do World Cosplay Summit 2008, o mais impor- despontam bonecos, camisetas, fantasias, pôste-
tante campeonato internacional da modalidade. res, jogos eletrônicos. Saboreando em um res-
O Brasil é o único bicampeão do evento: em 2006, taurante uma generosa porção de sashimis ao os vencedores foram os irmãos Mônica e Mau- lado de duas adolescentes que parecem saídas rício Somenzari, interpretando Alexiel e Rosiel, de uma revista (uma nissei e a outra coreana, gêmeos do mangá Angel Sanctuary. que ele chama de seu top teen), Rogério Latino “Estou viciada em cosplay”, confessa Jéssica, explica que sua especialidade “são os game cards: de 20 anos, que trancou a faculdade de com- cartões derivados dos mangás usados em jogos putação e pediu demissão para ir competir no ou coleções”. Sem qualquer ascendência oriental, Japão – apesar da aparente inconseqüência de seu ele é um brasileiro que se deixou seduzir pela gesto, o próprio pai admite que a filha ficou mais cultura pop japonesa a ponto de fazer dela seu madura depois do título. “Passo o tempo todo negócio. “É um mercado que movimenta fortu- pensando na próxima fantasia”, completa ela. nas no mundo, em objetos ou eventos.” A tímida garota se transforma quando troca os Entre seus clientes estão muitos adeptos da trajes civis pelo figurino dos personagens. No Ja- tribo dos otaku (viciados em mangá), que cos- pão, ela e Gabriel se tornaram celebridades, com tumam se encontrar nos fins de semana nas es- sessões de fotos que duravam até cinco horas. cadarias da estação do metrô no bairro. Roupas O cosplay é a apoteose da pretas, cabelos coloridos e fantasia, representação viva piercings compõem um figu- do mundo virtual dos man- para os estudiosos, rino extra-oficial. Um dos jo- gás. E tende a crescer no Bra- vens, Kem, de 18 anos, está de sil. O evento Anima Friends os heróis dos malas prontas para Okinawa, de 2008 reuniu 150 mil par- mangás fazem terra natal de sua família no ticipantes, em um mercado sucesso por seu Japão. Vai trabalhar e apren- que movimenta milhões de der a língua. Na casa de sua reais por ano. São dezenas de aspecto humano. amiga Akemi, moça bonita de estandes com toda a gama de Eles refletem 16 anos, o japonês já é idioma produtos de mangás: de fanta- conflitos e anseios oficial. Todos – a mãe, a tia, a sias a edições raras, de DVDs avó – sempre leram mangás. de animês inéditos a bonecos. que fazem parte da Um dos quartos funciona Há oficinas de desenho e sho- vida dos leitores. como biblioteca. “Livro, na ws de música pop japonesa. minha casa, é mangá”, expli- Muitos fãs andam fantasia- ca ela, que esteve no Japão no dos, mesmo que não participem das competi- começo deste ano e pretende voltar em breve. ções, e todos se chamam por um nome diferente Seus planos incluem a graduação como professo- daquele que carrega no RG: Lilith, Saga, Lee. ra de japonês. Akemi admite usar os quadrinhos Daniela Karasawa, a Deedo, apaixonou-se ainda como instrumento pedagógico, mas se mostra adolescente pelos animês. Tanto que passou a se receosa com o excesso de gírias e estrangeirismos corresponder com outras fãs e a estudar japonês. encontrados atualmente no gênero. Formou-se em letras e, aos 30 anos, prepara-se Por mais que eu vasculhe minhas memórias para defender uma tese de mestrado abordando de infância, ignoro como os livros de mangá apa- o tema. Foi uma das primeiras cosplayers do Bra- receram em minha casa, tampouco onde foram sil, em 1996, e montou um ateliê de costura para parar. Mas aprendi com eles duas importantes fazer fantasias a outros praticantes, em parceria lições. Uma delas é sobre a expressividade dos com Lilith – ou melhor, Andressa Miyazaki –, desenhos, que me permitiam entender o senti- especialista em produção de armaduras. do das histórias sem eu ser sequer alfabetizada. A outra lição diz respeito à existência de culturas Preservar as tradições é uma forma dos roteiristas combaterem a padronização cultural dos tempos esse variado mercado mangá é permanente diversas e distantes. Os mangás me levaram ao modernos. “Cosplay de mangá ou animê não está apenas fantasiado”, diz o letreiro atrás da nissei que na Liberdade, bairro oriental de São Paulo. Nas outro lado do mundo – um mundo que, agora, usa um vestido tradicional de noiva, em uma exposição em São Paulo sobre o centenário da imigração. vitrines das pequenas lojas do shopping SoGo, nunca me pareceu tão próximo e familiar. j
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