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ucação e Pssicologia
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Marisa Forghiieri1
A crítica do
o conhecimmento, prop posta por Nietzsche,, está paraa além de uma
ambiência temporal. A história devee restituir os cumes d do devir e, interrogan ndo a
conssciência cieentífica, queestionar ass opiniões p
pré‐concebbidas acercaa de tudo o o que
há de inquietan nte na pesq quisa e de pperigoso naa descoberrta. Mais dee cem anos após
a moorte do auto or, seus questionamen ntos permaanecem vivvos e atuaiss.
O pensamen nto nietzschheano incluui uma poéética da traagédia gregga, constitu
uída a
partiir da interppretação on ntológica d
do trágico. A luta entrre as forçass representtadas
por AApolo e Dio oniso sugerre uma con nciliação tráágica, um p
pacto de pazz que dá orrigem
à artte trágica. O
O caráter trrágico não sse refere a uma incommpletude a ser preencchida,
mas a um transsbordamen nto de ampllitude.
A tragédia é marcada p pelo conflitto entre lib
berdade e ddestino; o h herói enfrenta o
destiino e posssibilita a un
nificação estética
e da contradiçãão. A expeeriência esttética
tambbém pode sser compreeendida com mo uma esp pécie de êxxtase e redeenção.
O ser pró
óprio procurra também ccom os olhoss dos sentido
os, escuta tam
mbém
com os ouuvidos do esppírito.
NIET
TZSCHE, 188 85: 51
1 Univversidade Anhembi Morumbbi, São Paulo. fo
orghieri@anh
hembi.br
FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
Em “A origem da tragédia” (1871), Nietzsche expõe a fragilidade da ciência para
apreender os fenômenos artísticos. Apolo e Dioniso podem ser compreendidos,
para além da Mitologia, como forças polares que delimitam nossos conflitos e
vazios. Apolo é luz que não vive sem as sombras de Dioniso. A aparente
necessidade de compreender tendências opostas como expressões de bem e mal é
suprimida pela possibilidade de alternância dos sentidos. Como forças, se
estabelecem pela oposição – os polos se chocam e se sustentam, simultaneamente.
Machado (1999: 27) observa que a arte é capaz de proporcionar experiências
dionisíacas, sem que se seja aniquilado por elas – possibilitando embriaguês sem
perda da lucidez. Compreende que o dionisíaco nietzscheano implica o apolíneo,
por ser necessariamente artístico.
As relações que se estabelecem no interior de cada homem, a partir do jogo
estabelecido entre a pulsão dionisíaca e a apolínea, são descritas por Vattimo. Ele
afirma que dionisíaco e apolíneo não definem apenas uma teoria da civilização e da
cultura, mas também uma teoria da arte (1985: 18).
A arte trágica representa o conflito entre Apolo e Dioniso. Expressa resistência
ao sofrimento a partir de uma intensificação da vida.
Vattimo observa que Nietzsche abre caminho para uma relação renovada com a
classicidade, o que comporta uma radical atitude crítica nos confrontos com o
presente (1985: 20). A transformadora noção de interpretação proposta por
Nietzsche já aparece em “A origem da tragédia” e é a partir do jogo estabelecido
entre o apolíneo e o dionisíaco que se pode compreender a atualidade do
pensamento nietzscheano.
A palavra Dioníso significa mais para Nietzsche, de acordo com interpretação de
Müller‐Lauter. Para ele a experiência dionisíaca deve permitir respirar na mais
monstruosa paixão e altitude (1999: 26).
Um tal exercício requer uma saúde peculiar, que para além de perigosas
escaladas, possibilite a aventura de percorrer os limites da alma.
A saúde pertence a quem tem sede na alma de percorrer com sua vida todo
o horizonte dos valores e de quanto foi desejado até hoje, quem tem sede
de circum-navegar as costas deste ideal “mediterrâneo”.
NIETZSCHE, 1882: 280
A experiência dionisíaca propõe a intensificação da vida em condições extremas.
A inesgotabilidade do fundo dionisíaco do mundo (FINK, 1983: 20), permite que o
fenômeno da arte seja colocado no centro, a partir dele se torna possível decifrar o
mundo.
A arte afirma a vida em seu conjunto. A luta entre Apolo e Dioniso, que dá
origem à arte trágica, suprime a unilateralidade. Dois princípios antagônicos não
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
dão lugar a reconciliação. A tensão que sustenta Apolo e Dioniso como forças
polares justifica a existência e a magnitude de ambos. Tal tensão desafia o círculo
da ciência
O desejo de ultrapassar o próprio destino, enfrentando‐o, leva os heróis trágicos
a transgredirem os limites da existência, desafiando os valores estabelecidos. A
dimensão trágica representa a transgressão dos limites de finitude do homem.
O devir desfaz o conjunto de normas, métodos e sistemas, lança o homem no
vazio, obrigando‐o a compreender a existência como experiência. Nada além disso.
A preciosidade está na impermanência de fórmulas capazes de apreender a
existência como ponte, passagem.
O que há de grande no homem é ser ponte, e não meta.
O que pode amarse no homem, é ser uma transição e um ocaso.
NIETZSCHE, 1885: 31
A justificada necessidade de lançar a existência na correnteza turva e incerta do devir
contrapõe-se à necessidade apolínea de luz e segurança suprema. Os contrastes mais perfeitos
produzem a existência mais fecunda. A luta entre Apolo e Dioniso intensifica-se, desaguando
em transmutação, criação.
Meus estudos e pesquisa com oficinas de criação apontam para a construção de novos
sentidos. Tais oficinas, destinadas à formação de psicólogos, incluem afazeres artísticos
mesclados ao exercício reflexivo de ler e buscar apreender significados próprios para os
aforismos nietzscheanos. Tal ritmo sugere imersão em uma dimensão mais complexa da
existência, que alterna ações pré-reflexivas àquelas meramente reflexivas. Desse jogo advém a
possibilidade de construir as próprias imagens, que acompanham o engenho de uma
compreensão mais vertiginosa da obra nitetzscheana. Enquanto a experiência do real nos
submete, a experiência artística nos liberta.
No pensamento nietzscheano o fenômeno da criação é considerado a partir de uma
perspectiva nômade, a serviço da liberdade. As tramas de permanência do mundo, dos
conceitos, das idéias, rasgam-se à partir das máximas que apresentam a transitoriedade de todos
os fenômenos. O devir é proposto como imagem fundamental da criação.
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
Cada instante devora o precedente, cada nascimento é a morte de
incontáveis seres, gerar, viver e morrer são uma unidade.
NIETZSCHE, 1872: 45
Criação e destruição apresentam-se de forma justaposta, estabelecendo contornos e
vazios. Para criar é necessário, por assim dizer, também morrer. Morte ampla, metafórica e
parcial; a morte de nossas próprias cascas e seivas.
As três metamorfoses, anunciadas por Zaratustra em seu primeiro discurso (1885: 43),
propõem infinitas mortes e renascimentos de aspectos e essências. Propõem crescimento
irregular, intensificação da vida. Nelas também é possível observar uma saga através da qual só
é possível libertar-se a partir de ações. Em cada etapa observa-se aspectos decisivos para uma
compreensão sobre a existência criadora.
Como o espírito se torna camelo e o camelo, leão e o leão, por fim, criança.
(...)
“O que há de pesado?”, pergunta o espírito de suportação; e ajoelha como
um camelo, e quer ficar bem carregado.
“O que há de pesado, ó heróis”, pergunta o espírito de suportação, “para
que eu o tome sobre mim e minha força se alegre?”(...)
Pesadíssimos fardos toma sobre si próprio o espírito de suportação; e tal
como o camelo, que marcha carregado para o deserto, marcha ele para o
seu próprio deserto.
Mas, no mais ermo dos desertos, dáse a segunda metamorfose: ali o
espírito tornase leão, quer conquistar, como presa, a sua liberdade e ser
senhor em seu próprio deserto. (...)
Qual o grande dragão, ao qual o espírito não quer mais chamar senhor
nem deus? “Tu deves” chamase o grande dragão. Mas o espírito do leão
diz: “eu quero”. (....)
Criar novos valores isso também o leão ainda não pode fazer; mas criar
para si a liberdade de novas criações isso a pujança do leão pode fazer.
(...)
Mas dizei, que poderá ainda fazer uma criança, que nem sequer pôde o
leão? (...)
Inocência é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma
roda que gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer
“sim”.
Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado
“sim”; o espírito, agora, quer a sua vontade, aquele que está perdido para
o mundo conquista o seu mundo.
NIETZSCHE, 1885: 44
A riqueza metafórica com que os movimentos são descritos permitem aproximações com
a própria existência e incluem a possibilidade de observar em si tais transformações e tremores
de terras.
O espírito de suportação, para além de pesadíssimas cargas, carrega os fardos de um tipo
de moral que requer o cumprimento de deveres. Mas a marcha para o próprio deserto, uma tal
solitude parece engenhar o espaço necessário à transformação. O deserto como metáfora de
vazio e de desterro pode ser capaz de inspirar uma salutar confrontação consigo mesmo. Pode
inspirar, ainda, vontade de potência, dominação; o desejo de ser senhor em seu próprio deserto,
enfim.
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
(...) o mecanismo tem que valer para nós como hipótese imperfeita e
apenas provisória.
NIETZSCHE, 1884: 117
A hipótese de que existem ciclos a serem percorridos durante a existência não cristaliza
os estados de passagem, tampouco estabelece compreensões definitivas sobre o fenômeno.
As noções de inocência e esquecimento propostas pela terceira metamorfose são
importantes para que as transformações também possam ser compreendidas em seu conjunto.
Conjunto que traz como elemento um novo começo. Um sim e um não; um jogo de criação e
morte.
Na conquista do próprio mundo afirma-se a vontade. Ela é o elemento através do qual a
existência pode fluir.
A relação fluida entre percepção e racionalidade revela-se como linguagem da própria
vida. O discurso de Zaratustra pode ser entendido como argumento racional e obra poética;
requer a compreensão da vida como fenômeno estético.
A existência considerada como fenômeno estético sempre nos parece
suportável e através da arte nos são dados o olho e a mão e antes demais
nada a boa consciência para poder criar, com nossos recursos, tal
fenômeno.
NIETZSCHE, 1882: 120
Na confrontação entre o homem científico e o homem artístico proposta por Nietzsche,
Fink observa que o homem artístico é o tipo superior em comparação com o lógico e o cientista
(1983: 35). Para o homem artístico o questionamento e destruição dos velhos limites impostos
pela dureza dos conceitos pode ser uma resposta criadora da intuição. Nesse sentido, a criança
como metáfora de inocência e esquecimento nega um certo tipo de tradição do conhecimento,
que se constrói apenas a partir de uma criteriosa memorização e ordenação de saberes.
Nietzsche considera que para ser artista, também é necessário esquecer, ignorar! (1882:
14). Para além do esquecimento, ele observa que é possível experimentar uma segunda
inocência, que torna o homem mais infantil e, ao mesmo tempo mais refinado.
Inocência e refinamento. O esquecimento como hábito elegante é capaz de inaugurar
novas impressões, compreensões. Ao mesmo tempo, tal hábito enfurece os mais velhos e os
eruditos, que passam a ser entendidos como perspectivas, e podem até ser ignorados.
As três metamorfoses representam, para Fink, a modificação do homem a partir da morte
de Deus, isto é, a transformação de sua alienação na liberdade criadora que se sabe autônoma
(1983: 76). Ele observa que tal fenômeno põe em evidência o caráter lúdico e arriscado da
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
existência, bem como problematiza todos os sistemas de interpretação do mundo que se fundam
na metafísica.
A intensa transformação existencial proposta no primeiro discurso de Zaratustra é
compreendida por Fink como princípio de todos os outros discursos (1983: 78). Observa que
antes da morte de Deus, a natureza criadora do homem encontrava-se adormecida, prisioneira
nas malhas de divinas certezas.
Vattimo entende que a morte de Deus não é uma enunciação metafísica da não existência
de Deus; tem de ser tomada à letra como o anúncio de um acontecimento (1985: 56). Anunciar
um acontecimento não significa, entretanto, demonstrar alguma coisa. Mas a simples
anunciação é capaz de provocar outros acontecimentos. A anunciação da morte de Deus
possibilita que se instaure uma profunda suspeita – de que não se pode mais considerar uma
verdade sem seus véus.
Se não é mais possível crer em uma verdade que não possua véus (NIETZSCHE, 1882:
15), há que se abrir espaço para as diversas e talvez infinitas interpretações da existência.
Espaço para a criação de novos sentidos.
A morte de Deus, para Fink, significa também o fim da negação do tempo, e o
reconhecimento do tempo como verdadeira dimensão de todo o ser (1983: 81).
O criador, que só pela morte de Deus conquista a sua liberdade mais
completa e se abre para a Terra, inserese expressa e voluntariamente no
tempo, aceita o perecível e com isso a sua própria finitude
FINK, 1983: 81
Kaufmann considera que Nietzsche, como um profeta, anuncia a morte de Deus em
Zaratustra. Tal anunciação pode ter origem em seu pressentimento de um desastre universal.
Ele sentiu a agonia, o sofrimento e a miséria de um mundo sem Deus, tão
intensamente em uma época em que os outros estavam cegos às
tremendas consequências, que ele seria capaz de experienciar
adiantadamente como seria o destino de uma geração futura.
KAUFMANN, 1974: 98
Apesar de alguns autores considerarem como principal premissa da filosofia de Nietzsche
o ateísmo, Kaufmann observa que essa interpretação também pode ser considerada
problemática. A anunciação da morte de Deus é uma tentativa para um diagnóstico da
civilização contemporânea e não uma especulação filosófica de uma realidade última (1974:
100).
Outra interessante interpretação para a questão do ateísmo é oferecida por Brusotti, ao
observar que Nietzsche diferencia o Cristianismo que arruína a saúde, dirigido pelo
ressentimento e o Budismo que, ao contrário, ele considera como uma forma de higiene
racional (2000: 25).
O ressentimento, que é em sumo grau prejudicial ao doente, está-lhe contra-indicado:
infelizmente é sua inclinação mais natural. O conceito é de Buda, fisiologista profundo. (...)
Libertar a alma do ressentimento, é o primeiro passo para a cura.
NIETZSCHE, 1888a: 39
Libertar a alma do ressentimento requer, também, inocência e esquecimento.
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
Viver imprudentemente, jogar o grande jogo requer superação de imutáveis leis, da moral
que acorrenta o homem a um universo governado pela fixidez dos valores. Universo regido por
uma moral que estabelece, de antemão, o caminho a ser percorrido, as ações a serem
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
empreendidas, os desejos a serem negados; as imensas culpas a serem amargadas em casos de
desobediência às normas.
A coragem pode ser entendida como o meio através do qual a existência alcança sua
maior fruição devida. A capacidade de ultrapassar o que a moral instituiu como deveres
fundamentais é força capaz de dizer eu quero.
Há no homem uma força imensa, que aspira ser utilizada. Essa força, afirma Corman,
aspira à criação (1982: 94).
A criação é, ainda, superação de si, recriação do próprio espírito, nascimento de uma
nova vontade, morte de incontáveis certezas. Como no jogo de forças estabelecido entre saúde e
doença, aqui também a libertação do espírito atravessa sua servidão.
É de esperar que um espírito, no qual o tipo de “espírito livre” deve um dia
tornarse maduro e saboroso até a perfeição, tenha conhecido a sua
aventura decisiva em um grande lance de dados, e anteriormente tenha
sido um espírito mais servo que qualquer outro, parecendo para sempre
acorrentado ao seu canto, ao seu pilar.
NIETZSCHE, 1878: 9
A intensificação da vida é fruto de contínuo embate. A conquista de uma maior fruição de
vida perspassa contínuos estrangulamentos de energia. A alpestre liberdade do espírito atravessa
profundezas de calabouços.
Qual a prisão mais forte? Quais os laços quase impossíveis de quebrar?
Entre os homens de uma espécie rara e delicada, são os deveres.
NIETZSCHE, 1878: 10
Entre os deveres que ameaçam vôos mais altos, incluem-se aqueles que impelem o
homem a crer na unidade e previsibilidade do mundo e de si mesmo; na vida como obra
acabada, na identidade como imagem nítida em espelho d’água.
O eu, a infinita distância que separa todo pretenso conhecer-se de sua raiz na vivência, no
inusitado movimento que a tudo consome e renova; e altera uma vez mais. O eu, a bruma sobre
o lago, a névoa daquilo que no fundo de nós não podemos ensinar (NIETZSCHE, 1886: 172).
A cristalização do tempo, toda a fixidez necessária ao estabelecimento dos conceitos é
questionada por Nietzsche, ao observar que um filósofo não deve permitir conceitos, opiniões,
coisas passadas e livros para dar os passos entre ele e as coisas (KAUFMANN, 1974:105).
A racionalidade como instrumento técnico, como via lógica através da qual livros são
escritos, conceitos são estabelecidos, é criticada como única passagem para a compreensão da
existência. A própria linguagem, se apreendida ao pé da letra pode oferecer armadilhas à
compreensão.
Nietzsche está convencido de que a linguagem nos engana quando
tomamos a palavra ao pé da letra, isto é , quando permanecemos nela e
deixamos de perceber, por meio dela, a indicação a processos que não são
absorvidos nela.
MÜLLERLAUTER, 1997: 76
Os escritos de Nietzsche dão origem a diversas interpretações. Alguns autores consideram
a questão do ateísmo particularmente importante na obra nietzscheana. Kaufmann, porém,
observa que Nietzsche declara-se devoto de Dioniso. Poderíamos chamá-lo de ateu? (1974:
102). Kaufmann acrescenta que rótulos como “ateísmo” e “agnosticismo” são inadequações.
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
descritos e caracterizados como tal, tornam-se passado. Porém há permanente necessidade do
processo de recriação de valores, do intenso embate que transforma, conferindo atualidade
àquilo que, como o homem, deve ser superado.
Não mais querer e não mais determinar valores e não mais criar: ah,
sempre longe de mim fique esse cansaço!
NIETZSCHE, 1885: 101.
A capacidade de criação requer apropriação de múltiplas forças, de vontades de poder.
Aqui, como anteriormente, é necessário libertar-se do ressentimento inoculado pela tradição
metafísica: o desprezo pela vida (GIACOIA, 2000: 59).
Busca-se divinização da vida a partir de um fundo dionisíaco, observando que a própria
existência parece suficientemente sagrada para justificar sua dimensão trágica.
O homem trágico diz “sim” em face até do sofrimento mais duro: é
bastante forte, bastante abundante, bastante divinizador para tanto (...)
NIETZSCHE, 1889: 419
Força que engenha transformação para além do sofrimento é vontade de poder e, como
tal, só pode ser compreendida como complexa multiplicidade.
Vontades de poder, para além de elementos vivos no caótico tecido do mundo, são
capazes de fender rochas. Como pluralidades complexas estabelecem imantados campos de
forças.
Sim, qualquer coisa invulnerável e que não pode tumularse há em mim,
qualquer coisa que fende rochas: chamase a minha vontade.
NIETZSCHE, 1885: 125
Eu quero – assim manifesta-se a vontade, com ousadia capaz de ultrapassar a palidez das
geleiras, os perigos da escalada, a embriaguês do ar rarefeito nas alturas; intempéries de uma
natureza que atravessa a alma.
Também a Nietzsche o que importa é não apenas “interpretar” o mundo, mas
transformá-lo (MÜLLER-LAUTER, 1997: 135). Transpor os limites impostos por inóspitos
continentes, atravessá-los.
Como os grandes navegadores, exploradores, aventureiros, Nietzsche preparou-se para
passar por mau. Com original elegância interpretou as reações furiosas dos pensadores
fundamentalistas aos seus escritos. Outrora e ainda hoje há pensadores que sentem-se aviltados
pelas destemidas expedições nietzscheanas; ressentidos, choram por aqueles que resolveram
viver no inexplorado e não mais regressaram a um solo seguro. Outros, apenas sorriem e negam
qualquer ressentimento por não terem tido, eles mesmos, a intrepidez necessária para habitar
monstruosas altitudes.
Subir quer a vida, e, subindo, superar a si mesma.
NIETZSCHE, 1885: 115
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FORGHIERI, M. (2007) Nietzsche, arte e conhecimento. In, V. Trindade, N. Trindade,
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