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Processual Penal Atualizado

ATUALIZAÇÃO
APOSTILA DA POLÍCIA CIVIL - DF
MATÉRIA: PROCESSO PENAL

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Reinaldo Rossano Alves

Da Prova

O Sistema Acusatório no Brasil e o Papel do Juiz na Produção de Provas

O processo penal, face ao princípio da verdade material (real), difere-se fundamentalmente


do processo civil no tocante à produção probatória. Com efeito, na lide penal as partes
possuem ampla liberdade na produção de provas, desde que não contrárias ao Direito.
O formalismo do processo civil dá lugar à busca da verdade real.

Aury Lopes Jr., com bastante propriedade, faz duras críticas ao que chama de “mito
da verdade real”, clamando pela adoção, no sistema brasileiro da verdade processual
jurídica (verdade formal ou processual), aquela obtida pelo respeito aos procedimentos e
garantias da defesa. Aduz que a verdade real nasceu na inquisição (sistema inquisitório)
e, a partir daí, foi usada para justificar os atos abusivos do Estado, na mesma lógica de
que “os fins justificam os meios”.

É certo, porém, que, equivocadas ou não, a doutrina e a jurisprudência dominantes


referem-se ao chamado princípio da verdade real como um dos vetores na atuação do
juiz no processo penal brasileiro. Nesse sentido: STF - HC 84858/RJ – Rel. Min. Carlos
Brito - DJ 23-03-2007 PP-00105; HC  82393/RJ – Rel. Min. Celso de Mello - DJ 22-08-
2003 PP-00049; STJ - HC 64.657/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
20.11.2007, DJ 17.12.2007 p. 238; REsp 924.254/RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,
Sexta Turma, julgado em 27.09.2007, DJ 22.10.2007 p. 391.

Com efeito, confere-se ao juiz a possibilidade de participar na produção de provas.


É claro, porém, que o magistrado deverá se manter imparcial sob pena de ofensa
ao sistema acusatório adotado no ordenamento jurídico pátrio. A função probatória,
entretanto, é ônus que incumbe às partes, só sendo permitida a atuação do magistrado
de forma supletiva e na fase processual. Frise-se: a participação do juiz na produção
probatória deve ser supletiva, não podendo ocorrer durante o inquérito policial. Aliás,
relembre-se que a iniciativa probatória conferida às partes é também característica do
sistema acusatório.

Entretanto, é a separação de atribuições entre os órgãos estatais que caracteriza, em


essência, o sistema acusatório adotado no ordenamento pátrio. Deste modo, há a divisão
da função estatal de julgar (Estado-Juiz) e a de acusar (Estado-Administração). A primeira
é entregue ao Poder Judiciário; a segunda, ao Ministério Público. Já no sistema inquisitório,
as funções de acusação e julgamento confundem-se em um mesmo órgão.

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Justamente por esta razão, o STF declarou inconstitucional o caput do art. 3º da Lei
nº 9.034/95 (Lei de Repressão ao Crime Organizado) que permite ao juiz conduzir
pessoalmente diligência, mesmo na fase investigatória. No julgamento da ADIn nº
1.570-2, de 12 de fevereiro de 2004, o relator, Min. Maurício Corrêa, aduziu que:
“[...] O dispositivo em questão parece ter criado a figura de juiz de instrução, que
nunca existiu na legislação brasileira, tendo-se notícia de que em alguns países da
Europa esse modelo obsoleto tende a extinguir-se. Não se trata, como sustentam
as informações do Ministério da Justiça submetidas ao Advogado-Geral da União
(fl. 104), de simples participação do juiz na coleta da prova, tal como ocorre na
inspeção judicial (CPC, artigos 440 e 443). Nessa última hipótese, as partes têm o
direito de assistir à inspeção, prestando esclarecimentos que reputem de interesse
para a causa (CPC, artigo 442, parágrafo único). Já no caso em exame, as partes
têm acesso somente ao auto da diligência, já formado sem sua interferência. [...]

A lei acaba por promover uma equiparação do juiz às partes, o que se me afigura
inadmissível no sistema judiciário vigente no País. [...]

Em verdade, a legislação atribuiu ao juiz as funções de investigador e inquisitor,


atribuições essas conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF,
artigos 129, I e VIII e §2º; e 144, §1º, I e IV e §4º). Tal figura revela-se incompatível com o
sistema acusatório atualmente em vigor, que veda a atuação de ofício do órgão julgador.
[...]

Ante essas circunstâncias, julgo procedente, em parte, a ação para declarar


inconstitucional o artigo 3º da Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995, na fração em que se
refere aos dados “fiscais” e “eleitorais”.

A fundamentação do voto não deixa dúvidas: o sistema brasileiro não admitiu a figura
do juiz inquisidor e parcial, atuando de forma principal na produção de prova e,
principalmente, na fase extraprocessual (ou pré-processual).

Nesse contexto, entendemos ser inconstitucional a nova redação do art. 156 do


CPP, dada pela Lei n° 11.690/2008, que conferiu a possibilidade de o juiz, de ofício,
ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida.

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Esta hipótese de produção antecipada de provas, a nosso ver, só poderia ser ordenada,
antes de iniciada a lide penal, mediante provocação e não de ofício pelo juiz, sob pena
de ofensa ao próprio sistema acusatório.

O sistema acusatório funda-se, também, pela presença do contraditório e da ampla


defesa. No Brasil, estas garantias não vigoram na fase do inquérito policial (IP), muito
embora já não seja tão pacífico na doutrina e na própria jurisprudência o caráter
meramente inquisitivo do IP (veja observações no item 2).

É que o direito à informação, primeira vertente do contraditório, se encontra presente no


inquérito policial, à luz do entendimento do STF que assegura ao indiciado o direito de
acesso aos autos desse procedimento de investigação.

Nesse sentido, leciona Aury Lopes Jr. que não pode existir contraditório no IP, no sentido
estrito, “porque não existe uma relação jurídica-processual [...] não havendo o exercício
de uma pretensão acusatória não pode existir a resistência”.

Conclui-se, assim, que o contraditório se encontra presente no IP apenas em sua


primeira vertente, ou seja, de forma mitigada em relação àquele existente no processo.

De fato, reconhecida ou não a presença de parte do contraditório no IP (direito à


informação), há de se ter em mente que durante o IP não se colhem provas, no sentido
estrito, mas atos (dados, elementos) de investigação que servirão tão somente para
instruir uma futura denúncia do MP e, conseqüentemente, servir de base para a
admissibilidade da acusação. Mantém-se, assim, a obrigatoriedade de serem repetidos
os elementos colhidos durante a fase inquisitorial, à exceção das “provas” técnicas.

Na verdade, só há que se falar em prova no sentido estrito quanto aos elementos


colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o que, no Brasil, só ocorre
em sua magnitude na fase processual. Estas provas, colhidas na fase judicial, têm por
objetivo produzir um grau de certeza, formando a convicção do juiz que dela se utilizará
para condenar ou absolver o acusado, conforme o caso.

Deste modo, os elementos colhidos durante a fase de investigação, para que se revistam
da qualidade de prova, deverão ser produzidos, igualmente, no processo, quando
possível. Fala-se, assim, em “provas” repetíveis e irrepetíveis. As primeiras devem
ser repetidas na fase judicial. É o que ocorre, por exemplo, com as pessoas ouvidas
durante o IP as quais deverão ser inquiridas novamente durante o processo. Irrepetíveis

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são aqueles elementos que não podem ser repetidos na fase processual, em razão de
impossibilidade ou perecimento, mas que, embora colhidos na fase de investigação,
adquirem a qualidade de prova. Em geral, as perícias realizadas no IP não necessitam
ser repetidas na fase judicial para que adquiram a qualidade de prova. Há, no tocante a
essas provas, um contraditório diferido.

Deste modo, tendo em vista a sua natureza indiciária, os elementos colhidos na fase
de investigação, por si sós, não poderão sustentar uma condenação, porquanto não
se destinam a tal finalidade, mas tão somente à admissibilidade da acusação (juízo de
prelibação). A jurisprudência, todavia, permite que a prova produzida em sede policial
influa na formação do convencimento do Magistrado, quando amparada nos demais
elementos probatórios colhidos na instrução criminal. Nesse sentido: STJ - HC 58.129/
RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17.10.2006, DJ 20.11.2006 p.
348.

Aliás, cumpre destacar a nova redação ao art. 155 do CPP (dada pela Lei n° 11.690/2008),
segundo a qual “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida
em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas”.

Portanto, os elementos colhidos na investigação não poderão servir, por si sós, de


base para a condenação, à exceção das provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas,
as quais, colhidas sob o crivo do contraditório diferido (§5° do art. 159 do CPP),
poderão sustentar o decreto condenatório, a despeito de terem sido produzidas na
fase investigativa.

São, ainda, características do sistema acusatório o tratamento igualitário que devem


receber as partes (princípio da isonomia entre as partes); a oralidade e a publicidade
do procedimento; e a possibilidade de impugnação de decisões, que devem ser
fundamentadas, e o acesso ao duplo grau de jurisdição. Foi o sistema acolhido pela
Constituição Federal de 1988.

Em contraposição, o sistema inquisitório, base do Código de Processo Penal de 1941,


ainda hoje vigente, possui como figura central, o chamado juiz inquisidor, ao qual se
confere as funções de parte, investigação, direção e julgamento. Não há neste sistema,
deste modo, o julgador imparcial. O sistema caracteriza-se, também, pela ausência de
contraditório no procedimento, o qual é escrito e sigiloso.

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Portanto, esta é a maior dificuldade encontrada, atualmente, no processo penal


brasileiro: possuir um Código (CPP) fincado em raízes do sistema inquisitório, mas ter
sua Constituição Federal notadamente baseada no sistema acusatório.

As provas têm por objeto demonstrar a verdade dos fatos, influindo na convicção (certeza)
do magistrado. Afirma-se, com razão, que a verdade dos fatos pode ser manipulada, o
que não ocorre com a certeza do juiz.

No processo penal, o fato a ser provado é o crime, bem como todas as circunstâncias
subjetivas e objetivas que influenciarão na aplicação da pena. Fundamental, ainda, que
se prove a autoria, bem como o dolo ou a culpa do agente, conforme entendimento
dominante na doutrina e na jurisprudência.

Há fatos, porém, que independem de prova. Com feito, não precisam ser provados
os fatos notórios – notorium non eget probaione – (o notório não precisa ser provado.
Por exemplo, a queda do edifício “Palace II” no Rio de Janeiro) e os axiomáticos (ou
intuitivos), por serem estes últimos evidentes em si mesmo. Assim, quando as lesões
externas evidenciarem a causa morte, o CPP (art. 162, parágrafo único) dispensa-se o
exame pericial no cadáver.

As presunções absolutas também prescindem de provas. É o caso do menor de 18


anos, cuja imputabilidade penal é absolutamente presumida.

O Direito, em regra, não precisa ser provado, pois iure novit curia (o juiz conhece o
direito). Entretanto, quando se tratar de legislação estrangeira, estadual ou municipal,
ou mesmo do chamado direito consuetudinário, será necessária a prova.

Por outro lado, os fatos incontroversos, aqueles admitidos pela outra parte, e as
presunções relativas não dispensam prova.

RESTRIÇÕES À PROVA

Conforme visto anteriormente, no processo penal, meios de prova são todos aqueles
não proibidos pelo Direito, bem como os que, relacionados ao estado das pessoas, não
encontrem restrições na lei civil.

O primeiro fator restritivo à liberdade na produção de provas, refere-se à limitação que


a lei civil impõe à prova quanto ao estado das pessoas (art. 155, parágrafo único, do

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CPP). Assim, a menoridade deve ser provada por meio de documento hábil (Súmula
74 do STJ), tais como certidão de nascimento ou registro geral. O mesmo ocorre em
relação ao casamento e ao óbito, que devem ser provados com a apresentação das
respectivas certidões.

A outra limitação à produção de provas encontra-se prevista na CF que, em seu art.


5º, inciso LVI, dispõe serem “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos”.

Na doutrina, existem duas classificações acerca das chamadas provas inadmissíveis.


De acordo com a primeira, usualmente mais adotada, há o gênero provas ilegais que,
por sua vez, se subdividem nas espécies provas ilícitas e provas ilegítimas.

As provas ilícitas ofendem predominantemente normas de caráter material e


tornam-se viciadas, geralmente, no momento em que são colhidas. É o caso, por
exemplo, da confissão obtida mediante tortura. Assim, a violação ocorre anterior ou
concomitantemente ao processo, mas sempre externamente a este.

Ilegítimas são as provas que ferem essencialmente normas de caráter processual,


originando-se o vício no momento em que são produzidas (trazidas) no processo. Ou
seja, a violação existe quando da produção ou inserção da prova no processo. Podem
em si mesmas serem lícitas, mas a forma como são trazidas à lide, as tornam ilegítimas,
e, portanto, insuscetíveis de serem admitidas pelo juiz. É o que ocorre na juntada de
documento durante as alegações finais no sumário de culpa no júri, o que é vedado pelo
§2º do art. 406 do CPP. Ainda que o documento seja lícito em si mesmo, a sua produção
naquele momento é inadmissível, tornando a prova ilegítima.

Esta classificação, a despeito de ser a mais usual na doutrina, dá azo à discussão


segundo a qual a restrição constitucional não alcançaria às provas ilegítimas, pois a CF
se referiu apenas às provas obtidas por meios ilícitos (provas ilícitas).

Ressalte-se, entretanto, que para a doutrina dominante a intenção da CF, ao utilizar o


termo “meios ilícitos”, foi alcançar a prova vedada, compreendendo não só as provas
ilícitas como também as ilegítimas.

A segunda classificação (Ada Grinover) divide as provas inadmissíveis em ilícitas em


sentido amplo e ilícitas em sentido estrito. As primeiras são contrárias ao direito, ferindo
normas, costumes, princípios ou mesmo a moral. Provas ilícitas em sentido estrito, por

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sua vez, são aquelas proibidas por lei. Estas últimas (provas ilícitas em sentido estrito)
podem conter uma ilicitude material (ferindo normas de caráter material) ou uma ilicitude
formal (ofendendo normas de caráter processual). Desse modo, esta corrente sustenta
que, quando a CF se referiu a “ilícitas”, utilizou a expressão em seu sentido amplo,
abrangendo toda aquela contrária ao Direito.

A Lei n° 11.690/2008 criou outra classificação ao dar nova redação ao caput do art. 157
do CPP, dispondo que:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,


assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 

Destarte, para o CPP provas ilícitas são aquelas obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais. Assim, qualquer prova colhida mediante violação à Constituição
Federal ou à lei, independentemente de sua natureza, se material ou processual, é
inadmissível no processo. Portanto, a divisão entre provas ilícitas e ilegítimas permanece
apenas em sede doutrinária já que ambas são inadmitidas no processo, não tendo o
CPP optado por essa classificação.

Discute-se qual deve ser o momento da não admissibilidade da prova vedada: - se ao


final da lide, quando o juiz terá que valorar a prova, extraindo daí se é lícita ou não a
prova; ou - se na fase de deferimento, sequer permitindo o magistrado que a prova ilícita
venha ao processo.

De fato, deve o juiz sequer deferir o pedido de produção de provas ilícitas ou ilegítimas,
não permitindo que a prova venha para o processo. No entanto, caso, por algum motivo,
a prova tenha sido deferida, o magistrado deve determinar o seu desentranhamento
dos autos, deixando de valorá-la na formação de seu convencimento, conferindo,
desse modo, uma maior amplitude à defesa. Neste contexto, é pacífico que o fato de
permanecer nos autos não conduz a nulidade do processo se a prova ilícita ou ilegítima
nenhuma influência exerceu na formação do convencimento do juiz (STF – HC 74.411-7/
SP, DJ 09/10/1998 p. 02).

Teorias Sobre Admissibilidade da Prova

Modernamente, reconhecem-se duas teorias que tratam sobre a admissibilidade


das provas contrárias ao direito: teoria dos frutos da árvore envenenada e teoria da
proporcionalidade (razoabilidade, preponderância de interesses).

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A primeira – fruit of the poisonous tree – tem suas raízes ligadas ao Direito Norte-
Americano. Sustenta que toda prova produzida ilícita ou ilegitimamente deve ser excluída
(desentranhada) do processo. A exclusionary rule (exclusão da prova ilícita) constitui
a essência desta teoria, e se destina a proteger os réus criminais contra a ilegítima
produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora.
Além disso, são provas ilícitas não só aquelas produzidas ou colhidas ilicitamente, como
também as que dela se originaram, ainda que lícitas em si mesmas. São as chamadas
provas ilícitas por derivação. Assim, por exemplo, se só chegou ao testemunho a par
de uma interceptação telefônica ilícita, a prova testemunhal, lícita em si mesma, é ilícita
por estar contaminada pela ilicitude da prova originária (interceptação) que a ela se
estendeu.

Para a teoria dos frutos da árvore envenenada, é preferível que o criminoso fique impune
a se permitir o desrespeito à CF (Tourinho).

É certo, porém, que a teoria em apreço possui temperamentos, criados a bem da


investigação, tornando possível a admissão de provas ilícitas por derivação, mas lícitas
em si mesmas.

O primeiro temperamento consiste na independent source, segundo o qual, sendo


independente em relação àquela colhida ou produzida ilicitamente, a prova há de
ser admitida no processo, não havendo no que se falar, neste caso, em ilicitude por
derivação. Ou seja, não havendo vínculo entre a prova originária ilícita e a nova prova
lícita em si mesma, inexiste a contaminação.

A inevitable discovery é o segundo temperamento. Neste caso, não se cogita da


nulidade da prova derivada, pois esta seria colhida ou produzida independentemente
da anterior prova ilícita, vez que a descoberta era inevitável. A regra existe para
evitar que determinados acusados, agindo de má-fé, venham a se beneficiar pela
nulidade do processo, simulando provas ilícitas visando a contaminar as demais e,
conseqüentemente, o próprio processo.

Estes os aspectos essenciais da fruits of the poisonous tree.

Por sua vez, a teoria da proporcionalidade tem sua origem na Alemanha. Defende
que as normas constitucionais devem se harmonizar, sendo que no aparente conflito
entre elas deve-se dar preponderância ao bem tutelado mais preponderante. Ou seja,
havendo preponderância no interesse preservado sobre o direito individual ferido, restará

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afastado o vício na prova, a qual, então, será considerada lícita. Cabe, deste modo, ao
juiz avaliar se a prova, ainda que colhida ou produzida ilicitamente, poderá ser admitida,
sopesando os interesses envolvidos. Por isso, é também como conhecida como teoria
do balanceamento ou da preponderância dos interesses. A solução sempre dependerá
do caso em concreto e dos bens jurídicos envolvidos. Por esta teoria, por exemplo,
não se permite que um agente de uma extorsão invoque o seu sigilo telefônico para se
resguardar da interceptação realizada ilicitamente por terceiro a mando da vítima. Seria
a ordem social prevalecendo em detrimento de direitos individuais.

O STF, por maioria, adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada, inclusive, no
tocante aos seus temperamentos (JSTF 246/267, 257/301, HC 76.641/SP, DJ 05/02/1999;
STJ - AgRg no HC 40.089/MG, DJ 29.08.2005 p. 378). Conforme lição lapidar do Min.
Sepúlveda Pertence, no julgamento do HC 69.912/RS, DJ 26-11-93 p. 25532, a teoria do
fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da
inadmissibilidade da prova ilícita.

Admite-se, porém, a adoção da proporcionalidade para beneficiar o réu, sendo


vedado o seu emprego pro societate. Nesse contexto, o Pretório Excelso (RE 251445/
GO, DJ 03/08/2000) considerou como prova ilícita o material fotográfico que, embora
comprovasse a prática delituosa (abuso sexual contra menores), fora furtado do
interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a
ser utilizado pelo Ministério Público contra o acusado em sede de persecução penal,
depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia
subtraído. Mais uma vez, repeliu o STF a adoção da teoria da proporcionalidade em
prejuízo do réu.

O Min. Celso de Mello, relator do feito, citando o magistério de Ada Pellegrini Grinover,
asseverou que, tratando-se de prova ilícita, especialmente aquela produzida em ofensa a
cláusulas de ordem constitucional (no caso a inviolabilidade do domicílio), não se mostra
aceitável, para efeito de sua admissibilidade, a invocação do critério de razoabilidade do
direito norte-americano, que corresponde ao princípio da proporcionalidade do direito
germânico, sendo indiferente a indagação sobre quem praticou o ato ilícito de que se
originou o dado probatório questionado, se agente público ou particulares, como também
o momento em que a ilicitude se caracterizou (antes, fora ou no curso do processo); ou
se o ilícito foi cumprido contra a parte ou contra terceiro, desde que tenha importado
em violação a direitos fundamentais. E continuou, aduzindo, que a adoção do princípio
da proporcionalidade por tratar-se de critérios subjetivos, pode induzir a interpretações
perigosas, fugindo dos parâmetros de proteção da inviolabilidade da pessoa humana.
Finalizou, conclamando a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada.

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De fato, a doutrina e a jurisprudência não têm tido problemas quanto à adoção


da razoabilidade (ou proporcionalidade) em benefício do réu. A divergência existe
quando a utilização da teoria da proporcionalidade ocorre em prejuízo do acusado.
O STF, conforme visto, não a admite, mesmo em casos extremos, como na hipótese
anteriormente descrita de abuso sexual de menores.

Atualmente, ganha força na doutrina o entendimento segundo o qual se não tiver havido
a participação de autoridades na colheita de prova, deve se aceitar a proporcionalidade,
ainda que pro societate. Neste caso, pune-se o responsável pela colheita, mas preserva-
se a prova.

Entretanto, não há como deixar de reconhecer que a teoria dos frutos da árvore
envenenada confere uma maior garantia ao acusado, assegurando-lhe o direito de não
ser processado ou condenado com base em provas ilícitas. Relevante, também, se mostra
a observação do Ministro Celso de Mello quanto ao subjetivismo e instabilidade que
poderiam ser causados ao se distinguir, em cada caso, os interesses preponderantes.

Ressalte-se, por fim, que o assunto estava longe de ser pacificado, mesmo no
âmbito do STF. No entanto, a Lei n° 11.690/2008 alterou a redação do art. 157 para
acolher expressamente a teoria dos frutos da árvore envenenada, inclusive com seus
temperamentos. Confira:
Art. 157 [...]
§  1°  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. 
§ 2°  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos
e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova.
§ 3°  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta
será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. 
§ 4°  (VETADO) 

Veja que o §1° cuidou da independent source, enquanto o §2° da inevitable discovery. A
nosso ver, acertou o legislador ao acolher expressamente a teoria dos frutos da árvore
envenenada, pois, sem dúvida, é a que confere uma maior garantia ao acusado.

Apenas temos que registrar um aparente equívoco do legislador ao nominar as hipóteses


nas quais é afastada a alegação de ilicitude por derivação (temperamentos no direito

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pátrio). Com efeito, a independente source, que em sua tradução para o português
significa “fonte independente”, veio a ser acolhida no art. 157 sob a denominação
de “ausência de nexo de causalidade”, enquanto a inevitable discovery, originária da
doutrina americana, acabou sendo positivada em nosso ordenamento jurídico como
“fonte independente”.

Por outro lado, entendemos que o veto ao §4° foi equivocado. Com efeito, dispunha o
citado dispositivo, in verbis:
Art. 157 [...]
§  4°  O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá
proferir a sentença ou acórdão. (NR) 

Sem dúvidas, o dispositivo em questão representava um avanço em nosso ordenamento


jurídico, ao garantir um julgamento imparcial ao réu, respeitando o sistema acusatório.
De fato, não há como negar que, a despeito de ser desentranhada dos autos, a prova
ilícita influi no convencimento do juiz que porventura teve conhecimento acerca de seu
conteúdo.

Entretanto, o Presidente da República, movido por razões de celeridade do processo,


preferiu vetá-lo. Argumentou Sua Excelência que a regra do §4° poderia causar
transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar a substituição do juiz que
fez toda a instrução processual por um outro que nem sequer conhece o caso.

Acreditamos, contudo, que a manutenção do dispositivo fosse a solução mais adequada


ao caso, porquanto não se pode deixar de assegurar com maior efetividade um direito
fundamental, de ser julgado por juiz imparcial, sob a justificativa da celeridade do
processo.

DAS PERÍCIAS

As perícias, via de regra, são realizadas na fase inquisitorial, nada obstando que sejam
produzidas durante o processo. No entanto, ainda que elaboradas durante o inquérito
policial, mas não sendo possível a sua repetição na fase processual por razões técnicas,
as perícias não perdem o caráter de prova, servindo de base para uma condenação.
Trata-se, em regra, de provas irrepetíveis, regidas pelo contraditório diferido.

O exame pericial não se distingue das demais provas apenas pelo seu caráter técnico.
Com efeito, enquanto os outros meios de prova possuem um conteúdo retrospectivo,

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reproduzindo um fato pretérito; nas perícias, além desta retrospecção, há também uma
prospecção dos fatos, na medida em que os peritos avaliam e valoram os fatos apurados,
quando da elaboração dos seus laudos. Apresentam, ainda, um cunho subjetivo,
característica que decorre da própria emissão dos laudos (conteúdo prospectivo das
perícias), enquanto as demais provas, em regra, são objetivas.

Embora sejam prova técnicas e, geralmente, conclusivas, o juiz não está adstrito às
perícias, podendo aceitá-las ou rejeitá-las, no todo ou em parte (aplicação do princípio
da persuasão racional). Havendo dúvidas acerca do laudo, a autoridade judicial poderá
determinar o saneamento do laudo, na forma do art. 181 do CPP. Neste caso, a segunda
perícia não anula a primeira, permanecendo ambas nos autos para apreciação do juiz.

Cumpre lembrar que, a despeito de sua natureza, a perícia não possui um valor
probatório superior em relação às outras provas, pois não há um sistema tarifado de
provas no processo penal brasileiro. Mesmo assim, o art.158 do CPP exige o exame
pericial, direto ou indireto, nas infrações penais que deixam vestígios. E o legislador
processual penal foi além, prevendo, ainda, a nulidade do processo pela falta do exame
de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios (art. 564, III, b). No caso de crimes
de entorpecentes a prova ficou ainda mais tarifada, pois o legislador exige a prova da
materialidade por meio de laudo pericial, sob pena de ser inviabilizada a persecução
penal.

Ressalte-se, porém, que a doutrina e a jurisprudência caminham pela derrogação


da parte final do art. 158 do CPP, pois após a CF de 1988 devem ser admitidas no
processo penal todas as provas que não forem proibidas pelo Direito e o dispositivo
em questão, na sua parte final, desautoriza a produção da confissão do acusado
(meio de prova não vedado por lei, e inclusive legalmente previsto nos artigos 197 a
200 do CPP) quando a infração tiver deixado vestígios.

Além disso, afirma-se que o art. 158 do CPP, ao dar maior valor à prova pericial, ofende
o princípio do livre convencimento motivado, consagrado no art. 156 do CPP (redação
dada pela Lei n° 11.690/2008).

É certo, todavia, malgrado os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais ao contrário,


que, na prática, quando a infração deixa vestígios, o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, é sempre realizado, até mesmo para se evitar qualquer nulidade no processo.

13
Reinaldo Rossano Alves

Conforme sustentado pelo Min. Celso de Mello (HC 69013/PI, DJ 01/07/1992, p. 0160),
“é inquestionável a imprescindibilidade do exame de corpo de delito, quando a infração
penal deixar vestígios. Trata-se de exigência peculiar aos delitos materiais, imposta pelo
art. 158 do Código de Processo Penal. A omissão dessa formalidade - considerada
juridicamente relevante pelo próprio estatuto processual penal - constitui circunstancia
apta a invalidar, por nulidade absoluta, a própria regularidade do procedimento penal-
persecutório (RTJ-114/1064)”.

Ressalva, todavia que, quando “não for possível o exame de corpo de delito direto,
por haverem desaparecido os vestígios da infração penal, a prova testemunhal - que
materializa o exame de corpo de delito indireto - supre a ausência do exame direto
(RTJ 76/696 - 89/109 - 103/1040)”. E, conclui: “A Corte Suprema tem proclamado a
dispensabilidade do exame pericial nos delitos que deixem vestígios, desde que a
materialidade do ilícito penal esteja comprovada, por outros meios, inclusive de natureza
documental”.

Exame de corpo de delito é a perícia realizada por especialistas no corpo da infração penal,
ou seja, nos elementos sensíveis do crime. Tem por objetivo comprovar a materialidade
do fato, nos delitos que deixam vestígios (facti permanentis), isto é, naqueles que deixam
resultados perceptíveis aos sentidos (ex: homicídio, lesão corporal, furto, roubo, etc).
Por sua vez, os delitos facti transeuntis não deixam vestígios (ex: crimes contra a honra
cometidos verbalmente que não sejam de imprensa), sendo para eles dispensável a
exigência dessa prova pericial.

A lei refere-se a exame de corpo de delito direto e indireto. O primeiro ocorre quando
os peritos examinam diretamente o corpo de delito. Já o exame de corpo de delito
indireto existe quando não se faz possível o exame direto por terem desaparecido os
vestígios. De acordo com o art. 167 do CPP, o exame indireto deve ser realizado por
meio de testemunhas. Há ponderável parte da doutrina e da jurisprudência, com a
qual concordamos, que entende ser possível o suprimento do exame direto não só por
testemunhas, como também por meios de documentos. Conforme visto, é a posição do
STF. E também do STJ: HC 25.097/RS, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado
em 15.05.2003, DJ 16.06.2003 p. 411; HC 23.898/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta
Turma, julgado em 21.11.2002, DJ 24.02.2003 p. 261.

Predomina, ainda, o entendimento segundo o qual o exame indireto não precisa ser
realizado por peritos (STF – RT 564/400; RSTJ 39/322), ou seja, não há necessidade
da elaboração de um laudo acerca das informações prestadas pelas testemunhas. Na

14
Processual Penal Atualizado

verdade, o exame indireto nada mais é do que a presença de outros elementos de


prova, notadamente testemunhas, que, supletivamente, e na ausência dos vestígios,
permitam demonstrar ao juiz a materialidade do crime. Possui, desta forma, um caráter
supletivo, só vindo a ocorrer quando não for possível a realização do exame direto, por
terem desaparecido os vestígios. É uma garantia do devido processo legal, pois não
se pode imputar indiretamente uma culpa indiretamente, enquanto houver vestígios,
isto é, quando se puder fazer o exame direto. Ademais, a prova direta fortifica a culpa.
Portanto, somente se os vestígios desaparecerem é que se pode fazer o exame de delito
pela forma indireta (realizado por testemunhas ou outros meios).

É pacífico que o exame indireto pode ser realizado quando o desaparecimento dos
vestígios houver sido causado pela natureza ou pela intervenção maliciosa do acusado.
Discute-se, porém, se seria possível a feitura dessa prova quando os vestígios tivessem
sumido em razão de inércia dos órgãos policiais ou judiciais. A doutrina inclina-se pela
impossibilidade do exame nesta hipótese. Assim, por exemplo, se a vítima do furto,
cansada de esperar a visita dos peritos, manda consertar a janela arrombada, a prova
testemunhal (exame indireto) não poderá suprir a ausência dos vestígios (exemplo de
Vicente Greco Filho). A conclusão doutrinária, porém, pode conduzir a situações de
impunidade. Além disso, promove uma hierarquização nas provas, algo que vem sendo
abolido no ordenamento jurídico pátrio.

De fato, a jurisprudência vem atenuante o rigor do art. 158 do CPP em relação aos
crimes contra os costumes. Assim, para o STF e STJ é dispensável o exame do corpo do
delito direto nos crimes contra os costumes quando a vítima for mulher casada, afeta à
conjunção carnal. Isto porque, no processo moderno, orientado pela busca da verdade
real, todos os meios de prova devem ser igualmente considerados, não havendo, entre
elas, hierarquia. Existindo outras provas lícitas e idôneas a esclarecer a verdade dos
fatos e formar o convencimento do juiz, a prova pericial pode mostrar-se desnecessária.
A sua exigência indeclinável, em hipóteses como esta, descaracterizaria os fins do
processo penal (STJ - RESP 62366/SP, DJ 03.08.1998 p. 275).

Conforme decisão do STJ, “a simples ausência de laudo de exame de corpo de


delito na vítima, não tem o condão, de per si, estabelecer que não existem provas
da materialidade do crime e, conseqüentemente, reconhecer a inexistência de justa
causa para a ação penal. A prova técnica não é a única que comprova a existência
do delito, sobretudo no crime de atentado violento ao pudor que, por dispensar
a conjunção carnal, pode ser consumando de diferentes formas, várias delas que
não deixam vestígios. Na espécie, os indícios da autoria e materialidade para

15
Reinaldo Rossano Alves

justificar a ação penal, consubstanciam-se tanto na palavra da vítima como na prova


testemunhal, fartamente obtida no inquérito policial. (RHC 16927/CE, Rel. Ministra
Laurita Vaz, DJ 14.03.2005 p. 387).

No que se refere aos crimes de tóxicos, a questão é diversa, porquanto sem o


exame de constatação da substância entorpecente, não se processa ninguém, por
uso ou tráfico, mesmo que haja prova testemunhal contundente. Neste caso, não
se admite o exame de corpo de delito indireto, mas somente o direto (art. 50, §1º
da Lei 11.343/2006). Deste modo, torna-se imprescindível que o MP anexe à sua
peça acusatória o laudo preliminar de constatação da materialidade da substância.
Igual providência deve ser tomada na lavratura do auto de prisão em flagrante.
Sem o laudo o juiz deve relaxar a prisão, sendo o inquérito policial mantido como
peça informativa. Por sua vez, o laudo definitivo deve ser anexado aos autos até a
audiência de instrução e julgamento (art. 56 da Lei nº 11.343/2006). A jurisprudência,
conforme visto, atenuou o rigor da lei para considerar a nulidade somente quando
o juiz proferir sentença sem a juntada do exame definitivo, deixando se dar ciência
às partes sobre o seu conteúdo. Assim, não se vislumbrou nulidade, mas mera
irregularidade, no procedimento do juiz que realizou a audiência de instrução sem
a juntada do laudo definitivo, dando ciência de seu conteúdo, porém, antes das
alegações finais e, portanto, em ocasião anterior ao decreto condenatório (STJ -
HC 28978/MG, DJ 23.08.2004 p. 277, REPDJ 30.08.2004 p. 334; HC 8414/RS, DJ
31.05.1999 p. 189).

Por outro lado, permite a Lei nº 11.343/2006 (art. 50, §1º) que o laudo preliminar seja
firmado por um só perito. Quanto ao laudo definitivo este devia ser subscrito por dois
peritos, conforme interpretação dos §1º do art.50 e art. 56 da Lei nº 11.343/2006 e
art. 159 do CPP (com a redação dada pela Lei nº 8.862/1994). Ocorre que a Lei n°
11.690/2008, dando nova redação ao art. 159 do CPP, passou a exigir a realização de
perícias por apenas um perito oficial, portador de diploma de curso superior. Assim, o
laudo definitivo, da mesma forma que o preliminar, passou a ser firmado por apenas um
perito oficial.

O indeferimento da produção de perícia desafia correição parcial (reclamação), nada


impedindo, porém, que a parte suscite o cerceamento de defesa ou de acusação
como preliminar em apelação ou recurso em sentido estrito (este ao fim da primeira
fase do júri). O habeas corpus também poderia ser utilizado para tal finalidade, ante a
possibilidade de ofensa indireta ao direito de liberdade do réu.

16
Processual Penal Atualizado

Se a perícia tiver que ser realizada fora do local de jurisdição do processo, expedir-
se-á carta precatória, na forma do art. 177 do CPP. A nomeação do perito, neste caso,
caberá ao juízo deprecado, salvo se ação for privada, na qual se facultará às partes a
possibilidade de nomeação pelo juízo deprecante.

Além do exame de corpo de delito, o CPP se refere a outras espécies de perícia. O


primeiro define a materialidade do crime. As perícias em geral (ex: exame da arma,
exame do automóvel, exames laboratoriais, etc) visam a esclarecer a autoria do delito.
O exame de corpo de delito, direto ou indireto, é obrigatório, conduzindo a sua falta à
nulidade do processo (art.564, III, b, CPP). A ausência das outras perícias não acarreta
a nulidade do processo, podendo apenas prejudicar o exame da autoria pelo juiz.

É certo que tanto o exame de corpo de delito como as demais perícias podem ser
realizados em qualquer dia e hora (art. 161 do CPP).

No art.162, trata da necropsia (autopsia ou laudo cadavérico). Exige o dispositivo


que o exame seja feito pelo menos seis horas depois do óbito. Esse lapso temporal
tem por finalidade afastar qualquer dúvida acerca da chamada morte aparente,
como nas hipóteses de catalepsia ou estados letárgicos provenientes de apoplexia,
de síncope, de ingestão de tóxicos, da histeria e de outras causas, na qual a vítima
ainda está viva. Entende-se, porém, que não haverá necessidade de se aguardar
o decurso do prazo de seis horas, se houver evidência da morte (ausência de
movimentos respiratórios, desaparecimento do pulso, batidas cardíacas e impulsos
cerebrais, enregelamento do corpo etc.).

O exame pode ser externo ou interno. Será externo nos casos de morte violenta, ou
quando não houver infração penal que apurar, ou as lesões externas permitirem precisar
a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de
alguma circunstância relevante.

O exame cadavérico poderá ser fator decisivo nos esclarecimentos acerca de tese de
legítima defesa, a fim de apurar se houve excesso por parte do agente (ex: disparo
proferido no topo da cabeça pressupõe que a vítima já estava abaixada).

O laudo de lesões encontra-se previsto o art. 168. Tem por finalidade de detectar o tipo
de lesão.

17
Reinaldo Rossano Alves

O exame de escritos (grafotécnico ou grafológico) é abordado no art. 174 do CPP.


Reconhece-se, neste caso, a possibilidade de o réu se recusar a fornecer padrões, em
face do privilégio contra a auto-incriminação (nemo tenetur se detegere).

Há, também, referência à perícia psiquiátrica, que tem por finalidade verificar a
imputabilidade do agente; aos exames laboratoriais (art. 170); a perícia de arrombamento,
com vista a apurar as qualificadoras no crime de furto (art. 171); a perícia sobre coisas
ou produtos do crime (art. 172), que se aplica, por exemplo, ao furto privilegiado, à
receptação culposa, ao delito de dano, entre outros; e a perícia em local de incêndio
(art. 173), cujo fim principal é atestar se houve dolo, culpa ou mero acidente no incêndio,
ou se dele resultou perigo comum.

DOS PERITOS

Cabe, ainda, destacar os sujeitos processuais responsáveis pela confecção das perícias,
os peritos.

Exigia o CPP que as perícias fossem feitas por dois peritos oficiais, bastando que um
a elaborasse e o outro assinasse como revisor (entendimento do STF). Excetuava-se o
caso do laudo preliminar de substância entorpecente para fim de lavratura de Auto de
Prisão em Flagrante, o qual é realizado por um só perito oficial.

Sendo a perícia subscrita por um só perito havia causa de nulidade relativa do processo,
devendo a parte demonstrar a ocorrência de prejuízo para suscitar a sua anulação. Todavia,
o laudo pericial era nulo, conforme entendimento do STF e do STJ. Com efeito, após a
alteração do art. 159 do CPP, promovida pela Lei n° 8.862/94, restava clara a necessidade de
o exame de corpo de delito e as demais perícias serem realizadas por dois peritos.

Nesse sentido, confira a seguinte decisão:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR.


NULIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE INVERSÃO NA OITIVA DE TESTEMUNHAS
E DEFICIÊNCIA NA DEFESA DO RÉU. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO.
PERÍCIA PSICOLÓGICA ELABORADA POR UM SÓ PERITO. CONDENAÇÃO AMPARADA
EM OUTROS ELEMENTOS DE PROVA.

1. A inversão da ordem de oitiva das testemunhas restou devidamente percebida pelo


Juízo da instrução, que, só não procedeu o refazimento do ato, por manifestação

18
Processual Penal Atualizado

expressa da defesa do Paciente, quanto à sua desnecessidade, diante da ausência de


prejuízo. Não há, assim, como reconhecer qualquer ilegalidade na espécie.

2. A alegação de nulidade do processo-crime, em razão da deficiência da defesa técnica, não


merece acolhida, pois não restaram configurados, de forma concreta e efetiva, os prejuízos
ocasionados ao Paciente, já que restou devidamente assistido por defensor nomeado pelo
Juízo, quando da ausência de seu procurador constituído, mas devidamente intimado, nas
audiências de inquirição de testemunhas.

3. A imprestabilidade do laudo psicológico, já que elaborado por somente um perito não


oficial, não é suficiente para ensejar a anulação da condenação imposta ao ora Paciente,
pela prática do crime de atentado violento ao pudor, uma vez que a condenação que
lhe foi imposta restou amparada nas demais provas constantes dos autos. Precedente
desta Corte.

4. Ordem denegada.

(HC 58.102/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17.04.2007, DJ
14.05.2007 p. 339).

Ocorre que a Lei n° 11.690/2008, dando nova redação ao art. 159 do CPP, passou a
exigir a realização de perícias por apenas um perito oficial.

Na falta de peritos oficiais, as perícias serão feitas por duas pessoas idôneas (art.
159, §1º, CPP – redação dada pela Lei n° 11.690/2008). Por sinal, a exigência da lei
de curso superior para o perito não oficial é bastante contestada na doutrina, eis que
desproporcional.

Os peritos oficiais não precisam prestar compromisso legal, ao contrário dos não-
oficiais.

A nomeação do perito incumbe à Autoridade Policial que presida o IP ou outra Autoridade


que presida o procedimento investigatório (MP, por exemplo) ou do juiz no caso de ação
penal. Não há interferência das partes na nomeação dos peritos.

As partes, diferentemente do que ocorre no processo civil, não podiam indicar assistente
técnico para acompanhar a realização da perícia, sendo permitido apenas a elaboração
de quesitos. Nada impedia que apresentassem “perícias” (laudos particulares) realizadas
paralelamente que serão valoradas apenas como documentos.

19
Reinaldo Rossano Alves

Entretanto os novos §§3°e 4° do art. 159 do CPP (redação dada Lei n° 11.690/2008)
permitiram às partes, durante o curso do processo judicial, a faculdade de indicar
assistente técnico, o qual atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão
dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas
desta decisão. Os assistentes técnicos poderão, ainda, ter a sua disposição, havendo
requerimento da respectiva parte, o material probatório que serviu de base à perícia.

DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO

Inicialmente, esclareça-se que o interrogatório em apreço é aquele realizado na fase


processual, sendo diverso do praticado durante o inquérito policial. Eis a razão de o
CPP empregar a denominação “interrogatório do acusado”, pois este, como se sabe,
só existe quando instaurada a relação processual.

No sistema anterior, ao receber a denúncia o juiz determinava a citação do réu e


designava a data para o interrogatório. Com as Leis n° 11.689/2008 (novo júri) e n°
11.719/2008 (procedimentos) o interrogatório passou a ser o último ato da instrução
criminal (sobre o tema consulte o Cap. 6).

Recentemente, o interrogatório foi alvo de alterações promovidas pela Lei nº 11.900/2009,


cujos comentários serão abordados no item 8.10.2.4. Antes dela, a Lei nº 10.792/2003 já
modificara a essência desse ato processual (item 8.10.2.2).

NATUREZA JURÍDICA

Diverge-se a doutrina quanto à natureza jurídica do interrogatório, apresentando-se


três correntes. Para a primeira o interrogatório trata-se de meio de prova. Sustenta sua
posição pelo fato de o Legislador Processual Penal ter inserido o interrogatório no Título
VII – Da Prova.

A segunda corrente entende ser o interrogatório exclusivamente meio de defesa.


Argumenta-se que se o interrogatório fosse meio de prova não se facultaria ao réu
permanecer em silêncio, sem que lhe houvesse qualquer prejuízo, face ao princípio da
verdade real, bem como ao da auto-responsabilidade das partes.

Prevalece, todavia, a posição da terceira corrente para a qual o interrogatório possui


uma natureza mista, sendo meio de prova e de defesa (RT 491/362). E este caráter
misto, após a reforma promovida pela Lei nº 10.792/2003, ficou mais acentuado, pois, ao

20
Processual Penal Atualizado

mesmo tempo em que se consagrou o direito ao silêncio (meio de defesa), foi instituído
o contraditório, com a possibilidade de reperguntas das partes (meio de prova).

AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 10.792/2003

Antes de dezembro de 2003, era assente na doutrina e na jurisprudência, que o


interrogatório era ato privativo do juiz, não se permitindo à intervenção das partes,
acusação e defesa, na sua realização. Entretanto, a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro
de 2003, promoveu várias modificações neste ato processual.

O primeiro comentário que deve ser feito acerca da novel legislação (Lei nº 10.792/03)
é que esta, originariamente, tratava tão-somente da reforma da Lei de Execução Penal.
As alterações promovidas no Código de Processo Penal foram inseridas no último
momento. Nem por isso, deixaram de ser um avanço em relação ao texto anterior.
Vejamos as modificações.

a) Presença do Defensor e do MP

A presença do defensor, constituído ou nomeado (na ausência de defensor


constituído) passa a ser obrigatória, sob pena de nulidade absoluta, presumindo-se
o prejuízo. Assim, realizado sem a presença do defensor, o interrogatório é nulo,
bem como todos os atos decisórios subseqüentes. Neste sentido: STJ - HC 39.430/
DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 08.11.2005, DJ 28.11.2005
p. 319. A nulidade ocorre ainda que o réu tenha exercido o direito ao silêncio, ou
tenha concordado com a realização do ato sem a presença do defensor. Trata-se,
assim, de nulidade absoluta que prescinde da demonstração do prejuízo. No mesmo
sentido: HC 44.417/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15.09.2005,
DJ 10.10.2005 p. 407.

O Supremo Tribunal Federal comunga do mesmo entendimento no sentido da nulidade


absoluta do interrogatório realizado, após a vigência da Lei nº 10.792/2003, sem a
presença de defensor (RHC 87172/GO – Rel. Min. Cezar Peluso - DJ 03-02-2006 PP-
00032).

Parte da doutrina exige, de igual modo, a presença do membro do MP no interrogatório,


em face do princípio da isonomia das partes. Além disso, a participação do MP, que atua
também como fiscal da lei, constitui garantia à sociedade.

21
Reinaldo Rossano Alves

Considerada como obrigatória a presença do MP no interrogatório, na sua ausência,


ainda que injustificada, o juiz deve suspender o ato, não lhe sendo permitido nomear
um promotor ad hoc. Por outro lado, se considerarmos facultativa a presença, o
interrogatório pode ser realizado mesmo na ausência do parquet.

A questão chegou a dividir o TJDFT. Com efeito, a 1ª Turma Criminal do TJDFT entendia
ser imprescindível a presença do MP no interrogatório, como se vê no seguinte julgado
(HC 198323 – Rel. Des. Getúlio Pinheiro – DJ 15/09/2004). Por sua vez, a 2ª Turma
Crimina do TJDFT não vislumbrava a existência de nulidade em feitos nos quais o
membro do MP não comparecera ao interrogatório do réu (2ª Turma - HC 198843, DJ
22/09/2004; HC 200298, DJ 13/10/2004).

A questão foi submetida ao STJ que entendeu não ter exigido a nova lei a presença do
MP no interrogatório, não havendo qualquer nulidade no fato de ter o juiz realizado o ato
sem a presença do órgão ministerial (HC 40.935/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa,
Sexta Turma, julgado em 03.11.2005, DJ 21.11.2005 p. 307). Não se dispensa, porém, a
intimação do MP para que compareça ao ato.

Assim, a questão acabou por pacificar-se no TJDFT que se alinhou ao entendimento do


STJ (20030710243063APR, Relator Sérgio Bittencourt, 1ª Turma Criminal, julgado em
15/09/2005, DJ 30/11/2005 p. 180).
A
demais, perdeu importância a partir das Leis nº 11.689 e 11.719, de 2008, que instituíram
a audiência una de instrução e julgamento, o que exige, certamente, a presença do MP
no interrogatório.

b) Entrevista Prévia do Réu com seu Defensor

Passa a ser obrigatória a audiência prévia do réu com seu defensor antes do interrogatório,
sob pena de nulidade, a nosso ver, absoluta. Para a doutrina dominante, a anulação
do ato, na espécie, depende de prova do prejuízo, sendo o caso de nulidade relativa.
Nesse sentido: STJ - RHC 20.447/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
23.08.2007, DJ 01.10.2007 p. 290;

O STJ, por meio de sua 6ª Turma, concluiu pela nulidade absoluta do processo, face
à não observância da entrevista prévia entre o defensor nomeado para o ato e o réu,
mesmo tendo este dispensado tal direito. Confira:
Interrogatório. Lei nº 10.792/03 (aplicação). Defensor (ausência). Nulidade (caso).

22
Processual Penal Atualizado

1. Com a alteração do Cód. de Pr. Penal pela Lei nº 10.792/03, assegurou-se, de um lado,
a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório do réu; de outro, o direito
do acusado de entrevista reservada com seu defensor antes daquele ato processual.

2. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis – direitos decorrentes de norma


sensível –, a inobservância pelo juiz dessas novas regras implica a nulidade do ato
praticado.

3. Caso em que o réu foi interrogado sem a assistência de advogado, tendo dispensado
a entrevista prévia com o defensor nomeado pelo juiz.

4. Recurso provido a fim de se anular o processo penal desde o interrogatório do


acusado.

(RHC 17.679/DF, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 14.03.2006, DJ
20.11.2006 p. 362).

Conforme, excertos do voto do Min. Relator:

[...] Observe-se, ainda, que se trata de norma sensível, à qual, portanto, não se aplica o
princípio dispositivo. Pouco importa tenha o acusado dispensado as garantias que a lei lhe
confere. Aliás, no processo penal, o magistrado deve funcionar como um “juiz de garantias”,
assegurando a paridade de armas entre as partes. Lembra Ferrajoli: “... no modelo garantista
do processo acusatório, informado pela presunção de inocência, o interrogatório é o
principal meio de defesa, tendo a única função de dar vida materialmente ao contraditório e
de permitir ao imputado contestar a acusação ou apresentar argumentos para se justificar”
(“Direito e Razão”. Revista dos Tribunais, 2002, p. 486).

A exigência legal se faz necessária mesmo no caso de acusado solto, sob pena de
nulidade.

É evidente que, sendo dispensada a entrevista pelo defensor, não há que se falar em
qualquer nulidade.

c) Interrogatório do Réu Preso

O interrogatório de réu preso pode ser realizado no estabelecimento prisional onde se


encontrar, desde que exista segurança para o juiz, o membro do MP e demais auxiliares da

23
Reinaldo Rossano Alves

justiça. Na prática, esta inovação será pouco utilizada (ou melhor, não será), ante a notória
ausência de segurança nos presídios. No Distrito Federal, porém, já há interrogatórios sendo
realizados no Complexo Penitenciário da Papuda.

Por sinal, a lei modificou a redação do art. 360 do CPP para exigir a citação pessoal do
réu preso, não sendo suficiente a mera requisição ao diretor do presídio.

O STJ, porém, mesmo após o advento da Lei nº 10.792/2003, vem entendendo que a
requisição supre a falta da citação pessoal por mandado (HC 65.927/PR, Rel. Ministro
Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 05.02.2007 p. 305; HC 44.004/PI,
Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 20.10.2005, DJ 21.11.2005 p. 266; HC
30.787-MG, DJ de 08-03-2004, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

A nosso ver, a ausência de citação pessoal é causa de nulidade do ato, a depender,


é claro, da prova do prejuízo, o qual restará demonstrado se a defesa do acusado se
mostrar deficiente em razão da ausência de tempo para prepará-la.

Consulte o item 8.10.2.4., sobre a novel Lei nº 11.900/2009, que alterou o CPP, para
prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por
sistema de videoconferência.

d) Divisão do Interrogatório

O legislador passa a prever expressamente a composição do interrogatório em duas


partes: interrogatório de qualificação (identificação – sobre a pessoa do acusado) e
interrogatórios sobre os fatos.

Para Luiz Flávio Gomes, há uma terceira parte no interrogatório correspondente ao


momento do contraditório, em que as partes podem fazer perguntas ao interrogado.

e) Direito ao Silêncio

O direito ao silêncio resta consagrado também no CPP (já era previsto na própria
Constituição Federal). Positiva-se, assim, no CPP, o princípio do nemo tenetur se detegere,
segundo o qual o silêncio não pode importar nenhum prejuízo à defesa. Cumpre destacar
que o juiz deve advertir o réu do seu direito de permanecer em silêncio e de que este
não será interpretado em seu prejuízo. O réu pode, inclusive, mentir neste ato. Cabe
lembrar, ainda, que o réu somente tem o direito de ficar em silêncio no interrogatório

24
Processual Penal Atualizado

sobre os fatos, não podendo silenciar acerca no de qualificação (identificação), sob


pena de responder pela infração do art. 68 da Lei de Contravenções Penais. Se mentir
acerca de sua qualificação pessoal estará cometendo, em tese, o crime do art. 307 do
CP (falsa identidade). Nesse sentido: STF - HC 72377/SP – Rel. Min. Carlos Velloso -
Segunda Turma - DJ 30-06-1995 p. 20409.

O STJ, porém, tem posição diversa, entendendo que a mentira do acusado acerca de
sua qualificação, constitui fato atípico, por decorrer do exercício de sua autodefesa e do
direito ao silêncio. Veja a seguinte decisão:

CRIMINAL. HC. FALSA IDENTIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUTODEFESA. ATIPICIDADE


DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

I. Não comete o delito previsto no art. 307 do Código Penal o réu que, diante da
autoridade policial, se atribui falsa identidade, em atitude de autodefesa, porque
amparado pela garantia constitucional de permanecer calado, ex vi do art. 5º, LXIII, da
CF/88. Precedentes desta Corte.
II. Deve ser reconhecida a atipicidade da conduta relacionada ao delito de falsa
identidade, determinando-se o trancamento da ação penal, nesta parte.
III. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(HC 67.764/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.02.2007, DJ
12.03.2007 p. 293).

No mesmo sentido: HC 56.991/MS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma,
julgado em 26.09.2006, DJ 16.10.2006 p. 398; REsp 818.748/DF, Rel. Ministro Gilson
Dipp, Quinta Turma, julgado em 17.08.2006, DJ 04.09.2006 p. 323; HC 30.552/MS,
Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 14.02.2006, DJ 06.03.2006 p.
445; HC 46.747/MS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 17.11.2005,
DJ 20.02.2006 p. 354; HC 42.663/MG, Rel. Ministro José Arnaldo Da Fonseca, Quinta
Turma, julgado em 17.05.2005, DJ 20.06.2005 p. 326.

Ressalte-se que, embora as decisões do STJ tenham sido tomadas em relação a falsas
atribuições de identidade cometidas perante autoridade policial no momento da lavratura
do auto de prisão em flagrante, a base para o reconhecimento da atipicidade do fato
foi o direito ao silêncio, igualmente, aplicável na fase do interrogatório judicial. Assim, a
atipicidade do fato, reconhecida na fase de investigação, também deverá sê-la na falsa
atribuição de identidade cometida perante o juiz em sede de interrogatório.

25
Reinaldo Rossano Alves

Por outro lado, a despeito da consagração do direito ao silêncio, este poderá constituir
elemento para a formação do convencimento do juiz, aliado a outras provas existentes
no processo, consoante estabelece o art. 198 do CPP (RJDTACRIM 37/586; 30/276),
não obstante vozes abalizadas na doutrina e na jurisprudência repelirem este
entendimento.

Ora, o réu teve oportunidade de se defender (o interrogatório é meio de defesa) e


assim não o fez, podendo vir a responder por sua omissão, em face do princípio da
auto-responsabilidade das partes na produção de provas (o interrogatório é meio
de prova). Não se trata de o silêncio do réu ser interpretado em seu prejuízo, mas
de reconhecer que a autodefesa (que não foi realizada em razão de seu silêncio)
não conseguiu afastar a pretensão acusatória. Pode-se afirmar, ainda, que, sendo
inocente, atitude normal do acusado é na primeira oportunidade, proclamar, com
ênfase, a sua inocência (RJTACRIM 46/100) e manteve-se em silêncio.

Por outro lado, a doutrina dominante argumenta que é totalmente incompatível se


assegurar o direito ao silêncio e permitir a sua utilização na formação do convencimento
do juiz e que o art. 198 do CPP é inconstitucional.

É fato que o Projeto de Lei nº 4.204/2001, que tratava da reforma do Código de Processo
Penal, continha disposição com a seguinte redação: “o silêncio, que não importará em
confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa e tampouco poderá influir
no convencimento do juiz” (parágrafo único do art. 186). Ocorre que a Lei nº 10.792/03,
talvez em face do atropelo em que foi editada ou mesmo pela vontade do legislador
(não se sabe), não trouxe a redação sugerida, apenas alterando o art. 186 do CPP para
dispor no parágrafo único que o “silêncio, que não importará em confissão, não poderá
ser interpretado em prejuízo da defesa”, mantendo inalterado o teor do art. 198.
Portanto, a Lei nº 10.792/03 pode ter consagrado o entendimento de que o silêncio do
réu, no interrogatório, poderá constituir elemento para a formação do convencimento do
juiz, aliado a outras provas existentes no processo.

f) Abertura do Contraditório – Possibilidade de Reperguntas

Permite-se a interferência das partes por meio de reperguntas, realizadas pelo juiz
(sistema presidencialista). As reperguntas devem ser realizadas primeiro pelo MP
(ou querelante) e depois pela defesa, a fim de que seja respeitado o contraditório.
Nada obstante, a matéria não se encontra pacificada, pois há corrente no sentido

26
Processual Penal Atualizado

de que a defesa deve formular as reperguntas antes da acusação. Afirma-se que,


como o interrogatório é meio de defesa, o ato deve transcorrer da mesma forma
que na audiência de testemunhas de defesa.

O direito ao silêncio é extensivo, inclusive, às reperguntas das partes.

Existe corrente doutrinária (minoritária) segundo a qual as perguntas das partes


(reperguntas) devem se ater somente a eventuais dúvidas surgidas com a argüição do
juiz (pois a nova redação do CPP afirma que o juiz indagará das partes se restaram alguns
esclarecimentos). No entanto, em face do princípio da verdade real, e considerando a
natureza do interrogatório (meio de defesa e de prova), o entendimento dominante na
doutrina é de que o juiz deve passar a palavra às partes (primeiro ao MP e depois à
defesa) para que estas formulem suas perguntas, nos mesmos moldes do que ocorre
com a oitiva das testemunhas (sistema presidencialista). É claro, e o próprio CPP diz
isto, que as perguntas impertinentes e que não interessarem à causa, deverão ser
indeferidas pelo juiz.

g) Da Nomeação de Curador ao Réu Menor

Deixou de ser necessária a nomeação de curador ao réu menor de 21 anos, tendo em


vista que o réu passa a ser sempre assistido por advogado, constituído ou nomeado.
Nesse sentido, a Lei revogou expressamente o art. 194 do CPP que exigia a nomeação
de curador ao réu menor de 21 anos. A doutrina já pregava a ab-rogação tácita do citado
dispositivo, mesmo antes da Lei nº 10.792/03, quando da redução da maioridade cível
promovida pelo Código Civil de 2002.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

A jurisprudência reconhecia a possibilidade de interrogatório por meio de carta


precatória, vez que, no processo penal, não vige o princípio da identidade física do juiz,
considerando, ainda, a extensão do território brasileiro (JSTF 257/277, 193/344; STJ –
HC 2.148-6/SP, DJ 07/02/1994 p. 1.188). No entanto, a partir das Leis nº 11.689 e 11.719,
de 2008, que instituíram a audiência una de instrução e julgamento, restou inviabilizado
o interrogatório por precatória.

Quanto ao interrogatório on line, realizado por meios eletrônicos a posição é outra, no


sentido de que a realização por esta forma, fere o objetivo maior do interrogatório que
é promover o contato pessoal do réu com o juiz. Além disso, a Lei nº 10.792/2003 não

27
Reinaldo Rossano Alves

previu a possibilidade desse interrogatório, o que reforçou o entendimento da doutrina


dominante que rechaça a realização deste ato daquela maneira.

Todavia, o STJ não reconheceu a nulidade do interrogatório realizado por meio de


videoconferência (HC 34.020/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado
em 15.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 334), a não ser que houvesse prova do prejuízo
(RHC 15.558/SP, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
14.09.2004, DJ 11.10.2004 p. 351).

No entanto, o STF, em recente decisão, reconheceu a nulidade absoluta do interrogatório


realizado por videoconferência. Confira a ementa do referido julgado:
AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência.
Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a
cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla
defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias
do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da
igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado
a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato
determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido
para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º,
LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192,
§ único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista
no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado
mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação
alguma, nem citação do réu.

(HC 88914/SP – Rel. Min. Cezar Peluso - DJ 05-10-2007 PP-00037).

A leitura atenta do voto do Ministro relator permite inferir que o Pretório Excelso
considerou nulo o referido ato processual, em razão de este ofender fundamentalmente
os princípios constitucionais do devido processo legal e da legalidade, ante a
inexistência de sua regulamentação no nosso ordenamento jurídico.

Ou seja, o Pretório Excelso aguarda a regulamentação legal da matéria, interrogatório


por videoconferência, o que, de fato, ocorrerá, para se pronunciar sobre o seu conteúdo
e não somente acerca de sua forma.

28
Processual Penal Atualizado

Então, o STJ, reformulando sua posição anterior, passou a adotar o mesmo entendimento
no sentido da impossibilidade do interrogatório por videoconferência. Nesse sentido:
HC 94.069-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 13/5/2008; HC 98.422-SP, Rel. Min.
Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 20/5/2008.

Atualmente, no entanto, a questão veio a ser regulada pela Lei nº 11.900/2009, que
alterou o CPP, para prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos
processuais por sistema de videoconferência.

Conforme já destacado anteriormente (vide itens 5.1.1 e 8.10.2.4), somos favoráveis à


aprovação do interrogatório por videoconferência, nos moldes contidos no art. 185 do
CPP (redação dada pela Lei nº 11.900/2009).

O interrogatório pode ser realizado em qualquer tempo, inclusive na fase recursal, mas
deverá ocorrer o quanto antes possível.

No regime anterior, entendia a jurisprudência que, citado o réu e não sendo revel, o
interrogatório devia se realizar em um prazo máximo de 8 dias. Além disso, exigia-se
uma antecedência mínima de 24 horas entre a citação efetiva do réu e a realização
do interrogatório. Tudo isso para que não se prolongasse a prisão processual do réu,
oportunizando-lhe, ainda, o conhecimento da pretensão acusatória em período razoável,
para que possa realizar a sua defesa (pessoal e técnica) em sua maior amplitude.
A inobservância do prazo mínimo, entretanto, era causa de nulidade relativa, devendo
ser demonstrado o prejuízo para que se anule o ato. Assim, por exemplo, não havia
nulidade na hipótese de o réu ter sido citado no mesmo dia do interrogatório, se contou
com a presença de defensor constituído e lhe foi assegurado o direito de entrevista
reservada previsto no §2° do art. 185 do CPP. Nesse sentido: STJ - HC 46.781/RJ, Rel.
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em 14.03.2006, DJ 03.04.2006 p.
421.

Ocorre que, com as Leis n° 11.689/2008 (novo júri) e n° 11.719/2008 (procedimentos) o


interrogatório passou a ser o último ato da instrução criminal (sobre o tema consulte o
Cap. 6), perdendo relevância o tema acerca do prazo para a sua realização.

Permite o CPP que a todo o tempo o juiz, ou mesmo o tribunal, possa proceder a novo
interrogatório a qualquer tempo, antes do trânsito em julgado da sentença. Afirma-se
que o interrogatório é imprescindível à instrução criminal. A assertiva só é válida quando
o réu se fizer presente. Deste modo, estando o réu em lugar certo e sabido, a ausência

29
Reinaldo Rossano Alves

de interrogatório conduzirá a nulidade do feito, ainda que se encontre na fase recursal.


Assim, se o acusado revel vier a ser preso, ou mesmo se apresentar espontaneamente,
depois da sentença condenatória e antes do julgamento do recurso, seu interrogatório
será necessário, não podendo a instância ad quem julgar o apelo sem interrogar o
réu (RJDTACRIM 7/130). A ausência do interrogatório, nesse caso, constitui nulidade
absoluta (STF - HC 76206/SC – Rel. Min. Maurício Corrêa - DJ 14-08-1998 PP-00003).

Por outro lado, não há que se falar em nulidade, pela falta do interrogatório, quando o
acusado se manteve revel durante todo o processo só comparecendo depois do trânsito
em julgado (STJ – RT 723/537).

Por fim, não há que se falar, por óbvio, em interrogatório por procuração.

AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 11.900/2009 – O INTERROGATÓRIO


POR VIDEOCONFERÊNCIA

A Lei nº 11.900, de 8.1.2009, em vigor desde a data de sua publicação, ocorrida em


9.1.2009, instituiu e regulou o chamado interrogatório por videoconferência, alterando o
art. 185 do CPP, in verbis:
“Art. 185.  ....................................................................

§ 1o  O interrogatório do réu preso será  realizado, em sala própria, no estabelecimento


em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro
do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade
do ato.

§ 2o  Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento


das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência
ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde
que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso
integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o
deslocamento;

II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante


dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância
pessoal;

30
Processual Penal Atualizado

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não
seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217
deste Código;

IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.

§ 3o  Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as


partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.

§ 4o  Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo


mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de
instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código.

§ 5o  Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de


entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência,
fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação
entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do
Fórum, e entre este e o preso.

§ 6o  A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais


por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada
causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 7o  Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o
interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo.

§ 8o  Aplica-se o disposto nos §§ 2o, 3o, 4o e 5o deste artigo, no que couber, à realização
de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa,
como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou
tomada de declarações do ofendido.

§ 9o  Na hipótese do § 8o deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato


processual pelo acusado e seu defensor.” (NR)

Conforme já ressaltado anteriormente (v. item 5.1.1), a norma, a nosso ver, é constitucional,
pois de um lado respeita o direito de presença e de audiência, uma vez que o acusado
acompanhará, em tempo real, mesmo à distância, o ato, podendo interferir em sua defesa
por meio da linha telefônica reservada colocada à sua disposição e de seu defensor.

31
Reinaldo Rossano Alves

De outro, evita gastos vultosos do erário público despendidos com o deslocamento de


presos de alta periculosidade para o fórum.

Vejamos as inovações da novel lei.

Inicialmente, o legislador estabelece três modalidades de interrogatório, em razão da


forma ou do local onde seja realizado: o interrogatório no presídio, o por videoconferência
e o em juízo.

Com efeito, prevê o §1º em destaque que o interrogatório em regra deve ser realizado
no local em que estiver recolhido o preso, desde que estejam garantidas a segurança
do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do
defensor e a publicidade do ato. Cumpre observar que o ato só poderá ser realizado
no presídio caso não seja possível a realização da audiência una, de instrução e
julgamento, inovação introduzida pelas Leis nº 11.689 e 11.719, de 2008, porquanto não
se parece razoável que as demais provas, como oitivas de testemunhas e do ofendido,
esclarecimento dos peritos e reconhecimento de pessoas e coisas, também sejam
produzidas no local da prisão. Seria absurdo exigir que testemunhas, vítima e peritos se
deslocassem para o presídio. Por outro lado, não se pode esquecer que o acusado tem
o direito de acompanhar a realização de todos os atos processuais, a fim de exercer a
sua autodefesa.

Poderíamos até pensar na hipótese de o juiz encerrar a audiência antes da realização do


interrogatório, a fim de que este se realizasse exclusivamente no presídio. No entanto,
os demais atos processuais, como oitiva de testemunhas e do ofendido, já exigiram
a presença do réu em juízo, para que exercesse o seu direito de autodefesa, pois se
estes atos foram realizados por videoconferência, o interrogatório também deve ser,
consoante os §§2º e 8º do art. 185.

Portanto, a disposição dificilmente será aplicada na prática, como, aliás, bem demonstrou
a experiência forense quando da edição da Lei nº 10.792/2003.

A segunda modalidade de interrogatório é a por videoconferência, que será admitida


de forma excepcional (§2º), por decisão fundamentada, da qual as partes deverão ser
intimadas com 10 dias de antecedência antes da realização da audiência de instrução e
julgamento, a fim de que tomem as providências que julgarem cabíveis.

32
Processual Penal Atualizado

Cuidando-se de decisão interlocutória não prevista no rol do art. 581 do CPP, a


determinação do magistrado poderá ser impugnada por meio de habeas corpus (desde
que em favor da defesa) ou mesmo correição parcial (reclamação no DF), ou mediante
matéria preliminar em eventual e futura apelação ou recurso em sentido estrito.

Realizado o interrogatório por videoconferência, o acusado acompanhará os demais


atos processuais pelo mesmo sistema tecnológico, ficando garantidos, nesta
hipótese, o direito de entrevista prévia e reservada com o defensor, bem como o
acesso a canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que
esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre
este e o preso. Aqui, ao que parece, a lei exigiu a presença obrigatória de um
defensor no presídio e de outro em juízo. Conforme bem elucidado por Thiago André
Pierobom de Ávila, “a lei não utiliza a expressão “eventualmente presente”, mas sim
“presente”. Entendemos que é obrigatória a presença desse defensor no presídio
como forma de garantia ao réu que ele não sofrerá qualquer espécie de pressão
no interior do presídio, que ele poderá se expressar da forma mais segura possível,
que eventuais dúvidas do réu poderão ser sanadas in loco por um profissional do
direito que está atuando em seu favor, enfim, que o exercício da ampla defesa será
efetivamente assegurado [...] A obrigatoriedade da presença do defensor no presídio
é uma norma de garantia contra essas eventuais arbitrariedades. Por ser uma norma
de garantia, a ausência de defensor no presídio gerará nulidade absoluta do ato
processual, por ausência de defesa técnica” (ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Lei
nº 11.900/2009: a videoconferência no processo penal brasileiro . Jus Navigandi,
Teresina, ano 13, n. 2022, 13 jan. 2009. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12197>. Acesso em: 10 fev. 2009).

A terceira e última forma de interrogatório é aquela realizada em juízo, a qual, segundo


o legislador, só deve ocorrer em último caso, mas que, na prática, continuará sendo a
regra, mormente se a disposição do §2º for inteiramente respeitada, tornando o ato por
videoconferência como uma medida de exceção. Neste caso (interrogatório em juízo), a
apresentação do réu preso será requisitada, na forma do §7º.

PROCEDIMENTO NO TRIBUNAL DO JÚRI

A Lei n° 11.689, publicada em 10 de junho de 2008, produziu significativas mudanças


no procedimento do júri, objetivando principalmente agilizar o processo e julgamento,
reconhecidamente moroso na legislação anterior.

33
Reinaldo Rossano Alves

A novel lei possui período de vacância de 60 dias. Nesse contexto, cumpre destacar o
§1° do art. 8° da Lei Complementar n° 95/98, que regula a contagem do prazo de vacatio
legis, o qual dispõe:
Art. 8º [...]

§1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período
de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo,
entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.

Deste modo, como o prazo é contado em dias e o mês de julho possui 31 dias, a
consumação integral do período de vacância ocorrerá em 8 de agosto, entrando a nova
lei em vigor no dia 9 de agosto (sábado), não havendo no que se falar em prorrogação
para o dia 11 (segunda-feira).

Nesta edição, mantivemos os temas relativos ao regime anterior, acrescentando os


aspectos principais trazidos pela Lei n° 11.689/2008, a qual, a nosso ver, representou
um avanço na legislação processual penal brasileira.

Princípios Constitucionais

A CF de 1988 reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos
e a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII). Trata-
se de verdadeira garantia fundamental dos jurisdicionados, a quem se garante o
direito de serem julgados por seus pares e não por um juiz togado.

Como é sabido, no processo penal, são deferidas ao réu a ampla defesa e o contraditório.
Por sua vez, nos feitos de competência do Júri, a defesa se torna plena, garantindo-se
ao acusado não só a ampla defesa e o contraditório, mas a possibilidade de destituição
do defensor pelo juiz quando o réu se mostrar indefeso (art. 497, V, CPP). Permite-se,
ainda, ao acusado participar na elaboração do questionário. Essas duas características
tornam plena a defesa no júri.

A soberania dos veredictos consiste na vedação de o Tribunal ad quem (de 2ª


instância) alterar o mérito da decisão proferida pelos jurados. É certo, porém, que
este princípio possui um caráter relativo, pois, em caso de decisão manifestamente
contrária à prova dos autos, permite-se ao Tribunal anular o júri, submetendo o réu a

34
Processual Penal Atualizado

novo julgamento. Proíbe-se, no entanto, a absolvição desde logo, vez que não pode
o Tribunal modificar o mérito da decisão dos jurados. Trata-se, assim, de mitigação
do princípio constitucional da soberania dos veredictos.

Por sua vez, no caso de revisão criminal ajuizada contra sentença proferida pelo júri,
entende-se que é permitido ao Tribunal absolver, desde logo, o réu, não havendo
necessidade de submetê-lo a novo julgamento. Isto porque, se o Júri é uma garantia
fundamental dos cidadãos, a soberania dos veredictos não poderia diminuir o alcance
de outra, a revisão criminal.

De acordo com a CF, as votações do júri são tomadas em sigilo e pelo voto da maioria,
não se exigindo a unanimidade. A seu turno, existe ponderável corrente doutrinária
para a qual a votação deve ser encerrada tão logo se chegue ao veredicto majoritário
(4 votos). Não haveria, assim, necessidade de prosseguir na votação quando esta
chegasse, por exemplo, a 4 a 0. Argumenta-se que, assim agindo o juiz, estaria
resguardado o sigilo, pois terminando a votação em 7 a 0, todos conhecem os votos
dos jurados. Essa posição, todavia, não prevalecia na jurisprudência.

No entanto, a Lei n° 11.689/2008 (novo júri) acolheu esta orientação, porquanto a


resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referentes à
materialidade e à autoria, encerra a votação e implica a absolvição do acusado (§1° do
art. 483 do CPP). Do mesmo modo, a resposta afirmativa por mais de 3 (três) jurados,
encerra a votação relativamente à materialidade e à autoria, levando o juiz a formulação
acerca do quesito previsto no §2º do art. 483.

O tribunal do júri possui competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Trata-
se de competência mínima, pois o legislador infraconstitucional pode aumentá-la, já
que o júri é uma garantia individual. Veja que os crimes conexos aos dolosos contra a
vida, por disposição do CPP (art. 79 - conexão ou continência), são julgados perante o
tribunal do júri, e não há nenhuma inconstitucionalidade nessa norma.

Cabe destacar, ainda, que há tribunal do júri na Justiça Federal. Com efeito, enquadrando-
se o crime doloso contra a vida em uma das hipóteses previstas no art. 109 da CF.
Assim, por exemplo, se o delito for cometido a bordo de navios ou aeronaves será
julgado perante o Tribunal do Júri da Justiça Federal. O mesmo ocorrerá no homicídio
cometido contra servidores públicos federais no exercício de suas funções.

35
Reinaldo Rossano Alves

Discute-se se o crime de genocídio, previsto na Lei nº 2.889/56), na modalidade “matar


membros do grupo”, deve ser julgado no tribunal do júri. A questão foi levada até o
STF que entendeu, em princípio, pela ausência de competência do júri para julgar o
genocídio, porquanto não se trata de crime doloso contra a vida. No entanto, o STF,
a nosso ver corretamente, considerou que o agente, quando pratica o genocídio, na
modalidade matar membros do grupo, comete este crime em concurso formal com
homicídios (quantas vítimas existirem) em continuidade delitiva, uma vez que no contexto
dessa relação, cada homicídio e o genocídio resultam de desígnios autônomos. Assim,
por exemplo, o sujeito que matar onze membros de um grupo, com a inequívoca
intenção de destruir este grupo, comete não apenas um genocídio, mas este e onze
crimes de homicídio (em continuidade delitiva) em concurso formal. Neste caso, haverá
a competência do júri em razão da conexão entre o genocídio com o delito de homicídio
(RE 351487/RR, Rel. Min. Cezar Peluso, 3.8.2006 - Informativo 434 do STF).

Por fim, faz-se necessário destacar a aplicação da regra da perpetuatio jurisdictiones


(art. 81 do CPP) em relação aos processos de competência do tribunal do júri. Sobre o
tema, consulte o item 4.3.

PROCEDIMENTO ESCALONADO

O procedimento no júri é escalonado, dividindo-se em duas fases (procedimento


bifásico): o judicium accusationis (também chamado de sumário de culpa) e o judicium
causae (denominado de fase plenária).

a) Judicium Accusationis (Sumário de Culpa)

O rito, nesta fase, era bastante parecido com o procedimento ordinário, e transcorria da
seguinte forma:

- Oferecimento da denúncia (o STF considera iniciado o processo apenas com o


recebimento da denúncia) — recebimento da denúncia — citação do réu — interrogatório
— defesa prévia — oitiva das testemunhas de acusação — oitiva das testemunhas de
defesa — alegações finais (art. 406) — despacho saneador (art. 407) — pronúncia (art.
408).

Apesar das semelhanças, eram apontadas 5 (cinco) diferenças fundamentais entre o


procedimento ordinário e o sumário de culpa:

36
Processual Penal Atualizado

1ª) no sumário de culpa, não há a fase de diligências (art. 499). Deste modo, após a
oitiva das testemunhas de defesa, seguem-se as alegações finais;

2ª) no sumário de culpa, o prazo para alegações finais é de 5 dias (art. 406), enquanto
no rito ordinário é de 3 dias (art. 500);

3ª) no sumário de culpa, na fase de alegações, havendo assistente habilitado o prazo


será comum entre ele e o MP; enquanto que, no rito ordinário, o prazo é sucessivo.

4ª) conforme visto (v. procedimento ordinário), a ausência de alegações finais no


procedimento ordinário acarreta nulidade absoluta. No entanto, nos processos de
competência do tribunal do júri, esta omissão não enseja declaração de nulidade,
pois, na sentença de pronúncia, não há julgamento de mérito e, sim, mero juízo de
admissibilidade, positivo ou negativo, da acusação formulada (STJ - RHC 16.817/SE,
Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 27.09.2005, DJ 07.11.2005 p. 309;
HC 35.797/SC, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 05.08.2004, DJ
06.09.2004 p. 287; HC 33740/PE, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ 28.06.2004 p. 374).
5ª) o CPP (art. 406, §2º) veda a juntada de qualquer documento na fase de alegações
finais durante o judicium accusationis, pois ele encerra um juízo de prelibação
(admissibilidade da acusação) e não de delibação (condenação ou absolvição). No
procedimento ordinário, a seu turno, vale a regra geral do art. 231 (“as partes podem
apresentar documentos em qualquer fase do processo”), não se proibindo a juntada de
documentos na fase de alegações finais.

Todavia, o procedimento veio a ser alterado pela Lei n° 11.689/2008, passando a


transcorrer da seguinte forma:

- Oferecimento da denúncia — recebimento da denúncia — citação do réu - defesa


prévia (art. 406) — réplica (art. 409), se necessária – audiência de instrução e julgamento
(declarações do ofendido, se possível - oitiva das testemunhas de acusação – oitiva das
testemunhas de defesa - esclarecimentos dos peritos, acareações e reconhecimento de
pessoas e coisas – interrogatório – debates – sentença).

Com efeito, na nova instrução preliminar, o réu não é citado para ser interrogado,
mas para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. Trata-se da defesa
prévia, na qual o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse a
sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas
e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua

37
Reinaldo Rossano Alves

intimação, quando necessário. Frise-se, que a acusação deverá apresentar o rol


de testemunhas e pedido de diligências na peça exordial (denúncia ou queixa,
conforme o caso).

O prazo para apresentação da defesa prévia é contado da intimação e não da juntada


aos autos do mandado (§1° do art. 406).

Diversamente do regime anterior, a defesa prévia, na vigência da Lei n° 11.689/2008, é


obrigatória, exegese que decorre da redação do novel art. 408 do CPP, a qual exige a
nomeação de defensor para oferecê-la, caso a resposta não seja apresentada. Portanto,
em face de sua obrigatoriedade, a defesa prévia ainda que intempestiva deve ser
recebida pelo juiz, cuidando-se, desse modo, de prazo processual impróprio. Ora, não
faria sentido ao magistrado rejeitar a peça extemporânea se a lei lhe obriga a nomear
outro defensor para apresentá-la.

Apresentada a defesa prévia, a acusação será intimada para apresentação de réplica.


Esta intimação, entretanto, só deverá ocorrer em caso de apresentação de documentos
ou de preliminares suscitadas na resposta do acusado (art. 409).

Após a réplica ou a defesa prévia, em caso de desnecessidade daquela, o juiz, no


prazo máximo de 10 dias, determinará a inquirição das testemunhas e a realização das
diligências requeridas pelas partes, a serem produzidas em uma só audiência, podendo
o magistrado indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes e protelatórias.

A audiência de instrução é iniciada pela tomada de declarações do ofendido, se possível,


seguindo-se a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta
ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento
de pessoas e coisas. Somente ao fim da instrução é que se procede ao interrogatório
do acusado.

Trata-se de providência salutar incorporada pelo legislador, pois o interrogatório é meio


de defesa (e secundariamente meio de prova). Assim, é importante ao réu conhecer
todas as provas dos autos para que possa exercer de maneira mais ampla e efetiva a
sua autodefesa. Assim, não se justificava a realização do interrogatório como primeiro
ato da instrução. Felizmente, o legislador, em boa hora, corrigiu o equívoco anterior.

Em seguida, as partes apresentarão suas alegação orais, concedendo-se a palavra,


respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis

38
Processual Penal Atualizado

por mais 10 (dez). Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação
e a defesa de cada um deles será individual. Ao assistente do Ministério Público, após
a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual
período o tempo de manifestação da defesa.

Ressalte-se que, em princípio, ao juiz será lícito facultar às partes as alegações in


memorial, tendo em vista a complexidade do caso ou o número de acusados. Nesse
caso, aplicando-se, por analogia, o disposto no §3° do art. 403 do CPP (redação dada
pela Lei n° 11.719/2008), o prazo para apresentação dos memoriais deverá ser de 5
(cinco) dias sucessivamente, iniciando-se pela acusação.

Encerrados os debates, ou apresentados os memoriais, o juiz proferirá a sua decisão,


ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.

Por outro lado, no sumário de culpa, diversamente do que fez com o novo procedimento
comum ordinário (Lei n° 11.719/2008), o legislador não permitiu o requerimento de
diligências complementares ao final da instrução.

O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias. Em caso de réu


preso, o desrespeito ao prazo legal caracteriza, em princípio, a ilegalidade da prisão
a qual deve ser relaxada. Todavia, se houver razoabilidade na superação do prazo, a
prisão deverá ser mantida, consoante jurisprudência firmada no âmbito do STF e do
STJ. Sobre o tema consulte item 6.1.1.1.

O sumário de culpa (instrução preliminar ou judicium accusationis) corre perante um juiz


de primeiro grau, togado, quando ainda não se tem formado o Conselho de Sentença,
composto de 7 (sete) jurados. Ao final dessa fase, o magistrado poderá proferir quatro
decisões: pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária.

A pronúncia (art. 413 – redação dada Lei n° 11.689/2008) é a única das quatro que
submete o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri, a fim de que se instaure a 2ª
fase (judicium causae). O réu será pronunciado quando o magistrado se convencer
da existência de crime doloso contra a vida (materialidade do fato) e de que existem
indícios de ser o réu o autor deste delito. Cuida-se, conforme entendimento francamente
majoritário na doutrina, de decisão interlocutória mista não terminativa e não de
sentença (terminativa de mérito), em razão de nela não conter a análise do mérito, mas
tão somente um juízo de prelibação.

39
Reinaldo Rossano Alves

Não se exige, assim, prova incontroversa da existência do crime, mas apenas que o
juiz firme o seu convencimento acerca da materialidade do delito. Esse convencimento,
todavia, deverá ser firmado a partir de elementos probatórios existentes nos autos.

Quanto à questão da autoria, o juiz deve ter em conta que a pronúncia é uma decisão
de caráter meramente processual, não lhe sendo permitido aprofundar o mérito da lide.
Com efeito, a “sentença de pronúncia é mero juízo de admissibilidade da acusação,
com o único propósito de submeter o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, daí
por que, em sua motivação, o juiz deve proclamar apenas a existência do crime e de
indícios suficientes de autoria, além das circunstâncias qualificadoras do crime (artigo
416 do Código de Processo Penal), sem, contudo, aprofundar-se no exame das provas
constantes dos autos, sendo-lhe vedado fazer outras referências às circunstâncias do
crime, tais como: as agravantes, as atenuantes, as causas de aumento e de diminuição
de pena e o concurso de crimes (artigo 408 do Código de Processo Penal)” (STJ - HC
12.048/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 06.02.2001, DJ
25.06.2001 p. 239).

De fato, o sumário de culpa consiste apenas num juízo de admissibilidade da acusação.


Por essa razão, nesta fase, vigora o princípio do in dubio pro societate, consoante
entendimento majoritário na doutrina e na jurisprudência. Com efeito, havendo dúvidas
sobre a autoria, bem como acerca da natureza do delito, se dolosa ou não, o juiz
deve pronunciar o réu, submetendo-o ao tribunal do júri. Assim, o magistrado só não
pronunciará o acusado se estiver convencido de que não praticou o delito ou que este
não existiu.

Além disso, o juiz, ao pronunciar o réu, não deverá emitir juízo definitivo acerca do
delito conexo, deixando ao júri o julgamento de ambos os crimes (doloso e conexo). O
magistrado tão somente deverá analisar se é o caso ou não de pronúncia desse crime,
ou seja, se há em relação a ele a materialidade e os indícios de autoria, ou seja, se há
justa causa para o julgamento do acusado pelo delito conexo. Neste sentido: STJ - REsp
197762/PR; DJ 13.09.1999 p. 94; TJDFT – RSE 138668; DJ 30/05/2001 p. 64.

Portanto, o crime conexo só pode ser afastado “quando a falta de justa causa se destaca
in totum e de pronto” (STJ - REsp 571.077/RS, DJ 10.05.2004 p. 338).

Eventuais circunstâncias qualificadoras incluídas na denúncia, só poderão ser excluídas


pelo juiz na sentença de pronúncia, quando manifestamente infundadas (corrente
dominante). Nesse sentido: STF - HC 81855/SP – Rel. Min. Carlos Velloso - DJ 30-05-

40
Processual Penal Atualizado

2003 PP-00038; STJ - REsp 601.108/DF, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma,
julgado em 20.09.2007, DJ 22.10.2007 p. 380; REsp 955.903/SE, Rel. Ministro Felix
Fischer, Quinta Turma, julgado em 23.08.2007, DJ 12.11.2007 p. 293.

A propósito, a Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, em seu art. 7°, veda ao
juiz reconhecer na pronúncia causa especial de diminuição de pena. Assim, não pode
o magistrado pronunciar o réu pelo crime de homicídio privilegiado (art. 121, §1°, do
CP), em razão deste benefício configurar uma causa de minoração de pena. Poderá,
entretanto, o magistrado utilizar a motivação do agente (relevante valor social ou moral
ou domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima) para
excluir a qualificadora (motivo torpe, fútil, por exemplo) manifestamente improcedente.
Nesse contexto, a Lei n° 11.689/2008 foi expressa, ao dispor no §1° do art. 413, que
o juiz deve se limitar a declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e
especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Noutro giro, é perfeitamente cabível nesta fase a corrigenda e a mudança do libelo,


nas hipóteses de emendatio e mutatio libelli (artigos 383 e 384 do CPP). Assim, por
exemplo, se o MP descrever em sua denúncia que a mãe teria matado o próprio filho,
sob a influência do estado puerperal, logo após o parto, mas pedir a condenação por
homicídio qualificado, o juiz, corrigindo o libelo, poderá pronunciar a ré pelo crime de
infanticídio, independentemente de qualquer providência, valendo-se do disposto no
art. 418 do CPP (redação dada pela Lei n° 11.689/2008).

Suponha, agora, que a “circunstância elementar” estado puerperal, não constante na


denúncia, só venha a surgir no decorrer da instrução criminal, após a apresentação de
laudo pericial conclusivo nesse sentido. Neste caso, o juiz deverá aplicar o caput do
art. 384 do CPP, baixando o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias,
se manifeste, para, na seqüência, pronunciar a acusado por infanticídio. Veja que, na
espécie, como a alteração tornou a figura delitiva menos grave do que a anterior (de
homicídio para infanticídio), não é necessário o aditamento da denúncia pelo MP. Este
entendimento restou consagrado na nova redação do §3° do art. 411 do CPP.

Pronunciado o réu, é possível a alteração da sentença de pronúncia, ocorrendo


circunstância superveniente que modifique a classificação do delito. Assim, suponha
que o réu tenha sido pronunciado por tentativa de homicídio. Se a vítima vier a falecer
em razão da conduta anterior do acusado, o juiz abrirá vista dos autos ao MP para
que este adite a denúncia. Na seqüência, aditada a denúncia, o magistrado altera a
classificação do delito de tentativa para homicídio consumado. Fala-se, por esse motivo,

41
Reinaldo Rossano Alves

que os efeitos preclusivos na sentença de pronúncia possuem um caráter relativo


(HC 40.945/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 18.08.2005, DJ
19.09.2005 p. 390).

É a inteligência do §1° do art. 421 do CPP (redação dada pela Lei n° 11.689/2008).
A pronúncia, por fim, é causa interruptiva da prescrição, mesmo quando o delito for
desclassificado pelo júri (Súmula 191 do STJ). Por outro lado, se vier a ser cassada pelo
tribunal de justiça, em recurso em sentido estrito interposto pela defesa, a pronúncia não
terá interrompido o prazo prescricional, ainda que, em eventual recurso do MP, o STJ
anule o acórdão do tribunal de justiça. Neste caso, a decisão do STJ é que interromperá
a prescrição, funcionando como a própria pronúncia.

Não se convencendo da existência do crime (materialidade do fato) ou de indício suficiente


de que tenha o réu concorrido para a prática do delito, o juiz deverá impronunciar o
acusado (art. 414 – redação dada Lei n° 11.689/2008).

Cuida-se, conforme entendimento francamente majoritário na doutrina, de decisão


interlocutória mista terminativa e não de sentença (terminativa de mérito), em razão de
nela não conter a análise do mérito, mas tão somente um juízo de prelibação.

Deste modo, a decisão de impronúncia não faz coisa julgada, pois não impede que
o processo seja reaberto quando surgirem novas provas (art. 414, parágrafo único),
desde que não extinta a punibilidade.

Alertávamos, na vigência da lei anterior, que a impronúncia faria coisa julgada quando o
juiz reconhecer que o fato não constitui crime ou que inexistiu, conforme entendimento
dominante na doutrina e na jurisprudência, à época. Isto porque, se o arquivamento
do IP, fundado na atipicidade do fato, faz coisa julgada, não havia razão para impedir
a formação da imutabilidade da decisão de impronúncia se baseada naquele motivo
(atipicidade do fato). Suponha, por exemplo, que uma mãe seja denunciada pelo crime
de auto-aborto (art. 124 do CP) e no final do sumário de culpa venha o juiz a entender a
inexistência de dolo, tendo a ré agido tão somente por culpa. Neste caso, a impronúncia
é medida que se impõe, em razão da atipicidade do fato. Assim, mesmo se surgirem
novas provas após o trânsito em julgado da impronúncia, indicando a presença do dolo,
o processo não poderá ser reaberto em face da coisa julgada.

Sustentamos também que, a nosso ver, a decisão também faria coisa julgada quando
o juiz reconhecesse categoricamente, diante das provas dos autos, que o acusado não

42
Processual Penal Atualizado

praticou o crime. Assim, a impronúncia só se caracterizaria como uma decisão não


formadora da coisa julgada, nos casos de ausência de provas. Entretanto, ponderávamos
que, nesta fase, o juiz devia evitar uma análise profunda acerca da autoria, limitando-
se a apreciar a presença (pronunciando o réu) ou ausência de indícios de autoria
(impronunciando o réu), sob pena de vir a usurpar a competência do júri.

No entanto, as situações em que a impronúncia era revestida da autoridade de coisa


julgada (atipicidade do fato e inexistência do fato) passaram a constituir, na vigência da
Lei n° 11.689/2008, hipóteses de absolvição sumária, o mesmo ocorrendo quando o juiz
reconhecer não ter concorrido o réu para a infração penal (art. 415).

Deste modo, podemos afirmar que, na sistemática do novo júri, a decisão de impronúncia
jamais fará coisa julgada, sendo rebus sic stantibus.

Quando o réu é pronunciado e recorre, vindo seu recurso a ser provido pelo Tribunal,
há o que se denomina despronúncia. O mesmo ocorre quando o juiz exerce o juízo de
retratação, após a interposição do recurso do réu, revogando a decisão de pronúncia.
Nestes casos, o réu, pronunciado, vem, em razão do provimento de seu recurso, a ser
impronunciado.

O juiz proferirá sentença de desclassificação (art. 419 – redação dada Lei n° 11.689/2008)
quando se convencer, em discordância com a denúncia ou queixa, da existência de
crime diverso de doloso contra a vida. Diversamente do que ocorre na impronúncia, o
juiz ao desclassificar o delito entende ter havido um crime, além de existirem indícios de
que o réu seja seu autor, mas a infração não se enquadra entre aquelas de competência
do júri.

Cuida-se, conforme entendimento francamente majoritário na doutrina, de decisão


interlocutória mista não terminativa e não de sentença (terminativa de mérito), em razão
de nela não conter a análise do mérito, mas tão somente um juízo de prelibação.

Deste modo, ao proceder a desclassificação não deve o juiz adentrar o mérito acerca da
materialidade e da autoria da nova infração. Porém, tratando-se de crime de competência
do juizado especial criminal, é conveniente que o juiz opine (levemente, sem adentrar
no mérito da questão) acerca da tipificação do delito, até mesmo para que saiba a qual
juízo remeterá os autos (se juizado especial ou vara criminal comum), caso não seja
competente para julgar o crime.

43
Reinaldo Rossano Alves

Ressalte-se que o juiz do tribunal do júri só remeterá os autos, ou julgará a infração


caso seja competente, após o trânsito em julgado da decisão de desclassificação. Deve
proceder da mesma forma com os crimes conexos (art. 81, parágrafo único, do CPP).
Discute-se se é possível ao juiz da vara criminal para onde o processo foi remetido
suscitar conflito de competência, caso discorde da tipificação do delito decidida na
sentença de desclassificação.

Na doutrina, predomina o entendimento de que o conflito é impossível na espécie, pois


a questão relacionada à classificação do delito já se encontra acobertada pelo manto da
coisa julgada (observe que o juiz do júri só remete os autos após o trânsito em julgado
da sentença de desclassificação). Com efeito, ao novo juiz resta condenar ou absolver o
réu, mas não poderá questionar mais sobre a possibilidade do delito ser doloso contra
a vida.

Não é esta, todavia, a posição que tem predominado na jurisprudência. Argumenta-se


que um juiz de igual jurisdição estaria impondo ao outro o acatamento de uma decisão,
ferindo a sua independência funcional. Assim, tem-se permitido a formação do conflito
de competência. Nesse sentido: STJ - CC 35294D SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de
18.04.05.

Além disso, a decisão de um juiz absolutamente incompetente poderia estar se


sobrepondo a de outro. A propósito, confira a seguinte decisão do STJ:

HABEAS CORPUS. JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO. REMESSA AO JUÍZO COMUM.


CONFLITO DE JURISDIÇÃO. DECISÃO DO PRIMEIRO JUÍZO. NÃO VINCULAÇÃO DO
JUÍZO RECEBEDOR.

Na linha do que dispõem os arts. 114 e 115 do Código de Processo Penal, o conflito pode
ser aventado pelas partes e pelos juízos em dissídio, desde que, no caso destes, não
concordem, de imediato, com a competência para julgar o caso (conflito negativo).
Portanto, não se pode aceitar a coisa julgada da decisão do primeiro juízo, sob pena de
considerar a possibilidade de julgamento do caso por juiz absolutamente incompetente,
longe da órbita do Juiz Natural.
Ordem denegada.

(HC 43.583/MS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
27.09.2005, DJ 24.10.2005 p. 356).

44
Processual Penal Atualizado

A última decisão cabível, ao fim do sumário de culpa, é a absolvição sumária (art. 415 –
redação dada Lei n° 11.689/2008). Esta, na redação anterior do CPP, ocorria quando o
juiz se convencia que o fato foi praticado pelo réu mediante uma causa de exclusão da
antijuridicidade (descriminantes) ou da culpabilidade (dirimentes).

Durante o regime da lei revogada, destacávamos que, a despeito de sua denominação,


a decisão de absolvição sumária só era cabível em caso de causas excludentes da
ilicitude ou da culpabilidade. Deste modo, na hipótese de reconhecimento de que o réu
não praticou o delito (negativa de autoria) ou que o fato não constitui crime ou, ainda
que inexistiu, o juiz devia impronunciar o réu e não absolvê-lo sumariamente.

Citávamos posição diversa de Greco Filho, para o qual a negativa de autoria devia dar
ensejo à sentença de absolvição sumária, pois ao não se absolver sumariamente o
réu, nessa hipótese, este se sujeitaria a uma situação instável, vez que a sentença de
impronúncia não faria coisa julgada.

Ponderávamos, porém, que o revogado art. 411 do CPP (absolvição sumária) constituía
uma hipótese excepcional na qual o acusado era subtraído de seu Juiz Natural, o Júri.
Desse modo, a interpretação a ser dada ao dispositivo em questão devia ser restrita,
vedando-se à ampliação para alcançar situações nele não previstas. Assim, em nosso
entendimento, o juiz do tribunal do júri só poderia absolver sumariamente o réu nas
hipóteses previstas no art. 411 (revogado), ou seja, diante de causas excludentes de
ilicitude ou de culpabilidade.

De outro lado, lembrávamos que, nesta fase, o juiz devia evitar uma análise profunda
acerca da autoria, limitando-se a apreciar a presença (pronunciando o réu) ou ausência
de indícios de autoria (impronunciando o réu), sob pena de vir a usurpar a competência
do júri.

A situação, porém, mudou com o advento da Lei n° 11.689/2008, a qual, dando nova
redação ao art. 415, ampliou sobremaneira os casos de absolvição sumária.

Com efeito, dispõe o novel dispositivo, in verbis:

Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:


I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

45
Reinaldo Rossano Alves

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.


[...]

Portanto, com a Lei n° 11.689/2008, a absolvição sumária será cabível não só nos casos
de excludentes de ilicitude e culpabilidade, como também se provada a inexistência
do fato ou não ser o réu o autor da infração penal, bem como no de atipicidade da
conduta.

Quanto à possibilidade de absolvição sumária nos casos de atipicidade do fato não


haverá maiores objeções da doutrina, uma vez que não se pode permitir que qualquer
pessoa seja submetida a julgamento perante o júri por uma conduta atípica.

No entanto, em relação à inexistência do fato e à negativa de autoria, certamente


surgirá corrente que defenderá a inconstitucionalidade do dispositivo neste ponto, sob
o fundamento de invasão da competência constitucional do júri pelo juiz do sumário de
culpa, uma vez que o magistrado estaria emitindo parecer conclusivo acerca da autoria
da conduta.

Discordamos desta posição, porquanto, ao reconhecer a existência de excludente de


ilicitude e de culpabilidade, o magistrado também adentra o mérito da lide e, nestes
casos, não se questiona a constitucionalidade da absolvição sumária.

Assim, ao serem sustentada pela defesa as teses de inexistência de fato ou negativa


de autoria, o juiz deverá enfrentá-las ao final do sumário de culpa, absolvendo o réu
sumariamente ao acolhê-las.

O magistrado, todavia, caso venha a pronunciar o réu, deverá ter a cautela de não
afastá-las peremptoriamente, sob pena de influenciar a decisão dos jurados, eivando
a sua decisão de nulidade. Aliás, o §1° do art. 413 assevera que a “fundamentação da
pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação”.

A absolvição sumária, diferente das outras decisões (pronúncia, impronúncia e


desclassificação), é decisão de mérito, pois o réu, desde logo, é absolvido. Constitui,
destarte, sentença terminativa de mérito.

46
Processual Penal Atualizado

Contudo, entende-se que, na dúvida acerca da ocorrência ou não da descriminante


ou da dirimente, bem como sobre a atipicidade da conduta, inexistência do fato ou
negativa de autoria, ou mesmo acerca da presença de elementos demonstrativos
da materialidade e da autoria, o juiz deve pronunciar o réu, em vez de absolvê-
lo sumariamente ou impronunciá-lo, submetendo o acusado perante o Sinédrio
Popular, para que seja julgado perante seus pares.

Na lei revogada, da decisão de absolvição sumária o juiz devia recorrer de ofício, somente
transitando em julgado o decisum quando era apreciado pelo respectivo tribunal.

Entretanto, a nova redação do art. 415 nada dispôs sobre o recurso de ofício. Deste
modo, a nosso ver, não há que se falar mais em sujeição das decisões de absolvição
sumária ao duplo grau de jurisdição obrigatório, ante a ausência de previsão legal.

Nem se diga, por outro lado, que o art. 574, inciso II, não alterado pela Lei n°
11.689/2008, continua a exigir a remessa necessária nos casos de absolvição
sumária, porquanto este dispositivo faz referência ao art. 411, que, pela nova norma,
em nada tem a ver com absolvição sumária. Aqui, houve um cochilo do legislador,
que se olvidou em revogar o mencionado inciso II. Mesmo assim, a conclusão, a
nosso ver, é óbvia: não existe mais o recurso de ofício em casos de absolvição
sumária.

Há relevante questão sobre como deve agir o juiz em caso de réu inimputável por ser
portador de doença mental.

De fato, em qualquer outro processo, o juiz deveria absolver o réu e aplicar-lhe


uma medida de segurança, o que se chama de sentença absolutória imprópria. No
entanto, tratando-se da primeira fase do júri não se admite a imposição de medida
de segurança ao réu (entendimento dominante na doutrina). Neste caso, o juiz deve
pronunciá-lo para que o júri, se for o caso, profira a sentença absolutória imprópria,
impondo ao réu a respectiva medida de segurança.

Todavia, tem predominado na jurisprudência o entendimento, segundo o qual a


absolvição sumária não impede a imposição de medida de segurança, quando estiverem
comprovadas a insanidade mental e a periculosidade do réu. Veja a seguinte decisão
do STJ:

47
Reinaldo Rossano Alves

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. RÉU INIMPUTÁVEL. ABSOLVIÇÃO


SUMÁRIA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ABSOLUTÓRIA PELO TRIBUNAL A QUO.
INIMPUTABILIDADE ATESTADA POR PERÍCIA MÉDICA. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE
SEGURANÇA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO MONOCRÁTICO EM DETRIMENTO DO
TRIBUNAL DO JÚRI. ORDEM DENEGADA.

Hipótese na qual o paciente foi absolvido sumariamente, com aplicação de medida de


segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico,
tendo sido mantida a absolvição em sede de recurso em sentido estrito, em virtude de ter
sido declarado inimputável por perícia médica.

Em observância ao art. 411 da Lei Processual Adjetiva e ao art. 26 do Estatuto Repressor,


caberia ao Juízo Singular, na fase da pronúncia, a apreciação de causa que exclua o
crime ou isente de pena o réu para o fim de absolvê-lo sumariamente, aplicando medida
de segurança.

A inimputabilidade inserindo-se no juízo da pronúncia, deve ser analisada pelo Juiz da


causa e, não, pelo Tribunal Popular.

Precedentes.

Restando constatada a doença mental ou a insanidade do acusado, impõe-se a absolvição


sumária do agente e a aplicação da medida de segurança cabível, a teor do art. 97 do
Código Penal e art. 386, parágrafo único, do Código de Processo Penal sendo certo que a
prova da inimputabilidade, na presente hipótese, mostra-se incontroversa, tanto que nem a
defesa, nem o Ministério Público interpuseram recurso de tal diligência, tendo o Magistrado
homologado o Laudo Médico sem qualquer impugnação.

Ordem denegada.

(HC 42.314/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.12.2005, DJ
19.12.2005 p. 448).

No mesmo sentido: HC 38.500/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma,
julgado em 26.04.2005, DJ 01.07.2005 p. 574.

Entretanto, em recente decisão, o STF decidiu pela impossibilidade de se impor


medida de segurança ao réu ao fim do sumário de culpa, mesmo que comprovada a
inimputabilidade do acusado por perícia médica. Confira a ementa, in verbis:

48
Processual Penal Atualizado

HABEAS CORPUS - PENDÊNCIA DE IDÊNTICA MEDIDA - ADMISSIBILIDADE. A


admissibilidade de habeas corpus, pendente, em Corte diversa, idêntica medida,
pressupõe excepcionalidade a revelar constrangimento ilegal.
COMPETÊNCIA - CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA - INIMPUTABILIDADE -
ABSOLVIÇÃO

- MEDIDA DE SEGURANÇA - ÓRGÃO REVISOR - ARTIGO 411 DO CÓDIGO DE


PROCESSO PENAL - INTELIGÊNCIA. Sendo do Tribunal do Júri a competência para
julgar crime doloso contra a vida, descabe a órgão revisor, apreciando recurso em
sentido estrito, absolver o agente e impor medida de segurança.

(HC 87614/SP – Rel. Min. Marco Aurélio - DJ 15-06-2007 PP-00024).

Conforme noticiado no Informativo nº 462, o STF, no julgamento supra, por empate,


concedeu a ordem, anulando a decisão de tribunal de justiça que, em recurso interposto
pela defesa, absolveu sumariamente o réu, mas lhe impôs medida de segurança. A 1ª
Turma entendeu que a medida de segurança só pode ser imposta pelo júri, ao final
da segunda fase. Assim, determinou a submissão do paciente ao tribunal do júri. “Os
Ministros Carlos Britto e Sepúlveda Pertence indeferiam a ordem, sendo que este o
fazia em maior extensão, porquanto, embora mantendo a absolvição sumária, concedia
habeas corpus, de ofício, a fim de excluir a medida de segurança, sem prejuízo da
interdição civil promovida pelo Ministério Público”.

De fato, chegamos a defender a possibilidade de o juiz, se comprovadas a insanidade


mental e a periculosidade do réu, absolver sumariamente e impor medida de segurança.
Todavia, refletindo melhor sobre o tema, entendemos hoje que o Pretório Excelso agiu
correto ao não permitir a aplicação de medida de segurança nesta fase.

Isto porque, esta medida só é cabível quando, além da inimputabilidade e periculosidade,


estiverem comprovadas a materialidade e a autoria do acusado. E esta análise (da
materialidade e da autoria), como se sabe, é impossível de ser subtraída do Conselho
de Sentença pelo Juiz de Direito (ou Federal), em respeito à competência constitucional
do tribunal do júri.

Por sua vez, a Lei n° 11.689/2008 tratou, parcialmente, do tema, no parágrafo único do
art. 415, dispondo:

Art. 415. [...]

49
Reinaldo Rossano Alves

Parágrafo único.  Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de
inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Verifica-se que o legislador, em princípio, não permite a absolvição sumária no caso


de inimputabilidade por doença mental (art. 26 do CP). Suponha, por exemplo, que o
réu tenha apresentado teses de negativa de autoria e de inimputabilidade penal. Neste
caso, ainda que reconhecida a doença mental do acusado e a sua impossibilidade de
entender o caráter ilícito do fato, não poderá o magistrado absolvê-lo sumariamente,
sendo o caso de pronunciá-lo, para que as teses defensivas sejam apreciadas pelo
júri.

Todavia, quando a inimputabilidade for a única tese defensiva é possível a absolvição


sumária, à luz do dispositivo em destaque. Este, no entanto, foi omissivo acerca da
possibilidade de aplicação de medida de segurança nessa hipótese.

Deste modo, ancorados na posição do STF, entendemos ser impossível a aplicação de


medida de segurança nesta fase, sendo o caso de submeter o acusado ao julgamento
perante o júri, juiz natural para aplicação de eventual medida de segurança.
No caso
julgado
não
decisão,
mesmo de
da
o seja
contra impronúncia,
decisão
(RT
aocorrerá
vida, naopara,
556/310,
havendo
remeterá havendo
em de
613/349).
crime
processo
hipótese crime
seguida,
Se
conexo,
ao juízo conexo,
remeter
absolver juiz
osoautos
juiz,sumariamente
ocompetente,
após
desclassificação. deve oaguardar
ao juízo
o salvo
trânsito
seréu
em pelo odelito
trânsito
elecompetente,
julgado
próprio em
caso
odoloso
daquela
for. O

Aliás, é o que prevê o parágrafo único do art. 81 do CPP, segundo o qual “reconhecida
inicialmente ao júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a
desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua
a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente”.

Cabe destacar, ainda, que nesta fase, vigora o princípio do in dúbio pro societate. Assim,
na dúvida entre a pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária, o
juiz deve pronunciar o réu, a fim de que este seja submetido a julgamento perante o juiz
natural do caso (Júri).

Importante frisar, ainda, que, além das quatro decisões previstas no CPP (pronúncia,
impronúncia, desclassificação e absolvição sumária) e da despronúncia, é possível que
o Juiz, reconhecendo estar extinta a punibilidade, profira uma sentença declaratória,
determinando a extinção do feito.

Por fim, a Lei n° 11.689/2008 inovou acerca no tocante ao recurso cabível contra as
decisões proferidas ao final do sumário de culpa. Com efeito, na sistemática anterior,

50
Processual Penal Atualizado

pronúncia, impronúncia, desclassificação e absolvição sumária desafiavam o mesmo


recurso: recurso em sentido estrito. Contudo, na vigência da nova lei, somente a
pronúncia e a desclassificação serão atacáveis por meio deste recurso, pois absolvição
sumária e impronúncia passaram a ser impugnadas por meio de apelação.

b) Judicium Causae

O procedimento do júri só terá seguimento caso o réu venha a ser pronunciado. Todavia,
na sistemática da lei revogada, o processo não prosseguia até que o réu fosse intimado
da decisão de pronúncia (art. 413 do CPP - revogado). Essa intimação devia ser pessoal,
em se tratando de crime inafiançável (art. 414 - revogado); podendo ocorrer por meio de
edital, se o crime for afiançável (art. 415 - revogado) e o réu e seu defensor não forem
encontrados.

Desse modo, cuidando-se de crime inafiançável, se o réu não fosse encontrado para ser
citado pessoalmente, o feito ficaria suspenso até que o réu fosse citado (não se permitia
a citação por edital), gerando a chamada “crise de instância”. Ou seja, o judicium causae
somente tinha início com a intimação da pronúncia.

Destacávamos que os artigos 414 e 415 do CPP se aplicavam mesmo ao réu revel, o
qual devia ser intimado da sentença de pronúncia, sob pena de nulidade. E cuidando-se
de crime inafiançável a intimação do réu, ainda que revel, deve ser pessoal (STJ - RHC
17.458/CE, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 21.06.2005,
DJ 22.08.2005 p. 304; HC 12.611/PR, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma,
julgado em 13.02.2001, DJ 04.06.2001 p. 193).

A questão mereceu outro tratamento na Lei n° 11.689/2008. Com efeito, dispõe o novo
art. 420 do CPP:

Art. 420.  A intimação da decisão de pronúncia será feita:

I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público;

II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público, na


forma do disposto no § 1o do art. 370 deste Código.

Parágrafo único.  Será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado.
(NR)

51
Reinaldo Rossano Alves

Assim, no novo júri, foi eliminada a possibilidade de “crise de instância”, porquanto não
encontrando o acusado solto, independentemente da natureza do crime, afiançável ou
inafiançável, a intimação da pronúncia será feita por edital.

Elogiável a postura do legislador, pois não havia razão alguma para se manter o processo
suspenso, se o próprio réu abrira mão de sua autodefesa.

Nesse contexto, a nova redação do art. 457 do CPP dispõe que o julgamento não será
adiado pelo não comparecimento do acusado solto regularmente intimado.

Por outro lado, a nova sistemática, permitindo-se a intimação por edital e o julgamento
à revelia de réu solto, deve ser aplicada mesmo aos feitos já iniciados e eventualmente
sobrestados pela “crise de instância”. Isto porque, conforme já ressaltado anteriormente, os
novos preceitos legais possuem conteúdo processual.

Deste modo, nestes casos, o magistrado deve retomar o processo e proceder à intimação
do réu por edital, prosseguindo-se o processo à sua revelia, caso não compareça, com
a indispensável presença da defesa técnica que será exercida pelo defensor constituído
nos autos ou por defensor dativo, se o primeiro não for encontrado.

Transitada em julgado a decisão de pronúncia, tem-se por iniciado o judicium causae.

O rito, nesta fase, ia da apresentação do libelo até o julgamento pelo júri. Porém,
conforme se verá a seguir, foi modificado pela Lei n° 11.689/2008.

É também conhecido como fase plenária. É certo, porém, que determinados atos do
judicium causae precedem ao Plenário de julgamento, quando ainda não foi constituído
o Conselho de Sentença. Por essa razão, entendemos que a expressão fase plenária deve
ser utilizada apenas aos atos processuais efetivamente praticados a partir da instauração da
sessão de julgamento.

Dividimos, desse modo, para fins didáticos, o judicium causae em fase pré-plenária e
plenária propriamente dita.

b.1) Judicium Causae – Fase Pré-Plenária

O procedimento anterior, nesta fase, ia da apresentação do libelo até a sessão de julgamento.


A fase pré-plenária, iniciada com o trânsito em julgado da pronúncia, tomava curso com o
oferecimento de uma peça chamada libelo.

52
Processual Penal Atualizado

O libelo era oferecido pelo MP ou pela vítima (acusador particular ou querelante). Nele,
devia ser apresentado o rol de testemunhas que iriam depor em plenário, no máximo
5. O prazo para a apresentação do libelo-crime acusatório era variável. Assim, o MP
dispunha do prazo de 5 dias para apresentá-lo, contados da intimação do trânsito em
julgado da sentença de pronúncia. No caso de acusador particular (ação penal privada
subsidiária da pública) e do querelante (ação penal privada), o prazo era de 2 dias (art.
420 - revogado).

A apresentação do libelo pelo MP fora do prazo não acarretava nenhum efeito


processual (art.419 - revogado). Por outro lado, se o acusador particular oferecesse,
injustificadamente, o libelo após o prazo, o MP retomava a titularidade da ação (art.
420 - revogado), pois o juiz “haverá por lançado o acusador particular”. Cuidando-se do
querelante, caso o atraso não seja justificado, era declarada extinta a punibilidade, em
razão da perempção (art. 60, III, do CPP).

Cópia do libelo era apresentada ao réu, correndo a partir desta data o prazo de 5 dias
(art. 421 - revogado) para a defesa apresentar uma peça denominada contrariedade.
A doutrina e a jurisprudência reconheciam que a apresentação da contrariedade
era faculdade da defesa, não havendo nenhuma nulidade caso não oferecida (HC
30.919/RS, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.05.2004, DJ
14.06.2004 p. 252; RHC 8.629/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado
em 15.08.2000, DJ 18.09.2000 p. 140).

Após a contrariedade, os autos iam conclusos ao juiz que proferia um despacho


saneador, na forma do art. 425 do CPP (revogado). Neste, o presidente do tribunal
do júri, depois de ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou
esclarecer fato que interesse à causa, marcava dia para julgamento.

Estava terminada a fase pré-plenária do judicium causae.

No entanto, a Lei n° 11.689/2008 simplificou a fase pré-plenária. Confira a nova redação


dos artigos 421, caput, 422 e 423 do CPP, in verbis:

Art. 421.  Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz


presidente do Tribunal do Júri.
[...]

53
Reinaldo Rossano Alves

Art. 422.  Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a


intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e
do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que
irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão
juntar documentos e requerer diligência.’ (NR)

Art. 423.  Deliberando sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas


no plenário do júri, e adotadas as providências devidas, o juiz presidente:

I – ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato


que interesse ao julgamento da causa;

II – fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião


do Tribunal do Júri. (NR)

Com efeito, foram extintos o libelo e a contrariedade, peças, a nosso ver, dispensáveis no júri
e que, não raras vezes, em particular a primeira, geravam nulidade do processo.

Assim, transitada em julgado a decisão de pronúncia, o juiz, ao receber os autos, determina


a intimação das partes para, em cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão
depor em plenário, no máximo cinco, juntarem documentos e requerem diligência.
Embora a novel lei nada disponha acerca da contagem do prazo, entendemos que este
deva ser sucessivo, iniciando-se pela acusação e depois a defesa, e não comum. Isto
porque, é neste momento preclusivo que as partes poderão requerer a produção de
prova em audiência, ressalvado o disposto no art. 479 (apresentação de documentos e
exibição de objetos). Além disso, há de se lembrar que o MP é intimado com os autos,
o que impediria a defesa, caso o prazo fosse comum, de ter acesso aos autos, em
flagrante ofensa ao princípio da isonomia entre as partes.

Após a manifestação das partes, o juiz profere um despacho saneador, no qual: a)


ordena as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que
interesse ao julgamento da causa; e b) faz relatório sucinto do processo, determinando
sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.

Encerra-se, assim, a nova fase pré-plenária do júri.

54
Processual Penal Atualizado

b.1.1) Do Desaforamento

É possível que o julgamento não se realize no território da comarca onde foi cometido o
delito. É o que ocorre na hipótese de desaforamento que consiste no deslocamento do
julgamento do júri para a comarca mais próxima em determinadas situações.

Com efeito, o desaforamento será possível, quando o interesse da ordem pública


o reclamar; quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri (e não do juiz
presidente do tribunal do júri, pois neste caso deve ser oposta exceção de suspeição
ou de impedimento e não o pedido de desaforamento); quando houver dúvida sobre a
segurança pessoal do réu.

Não bastam meras suposições ou alegações vagas a respeito da dúvida sobre a


imparcialidade dos jurados, sem qualquer base em fatos concretos, para o deferimento
do pedido de desaforamento (STJ - HC 47082/DF, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 21.11.2005
p. 273).

Na legislação revogada, permitia-se, ainda, o desaforamento em caso de demora no


julgamento, quando este não se realizasse no período de 1 (um) ano, contado do
recebimento do libelo, desde que para a demora não haja concorrido o réu ou a defesa.
Neste caso, a legitimação era restrita às partes, não se permitindo ao juiz pleitear o
desaforamento. Veja a redação do parágrafo único do art. 424 (revogado):

Art. 424. [...]

Parágrafo único. O Tribunal de Apelação poderá ainda, a requerimento do réu ou do


Ministério Público, determinar o desaforamento, se o julgamento não se realizar no
período de um ano, contado do recebimento do libelo, desde que para a demora não
haja concorrido o réu ou a defesa.

Com a Lei n° 11.689/2008 o tema passou a ser regulado no art. 428, que dispõe que:
Art. 428.  O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado
excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não
puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da
decisão de pronúncia.

§ 1o  Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de
adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

55
Reinaldo Rossano Alves

§ 2o  Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando


julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal
do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer
ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento. (NR)

Deste modo, o prazo necessário à configuração da demora foi reduzido de 1 (um)


ano para 6 (seis), agora contado do trânsito em julgado da pronúncia. Além disso, a
nova lei permitiu ao interessado antecipar, desde logo o pedido de desaforamento,
não necessitando aguardar a superação do prazo, quando conseguir demonstrar a
impossibilidade de o júri julgar o delito dentro do prazo legal. Por outro lado, facultou-
se ao acusado requerer ao Tribunal (TJ ou TRF) que determine a imediata realização
do julgamento, quando não houver excesso de serviço ou existência de processos
aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação
pelo júri nas reuniões periódicas para o exercício.

Quanto à legitimação para o pedido de desaforamento, entendemos que continuou,


nesta hipótese, restrita às partes (inclusive ao assistente), não se permitindo ao juiz, por
razões óbvias, pleiteá-lo.

A decisão acerca do pedido de desaforamento é tomada pelo Tribunal de Justiça


respectivo. O desaforamento pode ser instaurado mediante requerimento das partes
(acusação ou defesa) ou mediante representação do juiz do tribunal do júri. A Lei n°
11.689/2008 (artigos 427 e 428 do CPP) conferiu legitimidade para o assistente requerer
o desaforamento.

Se o pedido de desaforamento for formulado pelo MP (ou querelante), a defesa deverá


ser ouvida previamente sobre ele, sob pena de nulidade. É o que determina a Súmula
712 do STF, aprovada na Sessão Plenária de 24 de setembro de 2003.

A nosso ver, a oitiva da defesa é obrigatória mesmo no caso de o desaforamento ter sido
requerido pelo juiz. No entanto, o STJ e o próprio STF entendem que a manifestação
da defesa só é obrigatória quando o pedido de desaforamento partir do MP, não sendo
necessária quando o pleito tiver sido requerido pelo juiz. Afirma-se, neste caso, que há
uma presunção de imparcialidade acerca do pedido do magistrado (STJ - HC 25.155/
MG, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 14.9.2004, DJ
11.10.2004 p. 353; STF – HC 71345/GO, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 10.5.1996; HC
67749/MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20.3.1990).

56
Processual Penal Atualizado

Não há um momento exato para que seja requerido o desaforamento. Todavia, é


impossível ser pleiteado antes do término do sumário de culpa ou depois de realizado o
julgamento no plenário do júri. A propósito, a nova redação do §4  do art. 427 determina
que, na “pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o
julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese,
quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado”.

Portanto, a nova lei limitou o pedido de desaforamento inclusive na pendência de


recurso contra a decisão de pronúncia. Por outro lado, restringiu a admissão do
pedido de desaforamento, em caso de novo júri, a motivos ocorridos durante ou
após o julgamento anulado. Ou seja, se a razão que lhe autorizava ocorreu antes
do julgamento anulado, não será conhecido o pedido de desaforamento, porquanto
este deveria ter sido questionado antes do primeiro júri, posteriormente anulado.

No regime da lei revogada, o desaforamento não possuía efeito suspensivo, o que


demandava da parte interessada presteza na apresentação do pedido, sob pena de
perda do objeto, se houvesse a realização do julgamento. Todavia, no novo júri (Lei n°
11.689/2008), permite-se ao relator determinar, de modo fundamentado, a suspensão
do julgamento pelo júri, sendo relevantes os motivos alegados (§1° do art. 427).

Tratando-se de crime doloso contra a vida de competência da justiça estadual, veda-se


o desaforamento para o outro Estado (RT 572/324, JTJ 223/182), pois o deslocamento
deve se dar para a Comarca mais próxima e sobre a qual o Tribunal de Justiça exerça
jurisdição.

No tocante ao júri federal, no entanto, é possível o desaforamento para outro Estado,


desde que a Comarca para onde se desaforou o processo, seja a mais próxima e esteja
sobre a jurisdição do mesmo Tribunal Regional Federal. A propósito, a nova redação do
caput do art. 427, prevê “o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma
região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas”.

Para parte da doutrina é impossível o retorno do processo ao local da comarca de


onde havia sido desaforado, o chamado reaforamento. Todavia, o STF (RT 581/390)
já o admitiu quando, na comarca para onde havia sido desaforado o processo,
passaram a existir as razões para o desaforamento, e na comarca de origem não
subsistiam mais os motivos do desaforamento, sendo esta a mais próxima.

57
Reinaldo Rossano Alves

b.2) Judicium Causae – Fase Plenária

Superada a fase pré-plenária, tem início o julgamento (fase plenária propriamente dita),
no qual atuarão os jurados.

Mister que se conheça, inicialmente, a formação do júri.

No regime anterior, eram alistados, para servirem nos feitos de competência do tribunal
do júri, pelo juiz-presidente do júri, de trezentos a quinhentos jurados no Distrito Federal
e nas comarcas de mais de cem mil habitantes e de oitenta a trezentos naquelas de
menor população. Trata-se da chamada lista anual geral (art. 439 - revogado).

Desta lista anual eram sorteados 21 jurados para comporem a sessão de julgamento,
na qual se apreciavam os respectivos processos incluídos na pauta. A sessão era
composta por 21 jurados, mas considerava-se instalada com o quorum mínimo de 15. É
o que dispunha o art. 442 do CPP (revogado):

Art. 442 No dia e à hora designados para reunião do júri, presente o órgão do Ministério
Público, o presidente, depois de verificar se a urna contém as cédulas com os nomes
dos vinte e um jurados sorteados, mandará que o escrivão Ihes proceda à chamada,
declarando instalada a sessão, se comparecerem pelo menos quinze deles, ou, no caso
contrário, convocando nova sessão para o dia útil imediato.

No novo júri (Lei n° 11.689/2008), o número de jurados que compõem a lista anual
aumentou. Com efeito, dispõe o art. 425, in verbis:

Art. 425.  Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800
(oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000
(um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais
de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de
menor população. [...]

Da mesma forma, houve majoração no número de jurados sorteados para compor a


sessão de julgamento, passando de 21 para 25, consoante art. 433. O quorum mínimo
para a instalação da sessão, no entanto, foi mantido em 15 (quinze) jurados (art. 463).

Cumpre ressaltar que o STF considera imprescindível à regularidade processual a


observância estrita aos termos do dispositivo em destaque. Assim, se não for atingido

58
Processual Penal Atualizado

o quorum mínimo de 15 jurados, deve o juiz proceder a nova convocação para o dia útil
imediato. Nesse sentido, o Pretório Excelso reconheceu a nulidade absoluta do julgamento,
cujo quorum mínimo foi obtido por meio de jurados incluídos na lista convocada para outros
julgamentos previstos para a mesma data em diferentes “plenários” do mesmo Tribunal do
Júri (HC 88801/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ 08-09-2006 PP-00043).

De fato, conforme bem ressaltado pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, é


“mediante do conhecimento prévio do nome dos jurados que poderão compor o
Conselho de Sentença, por exemplo, que as partes se preparam para alegar e comprovar
a eventual suspeição dos jurados sorteados”.

Outra alteração relevante levada a efeito pela Lei n° 11.689/2008 foi a que reduziu a
idade para alistamento obrigatório de jurado de 21 para 18 anos (art. 436, caput, do
CPP).

Cada processo será julgado por um Conselho de Sentença formado por 7 jurados,
sorteados entre os que compunham a sessão. Todavia, as partes poderão recusar os
jurados na medida em que forem sendo sorteados, tendo papel decisivo na formação
do Conselho.

As recusas podem ser motivadas, em razão de impedimento ou suspeição do jurado


(artigos 458 e 459 – revogados; atual art. 448 e 449) ou imotivadas, chamadas de
peremptórias (art. 459, §2º - revogado; atual art. 468). Não há limites para as recusas
motivadas. Por outro lado, as peremptórias são limitadas a 3 para a acusação e 3 para
a defesa.

As recusas são efetuadas primeiro pela defesa e depois pela acusação. Trata-se de
exceção à regra segundo a qual a acusação, no processo penal, sempre se manifesta
antes da defesa, para que se estabeleça o contraditório.

Se os réus forem dois ou mais, eles poderão incumbir das recusas um só defensor. No
regime anterior, se não coincidissem as recusas, havia a separação dos julgamentos,
prosseguindo-se somente o do réu que aceitou o jurado, salvo se este, recusado por um
réu e aceito por outro, fosse também recusado pela acusação (art. 461 - revogado). Com
a Lei n° 11.689/2008, porém, a separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão
das recusas (motivadas e imotivadas) não se alcançar o número suficiente (7) para compor
o Conselho de Sentença (art. 469, §1°). Deste modo, a defesa não mais poderá se utilizar
das escusas como meio para conseguir o desmembramento do feito.

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Reinaldo Rossano Alves

Havendo a separação do julgamento, deve ser julgado em primeiro lugar o acusado a


quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, os acusados presos ou
os dentre acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão, ou, ainda,
em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados (art. 429).

De acordo com a Súmula 206 do STF, “é nulo o julgamento ulterior pelo júri com a
participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo”.
Exige-se a participação do jurado no conselho de sentença, não havendo o referido
impedimento se o jurado apenas compôs a sessão de julgamento.

Formado o Conselho de Sentença, segue-se o julgamento. Não comparecendo um dos


sujeitos processuais o júri poderá ou não ser adiado. Nesta hipótese, é preciso, em
princípio, verificar se a ausência foi ou não devidamente justificada, cabendo ao juiz-
presidente, neste último caso, decidir sobre o pedido de adiamento.

O julgamento será adiado pela ausência, ainda que injustificada, do próprio juiz ou do
MP (não há a possibilidade de nomeação de promotor ad hoc – art. 455 – redação dada
pela Lei n° 11.689/2008). No caso de ausência do MP, o fato deve ser imediatamente
comunicado ao Procurador-Geral de Justiça com a data designada para a nova
sessão.

Quanto à testemunha arrolada com cláusula de imprescindibilidade, o juiz presidente


suspenderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro
dia desimpedido, ordenando a sua condução. Por outro lado, o julgamento será
realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser encontrada no local indicado,
se assim for certificado por oficial de justiça (art. 461 do CPP - redação dada pela Lei n°
11.689/2008).

Por sua vez, se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro
não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da
seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, suspendendo-se o julgamento, com a
data designada para a nova sessão. Nesta hipótese, o julgamento será adiado somente
uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente, sob o patrocínio
da defensoria pública (art. 456 – redação dada pela Lei n° 11.689/2008).

A seu turno, o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto,
do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado
(art. 457). Veja que, em relação ao réu solto, a Lei n° 11.689/2008 inovou, porquanto,

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Processual Penal Atualizado

na redação anterior do CPP (art. 451, §1° - revogado), não se permitia o julgamento
sem a sua presença em plenário, em caso de crime inafiançável. Todavia, no novo
júri, o acusado, regularmente intimado, que não comparecer, poderá ser julgado à
revelia, providenciado o juiz-presidente a nomeação da indispensável defesa técnica,
independentemente do delito.

Por fim, se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o
primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de
comparecimento subscrito por ele e seu defensor.

No regime anterior, o julgamento, propriamente dito, obedecia ao seguinte rito:

- Instalação da Sessão (art. 442 - revogado) – pregão (art. 447 - revogado) – formação do
Conselho de Sentença (art. 457 - revogado) - interrogatório do réu (art. 465 - revogado)
— leitura do relatório (art. 466 - revogado), elaborado pelo juiz de forma imparcial para
que não provoque influência nos jurados — oitiva das testemunhas de acusação (art.
467 e 468 - revogado) — oitiva das testemunhas de defesa (art. 467 e 468 - revogado)
— debates (art. 471, 472 e 474 - revogado) — elaboração do questionário pelo juiz —
votação — sentença.

A partir da Lei n° 11.689/2008, o julgamento seguirá o seguinte rito:

- Instalação da Sessão (art. 463) – formação do Conselho de Sentença (artigos 467 a


469) – instrução plenária (art. 473 - declarações do ofendido – oitiva de testemunhas de
acusação – oitiva de testemunhas de defesa - esclarecimentos dos peritos, acareações
e reconhecimento de pessoas e coisas – leitura de peças) – interrogatório (art. 474)
– debates (art. 476) – elaboração dó questionário (artigos 482 a 484) – votação –
sentença.

No sistema revogado, a doutrina afirmava que, no júri, permitira o legislador (art. 467 -
revogado) a inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, adotando-se o sistema
da cross examination (exame cruzado), utilizada no Direito Americano. No entanto,
alertávamos que, na prática, os juízes continuavam a adotar o sistema presidencialista.
No entanto, no novo júri (Lei n° 11.689/2008), a inquirição das testemunhas pelas partes
e o interrogatório será feita por meio do exame cruzado, ou seja, de forma direta. Quanto
aos jurados, no entanto, o legislador manteve o sistema presidencialista (§2° do art.
473), sendo as perguntas destes realizadas por intermédio do juiz presidente.

61
Reinaldo Rossano Alves

A seu turno, preocupado com a celeridade do julgamento, o legislador somente permitiu


a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória
e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis (§3° do art. 473).

Inovou, ainda, a novel legislação, ao dispor (art. 475) que o registro dos depoimentos e
do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica,
estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita
da prova. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos.

Outra inovação consiste na vedação do uso de algemas no acusado durante o período


em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem
dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos
presentes (§3° do art. 474).

Por sua vez, não se permite a intimação de testemunha por meio de precatória, ante
a impossibilidade de se impor a esta o comparecimento obrigatório na sessão de
julgamento, já que se encontra fora do território da comarca. Se a defesa, ou a acusação,
conforme o caso, julgar ser indispensável a oitiva de sua testemunha, deverá levar a
testemunha independentemente de intimação.

Nos debates, só haverá tréplica da defesa, no caso de a acusação ter feito uso da
réplica. Ademais, se a acusação for à réplica obrigatoriamente a defesa deverá treplicar,
em respeito à plenitude de defesa, porquanto não se permite que a última manifestação
seja acusatória.

O tempo dos debates na lei revogada era assim regulado (art. 474-revogado):

Art. 474. O tempo destinado à acusação e à defesa será de 2 (duas) horas para cada
um, e de meia hora a réplica e outro tanto para a tréplica.

§ 1º Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a


distribuição do tempo, que, na falta de entendimento, será marcado pelo juiz, por forma
que não sejam excedidos os prazos fixados neste artigo.

§ 2º Havendo mais de um réu, o tempo para a acusação e para a defesa será, em


relação a todos, acrescido de uma hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica,
observado o disposto no parágrafo anterior.

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Processual Penal Atualizado

A Lei n° 11.689/2008 alterou o prazo dos debates. Confira a nova redação do art. 477:
Art. 477.  O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada,
e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.

§ 1o  Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a


distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de
forma a não exceder o determinado neste artigo.

§ 2o  Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será
acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o
disposto no § 1o deste artigo. (NR)

Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências à
decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou
à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem
ou prejudiquem o acusado, bem como ao silêncio do acusado ou à ausência de
interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo (art. 478).

A seu turno, o questionário (art. 479 e segs - revogado) era composto por quesitos que
deviam respeitar as regras do revogado art. 484 do CPP. Cuidava-se de disposições
confusas, que levavam os jurados, por diversas vezes, a decisões contraditórias.

A novel lei simplificou sobremaneira a elaboração do questionário, dispondo, no art.


483, que os quesitos serão formulados na seguinte ordem:
I- materialidade do fato;
II- a autoria ou participação;
III- se o acusado deve ser absolvido;
IV- se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V- se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na
pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

No novo júri, a resposta negativa ou afirmativa, de mais de 3 (três) jurados, aos quesitos
referentes à materialidade ou à autoria implica no encerramento da votação acerca do
respectivo quesito (§§1° e 2° do art. 483). Resguardou-se, deste modo, o sigilo das votações,
acolhendo-se proposta de corrente doutrinária para a qual a votação deve ser encerrada
tão logo se chegue ao veredicto majoritário (4 votos). Não há, destarte, necessidade de
prosseguir na votação quando esta chegar, por exemplo, a 4 a 0. Está preservado o sigilo,
pois terminando a votação em 7 a 0, todos conhecem os votos dos jurados.

63
Reinaldo Rossano Alves

Nesse contexto, se os jurados, majoritariamente, concluírem pela ausência de


materialidade ou de autoria (resposta negativa ao primeiro ou ao segundo quesito)
o acusado restará absolvido, encerrando-se a votação. Caso contrário (resposta
afirmativa aos dois primeiros quesitos), será formulado quesito com a seguinte redação:
O jurado absolve o acusado? (§2° do art. 483). Veja que as teses defensivas referentes
a causas excludentes de ilicitude (justificantes) ou de culpabilidade (exculpante), legais
e supralegais, deverão ser avaliadas pelos jurados neste terceiro quesito. Caso resolva
pela absolvição a excludente (justificante ou exculpante) certamente veio a ser acolhida
pelo Conselho de Sentença.

Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser


formulados, nesta ordem, quesitos sobre: – causa de diminuição de pena alegada pela
defesa; – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na
pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

Restou, deste modo, acolhida, a orientação da Súmula 162 do STF, para a qual é
imprescindível que os quesitos da defesa precedam aos da acusação, sob pena de
nulidade absoluta.

No regime anterior, entendíamos que a Súmula só devia ser aplicada, em sua íntegra, no
tocante a quesitos antagônicos e prejudiciais, em que a resposta de um influa no outro.
Assim, por exemplo, se a acusação apresentasse tese relativa a homicídio qualificado
pelo motivo fútil e a defesa pugnasse pelo reconhecimento de privilégio, sustentando ter
sido cometido o delito por motivo de relevante valor moral, o juiz, sob pena de nulidade
absoluta, deveria fazer preceder o quesito referente ao privilégio (tese da defesa) ao
da qualificadora (tese da acusação). Se os jurados responderem afirmativamente ao
privilégio, por certo, o quesito relativo à qualificadora restaria prejudicado, não sendo
indagado aos jurados. Isto porque as teses, na espécie, são prejudiciais uma a outra.
Se a tese acusatória fosse questionada em primeiro lugar, haveria, na hipótese, nulidade
absoluta, pois o privilégio sequer seria perguntado aos jurados, porquanto não se
concebe que alguém possa atuar por motivo fútil e de relevante valor moral ao mesmo
tempo.

Por outro lado, se os quesitos não fossem prejudiciais, a solução, em nosso entendimento,
seria diversa, não sendo o caso de se aplicar integralmente a Súmula 162 do STF. É
o que ocorre no chamado “homicídio privilegiado-qualificado” (híbrido). Suponha, por
exemplo, que a defesa tenha apresentado tese privilegiadora, e a acusação aduza ser
o homicídio qualificado pela emboscada. A qualificadora, neste caso, possui natureza

64
Processual Penal Atualizado

objetiva, e sua quesitação antes do privilégio não conduzirá à nulidade absoluta do feito,
pois as teses podem coexistir. É possível que o agente cometa um homicídio mediante
emboscada, agindo por motivo de relevante valor moral (ex: um pai que mata o
estuprador da própria filha, mediante emboscada). Neste caso, a inversão dos quesitos
é causa de nulidade relativa e não absoluta, somente se anulando o júri se comprovado
prejuízo pela defesa.

A questão com a Lei n° 11.689/2008 perdeu importância, ante a clareza do §3° do art.
483.

Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular,


será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o
(terceiro) quesito, conforme o caso (§4° do art. 483). Assim, por exemplo, suponha que
a defesa tenha sustentado como única tese a desclassificação. Neste caso, o quesito a
esse respeito deverá ser respondido após o segundo quesito (autoria ou participação).
Suponha agora que a defesa tenha apresentado teses de legítima defesa (absolvição) e
de desclassificação. Aqui, o quesito relativo à desclassificação deverá ser questionado
ao júri após o terceiro quesito.

Apresentada ao júri a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo


divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri,
o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo
quesito. Por fim, havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão
formulados em séries distintas.

Cumpre destacar, ainda, que não mais serão formulados quesitos relativos a
circunstâncias agravantes e atenuantes, que, em caso de condenação e, quando
alegadas nos debates pelas partes, deverão ser consideradas pelo juiz presidente ao
proferir sentença (art. 492, I, “b”.).

É importante ressaltar que, no sistema revogado, as circunstâncias agravantes eram,


inicialmente, inseridas pelo MP no libelo. No entanto, admitia-se ao juiz-presidente
incluir, no questionário, circunstâncias agravantes não articuladas no libelo, desde que
resultem dos debates, havendo requerimento do acusador (art. 484, parágrafo único,
inciso II, do CPP - revogado). Não se permitia, porém, a inclusão de qualificadoras, ou
mesmo de agravantes correspondentes às qualificadoras (ex: motivo torpe, fútil, etc). Ou
seja, “as circunstâncias agravantes, mesmo quando não articuladas no libelo, poderão
ser incluídas nos quesitos, a requerimento do MP, na forma do art. 484, parágrafo único,

65
Reinaldo Rossano Alves

II, do CPP, desde que não guardem correspondência com as qualificadoras (art. 61,
II, letras a, c e d do Código Penal)” (HC 23.414/DF, Rel. Ministro Fernando Gonçalves,
Sexta Turma, julgado em 03.09.2002, DJ 30.09.2002 p. 294). No mesmo sentido: REsp
457.280/MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 10.06.2003, DJ
15.09.2003 p. 351.

Todavia, com a eliminação do libelo pela Lei n° 11.689/2008, as circunstâncias agravantes


deverão ser suscitadas pelo órgão acusador nos debates. A nosso ver, entretanto, a
vedação jurisprudencial apontada no parágrafo anterior deve continuar a ser aplicada,
não se permitindo ao juiz considerar agravantes que guardem correspondência com as
qualificadoras.

Elaborado o questionário, o juiz indagará as partes se têm requerimento ou reclamação


a fazer acerca dos quesitos formulados, devendo constar da ata qualquer requerimento
ou reclamação não atendida (art. 484 – redação dada pela Lei n° 11.689/2008). Deste
modo, a parte que se sentir prejudicada na elaboração do quesito deve reclamar
imediatamente ao juiz. Não sendo atendida deve solicitar que se registre em ata o não
atendimento. Após o julgamento, poderá pleitear a sua anulação, interpondo apelação,
com fundamento no art.593, III, “a” c/c 564, III, “k”, do CPP.

Após, segue-se a votação, sendo possíveis as seguintes decisões: condenação,


absolvição e desclassificação.

Havendo crime conexo, o júri continuará competente para julgá-lo, em caso de veredicto
condenatório ou mesmo absolutório acerca do crime doloso contra a vida. Por sua vez,
no caso de veredicto desclassificatório, o júri deve ser dissolvido e o juiz presidente
julgará, monocraticamente, a conduta que desclassificou, bem como o delito conexo.
No regime anterior, prevalecia a orientação de que, em caso de desclassificação para
lesão leve, o juiz do tribunal do júri devia aguardar o trânsito em julgado da decisão e
remeter os autos para o juizado especial, juiz natural para julgar o referido delito. Este
era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode observar nas
seguintes decisões: HC 30534/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
18.11.2003, DJ 15.12.2003 p. 340; RHC 7661/AC, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro,
Sexta Turma, julgado em 20.08.1998, DJ 03.11.1998 p. 208.

No entanto, ressaltávamos, com devida vênia ao entendimento do STJ, que não havia
razões para o encaminhamento ao juizado especial neste caso. Ora, nada impede
que, desclassificada a infração para de menor potencial ofensivo, venha o próprio Juiz

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Processual Penal Atualizado

Presidente a abrir vistas ao representante ministerial para a apresentação ou não dos


institutos despenalizadores, julgando o feito na seqüência.

Aduzíamos que a Lei n° 11.313/2006 permitiu o julgamento de infração de menor potencial


ofensivo em vara criminal ou no próprio júri quando conexa com outro delito comum ou
doloso contra a vida, mantendo-se a possibilidade de apresentação da transação penal
e outros benefícios da Lei n° 9.099/95. Assim, se a conexão e a continência podem, à luz
da novel legislação, alterar a competência do juizado (o importante, a nosso ver, não é
a competência, mas a aplicação dos institutos despenalizadores), não há motivos para
que não se defira a perpetuatio jurisdictiones ao Juiz Presidente nestas hipóteses. Nesse
sentido, em recentes decisões, o TJDFT decidiu pela competência do Juiz Presidente
em casos tais, garantindo ao réu a aplicação dos benefícios previstos na Lei n° 9.099/95
(20070020009419CCP, Relator Edson Alfredo Smaniotto, Câmara Criminal, julgado em
19/11/2007, DJ 17/01/2008 p. 871; 20030110828090APR, Relator Sérgio Bittencourt, 1ª
Turma Criminal, julgado em 13/08/2007, DJ 12/12/2007 p. 105).

Felizmente, a Lei n° 11.689/2008 acolheu esta orientação, dispondo no art. 492, §§1 e
2° que:

Art. 492. [...]

§ 1o  Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao


presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o
delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor
potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro
de 1995.

§ 2o  Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida
será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o
disposto no § 1o deste artigo.’ (NR)

Portanto, desclassificada a infração para de menor potencial ofensivo, deve o Juiz


Presidente abrir vistas ao representante ministerial para a apresentação ou não dos
institutos despenalizadores, na forma dos artigos 69 e seguintes da Lei n° 9.099/95.

Ressalte-se que, em se tratando de homicídio doloso contra a vida praticado por militar
contra civil, crime de competência do tribunal do júri, havendo desclassificação para lesão
corporal, infração de competência da justiça militar, deverá o juiz presidente remeter os
autos relativos ao delito desclassificado para a justiça especial, somente julgando o crime
conexo.

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Reinaldo Rossano Alves

Noutro norte, tratando-se de processo por duas tentativas de homicídio, havendo a


desclassificação em relação à primeira tentativa, o juiz não deve dissolver o conselho
imediatamente. Convém que aguarde a votação do próximo delito, pois se os jurados
reconhecerem a segunda tentativa de homicídio, condenando ou absolvendo o réu,
também julgarão o primeiro, que, no caso, será o crime conexo. Caso contrário, o juiz
julgará ambos os delitos, dissolvendo o júri.

A desclassificação realizada pelos jurados pode ser própria ou imprópria. A primeira


ocorrerá, quando, afastada a figura penal imputada ao réu, não se decide, diante
das respostas dos jurados, sobre a existência ou não de qualquer outra figura penal,
assumindo o juiz-presidente a capacidade decisória sobre o fato sem estar condicionado
pela manifestação do Conselho de Sentença. Suponha, por exemplo, que o réu esteja
sendo acusado por tentativa de homicídio. Reconhecida a materialidade e a autoria do
fato, os jurados serão questionados sobre a intenção do agente, se atuara com animus
necandi. Se responderem negativamente, estará afastado o crime doloso contra a vida,
e o juiz julgará livremente o fato, dissolvendo o Conselho. É o caso de desclassificação
própria.

A desclassificação imprópria ocorre quando os jurados, ao responderem os quesitos,


acabam por identificar a classificação do delito não doloso contra a vida. Neste caso,
o juiz, ao sentenciar o feito, ficará vinculado à tipificação dada pelos jurados. Suponha,
por exemplo, que o réu esteja respondendo por homicídio doloso. Reconhecida
a materialidade e a autoria do fato, os jurados serão questionados sobre a intenção
do agente, se atuara com animus necandi. Se responderem negativamente, estará
afastado o crime doloso contra a vida. Neste caso, o juiz deverá formular outro quesito
questionando aos jurados se o réu atuara com animus laedendi (vontade de lesionar).
Em caso de nova resposta negativa, o juiz necessariamente questionará ao Conselho de
Sentença se o acusado atuara com culpa em relação à morte do agente. Se a resposta
for afirmativa, o juiz dissolverá o Conselho de Sentença, e condenará o réu por homicídio
culposo, pois a decisão dos jurados foi uma desclassificação imprópria.

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