ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO BAIXO SÃO FRANCISCO EM ALAGOAS.
Autor principal: Mara Sâmia Ferreira
Instituição: Associação Olha o Chico / Grupo Trilha-Trilhas E-mail samiamar2002@yahoo.com.br Co-autores: Elessandra Dias- Trilha-trilhas elessandra1107@yahoo.com.br Ana Lúcia Viana- Trilha-trilhas ana.lucia@saude.al.gov.br
INTRODUÇÃO
Caminante, no hay camino.
Se hace camino al andar. Antonio Machado
O presente trabalho trata de uma proposta de traçado e implantação de um
grande roteiro ecoturístico de caminhada no percurso que o rio São Francisco percorre no estado de Alagoas. A concepção geral que norteia a proposta é a de que, para que tal empreendimento seja bem sucedido, deverá contar com a participação ativa da população do rio, visando o seu beneficiamento efetivo. Para uma breve discussão da proposta, serão aqui apresentadas, rapidamente, idéias gerais sobre os grandes roteiros de caminhadas, as características básicas do rio São Francisco em Alagoas, a população ribeirinha e o caminho a ser criado, nesta região. Nos capítulos seguintes, serão tratados os aspectos metodológicos a serem seguidos e os resultados obtidos até o momento.
Segundo ANDRADE, “a principal função das trilhas sempre foi suprir a
necessidade de deslocamento. No entanto, pode-se verificar que ao longo dos anos houve uma alteração de valores em relação às trilhas. De simples meio de deslocamento, as trilhas surgem como novo meio de contato com a natureza. A caminhada incorpora um novo sentido, passa a ter um sentido em si própria e recebe um grande número de adeptos”.
Os grandes roteiros de caminhada constituem uns dos atrativos maiores do
ecoturismo. Percorrendo à pé grandes distâncias, o caminhante tem oportunidade não só de conhecer, em maiores detalhes, os atrativos naturais de uma região, como perceber como vivem seus habitantes, conhecer seus problemas e necessidades, suas habilidades, seus hábitos. Além disso, a caminhada contínua durante dias, em pleno contato com a natureza, proporciona a ambiência e o tempo perfeitos para que se reflitam sobre as novas realidades encontradas. A intensidade das sensações experimentadas pelo contato intenso com a natureza e a atividade física contínua tende, inclusive, a criar uma aura de misticismo em grandes roteiros como o Caminho de Santiago de Compostela e a Trilha Inca e em alguns caminhos brasileiros como o Caminho da Fé, por exemplo.
O Caminho do Rio São Francisco (o santo símbolo da ecologia) reúne todas as
condições para firmar-se como um grande roteiro de caminhada. Além da diversidade biológica e cultural, expressa em cenas de beleza e interesse ímpar, o caminhante poderá desfrutar, ao longo de todas as trilhas que compõem o caminho, de banhos em águas cristalinas e calmas. O caminho inicia em Delmiro Gouveia, próximo à hidroelétrica de Xingó e aos cânions do rio, numa zona de confluência entre os sertões pernambucano, sergipano e alagoano, repleta de histórias e trilhas ligadas ao cangaço e segue até a foz em Piaçabuçu, que está em uma área de proteção ambiental. Passa por 11 municípios: Delmiro Gouveia, Olho d’Água do Casado, Piranhas, Pão de Açúcar, Belo Monte, Traipu, Porto Real do Colégio, São Brás, Penedo e Piaçabuçu. A rota planejada percorre quase sempre caminhos naturais próximos ou beirando o rio, os varedos tradicionais, utilizados por moradores para deslocamento entre comunidades. O percurso aproximado do caminho é de 300 km que podem ser percorridos em quinze dias de caminhada, em média. O rio São Francisco, em Alagoas segue o seu curso em uma região de rica diversidade biológica e cultural, com uma temperatura média anual de 25ºC, com clima tropical semi-úmido. Essa diversidade se expressa em dois ecossistemas básicos: Caatinga (figura 1), no trecho mais alto, no Sertão do São Francisco (que vai do rio Moxotó, fronteira com Pernambuco, município de Delmiro Gouveia, até a cidade de Pão de Açúcar) e Mata, na região costeira ou flúvio-marinha (de Belo Monte até a foz, em Piaçabuçu).
Figura 1. Caatinga x Mata Costeira: as paisagens do Rio São Francisco em Alagoas
Ao longo das margens do rio, situam-se diversas cidades e pequenos
povoados, com a presença constante de portos de embarcações, fazendas, igrejas e casarios remanescentes do período colonial. Destacam-se neste cenário duas cidades de grande importância histórica (figura 2), Piranhas e Penedo, ambas tombadas pelo patrimônio histórico nacional, respectivamente localizadas no Sertão do São Francisco e na Região Costeira, próxima à foz, ou seja, nos dois extremos do caminho do rio. Figura 2: Penedo e Piranhas
As atividades básicas da população ribeirinha estão ligadas à formação do
povoamento do nordeste brasileiro, quando o elemento colonizador, adaptando-se às características regionais, introduziu a produção do coco, da cana-de-açúcar e da criação de gado. A cultura indígena permanece através da pesca e seus utensílios e do plantio da mandioca e das casas de farinha, com a presença, ao longo do rio, de muitas comunidades de identidade reconhecida. Também a cultura negra é marcante nesta região agrícola e pastoril, com a existência de inúmeras comunidades quilombolas.
Como resultado desse processo cultural, encontramos diversas características
comuns nestes municípios ribeirinhos: forte religiosidade expressa em inúmeras festas, procissões e manifestações folclóricas (guerreiro, pastoril, reizado, etc); artesanato de barro, fibras e couro; crenças e canções folclóricas inspiradas em atividades de trabalho e rituais comunitários (descascar mandioca, bater arroz, lavar roupas, rezar, tirar coco, puxar a rede, etc); utilização de plantas medicinais da região; festas populares agrícolas(festas juninas); comércio popular através de feiras livres, etc.
Todo esse quadro poderia compor um cenário de fartura, fortalecendo o
desenvolvimento sustentável da região, tanto no que se refere às possibilidades de uso direto (pesca, produção artesanal, extração de frutas e madeiras) como para geração de renda advinda do ecoturismo, em especial no que se refere à relação do homem com o rio. Contudo, são grandes os problemas encontrados num estado marcado por uma das maiores concentrações de renda do país. Hoje em conseqüência do desmatamento, principalmente das matas ciliares e construção de hidroelétricas ao longo de seu leito, o rio sofreu acentuada redução de suas águas, prejudicando as atividades agrícolas e a pesca, principais fontes de renda para a região. A poluição e o uso indiscriminado de recursos naturais, tanto por parte dos pescadores e artesões quanto dos turistas desinformados agravam estes problemas. Por outro lado, todo o estado, incluindo o Baixo São Francisco, é composto por uma população com altos índices de analfabetismo e uma das menores rendas do Nordeste, com uma mentalidade de trabalho escravo transposta para os extensos canaviais que hoje formam seu território.
Diante desse quadro preocupante, o projeto federal sobre a transposição das
águas do rio para outros estados tem causado grande polêmica embora todos os especialistas envolvidos concordem com a necessidade urgente de ações de revitalização do rio. E esse contexto também nos mostra que não se encontrará solução para os problemas sócio/ambientais do Baixo São Francisco se ele não for pensado dentro de uma visão sócio-sustentável. Sabe-se que ações de desenvolvimento sustentável são aquelas que conjugam o equilíbrio ambiental, o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Portanto, a idéia do desenvolvimento sustentável trouxe novas reflexões para se pensar em desenvolvimento como melhoria de vida, ou seja, incluindo a cultura através da apropriação da diversidade e das identidades. Dentro desse pensamento, as ações de preservação e revitalização de qualquer sistema biológico devem levar em conta os atores sociais. Em “O Mito Moderno da Natureza Intocada”, DIEGUES enfatiza a importância da população envolvida em projetos de conservação no Terceiro Mundo.
...O reconhecimento de sua existência e até de sua importância para a conservação e
manutenção da diversidade biológica é fenômeno recente, causado pelo surgimento, em países do Terceiro Mundo, de um ecologismo diferente do dos países industrializados. Esse novo ecologismo...se traduz em movimentos sociais que propõem o respeito à diversidade cultural como base para manutenção da diversidade biológica, uma nova aliança entre o homem e a natureza, e a necessidade da participação democrática na gestão dos espaços territoriais (DIEGUES, 1996, p.159).
Esse novo ecologismo, surgidos em meados da década de setenta, coincide
com o aparecimento do ecoturismo como atividade econômica importante. Segundo publicação ligada ao Ministério do Meio Ambiente, “...o ecoturismo tem demonstrado ser um dos mais eficientes instrumentos econômicos adotados por governos e setores da sociedades comprometidos com o meio ambiente para financiar e garantir a proteção de ecossistemas naturais” (2000). Somente ações de educação ambiental e cultural podem sensibilizar a população para reconhecer e preservar o patrimônio natural e cultural da região, evitando assim que a mesma continue perdendo suas potencialidades e passe a percebê-las como recursos valiosos para o desenvolvimento sócio-sustentável local.
Conforme o exposto, o potencial ecoturístico da região banhada pelo São
Francisco em Alagoas é inquestionável. Realizar este potencial é o objetivo do Caminho do Rio São Francisco. A criação de uma trilha formada por elementos naturais e culturais, que interligue e fortaleça as várias comunidades, contribuindo efetivamente com o desenvolvimento sócio-sustentável planejado a partir de um processo de formação continuada que privilegie a cultura local, a consciência ecológica e a geração de renda, melhorando a qualidade de vida da população.
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL:
Pretende-se criar um grande roteiro de caminhada, denominado Caminho do
Rio São Francisco, composto pelas trilhas que passam pelas margens do rio, em onze municípios alagoanos. Acredita-se que o ecoturismo na região seja capaz de desencadear diversos processos locais e regionais de desenvolvimento sustentável.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
. gerar fontes novas de emprego e renda ligadas ao ecoturismo
. contribuir para a preservação e valorização de recursos naturais . fortalecer características culturais locais . ampliar a consciência ecológica dos moradores e turistas . contribuir para a revitalização do rio . facilitar a integração dos municípios integrantes da região . revitalizar trilhas tradicionais de moradores (varedos) aumentando a integração das comunidades por terra
METODOLOGIA
O projeto Caminho de São Francisco utiliza, como norteador geral, uma
metodologia de gestão participativa e auto gestão comunitária, baseada na forma de atuação em rede, onde as ações são planejadas a partir do resultado obtido nas ações desenvolvidas anteriormente e tomam como base os anseios e os desejos da comunidade local. Partindo dessa premissa, inicialmente procurou-se estabelecer parcerias entre todos os municípios que margeiam o rio São Francisco no estado de Alagoas, através de reuniões públicas com seus representantes. Em Penedo, Alagoas, na sede da Codevasf, em junho deste ano, com representantes do Ministério da Cultura, Codevasf, prefeituras, Pontos de Cultura, Cebrae-AL, criou-se uma força-tarefa para a efetivação do projeto proposto pela Ong Olha o Chico: a implantação de um roteiro permanente de turismo ecológico e cultural, denominado Caminho do Rio São Francisco. Para a realização deste projeto deverão ser cumpridas várias etapas. A primeira etapa (mapeamento e diagnóstico) iniciou-se no período de 07/09 até 15/09/06, com um grupo de sete pessoas (figura 3), integrantes do grupo Trilha- trilhas, da Olha o Chico e pessoal de apoio (barqueiros e mateiros). Foram percorridos à pé, pelo rio, seis municípios (Delmiro Gouveia, Olho d’Água do Casado, Piranhas, Pão de Açúcar, Belo Monte e Traipu) somando aproximadamente 165 km, durante nove dias de caminhada. Este trabalho foi complementado de 12/10 até 16/10/06 quando foram percorridos mais 130 km até a foz. As atividades executadas durante a caminhada foram: - medição de distâncias e tempo de percurso através de pedômetro/cronômetro - registro fotográfico e videográfico -anotações de campo (entrevistas com moradores e guias-mateiros, visitas, observações diretas...) visando tanto à caracterização e mapeamento do caminho (condições das trilhas, flora e fauna, atrativos, dificuldades, ações de recuperação, identificação dos proprietários...) quanto ao levantamento do potencial turístico e de apoio da região (existência e condições de locais para pernoite e alimentação, tipos de transporte e deslocamento, guias, patrimônio histórico, lideranças locais, eventos e festas típicas, etc).
Figura 3. Equipe de mapeamento.
O diagnóstico deverá ser complementado com a exposição dos resultados obtidos junto aos representantes das comunidades envolvidas, ainda em outubro, onde serão coletadas sugestões e alternativas de ação para a realidade apresentada. Além disso, estão sendo realizadas pesquisas em conhecimentos específicos como normas técnicas relativas ao manejo de trilhas, utilização de softwares, etc. A partir do diagnóstico, será elaborado o planejamento das ações necessárias para a implantação do caminho. Para isso, serão realizadas reuniões gerais com representantes de todos os municípios envolvidos para apresentação do diagnóstico, tentando estabelecer, a partir dele, acordos de parceria e cooperação. Na sequência, serão programadas reuniões municipais para o planejamento local das ações previstas. As fases de implementação do caminho e sua divulgação estão previstas para 2007. Pretende-se criar um grupo de caminhada para lançar oficialmente o caminho, em outubro de 2007, data de aniversário do rio, comemorada tradicionalmente na região com diversos eventos e festas. Ao longo de todas essas etapas, serão realizadas também, tanto atividades de pesquisa quanto de divulgação de dados através de site próprio, participação em encontros, com o propósito de estabelecer rede de contatos, capacitar pessoas para as atividades ligadas ao ecoturismo, etc.
RESULTADOS
Até o momento, os resultados obtidos mostraram-se promissores, embora
muitas dificuldades saltem a olhos vistos. Os aspectos positivos referem-se principalmente aos aspectos já levantados sobre a riqueza de diversidade biológica e cultural existente ao longo do caminho. Fazendas, igrejas, senzalas, carros de boi, casa de farinha, lavouras e pomares, criação de animais, navegação e pesca, feiras livres e outros foram encontrados, com freqüência, ao lado de árvores centenárias, ervas medicinais, flores do campo, aves selvagens, ninhos e tocas. Um outro fator positivo identificado foi a existência de inúmeras trilhas tradicionais bastante próximas ao rio, ainda funcionando perfeitamente como comunicação entre povoados. Também digna de destaque, ao longo de todo o caminho, foi a receptividade da população quanto ao projeto de um caminho terrestre que seguia o traçado do rio. A idéia sempre foi ouvida com atenção e despertava, após manifestações iniciais de espanto e incredulidade, sentimentos de esperança e simpatia pelo projeto, sendo identificados facilmente os seus benefícios para e pela a população. Os problemas encontrados referem-se principalmente à falta de estrutura adequada para a recepção de visitantes, em localidades menores, e à falta de preparo da população para oferecer serviços desse tipo. Como trata-se de um percurso de grandes distâncias, numa região com muitas localidades isoladas sem estradas terrestres para veículos, a mobilização da população para exercer o papel de anfitrião, será um dos fatores de sucesso deste empreendimento (figura 4). Dado o baixo índice de escolaridade e renda da população, o apoio dado por entidades oficiais de capacitação como o Cebrae e outras serão de fundamental importância.
Figura 4- Lagoa Comprida, povoado de Porto Porto Real do Colégio, Alagoas
.As trilhas existentes encontram-se também, muitas vezes, em estado precário
de conservação sendo necessárias ações como construção e reparo de pontes, limpeza, proteção contra açoareamento e erosão, etc. Outra situação bastante encontrada é a existência de inúmeras propriedades particulares ribeirinhas que impedem a passagem de transeuntes através de cercas de arame farpado, interrompendo trilhas tradicionais de moradores. Apesar destes problemas citados rapidamente, reitera-se, apesar de dispor-se apenas de dados iniciais, a pertinência e a adequabilidade do projeto para o desenvolvimento sustentável da região. Acredita-se que com a participação e gestão comunitárias e constante monitoramento de um grupo gestor, o Caminho do Rio São Francisco, em Alagoas, poderá ser percorrido por visitantes do mundo inteiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Waldir Joel – Introdução ao Manejo de Trilhas – Famesp
DIEGUES, Antônio Carlos – O Mito Moderno da Natureza Intocada – ed.
Hucitec, SP, 1996
HILLEL, Oliver e OLIVEIRA, Heloisa - Oficinas de Capacitação em Ecoturismo -
Investindo em pessoas para conservar o meio ambiente. Secretaria de Coordenação da Amazônia/ Ministério do Meio Ambiente/ Conservação Internacional- Brasília, 2000