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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIINIE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEISTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperanga e da nossa fé
neje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
^-H
:_t:,jü

/ /

ANO XI N? 122 FEVEREIRO 1971


ÍNDICE

Quaae tudo... de quase nada !

1. CIENCIA E CONSCIÉNCIA

1) " 'Pela primeira ves foi isolado o gene'... 'Homens que


cultivam homens'. Eis o que nos diz a imprensa.

Em breve poderemog fabricar os tipos, humanos que quiser-


mos. Mas há quem fac.a ressalvas. Por qué ?" 51

n. CINEMA

2) "'Teorema'... O filme tem sido calorosamente contro


vertido.

Que dker?" 59

III. PERSONAIJDADE HUMANA

S) "Pode (í to>tura ser admititin cumo procexxo válido para


por fim oo terrorismo e defender a patria ?" (1(1

IV. SEMPRE EM PAUTA!

b) "O celibato do clero está sempre na ordem do dia.

Que noridadv poderla comunicar-nos sobre o assunto ?" 77

V. IGREJA NA HISTORIA

5) "Comemorando-se o primeiro centenario do Concilio do


Vaticano I, postaría de urna explicac.ao do significado désse Concilio.

Ainda tem x'alor depois do Vaticano II ?" H2

AMIGO LEITOR! 3' capa

COM APROVAQAO ECLESIÁSTICA


QUASE TUDO...
DE QUASE NADA!

A vida cotidiana propoe multas' vézes episbtífó'á^clos quais


se depreende com irrecusável evidencia que quase tudo se fez
ou se faz a partir de quase nada. Inicios modestos, despreten-
siosos, desacreditados por quem os observava, foram o ponto
de partida da reallzagáo tanto de grandes obras como de notá-
veis personalidades da historia antiga e contemporánea. Gigan
tescas fábricas, poderosas empresas científicas, culturáis ou
comerciáis que hoje se irradiam no mundo internacional, come-.
caram pequeninas e inaparentes; mal previam os seus funda
dores o que sairia de tais inicios.

Podem-se também lembrar figuras humanas que se fize-


ram a partir de quase nada. Entre outras multas, aparece a
de Tomás Alva Edison (1847-1931), o inventor da lámpada
elétrica, do cinematógrafo, do gramofone, detentor de mais de
1.200 patentes norte-americanas. Ainda menino, comecou a
gahhar a vida como vendedor de jomáis ñas estagóes ferro
viarias da «Grand Trunk Railway» (U.S.A.); as horas livres,
ele as ocupava em leituras e experiencias de garóto com má
quinas de imprimir e aparelhos elétricos. Em 1862, aos quinze
anos de idade, comecou a publicar um impresso semanario,
tendo montado a respectiva tipografía num vagáo, que lhe ser
via também de laboratorio para suas experiencias. Certo dia,
salvou da morte o filho de um chefe de estacáo que esteva
para cair sob as rodas de um carro. Em premio, foi recebido
como aprendiz na estagáo telegráfica de Mount Clemens, onde
lhe ensinaram o mister de telegrafiste... De entáo por diante,
Edison foi mais e mais desenvolvendo o seu talento de modo
a se tornar um dos grandes vultos da ciencia moderna.

Pergunta-se: por que Edison e tantos outros personagens,


partindo de quase nada, chegaram a ser algo na vida?

— Porque tiveram üm ideal. Acreditaram na possibilidade


de cumprir urna missáo. E se puseram a servigo dessa missáo
ou désse ideal com perseveranga tenaz e inquebrantável. Quem
os vía, podia julgá-los desarrazoados porque acreditevam em
ninharias e se dedicavam a elas. Tiveram, porém, a coragem
ou a ousadia de crer e de empreender até as últimas conse-
qüéncias os seus planos.

A ligáo de tais homens vale para nos — jovens e adultos


de nossos días.

... Vale no plano meramente natural ou humano, pois


todo homem normal pode crer que tem urna personalidade a
desenvolver e urna missáo a cumprir; o Criador concebeu um
designio sobre cada criatura, e é certo que tal designio nao
tolera atitudes vagas ou indefinidas.

A ligáo vale de modo especial no plano cristáo. Chamado


a ser filho de Deus pela graga e dar o testemunho de Cristo
na familia, na profissáo, na escola, na fábrica, na rúa..., es
teja o cristáo certo de que nao foi destinado para a mediocri-
dade ou a superficialidade. As vézes, o discípulo de Cristo
poderá julgar que seu comportamento e suas obras háo de ser
subjugados pelo indiferentismo do ambiente ou pelas fórcas
alheias; principalmente quando se trata de empreendimentos
apostólicos, pode ser tentado a crer que estáo fadados ao in-
sucesso. Nao ceda... Creta!, acredite no que faz, e empenhe-
•se com forga de vontade, sem dar audiencia ao pessimismo.
Tal atitude é penhor de éxito e vitória. Já está derrotado quem
faz algo sem crer no valor do que faz.

Estas consideragóes parecem particularmente oportunas


em nossos dias, quando váo sendo empreendidas antigás e
novas formas de! testemunho cristáo em meio a um mundo
inquieto, aparentemente indiferente a Deus. Tais iniciativas,
sujeitas a contestacáo, poderiam ser olhadas com ceticismo
pelos próprios cristáos.

Nao descreiam os arautos de Cristo. Comecem e susten-


tem com os meios, muitas vézes precarios, de que puderem
disporí E a graga de Deus nao faltará.

Senhor, dá-nos crer que quase tudo se faz de quase nada,


pois, em última análise, és Tu quem fazes por meio de nos.
E concede-nos a invencivel perseveranga na prática do bem.
— Tais sao os segredos do pleno éxito ou da Tua vitória em
nos e por nos!
E. B.

— 50 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano XI — NM 22 — Fevereiro de 1970

I. CIENCIA E CONSCIÉNCIA

1) «Tela primeira vez foi isolado o gene'... Hornera


que cultivam homens'. Eis o que nos diz a imprensa.
Em breve poderemos fabricar os tipos humanos que qul-
sermos. Mas ha quem faca, ressalvas. Por qué?»

Resumo da resposta: Os genes sao unidades localizadas ñas cé


lulas germináis e responsáveis pelas características somáticas do indi
viduo que há de nascer; as combinacóes dos genes paternos e maternos
influem decisivamente no tipo humano da prole.
Isolando os genes, os dentistas poderáo exercer acáo direta no
genotipo dos homens futuros; íala-se da producáo de homens sob
receita («homens-artistas, homens-atletas, homens-cérebro...»). Ora
qualquer intervencao que vise produzir tipos humanos artificiáis, de
acordó com ideologías políticas, socials, racials ou planos financeiros,
é ilícita. A personalldade humana é lndevassável; o homem nao tem o
direito de cultivar o seu semelhante, como cultiva o gado. Apenas se
podem aplaudir interferencias médicas no processo generativo que
visem sanar ou normalizar os elementos naturais atetados por doenca
ou desordem.
Em vez de interferir no genotipo, a servico de interésses ideoló
gicos, os homens poderiam ser útels a humanldade, íornecendo edu-
cacao e formacáo moral as criancas e aos jovens, a fim de que saibam
vencer os aspectos negativos e desenvolver os predicados positivos da
personalidade que herdaram de seus pais.

Resposta: Em novembro de 1969, nos E.U.A. o den


tista Jonathan Beckwith, de 33 anos de idade, e seu colabo
rador, James Shapiro, de 26 anos, conseguiram, pela primeira
vez na historia, ¡solar um gene (gene de bacteria, nao de ser
humano!). O resultado foi obtido na Escola Médica da Uni-
versidade de Harvard, mediante a combinacáo de urna bacteria,
comum no intestino humano, com um virus. /
Todavía o próprio Dr. Beckwith "revelou a preocupagáo
de que a descoberta possa voltar-se contra o homem : 'Pensó
que o mal supera o bem neste caso concreto1. James Shapiro

— 51 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 1

foi ainda mais sobrio: 'Nao temos muito direito de nos felici-
tarmos efusivamente*.
A curto prazo, a Engenharia Genética poderá determinar o
sexo dos filhos, o controle do desejo e a obliteracáo da memo
ria; a prazo mais longo, poderá aperfeigoar a inteligencia, am
pliar a vida e até mesmo produzir os mais imprevisíveis híbri-
dos homem-animal e homem-máquina" ("Jornal do Brasil"
25/11/69, cad. b, p. 1).
É a esta problemática que vamos dedicar as páginas se-
guintes, abordando tres pontos: 1) que é o gene ? 2) experi
encias e prognósticos; 3) a voz da consciéncia.

1. Que é o gene?

1. O estudo dos genes foi iniciado, de maneira sistemá


tica, pelo frade agostiniano Johann Gregor Mendel, que em
1866 publicou os resultados de oito anos de experiencias na
obra "Versuche über Pflanzen-Hybriden": expunha ai "as leis
gerais da formacáo e do desenvolvimento dos híbridos".
O sabio chegou á conclusio de que ñas células reprodutoras
do organismo as características do futuro vívente se encontram
ligadas a certas unidades, as quais se associam ou separam entre
si de acordó com as leis do cálculo das combinacdes. Tal con-
cepgáo de Mendel era urna hipótese genial, que a principio
encontrou resistencia por parte de sabios, entre os quais o
grande botánico Naegeli. Impós-se, porém, ao mundo dos den
tistas no inicio do século XX, quando outros estudiosos (como
de Vries, Correns e Tschermack) confirmaram os resultados
de Mendel.
Em 1909, W. Johannsen deu o nome de genes a tais uni
dades materiais bem definidas, presentes ñas células genitais
e capazes de determinar e controlar todas as características
somáticas (cor e forma dos olhos, cor e forma dos cábelos,
forma do nariz, do cránio, coloracáo da pele...) da respectiva
prole.

2. O gene é urna partícula, de estrutura fibrilar longa,


localizada ñas células genitais do organismo. A combinacio dos
genes oriundos de pai e máe vai dar o genotipo da prole; esta,
conseqüentemente, herda as notas físicas de seus genitores me
diante a combinacáo de genes que se faca por ocasiáo da fecun
dado do óvulo materno.

— 52 —
HOMEM SOB RECETTA?

O núcleo da célula genital humana contém 23 pares de


cromossomos; cada um déstes possui entre centenas e varios
milhares de genes. Os genes aparecem aos pares. O número
de genes responsáveis pela configuracáo somática de um indi
viduo humano atinge as raías do fantástico: numa pessoa nor
mal, ele pode subir ao equivalente de letras necessárias para
encher 1.000 volumes impressos de 600 páginas cada um, con-
tendo cada página 500 palavras de 5 letras cada qual.
O componente principal do gene é o ácido desoxirribonu-
cleico (DNA), o qual tem por fungáo promover a síntese de
proteínas e outras substancias.

3. As combinacóes de genes entre si devem-se & agáo


mesma da natureza. A experiencia, porém, demonstrou que o
homem pode intervir artificialmente na formacao do genotipo :
aplicando raios X e Y, conseguem-se associagóes de genes das
quais resultam individuos diferentes dos genitores, ou seja, indi
viduos mutantes, dotados de caracteres somáticos estáveis e
transmissíveis.

Famosas tornaramse as experiencias do biólogo norte-americano


Th. H. Morgan, que se dedicou ao estudo da Drosophila melanogaster,
a pequeña mosca do vinagre. Éste inseto se presta particularmente
a lnvestigac&es por ser extraordinariamente fecundo: urna so fémea
pode ter de urna só vez entre 300 e 500 descendentes, os quais se
desenvolvem dentro de doze días, á temperatura de 24'; após algumas
gerac&es, ou seja, dentro de dois ou tres meses, obtém-se assim cen
tenas de milhares de individuos, que constituem ótimo campo de
observagáo. O citado dentista em 1910 submeteu fémeas da Droso
phila a raios X no momento lnteressante, consegulndo os segulntes
resultados: na primelra geracao, Morgan obteve urna mosca de asas
chanfradas, que deu inicio a. raga beaded; na segunda geragao desta
raca, apareceu um individuo que tinha asas curtas demais, alargadas,
com nervuras anormais, muíante éste que originou a raga de asas
rudimentares; na sétima gerácáo, observou-se um filhote que tinha
as asas mal acabadas como se se houvessem cortado as suas extre
midades, dando inicio á raca de asas truncadas... No decurso das
geracdes apareceram individuos de olhos negros, olhos reniformes,
olhos rugosos, olhos brancos, olhos castanhos, olhos róseos... Com
o tempo, ocasionou-se a formagáo de 400 racas de Drosophila melano
gaster, diferenciadas imprevislvelmente pelas asas, pela cdr do corpo,
pela forma do abdomen, pela forma e a cor dos olhos, pelo tipo do
pelo, pelas nervuras... Conhecenvse também numerosas mutardes
entre os vertebrados: peixes, aves, mamíferos (cao, gato, roedores,
cávalo, vaca...). /

Sabe-se outrossim que a natureza pode por si produzir


mutagóes, ou seja, alteracóes na combinagáo normal dos genes.
Estas, quando afetam os genes dos quais depende a formagáo
de proteínas plasmáticas e enzimáticas, sao motivo de enfer-

— 53 —
6 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 1

midades diversas no futuro individuo. Estudos recentes leva-


ram á conclusáo de que todo individuo traz no seu código
genético "um certo lastro de mutagóes prejudidais"; em parti
cular, todo individuo traz em dose simples ao menos quatro
genes ou grupos de genes que, se ocorressem em dose dupla,
seriam fatais, isto é, acarretariam a morte da pessoa antes
que pudesse reproduzir-se.
As mutacóes constituem, pois, um perigo permanente para
o género humano. Tal périgo tende a avolumar-se, porque se
váo acumulando mutagóes e individuos mutantes na sociedade;
em conseqüéncia, as geragóes que se sucedem sobre a térra,
sao mais e mais ameagadas.

2. Experiencias e prognóstícos

Conscientes de que nao somente os fatóres naturals, mas


também os dentistas podem influir no genotipo e, conseqüen-:
temente, ñas características somáticas de um individuo, os estu
diosos tém-se interessado por obter genotipos compostos de
genes bem adequados ou mesmo selecionados; assim esperam
nao somente evitar prole mórbida, mas também ter no futuro
individuos humanos dotados das características mais oportunas
para fomentar o progresso do género humano : individuos atle
tas, artistas, intelectuais, cerebrinos... Desencadeou-se destar-
te a "ofensiva genética", iniciada por H. J. Muller nos Estados
Unidos e J. Huxley na Inglaterra.

Essa ofensiva genética recorre a procedimentos como


1) Fecundagáo artificial: o óvulo, no organismo feminino,
seria fecundado por sementes selecionadas, extraídas de doado-
res qualificados. Haveria Bancos de espermatozoides, cuidado
samente conservados em estufa.
Eis como a propósito se exprime o dentista norte-ameri
cano Muller:

<É preciso comecar a escolha da sementé. Deve-se oíerecer aos


casáis a oportunidade de ter um ou mais íllhos a partir de gérmens
masculinos de origem bem documentada, escolhldos livremente em
Bancos, onde sejam conservados mesmo por dezenas de anos depois
da morte do doador.
A execucSo déste projeto deve ser iniciada {mediatamente por
urna sociedade nao governamental de alta responsabilidade. Requer-se,
para tanto, a atividade de um grupo, socialmente orientado, de gene-
ticistas, sustentados pela competencia de outros peritos nos setores

— 54 —
HOMEM SOB RECEITA?

da filosofía, da psicologia, da medicina, e de pessoas abertas para os


problemas humanos; instituirlo Bancos de materia genital a ser
utilizada nos próximos decenios» («WJiat Genetic course will man
steer?», em «Proceddings of the Third International Congress of
Human Genetics». Baítimore 1967, pp. 542ss).
«Nos, geneticistas interessados pelo homem, deveríamos conside
rar como parte da nossa responsabilidade nao sómente iluminar o
público, mas também promover a coleta, documentado e conservacáo
de material genital de qualidade superior» (p. 540).

2) Fecundábalo fora do organismo materno ou "in vitro".


Assunto já abordado em "P. R." 116/1969, pp. 317-327.

3) Intervencao artificial no genotipo. Esta tarefa consisti


ría em estabelecer o controle do genotipo e, conseqüentemente,
da especie humana mediante técnicas ditas "de Engenharia Ge
nética, Cirurgia Genética ou Algenia". Os médicos procederiam
á extragáo ou á insergáo de genes ñas células genitais; impreg-
nariam de um líquido inibidor os genes indesejáveis, ao passo
que excitariam os genes mais desejados mediante um catall-
sador. Poderiam assim sanar genotipos mal configurados e
enriquecer outros a fim de aprimorar as ragas humanas. O
dentista inglés M. W. Niremberg opina que dentro de 25/30
anos será possivel "sintetizar urna mensagem genética dése*
jada", ou seja, obter tipos humanos pré-tragados ! Caso isto
se obtenha, prevé-se que a evolucfio da historia e do genero
humano será pré-orientada; o homem poderá ser o mentor da
historia vindoura. Realizar-se-á entáo o velho sonho de Platáo,
que Aldous Huxley reproduziu literariamente na sua obra "O
admirável mundo novo".

3. A voz da consciéncia

1. Os programas de futurologia assim concebidos apre-


sentam suas incógnitas e dificuldades. Os atuais conhecimentos
científicos ainda nao permitem garantir o seu éxito. Os den
tistas reconhecem os obstáculos que encontraráo; até agora só
conseguirán! ¡solar um gene de bacteria, nao de ser humano
(no organismo humano o problema é muito mais complexo).
Todavía nao tencionam recuar :

«Nao nos devenios deixar desanimar pelas dificuldades do mo-


' mentó. Devemos ter claramente ante os olhos a urgente necessldade
de sucesso; lemhremo-nos de que o homem tem galgado cunes su-
cesslvos e de que agora está em condlgSes, se o quiser, de ultra-
passar a si mesmo e chegar a alturas jamáis imaginadas» (Muller,
art. cit. 541).

— 55 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 1

Alguns dos pioneiros da ofensiva genética julgam que os


maiores empedlhos lhes proviráo da parte dos homens que
admitem "veltoos tabus e superstic.5es", defendem "a rigidez,
do sistema familiar", atribuem a cada ser humano "direitos de
propriedade sobre o seu material genital, fundamentando-se
sobre um egoísmo desmedido» (tais sao as expressóes de H.
J. Muller, "The guidance of human evolution". Chicago 1960).
Será preciso, portante, eliminar os velhos tabus, como dizem.
Tal eliminagáo deverá constituir a fase preliminar da ofensiva
genética.

Eis um dos trechos mais significativos de H. J. Muller:

«O nosso sistema político e económico se vai transformando ine-


vitávelmente, embora de modo demasiado lento, a fim de adaptar-se
á tecnología e a automagáo, que em grande escala invadiram o sistema
de producao... Numerosos costumes e procedimentos mudaram-se; e
ainda hoje vemo-los transíormar-se rápidamente... Seria muito es-
tranho se, nesta época de conhecimentos técnicos explosivos, as nossas
maneiras de reproduzir a nossa estirpe permanecessem isentas de
reforma» (ob. cit., pp. 454-56).

2. Como julgar tais idéias ?

— De modo geral, deve-se dizer:


Por certo, o ser humano tem o direito de controlar o
progresso físico, cultural e social da sua especie; tem o direito
de procurar dominar mais e mais os elementos da natureza
de modo a remover o que Ihe seja nocivo e fomentar o que
lhe traga bem-estar. Também se deve reconhecer que aos den
tistas cabe lugar de relevo no planejamento do futuro da huma-
nidade. Donde se segué que
a) a sá consciéncia moral so pode aplaudir as interven-
eóes no processo generativo que visem corrigir falhas da natu
reza ou favorecer a ac.áo normal dos elementos genitais. A
medicina, intervindo déste modo, poderá evitar que nascam
individuos defeituosos. ou excepcionais; favorecerá o surto de
personalidades normáis, dotadas do patrimonio físico e psíquico
próprio da respectiva familia. Tal tarefa está perfeitamente
enquadrada dentro do programa nobre e benemérito das cien
cias médicas.
b) Nao se podem, porém, aplaudir intervengóes destina
das a eliminar fetos humanos que posslvelmente nasceráo defei
tuosos. Nem se podem aprovar operagóes que visem obter tipds
humanos artificiáis : o "homem-atleta", o "homem-cérebro"...
Tais intervengóes afetariam a formagio da personalidade do

— 56 —
HOMEM SOB RECETTA?

individuo nascituro. O homem cultivaría o homem, como culti


va o gado, provocando o nascimento de individuos sob receita,
adaptados a interésses ideológicos, políticos, financeiros de urna
faceto prepotente ! Ora nao é licito ao homem atribuir a si
tal dominio sobre os seus semelhantes; as personalidades sao
indevassáveis. Além do que, no caso previsto os governantes
poderiam cometer verdadeiras loucuras (como no caso do na
cional-socialismo) com as "melhores" das intencóes.
Eis o motivo por que os pioneiros do isolamento do gene,
os dentistas Beckwith e Shapiro, manifestaran! o receio de que
a descoberta possa voltar-se contra o próprio homem. Alias,
outros homens de ciencia anteriormente alertaram o mundo
contra o mesmo perigo. Assim, por exemplo, o geneticista Th.
Dobzhanski em 1967, depois de previsóes otimistas sobre o fu
turo da humanidade, referia-se a novas táticas da genética com
sabio humorismo :

<A exploragáo dos atuais conhecimentos de genética... pode dar


ao homem a extraordinaria faculdade de fabricar o homem. Novas
descobertas, sem dúvida, aumentaráo incalculávelmente essa possibl-
lidade. Todavia esta perspectiva levanta nao poucas questOes espi-
nhosas... Será que, em lugar do rei-íllósofo preconizado por Platao,
deveremos colocar um rei-genetielsta? E quem será o presidente do
Banco Nacional de Espermas e do Banco Nacional de DNA? Que
controles deverao ser impostos aos poderes genéticos legislativos e
executivos? Quem guardará os guardas?» («Changtng man», em
«Science» 155 [1967] p. 413).

O mesmo autor lembrava de maneira mais genérica e


categórica :

«As tentativas de tratar o homem como se nao íósse senao um


animal sao simplistas e ingenuas. O homem, ainda que seja animal,
é homems («The biological basis oí human freedom». New York 1956,
p. 111).

Em outras palavras: no homem há mais do que materia


a ser combinada de acordó com programas ou esquemas ten
denciosos; há também urna alma espiritual, que dá á persona-
ljdade humana um valor transcendental e sagrado. Em conse-
qüéncia, tratamentos seletivos de ragas que se aplicam ao gado
a fim de obter melhores rendimentos materiais, nao podem.
em hipótese alguma, ser aplicados ao homem.

3. De quanto acaba de ser dito depreende-se mais clara


mente qual deva ser o papel da ciencia moderna na promocáo
da humanidade e na procura de um futuro mais próspero e
feliz.

— 57 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 1

Toda personalidade sadia apresenta sempre seus aspectos


positivos (qualidades físicas e moráis) e seus aspectos nega
tivos (defeitos, más propensóes). É éste o patrimonio que o
Criador lhe dá mediante os processos regulares da natureza;
nao há quem nao tenha tal conjunto em dosagem que varia de
individuo a individuo. A grandeza do ser humano está justa
mente em sobrepujar suas falhas e desenvolver seus bons pre
dicados, colocando-se a servi;o de um nobre ideal livremente
escolhido. Sendo assim, o que a ciencia e as autoridades com
petentes podem e devem mais e mais fazer, é ajudar cada per
sonalidade a se educar, a desenvolver seus predicados positivos,
a escolher retamente o seu ideal, de modo que perca ou atenué
seus aspectos deficientes e cultive suas qualidades valiosas.
Pertence também aos homens de ciencia e as autoridades
civis o papel de fornecer a todos os esposos e futuros esposos
as informacóes necessárias para que realizem conscientemente
a sua missáo de transmisores da vida; que os cónjuges levem
em conta sua responsabilidade diante da familia e da sociedade,
empenhando-se por evitar uma prole provávelmente doentia
(há, sim, nao poucos casos em que os cónjuges, mediante uma
disciplina de vida bem orientada, podem precaver-se contra
deficiencias no processo generativo e fazer de seus filhos os
herdeiros de uma natureza humana bem aquinhoada).

4. Observa$5o final

Nao se pode deixar de sublinhar que a personalidade hu


mana nao consta apenas de elementos materiais mais ou menos
sabiamente combinados entre si. O corpo humano, material,
é penetrado por uma alma espiritual, sede da inteligencia e da
vontade, ou seja, das faculdades mais nobres e características
do homem. Todavía essa alma espiritual, ao agir, depende da
materia (o homem nao é anjo, nao é espirito puro); uma cons-
tituicáo corpórea harmoniosa fornece-lhe os meios de expressao
que um organismo mal arquitetado nao lhe proporciona. Daí
a importancia do corpo na configuracáo de uma personalidade
humana.
Afirmando essa importancia, o cristáo nao se torna mate
rialista, pois nao esquece que o corpo humano é vivificado por
uma alma espiritual.

Como se compreende, os escritos sobre o assunto sao cada vez


mais numerosos. O que se reíere ao aspecto moral e cristáo da ques-

— 58 —
«TEOREMA» DE PASOLINI 11

táo, se acha no artigo de A. Serra: «Premesse e prospettive per un


controllo della generazione e dell'evoluzione umana», em «La Clvilta
Cattolica», a. 120, qu. 2864. 18/10/69, pp. 125-137. — Veja-se também
«P.R.> 67/1963, pp. 290-293; 116/1969, pp. 317-329.

II. CINEMA

2) «'Ueorema'... O filme tem sido calorosamente con


trovertido.
Que dizer?»

Resumo da resposta: O filme «Teorema» aprésente a historia de


um desconhecido visitante que viola físicamente a empregada, o filho,
a máe, o pai e a filha dé rica familia burguesa de Miláo. Retira-se
após tal visita, deixando perplexos e desesperados os habitantes do
palacete. Apenas a empregada encontra finalmente paz, entregando-se
á uniSo com Deus.
Apresentando tal enredo, Pier Paolo Pasolinl tenciona ser simbo
lista: o estranho visitante, segundo o autor, representa um enviado
do alto que sacode a acomodado burguesa de rica familia, mostrando-
-Ihe todo o vazlo de urna vida frivola e despreocupada.
Pasolinl, portante», quer despertar as consclénctas para o horror
de urna existencia destituida de Ideal.
Todavía o meio simbólico que ele escolheu, é demasiado opaco;
as cenas lascivas descritas chamam quase exclusivamente a atencáo
do grande público, dlficultando-lhe oompreender a pretensa mensagem
do filme. Mais: a sa consciéncla nao pode aceitar a exibicao do ero
tismo e da libidlnagem nem mesmo como instrumento para suscitar
tomada de consciéncia. «O fim nao justifica os meios». Alémdo que,
observa-se que o filme, apontando fallías dos burgueses, nao Uies
propSe solucao, mas se encerra com um grito lancinante de deses
pero. — Ora o cristáo sabe que nao há sltuacao irremedlável; Deus
aceita sempre um coracáo contrito e humilde, dando-lhe esperanca de
nova vida. Ao menos o filme de Pasolini sugere muito concretamente
quáo dolorosa é a existencia de quem ignora a Deus. Esta verdade,
porém, poderla ter sido expressa sem o recurso ao erotismo.

Resposta: Pier Paolo Pasolini, autor do filme «O Evange-


lho segundo Sao Mateus», langou nova producáo cinematográfi
ca: a famosa película «Teorema». Esta foi declarada «hors con-
cours» (o que é sumo louvor) em Festival Internacional do
Filme e premiada pelo «Office Catholique Internatíonal du
Cinema» no Festival de Veneza em 1968. Todavía o OCIC foi

— 59 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970. qu. 2

acerbamente criticado por haver assim procedido, merecendo


mesmo formal desaprovagáo da Santa Sé.
Na Italia, o filme foi peremptoriamente proibido pela cen
sura «como película monstruosa, que mostra o demonio inci
tando a loucura pela luxúria e perda dos sentidos e da moral».
No Brasil, a película vem sendo exibida com sucesso, deixando,
porém, os ánimos perplexos ou divididos em torno do assunto.
Na apreciagáo abaixo, exporemos sumariamente o enredo
da película; a seguir, procuraremos ponderar as t'azóes alegadas
de parte a parte por e contra «Teorema», o que nos possibilitará
tentar um julgamento objetivo

1. «Teorema» : conteúdo

O drama se desenrola na cidade de Miláo, onde vive rica


familia burguesa. O pai é industrial, proprietário de fábrica. A
máe leva existencia cómoda e fútil em sua aprazivel residencia;
lé livros avancados e diverte-se. O filho, Pietro, é estudante de
dicado á pintura; tem seus amigos, com os quais sabe brincar e
jogar, assim como tem sua namorada. A filha da casa também
ó estudante e namora. No rico palacete da familia, trabalha
urna empregada, Emilia, humilde e piedosa.
Certo dia um carteiro, Angelino (saltitante e brincalháo,
como bom italiano que é), vai levar um telegrama a familia
posta á mesa de almóco : um estranho e desconhecido visitante
anuncia que chegará no dia seguinte.
Convivendo nesse ambiente burgués, o jovem hospede im-
pressiona e inquieta a todos, embora nada faca para doutrinar
ou persuadir quem quer que seja.
A primeira pessoa afetada é a empregada. Enquanto tra
balha no jardim, langa continuamente o olhar para o visitante
assentado sobre a relva a ler; perturba-se, entra em casa e
ora; volta ao jardim, sente-se atraída, mas hesita, até que
desmaia, dando ocasiáo a escabroso desfecho
Vem a vez do filho da casa. A seguir, a esposa, o marido
e a menina passam por semelhante processo. A simples presen-
ga do jovem os angustia e leva a procurar relagóes.
Um belo-dia, porém, novo telegrama faz que o visitante
anuncie á familia que partirá em breve. Todos entáo se con-
tristam e sucessivámente lhe confessam quanto bem ele lhes
fizera; tirara-os do vazio e do formalismo de urna vida cómoda

— 60 —
.____ «TEOREMA» DE PASOLINI 13

e despreocupada de burgueses honestos; despertara néles o


interésse por urna vivencia mais consciente e profunda. Julga-
vam, porém, que após a partida do visitante recairiam no tedio
e na molestia de que antes padeciam. Numa palavra: sentiam
o asco de sua vida passada, mas nao viam como encher e digni
ficar a sua vida para o futuro.
Parte o jovem, e o lar se desmantela.
A primeira a abandoná-lo é a empregada Emilia, que volta
para a sua aldeia, onde se dedica á oracáo, á meditacáo e ao
jejum rigoroso; realiza milagres e finalmente pede que a enter-
rem (apenas com o rosto descoberto), pois quer derramar
lágrimas, que seráo nascente... nao, porém, nascente de dor.
Emilia assim volta-se para Deus; aprofunda-se na sua prática
religiosa, resolvendo o problema do vazio e da angustia que
experimentava.
A jovem filha da casa, estonteada, procura alivio contem
plando fotografías do visitante; passa o dedo sobre urna délas,
fecha a máo como se quisesse guardar o que assim captara;
a seguir, torna-se toda rígida ou catatónica e é removida para
urna clínica. Assim termina o seu papel.
O rapaz Pietro repudia os padrees da arte que até entáo
havia seguido e julga necessário descobrir novo estilo para a
pintura; o azul ó a cor que mais lhe lembra o estranho visitante;
prevé, porém, que nao será aceito se fizer quadros de urna
só cor.

A dona da casa toma seu carro e nos arredores de Miláo


interpela os homens que por seus traeos lhe possam lembrar
o visitante; comete adulterios; por fim, vé urna estatua do
Sagrado Coragáo de Jesús; desesperada, em pranto, entra numa
capelinha...
Quanto ao pai de familia, resolve doar sua fábrica aos
operarios. Desnuda-se em urna estacüo ferroviaria de Miláo e
parte para o deserto. O filme se termina com a cena daquele
homem que, caminhando sobre a areia, prorrompe em lanci
nante brado de desespero. A nota final da película é precisa
mente ésse grito de angustia no deserto!
Deve-se observar que o filme se inicia com a perspectiva
de urna fábrica, onde um grupo de homens dialoga entre si
sobre a burguesía e suas possibilidades no futuro.
A esta cena se segué imediatamente urna visáo de deserto,
ilustrada por dizeres bíblicos : o Senhor afirma que tendona
levar seu povo para o deserto... Alias, a imagem do deserto

— 61 —
14 «PERGUNTE E RE5PONDEREMOS> 122/1970, qu. 2

reaparece continuamente no decorrer do filme: as cenas esca


brosas sao entrecortadas pela bela fotografía da areia que o
vento levanta. Éste artificio é certamente portador de simbo
lismo, como adiante se verá.
O fundo musical de «Teorema» incluí coráis religiosos,
entre os quais pegas da Missa de «Réquiem» de Mozart
Pergunta-se agora: que pensar de táo intrigante produgáo?

2. «Teorema» : sim ?

Os críticos favoráveis ao filme assim argumentam:


O espectador nao se deve deter no aspecto superficial da
película, pois esta é realmente chocante por seus quadros lasci
vos. Infelizmente, porém, a grande maioria do público só consi
dera os quadros concretos e super-realistas de «Teorema».
Compreenda-se, antes, a intengáo elevada e profundamente
filosófica do autor.
Pasolini quer criticar a sociedade que vive cómoda e des
preocupadamente. O misterioso visitante (cuja procedencia e
cujo ulterior destino nao sao indicados) é símbolo: simbolo
de um anjo ou do demonio ou do próprio Deus: «Meu perso-
nagem representa a autenticidade. Que seja o Diabo ou o Bom
Deus, é a mesma coisa», 'diz explícitamente Pasolini (alias,
em tom irreverente).
Ésse visitante, entrando na casa de familia leviana, faz
o que Deus ou o «emissário da autenticidade» faria: sacode,
abala, inquieta, suscita o repudio da vida superficial. Neste
contexto os contatos carnais tém sentido alegórico : significam
que os diversos membros da familia foram «violados» por urna
Fórca superior no mais íntimo do seu ser. O autor pretende
sugerir esta interpretagáo apresentando constantemente a visáo
do deserto, ilustrada por dizeres biblicos que falam da agáo
de Deus em favor do seu povo no deserto. Realmente, o deserto
tem significado místico na Biblia1; lembra a purificagáo, a
conversáo, a volta para Deus.

i Podem-se citar a propósito textos como Jor 31,2s: «Assim íala


o Senhor: 'Achou grasa, no deserto o povo que tinha escapado da
espada. Dentro em pouco Israel gozará de repouso'. De .longe se me
deixou ver « Senhor: 'Amo-te com amor eterno, « por isto te outor-
guei os meus favores'».
Os 2,16s: «Diz o Senhor: «Atrai-la-ei (a virgem de Israel), con-
duzl-la-ei ao deserto e lhe íaiarei ao corac&o... Ai ela cantará como
no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da térra do
Egito».

— 62 —
«TEOREMA» DE PASOLINI 15

Assim mediante o filme «Teorema» Pasolini intenciona


denunciar a vida falsamente acomodada de tantos homens de
nossos días: pretende mostrar-lhes o vazro de tal existencia,
que pode levar las raias do desespero e da loucura. Ao faze-lo,
porém, o escritor italiano nao deixa de manifestar a sua preo
cupado com a questáo social: o preludio do filme fala de
luta de classes e revolta da pequeña burguesía; a crítica do
pintor Pietro aos padróes da arte vem a ser, no seu pleno
sentido, urna crítica dirigida á sociedade contemporánea e á
sua estrutura...

Alguns comentadores chegam a dizer que o jovem visitante


representa «a mais bela, a mais comovente e a mais luminosa
manifestagáo de amor crístáo do homem pelo seu semelhante»
(«Jornal da Tarde» de Sao Paulo, 13/10/69, p. 31). Nisto,
porém, parece ultrapassar as intengóes de Pasolini. Além do
que, deve-se dizer que é absurdo associar amor cristáo e per-
versáo sexual (mesmo que esta seja mero símbolo); aínda
que se queiram atribuir ao jovem visitante as melhores das
intencóes (ou seja, o desejo de tirar seus semelhantes da indi-
ferenca e da superficialidade de vida — o que, sem dúvida, é
obra muito crista), jamáis se poderá admitir que o procedi
miento concreto de tal visitante seja compativel com a consci-
éncia crista; esta repudia peremptóriamente os abusos sexuais.

Após ter considerado o parecer dos que aplaudem o filme


«Teorema», refutamos um pouco mais a fundo sobre o assunto.

3. «Teorema» : nao ?

Pode-se muito bem admitir que Pasolini tenha sido movido


por intengóes positivas ao conceber o seu «Teorema»; as pro-
dugóes de tal autor costumam ter um fundo filosófico, pro
curando levar ao público urna mensagem. Todavía parece que
tres observagóes de importancia capital devem ser feitas á
película :
1) O modo de apresentar as relacóes «ábaladoras e in
quietantes» do jovem visitante com os membros da familia
visitada nao pode ser justificado. Impressiona a tal ponto o
público que éste quase perde a capacidade psicológica de perce-
ber a possível mensagem da película. Para significar o contato

— 63 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 2

benéfico com um emissário do alto, nao se compreende que um


artista recorra a cenas chocantes como as que Pasolini conce-
beu; poderia ter escolhido outros símbolos para designar o
abalo interior, o repudio do passado e a benevolencia do homem
para com os seus semelhantes (o demonio leva a desordem
sexual; Deus, porém, nao conduz a isso...). Há flagrante con
traste entre a finalidade filosófica do filme e os episodios que
pretendem ser veículos da respectiva mensagem; a Biblia, que
tanto incute a dignidade e a integridade do lar, é como que
violentada quando introduzida em tal filme.

Se Pasolini tencionava transmitir ao mundo de hoje algo


de valioso e positivo, devia fazer como todo bom mestre: ser
claro na formulacáo da sua mensagem; a primeira qualidade
do professor idóneo é precisamente a clareza. Añida que qui-
sesse servir-se de símbolos, devia servir-se de imagens tais que
o público as compreendesse — o que nao se dá em «Teorema»,
onde as cenas escabrosas sao tantas e tais que ofuscam o pen-
samento profundo do autor.

Talvez seja útil levar em consideracáo as observag5es de


Leo Gilson Ribeiro concernentes a Pier Paolo Pasolini:

«Romancista que focaliza a vida dos rapazes que se prostituem


a ambos os sexos nos oorticos de Roma, defende seu homossexualls-
mo, apresentando o ator Ninetto, comparsa de Totó em 'GaviSes e
Passarinhos', como 'minha noiva', e escreve alguns dos mais belos
poemas de amor da Hngua italiana, dedicados a companheiros eróticos
de encontros furtivos, em 'Poesía in forma di Rosa'.
18 natural que Pier Paolo Pasolini esteja sempre circundado de
urna aura de escándalo. Preso por ter roubado um restaurante ('para
experimentar a sensacáo de ser ladráo'), ensaista intelectual, místico
maj-xista. comunista íreudiano, individualista que acredita no povo,
aristócrata requintado que busca na arte urna resposta a sua angustia,
partindo da estética para atingir a ética...> («Jornal da Tarde» de
Sao Paulo, 13/10/69, n. 31).

2) Pasolini em seu filme mostrou todo o vazio de urna


vida acomodada e superficial; criticou, mas nao apresentou
solucáo para o mal denunciado; ao contrario, deixou que a
película se encerré com um brado de desespero no deserto.;
esposo, esposa, filho e filha levam trágico fim no enredo...
Será que o escritor italiano nada tinha a oferecer de constru-
tivo e animador para o seu público ?... Como quer que seja,
se o cristáo repudia a vida aburguesada, ele sabe ao mesmo
tempo que há possibilidade de dar sentido á sua existencia

— 64 —
«TEOREMA» DE PASOLINI 17

terrestre, mesmo que esta tenha sido mal iniciada ou arquite-


tada; Deus, que por seus mensageiros repreende o homem,
nao é sementé Juiz; é também Pai, Pai que recebe o filho arre-
pendido todas as vézes que ele queira voltar, e nunca condena
ao desespero na vida presente. O desespero nao é cristáo.
O filme de Pasolini assim póe em evidencia quanto é
dolorosa ou mesmo cruciante urna vida sem Deus; a pessoa
que a leva, procura sua felicidade nos prazeres fúteis propor
cionados pelas criaturas; decepcionada, porém, nao sabe a quem
recorrer ! «Tu nos fizeste para Ti, Senhor, e inquieto é o nosso
coracáo enquanto nao repousa em Ti!» (S. Agostínho, «Con-
fissóes» 11).

3) Verdade é que «Teorema» alude aos valores religiosos.


A máe de familia, depois de prevaricar mais de urna vez,
recolhe-se em urna cápela. Quería Pasolini insinuar que ela
encontraría ai a almejada paz ? — A empregada Emilia, depois
de afetada pelo visitante, envereda pelo misticismo... Misti
cismo sadio ou mórbido, histérico? Dizendo que, enterrada,
ela derramaría lágrimas que seriam urna nascente, quería Emi
lia insinuar que ela haveria de obter melhores dias para a
sociedade mediante a prece ? Tal insinuacáo seria genuina-
mente crista: as almas devotadas a Deus na oracáo e na peni
tencia sempre foram consideradas como intercessoras que po-
dem obter do céu clemencia e misericordia.

É possivel que Pasolini, mostrando que Emilia encontrou


a paz da alma em Deus, tenha intencionado sugerir o seguinte:
a empregada soube aproveitar a visita do jovem estranho,
afervorando-se mais e mais no amor ao Senhor e ao próximo,
justamente porque era a única pessoa nao aburguesada no
palacete de Miláo. Ao contrario, os membros da familia, defor
mados pela leviandade, eram irrecuperáveis; por isto nao viram
como reestruturar a sua vida depois do abalo que simbólica
mente sofreram com a visita do jovem «emissário».

4. Conclusao

A intencáo de despertar os homens do torpor em que o


bem-estar e o comodismo os mergulham, é plenamente válida
e crista. Ninguém censurará Pasolini por ter tido tal mira na
concepeáo do seu «Teorema». Deve-se, porém, dizer que o modo
como procurou obter tal objetivo, merece seria reprovagáo por

— 65 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 3

parte da consciéncia crista ou — mais ainda — por parte da


sadrá consciéncia humana.

Ainda hoje vigora o axioma: «O fim nao justifica os


meios»; a exibigáo do erotismo e o cultivo da libidinagem nao
se justifícam nem a pretexto de ajudar os homens a sair de
sua vida emburguesada. Na prática, os eféitos nocivos da pelí
cula pesam muito mais do que os pretensos resultados posi
tivos da mesma.
O livro «Teorema», traduzido para o portugués, saiu em
1969 na Editora «Nova Fronteira».

III. PERSONALIDADE HUMANA

3) «Pede a tortura ser admitida como processo válido


para por fim ao terrorismo « defender a patria» ?

Resuma da resposta: A tortura era reconheclda e aplicada pelo


antiRO Dlreito Romano. Todavía caiu em total desuso quase no fim
da Idade Antiga por influencia de pensadores cristaos (inclusive o
Papa Nicolau I, 858-867). O renascimento do Direito Romano, no
sáculo XII, fez que a tortura voltasse a ser aplicada oficialmente nos
séculos subseqüentes. A partir do sáculo XVI, levantaranvse vozes
contrarias a tal praxe, de sorte que nos séculos XVIII/XIX ela desa-
pareceu dos códigos penáis. Continua, porém, a ser aplicada por certos
regimes, recorrendo a processos modernos despersonalizantes, que
atentam profundamente contra a dignidade humana.
A Igreja reprova a tortura como sendo atentado violento á pessoa
humana, a qual tem direito a ser respeitada em seu físico e em seu
psíquico. Nem mesmo em vista de coibigao de crimes é licito recorrer
a tal procedimento, pols em hipótese alguma o fim justifica os meios.

Resposta: Torturar, no sentido judiciário e preciso, é sub-


meter alguém a tormentos progressivos (que se podem tomar
desesperadores), a fim de extorquir-lhe urna conñssáo de culpa,
urna denuncia ou outra declaragáo, tidas como úteis ao bem
comum ou á extirpacáo de males públicos (como sejam o ban*
ditismo, a guerrilha, o terrorismo...).
A tortura, nos últimos tempos, tem sido oficialmente con
denada no Brasil como sendo contraria aos direitos do homem.
A fim de ilustrar o assunto, vamos, ñas páginas que se seguem,

— 66 —
TORTURA: SIM OU NAO? 19

examinar com atencáo os argumentos evocados no decorrer


dos séculos para defender e impugnar a tortura; finalmente
proporemos o ponto de vista da consciéncia crista sobre a
questáo.

1. Tortura : histórico

1. Constranger alguma pessoa pela violencia a reconhecer


ou indicar algo é modo de proceder a que os homens devem ter
recorrido desde remotas épocas.
Os povos antígos procuravam apurar a verdade em mate
ria criminosa ou pelo emprégo de tortura ou pelo recurso aos
«juízos de Deus» ou ordálios. Os ordálios eram artificios ou
provas a que os juizes submetiam as pessoas suspeitas (faziam-
-nas atravessar o fogo, atiravam-nas na agua profunda, subme-
tiam-nas a um duelo...); caso os acusados superassem ilesos
tais provas, eram tidos como nao culpados (o próprio Deus
estaría dando testemunho da inocencia dos acusados).
A tortura estava em uso ñas cidades gregas pré-cristás
(séculos VII-IV a. C.) assim como no Imperio Romano. Era
largamente aplicada a escravos, para que confirmassem as suas
declaragóes (pois os patroes nao confiavam nem na simples
palavra nem no juramento dos escravos). O Direito Romano
a principio isentava da tortura os homens livres, mas já no fim
da República Romana admitia-a para quase todos os cidadáos.
Os cristáos do Imperio sofreram a tortura para desdizer á sua
fé em Cristo e sacrificar aos deuses.
A tortura entrou em declínio quando os povos bárbaros
invadiram a Europa. É bem possível que os germanos nao
conhecessem a tortura, mas apenas os ordálios ou juízos de
Deus, cuja prática éles espalharam largamente pelos territo
rios europeus.

2. No sáculo XVI o reflorescimento dos estudos do antígo


Direito Romano ocasionou a restauragáo da tortura nos proces-
sos judiciários civis da Idade Media : adotaram-na os reis Fre-
derico H da Sicilia (1215-1250), Luís DC da Franca (1226-
-1270), Afonso X de Castela, assim como as constituicóes de
cidades da Italia, da Alemanha, da Flándria.
Quanto aos juristas ou canonistas da Igreja, seguiam a
norma formulada em 1140 pelo famoso mestre Graciano:
«Quod confessio cruciatibus extorquenda non sit. — A confis-
sáo nao há de ser extorquida mediante tormentos»» («Decietum

— 67 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 3

Gratianb c. 15, qu. 6, § Quod vero). Todavía a partir do


secuto Xm, estando a tortura em uso nos processos civis, os
canonistas tiveram que reconhecé-la nos tribunais da Inqui-
sigáo.

Diga-se de passagem: a Inquisigáo nunca foi um tribunal


meramente eclesiástico, mas desde o seu inicio fundonou sob
a agáo conjunta de eclesiásticos e civis; estes foram mais e
mais prevalecendo na Inquisigáo, a ponto que esta veio a ser,
a partir do sáculo XIV, um instrumento cada vez mais hábil
mente manejado pelos reís e senhores civis da Europa; estes
tencionavam assim executar planos de interésse pessoal ou
nacional. Cf. o artigo sobre Inquisicao em «P. R.» 8/1957,
pp. 23-33.

Os juristas medievais estipularam certas restrigóes á apll-


cagáo da tortura:
1) bouvesse plena certeza de que o delito fóra cometido;

2) houvesse relativa certeza em torno da pessoa culpada


(relativa certeza decorrente de urna prova ponderosa, mas
ainda insuficiente);

3) nao existisse outro meio para se adquirir plena cla


reza no caso.

Mas nem mesmo todas as pessoas que se enquadrassem


nestas condigóes estavam sujeitas a torturas. Ficavam isentos
os anciáos (após os 60 ou 70 anos), as criangas (antes dos 14
anos), as mulheres grávidas, os enfermos, os feridos e (na
medida em que estivessem impossibilitados de seguir um inter
rogatorio) os amentes e os surdo-mudos. — Ao juiz nao era
lícito mandar proceder á tortura caso nao admoestasse previa
mente a pessoa acusada, dando-lhe tempo e meios de se defen
der. Em muitos casos nao bastava a sentenga de um juiz, mas
exigia-se que ao menos dois juízes decretassem a aplicagáo da
tortura. Ao juiz tocava orientar a tortura e responsabilizar-se
por suas conseqüéncias; um médico devia acompanhar o_ indi
viduo torturado a fim de lhe prestar a devida assisténcia em
casos infelizes. Os oficiáis de justiga que aplicassém abusiva e
exageradamente a tortura, eram sujeitos a penas, inclusive a
pena de morte (caso provocassem a morte do torturado); tam-
bém eram punidos os oficiáis que negligenciassem dar aos
acusados as garantías que as jéis lhes asseguravam.
Caso o réu confessasse a sua culpa ou fizesse alguma
declaragáo*sob o efeito da tortura, era convidado a confirmar

_ 68 —
TORTURA: SIM OU NAO? 21

os seus dizeres diante de um tribunal, livre e distante de todo


tormento, a certo intervalo de tempo (geralmente 24 horas
depois). Essa confirmacáo posterior — e essa só — decidía a
sorte do réu, pois a confissáo de culpa extorquida, mas nao
confirmada, era tida como nula (servia apenas de indicio para
que se repetisse a tortura). A tortura podia ser repetida duas
vézes; se nos tres casos o acusado confessasse e depois recusasse
confirmar, e se nao houvesse indicios claros de que era, de
fato, réu, o tribunal o punha em liberdade (por insuficiencia
de provas); apenas se Ihe aplicavam doravante certas medidas
de cautela, pois era pessoa suspeita.

O acusado que confessasse até o fim a sua inocencia,


resistindo a todos os tormentos, era considerado isento de
culpa e suspeita.

3. No sáculo XVI comecaram a se ouvir vozes autori


zadas contrarias a tortura :■ em vez de a julgarem um mal
necessário, que seria preciso aceitar, apresentavam-na como
expressáo de barbarie, que seria mister remover. Apareceram,
no século XVII, obras que propugnavam a aboliclo da tortura,
tanto da parte de escritores católicos (Fr. von Spee, J. Schaller,
A. Nicolás), como da parte de protestantes (J. Graefe, M.
Bemhard); o número désses escritos foi crescendo no século
XVIH, de modo a impregnar a opiniáo pública. Em conse-
qüéncia, a tortura foi oficialmente eliminada dos processos
judiciários da Europa ocidental entre fins do século XVHI e
inicio do século XIX.

Todavía ésse duro tratamento continua, sob títulos diver


sos, a ser praticado até nossos días: os regimes totalitarios
tendem, sim, a extorquir confissóes e declarac.óes das pessoas
Suspeitas mediante os mais requintados recursos, que váo desde
a violencia física até a coacáo moral, a despersonalizacáo do
sujeito, a lavagem de cranio, os interrogatorios «de terceiro
grau»... As finalidades visadas pelos modernos torturadores
sao paralelas as dos antigos; apenas os meios de tortura sao
mais esmerados; além do que, hoje em dra nao se reconhecem
aos individuos tortúrenlos as garantías e os direitos que os
medievais, em sua boa fé, estipulavam em favor dos acusados.
Assim a tortura contemporánea pode assumir formas mais
atrozes e atentatorias do que a antiga.

Passemos agora á oonsideragáo do aspecto moral da


questáo.

— 69 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 3

2. E a consciéncta... ?

1. Na antignidade pré-cristá, os gregos e romanos pare-


cem nao se ter preocupado muito com o aspecto moral da apli-
cacáo da tortura; nao abordaram o assunto senáo dentro dos
termos da jurisprudencia.

2. Antíguidade crista. Sao os pensadores cristáos os que,


pela primeira vez na historia, propóem urna avaliagáo moral
de tal praxe: avaliagáo negativa. Assim Tertuliano (f após
220) declarava indigna de um juiz cristáo a aplicagáo de tor
mentos («De corona» 11; «De idololatria» 17); S. Agostinho
(t 430) denunciou a. injustiga que vem a ser a aplicagáo de
urna pena certa por um delito incerto («De civitate Dei» 19,6);
o Papa Nicolau I (858-867), consultado a respeito pelos búlga
ros, reprovou a tortura, que, dizia ele, «nao era admitida nem
pelas leis divinas nem pelas leis humanas, pois a confissáo deve
ser espontánea, e nao arrancada pela violencia»1. Retomando
essa fórmula, o famoso «Decreto de Graciano», fonte autori
zada da jurisprudencia eclesiástica, mandava: «A confissáo
nao deve ser extorquida, mas, antes, ser professadá espontá
neamente. — Confessio non extorquen debet, sed potius sponte
profiteri».
O pensamento cristáo se manifestou sempre do mesmo
modo até a Alta Idade Media.

3. Idade Media. Quando no sáculo XII a tortura, que


oficialmente deixara de vigorar, foi reintroduzida pelas auto
ridades govemamentais, ela foi enquadrada pelos juristas dvis
dentro de um sistema do qual ela difícilmente poderia ser can
celada. Os mestres cristáos entáo apenas puderam obter mode-
ragáo no uso désse recurso. A literatura crista dos sáculos XHI
e XIV apresenta nao poucos conselhos e exortagóes á brandura
dirigidos aos inquisidores que, conforme a praxe da época,
aplicavam a tortura. A propósito ocorre interessante página
de Jean Giriraud:

<É preciso dizer que a Inquisicáo aplicou a tortura nao com a


crueldade requintada que lhe atribuem os seus adversarios, mas com
as maiores cautelas e em casos totalmente excepcionais... Todos os
manuals dos inquisidores faziam observar que a tortura só devla ser
infligida em casos multo graves e quando houvesse seria probablli-
dade de culpa... Para submeter alguém á tortura, era necessário

Veja-se a integra do texto á página 27(75)s.

— 70 —
TORTURA: SIM OU NAO? 23

que se tivesse 'meia prova' do seu crlme, por exemplo, dois indicios
serios, dois Indicios veementeg, como dlzia a linguagem dos inquisi
dores (o depoimento de urna testemunha digna de crédito e a ñiá
fama, os maus costumes ou as tentativas dé fuga do acusado). A tor
tura só era aplicada quando estavam esgotados todos os outros meios
de investigacao. Nao ficava ao arbitrio exclusivo do inquisidor pres-
crever a tortura... O Concilio de Viena em 1311 decretou que cada
caso fósse submetido a urna comissáo, a qual deveria sujeitar sua
sentenca ao bispo diocesano.

Em tais condicSes, a Inqulsicao só raramente reconreu á tortura.


No sul da Franca, onde a Inquisicáo estéve tao ativa nos sáculos
XIII e no inicio do século XIV, os inquisidores usaram tao pouco a
tortura que certos historiadores se surpreenderam com isto e qui-
seram supor — sem íornecer a mínima prova — que o emprégo da
tortura era mencionado em registros especiáis que hoje estáo desa
parecidos... Ñas 630 sentencas registradas nos arquivos de Tolosa,
desde 1309 a 1323, há urna única mencáo de recurso á tortura...
O laconismo dos documentos é, para nos, indicio muito serio do ca-
ráter todo excepcional do emprégo da tortura na regiáo do Lan-
guedoc. Fizeram-se as mesmas constatagCes na Provenga, na Franca
e em outros países do Norte» («Inquisition», em «Dictionnaire Apolo-
gétique de la Foi Catholique» II. Paris 1911, col. 873s).

Em urna palavra : os moralistas e juristas da Igreja, na


Idade Media, reconheceram o uso da tortura, que a jurispru
dencia civil admitía. — Isto talvez cause estranheza ao leitor;
todavía deve-se dizer que dentro das circunstancias da época
medieval tal atitude nao causava problema de consciéncia nem
mesmo aos santos; a tortura devia parecer algo de justificado
para quem vivia dentro dos quadros de pensamento e costumes
dos sáculos XII-XV.

4. A partir do século XVI. Com a Renascenga e o huma


nismo do século XVI, a historia entra em nova fase : a cultura
geral se enriquece, as ciencias progridem, térras remotas no
Oriente e no Ocidente sao descobertas... Estes dados mudaram
o cenarlo da época e permitiram aos homens rever certos mo
dos de pensar e viver. Assim é que doravante a literatura reli
giosa apresentou sucessivos protestos contra a tortura.

Todavia aínda se fizeram ouvir vozes de moralistas (entre


os quais De Lugo, 11660, e o próprio S. Afonso María de Ligó-
rio, f 1787) que julgaram poder justificar a tortura em casos
bem restritos. Eis como raciocinaram :

O juiz tem o direito e o dever de procurar conhecer a rea-


lidade dos fatos. Dado, porém, que o juiz esgote os meios
normáis para chegar á posse da verdade, o bem comum da
sociedade pode exigir que submeta as pessoas suspeitas. de
crime a meios constrangedores, como a tortura. Os tutores
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 3

da ordem pública tém a incumbencia de apurar a responsabili-


dade dos individuos indigitados.
Veitdade é que cada pessoa tem o direito de falar e se
calar segundo seu livre arbitrio. Todavía éste direito deve ceder
aos interésses da sociedade, desde que esta se veja ameagada
pelo silencio ou pelo comportamento misterioso de um dos seus
membros. Os danos que resultariam para a sociedade do fato
de se ignorar o autor de determinado delito, podem ser bem
maiores do que os males acarretados pela violacáo da liberdade
ou dos direitos de um individuo.
Contudo mesmo os moralistas que assim pensavam, esta-
beleceram condicóes bem definidas para que seja lícito o uso
da tortura. Tais seriam :
a) contra o acusado já haja indicios que constituam urna
prova semiplena (conñssáo extra-judicial, depoimento de urna
testemunha insuspeita.. .•);
b) a pessoa acusada nao seja das que gozam da imuni-
dade de tortura reconhecida pelo direito natural ou pelo direito
positivo;
c) estejam esgotados todos os recursos mais Aandos
para apurar a verdade; ^l
d) a tortura nao seja insuportável a quem a sofrerá.
levadas em conta as condigóes de saúde e resistencia física
dessa pessoa;
e) dé-se ao pretenso réu a oportunidade de confirmar ou
de retratar em ambiente tranquilo a confissáo extorquida.

Veja-se a propósito S. Afonso Maria de Ligório, «Theologia Mo-


ralls» IV, cap. 3 a.3, n" 202, II; J. De Lugo, «De iustitla et iure>.
disp. XXXVH, sect. XIII, ed. Fournlals, VIL Paris 1869, p. 724.

5. Em nossos días, ainda há juristas e oficiáis de policía


adeptos da tortura. Esta verificagao pode ser ilustrada pelo
que se lé na revista «VEJA» de 10/12/69, pp. 20-22, donde
extraímos os seguintes trechos:

«Exlstem, e nao sao poucos, os que defendem as torturas.


Waldo Bandeira Fraga, quarenta anos, delegado de policía em
Nlteroi, ...as admite abertamente: 'files sfio multo duros. O crimi
noso é gente multo receosa de passar por dedo-duro, ter de enfrentar
os amigos depois, entende? Por isso é preciso multo pau em cima
déles. Acho que a policía está certa em agir assim'.
... O delegado Eldes Schenini Mesqulta, 35 anos, cheíe de gabi
nete do Superintendente de Servlcos Policiais de Porto Alegre, que é

— 72 —
TORTURA: SIM OU NAO? 25

estudante de Direito... é um déstes: 'O uso de tais métodos (de


tortura) deverá um día ser abolido, quando se puder fazer, de fado,
a coacto psicológica através de sistemas eminentemente científicos.
O que se condena, é a dosagem em excesso dessa violencia' (os grifos
sao do próprio delegado Schenini, que, pela gravidade de suas opi-
nifies, preferiu dá-las por escrito)... No íim da semana passada,
num manifestó distribuido por Volkswagens ñas rúas centráis do
Rio, um grupo de cidadáos que se assinavam oom as siglas VAR-
•Palmeiras, MR-8 e PCBR criticava veladamente todos os jamáis do
país e o próprio ministro da Justica pela campanha iniciada pelo
govérno contra as torturas.
... Roger Willaume, inspector-geral das policías civis da Franca
no periodo da guerra da Argelia, expunha detalladamente sua posi-
gao pro-torturas. Dizia num relatório: 'Os métodos de agua e eletri-
cidade, desde que cuidadosamente usados, produzem um choque que
é mate psicológico do que físico, e nSo constltuem, portante, cruel-
dade excesslva... Esta conclusao, que nos leva de volta a um pas-
sado recente e doloroso, pode parecer repugnante. Mas, desde que o
problema está em nossas maos, nos devenios enfrentá-lo com co-
ragem*.
Os argumentos dos torturadores soam racionáis, lógicos. 'Em nossa
opiniao, há duas coisas básicas quando se considera a questao das
torturas. A primeira é que nos estamos em guerra — urna guerra
contra a subversao — e que essas pessoas (lsto é, os torturados) sao
os inlmigos... A outra coisa é que urna pessoa com urna ideología
nao da Informacáo 'de presente', teria dito a Peter Kramer, cor
respondente no Rio da revista semanal de informacOes americana
'Newsweek', alto oficial dos servlcos de inteligencia braslleiros...
Talvez oom boa intengfto democrática e também com um excessivo
zélo pelas idéias com que definem democracia, éles parecem dizer:
*É melhor dar pancadas neste cldadáo e obrigá-lo a confessar onde
estío os outros terroristas, para evitar que éles matem pessoas ino
centes'».

Os autores cristáos, porém, nao hesitam em condenar ca


tegóricamente a tortura como até a Alta Idade Media fizeram.
Os argumentos em que se baseia a rejeicáo merecem detida
atengáo.

3. Tortura ? — Nao !

1. A aplicagáo da tortura vem a ser um atentado contra


a pessoa humana, tanto da vitima como do carrasco; por isto
é um procedimento intrínsecamente mi por si mau.
Com efeito, toda pessoa humana tem direito a
a) ser respeitada ou ser tida como inviolável na alma
e no corpo. Em eonseqüencia, tem o direito de nao ser maltra-'
tada físicamente (desde que nao haja evidencia de que merece
urna pena), como tem o direito de guardar os segredos que
esteja obligada a conservar.

— 73 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 3

b) Outrossim tem o direito de manter, ou de nao con


correr para vilipendiar, a sua reputagáo.
A Declaragáo dos Direitos do Homem, promulgada pela
ONU em 1948, reza no seu artigo VII:

«Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou


castigo cruel, desumano ou degradante».

Tais dizeres fazetn eco ao artigo 9' da «Declaragáo dos Direitos


do Homem e do Cidadao» votada pela Assembléia Constituinte Fran
cesa aos 26 de agdsto de 1789:
«Todo homem se presume inocente antes de ser declarado culpa
do; mas, se a sua prisáo fór considerada indispensável, todo rigor
excessivo na detencao da sua pessoa deverá ser severamente repri
mido pela lei>.

O Código de Direito Canónico, inspirando-se neste direito,


assim reza:
«As pessoas indigitadas tém a obrigagáo de responder e
confessar a verdade a» juiz que as interrogue legítimamente,
a menos que se trate de falta cometida pelo próprib sujeito
interrogado» (can. 1743, § 1).
De resto, a jurisprudencia eclesiástica, segundo o atual
Código de Direito Canónico, n§<rijadmite o uso de qualquer
tipo que seja de coacáo, para s^obter a confissáo de urna
pessoa suspeita.
2. Se a tortura é intrínsecamente má, ela nao pode ser
utilizada nem mesmo para se obterem informagóes que permi-
tiriam salvar a vida de pessoas inocentes. O fim nao justifica
os meios. O que é intrínsecamente mau, fica sendo mau, quais-
quer que sejam as circunstancias em que possa ser aplicado.
3. Verifica-se, de resto, mais e mais algo de que os medi-
evais já tinham consciéncia: a tortura pode, em nao poucos ca
sos, obter toda e qualquer confissáo (mesmo falha ou mentirosa)
de delito sugerida pelos juízes e carrascos. Um inocente entáo
vem a ser apresentado ao público como criminoso e punido
como tal; comete-se assim a injustica sob foros de legalidade
e abre-se as autoridades porta para todo tipo de arbitrariedade.
Nem se tomam em nossos dias as cautelas que (como dito
atrás) os medievais estipulavam em favor do réu.
4. Nos tempos atuais tem-se usado em processos policiais
a narco-analise. Esta consiste em que se ministrem ao paciente
narcóticos exatamente. dosadps (as drogas ou o sóro «da ver
dade») que colocam o individuo num estado intermediario

— 74 —
TORTURA: SIM OU NAO? 27

entre a consciéncia lúcida e o sonó ; assim a pessoa perde o


devido controle de suas palavras e de seus gestos; sofre di-
minuicáo em sua capacidade de auto-crítica e torna-se parti
cularmente sugestionável frente ao médico ou operador que.
pretende dirigi-la. Tal método, aplicado em processos judiciá-
rios, constituí um atentado á personalidade humana talvez
aínda mais grave do que a tortura. A consciéncia crista o re-
jeita sem hesitacáo.

De resto já se disse que o uso de torturas é como urna


industria de desajustados, de tal modo traumatiza psíquica
mente os pacientes:

«O processo de tortura é como urna industria de desajustados.


Cria um clima de terror que age sobre t&das as pessoas, inclusive
sobre aquelas que nao tém envolvimento político. Acentúa síntomas
e idélas de perseguicao. Gera apreensáo, expectativa, quase que um
pánico generalizado. Cria-se um clima "de ansiedade que a gente per-
cebe no ar. E ésse clima acaba transportando-se para outras áreas
nao específicamente ligadas ao aspecto político, interferindo na produ-
tividade e no relacionamento familiar* (palavras do médico psiquiatra
Antonio Sapienza, publicadas por «VEJA» aos 10/12/69, p. 23).

5. Tenham-se em vista os dizeres do S. Padre Pío XH


proferidos em um discurso aos participantes do VI Congresso
de Direito Penal Internacional (3/10/1953):

«Já o primeiro passo da acao punitiva, a prisao, nao pode obede


cer ao capricho, mas deve respeitar as normas jurídicas. Nao se pode
admitir que até o homem mais irrepreensivel possa ser preso arbitra
riamente e sumir-se sem mais numa prisao. Mandar alguém para um
campo de concentracao e conservado néle sem qualquer processo re
gular, é zombar do direito.
A oonstituicao do processo deve excluir a tortura íisica e psíquica
e a narco-análise, primeiro por lesarem um direito natural, mesmo se
o acusado é realmente culpado, e, depois, por muitíssimas vézes da-
rem resultados erróneos. Nao raro, de fato, levam exatamente ás
confissSes desejadas pelo tribunal e á condenacáo do acusado,. nao
por éste ser culpado em verdade, mas porque a sua energía íisica e
psíquica está esgotada e ele se encontra pronto a fazer toda especie
de declaracdes que desejem. 'Antes a prisao e a morte que tal tortura
íisica e psíquica!' Déste estado de coisas encontramos abundantes
provas nos processos espetaculares bem conhecidos, com as suas con-
íissoes, as suas auto-acusacóes e os seus pedidos de castigo inexorável.
Há 1.100 anos aproximadamente, em 866, o grande Papa Nico-
lau I respondía da maneira seguinte a um dos pedidos dum povo que
acabava de entrar em contato com o Cristianismo:
'Se um ladráo ou salteador é apanhado e nega o que lhe imputam,
aíirma-se entre vos que o juiz lhe deve bater na cabeca e atravessar-
•lhe os lados com pontas de ferro até ele dizer a verdade. Mas isto
nem a lei divina nem a humana o admite: a confissáo nao deve ser

— 75 — ...
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 3

forcada, mas espontánea; nao deve ser extorquida, mas voluntaria;


aíinal, se acontece que, depois de se terem infligido estas penas, nada
absolutamente se descobre do que se, lhe imputava, nao vos enver-
gonhais, nesta altura ao menos, e nao reconheceis quanto íoi ímpio
o vosso julgamento? Do mesmo modo, se o acusado, nao podendo
suportar tais torturas, confessa crime que nao cometeu, dizei-me:
Quem íica responsável de tal impiedade senáo quem o constrangeu a
semelhante confissáo mentirosa? Mais ainda, todos sabem que, se
alguém profere com os labios o que nao tem no espirito, nao confessa;
fala apenas. Renuncia!, portante, a estas coisas e amaldicoai do fundo
do coracáo o que, até o presente, tivestes a loucura de praticar; oom
efeito, que fruto tirastes entüo daquilo de que agora vos envergo-
njiais?...'
Qual de nos nao desejaria que, durante o longo intervalo decor
rido desde entáo, a justica nao se tivesse jamáis afastado desta regra!
Ser necessário hoje recordar advertencia feita há 1.000 anos, é triste
sinal das aberracfies do procedimento judicial no século XX.
Entre as garantías da agao judicial, contase também a possibi-
lidade, para o acusado, de se defender realmente, e nao só na apa-
réncla. Devesse-lhe permitir, a ele e ao seu defensor, apresentar ao
tribunal tudo quanto depSe em seu favor; é inadmissível que a defesa
nao possa dlzer senáo o que agrada ao tribunal e a urna justica
pardal» (transcrito da «Revista Eclesiástica Brasilelra» XIII [1953],
pp. 979s).

As palavras de Pío XII, sintetizando o pensamento da


Igreja sobre torturas, tém em nossos dias plena atualidade.

Pequeña bibliografía:

Pió XII, Discurso ao VI Oongresso de Direito Penal Internacio


nal (3/10/1953), em «Revista Eclesiástica Brasileira» XIII (1953)
pp. 979s.
Fiorelll-Palazzini, «Tortura», em «Enciclopedia Cattolica». Citta del
Vaticano XH, cois. 337-343.
B. Haertag, «La Loi du Christ», vol. 3. Paris 1959, p. 685.
A. Mellor, «La torture». Paris 1949.
Fr. Helbing, «Die Tortur». Berlín 1926.
«Torturas», em «Veja» tí" 66, 10/12/1969, pp. 20-27.

— 76 —
CELIBATO DO CLERO

IV. SEMPRE EM PAUTA!

4) «O celibato do clero está sempre na ordem do día.

Que novidade poderia comunicar-nos sobre o assunto ?»

Sobre o assunto «celibato do clero» prosseguem debates


e comentarios calorosos. Assaz interessante é a entrevista dada
pelo Cardeal Hoeffner, arcebispo de Colonha (Alemanha), e
publicada no jornal «Kirchlicher Anzeiger für die Erzdioezese
Koln» de 1' de agosto de 1969.

Segue-se o trecho de tal entrevista que pode interessar


diretamente ao público brasileiro :

1. Perda para a lgre¡a

Jornalista: «Há grupos de sacerdotes que pedem a abo-


licáo do que chamam 'o celibato obligatorio'. Que pensa a res-
peito V. Eminencia na qualidade de sociólogo ?»
Cardeal Hoeffner: «O celibato sacerdotal abracado em
vista do reino de Deus apresenta, sem dúvida, problemas so
ciológicos e psicológicos. Todavía é sómente na fé que ele pode
ser compreendido em toda a sua profundidade. A vocagáo ao
celibato, da mesma forma que a vocagáo ao sacerdocio, é urna
escolha, urna graca que vem de Jesús Cristo. O Senhor louya
aqueles que, em vista do reino de Deus, estáo prontos a deixar
'casa, esposa, irmáos, parentes ou filhos' (Le 18,29; Mt 19,29).
Em nossa sociedade secularizada, em nossa civilizacao do con
forto, o celibato em vista do Reino de Deus é precisamente urna
excelente maneira de seguir o Senhor até as últimas conse-
qüéncias.

Um leigo, Alberto Goerres, professor da Universidade de


Munique e médico psiquiatra, escreveu recentemente que a«
abolicáo do celibato 'seria para a Igreja urna perda enorme'.
Talvez a lamentável pressáo contra o celibato levasse o povo
de Deus a ter que se contentar em breve com um tipo de
padres mais achatado, mais tibio, mais grosseiro. Tudo isso só
estimularía o desencadeamento do erotismo... e a dissolucáo
do casamento entre os leigos'».

— 77 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 4

2. Amadurerimento da personalrdade

Jomalista; «Nao é raro ouvir dizer que o celibato entrava


a maturidade da personalidade... Certos grupos de sacerdotes
declararam recentemente que, para éles, se trata de revalorizar
a sexualidade entre o homem e a mulher».
Oardeal Hoeffner: «Antes de exprimir meu modo de pensar,
desejo citar de novo o professor Alberto Goerres. Crer que,
'sem a experiencia das relacóes sexuais, o bomem nao pode
chegar á maturidade de sua personalidade, escreve ele, é pura
ideología, e o tipo da afirmacáo nao científica. Temos todo
motivo para crer que entre os sacerdotes católicos existem ao
menos tantos homens maduros quantos entre os advogados,
os professóres, os médicos e os pastores protestantes'.
O celibato abracado em vista do reino de Deus nao é um
maniqueísmo hostil á sexualidade; é a aventura de um amor
que se dá ao Cristo O sacerdote deve assemelhar-se a Cristo,
que se entregou definitivamente e sem reserva em favor dos
seus. O verdadeiro problema que se coloca para o sacerdote
hoje, é o seguinte: consagrar toda a nossa existencia a ser
pai e irmáo de urna comunidade e nesta exercer o ministerio
da reconciliacáo, será isto, hoje aínda, algo de necessário e que
vaina a pena ? Quem quer que tenha alguma nogáo dos proble
mas e das indagacóes dos homens de hoje nao ousará responder
pela negativa».

3. A Igreja nao obriga ao celibato

Jomalista: «Muitos sacerdotes nao se opóem ao celibato


em si, mas ao celibato obligatorio, o qual contraria o espirito
do Evangelho. Sacerdocio e celibato deveriam ser dissociados».
Cardeal Hoeffner: «Afirmar que, pelo celibato anexo á
fungió ou o celibato obligatorio,, a Igreja constrange ao celi
bato os candidatos ao sacerdocio, é urna calúnia. Eu, que sou
bispo, só me disponho a ordenar sacerdote um jovem quando,
•depois de madura reflexáo, tenha chegado a conviccáo de que
Cristo lhe deu o duplo dom da vocagio ao sacerdocio e da
vocagáo ao celibato em vista do reino de Deus. Quem aspirasse
ao sacerdocio aceitando o celibato como urna condigáo lamen-
tável que é preciso aceitar, sem ter certeza de que o Senhor
lhe deu o dom de poder compreender, ésse candidato procedería
de modo temerario e culpável.

— 78 —
CELIBATO DO CLERO 31

Enquanto hispo, da mesma forma como a ninguém obrigo


a tornar-se sacerdote, nao obrigo quem quer que seja a nao se
casar. A liberdade de decidir compete áquele que Deus chama.
Quem, mais tarde, reconhece que se enganou, recebe da Igreja
urna dispensa. Assim também a Igreja concede dispensa a quem
perdeu o dom do celibato por própria culpa — o que também
é possível».

4. Abolicóo do celibato, remedio á faifa de vocagoes?

Jornalista: «Diz-se muitas vézes que no mundo de hoje


a Igreja teria a obrigacáo de renunciar ao celibato sacerdotal,
pois esta seria a única forma de remediar 'á falta de padres;
muitos sentem-se chamados ao sacerdocio, nao, porém, ao
celibato».
Cardeal Hoeffner: «O segundo Concilio do Vaticano res-
pondeu claramente a esta questáo, e sua resposta fornece-nos
a chave do problema. Colocou o celibato sacerdotal sob o signo
da virtude teologal da esperanza. 'A Igreja, diz o Cóndilo,
nutre a confianza de que o Pai concederá a suficiente numero
de homens a vocagáo ao celibato ao mesmo tempo que a voca-
gáo ao sacerdocio, contanto que isto seja, humilde e instante
mente impetrado' pelos sacerdotes e pela Igreja inteira (De
creto sobre os Presbíteros tí> 16).

O sim ao celibato é urna questáo de fé, nao sómente da


parte dos homens que se tornam presbíteros, mas também da
parte das familias católicas e de todo o povo de Deus. O celi
bato, em última análise, é a alegría da cruz. No decorrer da
sua historia, a Igreja se renovou sempre e exclusivamente
mediante um dom maior de si a Cristo, e nunca mediante um
dom menor.

De resto, a experiencia mostra que a abolicáo do celibato


nao traria número maior de vocagóes sacerdotais. Um grupo
de trabalho que dirigí no Encontró de Coira (Suíca) estendeu-
•se demoradamente sobre éste assunto no dia 9 de julho. A
Igreja ortodoxa da Iugoslávia, que conta cérea de 9 milhóes*
de membros, só tem 800 seminaristas, embora o clero ai seja
casado. Ao contrario, a Igreja Católica da Iugoslávia, que
conta 7 milhóes de membros, tem 4.500 seminaristas, apesar
do celibato sacerdotal. Em Oldenburg, as vocagóes sacerdotais
na populacáo católica sao 500% mais numerosas do que as
vocacóes para pastor na populagáo protestante. A Igreja pro-

— 79 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 4

testante de Berlim-Oeste comunicou que, das suas 373 paró-


quias, 50 nao tém pastor. E na sua conferencia de encerramento
do Encontró de Coira o Cardeal Suenens disse: 'As Igrejas
protestantes da Inglaterra, por exemplo, contam 3.000 postos
vagos; nao obstante, o clero respectivo é casado'».

5. Sacerdotes casados e sacerdotes celibatárros ?

Joritalista: «Alguns propóem sejam ordenados sacerdotes


tanto homens casados como nao casados. Déste modo, o celi
bato seria mantido, e ao mesmo tempo o acesso ao sacerdocio
seria franqueado também aos homens casados».
Cardeal Hoeffner: «A experiencia das Igrejas luteranas,
calvinistas, reformadas e ortodoxas mostra que, dentro de
algumas dezenas de anos, também na Igreja católica nao have-
ria mais sacerdotes diocesanos celibatários. Aplicar-se-ia a lei
sociológica da 'vía larga' que se abre e pela qual finalmente
todos se encaminham. Caso se pusesse em prática a hipótese
ácima, ou o celibato desaparecerla por completo, como no
protestantismo, ou se refugiarla nos claustros, como ñas Igre
jas ortodoxas. J.-C. Hampe escreveu a respeito das Igrejas
protestantes: 'Na verdade, o celibato dos pastores é absoluta
mente impensável'.
Apesar do seu valor íntimo, o celibato sacerdotal depende
de urna decisáo coletiva. Num decanato x em que a maioria dos
padres fór casada, tornar-se-á, com o tempo, impossivel que
dois ou tres padres continuem a viver celibatáriamente em
meio aos colegas. Ésse sinal escatológico e 'revolucionario' que
é o celibato em vista do reino de Deus desaparecerá por com
pleto. Resta saber se isto será urna béncáo para nossos lares
e nossas familias católicas».

(Texto traduzido de «La Documentaron Catholique» t. LXVI.


19/10/1969, ri> 1549, pp. 918-920).

A respeito do tema abordado sob o n« 4 da entrevista


ácima, pode-se aínda notar o seguinte :
O jornal «La Croix» de París, aos 18/7/69, dá noticia de
um coloquio realizado em Moscou poucos dias antes entre o
P. Wenger, diretor désse mesmo periódico, e Monsenhor Niko-
dim, metropolita de Leningrado :

i Decanato = drcunscricáo eclesiástica que compreende algumas


paróquias.

— 80 —
CELIBATO DO CLERO 33

«... Monsenhor Nikodim mostrou-se bastante preocupado


com a crise da fé e do sacerdocio na Igreja latina. Visto que
os arautos do casamento dos padres invocam freqüentemente
a tradicáo da Igreja ortodoxa, perguntei ao metropolita qual
a sua opiniáo sobre assunto táo delicado. Respondeu-me que,
se isto dependesse déle, pediría a todos -os sacerdotes ortodoxos
que observassem o celibato. A experiencia mostrou-lhe quanto
os sacerdotes que nao tém encargo de familia sao mais dedi
cados ao Senhor e aos seus fiéis.
Isto, alias, corresponde ao ensinamento de S. Paulo e á
ligáo da historia. Apesar das defecgóes, o celibato dos sacer
dotes é a grande fórca da Igreja latina. É preciso nao o aban
donar.
... Haverá sempre vocacóes. Devemos ter confianca no
Espirito Santo. Vem a propósito um episodio da vida de Jo-
áo XXm1:
Nos primeiros tempos do seu pontificado, Joáo XXÜI
nao conseguía conciliar o sonó. Certo dia, urna voz pareceu
dizer-lhe em sonho : 'Angelo Roncalli, és tu que diriges a Igre
ja ou o Espirito Santo ?' Daquele dia em diante, ele permane-
ceu em paz. Assim também, concluiu Mons. Nikodim, devemos
na crise presente ter corífianca no Espirito Santo. É Ele quem
dirige a Igreja...»

(Transcrito de «La Documentation Catholique», ib., p. 931).

Os dizeres das páginas anteriores, concretos e vivos como


sao, trazem sua contribuigáo interessante e valiosa para o de
bate sobre o celibato sacerdotal: amadurecimento de persona-
lidade, perspectivas de aumento de vocacóes... ai sao consi
derados á luz de dados concretos e muito significativos. O casa
mento do clero nao parece resolver os problemas, diz a expe
riencia dos cristáos orientáis. É no encontró com o Invisível,
na oracáo e na vida interior, que o sacerdote acha e achara
primordialmente a explicagáo e justificativa de sua missáo;
na uniáo intima com o Criador ele encontrará os deleites que
criatura alguma lhe pode proporcionar.

1 Há muito que Mons. Nikodim trabalha na redacáo de urna bio


grafía do Papa Joáo XXIII.

— 81 —
34 «PERGüNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970. qu. 5

V. IGREJA NA HISTORIA

5) «Comemorando-se o. primeiro centenario do Concilio


do Vaticano I, gostaria de urna explicacáo do significado désse
Concilio.

Aínda tem valor depois do Vaticano n ?»

Resumo da resposta: O séc. XIX foi assinalado na historia da


Igreja pelo repudio do galicanismo ou das «Igrejas nacionais», assim
como pela ameaga de racionalismo. O Concilio do Vaticano I, convo
cado pelo Papa Pió IX em 1869, reaíirmou na Constitulcáo «Dei
Filius» as bases sohrenaturais da íé crista (em oposicáo ao raciona
lismo, ao panteísmo, ao indiferentismo...) e na Constitulcáo «Pastor
Aeternus» deflniu a infalibilidade do Pontífice Romano — infalibili-
dade que só se exerce quando o Papa fala como Supremo Mestre para
a Igreja Universal sobre assuntos de fé e de moral.
A definiólo da infalibilidade pontificia foi precedida de calorosos
estudos e debates. Embora essa verdade já fósse reconhecida por
quase todos os bispos, teólogos e fiéis, muitos julgavam inoportuno
afirma-la solenemente em concilio, pois poderia provocar represalias
dos governos civis e dificultar a uniáo dos cristáos separados. — Pre-
valeceu, porém, a parte mais numerosa dos padres conciliares, que
julgavam necessária tal definicáo porque temlam que o Papa no fu
turo viesse a ser pelos governos civis cerceado na sua liberdade de
deliberar com os bispos; a declarado da infalibilidade pessoal do
Papa evitaría hesitacoes e dúvidas em tal caso.
O Vaticano I assim pos termo a tendencias nacionalistas ou cen
trifugas na Igreja. Suspenso prematuramente em virtude da guerra
íranco-prussiana, foi rematado pelo Concilio do Vaticano II, que de-
senvolveu as partes dos bispos no govérno da Igreja.

Besposta: O Concilio do Vaticano I abriu-se aos 8 de


dezembro de 1869 na basílica de S. Pedro, com a participacáo
de mais de 700 bispos e na presenca de 20.000 peregrinos. Foi
oficialmente suspenso em outubro de 1870, após a irrupgáo
da guerra franco-alema e a queda de Roma sob as tropas do
reino da Italia; os trabalhos conciliares ficaram incompletos,
necessitando, pois, da complementado que sobreveio por oca-
siáo do Concilio do Vaticano II.
Já que, na ocorréncia déste aniversario do Concilio do
Vaticano I, a atencio de muitos se volta para tal aconteci-
mento, vamos abordá-lo, apontando 1) notas da historia da
Igreja no séc. XIX, 2) desenrolar e mensagem do Concilio do
Vaticano I.

— 82 —
CONCILIO DO VATICANO I 35

1. O quodro geral

Vém a propósito duas grandes notas da historia da Igreja


no sáculo XIX: centripetismo e ameaga racionalista.

1) Oentripetismo: Os sáculos XVII e XVIII foram mar


cados por forte tendencia a se constítuirem «Igrejas» nacionais,
isto é, parcelas de Catolicismo desvinculadas da autoridade
pontificia e colocadas sob o forte controle dos monarcas ditos
«católicos» : o caso mais flagrante foi o da Franca, cujo rei
Luis XIV instigou poderosamente o galicanismo e os chamados
«artigos galicanos»; estes, promulgados pelo rei em 1682, de-
claravam, entre outras coisas, o seguinte:
— o Papa está sujeito á. autoridade de um Concilio ecumé
nico, podendo ser julgado por éste;
— os pronunciamentos do Papa nao tém valor definitivo
senáo depois de confirmados pelo govérno civil de cada nagáo.
A Austria, a Toscana, a Espanha e outros países (embora
em graus diversos) estavam afetados pela mentalidade galicana
ou das igrejas nacionais. Em conseqüéncia, havia entre os fiéis
católicos, principalmente entre os intelectuais, ditos «liberáis»,
hesitagáo frente ao govérno central da Igreja e á autoridade
do Papa.
Todavia no sáculo XIX a situagáo se modificou, cedendo
a urna tendencia centrípeta, ou seja, a maior fidelidade a Roma.
Principalmente na Franca, patria do galicanismo, esbooou-se
forte corrente de adesáo ao Sumo Pontífice, dita «dos ultra
montanos» (ultrapassava a cordilheira dos Alpes, ligando-se
a Roma); os principáis arautos déstes eram o jornalista Louis
Veuillot (diretor de «L'Univers») e o apologista Joseph de
Maistre.
A figura do Papa Pió IX muito oontribuiu para a restau-
ragáo do «devotamente ao Papado»; era homem de tragos finos
e dignos, que sabia dar provas de notável simplicidade e afabi-
lidade. O desenvolvimento das ferrovias facilitava ano por ano
a afluencia de peregrinos a Roma; o Papa os recebia em nume
rosas audiencias públicas e particulares. Também deixava que
o abordassem ñas rúas de Roma, onde ouvia pacientemente as
impressóes e os desabafos dos transeúntes. Era capaz de entrar
em um botequim a fim de comprar um garrafa» de vinho para
um menino que chorava por haver deixado cair a botelha que
ele levava para sua máe; era capaz de saltar do veiculo para
acompanhar até o cemitério o caixáo de um pobre que ninguém

— 83 —
36 <tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 5

acompanhava... Ademáis a triste sorte que Pió IX padecía


na Italia por ver o Estado Pontificio paulatinamente invadido,
excitava da parte do mundo católico a mais viva simpatía.
Dizia um arauto do ultramontanismo:

«Ver Jesús no seu vlgário é ato de fé meritorio, mas menos meri


torio quando se trata de ver Pió IX. Cristo está em cada um dos seus
Vigários com a plenitude de doutrina e autoridade, mas a pessoa de
Pió IX confere énfase especial á causa "de Roma» (E. Lafond, «Rome.
Lettres d'un pélerin», 11, p. 496).

Numa palavra : o sáculo XIX fez que retomasse vulto no


povo católico a consciéncia de que ao Papa compete um pri
mado de jurisdicáo e magisterio.

2) Racionalismo: O culto da razáo dominou o sáculo


XVIII, culminando na «Enciclopedia» ou no grupo de filósofos
que inspiraran! a Revolucáo Francesa de 1789. Ora ésse racio
nalismo, prolongando-se pelo sáculo XIX, prejudicava a teolo
gía católica : os teólogos alemáes Hermes, Günther pretendiam
reduzir as proposigóes da fé a proposigóes da razáo.
Álém disto, o racionalismo tomou expressóes variadas,
como o panteísmo, o ateísmo, o materialismo... As ciencias
positivas (como a paleontología, a antropología, a etnología, a
sociología...) eram cultivadas por estudiosos cuja filosofía
era materialista ou atéia. Em conseqüéncia, muitos cristáos ti-
nham as ciencias em suspeita; nao poucos eram propensos a
admitir •o divorcio entre a ciencia e a fé, julgando que aquela
solapava esta. Em reagio contra o racionalismo formou-se na
Igreja a corrente dos «Tradicionalistas» ou «Fideístas» (Lam-
menais, Bautin, Ventura, Bonnetty...); opondo-se ao orgulho
da razáo, afirmavam que certas verdades fundamentáis só po-
dem ser reconhecidas com certeza porque Deus outrora as
revelou ao homem; também menosprezavam a teología, que
tenta, mediante a razáo, penetrar e ilustrar as verdades da fé.
Enquanto liberáis e ultramontanos, racionalistas e fideis-
tas, propunham suas idéias, governava a Igreja o Papa Pío IX,
que teve o mais longo pontificado da historia : 1846-1878. Éste
Papa, embora visse decrescer a soberanía territorial da Santa Sé,
empenhou-se ardorosamente por renovar a vida católica no seu
tempo: entre outros feitos notáveis de Pío IX, assinalam-se
a definigáo da Imaculada Conceigáo em 1854, a publicagáo do
«Silado» ou de um compendio de 80 proposigóes da filosofía do
sáculo passado incompatíveis com a fé católica e... a realiza-
gáo do Concilio do Vaticano I.

— 84 —
CONCILIO DO VATICANO I 37

É para éste que nos voltamos a seguir :

2. O Concilio do Vaticano I

1) Precedentes da assembléia

O último Concilio ecuménico fóra o de Trento (1545-1563),


quando Pió IX pensou em convocar o episcopado do mundo
inteiro, a fim de que fóssem reafirmadas de maneira solene as
grandes verdades da fé solapadas por erróneas tendencias da
época: seriam assim estudadas e esclarecidas as germinas re-
lagóes entre a razáo e a fé, a ciencia e a religiáo, como também
se definiriam questóes referentes á autoridade na S. Igreja.
Pela primeira vez Pió IX falou déste seu intento aos Car-
deais residentes em Roma no fim do ano de 1864: dizia-lhes
que, havia anos, nutria tal idéia, e pedia-lhes a opiniáo sobre
a conveniencia da iniciativa. Dentre 21 respostas, 19 eram ple
namente favoráveis ao projeto. Ulteriores consultas, feitas aos
bispos, deram a saber ao Papa alguns temas a ser abordados
na grande assembléia : relagóes entre a Igreja e o Estado aba
ladas pela Revolugáo Francesa de 1789 ; adaptagáo do Direito
Canónico aos novos tempos; rejeigáo de erros contrarios as
verdades fundamentáis do Cristianismo, tais como o panteísmo,
o naturalismo, o racionalismo, o indiferentismo; alguns pre
lados julgavam também que o Concilio «porta em evidencia o
fato de que Roma nao pertence aos italianos, mas ao mundo
católico».
Pío IX, em margo de 1865, criou urna comissáo de cinco
Cardeais destinada a preparar o Concilio e, a conselho dessa
comissáo, instituiu cinco nutras encarregadas de elaborar os
documentos a ser estudados pela grande assembléia : urna tra
taría das questóes de fé ; outra, da disciplina e do direito da
Igreja ; mais outra, das Ordens Religiosas ; a quarta, das mis-
sóes e das Igrejas orientáis; a quinta, das relagóes entre a
Igreja e o Estado. Foram também nomeados consultores com
petentes, tanto da Italia como do estrangeiro.
O Pontífice pensava abrir o Concilio em 1867, por ocasiáo
do 18* centenario do martirio de S. Pedro e S. Paulo. Verificou,
porém, que os preparativos nao estariam prontos até entáo.
Por isto em 1867 (26/6) apenas anunciou oficialmente a sua
decisáo, e em 1868 publicou a bula «Aeterni Patris», pela qual
convocava para a abertura do Concilio, aos 8 de dezembro de

— 85 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 5

1869, todos os Bispos, Abades Gerais, Abades «Nullius» e Su


periores Gerais de Ordens Religiosas.
Essa mesma bula explicitava a finalidade do Concilio:

«Dar remedio aos males do sáculo presente na Igreja e na so


ciedades. Em oonseqüéncia, o Concilio deveria «examinar com o
máximo cuidado e determinar o que convém íazer, nestes tempos táo
calamitosos, para a maior gloria de Deus, para a integridade da fé,
para o esplendor do culto, para a salvacáo eterna dos homens, para a
disciplina e sólida instrucáo do clero regular e secular, para a obser
vancia das leis eclesiásticas, para a reforma dos costumes, para a
educacáo crista da juventude, para a paz do mundo, para a concordia
universal».

Como se vé, a questáo da infalibilidade pontificia nao apa


recía no programa do Concilio. Nao era nova na Igreja...
Ela nao poderia deixar de vir a baila, já que havia tempos
ocupava os ánimos dos católicos. Muitos julgavam necessário
afirmar solenemente a infalibilidade do Papa pelo motivo se-
guinte: a atitude cada vez mais hostil manifestada pelos gover-
nos civis em relagáo ao Sumo Pontífice levava a recear que
no futuro o Papa pudesse ser impedido de deliberar livremente
com os bispos antes de decidir questóes vitáis da Igreja; por
conseguinte, o melhor meio de remediar a tal perigo seria
declarar que «os Papas, mesmo exilados e encarcerados, pos-
suem toda a autoridade na Igreja dispersa e muda». Outros
católicos viam na definigáo da infalibilidade pontificia um de»
sagravo la pessoa de Pió IX táo desrespeitada pela maconaria
e as lutas políticas da Italia.
Quanto aos Chefes de Estado católicos, era costume con-
vidá-los a participar dos Concilios ecuménicos. Todavía verifí-
cava-se pela primeira vez na historia que em quase toda a parte
a Igreja esteva separada do Estado: o rei da Italia fóra exco-
mungado, o Imperador da Austria tolerava um govérno anti
clerical, os governantes da América Latina eram imbuidos de
maconaria... Em conseqüéncia, nao houve convite aos Chefes
de Estado civis (assim o Concilio do Vaticano I pode desen-
rolar-se dentro de um clima de liberdade).
Mais de um bispo sugeriu que se aproveitasse a ocasiáo
para entrar em relagóes com os cristáos separados. Por conse
guinte, Pío IX envrou um convite aos patriarcas e bispos dissl-
dentes do Oriente, os quais responderam com o silencio ou
mesmo com recusa explícita. Os protestantes, também inter
pelados, receberam a proposta como urna provocaejio (excecáo
feita de poucos luteranos e anglicanos).

— 86 —
CONCILIO DO VATICANO I 39

A opiniáo pública abalou-se com a noticia da convocagáo


de um Concilio Ecuménico.
Assim a Magonaria internacional, por proposta do deputado
Ricciardi, determinou realizar um anticoncílio em Ñapóles.
Éste reuniu-se efetivamente em dezembro de 1869, com a pre-
senga de Garibaldi, Vítor Hugo, Ausónio Franchi, mas dissol-
veu-se logo sem conseqüéncias; as discussóes da assembléia,
nos dias 9, 10 e 16 de dezembro tornaram-se táo veementes
que o proprietário do saláo de danga onde se reunía o conci
liábulo, resolveu expulsar os locatarios para nao ver estragado
o seu mobiliario.
Os governos civis da Europa mostraram-se receosos de
que a Santa Sé intencionasse reivindicar para si direitos de que
já gozara na Idade Media, ou pretendesse restaurar a teocracia
e a Inqirisigao. Em conseqüéncia, o Príncipe de Hohenlohe, mi
nistro do Exterior da Baviera, enviou a todos os Gabinetes civis
da Europa urna circular; nesta sugería um protesto coletívo
contra as eventuais determinacóes religioso-políticas do pró
ximo Concilio. Todavía tal proposta ficou sem eco; nenhum
govérno civil procurou entravar os trabamos do Concilio, em-
bora todos se mantivessem numa atitude de expectativa e vigi
lancia em torno da magna assembléia, prontos a impugnar o
que lhes parecesse exorbitante.
No setor católico própriamente é que a oposicáo se fez
sentir, pois havia liberáis e ultramontanos.
Os ultramontanos se congratulavam com a perspectiva do
Concilio, pois éste daría ocasiáo a se reafirmar o poder central
da Igreja.

Os liberáis, a principio, acolheram de bom grado a con


vocagáo da grande assembléia, porque déla esperavam urna
reforma do Direito Canónico. Todavia a situagáo mudou, quando
aos 6 de fevereiro de 1869 a revista dos jesuítas «La Civilta
Cattolica» publicou um artigo em que dava a entender o se-
guinte:
O Concilio teña breve duragáo; nao comportaría discus
sóes. Renovaría a condenagáo das doutrinas reprovadas pelo
«Silabo» e definiría por aclamagáo a infalibilidade do Pontífice
Romano.
A publicagáo déste artigo foi pouco feliz, porque fez passar
para o primeiro plano do interésse geral a questáo da infalibi-
dade papal; dava também a impressáo de que a Curia Romana
tendía a adotar procederes sumarios e resolugóes extremadas

— 87 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 5

— o que provocou ardua controversia entre os pensadores ca


tólicos.
Na verdade, quase ninguém na Igreja negava ao Sumo
Pontífice a prerrogativa da infalibilidade, embora nao se sou-
bessem definir exatamente os termos dessa prerrogativa. Era
doutrina geralmente ensinada em quase todas as partes do
orbe católica. Todavía, enquanto muitos (a maioria de 5/7)
julgavam plenamente oportuna a definicáo da infalibilidade (pois
assim a Igreja teria em si mesma nova seguranza e nova cons-
ciéncia para se defender dos erros contemporáneos), a minoría
dos prelados e fiéis tinha por inoportuna urna tal definigáo;
receavam, sim, que fósse provocar maior distanciamento entre
a Igreja e a sociedade civil e tornasse aínda mais difícil a volta
dos orientáis dissidentes e dos protestantes á unidade da Igreja.
Entre os adversarios da definicáo da infalibilidade (ditos
«inoportunistas»), contavam-se Mons. Dupanloup, bispo de
Orleáes (Franca), Mons. Darboy, arcebispo de París, Mons.
Freppel, de Angers ; Mons. Ketteler, de Mogúncia (Alemanha),
Mons. Hefele, de Rottemburg (Alemanha), o sacerdote Inádo
Dollinger, de Munique...

2) Sessóes e Constituigóes do Concilio

Finalmente num ambiente de expectativas Pió IX abriu o


Concilio aos 8 de dezembro de 1869 na basílica de S. Pedro por
ocasiáo de urna solenidade que durou sete horas. O número de
padres conciliares chegava a 731 (atingiu posteriormente os
764), perfazendo a cota de pouco mais de 70 % do episcopado
católico, recrutado de trinta nacóes. Pela primeira vez num
Concilio ecuménico, ouviam-se nomes como Nova Iorque, San
Francisco, Toronto, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Manilha,
Melbourne, Wellington.
Para evitar intermináveis discussóes ñas assembléias con
ciliares, elaborou-se minucioso regulamento dos trabalhos con
ciliares : constituiram-se cinco comissóes de 24 bispos cada urna
(eleitos pelos conciliares em escrutinio secreto). Tinham a fun-
gáo de elaborar, com o material apresentado pelos teólogos,
os esquemas ou os projetos de documentos a ser submetidos á
apreciacáo do Concilio. ísses «esquemas» eram entregues aos
padres conciliares, a fim de receber distes as respectivas pro
postas de emenda. Voltavam entao as comissóes, que os reto-
cavam e finalmente apresentavam & assembléia plenária ou a
Congregacáo Geral. Urna vez aprovado pelo plenário, o do
cumento era promulgado pelo Papa em sessáo pública. O Con-

— 88 —
CONCILIO DO VATICANO I 41

cilio do Vaticano I realizou 86 Congregacóes Gerais e 4 sessoes


públicas 8/12/1869 (inauguragáo), 6/1/1870 (profissáo de fé),
24/4/1870 (Constituigáo «Dei Filius»), 18/7/1870 (Const. «Pas
tor Aeternus»).

O Concilio, suspenso prematuramente por motivo de guer


ras, só pode realizar pequeña parte de seu vasto programa,
concluindo o estudo de dois documentos apenas, que foram so-
lenemente promulgados:

a) A Oonstituicáo «Dei Filius». Tendo em vista os erros


da época (racionalismo, materialismo, panteísmo), propós urna
súmula densa e lúcida da doutrina católica concernente a Deus,
á revelagáo e á fé.

No cap. 1 proclama a existencia de um Deus pessoal (em oposi-


Cao a «substancia neutra, inconsciente»), livre, criador de todas as
coisas e absolutamente independente do mundo material e espiritual
que file criou.
No cap. 2 ensina que certas verdades religiosas, como a existencia
de Deus, «podem ser reconhecidas com certeza pela luz natural da
razáo humana». Esta proposicáo visava nao sómente o ateísmo, mas
também o fideísmo e o tradicionalismo! Fenómeno curioso: num
século em que a fé crista era acusada pelo racionalismo, o Concilio
do Vaticano I fez-se defensor da razáo. — Além disto, o cap. 2 afir-
mava a necessldadc da revelac&o divina para que o homem chegasse
ao oonhecimento de outras verdades religiosas.
No cap. 3, a ConstiFuicSo lembrava que a fé católica pode ser
penetrada, sim, pela razáo, mas que é, antes do mais, dom da graca
de Deus e efeito de livre adesáo da vontade .humana (contra certos
teólogos que pretendían) tornar a fé puramente racional).
O 4» e último capitulo afirmava nítida distincáo entre razáo e fé,
e lembrava que um aparente desacordó entre ciencia e religiáo só
poderla provir de um mal-entendido por parte dos estudiosos.

b) A ConstitnisSo «Pastor Aeternus». Aos 21 de Janeiro


de 1870 foi distribuido aos padres conciliares um projeto de
Constituigáo sobre a Igreja, no qual nao se mencionava a infa-
libilidade papal. Todavía aos 9 de fevereiro a maioria dos con
ciliares pediu que se incluisse tal tema no documento; silen-
ciá-lo em tais circunstancias, diziam, seria o mesmo que re-
jeitá-lo perante a Igreja inteira. Pió IX, após tres semanas de
hesitacáü, aceitou a proposta a 1V3/1870, de modo que, cinco
dias depois, foi entregue aos padres conciliares um novo projeto
que enunciava a infalibilidade pontificia.

Seguiram-se entre os conciliares arduos debates no decorrer


de 34 Congregagóes Gerais (assembléias plenárias). A minoría
(contraria á oportunidade da defmigáo) lembrava casos de

— 89 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 122/1970, qu. 5

Papas que falharam em seus pronunciamentos (Honorio, Hor-


misdas); tais episodios foram cuidadosamente estudados pelos
peritos. Em conseqüéncia, os teólogos houveram por bem pro-
por urna formulacáo bem precisa (elemento de importancia de
cisiva) da infalibilidade pontificia : o Papa nao pode errar
quando, exercendo sua funcáo de Supremo Pastor, ensina dou-
trinas de fé ou de moral a ser aceitas pela Igreja inteira.

Os governos civis ameagaram intervir no Concilio, supondo


que a Igreja pretendesse doravante reivindicar direitos e re
galías civis ; todavía a Santa Sé se conservou intrépida e o Con*
cilio pode concluir os seus estudos em plena liberdade.

Disse Pió IX, certo día, com sua habitual hilarldade:


«Num Concillo, há sempre tres fases: a do demonio, que procura
embaralhar tudo; a do homem, que procura confundir tudo; a do
Espirito Santo, que tudo esclarece».

Aos 13 de julho foi finalmente submetido ao plenário um


projeto que afirmava a infalibilidade pontificia devidamente
delimitada. Obteve 451 votos favoráveis, 88 contrarios e 62
afirmativos com restrigóes. Ulteriores emendas foram feitas ao
documento, de sorte que aos 16 de julho o mesmo foi apro-
vado pela Congregacáo Geral; esta escoiheu o dia 18 de julho
subseqüente para a sessáo pública em que Pió IX promulgarla
a nova Constituigáo. Entáo 55 padres conciliares da oposigáo
resolveram afastar-se de Roma ; deixaram previamente ao
Santo Padre uma carta em que afirmavam preferir abster-se
de voto a votar contrariamente á Constituigáo.

No dia 18 de julho realizou-se a quarta e última sessáo


pública do Concilio. A Constituigáo «Pastor Aeternus» lida em
público foi aprovada por 533 vozes; doís bispos que lhe disse-
ram «Nao», logo associaram-se aos seus irmáos conciliares,
depois que observaram o resultado da votagáo. Pió IX confir-
mou o voto da assembléia, sendo entáo fortemente aclamado.
Desde o inicio do escrutinio, tremenda tempestade parecia
abalar a cúpula da basilica de Sao Pedro ; dir-se-ia que, como
outrora no Sinai e em Pentecostés, também entáo o Altíssimo
manifestava sua présenga !...

Pouco depois os Padres conciliares viram-se obrigados a


abandonar a cidade de Roma, pois irrompera a guerra entre
a Franga e a Prússia. O Concilio foi oficialmente suspenso aos
20 de outubro; 51 projetos, dos quais 28 de natureza disci
plinar, ficavam para ser votados.

— 90 —
CONCILIO DO VATICANO I 43

De regresso as suas dioceses, os bispos da minoría reni


tente prestaram sua adesáo sintiera e humilde & definicáo do
Concilio. Os quatro Cardeais (Rauschen, Schwarzenberg, Mat-
thieu e Hohenlohe) que deixaram de comparecer á quarta
sessáo pública do Vaticano I, redigiram urna profíssáo pública
de fé, que entregaram pessoalmente ao Sumo Pontífice. Mbns.
Dupanloup, bispo de Orleaes, que fora um dos mais ardorosos
arautos da oposigáo, escreveu urna carta pastoral que anun-
ciava ábs seus fiéis a definigáo conciliar e, de Bordéus, mandou
a Pío IX um sincero testemunho de adesáo ao Vaticano I em
que dizia:

«Escrevi e íalei apenas contra a oportunidade da definicuo. Quanto


á doutrina, sempre a professei, nao sómente em meu coracSo, mas
também em meus escritos públicos».

Na Alemanha e no imperio austro-húngaro, todos os bis


pos aderiram la definigáo da infalibilidade pontificia. Deve-se,
porém, notar o caso do sacerdote Inádo Dollinger, famoso pro-
fessor de Historia da Igreja, que se recusou peremptóriamente
a aceitar o dogma, dando ocasiáo a que se constituisse o cisma
dos ditos «Velhos Católicos» (já comentado em «P.R.»
106/1968, 432-438).
Os govemos civis fizeram suas represalias ao Vaticano I.
Assim a Austria denunciou a concordata assinada com a Santa
Sé em 1855; a Suíga baniu do seu territorio os bispos Mermillód
e Sachat, assim como 84 sacerdotes. A Baviera, a Saxónia, o
Ducado de Badén e o Wurtemberg favoreceram o cisma dos
Velhos Católicos.
De maneira geral, porém, o povo de Deus acolheu com
profundo júbilo a sentenca promulgada pelo Vaticano I. Aos
poucos, o clero e os fiéis foram tomando nítida consciéncia de
que a definigáo da infalibilidade pontificia nao ocasionava a
revolueáo do govérno da Igreja que haviam predito os adver
sarios. Ao contrario, o Concilio, delimitando precisamente os
casos em que o Pontífice goza de infalibilidade, contribuiu para
dissipar idéias exageradas ou mesmo falsas que haviam sido
propostas a tal respeito.

3. Conclusao

O Concilio do Vaticano I, interrompido ñas suas primeiras


etapas, pode parecer um fracasso, ao menos parcial. Na reali-
dade, porém, foi um dos mais importantes acontecimentos da

— 91 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 122/1970, qu. 5

historia da Igreja nos tiempos modernos; pos termo ais ten


dencias galicanas ou nacionalistas (centrifugas) na Igreja e
reafirmou as bases da fé católica num sáculo sem fé. Verdade
é que a énfase dada ao primado do Pontífice Romano precisava
de ser completada pela explanacáo das fungóes dos bispos e
da colegialidade — obra esta que foi efetuada pelo Concilio do
Vaticano II (1962-65). Em 1870, ano em que a Igreja perdeu
seu poder temporal, a mesma Igreja reafirmou com énfase iné
dita o valor e a perenidade de sua missáo espiritual!

Bibliografía:

H. Rondet, «Vatican I». París 1962.


R. Aubert, «Le Pontiíicat de Pie IX». París 1953.
Danlel-Rops, «LTSglise des Révolutions». Paris 1960.
Burgerette-Aman, «Vatican (Concite du)», em «DIctionnaire de
Théologie Catholique» XV, 2, pp. 2536-85.
Bihlmeyer-Tuechle, «Historia da Igreja» vol. 3. Sao Paulo 1965.
A. Rubert, «Os Bispos do Brasil no Concilio Vaticano I (1869-
-1870)», em «Revista Eclesiástica Brasileira» XXIX (1969) pp. 103-
■120.
U. Betti. «La Costituzlone Dommatica 'Pastor Aeternus' del Con
cilio Vaticano I». Roma 1961.
H. J. Pottmeyer, «Der Glaube vor dem Anspruch dar Wissenschaft.
Die Konstitution fiber den katholischen Glauben 'Del Filius' des 1.
Vatikanischen Konzils». Freiburg i./Br. 1968.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

— 32 —
AMIGO LEITOR!

No ano de 1969, «P.R.» procurou memorar seu conteúdo


como também sua apresentagáo técnica. O que empreendemos,
dcve-se cm grande parte a sugestoes de amigos que nos vém
acompanhando oarinhosamente.

Nestc número, a titulo de experiencia (também sugerida),


mudamos a maneira de designar as seccoes da revista... Os
leitores nos diráo, no decorrer do ano, se estáo de acordó com
o novo estilo bu nao. O que desejamos, é servir a Boa Causa,
a causa da Verdade, a todos aqueles que oom sinceridade
procuram... A GRANDE RESPOSTA! Procuramos falar urna
linguagem táo clara quanto. nos é possível, sem trair o con-
teudo da mensagem.

Dito isto, tomamos a Iiberdade de propor algumas per-


cuntas a nossos amigos:

1) Que diz do conteúdo de «P.R.»? Aprova a ori-


entacao adotada?

2) Ilá algum artigo cm 1969 que lhe tenha espe


cialmente agradado. ... ou desagradado? Quer mencionar
mais de um artigo?

3) Que poderíamos fazer para melhorar o conteúdo


de «P.R.»? ... para aprimorar a apresentacáo técnica da
revista?

Encarecemos altamente as respostas. Estimamos o diálogo


com os leitores: observacóes, criticas, propostas...

Ousamos pedir mais: ajude-nos, caro leitor, a difundir


«P.R.». A revista é sua; ela se desenvolverá e preencherá seus
objetivos se os amigos se encarregarem de lhe dar a expansáo
necessária. Tenha presente que até hoje nao incluímos em
nossos fascículos anuncios comerciáis. Obtenha, portanto, no-
vos assinantcs para «P.R.». Quem angariar cinco assinaturas
novas, terá direito a urna assinatura gratuita (para si mesmo
ou para a pessoa que indicar).

O irmáo muito grato « dedicado, que conta com a cola-


boracáo do leitor para fazer obra de interésse geral,

Estévao Bettencourt O.SB.


NO PRÓXIMO NÚMERO :

As criancas-lobo : que sao ?-

Alma separada do corpo : Biblia e platonismo

«Redencao» no Cristianismo e no antigo paganismo

Erotismo em nossos dias

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

porte comum NCr$ 20.00


Assinatura anual

1970 ( porte aéreo NCr$ 25,00


Número avulso de qualquer mes e ano NCr§ 2,00

Número especial de abril de 1968 NCr$ 3.00

Volumes encadernados: 1957 a 1968 (prego unitario). NCr$ 17,00

Índice Geral de 1957 a 1964 NCr$ 10,00

Índice de qualquer ano NCr$ 100

Encíclica «Populorum Progressio» NCr$ 0.5U

Encfclica «Humanae Vitae» (Regulac&o da Natalidade) NCrS 0.7U

EDITORA BETTENCOURT LTDA.

REDAQAO ADMINISTRADO
Caixa postal 2.666 Rúa Senador Dantas, 117, sala 1134
ZC-00 Tcl.: 2322628
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