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Depósito nº : 0032305/08
2
ainda rebelde o cabelo
sempre viva a esperança
no futuro
3
voo
lancei-me há segundos
sinto a testa fresca
vertiginosos os andares passam
decrescem
sexto quinto quarto
imagino cabelos que se agitam
fustigando-me
no quinto
a memória da meninice
meus olhos incrédulos
de criança
o chão
(2005)
4
Andaluzia
5
mass production
(1999)
6
Nunca
7
sine die
onde estás?
quem te rodeia?
longas filas de velas
ocultam caras de mulheres
que dizem orações
mas não as sentem
8
na dúvida
na minha cabeça
não mais que um esboço
quando te iniciei
eras só olhos
com expressão incrédula
fixavas algo à tua direita
com igual dúvida
desenhei a tua boca
estava lançado o rosto
teu nariz
surgiu
tu própria te penteaste
só tive que te seguir
9
vejo a meta
voltei ao agora
e como música de fundo
só ouço cantatas
10
medir alegria
11
repouso no fundo do mar
maldito tempo
de encontro
em que fins flutuam
e se afastam
de nós
12
bendita âncora
e alga
a meia altura
de um oceano profundo
e ânfora
como as que sei foram
encontradas
em Tróia
portuguesa ou entalada na Ásia
e o fundo
o coral das nossas vidas
cor de sonho
rigidez de realidade
arranhando o que temos de
antigo
de modernidade
13
deixa-me repousar no leito
do mar
a ver navios afundar
a deitarem-se
comigo
eu que
fui navegador
de tanto ouvir falar nos
avós
portugueses
descanso bem fundo
bem guerreiro
por obrigação marinheiro
náufrago por vocação
(2000)
14
Mar
somos o Mar
mas também as gentes das serranias
que um dia
rumaram à praia
portugueses de queijos de ovelha
ou cabra
azeite vinho
e sal
emprestado pelo Mar
(2007)
15
ópera alemã no ouvido lusitano
outros bárbaros
os saxónicos
viriam em tempo próprio
cantar o ouro do nibelungo
o nosso ouvido lusitano
decifra regatos percebe brisas
bebe os sons da água
mas não compreende o canto
da valquíria.
(2005)
16
adivinhar na madrugada
andar às escuras
pela casa
adivinhar antes de
sentir que ainda é
momentos únicos
onde posso garantir
o futuro no gesto
o passado em mim
o presente
roça
de mansinho
(2007)
17
passado
18
dono de café
o dono do café
faz contas
e eu, do meu canto,
vejo. penso. ausento-me.
vôo
é dono de café,
podia ser
presidente da Rússia
(1995)
19
quadros da minha exposição
20
retratos de feira dos setenta
entre barraquinhas com galos de Barcelos
de muitas regiões
três gravuras junto à janela
tinta esmaecida pelos tempos
meu olhar errante detém-se
na escrita dos amantes
que combinam encontros
em secretismo de códigos
a dois cifrados
nos desígnios dos sinais
ele de farda a dizer
sempre te respeitarei
ela de vestido afirmando
para ti
sempre serei bela
(2007)
21
vida vivida
22
PÃ
pareceu-me entrever Pã
estava calmo – olhava o passar da romaria
mas vigiava os guardadores de rebanhos
23
a saudade
24
poeira dos caminhos
25
foto
se a estrutura mudar
e tu ficares a nu
a ambição volta ao formato
reduzido
e tu voltas a ser tu
(1984)
26
é triste
27
vivência
28
touro triste
manhã de neblina
a dos animais inquietos
nos olhares que se cruzam
na mistura de ar e poeira
o raspar dos cascos
reforça o clima
de tensão
na sombra do perigo
morava o desconhecido
de inovador nada se espera
perto do final
a velha lição de sempre
o tormento de uns tantos
para divertimento de alguns
(2007)
29
lugares
30
tua terra
quem sabe
das saudades salpicadas
de poesia
do desenho dessa nostalgia
derramada na ternura
pelas imagens
do príncipe encantado
que um dia
sob o manto das folhas
já amarelecidas
ressurgirá?
quem conhece
as ruínas pejadas
de histórias
que desvendam
ao longe, entre os
penhascos imponentes
ocultos por
altivas árvores,
o rasto das mulheres
que aí passam
em atávicas cumplicidades
de mães e filhas?
31
ninguém duvida,
os ancestrais segredos
e mistérios
dessa tua terra do interior
só alguns
os podem desvelar
mas
tudo o que antes
só por ti era sentido
fica doravante
entre nós.
(2007)
32
AUTO-RETRATO
em petiz falava
falava
a franja na testa
a cara redonda
na fase de borbulhas
bem espigado já era
se disser magro
poucos acreditam
33
tudo se passou entre
a Lisboa do meu berço
e a longínqua África
de muita selva
esqueço maquinarias
no papel começo a ver
minhas letras gatinhar
voltear
34
dia em que te conheci
35
baloiço
36
nostalgia
a nostalgia do passado
ornamentada de pétalas
em suspensão
que gravitando transmitem
embriagantes odores cristalinos
para o presente não amargar
37
perdi-me
encontrei-me na distância
duns seios minhas colinas
no dorso que me conduz
ao desenho da garupa desejada
no deslizar do corpo de mulher serpente
no rosto sofrido
nas nádegas e na silhueta
nos peitos apertados
no todo que de ti anseio.
(2007)
38
olhar os vidros
mas ilumina-se:
passou o louro de teus cabelos
a dor boa
e a espera
torna-se ritual
com deusa
em altar de vidro
(1995)
39
sentir
40
LUA CHEIA
No vagão do leito
de manhã meia,
tudo é sereno.
Parece sol,
é lua cheia.
No rio deslizante
na manhã meia,
o barco é pequeno.
Vê-se o farol
é lua cheia.
Na minha mente,
em manhã meia,
repouso ameno.
O farol é sol
a lua cheia, cheia.
(1986)
41
queda
42
auto-retrato
enfrentar a câmara
que nos lê o pensamento
pode ser salvação
esgotado na paciência
para grandes projectos
todo o tempo disponível
para os pequenos interesses
43
come chocolates, pequena
o Mestre determina
que não possa fazer outra que
seguir o Mestre
não no detalhe
não na cópia ou imitação
mas
na linha mestra
(1995)
44
ausência
levantas as narinas
aspiras os ares – os outros
olhos fechados num transe prolongado
haverá momento de maior concentração?
há algum sofrimento no exercício
justificado pela grande presença
da tua ausência
(2007)
45
na Gulbenkian
palavras
para quê
Arménia
Paris
a guerra que ninguém quis
Lisboa
arcos de cidade velha
óleo
e também Iraque
e a arte
de guardar bens
suas filhas
colecção com coração
oriente
arte nova
que outros amores não teria
pelo muito não exposto
planos de fundo
jardins
fundação
sem pilares
Lisboa outra vez
com o Tejo
por toda a parte
rio a escorrer arte
(1991)
46
quando me fiz ao mar
47
time goes by
Era um tempo de
contacto
com os instrumentos
musicais
e para nós
eram reais.
Veio o tempo do som
em gravação
e ganhou-se
a ilusão
do fácil, do acessível.
Estava por vir o tempo
da imagem em casa.
Vejo-te na tv
que incrível estás!
(1990)
48
depois de 93/94
49
nexo
o bom
muitas vezes
é gravado sem fita
internet moscovita
perdoa-me
termino sem
nexo nexo nexo
(1995)
50
sem mim
estás decidida?
acreditas saber o caminho para Sonho?
ingénua… ou tonta, como sempre te chamava,
como podes tu passar,
neste vale de lágrimas em forma de cidade,
sem mim?
(2007)
51
Ribas de Cima
Os destinos traçados
mirandês em prosa
os anjos como mote
a Lua comum
o tempo que se esvai.
Beijos trocados
uma certeza teimosa
algo que não se note
versos mais nenhum
preparação para quem sai.
Planos alterados
doçura venenosa
o mistério do decote
punhal no meu jejum
e acabar sem dizer ai.
(1995)
52
salvação
53
já eras tu
serve-me de consolo
saber-te do meu voo
o ar
e que sem ele
cairei
e romperei as asas coloridas
do desejo
nas escarpas em abismo
da descida
no pensamento
alma posta a nu
reconheço
que antes
já eras tu
(2007)
54
tecnologia
mas
que força me transmite
o sentir
que mesmo quando trabalho números
prosas cruas, comerciais,
debaixo dos meus dedos,
num interior de circuitos-veias-
-magnéticas
tenho a minha poesia plantada
num canteiro
disco rígido com memória
de mundo inteiro
estilhaça-se
o vidro fronteira com o passado
autorizo-me então
a continuar a amar caneta e
cheiro a tinta
acariciando teclados portáteis
(1994)
55
recusa
56
transportado
57
batalha naval
cheguei a sentir
o perfurar da tua blindagem
mas tua submissão
foi miragem
explodiste em crateras de negro
ressurgiste para não me dares sossego
no mar de destroços inventado
por algum tempo objectos flutuaram
o resto do casco salva-vidas
coisas importantes esquecidas
58
o sol põe-se
os vermelhos raios recebem
cinzentos fumos que assinalam
o naufrágio da criança-esperança
o emergir do homem-vazio
59
tem cuidado
tem cuidado
quando te sentares
em banco desconhecido
da anónima companhia
podem vir perfumes
entre o estranho
e o adocicado
pode ainda acontecer
todo o dia os recordares
pensando
porque não está
quem deve estar
comigo?
(2007)
60
o segredo
mergulhar na mente
procurar nos livros
ver nas gravuras
mais do que lá está
não deixar baixar as rotações
inventar a roda
esquecer para aprender
de novo e para sempre
o que podemos desejar
de melhor
para um ano novo?
mantermo-nos vivos
uns pelos outros
(2 008)
61
directo
62
tenho uma máquina
faltam-me nela
todos os versos que não li
antes de saber que existia
transformei
a fria copiadora
em meu altar de descrente
(2001)
63
varanda
64
no país dos fragmentos
venho de longe
da fusão do verde com o cinzento
ao caminhar
descubro o céu azul e branco
dádiva e esplendor não esperados
65
liberdade
os portugueses
os da minha língua
se nos deixarem voar
mais alto e melhor
66
Romanov
contrariado
gostava de ser outro
não posso
os antepassados pesam sobre mim
queria ser lavrador
escritor ou contador de histórias
67
DOURO-D’OURO
o cheiro a madeira
que queimam
vem de longe
outra margem
casamento perfeito
odores, luz, calma,
leve aragem.
não estamos
no princípio
nem no fim,
mas
que este meio
do mundo
se mantenha
assim.
(2008)
68
eclusa
quando decidiste
abrir a eclusa
da tua emoção
as águas
do teu amor
com teus cheiros
correram para foz
onde eu te esperava
(2001)
69
troca
70
ortodoxo
71
poema de amor
ao ler
deves sentir que
esta fúria de paixão
desejo estertor rendição
tem como endereço
teu corpo mente
coração
e que sou eu
o remetente
(2008)
72
dimensão
sou pássaro
que de propósito
se deixa cair da árvore
volto à árvore
num esforço de bater de asas
ressuscito
73
aniversário
no fim de semana
quero sentir
o fim do mundo
tomar decisões
decretar inferno
praticar ressurreição
viver antes
ser feliz depois
viajar entre pausas
devorar a náusea
rever Instambul
numa Madragoa
endereçar meus olhos
destino Lisboa
(1994)
74
CHIADO
de súbito, na mente
nas ideias,
um circuito se acende,
vira área iluminada,
faz correr o fluxo da criação,
encontra a solução
sempre esperada
revista, ensaiada
em cidades e aldeias
75
para entregar a quem passa
manifesto
próprio dos nossos dias
a entregar em mão
(talvez até mesmo tocando
a mão)
e em simultâneo
lançar um olhar desfocado
aos de agora e aos vindouros
reclamando
não digo justiça
que não sei o que é
mas compreensão para tudo
menos para o que se vai vivendo
– a sem esperança manifesta
( 2008)
76
habitação ocupada
77
a dança
78
baloiçar-te
79
febre
quando me assalta
é boa
faz-me sentir na ribalta
Berlim
ou
Lisboa
80
estrada marginal
(2002)
81
universos paralelos
82
não consigo
83
da física dos velhos
distância
um conceito físico
moeda com seus dois lados
grandeza mensurável
a falta que me fazes
tempo
o dia e a noite
aquele que passo contigo
o da tua ausência
densidade
leveza do ser
dizem insustentável
o ar pesado
quando não estás
calor
no vapor da chaleira
já o sabor do meu chá
teus olhos castanhos
são a suave manta
sobre os meus joelhos
(2008)
84
sei como
sei como aguçar a tua lucidez
mas tenho medo de o fazer
é que tu
lúcida
vais sofrer mais
85
roleta
os amigos
começam a partir
ficam fotos
pensamentos
a roleta
determina
com grande
imprecisão
o fim dos nossos
tormentos
(1996)
86
da janela da cozinha
na estranha sensação
de não ter visto nada antes
senti uma nova religião
agora o céu
água profunda
árvores e arbustos
banco de coral
não se via ninguém
esvoaçou o mensageiro
da ideia
pássaro negro
com destino marcado
criado estava um novo credo
e eu seu primeiro adorador
87
Serralves ― a história
na abertura de um portão
já estamos noutro mundo
falo do lado da casa
do museu nem o projecto
88
ao longe
quando te olho
as palavras dentro da cabeça
silenciam os lábios por pasmo
o meu ser é um sol nascente onde
todo o bosque celebra um só pássaro
a tranquilidade que se segue
depois do êxtase
acelera a queda no poente
89
4 voo
5 Andaluzia
6 mass production
7 Nunca
8 sine die
9 na dúvida
10 vejo a meta
11 medir alegria
12 repouso no fundo do mar
15 Mar
16 Ópera alemã no ouvido lusitano
17 adivinhar na madrugada
18 passado
19 dono de café
20 quadros da minha exposição
22 vida vivida
23 Pã
24 a saudade
25 poeira dos caminhos
26 foto
27 é triste
28 vivência
29 touro triste
30 lugares
31 tua terra
33 AUTO-RETRATO
35 dia em que te conheci
36 baloiço
37 nostalgia
38 perdi-me
39 olhar os vidros
40 sentir
41 LUA CHEIA
42 queda
43 auto-retrato
44 come chocolates, pequena
45 ausência
46 na Gulbenkian
47 quando me fiz ao mar
90
48 time goes by
49 depois de 93/94
50 nexo
51 sem mim
52 Ribas de Cima
53 salvação
54 já eras tu
55 tecnologia
56 recusa
57 transportado
58 batalha naval
60 tem cuidado
61 o segredo
62 directo
63 tenho uma máquina
64 varanda
65 no país dos fragmentos
66 liberdade
67 Romanov
68 DOURO-D’OURO
69 eclusa
70 troca
71 ortodoxo
72 poema de amor
73 dimensão
74 aniversário
75 CHIADO
76 para entregar a quem passa
77 habitação ocupada
78 a dança
79 baloiçar-te
80 febre
81 estrada marginal
82 universos paralelos
83 não consigo
84 da física dos velhos
85 sei como
86 roleta
87 da janela da cozinha
88 Serralves – a história
89 ao longe
91
chinesa do norte-produções
Maio de 2008. Lisboa
92