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Nas ilhas portuguesas passou-se algo diferente. Aqui o rei concedeu o direito de
padroado à Ordem de Cristo. Primeiro em 1433 o arquipélago da Madeira alargado,
depois, em 1454, a todos os territórios descobertos, situação confirmada por bula papal
de 17 de Março de 1456. O governo espiritual ficou entregue ao vigário de Tomar, sede
da Ordem de Cristo e na condição de nullius dicocese, enquanto ao administrador da
ordem competia a construção dos templos, a nomear os ministros e pagar o seu
vencimento. Á parte isso, todas as ilhas, estabeleceram-se ouvidorias com o objectivo
de organizar e exercer o governo eclesiástico. A situação mudou em 1514 com a criação
do bispado do Funchal e, depois em 30 de Dezembro de 1551 com o regresso à coroa do
padroado.
Em Maio do ano imediato, João Gonçalves Zarco regressou à ilha com três navios e a
disposição de proceder ao seu povoamento. De novo o desembarque em Machico e "a
primeira coisa que fez foi traçar uma igreja de invocação de Cristo...". Depois, foi o
novo reconhecimento da costa, com o assentamento de colonos. Todos os actos eram
precedidos pela construção de uma igreja ou ermida. No Funchal foram as capelas de
Santa Catarina e a de Nossa Senhora do Calhau, sendo a última considerada pelo autor
"a primeira casa de igreja que se fez na ilha". Mais além em Câmara de Lobos a do
espírito Santo, na Quinta Grande a de Vera Cruz, nos Canhas a de Santiago, na Estrela
(Calheta) a de Nossa Senhora da Estrela. E conclui o cronista: "...começou a por em
obra a edificação das igrejas e lavrança da terra". O templo religioso é o ponto de
divergência do processo de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras
habitações de madeira para dar abrigo aos colonos. Daqui resultou a importância
fundamental da igreja em todo o processo.
Para cada capitania foi nomeado um vigário, que dependia directamente do de Tomar,
tendo como função administrar a espiritualidade no recinto da sua jurisdição. Destes
apenas se conhece o nome dos de Machico e Funchal, respectivamente Frei João Garcia
e João Gonçalves. Parece que esta situação perdurou por todo o governo do infante D.
Henrique, uma vez que em 1461 uma das exigências dos moradores do Funchal era o
aumento do clero, de modo que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de
Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta. O próprio infante
preocupou-se com a administração religiosa do arquipélago, ordenando a construção de
igrejas e capelas, conforme se deduz do seu testamento de 1460.
idêntico ideal moveu o cónego Henrique Calaça de Viveiros, que em 1650 ergueu um
convento de Nossa Senhora da encarnação em honra da restauração da independência.
Este foi o segundo convento feminino da regra franciscana de Santa Clara. Mais tarde,
em 1654, Gaspar Berenguer de Andrade fundou o convento das mercês.
Os conventos são uma presença assídua na História da Madeira, persistindo, ainda hoje
alguns de pé. A sua pujança testemunha-se, quer através da dimensão económica das
quintas, resultantes de dotes e legados, quer pela adesão das principais famílias
madeirenses, onde foram recrutados muitos dos noviços e noviças.
Quanto aos diversos templos religiosos, que foram erguendo os povoadores em toda a
ilha, não existe consenso entre os diversos historiadores nem dados que abonem com
segurança a data exacta de construção. I de salientar que a tradição veiculada por Álvaro
Rodrigues de Azevedo e o Pe. Fernando Augusto da Silva apresenta algumas paróquias
criadas em 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia, uma vez
que nas reclamações dos moradores do Funchal em 1461, documento já citado, refere-se
a existência de um só capelão que dizia missa no Funchal.
As sedes das capitanias, em data que desconhecemos tiveram o primeiro vigário que,
depois, o progresso e a consequente pressão do movimento demográfico conduziram ao
aparecimento de novas igrejas e paróquias. O templo religioso é o ponto de divergência
do processo de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras habitações de
madeira para dar abrigo aos colonos. Daqui resultou a importância adquirida pela igreja
em todo o processo.
Parece que a situação perdurou por todo o governo do infante D. Henrique, uma vez que
em 1461 uma das exigências dos moradores do Funchal era o aumento do clero, de
modo que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de Câmara de Lobos,
Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta. Deste modo não entendemos que certa
tradição teime em afirmar a criação de novas freguesias antes desta data. Aliás a muitas
destas paróquias a data que lhes é atribuída no Elucidário Madeirense não corresponde
sempre é verdade, uma vez que o autor se baseou em muitos casos nas indicações do
tombo da Provedoria da Fazenda. O próprio infante preocupou-se com a administração
religiosa do arquipélago, ordenando a construção de igrejas e capelas, conforme se
deduz do seu testamento de 1460: "Item estabeleci e ordenei a principal igreja de Sta
Maria da ilha da Madeira e deshi em diante as outras que si ordenaram, e item estabeleci
hi da ilha do Porto Santo e Igreja de Ilha Deserta (...)".
Quanto aos diversos templos religiosos, erguidos pelos povoadores em toda a ilha, neste
período, não existe consenso entre os diversos historiadores nem dados que abonem
com segurança a data exacta de construção. É de salientar que a tradição veiculada por
Álvaro Rodrigues de Azevedo e Pe. Fernando Augusto da Silva apresenta algumas
paróquias criadas em 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia,
uma vez que nas reclamações dos moradores do Funchal em 1461 refere-se a existência
de um só capelão que dizia missa no Funchal1. Note-se que esta ideia continua a ser
perseguida na actualidade. Perante estas reclamações dos moradores do Funchal somos
levados a afirmar que as diversas paróquias, que secundaram as primeiras na sede de
cada capitania, são posteriores a essa data. A importância adquirida pelos canaviais
conduz ao aparecimento de novas paróquias na vertente sul.
A construção do templo que lhe serviu de sede à nova diocese não foi rápida: o duque
ordenou-o em 1485 mas as obras só se iniciaram em 1493, e ainda continuavam em
1515, sendo sagrado no ano imediato. Note-se que as riquezas geradas pelo comércio do
açúcar propiciaram à coroa e vizinhos os necessários dinheiros para erguer tão sumptuo-
so templo e rechea-lo de preciosas pinturas flamengas e alfaias religiosas em ouro e
prata. Aliás, a riqueza da arte sacra madeirense e a monumentalidade da arquitectura
religiosa está em relação directa com esta realidade.
1
Em 1466 continua a referir-se s\ um vig<rio (RGCMF,
I, fls. 216-219v , publ. AHM, XV, pp. 36-40). Veja-se
Fernando Jasmins PEREIRA, "Bens eclesi<sticos. Diocese do
Funchal", in Estudos sobre Hist\ria da Madeira, Funchal,
1991, 323-350.
Habitualmente a religiosidade popular afirma-se em oposição à oficial, sendo entendida
como uma forma híbrida, isto é, formas inadequadas de entender e praticar a religião
oficial. Por outro lado, se tivermos em conta que a Religião é um corpus de crenças e
conjunto de praticas, podemos definir a religiosidade popular como um conjunto de
superstições e gestos mágicos oriundos do paganismo.
A grande preocupação da igreja em travar esta forma de religiosidade. A contra-
reforma, a inquisição e, mais perto de nós, o Vaticano II, tentaram apagar sem sucesso
estas crenças populares. Por isso, a solução foi tentar impor critérios e praticas de
acomodação. Esta realidade à muito evidente entre nós, como se poderá verificar do
confronto da religiosidade popular da oficial. Neste contexto à de destacar as
constituições sinodais funchalenses do século XVI que consideram a superstição como
sinónimo de feitiçaria, sortilégios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o demónio.
A religiosidade popular expressa-se de diversas formas, sendo de realçar as festas
populares, manifestações colectivas e as crenças e ritos de devoção particular. No
primeiro caso temos as festividades populares, com ou sem relação com o ritual oficial.
Natal, Carnaval, S. João, S. Pedro. Note-se que estas festas populares têm origem em
cultos naturalísticos e que a quase todas estas manifestações estão associadas
manifestações particulares, por vezes, com carácter mágico.
A atitude da igreja não é igual em todas as situações, pois, ora aceita estas
manifestações assimilhando-as ao culto oficial, ora as condena, perseguindo os seus
autores. Nas constituições sinodais dos séculos XVI e XVII é manifesta essa atitude de
oposição, sendo condenadas quaisquer manifestações de sortilégio, agoiro, benzedura.
Note-se que em 1618 o inquisidor de visita à ilha viu-se confrontado com a generalizada
pratica supersticiosa, tendo condenado 13 mulheres por feitiçaria. O facto mais evidente
é que todos tinham consciência que estas praticas eram proibidas.
Para o conhecimento desta realidade, mais do que as constituições sinodais, temos as
visitas paroquiais e as consequentes recomendações dos prelados. Nestas pode-se
acompanhar, a par e passo, a forma de expressão da religiosidade popular e a
intervenção do bispo no sentido da sua erradicação.
Do que atrás ficou expresso poderá afirmar-se que ainda hoje persiste na vivência
religiosa popular traços evidentes dessa realidade desviante às normas da religião
oficial, por vezes, escondidas sob a expressão de devoção particular. Descobri-la não é
tarefa fácil, pois passa por uma perspicaz e bem fundamentada destrinça daquilo que é
oficial e público.
A igreja e os seus membros haviam entrado na vida fácil, deixando-se corromper pelas
solicitações materiais. O estado em que se encontrava a Igreja era deveras gritante. A
vida conventual estava em degradação, dominando aí a indisciplina e alguma
imoralidade. O clero secular alheara-se do serviço nas paróquias apegando-se aos vícios
da sociedade.
Neste período esteve no Funchal o bispo D. Sarello, das Canárias, que deu "ordens a
muitas pessoas e correu a ilha toda crismando comummente a todos os que disso tinham
necessidade". E, em 1552, foi provido D. Frei Gaspar do Casal, que não residiu na ilha,
sendo o facto mais saliente ter participado no Concílio de Trento. O sucessor, D. Jorge
de Lemos, nomeado em 1556 foi quem na verdade deu forma à aplicação das ordens do
concílio, sendo seguido depois por D. Jerónimo Barreto (1574-85) e D. Luís de
Figueiredo de Lemos (1586-1608) considerados os verdadeiros obreiros desta reforma
na Madeira.
A formação do clero através dos seminários era também indispensável para esta
mudança. A medida, já reclamada nos concílios de Nicea e Toledo, só agora tem plena
concretização. Na Madeira o Seminário surgiu em 1566 por iniciativa de D. Jerónimo
Barreto, enquanto para S. Tomé criou-se um, primeiro em Coimbra (1585), depois
transferido para a ilha em 1597. A presença do Colégio dos Jesuítas foi importante, uma
vez que a ordem, considerada o principal bastião da Contra-Reforma, terá contribuído
para esta mudança.
Numa análise de conteúdo verificam-se inúmeras semelhanças, o que prova haver uma
origem comum. Na realidade os textos baseavam-se num formulário comum: as de
Lisboa, aprovadas no sínodo de 25 de Agosto de 1536. Facto peculiar sucede com o
vicariato de Tomar, que após a criação da diocese do Funchal se manteve como "nullius
diocesis", mas regendo-se por um texto próprio aprovado no sínodo de 18 a 22 de Junho
de 1554. No preâmbulo é referido, a exemplo das constituições de Angra de 1559, a
origem num texto anterior do Funchal. Deste modo poder-se-á afirmar que as de D.
Jerónimo Barreto (1578) não foram as primeiras estabelecidas para o bispado, havendo
umas anteriores que se perderam. Fernando Augusto da Silva3 refere-nos, a propósito,
2
. Arquivo dos Açores, vol. IV, 184-192; Álvaro Rodrigues de Azevedo, "Anotações", in Saudades da Terra, Funchal, 1873, 536-
566.
3
. Subsídios para a História da diocese do Funchal, Funchal, 1946, 98.
que o arcebispo D. Martinho de Portugal fez umas que serviram de regra ao governo do
bispado do Funchal. Para António de Vasconcelos4 elas foram estabelecidas por D.
Diogo Pinheiro, que serviu simultaneamente de bispo do Funchal e vigário de Tomar.
Confrontadas as sinodais de Angra (1559) com as do Funchal (1578) verifica-se que a
intervenção das normativas tridentinas foi pouco significativa, incidindo apenas nos
aspectos doutrinários, mas com pouco valor para o seu articulado. Facto evidente de que
nas ilhas a prática cultual do clero e leigo, ainda que a nível teórico, não estava fora do
bom caminho.
4
. "Nota Cronolígoco-bibliographica das constituições diocesanas portuguesas até hoje impressas", in O instituto, Coimbra, Vol. 58,
1911, 494.
Nas visitas feitas por inquisidores do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa à Madeira e
Açores surgem outros membros da igreja, condenados por solicitação, blasfémias,
desobediência, sodomia e crítica dos dogmas do catolicismo.
A arrecadação dos dízimos eclesiásticos estava tutelada pelas instituições régias. Pela
mesma sabe-se também que o dízimo dava para pagar todas as despesas das ordinárias
do clero e fábricas das diversas paróquias.
A justiça eclesiástica era um domínio importante na vida da diocese. Ela tem lugar de
relevo na vida do bispado e paróquias dele dependentes. Para isso a igreja criou uma
estrutura judiciária, definindo a alçada do ouvidor eclesiástico, do bispo e do papa. O
clero, o visitador em serviço faziam parte da estrutura, estando todos obrigados a
declarar os pecados públicos e a clamar por justiça.
A igreja dispunha de estrutura judiciária própria em cada bispado . Não obstante tal
alçada abranger alguns domínios da sociedade era junto do clero que se definia com
maior rigor a sua intervenção, uma vez que a imunidade eclesiástica não permitia a
presença nos tribunais seculares.
Não foi fácil delimitar a área jurisdicional da justiça ao nível secular e religioso, pois
inúmeras normas estatuídas pela igreja repetem-se no articulado das leis e ordenações
régias, confrontando-se uma alçada comum. O "código das Siete Partidas", um dos
principais fundamentos das leis peninsulares, define logo na primeira partida isto ao
dedica-la por inteiro ao estado "eclesiástico". Aí ficaram lavradas inúmeras regras que
depois passaram para as ordenações régias portuguesas e constituições sinodais. Na
compilação das leis, feita no reinado D. Afonso V, um capítulo do livro segundo é sobre
o "trautar das leix, que falam acerca das igrejas, e mosteiros e clérigos sagraes, e
religiosos", foram nele incorporadas todas as determinações acordadas entre a Santa Sé
e os monarcas antecedentes.
Todos os que incorriam em "pecados" graves, a pena mais severa, que lhes podia ser
aplicada, era a excomunhão. A respectiva carta era passada pelo bispo, havendo no
entanto penas que só poderiam ser atribuídas pelo papa, conforme o estabelecido no
final. A excomunhão foi a arma mais poderosa da justiça eclesiástica, sendo definida
nas constituições como "a maior que há na igreja de Deus", privando os réus "da
participação dos sacramentos, dos sufrágios dela, e da comunicação dos fiéis christäos".
Deste modo a Igreja apostou nas consequências disso para fazer cumprir as normas de
conduta estabelecidas e reprimir os refractários.
A aplicação dos códigos civil e religioso e a punição dos infractores fazia-se de forma
diferente. Enquanto a jurisdição secular estava expressa na actividade dos funcionários
régios (corregedor, alcaide, juiz de fora e ordinário) e das instituições entretanto criadas,
no domínio eclesiástico desmultiplica-se pelos funcionários (ouvidor e visitador) e
tribunal do Santo Ofício. Ele foi criado com um objectivo específico, mas depois teve a
alçada alargada a outros domínios.
A contra-reforma, a inquisição e, mais perto de nós, o Vaticano II, tentaram apagar sem
sucesso muitas das crenças populares. Por isso, a solução foi tentar impor critérios e
praticas de acomodação. Neste contexto é de destacar as constituições sinodais
funchalenses do século XVI que consideram a superstição como sinónimo de feitiçaria,
sortilégios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o demónio. Nas constituições
sinodais dos séculos XVI e XVII é manifesta essa atitude de oposição, sendo
condenadas quaisquer manifestações de sortilégio, agoiro, benzedura. Em 1618 o
inquisidor de visita à ilha viu-se confrontado com a generalizada pratica supersticiosa,
tendo condenado 13 mulheres por feitiçaria. O facto mais evidente é que todos tinham
consciência que estas praticas eram proibidas. O conhecimento desta realidade passa
mais pelas visitas paroquiais e as consequentes recomendações dos prelados do que
pelas orientações definidas pelas Constituições Sinodais. Nestas é possível rastrear a
forma de expressão da religiosidade popular e a intervenção do bispo no sentido da sua
erradicação. Estamos perante um campo em aberto que aguarda por uma pesquisa
aturadas nos arquivos paroquiais.
Acabar com esta situação só seria possível através do ensino da doutrina. Neste caso é
de salientar as recomendações ao ensino aos gentios, expressa na intervenção face aos
negros acolhidos na ilha. A primeira recomendação neste sentido foi expressa em 1592
pelo bispo D. Luís de Figueiredo de Lemos, aquando da visita à paróquia da Fajã da
Ovelha. Aí refere-se a presença no bispado de inúmeros escravos gentios que, por isso
mesmo, deveriam merecer a atenção dos vigários. Deste modo as recomendações aos
curas e párocos são no sentido de um maior cuidado, fazendo com que os escravos
saibam "a doutrina christam e ao menos a oração Pater Noster e Ave Maria, os artigos
de fé e os mandamentos da Lei de Deus(...)". O facto de alguns manifestarem o desejo
de professar a religião Cristão era o indicativo seguro dos cuidados a ter e dos frutos da
sua doutrinação. Aos fregueses eram também atribuídas responsabilidades neste âmbito,
ordenando-se que aos escravos de mais de sete anos "lhes fação com muita diligência
ensinar a doutrina". Por outro lado recomendava-se aos párocos que se informassem
sobre os escravos da freguesia "e achando que não sabem o Pater Noster e Avé Maria,
os artigos de fé e mandamentos de lei de deus proceda(m) contra seus senhores pera que
ensinem ou fação ensinar a dita doutrina, e os mandem a igreja aprendella ao tempo que
a ensinarem(...)".
Esta insistência da Igreja na doutrinação e prática religiosa dos escravos esbarrava com
inúmeras resistências da parte dos proprietários como dos próprios escravos, que se
mantinham arreigados aos rituais africanos, ou islamizados. Mesmo assim na Madeira
foi reduzido o número de refractários ao catolicismo, tal como nos testemunham as
poucas denunciações feitas, aquando das visitas do Santo Ofício à Madeira, em 1591 e
1618.
A presença da comunidade britânica era evidente, mas nunca foi alvo de qualquer
perseguição por questões religiosas, a excepção acontece em 1846 com o Dr. Roberto
Kalley, contando sempre com a complacência e discrição de todos. O bispo
funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de 1615
chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé",
apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior
que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem
disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo".Todavia,
é reduzido o número de anglicanos denunciados, sendo apenas 4 em 1618.
A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores
aí enviados. Na Madeira e nos Açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos
Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco
Cardoso Tornéo. Para Cabo Verde e S. Tomé estabeleceu-se idêntica missão em 1591,
1618 e 1626 mas os visitadores nunca pisaram as ilhas, detendo-se apenas no Brasil ou
em Angola.
Nas ilhas é manifesta uma certa conivência das autoridades com a presença da
comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação.
Lembremo-nos que o povoamento de S. Tomé se fez com crianças de origem hebraica.
Deste modo o tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns
judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e pela sua permanência. No
primeiro quartel do século dezassete do rol de judeus fintados temos 58 na Madeira e 61
nos Açores. Entretanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se
representar pelo bispo, clero, reitores do Colégio dos Jesuítas, "familiares" e
comissários do Santo Ofício.
A par disso o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma
maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte
do clero e do Santo Ofício. A incidência do comércio dos Açores e da Madeira no
açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos
da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido
a presença de uma importante comunidade nos dois arquipélagos, o que veio a avolumar
as preocupações dos inquisidores. Todavia a intervenção do tribunal foi reduzida, pois
só se conhece a prisão de alguns anglicanos nos Açores nas visitas de 1575 e 1618.
Eis um breve e incisivo retrato do catolicismo dos madeirenses que, não obstante ser
traçado por um protestante, molestado com o tratamento feito para com os seus
compatrícios, não estava longe da pratica e quotidiano religioso da Madeira e demais
ilhas.
5
. John OVINGTON, "A voyage to Surrat in the year
1689", in Madeira vista por estrangeiros 1455-1700,
Funchal, 1981, 203-206.
ARTE RELIGIOSA. As riquezas geradas pelo comércio do açúcar propiciaram à
coroa e madeirenses os necessários dinheiros para erguer tão sumptuoso templo e
rechea-lo de ricas pinturas flamengas e alfaias religiosas em ouro e prata. Aliás, a
riqueza da arte sacra madeirense e a monumentalidade da arquitectura religiosa, nos
séculos XV e XVI, estão em relação directa com esta realidade, sendo testemunho disso
o recheio do Museu de Arte Sacra no Funchal.
Nos anos quarenta o pároco de S. Vicente, o padre Alfredo Teodoro de Ponte Lira
aposta na renovação e ampliação das duas igrejas do concelho. Primeiro foi a
reconstrução da igreja matriz da Vila com o aumento de uma nova nave para o Centro
da Vila seguindo-se depois a ampliação da de Nossa Senhora do Rosário em 1947 com
duas naves laterais tendo a Câmara construído o largo e jardinagem do largo junto desta
Capela.
Com o bispo D. Frei David de Sousa a diocese do Funchal viu aumentar o número de
paróquias, sendo de salientar as três novas do concelho: Lameiros, Feiteiras e Fajã do
Penedo. Não obstante ter sido instalada a sua cripta em 1965 tardou alguns anos até que
estas dispusessem do seu próprio templo. A iniciativa da construção da Igreja das
Feiteiras bem como da casa paroquial do Rosário partiu do Padre Manuel de Sousa
Júnior.
Hoje, quando se fala na devoção religiosa das gentes do norte vêm-nos à memória, no
imediato, as romarias do Senhor Bom Jesus (no primeiro domingo de Setembro) e de
6
. Vereação de 7 de Junho de 1873.
Nossa Senhora do Rosário (no primeiro Domingo de Outubro). Ontem como hoje estas
duas manifestações religiosas continuam a ser um dos momentos mais importantes da
vivência religiosa e folia. Ontem como hoje mantêm-se como festividades regionais que
fazem atrair milhares de romeiros ou forasteiros.
Santa Quitéria, São Vicente, Bom Jesus, são os padroeiros das igrejas matrizes das três
freguesias que formam o Concelho de São Vicente. O último sustentado por um dos
mais rijos arraiais de toda a ilha, o do Bom Jesus de Ponta Delgada, em Setembro, e
onde acorrem centenas de forasteiros, noutros tempos ostentando, presa na fita do
chapéu, estampa votiva do santo, impressa com a oração de indulgência
"Encomendação a Jesus"
O Senhor Bom Jesus e Nossa Senhora do Rosário firmaram-se desde muito cedo na
devoção das gentes do norte e também de toda a ilha. O Senhor Bom Jesus é a devoção
mais antiga e terá surgido na ilha desde 1466 com Manuel Afonso Sanha um colono
oriundo de Braga que fez transplantar para a sua sesmaria na Ponta Delgada o seu
patrono. Deste modo, a primeira ermida que também fez erguer foi em sua honra. Da
devoção privada passou-se à de todas as gentes do local, da encosta norte, e, depois, de
toda a ilha. Não sabemos como tudo se passou. Apenas podemos afirmar que já no
último quartel do século XVI a festa do Senhor Bom Jesus fazia atrair muitos romeiros
à encosta norte. No livro de visitações encontramos informações que apontam para um
aumento da devoção ao Senhor Bom Jesus e de afluência dos romeiros nos séculos
seguintes. Em 1657 e 1706 surgem queixas a propósito de o gado, no caso de caprino,
pastar nas serras, sobranceiras às veredas, o que fazia perigar os transeuntes que se
dirigiam à missa ou em romagem. E, no último ano, refere-se a morte de "muitas
pessoas das contínuas romarias". Na verdade, neste século XVIII o Senhor Bom Jesus,
não obstante estar colocado num local distante da encosta norte, era motivo de grande
devoção, fazendo aumentar a afluência de romeiros.
Desde finais do século XVI que está testemunhada a existência da confraria do Senhor
Bom Jesus que através do número de legados perpétuos oriundos de gentes de diversas
origens atesta que a devoção estava em crescente ascensão. A fama do Senhor Bom
Jesus como milagreiro alastrou a toda a ilha e fez com que o norte, mais propriamente
Ponta Delgada, se transformasse num dos principais centros de peregrinação. Desde o
século XVII são evidentes os testemunhos da dominância desta romaria na devoção
popular. Assim, para além dos legados em género ou dinheiro, temos as obrigações de
romaria ao Senhor Bom Jesus com missa e a presença do ente querido a quem foi
pedida a intersecção do Senhor Bom Jesus. A promessa, ontem como hoje, não se ficava
apenas pela ida em romaria a Ponta Delgada e entrega de uma esmola mas também pela
alegria dos cantares. O testemunho das assíduas romagens está no facto de em 1646
Afonso Gomes ter deixado à fábrica da igreja de Ponta Delgada uma casa para os
romeiros.
A tradição prolongou-se no tempo chegando até nós. E, neste curso de cinco séculos são
evidentes os testemunhos desta viva tradição. Em 1817 José Moniz de Câmara, vizinho
da Fajã de Areia, declarava ao Padre Francisco Borges seu testamenteiro para cumprir
os seus legados, entre os quais estava a obrigação de cumprir uma romaria ao Senhor
Bom Jesus de Ponta Delgada, entrando de joelhos desde a porta principal até ao altar-
mor seguido de uma missa. O culto está também patente na confraria com o mesmo
nome, que domina os legados perpétuos a partir de 1645. Esta devoção atingia as gentes
do lugar mas também as de São Vicente.
O facto desta devoção se afirmar a partir de meados do século XVII deverá estar
relacionado com a fama de milagreiro do Senhor Bom Jesus. Assim, em 1866 o
presidente da Câmara de S. Vicente dá conta de que a festa contou com a afluência de
muito povo, o que provocou uma desorganização junto da imagem, não intervindo o
regedor do lugar porque estava ocupado a vender círios. No ano imediato foi ainda
maior a presença de peregrinos: "no primeiro de Setembro teve lugar a grande romaria
de Ponta Delgada, a qual foi bastante concorrida, pois "é a opinião geral de que a
romaria deste ano excedia um terço dos anos anteriores". Tudo correu sem incidentes,
havendo apenas a lamentar a morte de um barqueiro da Ribeira Brava que caiu
embriagado nas fajãs de São Vicente.
A afluência dos peregrinos ao local de romagem era grande e fazia-se através dos
caminhos que ligavam o local ao sul da ilha, por via de Boaventura ou de S. Vicente.
Deste modo na última semana de Agosto era desusado o número destes que
calcorreavam a pé as encostas íngremes. No século XX com a abertura das estradas de
ligação entre S. Vicente e a Ribeira Brava e Ponta Delgada o movimento transferiu-se
para a estrada. Não será de estranhar o facto de a romaria do Senhor Bom Jesus se
estender à Encumeada, Caramujo e Estanquinhos. Assim em 19367 o imposto sobre a
carne e barracas montada nestes locais nos dias 5 a 10 de Setembro era cobrado por
Joaquim Nunes Brazão Machado
A grande aposta em terrenos de devoção e diversão estava nos arraiais de Ponta Delgada
e do Rosário. A referência a estas manifestações é ocasional e prende-se com os
interesses e obrigações do próprio município. Em 1876 a Vereação nomeou dois fiscais
para as vendas ambulantes na festa de Ponta Delgada. Ainda de acordo com
determinação da comissão reguladora do comércio do distrito do Funchal sabemos que
em 1941 podiam ser abatidas até 80 cabeças de gado. Os contributos da Câmara para
estas festas são poucos resumindo-se a assegurar as despesas com o policiamento e
apenas em 1937 é declarado que o valor de 135$00 do imposto cobrado aos vendedores
ambulantes no arraial do Rosário ficaria para as despesas do mesmo.
A partir dos anos quarenta temos notícia de outro arraial em honra do orago do
concelho. Desde 1947 que temos referência à sua realização através do pedido de
licença para a colocação de mastros na rua da Vila. Entretanto em 25 de Outubro de
1962 a Vereação, sob proposta do seu presidente decidiu considerar o dia 22 de Janeiro
como feriado municipal, tendo em conta que era uma festa com grande tradição em
honra do padroeiro da Vila e do concelho.
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Veração de 13 e 20 de Agosto de 1936
Em 1944 a Vereação decidiu comemorar outra efeméride evocativa da elevação do
lugar de S. Vicente à categoria de Vila e de criação do concelho. A 15 de Julho decidiu-
se celebrar os duzentos anos com uma festa, à qual compareceram as mais altas
individualidades da região. A vila tornou-se no centro da ilha durante algum tempo.
Fez-se uma exposição de gado, etnográfica. O acto foi aproveitado para uma
homenagem ao Governador Civil, Gustavo Teixeira Dias, e ao Presidente da Junta
Geral, Dr. João Abel de Freitas que foram agraciados com o título de cidadão honorário
do concelho.