qualidades. Todas elas resultam de ter a fé que vem ao ver as
boas qualidades da concentração uni-focada. Com esta fé você alcançará o desejo e a
perseverança de buscar a concentração uni-focada. Com estas você desejará ter a
maleabilidade mental. É assim que estes quatro antídotos agem como causas e efeitos --
os últimos desenvolvendo-se a partir dos primeiros de uma maneira ordenada.
483
Portanto, as pessoas que buscam desenvolver a quietude mental usam vários
dispositivos, mas estes são apenas objetos mentais. Estas pessoas não praticam olhando
os objetos com os olhos. Há pessoas que efetivamente olham seus objetos de
meditação, mas esta prática é inferior às outras duas já mencionadas, já que a quietude
mental deve ser alcançada com a mente, não com os olhos. Mesmo assim, estes objetos
ainda evitam uma quantidade de problemas, como as cinco grandes armadilhas acima.
Certa vez, alguém vindo da Índia usou um chifre de touro como objeto de meditação.
Ele não empregou os outros tipos de objetos puramente mentais para alcançar os nove
estados mentais, e mesmo assim alcançou a quietude mental. Isto mostra que é possível
alcançá-la seja qual for o objeto de meditação.
Mas, quando praticamos alcançar a quietude mental, visualizamos a forma do
Buda segundo a tradição oral que vem de Tsongkapa. Uma característica desta
visualização é que ela permite-lhe construir sua acumulação [de méritos] e purificar
obscurecimentos. Outra característica é familiarizá-lo com o ioga de deidade
encontrado nos tantras secretos. É também muito benéfico lembrar-se do Buda. E assim
por diante.
De seu guru, visualizado sobre a coroa de sua cabeça, surge Guru Shakyamuni.
Ele vem repousar à sua frente, quase ao nível do espaço entre as suas sobrancelhas. Ele
tem a altura igual à distância entre as pontas dos polegares e o dedo mindinho
estendidos, ou seja um palmo. Alternativamente, pode colocá-lo nivelado ao seu
umbigo, como preferir. Ou, ainda, pode visualizar que você se transforma em
Shakyamuni.
Algumas pessoas acham mais confortável imaginar a ausência de formas como
objeto de sua meditação em vez de visualizar algo físico. Assim, o Panchen Lama
Lozang Choekyi Gyaeltsen iniciou uma tradição em seus ensinamentos sobre O
Mahamudra Gelugpa segundo os pensamentos de Tsongkapa em Os Estágios Médios
do Caminho. Nesta tradição, consegue-se a quietude mental focalizando-se na própria
mente e tais pessoas podem usá-la prontamente. Isto tem sua contrapartida até em
outras seitas, onde se investiga a operação consciente da mente. É também possível
conseguir a quietude mental visualizando a forma da deidade, como no estágio de
geração, ou visualizando a letra A ou um traço vertical, como no estágio de
consumação. Há ainda outras visualizações de quietude mental que envolvem permear
[todos os lugares com a visualização], empregando algum truque ou uma certa
atividade, ou até mesmo visualizando que algum engano foi purificado. Na prática, use
aquela forma mais fácil para você e medite nela até conseguir a quietude mental. Não
troque por outras visualizações. Você não deve meditar em todos os quatro objetos de
focalização descritos nos sutras [o corpo, sentimentos, mente e fenômenos]. Você deve
fixar a sua mente em uma única coisa, e isto deve ser algo que lhe seja confortável.
Como disse Acharya Ashvaghosha:
484
Com muitas visualizações sucessivas,
A sua mente ficará agitada pelos enganos.
485
Você cairá na terceira armadilha --agitação ou torpor-- durante o seu período de
meditação enquanto recordar o seu objeto de meditação. Se não souber diferenciar
torpor, névoa mental e agitação, isto será como não reconhecer inimigos determinados
a assassiná-lo.
Névoa mental tanto pode ser não-virtuosa quanto neutra. Ela obscurece a
consciência pesando a mente e o corpo, igual a quando quer dormir. Ela age como
causa para o torpor e nunca é virtuosa.
Há dois tipos de torpor: sutil e grosseiro. Quando lembrar de seu objeto de
meditação, a sua imagem pode ser estável, mas pouco nítida. Isto é torpor grosseiro.
Torpor sutil é o seguinte: você não perde as características retidas da visualização, e até
tem firmeza e nitidez da imagem, mas a força de sua retenção diminuiu, e a nitidez não
é intensa. O torpor sutil é a principal obstrução à meditação. O que quero dizer com
“não ser intensa?” Quero dizer que há nitidez, mas a mente ficou meio frouxa. Nesta
hora, embora a estabilidade da imagem seja bem firme, este afrouxamento agiu como
causa para o torpor sutil. Se a imagem tem nitidez intensa, a mente está afiada, fresca,
vital, e ainda focalizada no objeto da meditação.
Posso ilustrar o fato de que é possível ter nitidez e estabilidade, mas que a
nitidez pode ser intensa ou não. Suponha que esteja segurando seu rosário e uma tigela
em suas mãos. Você pode segurá-las de formas diferentes, uma com firmeza e uma
frouxamente. Ou, generalizando, podemos sempre ter fé num guru, mas isto pode ser
particularmente forte ou não. De tempos em tempos podemos desenvolver uma fé
maior ou mais forte; a maneira de retermos a nossa fé é mais aguda do que antes. Esta é
a diferença entre as duas situações. Dizem que isto ficará muito claro à luz da
experiência da contemplação --é impossível colocar em palavras.
Note: nitidez e clareza não são causadas pelo objeto. Se há ou não alguma
nitidez ou clareza isto é necessariamente uma função da consciência subjetiva. Quando
não há clareza é como se um véu tivesse sido jogado sobre a imagem.
O torpor sutil e a concentração uni-focada podem tanto ter clareza quanto
estabilidade; logo é difícil ver a diferença entre a concentração uni-focada e o torpor
sutil. O ar pode até ter parado de fluir nas narinas, e sua mente pode permanecer estável
por um dia inteiro, mas você só aumentou o torpor sutil. Muitos dos primeiros
estudiosos tibetanos confundiam este estado e o louvavam como sendo “o relaxamento
mais profundo na meditação mais profunda”. Eles não compreenderam este ponto-
chave da meditação. Se confundir o torpor sutil como sendo meditação, as suas
meditações não serão nem mesmo causas [para renascimentos] nos Reinos da Forma e
Sem Formas, e mesmo nesta vida você será mais desatento. Como a sua sabedoria ficou
sem clareza, a prática não será melhor do que fazer, por exemplo, uma grande
quantidade de meditação de uma sadhana onde você se visualiza como um animal!
486
apego desencaminhado por belos sinais. Ele funciona interrompendo a
quietude mental.
Belos objetos --os objetos de seu apego—tira o foco da mente. Portanto, são os
belos sinais aqui mencionados. Suponha que você assista a uma opera durante um dia e
naquela noite você recorda vivamente a cena: este é um exemplo de lembrar um objeto
atraente do seu apego.
Há uma grande diferença entre falta de foco e agitação. Você pode perder o
foco por causa de um objeto desagradável, como um inimigo. Nestas ocasiões, você
passa por uma angústia mental. Ou enquanto estiver meditando na quietude mental,
pode perder o foco por causa de algum objeto virtuoso como generosidade, ética, etc.
Isto pode ter a forma de falta de foco, mas é agitação. Mas, tanto a falta de foco quanto
a agitação podem interromper a sua quietude mental. Porque então só se considera a
agitação como o que interrompe a quietude mental? A falta de foco dura menos e é
menor quando seu objeto é um objeto de sua hostilidade ou quando sua atenção é
dirigida a algo virtuoso. Segundo a linhagem deste tipo de apresentação a falta de foco
é muito maior quando o objeto é algo a que você está apegado. Portanto, a falta de foco
se enquadra normalmente dentro do segundo tipo (ou seja, a agitação) porque é mais
fácil de ser desenvolvido do que as outras formas. Foi-lhe dado o lugar de honra e só
discutiremos a agitação. Mas note: quando meditar na quietude mental, o seu estado
mental será interrompido pelos outros dois tipos de falta de foco: os devidos a objetos
agradáveis ou desagradáveis; e falta de foco devido, por exemplo, por se lembrar de
alguma generosidade que tenha feito, prostrações que tenha feito, etc. Quando meditar
para alcançar a quietude mental terá que cessar estas formas de falta de foco sempre
que elas ocorrerem.
Podemos perder o objeto da meditação de tal forma que ele deixa de ser o nosso
objeto mental. Por exemplo, quando estiver meditando na forma de uma deidade,
podemos esquecer nossa visualização por um tempo. A agitação grosseira é exatamente
esta perda do objeto de meditação.
A agitação sutil é o seguinte: a mente não perde o objeto da meditação, mas
algo subliminar com aspecto agradável surge numa parte da mente abaixo do nível de
pensamento conceitual. Este tipo de agitação é diferente da agitação grosseira, e é
ilustrado como água fluindo sob uma camada de gelo.
Embora o verdadeiro antídoto para estas duas condições desafortunadas não
seja a vigilância, a vigilância é um componente do antídoto, assim como um exército
tem os seus batedores. Você pode cultivar a vigilância --o sexto dos oito ajustes-- para
detectar se você está com alguma agitação ou torpor.
Se aplicar a vigilância ininterruptamente, ela se tornará um empecilho ao seu
estado meditativo, mas se não aplicar a vigilância com regularidade, você pode
desenvolver alguns defeitos sérios na sua concentração uni-focada e não ter consciência
disto. O ladrão já teria carregado seus pertences. O Mahamudra Gelugpa diz:
“Desligue a vigilância quando isto parecer certo”. Ou seja, mantenha a sua vigilância
487
em xeque. Só a aplique de vez em quando para ver se está com alguma agitação ou
torpor. Em Guia do Caminho dos Bodhisattvas encontramos:
Isto é como segurar uma taça de chá em suas mãos: você a segura firme com as
duas mãos e ao mesmo tempo olha para ver se a taça inclinou. De forma semelhante,
você sustenta a meditação através da memória enquanto retém a imagem firmemente, e
mantém a visualização enquanto usa a vigilância para verificar se está ou não com
alguma agitação ou torpor. A propósito, a vigilância é uma aliada da sabedoria.
488
Aplique esforço e terá agitação;
Abandone-a e desenvolverá a depressão.
--“Se isto for verdade, e é tão difícil conseguir a absorção,
Para que me preocupar:
Isto só vai perturbar a minha mente”.
Fazer este tipo de coisa pode ser mentalmente fatigante; mas entre todos os
tipos de inimigos, um inimigo que seja da família ou que more na sua casa é o mais
difícil de ser identificado. Por isso, são os mais perigosos. Este tipo de torpor ameaça
causar o maior prejuízo à sua concentração uni-focada; portanto, você deve buscar este
estado de sintonia fina.
Assim, apesar de ter afinado a sua mente, você pode novamente perder a
intensidade da clareza da imagem. Quando isto acontece, a retenção declina e a imagem
já não é mais clara. Se isto não se afastar, é sinal de que o torpor grosseiro voltou. Está
dito em O Cerne do Caminho do Meio:
Ou seja, o erro é que a sua mente está num grande nó então você deve meditar
um pouco dispensando a visualização. Se o problema não sumir e sua mente ficar
deprimida ao retomar a visualização, haverá alguma forma de levantar sua mente? Uma
maneira de animá-la é contemplar como é difícil conseguir um renascimento humano
benéfico e perfeito. Ou então, poderia contemplar as qualidades das Três Jóias, estudar
os benefícios da devoção a um guia espiritual, contemplar os benefícios da bodhichitta,
etc. Isto estimulará sua mente. Você pode imaginar raios de luz brilhando sobre você,
ou meditar em coisas como a visualização da generosidade. Estas meditações levarão
sua mente a um plano mais elevado e então a mente reterá a visualização.
As nossas mentes não se familiarizaram com estas coisas no passado e será
difícil conseguir benefícios imediatos destas técnicas. Mas quando nos familiarizarmos
com ela, a contemplação de coisas como a dificuldade de conseguir um renascimento
humano será como salpicar água fria em nossas faces. O problema desaparecerá.
Se mesmo assim o seu torpor não acabar, empregue um meio mais vigoroso
para Removê-lo. Visualize a sua mente como sendo uma luz branca em seu coração. Ao
sussurrar a sílaba phat, sua mente sai pelo topo de sua cabeça e penetra nas profundezas
do espaço. Pense que sua mente e o espaço ficaram mesclados de forma indistinguível.
Faça isto tantas vezes quantas forem necessárias.
Se o problema ainda persistir, encerre sua seção de meditação. A névoa mental
está fazendo com que desenvolva o torpor. Use algum meio de fazer a névoa mental, o
sono, ou sonolência ir embora. Acomode-se em algum lugar fresco, dê uma caminhada
em algum lugar alto e aberto, faça uma visita, salpique água em seu rosto, e coisas
assim. Se isto clarear a sua mente, retome a sua visualização anterior.
489
Agitação sutil é quando não se perde o objeto da meditação, mas a mente se
distrai. Quando isto acontece, o problema é que a mente está muito tensa. Afrouxe
ligeiramente a sua retenção da imagem. Se isto não ajudar e sua mente ainda estiver
distraída, você está com uma forma grosseira de agitação. Isto foi desenvolvido devido
ao seu estado mental feliz, então você não deve aumentar ainda mais a sua felicidade. O
excesso de felicidade prejudica, como mostra a estória do Rei Shuddhodana [pai de
Buda], que não conseguia alcançar o estado do Que-Entrou-na-Corrente [porque estava
muito entusiasmado com o regresso de seu filho]. Neste tipo de situação, não pare a
sessão de meditação, pois, como está dito em O Coração do Caminho do Meio:
490
brilhante adepto chamado Lozang Namgyel. Ele dava uma transmissão oral de diversas
obras Kadampa. “Nestes tempos degenerados”, ele lia, “é o momento de domar o seu
contínuo mental, não o dos outros”. Ele interrompeu e pôs-se a chorar, e foi preciso
encerrar os ensinamentos. Nos dois dias seguintes ele foi incapaz de ensinar sempre que
lia estas palavras. 83
Embora nossa esperança seja a de uma imagem que permaneça estável por
longos períodos de tempo, tudo que podemos fazer no momento é invocar a
visualização; ela não persistirá. Assim, devemos fazer cada sessão bem curta. Dizem
que devemos fazer dezoito sessões cada dia. Se depois de algum tempo não perder o
torpor ou agitação, você deve fazer um número maior de sessões bem curtas. Elas
devem ser da melhor qualidade. Faça isto e a imagem começará a persistir por
iniciativa própria. Só depois que isto acontecer é que você deve prolongar as sessões.
491
características. Depois sente-se numa almofada confortável na postura de Vairochana
com as sete características. A partir da visualização de seu guru sobre sua cabeça,
imagine que uma imagem de Buda Shakyamuni se separa e repousa no espaço
aproximadamente ao nível de seu umbigo. No início a visualização não será nítida, mas
ainda não é necessário conseguir a clareza. O que aparece pode ser, por exemplo, uma
bolha amarela tremulante ou só parte da imagem, como a cabeça, pés, mãos, etc. Não
deixe isto fugir de sua memória; aperte a retenção e não deixe a mente se distrair. Este
sistema de nutrir a sua lembrança é tudo que é preciso para interromper o torpor e a
agitação. Por isso, esta instrução suprema dos grandes adeptos é algo para guardar no
coração. Além disso, o torpor é cortado ao apertar a sua retenção da imagem. A
agitação é cortada pela sua falta de distração. Quando meditar assim e conseguir uma
certa estabilidade, corre-se o perigo de ser vítima do torpor; portanto segure firme a
retenção da imagem e sua clareza. Quando tiver conseguido alguma clareza, o perigo
passa a ser a agitação. Tome as medidas necessárias contra a agitação e busque maior
clareza.
Embora possa parecer que esteja fazendo uma prática, você não estará
praticando nada se não souber o que é necessário para alcançar a concentração uni-
focada. Você deve alcançar a concentração uni-focada com as duas características:
grande clareza junto com alguma estabilidade, e uma firme retenção da imagem.
Assim como na seção detalhada da quietude mental acima, o objeto de
meditação é retido pela sua memória sem perder a imagem. Naquele estágio você foi
vítima do torpor ou agitação. Assim que detectá-los através da vigilância, aplique
imediatamente o antídoto apropriado e cesse-os. Não empregue qualquer antídoto após
cortar o torpor ou a agitação, mas simplesmente permaneça focalizando-se só na
visualização enquanto ainda mantém uma clareza muito lúcida e vívida.
Nota: segundo o mahamudra, o objeto focalizado e a mente apreendendo este
objeto devem ser tidas como sendo a mesma coisa. Um pastor precisa observar duas
coisas: quais ovelhas ou cabras ficaram para trás na montanha, e quais não se perderam.
De forma similar, quando desenvolvemos pensamentos conceituais há duas maneiras de
acabar com eles. Podemos observar qual é a natureza do pensamento e deixar que
cessem sozinhos, ou então podemos aplicar um antídoto ao pensamento conceitual para
cortá-lo e depois direcionar a atenção à inteligência clara da mente. Maiores detalhes
podem ser encontrados no ensinamento de O Mahamudra Gelugpa. Quem quiser
alcançar a quietude mental usando a mente como o objeto focal precisará conhecê-los.
Se quiser meditar, deve experimentar os nove níveis mentais por si mesmo. Para
isto, é preciso conhecer quais são estes níveis. São eles: (1) fixando a mente; (2)
fixação com alguma continuidade; (3) fixação remendada; (4) boa fixação; (5)
disciplinando-a; (6) pacificando-a; (7) tornando-a muito pacificada; (8) tornando-a uni-
focada; (9) absorção fixa.
492
(1) Fixando a Mente
Depois de meditar desta maneira você é capaz de invocar a imagem e pode até
fazê-la persistir um pouco – por exemplo, quando você consegue meditar durante o
tempo que leva recitar um rosário do mantra om mani padme hum sem se distrair. Neste
ponto, os seus pensamentos conceituais às vezes são pacíficos e às vezes se
desenvolvem. Isto é um insight quanto ao que é estar curado dos pensamentos
conceituais. Este estado é alcançado pelo poder da contemplação.
Estes dois estados mentais têm uma grande parcela de torpor e agitação, e a
imagem não permanece por muito tempo. Aqui, você está usando o primeiro dos quatro
processos mentais, a fixação forçada, mas a sua distração dura mais tempo do que a
persistência da imagem.
Este estado é como uma roupa feita com remendos de tecido. Embora
basicamente a imagem persista, a mente se distraí da visualização. Mas você
imediatamente percebe isto e “remenda sua fixação” no objeto de meditação. A duração
de sua distração é menor do que nos dois estados anteriores. Neste estágio você está
desenvolvendo uma memória mais poderosa.
Você desenvolveu uma memória poderosa e pode fixar a sua mente no objeto
de meditação. De agora em diante, é impossível perder o objeto de meditação, portanto
este estado é muito mais vigoroso do que os outros três anteriores. Mesmo assim,
enquanto tudo isto está acontecendo, você é vítima das formas mais fortes de torpor e
agitação, e deve aplicar antídotos aos dois.
Tanto o terceiro quanto o quarto estados mentais foram conseguidos através do
poder da memória. Mas, a partir de agora, a memória é como um homem no auge de
493
seus poderes, pois o poder da memória foi aperfeiçoado.
(5) Disciplinando-a
(6) Pacificando-a
Primeiro você aplica o antídoto memória. Embora isto exija um ligeiro esforço,
494
você é capaz de tentar fazer toda a sessão de meditação sem o mínimo torpor ou
agitação. Eis uma ilustração para mostrar o que acontece nos últimos estados mentais.
Primeiro o seu inimigo era poderoso, Depois parte da força que ele tinha declinou, e
depois o poder foi totalmente embora. É assim que o poder de seu excitamento ou
torpor declinou. Ao chegar no oitavo estado não precisará se esforçar na aplicação da
vigilância. Depois de um ligeiro esforço [inicial] durante o oitavo estado mental, a
sessão de meditação inteira não é interrompida por torpor, excitamento e coisas assim;
portanto o processo mental neste estágio é o de fixação.
O sétimo e o oitavo são conseguidos pelo poder da perseverança.
495
DIA VINTE E DOIS
Ou seja, com os dois tipos de bodhicitta –relativa e absoluta– junto com as duas
acumulações, você atingirá o nível dos Vitoriosos. Você deve estudar como se faz isto.
Então ele repassou os títulos de: como treinar-se para a quietude mental cultivando os
cinco ou seis pré-requisitos; a maneira efetiva de alcançar a quietude mental; as cinco
armadilhas e como cultivar seus antídotos, os oito ajustes; e, com esta base, como
alcançar os nove estados mentais.
496
Assim, o processo mental aqui é de uma fixação interrompida, porque o seu estado
mental está sendo interrompido pelo torpor e agitação.
No oitavo estado, aplica-se um pouco do antídoto do esforço no início da
sessão; o restante da sessão não é interrompida por agitação ou torpor.
No nono, invoca-se sem esforço a visualização; assim, a fixação é espontânea.
497
Mas, isto não faz muito sentido, então não desenvolvemos estes níveis
posteriores. Os não-budistas abandonam a manifestação dos enganos associados aos
níveis que vão até e inclusive o plano do nada (da inexistência) no Reino Sem Forma. E
quando atingem o estado mental do Pico da Existência pensam que é a libertação; mas
isto não os libertou do samsara. Como diz Louvor aos Merecedores de Louvores:
Um sutra diz:
498
Você pode aumentar seu torpor e confundir isto com meditação, mas esta meditação
nem mesmo precipitará o seu renascimento nos reinos superiores [da Forma e Sem
Forma]. Você só criará a causa para renascer, por exemplo, como um animal. Sakya
Pandita afirma:
Talvez você analise a natureza da mente, que não tem cor ou formato, mas não
o faz junto com qualquer um dos três pilares do caminho; ou talvez esteja familiarizado
com a instrução: “Não fique repassando o passado; não antecipe o futuro” [ou seja,
fique apenas no presente em suas meditações]. Meditações servis só tornam a vida
humana vazia e oca; e não guiam até os níveis mais elevados dos caminhos. Mas, junto
com a bodhicitta, renúncia, visão correta, e tomada de refúgio, passa a ser uma prática
Mahayana, uma prática que leva à liberação, um Dharma Budista. É preciso entrar
neste caminho inequívoco. Caso contrário, a mera realização de que a natureza da
mente é clara, vazia, e sem se agarrar [ao significado] não poderá abalar o seu apego ao
ego. No mínimo, tais meditações ameaçam fazer o mesmo efeito que os esforços dos
Tirthikas. Então, não considere tais caminhos inferiores como sólidos. É preciso saber
distinguir entre caminho correto e os que só parecem corretos.
Aqui há outros dois títulos: (1) como cultivar a absorção semelhante ao espaço;
(2) quando não estiver em absorção, como cultivar a atitude de que as coisas são como
ilusões.
Há quatro pontos-chaves a serem determinados: (1) o que deve ser refutado; (2)
499
qual é o conjunto completo de possibilidades; (3) como ego e agregados não podem ser
verdadeiramente o mesmo; (4) como ego e agregados não podem ser verdadeiramente
diferentes.
Após alcançar a quietude mental muito estável, não meditamos em coisas como
a visão especial encontrada nos caminhos mundanos para a paz mental grosseira [dos
Reinos da Forma e Sem Forma]. Isto só abafaria os enganos manifestados. O que mais
queremos é a liberação, portanto devemos desenvolver a visão especial supramundana
que analisa o significado de ausência de ego. Isto vai eliminar as raízes da existência
cíclica para nós. Se desenvolvêssemos esta visão, evitaríamos sistematicamente todos
os males da existência cíclica sem nunca ter que recorrer a qualquer meditação especial
nos planos mais elevados. Como está dito em Louvor aos Merecedores de Louvor:
Esta prática também tem seus pré-requisitos: para desenvolver a visão correta
500
em seu contínuo-mental é preciso ter todas as seguintes causas e pré-requisitos. Você
deve devotar-se a um ser santo que tenha a compreensão correta dos pontos chaves das
escrituras e deve receber dele as instruções sobre vacuidade; deve também reunir a sua
acumulação [de méritos] e purificar seus obscurecimentos; deve fazer súplicas ao seu
guru e mantê-lo inseparável de sua deidade tutelar; e assim por diante. Se não tiver o
conjunto completo destes pré-requisitos, não conseguirá nenhuma realização.
Entre as quatro escolas de princípios defendidas na nobre terra da Índia,
existiram muitas versões diferentes da visão, mas a mais nobre destas visões é aquela
apresentada pela escola Prasangika Madhyamaka. Eles foram os únicos que explicaram
que o significado da originação interdependente é a vacuidade, e o significado da
vacuidade é a originação interdependente.
Nosso Mestre Compassivo ensinou a discípulos de vários níveis, com
mentalidades que iam desde o inferior até o superior. Portanto, ensinou primeiro que a
pessoa está vazia de existência substancial e autônoma. Fez isto para evitar que seus
discípulos se apegassem a um ego pessoal. Aos discípulos com mentes afiadas, ele
distinguiu fenômenos que têm existência verdadeira e os que não têm. Às pessoas com
mentes ainda mais aprimoradas, ele ensinou que os fenômenos não têm existência
verdadeira mas que podem ser estabelecidos por suas naturezas. Aos de mentes ainda
superiores, ele ensinou que por natureza todos os fenômenos não existem. Esta última
versão é a melhor e é o pensamento supremo do Bhagavan sobre o assunto. Como
nosso próprio Mestre disse:
501
Eles debatem as verdades relativa e absoluta.
Com estas adulterações, não há obtenção da liberação.
Portanto, como não existem dois portais à paz da liberação, tal paz é impossível
de ser alcançada pelos que não seguem o seu sistema.
Atisha disse:
502
seu ponto de partida e esforçar-se algumas vezes no futuro e consultar os textos
clássicos. Ele então realizou a visão profunda e não-distorcida. E foi assim que o fato se
passou.
Mais tarde, por causa de suas acumulações e purificação dos obscurecimentos
ele teve uma visão de Buddhapalita; e estudou os comentários deste autor, A Busca da
Budeidade, e então desenvolveu em seu contínuo-mental a visão suprema da
Prasangika. Neste período de sua vida ele teve visões de muitos panditas e adeptos
indianos, mas deu-lhes pouca atenção. Manjushri disse a Je Rinpoche – com um lama
altamente realizado [provavelmente Umapa] agindo como intermediário da deidade –
que ele deveria ficar atento a estas visões, pois seria muito benéfico para os outros e
para ele se ele dependesse de suas obras primas.
Quando Je Rinpoche teve a realização da visão não-distorcida dos seguidores da
escola Madyamaka, a sua fé no Mestre Buda jorrou e ele compôs um poema em louvor
à doutrina da originação interdependente, que o Buda havia explicado. Esta obra é
chamada Louvor à Originação Interdependente ou A Breve Essência da Eloquência.
Choglae Namgyal de Badong ouviu um pedinte em peregrinação cantando este poema.
No início Namgyal pensou que fosse obra de Nagarjuna, ou talvez Chandrakirti. Mas
depois no final da obra ouviu o autor afirmar como havia estudado os clássicos de
Nagarjuna e Chandrakirti. Namgyal então compreendeu que eles não poderiam ter
escrito o poema. Ele perguntou ao mendigo que respondeu, “Quem escreveu isto foi o
Grande Tsongkapa”. Namgyal desenvolveu uma fé inabalável em Je Rinpoche e partiu
ao seu encontro. Ele então descobriu que Je Rinpoche já havia partido para as terras
puras pelo bem dos outros seres. Incapaz de vê-lo, Namgyal rezou para se encontrarem
e jogou pepitas de ouro e prata no ar, que caíram nas terras do Mosteiro de Ganden.
Esta e outras maravilhas são encontradas na biografia de Je Rinpoche.
Então as eloqüentes obras do grande Je Rinpoche esclareceram o significado
destes ensinamentos profundos e simplificaram os pensamentos destes mestres. Mas,
ele não pensava que um texto era autêntico só porque veio da nobre terra da Índia. Ele
não utilizou o corpo principal dos escritos que poderiam preencher este critério para a
sua investigação da visão. Mas, ao contrário, pediu conselhos a Manjushri, sua deidade
tutelar. Manjushri disse-lhe que Chandrakirti era um Bodhisattva de alto nível, corajoso
e perspicaz, que veio de um campo-búdico para cá com a intenção de difundir os
ensinamentos do Protetor Nagarjuna sobre a visão profunda, e que seus escritos
estavam livres de erros. Assim, Je Rinpoche considerou as palavras de Manjushri, junto
com o corpo dos escritos de Chandrakirti como autênticos.
Os escritos de Je Rinpoche sobre a visão apresentada nas escrituras são difíceis
de compreender ou realizar durante seus estudos e contemplação porque são muito
profundos. Mesmo assim, se estudá-los detalhadamente, vezes seguidas, você vai
desenvolver insight da vacuidade através dos estudos, pois estes textos são
excepcionalmente profundos de muitas maneiras. Outros tratados não são tão profundos
e então você pode ganhar uma compreensão maior de suas obras do que de quaisquer
outros textos.
503
O Primeiro Ponto Chave: O Que Deve Ser Refutado
Isto está de acordo com as instruções sobre a ordem que esta prática deve ser
seguida. Nos níveis de Pequena e Média Capacidades devemos refutar visões como a
inexistência de causa e efeito. Depois refutamos o “eu” pessoal, e finalmente a ausência
de existência inerente dos fenômenos.
Não há diferença entre as inexistências inerentes tratadas na doutrina das duas
ausências de existência inerente. Mesmo assim, ensinarei primeiro a ausência de
existência inerente com relação a um objeto particular em questão: a pessoa. É mais
fácil determinar este tipo de ausência de existência inerente. Há também vários
argumentos sobre vacuidade a serem examinados: argumentos baseados na
interdependência mútua, o argumento que analisa os componentes de um carro de sete
maneiras, etc.84
Destes, o mais fácil para a compreensão dos principiantes é o argumento de que
o “eu” não é o mesmo nem é diferente [de sua base de imputação: os agregados]. Neste
ponto, Je Rinpoche e seus muitos seguidores discutem quatro pontos chaves deste
argumento.
O primeiro destes é determinar o que deve ser refutado. Em Guia do Caminho
dos Bodhisattvas encontramos:
84
Refere-se ao raciocínio de sete pontos de Chandrakirti. Este e outros meios para determinar a vacuidade estão descritos
em Meditação na Vacuidade, Jeffrey Hopkins (Wisdom, London, 1983).
504
Aquilo conhecido como “eu” é uma entidade cuja natureza não é o
resultado de nenhum outro fenômeno funcional. A ausência de
existência inerente é a sua não-existência.
Assim, o “eu” é considerado como algo distinto por si mesmo, pois não é o
resultado de outras condições. É também considerado como uma entidade autocontida,
pois é independente de qualquer outra coisa; e também não é o resultado de qualquer
outra coisa.
Estas palavras poderiam ser usadas em debate e serviriam para silenciar seus
oponentes, mas você não terá identificado o objeto de refutação até que o tenha
determinado através da experiência. Por exemplo, você não identificará um ladrão se
seguir só as descrições como “o ladrão é um homem” ou “ele estava vestido de
branco”. Portanto, não compreenderá este objeto pelas descrições de outra pessoa ou
através de imagens mentais vindas de meras palavras e termos. Você deve reconhecer o
objeto de refutação através de experiências pessoais, vívidas e cruas vindas em
conseqüência do processo analítico. Se não determinou o objeto de refutação, você
corre o risco de cair na armadilha de desmentir a interdependência mútua [dos
fenômenos], apesar de usar muitos argumentos que provam a sua ausência de existência
verdadeira. Por exemplo, a convenção de um pote lhe é inteiramente familiar. Assim,
pode dizer, “A boca do pote não é o pote. A base do pote não é o pote”, e assim por
diante, eliminando cada parte do pote e finalmente meditando incansavelmente na
vacuidade de simplesmente não conseguir mais encontrar o pote. Mas falta-lhe ainda a
precisão de refutar adequadamente o objeto de refutação sobre a base daquela
vacuidade particular, e então você só destrói a convencionalidade do pote, e cai em
total niilismo. Esta vacuidade que você imaginou está indo pelo caminho errado.
505
encontrada em pessoas que não se importam nem um pouco se o “eu” pode ser
estabelecido por sua natureza ou não. (3) A forma de agarrar-se ao “eu” encontrado em
pessoas cuja preocupação é estabelecer o “eu” pela sua própria natureza.
A segunda destas três modalidades é uma cognição mental válida que assume o
“eu” convencional. O seu objeto é meramente este tipo de “eu”, algo que existe
convencionalmente. É também certo que a causa-e-efeito opera neste “eu”
convencional.
A terceiro destes três tipos de agarrar-se ao “eu” é uma conscientização
equivocada e deve ser destruída por algum antídoto. É este aspecto do “eu” que é o
objeto a ser refutado nos diversos argumentos. Quando você se extravia levado pela
maneira como o “eu” surge instintivamente para você está se apegando ao “eu” --por
exemplo, quando sente, “Eu comi”.
Quando a mente está atuando de forma não-crítica, ela se satisfaz com um “eu”
que é uma mera imputação. Atos como ir ou sentar --como em “estou indo” ou “estou
sentado”-- são apenas rótulos. É assim que acomodamos as atividades [e, nosso sistema
filosófico]. Parte da maneira como o “eu” surge instintivamente a você é este pensar
que assume o “eu” convencional. Mesmo assim, esta aparência instintiva do “eu” não
se apresenta de uma forma precisa, que seja clara e que não é confundida com nenhum
outro objeto que esteja surgindo para você [na hora]. Você deve saber como distinguir
entre estas duas: a maneira como o “eu” é estabelecido como algo auto-contido por
natureza, e a maneira que o “eu” [convencional] surge.
Esta forma instintiva de agarrar-se ao “eu” é algo que sempre temos em nosso
contínuo-mental, mesmo quando estamos dormindo. Enquanto não encontrarmos certas
condições, não ficará claro como o “eu” surge para este tipo instintivo de apego. Mas o
“eu” se manifesta claramente quando há condições poderosas para você ficar feliz ou
triste -como quando você é elogiado ou criticado. Suponha que alguém lhe acuse de ser
ladrão, e isto o aborreça. Surge uma grande hostilidade dentro de você e você sente,
“Eu não sou culpado disto”. Você diz, “Esta foi a última gota!” Você não pode refutar a
acusação na hora e perde o controle. É claro que isto só reforça a acusação de ser um
ladrão. A base para você afirmar “Eu não sou culpado” são os seus sentimentos de “eu,
eu”. O “eu” surge vividamente do centro de seu coração, com toda a sua glória. É assim
que o objeto a ser refutado se apresenta a você. Sempre que este pensamento se
manifestar em qualquer circunstância, deixando-o satisfeito, com medo, feliz, ou triste,
e sempre que este apego instintivo se desenvolve fortemente, você deve examinar na
hora como isto surge para você.
Suponha que duas pessoas estejam viajando lado-a-lado na mesma estrada cada
uma vendo o seu companheiro pelo canto do olho. Isto ilustra o seguinte. Enquanto sua
mente continuar agindo instintivamente e enquanto o objeto a ser refutado se apresentar
a você, você deve examinar o modo instintivo de aparência deste objeto com uma
pequena parte de sua mente. Se esta mente examinando o modo de aparência do “eu”
for muito forte, você perderá a sua atenção em alguma parte do “eu” e esta parte não
ficará clara. Portanto, é vital examinar o “eu” usando a habilidade.
506
Neste processo, enquanto estiver observando exatamente como o “eu” surge
instintivamente para você, o “eu” pode se apresentar de muitas maneiras. Às vezes o
“eu” pode ser algo imputado no corpo, às vezes na mente. Isto não é a maneira
autêntica como o “eu” se apresenta ao agarrar-se instintivo ao “eu”. O corpo e a mente,
que são as bases de imputação, bem como a pessoa – os fenômenos imputados – tudo
se mescla num amplo conjunto. O “eu” auto-evidente parece simplesmente ser algo
mais do que uma idéia imputada a este conjunto. Ao contrário, parece ser algo
estabelecido como sendo auto-contido: uma unidade distinta em si. Se o “eu” parece ser
assim, você percebeu corretamente como o objeto a ser refutado surge para você. Uma
vez reconhecido, é fácil refutá-lo.
Este ponto-chave é sutil; é um erro levá-lo às vezes muito longe e às vezes não
levá-lo suficientemente longe. Se não identificar o objeto de refutação ele sempre se
apresentará a você, e ao tentar identificá-lo, ele ficará escondido no conjunto de corpo e
mente e você não conseguirá encontrá-lo. Se, por exemplo, você fosse até a beira de um
penhasco, poderia ter medo e pensar: “Eu posso cair”, e não “Meu corpo pode cair” ou
“Minha mente pode cair”. O corpo e a mente são inseparáveis, como uma mistura de
água e leite. O “eu” auto-evidente, que é o que pode cair no penhasco, surgirá acima da
mente e corpo. É isto que está acontecendo. Ao galopar em um cavalo, você não quer
dizer a mente ou corpo do cavalo quando diz “cavalo”. “Cavalo” é meramente um
nome imputado ao conjunto de ambos. Você apreende o cavalo como uma coisa auto-
evidente coberta pelo [termo] “cavalo”. Quando fala de Sera ou de Drepung, você não
faz distinção entre os prédios externos como os templos principais e os monges, etc,
que estão dentro deles. A base de imputação é a coletânea dos ambientes físicos destes
mosteiros junto com seus conteúdos. Sobre esta coletânea surgirá o objeto auto-
evidente e todo abrangente coberto com as palavras Sera ou Drepung. Novamente, é
isto que está acontecendo. Quando você fala com um estudioso, a base de imputação é
meramente o conjunto de sua mente e seu corpo. Mas o que se apresenta a você é algo
auto-evidente e independente de qualquer outra coisa.
Em suma, como disse Ketsang Jampelyang em sua Oração, qualquer fenômeno
será denominado “isto” ou “aquilo”. “Isto” ou “aquilo” sobrepõe completamente a base
de imputação e se apresenta como se existisse por direito próprio. Este é o objeto final
de refutação pela lógica. Ele foi descrito como “o objeto para onde você dirige o seu
apego à existência verdadeira”, ou como “o objeto de negação que se supõe
estabelecido como verdadeiro quando não reconhece que ele só parece ser verdadeiro”.
Quando você só reconhece parte do objeto de refutação, e incansavelmente usa os
vários argumentos diferentes encontrados nos clássicos Madhyamika, a sua análise só
será por meio de imagens mentais de segunda-mão de “ser estabelecido como algo
isolado ou verdadeiro”. Tudo só será palavras. Você não abalará seu apego à existência
verdadeira. Se não permitir que o objeto de refutação se apresente a você por si mesmo,
e meramente reativar o pensamento de “eu” pelo seu novo objeto de refutação que será
usado na análise, você só chegará a uma forma teórica da visão. O venerável Lozang
Choekyi Gyaltsen disse:
507
A forma como agora as coisas se apresentam a nós, seres comuns, não é
nada mais do que como o objeto a ser refutado através da lógica surgiria
para nós. Todas as consciências dentro dos contínuos-mentais dos seres
comuns foram afetadas pela ignorância; por isso, qualquer objeto que
surja para nós parece ser verdadeiro.
Ou seja, no momento, todos os fenômenos, qualquer coisa que surja para nós --
o “eu”, os agregados, Monte Meru.casas, etc.—tudo se apresenta a nós, seres comuns,
de maneira que sua aparência é uma mistura de aparência da verdade relativa e
verdadeira [existência]. Assim não temos como dividir as coisas em “as que parecem
existir verdadeiramente” e “as que não parecem existir verdadeiramente”. Tudo parece
existir verdadeiramente; então a maneira como tudo causa impressão na mente nos
surge, sem exceção, misturado com o objeto a ser refutado. Assim, a maneira como as
coisas surgem a nós é a maneira como o objeto de refutação surge, ou [se preferir] a
maneira como as coisas estabelecidas como sendo verdadeiras apareceriam. Deixemos
assim, porque é fútil buscar o objeto de refutação em algum outro lugar. Jangkya
Roelpe Dorje disse:
Ou seja, este é o grande perigo. Assim, é vital investigar inteiramente com uma
mente sutil e discernente. Faça isto junto com as condições externas corretas --as
instruções de seu guru-- e as internas corretas --como ter uma coletânea de méritos e ter
se purificado. Se for capaz de identificar corretamente o objeto de refutação,
argumentos como afirmações lógicas a respeito da originação interdependente
esmagarão a montanha de seu apego à existência verdadeira. O critério de se ter
identificado corretamente este objeto é que você realizará a vacuidade sem nenhuma
dificuldade.
Jangkya Roelpe Dorje disse:
508
Ou seja, você não precisa buscar em lugares longínquos para encontrar a
vacuidade; ela reside junto você, o que busca. Portanto, medite meses ou anos seguidos
na identificação do objeto a ser refutado!
Agora você deve ter clareza de como o objeto a ser refutado supostamente
exista. O significado de como o “eu” e os agregados poderiam ser estabelecidos como o
mesmo, é que eles não surgiriam para a mente como separados; eles seriam totalmente
inseparáveis, sendo necessariamente a mesma coisa. Estas razões os restringem a uma
entidade única. Mas, a maneira como surgem não está de acordo com a maneira como
supostamente existem --isto os tornaria falsos mesmo no nível relativo. Mas como
poderia acontecer isto quando algo é supostamente estabelecido como verdadeiro: a
forma como surge teria que corresponder com a maneira como existe.
Consequentemente, não teria sentido colocar um “eu”. Dizer “os agregados do eu” não
seria diferente de dizer “os agregados dos agregados” ou “o eu do eu”. Não faria
sentido fazer distinção entre “eu” e “agregados do eu”. Nagarjuna afirma em As Raízes
da Sabedoria:
509
Estes [agregados] seriam então o “eu”,
E o “eu” que você [alega] seria não-existente.
Em outras palavras, o erro deste argumento é que o “eu” seria inexistente, pois
seria supostamente aquilo que está afligindo os agregados, e algo distinto dos cinco
agregados-- aquilo com o que está afligido. Como se isto não bastasse, Engajando-se
no Caminho do Meio diz:
Isto é, tal argumento é absurdo, porque o receptor e aquilo que o aflige seriam
um. O corpo e o ser incorporado seriam um; os membros e a criatura com os membros
seriam um. Além do mais, se o ego e os agregados fossem um, então, como está dito
em Engajando-se no Caminho do Meio:
510
Ou seja, como os agregados são produzidos e depois cessam, o ego também
seria produzido e depois cessaria. Assim, como os agregados da forma tiveram
descontinuidade de passado e futuro, e neste sentido são produzidos e destruídos, o ego
também teria sua continuidade quebrada; e a conseqüência absurda seria que ele
também seria produzido e destruído.
Se o “eu” renascido em outros renascimentos e os agregados de cada
renascimento passado ou futuro fossem por natureza a mesma entidade, o “eu” dos
renascimentos passados e o “eu” deste atual renascimento seriam os mesmos ou
diferentes. Se estes “eu” fossem os mesmos, a pessoa teria que experimentar neste atual
renascimento todos os sofrimentos de terem sido mudos ou estúpidos em um
renascimento anterior como animal. Outra conseqüência é que o animal naquele
renascimento passado teria que experimentar a felicidade que é própria do ser humano.
Mas se o “eu” fosse naturalmente separado de seus outros renascimentos passados ou
futuros, então, Engajando-se no Caminho do Meio diz:
511
descartado?” Se fosse assim, estes absurdos resultariam: uma pessoa estabelecida por
sua natureza experimentaria os resultados do karma acumulado por outra pessoa,
também estabelecida por natureza. Isto eqüivale a encontrar algo para o qual o karma
necessário não foi cometido. E assim por diante.
Você determinou que o “eu” e os agregados não são verdadeiramente o mesmo
quando estiver convicto de que: O “eu” e os cinco agregados definitivamente não são
de forma alguma estabelecidos como sendo uma única coisa, algo que seria
estabelecido por sua natureza.
Agora que você está certo que eles não são o mesmo, deve sentir, “Tudo que
resta é o ‘eu’ e os agregados serem estabelecidos como separados por natureza”. Se
estes se mostrassem naturalmente separados, então como diz A Raiz da Sabedoria:
Isto é, o “eu” não teria produção, cessação, etc., que são característicos dos
fenômenos condicionados. Também, embora os agregados nasçam, envelheçam, ou
morram, o “eu” não renasceria, envelheceria, morreria e coisas assim. Qualquer coisa
que afete os agregados não iria ferir ou prejudicar o “eu” Estes e muitos outros
exemplos contradizem o bom senso. Há muitas outras contradições. Haveria ainda uma
sensação de um “eu” sem a sua base de agregados. O karma já cometido desapareceria.
Resultaria também o absurdo que já mencionei, de alguém encontrar algo para o qual
512
não cometeu o karma, e coisas assim.
O motivo deste processo determinar que o “eu” e os agregados não são
verdadeiramente diferentes é para você se convencer de que “Definitivamente, eles não
são estabelecidos como sendo separados por natureza.”
Assim, enquanto lembra de como aquele objeto, que você determinou como
sendo o objeto de refutação, surge para você, examine o objeto usando os argumentos
acima --que não é nem o mesmo e nem diferente dos agregados. A convicção que você
ganha, que refuta totalmente estes dois, está ilustrada como segue. Suponha que só uma
trilha ligue dois vales e você perdeu um touro. As simples palavras, “Não há touro
neste vale”, não o satisfaria, e você iria buscá-lo nos dois vales. O seu coração está
firme naquilo que está buscando, mas se não consegue encontrá-lo, surge dentro de si
uma sensação involuntária de que o touro nunca existiu.
O “eu” é o objeto de seu apego a um “eu” feito por um agarrar-se instintivo.
Mas você terá conseguido a visão Madhyamika a partir do momento em que sentir, “O
‘eu’ não é algo sólido que possa, por exemplo, ser visto com os olhos ou tocado com as
mãos”, ou quando o “eu” surge como sendo totalmente oco e você tem uma vívida
certeza de que ele não existe. Neste ponto os de inteligência afiada devido à sua grande
familiaridade com o assunto, sentem que descobriram algo precioso. Os de inteligência
embotada sentem medo porque de repente perderam algo que estimavam muito. Mas
isto não prejudica. Certa vez, enquanto Je Rinpoche dava um ensinamento sobre a visão
no Eremitério Sera Choedling, Sherab Senge percebeu a visão e ficou com medo,
agarrando-se na lapela de sua dongka [a camisa do monge]. Je Rinpoche compreendeu
o que havia acontecido e ficou feliz. “O rapaz de Nartang”, disse Je Rinpoche,
“descobriu a verdade relativa na sua lapela!” Há também a estória de Ngulchu Togme
Sangpo; quando ele dava um ensinamento sobre a visão, alguns de seus discípulos
ficaram aterrorizados.
Quando o “eu” se torna totalmente vazio talvez você tenha idéias de que “Isto é
vacuidade! Eu realizei a vacuidade!” Neste caso, o que está vindo à mente ou é uma
negação com maiores implicações ou é uma afirmação [direta], e você não deve se
deixar enganar. Se, ao contrário, você tiver certeza de que o “eu” – o objeto a ser
refutado – não existe, a sua compreensão deve ter dois aspectos. Ela deve ser inabalável
na certeza que o objeto de refutação não existe por natureza; e com relação ao que está
surgindo a você [na ocasião], deverá haver uma completa vacuidade que é a mera
negação de existir qualquer tipo de afirmação deste objeto de refutação como algo
verdadeiro. Retenha esta certeza sem esquecê-la e busque-a sempre. Se a sua retenção
desta certeza enfraquecer ou começar a perder a clareza pode ser necessário, ou não,
sair de suas absorções meditativas; em qualquer caso, retome a sua análise usando os
pontos chaves como havia feito anteriormente. Ao redescobrir esta certeza, aumente a
sua nitidez. Então entre em absorção uni-focada enquanto durar esta nitidez.
Enquanto estiver nesta absorção meditativa, uma vacuidade completa se
apresenta a você, semelhante ao espaço. Esta vacuidade é meramente a negação do
estabelecimento do objeto de refutação como sendo algo verdadeiro. É assim que se
513
busca esta absorção.
Neste ponto o “eu” convencional não surge para você, e você não consegue
encontrá-lo porque o processo do objeto de refutação, o ego, está sendo apagado. No
entanto, não tenha medo de cair na armadilha do niilismo; procurar pelo “eu”
convencional é desnecessário e um tanto fútil.
514
seguinte forma. Se o broto fosse estabelecido por sua natureza, ele não seria resultado
de outras coisas como causas e circunstâncias, nem seria algo assumido através de
rótulo. Teria que ser algo isolado. Mas o fato não é este. O broto cresce devido a um
conjunto de causas e condições: semente, água, esterco, calor, umidade, etc. Isto prova
que ele depende de outras coisas e que é resultado destas coisas: isto é algo que
efetivamente podemos observar. Assim, o broto é um exemplo de originação
interdependente. Tais argumentos e raciocínios a respeito da originação
interdependente refutam a visão extrema de que as coisas são estabelecidas por sua
natureza como sendo independente de qualquer outra coisa, ou como sendo auto-
contida. Esta refutação elimina uma das visões extremas do substancialismo – que as
coisas supostamente existem como aparentam. Assim, a originação interdependente
implica na vacuidade.
Se o broto fosse estabelecido por sua própria natureza, nenhuma causa ou
circunstância poderia alterá-lo de alguma forma: a natureza do broto não mudaria
obrigatoriamente. Mas, por não ser estabelecido por sua própria natureza, quando
passar do estágio de broto, eventualmente crescerá em uma planta madura que também
passará por outros estágios intervenientes.
A originação interdependente é capaz de acomodar todos os possíveis estágios
da planta que possa ter utilidade prática para humanos e animais. Isto o levará à
convicção de que a originação interdependente elimina o extremo de niilismo. Então,
está dito que a vacuidade em si significa originação interdependente. Pensamentos
nestes assuntos podem ser encontrados em O Sutra Solicitado por Anavatapta onde diz:
[Dirigindo-se a um oponente:]
515
[As suas] concepções não suportam exame minucioso
Assim, estes argumentos a respeito
Da originação interdependente
Rompem a rede das visões errôneas.
Isto tem duas seções: (1) verificando que os fenômenos condicionados não
existem naturalmente; (2) verificando que os fenômenos incondicionados não existem
naturalmente.
516
Você deve prontamente aplicar aos outros fenômenos a certeza que ganhou no
fato que, como vimos acima, uma pessoa não é estabelecida por sua própria natureza.
Num sutra está dito.:
517
nenhum dos dois, não poderá ser verdadeiramente existente. Por isso, potes, etc., não
podem ser estabelecidos como verdadeiros. Em suma, extrapolando o pote, todos os
fenômenos --isto é coisas físicas e assim por diante-- devem depender de suas bases de
imputação; e não podem existir como algo verdadeiro e auto-contido. Os Quatrocentos
Versos dizem:
518
tempo. Se fosse estabelecida como separada deles, o que resta depois da eliminação da
consciência da manhã e da consciência da noite seria a “sua consciência”. Mas, este
processo de eliminação não funciona, portanto sua consciência não é estabelecida como
verdadeiramente separada de sua consciência do passado ou do futuro.
Se sua consciência desta manhã e sua consciência desta noite fossem
estabelecidas como sendo verdadeiramente as mesmas, resultaria – já que as duas são
múltiplas – que sua consciência de hoje também é múltipla. E, como a consciência
desta manhã ocorreu pela manhã, seguiria que a consciência da noite também ocorreria
pela manhã. Além disso, a consciência da noite não ocorreu pela manhã, então segue-se
que a consciência de hoje não poderia ter ocorrido também pela manhã. E assim
sucessivamente. Logo, sua consciência não é estabelecida verdadeiramente como una
ou separada de seus componentes. Você deve trabalhar seguindo estas linhas para
ganhar convicção de que isto não existe verdadeiramente.
Se os três aspectos elementares da consciência [objeto, consciência, e ocupação
da consciência com o objeto] fossem estabelecidos como verdadeiramente uma e a
mesma coisa, haveria a conseqüência absurda de que o que foi feito e quem fez seriam
o mesmo. Se eles fossem estabelecidos como verdadeiramente separados, teríamos que
aceitar que pode haver um conhecedor sem nada a ser conhecido. ou que possa existir o
ato de conhecer sem que haja um conhecedor. Por causa destes e outros absurdos, os
três aspectos elementares da consciência não podem ser estabelecidos como coisas
distintas.
Uma “consciência” ou “inteligência” é algo construído sobre uma base de
imputação que é meramente um conjunto de coisas mutuamente inderdependentes,
como momentos passados e futuros que são os numerosos componentes da consciência.
Uma “consciência” é algo imputado pela cognição válida convencional. Somos capazes
de acomodar todas as atividades [mentais] do samsara e nirvana sem este tipo de
consciência.
Aqui, vamos lidar com o tempo. Um ano é estabelecido somente no sentido que
pareça ser um mero conjunto de doze meses. Mas, você deve determinar por si mesmo
que a maneira como o objeto a ser refutado surge para você é o oposto disto. O ano e
sua base de imputação --os doze meses-- não podem ser estabelecidos como uma e a
mesma coisa por natureza. Se eles fossem estabelecidas assim, seguiria que, assim
como a base de imputação existe como doze meses, devem também existir doze anos.
Uma outra conseqüência é que, como só há um ano, só haveria um mês. Eles podem ser
estabelecidos como sendo separados por natureza; mas, se eliminarmos os doze meses
não restaria nada que pudesse ser identificado como "o ano", e assim "ano" é só um
rótulo aplicado pela cognição válida à base de imputação: os doze meses. É meramente
algo verbal e é definitivamente algo estabelecido.
519
Verificando Que Os Fenômenos Incondicionais Não Existem Naturalmente
Em outras palavras, não é correto fazer isto. Até mesmo a vacuidade é dividida
em muitos componentes, que servem como base de imputação. Há muitos componentes
da vacuidade, e a vacuidade cobre toda uma gama de bases de vacuidade em particular
--não importa se estas bases sejam imensas ou pequenas. Através da análise você saberá
se estes componentes podem ser estabelecidos como os mesmos ou diferentes [com
relação àquela vacuidade], ou se um objeto em questão [como o pote] --isto é, a base de
uma vacuidade específica-- é estabelecido como independente [de sua vacuidade]. O
sutra afirma:
86
A cessação analítica só é conseguida durante os caminhos de Visão e Meditação, enquanto estiver em absorção
meditativa. Uma cessação não-analítica é quando algo não acontece ou não é produzido simplesmente porque todas as
causas necessárias não estão presentes.
520
Então, Como Se Desenvolve a Visão Especial
521
DIA VINTE E TRÊS
Kyabje Pabongka Rinpoche deu uma breve palestra para acertar a nossa motivação.
Ele citou Je Tsongkapa, o grande Dharmaraja:
522
mais do que os títulos deste tema.
Existem aqui dois títulos: (1) como adquirir os votos ainda não tem; (2) como
preservá-los da degeneração uma vez que os tenha adquirido.
523
realização, deixará em você um instinto para a bodhicitta. De qualquer forma, você
deve levar isto a sério. Quem faz o melhor possível para desenvolver as visualizações,
etc., amanhã e tomam os votos sinceramente receberão seus votos de bodhicitta de
seres karmicamente potentes. A bodhichitta que vão desenvolver passará de
fortalecimento a fortalecimento e se tornará muito firme. Há três tipos de cerimônias
para receber estes votos de bodhichitta. A mais breve não tem nenhuma parte
introdutória. A intermediária tem as seções preparatória e principal, mas as duas seções
são realizadas no mesmo dia. A forma mais longa tem um dia dedicado à preparação e
outro dia dedicado à seção principal. Aqui vamos seguir a última destes três tipos.
A prática é ensinar a parte comum do Lam-rim completo antes de dar os votos
de bodhicitta, quando estes estiverem sendo conferidos depois de quaisquer iniciações,
discursos, transmissões orais, e assim por diante que não forem precedidos por um
discurso do Lam-rim. Mas, este não é o caso aqui, e não há necessidade de acrescentar
mais nada ao que já falei detalhadamente [do Lam-rim]. Assim, posso dispensar
qualquer introdução longa. A pessoa conduzindo a cerimônia que concede os votos de
bodhichitta deve executar a cerimônia nessas maneiras diferentes, conforme esteja
sendo dada ou não junto com um discurso do Lam-rim.
Ele então explicou detalhadamente como arrumar os oferecimentos dos ritos
preparatórios da cerimônia de amanhã. E também falou brevemente como devemos
fazer uma quantidade de oferecimentos de mandala, fazer súplicas após os
oferecimentos de mandala, e acertar a nossa motivação na preparação. Depois ele
continuou.
Esta noite e amanhã, vocês devem dedicar o maior tempo possível revendo as
visualizações [que serão feitas durante a cerimônia]. Amanhã, convidaremos nossos
gurus, Os Vitoriosos e Seus Filhos, para testemunhar nosso desenvolvimento da
bodhichitta; então precisamos varrer o local e colocar os oferecimentos. Não seria
correto convidar um imperador universal à cabana de um pobre ou a um lugar sujo,
empoeirado e cheio de sujeira. Portanto, depois desta seção preparatória, é preciso
varrer bem a área , cuidando para não ferir insetos no chão, e coisas assim. Salpique
água perfumada para assentar a poeira, e espalhe flores no estrado. Enfeite, também, o
trono do mestre com flores e ornamentos preciosos. Atisha certa vez disse que os
oferecimentos dos tibetanos são inferiores e por isso não desenvolviam a bodhichitta.
Portanto, façam um oferecimento muito bom. Embora digam que se deve dar um sexto
de suas posses, você deve colocar tantos oferecimentos que possam surpreender seus
amigos.
Você deve construir sua acumulação de mérito, purificar obscurecimentos,
preservar-se de empecilhos, etc. para desenvolver a bodhichitta amanhã durante a
cerimônia principal. Amanhã de manhã vocês devem ler As Palavras Traduzidas de
Buda, ou se não for possível, leiam O Sutra Avatamsaka, etc.87 Não conseguiríamos
87
As Palavras Traduzidas de Buda são cento e oito volumes. O Sutra Avatamsaka são seis. Já que isto, obviamente, é
demais para alguém recitar, o método usual é grupos de pessoas lerem partes diferentes em voz alta ao mesmo tempo.
Assim, umas duas mil pessoas podem cobrir todos os volumes numa única manhã.
524
isto no tempo disponível, mas aqueles que conseguirem ler rápido podem ler Os Oito
Mil Versos do Sutra da Perfeição da Sabedoria, ou O Sutra do Éon Afortunado. No
começo da cerimônia principal devemos fazer um oferecimento de água e bolinhas de
farinha de cevada [aos fantasmas famintos] e dar um prato de bolo ritual desta farinha
com lamparinas de manteiga aos elementais.
As pessoas mundanas celebram os eventos desta vida com festas. Elas fazem
um grande evento no Ano Novo – que afinal só significa que as areias do tempo
escoaram um pouco mais. Então, porque não devemos nos alegrar? Vamos desenvolver
bodhicitta, entrar no Mahayana, e tornar um Filho dos Vitoriosos. Amanhã, usem as
suas melhores roupas. Quem for ordenado deve usar seus mantos de açafrão liso e de
brocado. Tomem um banho, usem roupas limpas, e cada um traga algo como um
oferecimento singelo para tomar os votos de bodhichitta. Isto você encontra na
biografia do Buda. No caminho até aqui, não pense neste local como um local comum.
Mas, visualize-o como um palácio de quatro-portais. Nestes quatro portais estão os
quatro maharajas dos quatro pontos cardinais, guardados por centenas de milhares de
vassalos e séquito. Tudo está cercado por deuses que sustentam a virtude. Eles também
estão presentes para receber os votos. Há murais nas quatro paredes do palácio
retratando os feitos de nosso Mestre em tempos idos quando ele era um Bodhisattva
trilhando o caminho. Visualize que estes fatos [nas paredes] estão realmente
acontecendo agora; ao vê-los, alegre-se e faça orações.
Amanhã, na segunda seção, depois que o guru se sentar, vocês devem acumular
mérito e purificar obscurecimentos, pois isto servirá de base para o seu
desenvolvimento da bodhichitta. Nós faremos a versão longa do rito preparatório.
Façam com seriedade a visualização usada para esta acumulação e auto-purificação.
Imaginem que o guru é realmente o Bhagavan Shakyamuni. Cada um de vocês deve
imaginar claramente a visualização seguindo a descrição de seu guru.
Em geral, a forma da bodhichitta de aspiração é o mero desejo de alcançar a
Budeidade pelo bem de todos os seres sencientes. A forma da bodhichitta atuante é o
desejo de treinar-se nas tarefas que seguem o desenvolvimento da bodhichitta. A
primeira é ilustrada como alguém planejando ir à Índia; a segunda, pelo homem que já
está com o pé na estrada. Há duas maneiras de fazer a cerimônia dos votos de
bodhichitta. Uma é receber as partes de aspiração e atuante separadamente. Isto vem de
Os Níveis de Bodhisattva [de Asanga]. O outra é receber as duas formas juntas, como
está no Guia do Caminho dos Bodhisattvas [de Shantideva]. Não faz diferença qual das
duas você faça, mas algumas pessoas dizem que uma segue o sistema Madhyamaka e a
outra supostamente segue o sistema Chittamatrin. Mas, a maneira como os dois
sistemas tratam o desenvolvimento da bodhichitta não são conflitantes. Minha própria
tradição sustenta que depois de receber o voto da bodhicitta em sua forma de aspiração;
você não é capaz de treinar-se nas tarefas de um Bodhisattva, você só pode desenvolver
a bodhicitta. Quando recebe os votos na forma atuante, tradicionalmente, você pode
fazer as duas coisas. Amanhã darei as formas de aspiração e a atuante juntas.
Depois, oferecemos mandala e recitamos A Oração do Lam-rim. Então, guiou-
525
nos três vezes pelo verso:
Depois recitamos uma vez “Possam todos os seres sencientes que já foram meus
pais serem felizes...”, seguido por “Possa a vida de meu glorioso guru não ser
ameaçada...” uma vez. Depois, concluímos a sessão do dia recitando “Todos os
Vitoriosos...”
526
DIA VINTE E QUATRO
A primeira parte do dia foi dedicada a leitura de sutras, dedicação dos bolos rituais,
etc. Abaixo segue o que ocorreu na segunda metade do dia.
Kyabje Pabongka Rinpoche sentou-se no trono. Então fizemos a versão longa dos
ritos preparatórios que incluía uma seção longa de oferecimentos externos e coisas
assim. Enquanto oferecíamos a mandala pedindo os votos de Bodhisattva, cada um de
nós segurava pequenos oferecimentos em nossa mão direita. Depois do oferecimento
de mandala, estes oferecimentos singelos foram passados pelos presentes e colocados
empilhados na frente do guru. Rinpoche citou Je Tsongkapa, o grande Dharmaraja dos
três reinos:
O desenvolvimento da bodhicitta
É a auto-estrada ao Veículo Supremo...
Depois veio a parte onde realmente tomamos os votos --as formas de bodhicitta de
aspiração e atuante. Ele repetiu os versos seguintes três vezes. No verso, primeiro
fazemos súplicas aos seres convidados e depois tomamos os votos:
527
Oh gurus, Vitoriosos e Seus Filhos!
Eu suplico, ouçam-me!
Assim como os Tathagatas dos tempos antigos
Desenvolveram o desejo de atingir a iluminação
E então progredir através do treinamentos do Bodhisattva,
Que eu, também, desenvolva a bodhichitta
Pelo bem dos seres sencientes
Que eu treine progressivamente
Nos treinamentos do Bodhisattva.
Isto foi seguido pelo verso que recitamos uma vez, para expressar a nossa felicidade
em tomar os votos:
Kyabje Rinpoche então leu alguns versos que falavam dos votos, e explicou seu
significado. Então, dirigiu-se a seus discípulos:
Então, Pabongka Rinpoche pegou o máximo que conseguiu dos objetos que havíamos
levado. Os atendentes do templo seguraram o resto. Ele continuou:
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Vocês todos devem sentir que estes oferecimentos são suas virtudes raízes na forma dos
oito signos auspiciosos, os sete signos de poder real, etc. Sinta que eles vão todos
pousar ao redor do Protetor Maitreya em Tushita, e que ele diz, “Estes méritos raízes
me agradam!” e ele reza por você.
Ele então nos guiou pelos dois versos seguintes, que recitamos três vezes:
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♦ Construa as suas acumulações para aumentar a bodhicitta que já desenvolveu.
Pratique o que puder, para que os meus ensinamentos não tenham sido em vão.
Assim como os comerciantes, etc., carregam seus cavalos e mulas, dentro da
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capacidade de carga destes animais. Cada um deve pelo menos praticar dentro de suas
limitações e capacidades, porque alguns possuem mentes mais excelentes, outros
menos, enquanto os demais possuem mentes inferiores. Mas, acima de tudo, faça da
bodhichitta a sua prática principal. Você deve buscar quaisquer outros temas de
meditação sabendo que eles vão ajudar a sua bodhicitta.
Primeiro você deve devotar-se corretamente a um guia espiritual e colocar em
prática as instruções que forem dadas por ele. Depois, desenvolva uma vontade de tirar
uma essência de seu ótimo renascimento humano. Se não tirar essa essência agora, é
certo de que após a morte – pois este renascimento não vai durar muito mais – você não
poderá escolher aonde vai renascer. Se renascer nos reinos inferiores, sofrerá de forma
intolerável. Então, busque um meio de livrar-se disto: os meios de evitar um
renascimento nos reinos inferiores. Mas, os reinos superiores também têm os seus
sofrimentos, e depois de um destes renascimentos, renascerá novamente nos reinos
inferiores. Contemple isto em detalhes e certamente vai querer se libertar da existência
cíclica. Mas não basta libertar-se sozinho porque todos os seres não são nada mais que
seus pais. Que ato mesquinho desertá-los! Então não basta que seja liberado sozinho do
samsara.
Assim, é apropriado entrar agora no caminho Mahayana, porque mais cedo ou
mais tarde terá de percorrê-lo. O único portal ao caminho Mahayana é o
desenvolvimento da Bodhichitta; então é preciso se esforçar muito em algum meio de
desenvolver isto. Se conseguir experimentar a bodhichitta espontânea, sem esforço,
então conseguirá suportar por longo tempo as dificuldades associadas com trabalhar
pelo bem dos demais seres sencientes. Mas, seria intolerável que enquanto estes seres,
suas mães, fossem torturados pelo sofrimento. Este é um tipo especial de bodhichitta e
fará com que queira entrar no caminho tântrico secreto, o supremo de todos os yanas
(caminhos). Então você receberá as quatro iniciações de um mestre vajra totalmente
qualificado para que você seja amadurecido. E assim, você realmente atingirá uma
aproximação da unificação, uma união de clara luz e corpo ilusório. Para amadurecer-se
ainda mais [e obter a unificação], você deve meditar no estágio de geração [e no estágio
de consumação]. Através destes, certamente alcançará o estado da unificação do Não-
mais-Aprendiz em sua curta vida nesta era degenerada.
Para alcançar isto, antes do próprio estágio de unificação, é preciso alcançar
uma aproximação da unificação, junto com os estágios puros e impuros do corpo
ilusório. Mas, para estar amadurecido o bastante para isto, você deve definitivamente
ter progredido totalmente nos níveis grosseiros do estágio de geração, e deve ter
antecedido isto com a obtenção das quatro iniciações puras que vão implantar em você
as sementes dos quatro kayas. Mas, para tornar-se um vaso excepcional ou um
candidato adequado a recebê-los, é preciso primeiro purificar o seu contínuo-mental
com a bodhichitta – uma parte do caminho que não compartilhamos [com o Hinayana].
Assim, você deve ter recebido as causas para esta bodhichitta: uma compaixão tamanha
que você não suporta que todos os seres sofram agonias e coisas assim. O terreno
principal para desenvolver a compaixão é a sua incapacidade de suportar os sofrimentos
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gerais e específicos do samsara que você mesmo terá de passar. Isto deve levá-lo a
renunciar ao samsara. Mas antes, deve ter desenvolvido medo e pavor dos sofrimentos
dos reinos inferiores. Como poderia desenvolver qualquer um destes sem antes ter
contemplado a lei de causa e efeito e a incerteza que enfrentará após a sua morte? Você
deve desenvolver estas coisas. A única causa, até mesmo para pensar em começar um
caminho como este é contemplar a dificuldade de conseguir um perfeito renascimento
humano, algo totalmente significativo. E para desenvolver todas estas coisas, você deve
devotar-se corretamente, em pensamentos e atos, ao virtuoso amigo espiritual.
Assim, não se alcança logo os níveis mais altos. É preciso treinar a mente
estudando os passos [do caminho], começando com a devoção ao guia espiritual.
“Estudar os passos do caminho”, significa estudar um tópico de meditação por algum
tempo, e você fica encorajado e sente, “Eu desenvolvi a realização em meu contínuo-
mental”. Então, trabalhe seu caminho através destes tópicos. Comece no ponto de
partida do Lam-rim – a correta devoção ao guia espiritual. Tente desenvolver a
percepção em cada tópico de meditação. Isto feito, treine-se mais através da meditação
retrospectiva. Mas tente desenvolver a percepção treinando-se em qualquer tópico que
ainda não tenha conseguido dominar. Nesta vida encontramos estes ensinamentos
imaculados, do sutra e do tantra, que são livres de erros. Com tal oportunidade, seria
uma lástima não desenvolver pelo menos um instinto para os tantras secretos! Porque
não conseguiria a meditação retrospectiva nos estágios de geração e consumação [do
tantra de uma] deidade tutelar como Guhyasamaja, Heruka ou Yamantaka? Seja alguém
que faz meditações retrospectivas em todos os ensinamentos! Isto integra a prática.
Se conseguiu desenvolver a percepção produzida nos tópicos da bodhicitta,
você deve então voltar novamente ao início; agora conseguirá percepções espontâneas e
sem esforço em cada um destes tópicos. Esta forma de trabalhar o caminho é como
viajar por uma rua mais de uma vez na mesma direção. Primeiro desenvolva a
percepção do tópico que leva à bodhichitta e depois, em acréscimo, esforce-se nos
estágios do caminho dos tantras secretos. Se fizer isto, desenvolverá extraordinárias
realizações em seu contínuo-mental. Esta afirmação é encontrada nos tantras e obras-
primas dos grandes adeptos. E assim como Ensapa, O Vitorioso, e seus seguidores, em
breve você também conseguirá manifestar o estado de Vajradhara, a unificação, durante
a sua curta vida nestes tempos degenerados.
Agora, devemos rezar para que possamos guiar todos os seis tipos de seres, que
são vastos como o espaço ilimitado, ao estado incomparável da Budeidade, e que
possamos pacificar seus sofrimentos individuais, e por esta razão desenvolvemos a
bodhichitta e nos engajamos nas incomparáveis tarefas dos Filhos dos Vitoriosos.
Assim, vamos recitar a oração final de Guia do Caminho dos Bodhisattvas. Esta não
era a prática de meu próprio precioso guru, mas parece ser algo que vem sendo feito
pelos últimos ocupantes do trono de Ganden e seus seguidores. Isto é motivo suficiente
para reavivar a prática. Peço que recitem estes versos sem nenhuma distração.
Ele então nos guiou na oração de dedicação da grande obra Guia do
Caminho dos Bodhisattvas. Nós oferecemos uma mandala de agradecimento por ter
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recebido os ensinamentos, e fizemos outras preces, versos auspiciosos, etc. Isto segue a
tradição Lam-rim, a essência de toda a doutrina. Quanta bondade dele em exaurir
totalmente a nossa enorme ignorância a respeito dos três reinos. Esta bondade
permanecerá até o fim dos tempos!
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