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fatos referentes ao mundo do trabalho podem ser pensados com a psicanálise. Tal como
Freud nos ensinou, tentaremos, através da teoria ficcionada1 a partir da clínica, fazer
uma leitura que nos posicione nas questões problematizadas neste estudo.
A clínica inegavelmente constituiu para Freud a bússola de seu percurso
teórico e metodológico. Na medida que se tenta investigar mais a fundo certos conceitos
psicanalíticos, outros vão aparecendo e tornando obrigatória sua referência. Isso
também pode ser entendido pelo fato de que o mestre vienense foi reformulando seus
procedimentos e teorias na proporção em que as dificuldades da clínica se
apresentavam. Essa reavaliação conceitual e metodológica foi sendo muito útil e abriu
caminho para novas descobertas. Assim, à maneira como Freud ia reformulando sua
teoria sobre o sintoma, sua prática também sofria conseqüências.
O abandono da hipnose tal como era praticada, não pode ser considerada
como um evento histórico ao acaso. A mudança do método catártico para o uso da
pressão na testa do paciente induzindo-o a lembrar de experiências anteriores deve ser
atrelada aos primeiros indícios daquilo que se constituiu como o conceito de
transferência e permitiu o surgimento do método da associação livre. Ao mesmo tempo
que essa mudança abre as portas para novas descobertas, obedece às influências dos
fenômenos sexuais encontrados na clínica das neuroses (cf. Freud, 1925 [1924]). É
desta forma que Freud abandona o hipnotismo: tentando lidar também com os
fenômenos transferenciais e com os conflitos psíquicos que descobrira jacentes nos
sintomas de seus pacientes.
Cabe ainda notar que todo esse desenvolvimento relativo às neuroses faz
com que o caminho freudiano distancie-se das concepções que fundamentavam os
sintomas em algum tipo de deficiência ou “fraqueza de constituição” (Freud, 1925
[1924], p. 44). A hipótese de que os sintomas formavam-se devido a um mecanismo de
defesa primário pautado em um conflito ia também além da opinião de Breuer e seus
estados hipnóides. Vê-se, portanto, que o surgimento do que seria a teoria do recalque
arrasta consigo uma mudança significativa em relação à forma como eram entendidos os
sintomas neuróticos e a sua etiologia. Pois, desde então, os sintomas passam a
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A idéia de que a metapsicologia freudiana constitui-se como um ficcionamento teórico pode ser
encontrada no livro de Paul-Laurent Assoun (1996) intitulado Metapsicologia Freudiana: uma
introdução.
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Num livro sobre a interpretação dos sonhos em que estou agora trabalhando,
terei a oportunidade de tocar nesses elementos fundamentais para uma
psicologia das neuroses, pois os sonhos pertencem ao mesmo conjunto de
estruturas psicopatológicas que as ideés fixes histéricas, as obsessões e os
delírios.
Essa longa citação permite claramente a percepção de que Freud não tinha
em mente apenas os sintomas e os sonhos como atividades psíquicas que permitiam o
acesso àquilo que ele chamou de inconsciente. A prova disso é que seu livro conhecido
como Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana é datado de 1901, ou seja, ano seguinte
ao livro sobre os sonhos, e naquele explicita que os atos falhos e atos casuais têm pontos
essenciais de conformidade com o mecanismo de formação onírica. (Freud, 1901, p.
239).
Um dos elementos principais a ser destacado como um fio condutor que liga
os sintomas, os sonhos, os atos falhos e os chistes é a crença de Freud na existência do
determinismo psíquico. Para ele não havia nada de arbitrário na vida psíquica dos
indivíduos. Nem nos sonhos, nem nas distorções envolvidas em seus relatos, como
também na forma como os sintomas e atos falhos surgem sem uma justificativa
plausível. Em 1909 (1910 [1909], p. 29), o autor testemunha sua opinião:
***
Nem sempre a tarefa de escutar seus pacientes se mostrou tarefa fácil de ser
empreendida. As dificuldades encontradas no prosseguimento do trabalho analítico
foram denominadas por Freud de resistência e mereceram uma atenção especial (cf.
Freud, 1900, p. 475). Ao reconhecer a importância dessas resistências ao tratamento,
Freud dedica especial atenção ao esquecimento dos sonhos. Para ele, esses
esquecimentos servem aos propósitos da resistência e têm a mesma estrutura de outros
processos anímicos. Continua um alinhamento dos processos oníricos com outros
relativos às diversas manifestações humanas: “... os sonhos não são mais esquecidos do
que outros atos mentais e podem ser comparados, sem nenhuma desvantagem, com
outras funções mentais, no que concerne a sua retenção na memória”. (Id., ibid., p. 479).
Conceber que tanto os sintomas quanto os sonhos se estruturam de forma
análoga também leva o mestre vienense a reconhecer que sintomas atuais ou aqueles
que há muito já desapareceram podem ser tratados da mesma forma. O modo de abordá-
los, sendo sempre através do relato e da fala, atualiza sempre os conteúdos implicados
em cada uma dessas manifestações da vida anímica. Entretanto, considera ainda que
aqueles mais primitivos são ainda mais fáceis de se interpretar, visto que a resistência
psíquica em relação a eles diminuiu devido à distância do conflito jacente. Aqui,
inclusive podemos verificar a questão sobre o tempo e a temporalidade do inconsciente,
pois tanto os eventos antigos quanto os atuais são levados em consideração da mesma
forma, o que implica em dizer que, para a psicanálise, os elementos anímicos são
considerados atemporais.
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suas representações. Esta censura, por sua vez, parte do sistema pré-consciente e é
responsável por aquilo que Freud chama de recalque.
A explicação para o fato de que certas representações apresentam-se nos
sonhos e nas alucinações como percepções é de que a energia que ia em direção à
descarga no polo motor sofre uma regressão para o polo perceptivo. “Falamos em
“regressão” quando, num sonho, uma representação é transformada na imagem
sensorial de que originalmente derivou.” (Id., ibid.,p. 497).
Embora seja em 1915 (1915a) que Freud formaliza a metapsicologia como
artefato teórico da psicanálise e que leva em consideração o aparelho anímico nos
pontos de vista econômico, tópico e dinâmico, é no livro de 1900 que percebemos com
clareza grande parte dessa teorização. Além desse mapa, anteriormente citado, as
relações entre as diversas representações no aparelho e a regressão demonstram a
dinâmica psíquica que, por sua vez, está em dependência dos investimentos (catexias) e
desinvestimentos de energia psíquica. A explicação da regressão e do recalque obriga
Freud a se utilizar desses três pontos de vista para que eles possam se tornar coerentes e
lógicos com a prática clínica.
A temática da regressão que acontece em diversas manifestações mentais —
principalmente nas oníricas — tem ainda implicações mais profundas. Leva Freud não
só aos caminhos da infância, mas também já o orienta para questões que dizem respeito
ao passado mesmo da humanidade. Quanto a esse argumento, voltaremos a aprofundá-
lo.
No que concerne à infância podemos citar:
Desse ponto de vista, o sonho poderia ser descrito como substituto de uma
cena infantil modificada por transferir-se para uma experiência recente. A
cena infantil é incapaz de promover sua própria revivescência e tem de se
contentar em retornar como sonho. (FREUD,1900, p. 500).
Cabe ainda a pergunta: por que a regressão acontece? O autor explica que
ela se produz devido à resistência psíquica a certos conteúdos que são impedidos de
chegarem à consciência pela via normal. Ademais, há uma atração exercida por outros
pensamentos que também foram afastados da consciência e mantém alguma ligação
associativa com os primeiros. Dito de outra forma, o impulso que se dirige à descarga
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Outra forma de dizer esses fenômenos é que se põe de lado tudo aquilo que
possa trazer desprazer para o indivíduo. Façamos portanto algumas considerações ao
que se pode entender sobre prazer e desprazer para Freud.
Como foi dito anteriormente, o aparelho psíquico está construído sobre o
modelo do arco reflexo. Este aponta também para aquilo que Freud chamou de princípio
de constância. Tende-se a manter equilibrado todo o sistema anímico do indivíduo, ou
seja, toda estimulação tende a ser descarregada. Apoiando-se num postulado de natureza
biológica, para Freud (1915b, p. 140), “...o sistema nervoso é um aparelho que tem por
função livrar-se dos estímulos que lhe chegam, ou reduzi-los ao nível mais baixo
possível; ao que, caso isso fosse viável, se manteria numa condição inteiramente não-
estimulada.”
Seguindo esta linha de pensamento, é entendido como prazer todo tipo de
descarga da tensão existente no aparelho psíquico. Por sua vez, todo aumento dessa
tensão, seja provocada por fontes internas ou externas, é sentido como desprazer. Assim,
obedecendo a este princípio que aponta para a descarga das tensões e, portanto, para a
produção de prazer psíquico, o inconsciente e suas leis de funcionamento obedecem ao
que é conhecido na psicanálise como princípio de prazer (cf. Freud, 1900; 1911; 1915a).
Em contraposição a essa tendência constante que leva a alma a buscar sempre essas
satisfações, a realidade mostra a impossibilidade de tal tarefa. Esse fato é o que
possibilita ao sujeito introjetar outro princípio que o orienta para a auto-preservação: o
princípio de realidade. Este fica do lado da censura psíquica e é de onde provém os
impulsos contrários aos que se mostram mais antigos e arraigados. O conflito anímico
está também diretamente relacionado com a oposição entre o princípio de prazer e o
princípio de realidade.
Esta luta para manter afastados os impulsos que possam ferir o princípio de
realidade e, assim, provocar alguma experiência desagradável, que aumente ainda mais
o nível de tensão psíquica, é chamada de recalque ou recalcamento. Começamos a nos
aproximar também do conceito de pulsão, que para o edifício metapsicológico ocupa
um lugar estrutural. Em outros termos, podemos dizer que este processo pode ser
encarado como uma resistência que tenta deixar a pulsão inoperante (cf. Freud, 1915c).
Consoante com as palavras do mestre vienense (ibid., p. 170), podemos dizer que “a
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constitua aquilo que Lacan chamará de sujeito do inconsciente. Daí Freud denominá-las
como fantasias originárias, pois é seguindo esse modelo que as diversas manifestações
sintomáticas vão se estruturar. (Cf. Chemama, 1995).
Até então essa repetição, tal como estava sendo considerada, não
apresentava dificuldades teóricas nem qualquer tipo de desconcerto em relação aos
demais elementos da doutrina psicanalítica. Concebida desta maneira, a repetição tinha
o caráter de atos sintomáticos, obedeciam ao princípio de prazer e denunciavam uma
satisfação pulsional substitutiva que poderia adquirir um sentido mediante o
procedimento analítico. Não obstante, a clínica levou Freud para uma caminho mais
desconsertante, impondo limites aos seus intentos terapêuticos e teóricos.
Foi deparando-se com o que era conhecido como neuroses traumáticas e
com brincadeiras infantis que o primeiro psicanalista da história teve que aprofundar a
discussão acerca dessa compulsão à repetição e rever sua teoria das pulsões que
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Respeitamos aqui a tradução da Edição Standard brasileira das Obras completas de Sigmund Freud.
Devido aos erros de tradução do termo trieb, consideramos, aqui, a palavra instinto como o conceito de
pulsão.
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anterior de coisas aponta para o resultado final da vida, ou seja, após a instauração
desta, é só com a morte que voltamos ao estado inorgânico do qual saímos. Assim, essa
tendência em relação à morte foi nomeada de pulsão de morte e é ela responsável pela
compulsão à repetição. Essa compulsão nada mais é do que um movimento do aparelho
anímico na tentativa de restaurar a situação anterior ao trauma. O trauma age
psiquicamente como a força perturbadora que desestabilizou a inércia que antes existia.
Ora, como podemos pensar essa inércia psíquica anterior ao trauma? Numa
perspectiva lógica (e não cronológica), ela pode ser concebida a partir da satisfação
auto-erótica da pulsão em que, para a criança, não há diferença entre ela e o objeto de
satisfação. Esse objeto é tomado como parte do próprio corpo e promove uma
satisfação pulsional que, se não cessasse, levaria esse ser em direção à morte sem
nenhum impedimento natural. Mas, de fato, sabemos que isto não acontece dessa
maneira.
O bebê, para manter-se vivo, está em relação com o outro (a mãe) que, além
de investir libidinalmente a criança como seu objeto sexual, instaura a dimensão da
diferença ao separar-se dela. É essa separação que atua como trauma e encontra na
castração e na descoberta da diferença sexual — com a percepção da ausência do falo,
encontro com a falta — seu ponto culminante, sendo denominado de trauma
fundamental. O infante é forçado a buscar os objetos no mundo exterior visando à
satisfação perdida. Entendemos esse investimento libidinal por parte do outro como
aquilo que permite a sobrevivência do ser humano e impede seu caminho natural em
direção à morte, colocando em ação a pulsão de vida teorizada por Freud. O trauma
representa, portanto, uma entrada do sujeito no registro da falta, num registro que se
sustenta pela impossibilidade de satisfação absoluta.
Assim, tendo o trauma como aquele encontro com a dimensão da falta —
como encontro faltoso, nas palavras de Lacan em seu seminário de 1964 —, o princípio
de prazer entra em movimento tentando fazer suplência a essa satisfação para sempre
perdida. O sintoma passa a representar essa suplência de uma satisfação pulsional
abandonada, presentificando, ao mesmo tempo, uma solução de compromisso ao
conflito psíquico e representando, também, a falta de satisfação pela diferença em
relação àquela idealmente buscada.
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possível. Dificilmente essa pulsão de morte pode ser percebida em seu estado puro.
Encontramos seus vestígios sempre em forma de fusão com as pulsões sexuais.
Seguindo essa recorrência à biologia, podemos citar Freud para ilustrar essa
dimensão do outro na sua relação com a dinâmica pulsional que está sendo teorizada:
por este ponto de vista, o material que antes fazia parte do sistema Pcs., e que
corresponde a representações verbais, também é inconsciente descritivamente. No
entanto, o material recalcado, que antes era considerado como pertencente ao sistema
Ics., também é adjetivado desta maneira. Quanto ao aspecto dinâmico, só existe uma
forma de considerar o termo inconsciente: tudo aquilo que foi recalcado e que não tem
livre acesso à consciência.
Essa distinção é importante porque podemos encontrar partes do ego que
são inconscientes e que constituem elementos significativos para a teorização freudiana
relativa aos mecanismos envolvidos nos sintomas.
Sendo o ego organizado a partir da projeção da superfície corporal,
constituindo-se como um ego corporal devido à sua posição intermediária entre o
mundo interno e externo, sofre exigências também dos impulsos que provêm de dentro
do aparelho, ou seja, das pulsões. Cabe a ele, por conseguinte, a função de negociar e
conciliar as imposições provocadas pelas pulsões e pela realidade exterior, controlando
o acesso à motilidade e à percepção. Desse modo, obedece também ao princípio de
realidade, estabelecendo limites à satisfação pulsional e funcionando segundo o
processo secundário. É, portanto, responsável pelo recalcamento e pelas resistências.
O lugar mais profundo do aparelho anímico e de onde provém as pulsões,
sendo considerado como o “grande reservatório da libido” (Freud, 1923) é denominado
de id. Esta instância, mais primitiva e selvagem, funciona segundo o processo primário,
onde a energia é móvel e livre podendo deslocar-se e condensar-se na busca de
satisfação. Lá reinam as representações de coisa derivadas de impressões visuais. O ego
se forma a partir da diferenciação desse id devido o contato com o mundo externo, por
isso “não se acha nitidamente separado do id; sua parte inferior funde-se com ele”. (Id.,
ibid., p. 38).
É essa proximidade com o id que impõe ao ego a percepção das forças
provenientes do aparelho. Tomando de empréstimo a energia proveniente do id, o ego
obtém a capacidade de promover a disjunção entre as representações de coisa e de
palavra, colocando em ação o recalque e a resistência. E é através da observação desta
última no trabalho analítico que Freud insiste em mostrar a importância de que existem
parcelas inconscientes do ego. Sigamos suas preciosas indicações (id., ibid., p. 30):
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[...] visto não poder haver dúvida de que essa resistência emana do ego e a
este pertence, encontramo-nos numa situação imprevista. Deparamo-nos com
algo que no próprio ego que é também inconsciente, que se comporta
exatamente como o reprimido — isto é, que produz efeitos poderosos sem ele
próprio ser consciente e que exige um trabalho especial antes de poder ser
tornado consciente.
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Estes destinos são: recalque, sublimação, retorno ao próprio ego e reversão ao seu oposto. (Freud,
1915b).
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passa a ter um papel ativo no gerenciamento das forças atuantes, intervindo diretamente
na economia libidinal. Podemos verificar este fato na esclarecedora definição de
sintoma sugerida pelo autor no seguinte trecho:
Podemos nos perguntar como o ego obtém sua força para inibir esses
processos excitatórios provenientes do id. Já falamos que sua força é decorrente das
identificações derivadas do complexo de Édipo e que permitiram a formação do
superego. Contudo, essa explicação não é suficiente, pois apenas indica que o ego
tomou partido das exigências proibitivas superegóicas, deixando de lado o aspecto
quantitativo fundamental dessa questão. Poderíamos reformular a pergunta e indagar:
por que o ego aceita essa proibição proveniente do superego e como consegue fazer
frente às forças pulsionais que o ameaçam de dentro?
A resposta para esse questionamento é o que nos permite adentrar na nova
teoria sobre a angústia. Sendo o superego aquela instância psíquica surgida como forma
de identificação com os antigos objetos de amor e, portanto, derivado diretamente de
redirecionamentos libidinais ao próprio ego, podemos concluir que ele mantém
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proximidade com o id e dele obtém sua força (Freud, 1923). Podemos dizer, de outra
maneira, que os impulsos que antes encontraram censura no mundo exterior, devido à
internalização dos ideais do ego, agora encontram seu vigilante dentro do próprio
aparelho. Deste modo, na medida em que ocorre um aumento na catexia pulsional, o
superego imediatamente também enuncia sua proibição.
Sendo o superego herdeiro do complexo de Édipo, ele atualiza aquela
proibição que foi responsável pela castração. Assim, a proximidade do material
recalcado ativa a censura do superego e faz com que o ego pressinta a aproximação de
um perigo de castração.
Diferentemente de um perigo proveniente do exterior — do qual o ego pode
tomar medidas protetoras como a fuga —, no que se refere à castração, internalizada
pelo complexo de Édipo, não há fuga possível, pois a ameaça de perigo provém de
dentro do aparelho. A solução para esta situação é que o ego trata esse perigo interno —
representado pela a aproximação do material recalcado — como se fosse um perigo
externo e emite um sinal de angústia como uma forma de proteção contra esse perigo.
Esse sinal de angústia consiste no reinvestimento de lembranças
desagradáveis — que encontram seu modelo no nascimento, mas adquirem todo seu
significado com a angústia de castração —, permitindo ao ego defletir a libido, retirar
as quantidades de libido para outras representações e promover o recalque.
Conseqüentemente, o ego passa a ser a sede da angústia e o seu emissor.
Tratando, assim, uma representação recalcada como se fosse um perigo
proveniente do exterior, o ego deve oferecer à pulsão modos substitutos de satisfação,
embora não sejam exatos correspondentes ao objeto buscado. Ele, então, é responsável
pela nova escolha dos substitutos para a satisfação pulsional, que tenta suturar a falta
que a castração proporcionou ao sujeito quando impossibilitou a satisfação edípica.
Segundo Serge Cottet (1998, p. 50), o sintoma começa a aparecer como uma suplência
do ego à insatisfação pulsional. Sigamos suas palavras:
exigir que uma pessoa sacrifique sua saúde; e aprende que um sacrifício
dessa espécie, feito por uma única pessoa, pode evitar incomensurável
infelicidade para muitas outras. (Id., ibid., p. 446).
“Seria desejável saber em que circunstâncias e por que meios o ego pode ter êxito e
emergir de tais conflitos, que certamente estão sempre presentes, sem cair enfermo”.
(Freud, 1924 [1923], p. 193).
Segundo o autor, esta indagação aponta para um novo campo de pesquisa onde
muitos fatores podem ser examinados. Ademais, Freud acentua que estas circunstâncias
estão relacionadas fundamentalmente com as considerações econômicas relativas às
magnitudes das forças envolvidas nos conflitos e a uma divisão que ocorre na unidade
do ego, na tentativa de evitar uma ruptura das suas relações com as exigências do
mundo externo (ruptura característica da psicose) ou com as exigências do id (conflito
característico da neurose).
O que podemos destacar desta reflexão é que a questão da normalidade, para
Freud, está ligada a fatores econômicos e, por outro lado, permite-se ao ego um certo
limite de fuga quanto ao que se poderia ser concebido moralmente como
comportamento normal. Em outras palavras, a linha divisória entre a normalidade e a
anormalidade psíquica se apresenta de forma muito tênue de modo que ao ego é
permitido uma certa fuga da realidade que estaria relacionada às quantidades de libido
envolvidas nesse processo.
Em A perda da realidade na neurose e na psicose (1924b), ao proceder uma
diferenciação entre esses dois quadro clínicos, Freud afirma que a normalidade
combina reações características tanto de uma neurose quanto de uma psicose:
... se repudia a realidade tão pouco quanto uma neurose, mas se depois se
esforça (sic), como faz uma psicose, por efetuar uma alteração dessa
realidade. Naturalmente, esse comportamento conveniente e normal conduz à
realidade do trabalho no mundo externo; ele não se detém como na psicose,
em efetuar mudanças internas. Ele não é autoplástico, mas aloplástico. (Id.,
ibid., p. 231-232, grifo do autor).